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O discurso do Ministro da Economia do Brasil sobre os pobres

Jéssica Vitória Tokarski Mazeto1

Universidade Federal do Paraná

A-

1. Introdução

Desde o dia 1º de janeiro de 2019, quando o atual presidente do Brasil – Jair


Messias Bolsonaro – tomou posse, o economista Paulo Roberto Nunes Guedes está à
frente do Ministério da Economia do Governo Federal. Neste período, o ministro
realizou declarações bastante polêmicas envolvendo grande parcela da população
brasileira, composta por pessoas pobres ou extremamente pobres, porção que cresceu
ainda mais durante a pandemia de Covid-19, ao longo dos anos 2020 e 2021, no
governo Bolsonaro.

Segundo um estudo publicado em abril de 2021 pelo Centro de Pesquisa em


Macroeconomia das Desigualdades, da Universidade de São Paulo (Made/USP),
denominado "Gênero e raça em evidência durante a pandemia no Brasil: o impacto do
auxílio emergencial na pobreza e na extrema pobreza” 2, a taxa de pobreza no Brasil
chegou a mais de 30% da população naquele ano, enquanto a de pobreza extrema
passou de 10%.

As declarações de Guedes insinuam que os pobres consomem demais, que essa


população deveria comer as sobras da classe média e que não poderiam ingressar em
universidades ou ir à Disneylândia, dentre outras afirmações semelhantes.

A partir dos conceitos de formação ideológica (FID) e formação discursiva (FD),


cunhados por Michel Pêcheux, o presente trabalho pretende traçar uma proposta de
análise a respeito de algumas declarações polêmicas, feitas por Paulo Guedes,
envolvendo a temática pobreza e observar de que forma foram constituídos os sentidos
sobre essa população no discurso do ministro e seus possíveis efeitos.

1
Jornalista e especialista em Produção e Avaliação de Conteúdos em Mídias Digitais. Atualmente é
mestranda do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Paraná na área de
concentração Estudos Linguísticos.
2
https://madeusp.com.br/publicacoes/artigos/genero-e-raca-em-evidencia-durante-a-pandemia-no-
brasil-o-impacto-do-auxilio-emergencial-na-pobreza-e-extrema-pobreza/. Acesso em 5 jan. 2022
A investigação também se ampara nos conceitos de jogos de imagem e de
formações imaginárias de Pêcheux, com o objetivo de designar as imagens que o agente
do discurso faz de seu lugar social e do lugar social do outro.

2. As formações discursiva e ideológica

Para Pêcheux (1995), condições de produções específicas determinam o que


pode ou não ser dito, a partir de uma posição em um determinado contexto. Esse é o
conceito de formação discursiva (FD). “Aquilo que, numa formação ideológica dada,
isto é, a partir de uma posição dada numa conjuntura dada, determinada pelo estado da
luta de classes, determina o que pode e deve ser dito”. (PÊCHEUX, 1995, p.160)

Já a formação ideológica (FI) está relacionada às posições sociais, políticas,


culturais e econômicas de onde em que o sujeito enunciador está inserido. Nesse
sentido, a FI pode compreender diversas FDs que entram em conflito com outras FIs.
“Falaremos de formação ideológica para caracterizar um elemento (...) suscetível de
intervir como uma força em confronto com outras forças na conjuntura ideológica
característica de uma formação social em dado momento”. (PÊCHEUX; FUCHS, 1997,
p.166).

Considerando os cenários históricos e sociais que rodeiam os sujeitos, estes são


atravessados por ideologias, conforme o contexto em que estão inseridos e o papel que
assumem na sociedade, e, desse modo, adotam uma posição-sujeito à medida que
apresentam afinidade com determinada formação ideológica.

Paulo Guedes se formou em Economia na Universidade Federal de Minas Gerais


(UFMG) e é mestre e doutor pela Universidade de Chicago. Ele foi professor da
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e da Fundação Getúlio
Vargas (FGV-SP), além de um dos fundadores do Banco Pactual, de vários fundos de
investimentos e empresas e do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec).3

Em outubro de 2021, a investigação Pandora Papers, projeto do Consórcio


Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) que investigou milhões de documentos
de paraísos fiscais em todo o mundo4, expôs que Guedes é dono de offshores, isto é,
empresas e contas bancárias abertas em territórios com menor tributação. No

3
https://www.suno.com.br/tudo-sobre/paulo-guedes/. Acesso em 5 jan. 2022
4
https://apublica.org/especial/pandora-papers/. Acesso em 5 jan. 2022
levantamento5, ele aparece como acionista da empresa Dreadnoughts International
Group, registrada nas Ilhas Virgens Britânicas. O empreendimento é uma shelf
company, empresa fundada em paraísos fiscais que pode permanecer anos sem atividade
à espera de que alguém lhes dê uma função. Os documentos mostram que o ministro
possuía, em 2015, pelo menos 9,5 milhões de dólares investidos na companhia,
registrada em seu nome e nos de sua esposa e filha.

