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Resumo
Abstract
1
often complemented by the goal to critically analyse these products. In this chapter, using the
bibliographical revision of works by leading authors, we make a brief overview of the History
of Discourse Analysis, as well as of the theoretical-methodological currents coexisting in the
area. On the one hand, we account for its path of consolidation, but, on the other hand, its still
unstable and diverse essence.
Finally, we identify interface points and potentials between Discourse Analysis and the
organization of knowledge.
1. Introdução
1
Ao longo do capítulo, usaremos, por vezes, a forma abreviada AD para nos referirmos à disciplina da Análise do
Discurso.
2
Parto do pressuposto importante de que o discurso é uma das unidades de análise das línguas porque é a
materialização das mesmas e, logo, o lugar próprio de estudo deste objeto é a Linguística e são as Ciências da
Linguagem. Este é um pressuposto teórico, ao mesmo tempo que uma tomada de posição estratégica, na medida
em que implica assumir a essência dos Estudos do Discurso dentro das Ciências da Linguagem, conceção que não
é consensual, como veremos no decurso do presente capítulo.
3
Segundo Adam (1990: 23), “(…) un discours est un énoncé caracterisable certes par des propriétés textuelles
mais surtout comme un acte de discours accompli dans une situation (participants, institutions, lieu, temps) (…).
Le texte, en revanche, est un objet abstrait résultant de la soustraction du contexte opéré sur l’objet concret
(discours)».
2
O discurso cobre todas as áreas de atuação humana4, sendo que a ambição de descrever
as suas várias formas de materialização e de o perspetivar numa vertente não só descritiva, mas
também crítica, conduziu, necessariamente, ao desenvolvimento de propostas científicas
diversas dentro da Análise do Discurso.
Neste capítulo, propomo-nos fazer uma breve perspetivação histórica da Análise do
Discurso bem como das correntes teórico-metodológicas conviventes na área. Começaremos
por referir questões da génese da Linguística como ciência (ponto 2), traçando o percurso
histórico da Análise do Discurso (ponto 2.1), através do confronto de trabalhos de referência
nesta área (Barros, 1999; Brandão, 2004; Charaudeau & Maingueneau, ((2004) 2016); Fonseca
& Fonseca, 1977; F.I Fonseca, 1992; J. Fonseca, 1994; Maingueneau, 1990, 2007; van Dijk,
1985; Wodak, 2004, entre outros). Faremos, seguidamente, a panorâmica da sua identidade
atual, salientando o processo de consolidação que experimentou, mas, simultaneamente, a
essência instável, diversa e interdisciplinar que a define (ponto 2.2). Assumindo a diversidade
de estudos e filiações teóricas coexistentes na AD, focalizaremos os aspetos que, neste percurso,
ressaltam como comuns e que motivaram o desenvolvimento de uma área de estudos com
identidade consolidada (ponto 3). Por fim, a partir desta perspetivação, identificaremos pontos
e potencialidades de interface entre a Análise do Discurso e outras áreas do saber,
designadamente, a organização do conhecimento (ponto 4).
4
Como adverte Marques (2000: 62): “O conceito de discurso é polissémico, integrando outras dicotomias
terminológicas: numa perspectiva estruturalista, como sinónimo (ou tradução) de “Parole” – Língua vs Discurso;
na perspectiva enunciativa de Benveniste, opondo Discurso e “Récit”. Na oposição dos dois planos de enunciação
designados como história e discurso, Benveniste atribui a discurso um sentido genérico: “Il faut entendre discours
dans sa plus large extension: toute énonciation supposant un locuteur et un auditeur, et chez le premier l’intention
d’influencer l’autre en quelque manière.» (Benveniste, 1966: 241-242).
3
delimitadas, tais como os sons, as palavras, as frases - que estabelecem relações entre si e que
concorrem para a organização global do todo.