Sua carreira construída em meio à elite banqueira do país, bem como seu
elevado patrimônio financeiro, no Brasil e fora dele, corroboram suas falas
preconceituosas inscrevendo-o em uma posição social elitista indiferente aos mais
pobres, ou ainda, que demonstra rechaço ante essa camada social.

3. Condições de produção

Na mesma direção, o conceito de condições de produção remete ao contexto


histórico e social em que o discurso está inserido. A concepção é de que as falas do
discurso não podem, na realidade, serem atribuídas ao sujeito falante, vez que este é
interpelado pela ideologia. Desse modo, o sujeito não tem controle absoluto sobre
aquilo que diz, o modo como diz e pelas escolhas que faz.

Ao dizer, o sujeito significa em condições determinadas, impelido, de um lado, pela


língua e, de outro, pelo mundo, pela sua experiência, por fatos que reclamam
sentidos, e também por sua memória discursiva, por um saber/poder/dever dizer, em
que os fatos fazem sentido por se inscreverem em formações discursivas que
representam no discurso as injunções ideológicas (ORLANDI, 2012c, p. 53, apud
SILVA, 2014, p. 106-107)

Para Pêcheux (1988, p. 161), essa condição de sujeito gera os esquecimentos por
ele denominados de esquecimento 1 e esquecimento 2. No primeiro, o sujeito se
considera fonte do sentido de um discurso, enquanto no segundo, ele considera que só
há um modo de dizer o que ele quer, desconsiderando tudo aquilo que não selecionou
para dizer.

Estamos inseridos no contexto de uma sociedade capitalista, consumista, que


preza pelos bens materiais, pelo dinheiro e pelo poder e que enxerga pessoas com
muitas posses e com cargos importantes como superiores em relação aoàs demais. Por
outro lado, as pessoas sem boas condições financeiras ou posições sociais consideradas

5
https://brasil.elpais.com/pandora-papers/2021-10-03/ministro-paulo-guedes-e-presidente-do-banco-
central-roberto-campos-neto-sao-donos-de-offshore.html. Acesso em 5 jan. 2022
privilegiadas são desvalorizadas, vistas como sem importância e não recebem voz para
expressar seus anseios e suas necessidades.

Ao analisarmos, portanto, as condições de produção de um discurso e as


formações discursivas e ideológicas nas quais os sujeitos estão inscritos, é possível
assimilar diferentes sentidos para aquilo que é dito no discurso.

4. Jogos de imagens e formações imaginárias

Na perspectiva de Pêcheux (1977), os lugares dos interlocutores são marcados


com traços específicos determináveis, apresentando posições assinaladas nos discursos.

(...) por meio de feixes de traços objetivos característicos: assim, por exemplo, no
interior da esfera da produção econômica, os lugares do "patrão" (diretor, chefe da
empresa etc.), do funcionário de repartição, do contramestre, do operário, são
marcados por propriedades diferenciais determináveis. Nossa hipótese é a de que
esses lugares estão representados nos processos discursivos em que estão colocados
em jogo. (PÊCHEUX, 1997a, p.82)

As formações imaginárias estão pressupostas nos processos discursivos, à


proporção que o lugar do enunciador se dá a partir do que é dito por ele. Os discursos
por ele selecionados produzem imagens para os interlocutores, o que fará com que as
posições no discurso sejam marcadas.

Isso é possível devido aos jogos de imagens, por meio dos quais o enunciador irá
pressupor o lugar do ouvinte. Trata-se, portanto, de uma antecipação do que o outro vai
pensar, de uma forma de o sujeito se colocar no lugar do ouvinte e imaginar qual o
sentido que suas palavras produzirão. Essa antecipação é constitutiva de todo discurso,
pois, segundo Orlandi (2008), “argumentar é prever” (p.77).

5. Declarações de Guedes

O corpus desta análise é composto por quatro declarações feitas pelo ministro da
economia, Paulo Guedes, em diferentes momentos da sua gestão. Os comentários estão
relacionados a temas ligados à economia do país como alta do dólar, alta no preço dos
alimentos, fome, financiamento estudantil e pobreza.

O corpus foi enumerado e organizado de um aem quatro grupos, apresentando as


sequências discursivas (SD) mais polêmicas e que tiveram maior repercussão social e
midiática de tais declarações.