As delimitações objetuais e metodológicas propostas por Saussure5 constituíram
avanços epistemológicos incontestados, tendo possibilitado a passagem de abordagens ou
impressionistas ou normativistas para estudos descritivos científicos. Em virtude do seu
alcance, os princípios defendidos por Saussure foram respeitados pelas correntes estruturalistas
subsequentes, determinando o privilégio da língua – a langue – em desfavor da fala – a parole
-, o que acabou por retardar a integração do discurso no seio das unidades de estudo válidas em
Linguística. Outras correntes, entre as quais se destacou a gerativo-transformacional, fundadora
do binómio competência/performance, embora distintas do estruturalismo, com ele se
identificaram na defesa de uma descrição formal das línguas, enquanto sistemas independentes
do seu uso. Barros (1999) descreve esta herança genética e o efeito provisório que surtiu no
afastamento da fala como o “exílio da fala”:
5
Saussure, dentro do trinómio linguagem / língua / fala, elege a língua como o objeto de estudo adequado para a
Linguística, com base na conceção de que a linguagem, enquanto capacidade humana de comunicar através da
palavra, é um objeto demasiadamente vasto e multiforme, inclui aspetos não intrinsecamente linguísticos (por
exemplo neurológicos e fisiológicos); já a fala, a atualização individual da língua, revela-se como demasiadamente
variável e heterogénea, aparentemente não-sistematizável. A língua, conjunto de convenções adotadas pelo grupo
social para permitir o exercício da faculdade da linguagem, que existe virtualmente na mente de cada falante de
uma comunidade linguística, mas que é comum a todos, é um objeto passível de ser descrito: contém uniformidade;
homogeneidade; é feita de um conjunto de elementos que se combinam e se relacionam segundo regras estáveis e
sistemáticas, contribuindo para a organização do todo. Comporta-se como um sistema, uma estrutura, sendo um
objeto adequado para a descrição científica. Para além da delimitação entre linguagem, língua e fala, Saussure
apresenta outros binómios, como os de linguística interna (estudo das regularidades do sistema, das suas unidades
e interrelações) e externa (estudo das relações entre língua e cultura; entre língua e sociedade; entre língua e
contexto) e linguística sincrónica (estudo da língua num determinado momento no tempo) e diacrónica (estudo
da língua na sua evolução, comparando estádios diferentes de uma língua), optando sempre pelo primeiro elemento
destes binómios. (Saussure, 1916)
4
lado pela lingüística saussuriana, alargaram seu campo de estudos, deixaram, enfim,
os trilhos previamente assentados, mas mantiveram, com outros nomes e novas
definições, a distinção entre o que cabe ao lingüista examinar e o que é da alçada de
outras ciências ou disciplinas. Essas mudanças ocorreram sobretudo quando os
lingüistas se debruçaram mais seriamente sobre questões de significação e sentido.
(Barros, 1999: 181-199)
Foi, pois, apenas a partir de meados do século XX, mais precisamente a partir da década
de 60, que vários acontecimentos se conjugaram para a abertura da Linguística ao estudo da
fala6.
Tal como sintetizam Fonseca e Fonseca (1977: 74-76), as pressões para esta abertura
foram de dois tipos: internas e externas.
Funcionaram como pressões externas os avanços de outras Ciências Sociais vizinhas da
Linguística, que colocaram desafios à Teoria Linguística e puseram em evidência o
reducionismo dos modelos explicativos formais e do próprio estruturalismo. Entre estas
pressões salienta-se, por exemplo, a Filosofia da Linguagem ou Filosofia Analítica, com a
chamada Escola de Oxford, onde podemos destacar contributos como os de Wittgenstein,
Austin e Searle, e a focalização na componente pragmática da linguagem7. A Sociologia, mais
especificamente a microssociologia, fundada por Goffman, e o trabalho de Garfinkel em
etnometodologia, procurando descrever os rituais interacionais que sustentam a vida social e a
comunicação, exercem também pressão no sentido da abertura da Linguística ao estudo da
comunicação oral interacional8. A Psicanálise, a Antropologia e Etnografia, os estudos em
6
Nesta proposta, tomaremos os conceitos de fala e discurso como sinónimos, embora estejamos conscientes de
que alguns autores defendem uma diferenciação entre os mesmos, relacionando a fala com o exercício da língua
no modo oral.
7
A comunicação entre a Linguística e os estudos da Filosofia da Linguagem são descritos por van Dijk, que
salienta a focalização das frases como enunciados e como formas de ação: “A second important development in
the early 1970s was the discovery in linguistics of the philosophical work by Austin, Grice, and Searle about
speech acts. Whereas sociolinguistics stressed the role of language variation and the social context, this approach
considered verbal utterances not only as sentences, but also as specific forms of social action. That is, sentences
when used in some specific context also should be assigned some additional meaning or function, an illocutionary
one, to be defined in terms of speaker intentions, beliefs, or evaluations, or relations between speaker and hearer.”
(van Dijk, 1985: 5)
8
Vejamos o que afirma van Dijk sobre esta reorientação nos próprios estudos em Sociologia: “The early 1970s
also witnessed important developments in sociology, such as the increasing attention to the analysis of everyday
conversations and other forms of natural dialogue in social interaction. Here too, the late 1960s saw a critical
refutation of the prevailing macrosociological approaches to social structure. Attention was turned to everyday
social interaction and to commonsense interpretation categories at the microlevel of social reality. This
interpretative, phenomenological sociology was advocated by Goffman, Garfinkel, and others (…) Soon this work
in sociology found its way into linguistics and other neighboring disciplines. Not only conversations but also
dialogues in the classroom or in other institutional settings received extensive interest, such as in the discourse
analysis approach to classroom talk by Sinclair and Coulthard (1975) in England.” (van Dijk, 1985: 6-7)
5
etnolinguística de Sapir e Whorf e a sua tese do relativismo linguístico, assim como as reflexões
de Hymes dentro de uma área de interface nova, que o autor intitula de etnografia da fala
(posteriormente, etnografia da comunicação)9, contribuem para o alargamento da análise
linguística à competência de comunicação, complementar da competência linguística,
defendida pelas correntes estruturalistas. 10 Nas palavras de Hymes (1962), os estudos
linguísticos devem descrever, para além da competência gramatical estrita, todos os
conhecimentos que um falante interioriza para se tornar um falante competente dentro da sua
comunidade linguística:
In one sense this area (the ethnography of speaking) fills the gap between what is usually
described in grammars, and what is usually described in ethnographies. Both use
speech as evidence of other patterns; neither brings into focus in terms of its own
patterns. In another sense, this is a question of what a child internalizes about speaking,
beyond rules of grammar and a dictionary, while becoming a full—fledged member of
its speech community. Or, it is a question of what a foreigner must learn about a group’s
verbal behavior in order to participate appropriately and effectively in its activities. The
ethnography of speaking is concerned with the situations and uses, the patterns and
functions, of speaking as an activity in its own right.11 (Hymes, 1962: 16)
9
Torna-se impossível num trabalho deste escopo referir todos os contributos, de dentro da Linguística e de fora
dela, que foram desenhando as fronteiras de um novo campo de estudo. Para uma revisão mais detalhada do tema,
sugerimos a leitura da obra de Fonseca & Fonseca (1977), intitulada Pragmática Linguística e Ensino do
Português, em que os autores fazem uma perspetivação mais extensa desta história de abertura da Linguística.
10
van Dijk (1985: 2), ao defender, numa breve resenha histórica da AD, a importância do estudo de Vladimir
Propp Morphology of the Folktale (1928) na fundação de um estudo linguístico do discurso, chama a atenção para
o caráter sempre algo arbitrário que subjaz à escolha de um autor, um estudo, um acontecimento, uma corrente
específicos na narrativa da História: “Although it may be arbitrary to specifically select this work in this brief
historical survey, its wide-ranging though often indirect influence in the study of narrative in several disciplines
(semiotics, poetics, anthropology, and psychology) 40 years later bears witness to its importance.” Gostaríamos
de invocar este mesmo caráter, em certa medida sempre arbitrário das escolhas, para justificar, por um lado, os
nomes, as correntes e os estudos que referimos nesta nossa perspetivação histórica e, por outro lado, para justificar
os que ficam por nomear. Uma das disciplinas que indiretamente também contribuiu para a formação da nova área
da AD foi a Semiótica. Invocamos, novamente, as palavras de van Dijk para relembrar este contributo: “These
early interdisciplinary developments of the middle 1960s were often captured under the new (or rather, renewed)
label of "semiotics," to which is associated the names of Barthes, Greimas, Todorov, and many others engaged in
the structural analysis of narrative and other discourse forms or cultural practices.” (van Dijk, 1985: 2).
11
van Dijk salienta a importância dos estudos de Hymes como pontos de confluência de autores que viriam a
constituir nomes importantes, por exemplo, no desenvolvimento da Sociolinguística: “Yet on both sides the
interaction between structural linguistics and anthropology appeared to be very fruitful for the initial interest in
the study of language use, discourse, and communication forms. At the same time, Hymes' collection not only
contained the great names of linguistic anthropology (or anthropological linguistics), such as Boas, Greenberg,
Goodenough, Lévi-Strauss, Malinowski, Firth, Sapir, and many others, but also the first collection of work from
what soon would be called sociolinguistics (Brown, Bernstein, Gumperz, Bright, and others). That is, not only
discourse, style, forms of address and verbal art, but also the social, cultural, and historical contexts, and the
variations of language use came to be studied systematically.” (van Dijk, 1985: 3).