N Contexto Local e data da fala Declaração


°
1 Pobreza Entrevista à Folha de “Um menino, desde cedo, sabe que
S. Paulo ele é um ser de responsabilidade
Novembro de 2019 quando tem de poupar. Os ricos
capitalizam seus recursos. Os pobres
consomem tudo”.6
2 Alta do dólar Evento em Brasília “O câmbio não está nervoso, mudou.
Fevereiro de 2020 Não tem negócio de câmbio a R$
1,80. Todo mundo indo para a
Disneylândia, empregada doméstica
indo para Disneylândia, uma festa
danada. Pera aí. Vai passear ali em
Foz do Iguaçu, vai passear ali no
Nordeste, está cheio de praia bonita.
Vai para Cachoeiro de Itapemirim,
vai conhecer onde o Roberto Carlos
nasceu, vai passear no Brasil, vai
conhecer o Brasil. Está cheio de
coisa bonita para ver”.7
3 Financiamento Reunião em Brasília "O porteiro do meu prédio, uma vez,
Estudantil Abril de 2021 virou para mim e falou assim: 'Seu
Paulo, eu estou muito preocupado'. O
que houve? 'Meu filho passou na
universidade privada'. Ué, mas está
triste por quê? 'Ele tirou zero na
prova. Tirou zero em todas as provas
e eu recebi um negócio dizendo:
parabéns, seu filho tirou...' Aí tinha
um espaço para preencher, colocava
'zero'. Seu filho tirou zero. E acaba
de se endereçar a nossa escola,
6
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/11/da-para-esperar-4-anos-de-um-liberal-democrata-
apos-30-de-centro-esquerda-diz-guedes.shtml. Acesso em 5 jan. 2022
7
https://oglobo.globo.com/economia/guedes-diz-que-dolar-alto-bom-empregada-domestica-estava-
indo-para-disney-uma-festa-danada-24245365. Acesso em 5 jan. 2022
estamos muito felizes”8
4 Fome Evento on-line “Você vê um prato de um classe
Junho de 2021 média europeu, que já enfrentou duas
guerras mundiais, são pratos
relativamente pequenos. E os nossos
aqui, nós fazemos o almoço onde às
vezes há uma sobra enorme, e isso
vai até o final, que é a refeição da
classe média alta, até lá há excesso.
Com toda aquela alimentação que
não foi utilizada durante aquele dia
no restaurante, aquilo dá para
alimentar pessoas fragilizadas,
mendigos, desamparados. É muito
melhor do que deixar estragar essa
comida toda, que estraga diariamente
na mesa das classes mais altas
brasileiras, e também o desperdício
ao longo de toda a cadeia produtiva”9

A constituição do corpus foi resultado da seleção de declarações recentes,


veiculadas na mídia entre 2019 e 2021, que se demonstraram representativas para a
observação de como o ministro da economia se inscreve ideologicamente e de que
forma visa conduzir as práticas políticas condizentes à sua pasta no governo federal.

6. Análise dos discursos

A análise das quatro sequências discursivas revela que Guedes se inscreve em


uma FI elitista, que enxerga o estrato social mais pobre como sendo formado por
pessoas que não se esforçam o suficiente para melhorarem suas condições de vida,
culpando-as pela própria situação. A investigação ainda aponta que o economista não
acredita que as pessoas mais pobres possam ter os mesmos direitos que a classe média
8
https://educacao.uol.com.br/noticias/2021/04/29/guedes-fies-levou-ate-para-filho-de-porteiro-para-
universidade-diz-jornal.htm. Acesso em 5 jan. 2022
9
https://oglobo.globo.com/economia/guedes-compara-prato-da-classe-media-brasileiro-ao-europeu-
diz-que-sobra-de-comida-em-restaurantes-poderia-ir-para-pobres-25066161. Acesso em 5 jan. 2022
ou alta, devendo se contentar com coisas de menos valor, mais simples e até que não
deveriam frequentar os mesmos espaços e ter o mesmo acesso à educação, ao lazer e à
cultura. Desse modo, é possível avaliar que, a partir dos discursos, o analisado não vê as
pessoas pobres como seus semelhantes, tomando-as como seres inferiores e, portanto,
sem direitos e sem valor.

Em duas dessas quatro declarações, o político utiliza informações de terceiros


com o intuito de validar seu argumento. Isso acontece na SD 3 e na SD 4;: na primeira,
ele se vale de uma conversa com o porteiro de seu prédio, reproduzindo as falas do
sujeito, para se posicionar contra o financiamento estudantil; na segunda, ele emprega
um dado da Europa para tentar legitimar seu comentário, comparando situações entre o
continente e o Brasil. Essa estratégia pode ter sido usada para que ele não se
desresponsabilizasse pela afirmação inicial proferida, dando a entender que concorda
com os fatos, porém não é ele quem está informando aquela situação.

A SD 1 torna perceptível outra ideologia elitista, conhecida como meritocracia.


O pensamento é típico de inscritos em FDs construídas a partir de uma condição de vida
mais favorável. Apesar de a ideia desse conceito significar que os indivíduos são
capazes de prosperar somente com graças às suas capacidades, sem precisar da ajuda da
sociedade, do Estado ou da família. A elite brasileira costuma adotar tal definição para
rechaçar políticas afirmativas ofertadas pelo Estado, mas não se opõe, com o mesmo
fervor, contra benefícios provenientes da sua condição social, étnica, racial ou de
gênero.

Ao afirmar que meninos desde cedo devem poupar e que essa atitude significa
que a criança em questão é responsável, o ministro assume que as pessoas pobres não
poupam por escolha própria e que isso condiz com uma característica de
irresponsabilidade dessa camada social, que prefere consumir tudo, ou seja, gastar toda
sua renda, em vez de economizar ou investir parte dela. Ele não leva em conta, portanto,
o fato de que a renda de milhares de brasileiros não é minimamente suficiente nem para
as necessidades básicas, nem para a alimentação, quanto mais que sobraria parcela desse
montante para poupar ou capitalizar.

Na SD 2, ao pronunciar “empregada doméstica indo para Disneylândia, uma


festa danada”, Guedes utiliza a palavra “festa” de forma pejorativa, como se o fato de
empregadas domésticas irem ao parque americano fosse uma farra, uma baderna. Ao se
expressar desse modo e, ainda, sugerindo que essa classe trabalhadora deveria visitar
apenas pontos turísticos brasileiros, o ministro se coloca em uma posição superior e
demonstra não concordar com a possibilidade de que pessoas em condições econômicas
mais humildes tenham sonhos ou anseios mais ousados, como viajar para países de
primeiro mundo e frequentar os mesmos espaços que a classe média e alta.

O economista emprega essa premissa para justificar um problema real da


economia brasileira, pelo qual ele deveria ser o responsável e estar trabalhando para
reparar: a alta do dólar.

Na SD 3, Guedes reproduz uma conversa que teve com o porteiro de seu prédio
para fundamentar seu pensamento de que o financiamento estudantil não é uma política
apropriada. Apesar de se eximir da responsabilidade de afirmar que pessoas com notas
mais baixas não deveriam frequentar universidades, principalmente as privadas,
transpondo a autoria da declaração para o porteiro, um indivíduo que está inscrito em
uma FD diferente da dele, observa-se, nesse discurso, o descontentamento com a
coexistência entre classes sociais e econômicas diferentes em um mesmo ambiente, bem
como, novamente, a crença em um mito de meritocracia.

O trecho, revela, portanto, que o ministro não apoia o fato de que pessoas mais
pobres e que tiveram menos oportunidades de estudo ao longo da vida, possam ter
acesso a uma educação de qualidade, que dê a elas a oportunidade de se tornarem mais
qualificadas e de melhorarem intelectualmente.

A SD 4 serve-se de uma informação, que o enunciador diz ser um dado que


ocorre na Europa, para suscitar uma discussão a respeito de situação que ocorre no
Brasil. Ao se referir, inicialmente, à classe média e então declarar “isso vai até o final,
que é a refeição da classe média alta, até lá há excesso”, o uso da palavra “até”
demonstra que o sujeito falante enxerga uma diferença entre as classes média e alta. Ou
seja, o discurso revela que mesmo uma classe superior, que seria a alta, tem alguns
comportamentos inconvenientes, na visão do enunciador.

Em um segundo momento, Guedes afirma que a “sobra enorme” da alimentação


das classes média e alta poderiam ser aproveitadas para sanar a fome de “pessoas
fragilizadas, mendigos, desamparados” e que essa atitude seria “muito melhor do que
deixar estragar essa comida toda, que estraga diariamente na mesa das classes mais altas
brasileiras”. Em nenhum momento da sua fala, ele repreende o fato de essas pessoas
desperdiçarem tanta comida e agirem de modo irracional quanto a um recurso escasso
no país e no mundo.