6
Retomando as palavras de Fonseca & Fonseca (1977), a Linguística começa assim a
alargar o seu campo de estudo:
Como salientam Fonseca e Fonseca, para além dos estímulos externos oriundos das
ciências vizinhas, as pressões para a abertura fizeram-se sentir dentro da própria Linguística,
através de autores como Benveniste, Jakobson ou Coseriu. Com efeito, a inoperância de certas
classificações internas tradicionais foi-se tornando evidente e a Linguística, para se manter
coerente nos seus esforços de descrição do sistema, foi aceitando a abertura ao contexto como
necessária. Benveniste, com o estudo da deixis e da enunciação12; Jakobson, com o estudo das
12
Sobre a importância que a consideração dos deíticos teve para a abertura da Linguística, leia-se o que afirma
F.I. Fonseca (1992: 33-34) na sua obra intitulada Deixis, Tempo e Narração: “A reflexão sobre o funcionamento
dos deícticos foi determinante de um alargamento, em vários sentidos, do campo da investigação linguística, tendo
tornado irreversível o reconhecimento da impossibilidade de separação (mesmo metodológica) entre a linguagem
e o seu contexto de produção (entre o discurso e a sua instância enunciativa, entre a língua e o homem, se
quisermos usar expressões de Benveniste). [...] a reflexão de Benveniste abriu caminho ao aparecimento de uma
Linguística vivamente interessada por todos os aspectos humanos do uso da linguagem, já que as incidências
fundamentais da teoria da enunciação de Benveniste decorrem justamente do facto de ter procurado (e conseguido)
fundamentar a inserção do homem na língua, evidenciando a inscrição do sujeito no próprio sistema formal das
línguas naturais.”
7
funções da linguagem; Labov, com uma abordagem sistemática da variação, foram alguns dos
investigadores que, a partir de dentro, pressionaram a Linguística para a abertura ao contexto,
ao estudo da fala e das interrelações da língua com a sociedade.13
Fonseca e Fonseca (1977) resumem estas pressões internas, salientando a complexidade
que as mesmas assumiram no processo de reestruturação da Linguística:
A correcta avaliação, que nos últimos dez anos particularmente se reforça, das
dimensões da linguagem articuladas ao uso tem, por sua vez, coordenadas muito
diversas. De entre todos, surgem-nos como decisivos os seguintes factores: em primeiro
lugar, o impasse a que a investigação chegou no que respeita à Semântica ou ao estudo
do significado; em segundo lugar, a constatação de que a frase é uma unidade
linguística de extensão muito restrita e de que o exercício normal se realiza através de
unidades mais vastas que suscitam estruturas e mecanismos para além dos contidos e
realizados nos estreitos limites da frase; o já referido reconhecimento inevitável do
óbvio que constitui a verificação de que há no uso individual da linguagem evidentes
regularidades que urge captar para o esclarecimento do fenómeno linguístico;
finalmente, a necessidade de esclarecer categorias e instrumentos cujo estatuto não se
deixa captar totalmente nas dimensões reveladas pela investigação do sistema formal.
(Fonseca e Fonseca, 1977: 75)
13
Nesta resenha histórica, muitos autores ficam, inevitavelmente, por referir (ver nota de rodapé 10). Por exemplo,
Fonseca & Fonseca (1977: 81-82) salientam o contributo de Mikhail Bakhtine: “Uma referência especial nos
merece a só recentemente divulgada obra de Mikhail Bakhtine (V.N. Volochinov), traduzida do russo e
apresentada em Les Éditions de Minuit (Paris, 1977) como Le marxisme et la philosophie du langage com um sub-
título revelador: “essai d’application de la méthode sociologique en Linguistique “. [...] não deixaremos de
sublinhar a clara captação que nela é realizada do carácter eminentemente social da linguagem e a notável intuição
de propostas fundamentais sobre a natureza do signo, a enunciação, a interação verbal e outros aspectos do
funcionamento da linguagem que hoje ocupam justamente lugar central nas modernas teorias linguísticas.”
8
linguagem que tradicionalmente cabe aos estudos lingüísticos, pela recuperação de
uma parte do "caos" da fala e pela consideração de certas condições de uso da língua.
Os fatos pragmáticos ou de interação social do homem na e pela linguagem são
definidos, por essas teorias, como fatos de língua ou de competência do falante, isto é,
como fenômenos sistemáticos, que fazem parte das regras que o falante domina para
usar a língua.
Os estudos do texto e do discurso, por sua vez, caracterizam-se pela ruptura das duas
barreiras, ao mesmo tempo: preocupam-se com a organização global do texto e
examinam as relações entre discurso, enunciação e fatores sócio-históricos. [...]