Pelo contrário, ao sugerir que essas sobras sejam destinadas a pessoas


fragilizadas, ele compactua que o esbanjamento continue ocorrendo, que a elite prossiga
com o comportamento descontrolado na alimentação e que aquilo que não lhes servir, aí
sim poderia ser dirigido à classe baixa. Não existe, nesse discurso, um posicionamento
que vise solucionar esse problema sério que afeta tantos brasileiros, ou uma tentativa de
buscar diminuir a desigualdade social refletida também na alimentação. Mais uma vez,
o ministro sugere que os ricos são mais importantes, superiores, podendo escolher o que
comem e tolhendo os direitos, anseios e desejos dos pobres, que deveriam aceitar aquilo
que lhes impõem.

7. Considerações finais

Ao longo da análise realizada, constatou-se que houve repetições de discursos


elitistas e preconceituosos nas declarações do ministro da economia. Foram observadas,
nessas sequências discursivas, formações imaginárias por parte do sujeito enunciador
marcadas com uma posição de superioridade perante a classe baixa do país.

Para tanto, foi necessário percorrer um caminho teórico-metodológico


fundamentado na Análise do Discurso da linha francesa, especialmente a partir da teoria
pecheutiana que recorre a preceitos noções como ‘condições de produção’, ‘formações
discursivas e ideológicas’, e ‘jogos de imagens’ e ‘formações imaginárias’. Os conceitos
abordados foram importantes para situar o contexto em que os interlocutores estão
inseridos, no qual as representações sociais que possuem são medidas pela ideologia e
pelas formações ideológicas, bem como para a dimensão imagética de seus papéis
sociais.

O sujeito da investigação, tendo em vista seu cargo, sua condição econômica e


sua trajetória de vida, inscreve-se em formações discursivas/ideológicas distintas
daquelas ocupadas pelos indivíduos aos quais ele se dirigiu em suas declarações. Nesse
sentido, ele profere discursos que reproduzem condutas hostis, agressivas e que revelam
desdém para com o estrato social pobre da população brasileira, inflando e incentivando
a visão de mundo adotada por seus iguais, validando o comportamento da classe média
e alta e distorcendo e recriminando atitudes de pessoas que já não possuem condições de
escolha, que têm seus direitos frequentemente invisibilizados e suas vozes silenciadas.
Seu preconceito e suas concepções, refletidos nos discursos, são revelados
também em suas atitudes enquanto ministro da economia de um país que possui uma
população cuja maior parte é composta por pessoas pobres ou abaixo da linha da
pobreza, problema social que diz respeito diretamente à política econômica adotada pelo
governo.

Ao longo de sua gestão, Guedes tem proposto políticas que atacam diretamente a
classe baixa e trabalhadora brasileira, a exemplo de reformas que reduzem direitos,
privatizações de estatais e outras medidas que contribuem para aumentar a fome e a
miséria no país e, por outro lado, favorecem os empresários e a classe alta a manterem e
aumentarem seus lucros.

Há que se ressaltar ainda que os discursos preconceituosos e agressivos


proferidos por uma pessoa que possui um cargo político de tamanha relevância, que
aparece frequentemente na mídia e que pode ser visto como formador de opinião
daqueles que o apoiam, contribui para fortalecer ainda mais uma formação imaginária
imposta na sociedade pelas elites e assumida, sem alternativa, pelos pobres. A situação
reforça que a massa em condições desfavoráveis seja ignorada, tratada como objeto,
sem direitos, sem dignidade e sem valor.

Referências bibliográficas
ORLANDI, E.P. Discurso e argumentação: um observatório do político. Fórum
Linguístico, Fpolis, n. 1 (73-81), jul.-dez. 1998.
PÊCHEUX, Michel; FUCHS, C. A propósito da análise automática do discurso:
atualização e perspectivas (1975). Trad. Péricles Cunha. In: GADET, F.; HAK, T.
(Org.) Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel
Pêcheux. 3. Ed. Campinas, SP: Editora da Unicamp,1997. p. 163 – 252.
PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. (1975).
Trad. Eni P. Orlandi et al. 2 Ed. Campinas, SP: Editora Da Unicamp, 1995.
SILVA, Naiara Souza. Tatuagens: sujeitos e sentidos. Pelotas: UcPel, 2014.
Dissertação (mestrado em Letras)
SUNO (São Paulo) (comp.). Quem é Paulo Guedes? Disponível em:
https://www.suno.com.br/tudo-sobre/paulo-guedes/. Acesso em: 5 jan. 2022.

Jéssica,
Cada uma das SDs selecionadas mereceria uma análise mais detalhada, vc não
precisaria analisar todas, mas apresentar uma reflexão mais aprofundada a partir da
materialidade linguística veiculada. Entendo que sua estratégia foi buscar um corpus
mais amplo, mas a análise, nesse caso, ficou mais interpretativa e superficial. Valeu o
exercício para as próximas análises.

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