Em síntese, as diferentes teorias pragmáticas, textuais e discursivas trazem novas
posturas e objeto aos estudos da linguagem, na segunda metade do século XX. E o fazem
com fundamentos diferentes, herdados de quadros teóricos diversos, com que dialogam
- a lógica e a filosofia da linguagem, a antropologia estrutural, os estudos cognitivos,
a psicanálise lacaniana, o materialismo histórico, entre outros - e com graus de
formalização e de estabilização dos objetos também diferentes. (Barros, 1999: 181-199)
Whereas the 1960s had brought various scattered attempts to apply semiotic or
linguistic methods to the study of texts and communicative events, the early 1970s saw
9
the publication of the first monographs and collections wholly and explicitly dealing
with systematic discourse analysis as an independent orientation of research within and
across several disciplines. (van Dijk, 1985: 4)
É difícil avaliar qual dos dois tipos de pressão foi mais influente na transição entre
paradigmas dentro da Linguística; certo é dizer que os dois tipos se conjugaram para potenciar
a entrada em cena, e posterior consolidação, da Análise do Discurso.
Em Maingueneau (1990), Charaudeau & Maingueneau ((2004) 2016), van Dijk (1985),
entre outros autores, é possível consultar uma perspetiva compreensiva do nascimento, da
evolução, bem como do estado atual desta área de estudos.14
Muitos livros e artigos atribuem à Análise do Discurso o estatuto de disciplina recente,
no entanto, van Dijk salientou o seu estatuto híbrido: “Discourse Analysis is both an old and
new discipline.” (van Dijk, 1985: 1). Charaudeau & Maingueneau completam a ideia, dizendo
que ela “resulta, ao mesmo tempo, da convergência de correntes recentes e da renovação da
prática de estudos muito antigos de textos (retóricos, filológicos ou hermenêuticos).”
(Charaudeau & Maingueneau ((2004) 2016: 43)
Como referimos acima, é a partir de meados da década de 60 que surgem as correntes,
dentro da Linguística e em Ciências Humanas vizinhas, que darão corpo a esta nova disciplina.
Brandão (2004) considera que este processo se inicia já na década de 50 do século XX,
destacando um dado acontecimento como um possível marco fundador simbólico:
É possível aceder a panoramas mais completos e desenvolvidos do percurso histórico da Análise do Discurso em
14
qualquer uma das obras citadas acima. Embora estas constituam obras de referência na contextualização histórica
da AD, outras fontes bibliográficas poderiam ser adicionadas a esta lista, sendo, todavia, quase impossível esgotar
o elenco das mesmas.
10
foi interpretada, posteriormente, como um sinal da predisposição para a abertura da Linguística
ao estudo de unidades acima da frase. Charaudeau & Maingueneau ((2004) 2016: 43) também
aludem a esta ocorrência, dizendo: “O próprio termo “análise do discurso” vem de um artigo
de Harris (1952), que a entendia como a extensão dos procedimentos distribucionais a unidades
transfrásticas.”
Entre este embrião de abertura ao estudo de uma unidade para além da frase e a
disciplina da Análise do Discurso, que veio a formar-se depois, não há muito de comum. A
Análise do Discurso constitui-se, desde o seu nascimento, a partir de uma multiplicidade de
correntes, todas assentes numa visão do discurso que ultrapassa o paradigma estruturalista, a
visão de língua como um sistema fechado em si mesmo, independente dos fatores contextuais,
“extralinguísticos”, todas convictas do caráter radicalmente contextual da construção do
sentido. 15
Maingueneau (2006) salienta a natureza diversa desta disciplina, tanto na sua génese
como na atualidade:
Hoje, quando falamos de análise do discurso, não podemos mais ignorar que esse
rótulo se aplica a trabalhos de inspirações muito diferentes em todo o mundo. Inútil
produzir síntese, apresentações, notas de esclarecimentos: a análise do discurso
permanece extremamente variável. [...]. (Maingueneau, 2007:15)
15
Roulet aponta para um conceito de discurso abrangente que incorpora as várias possibilidades de atualização
deste objeto e para a sua natureza autêntica e contextual: “Utilizo o termo discurso de maneira genérica para
designar todo o produto de uma interação predominantemente linguística, seja dialógica ou monológica, oral ou
escrita, espontânea ou fabricada, nas suas dimensões linguística, textual e situacional. (Roulet, 1999:188)
(Tradução nossa).
11
Este mesmo autor (1997) salienta, ainda, que uma parte da especificidade da Análise do
Discurso advém de esta nem perspetivar, por um lado, os discursos como meros utensílios para
compreender o real nem pretender apenas descrever, por outro lado, a organização e o
funcionamento dos textos, por si mesmos, independentemente dos lugares sociais em que estes
são produzidos, sendo esta particularidade a essência da sua diferenciação, num conjunto de
abordagens afins, com as quais se relaciona.
Em virtude da sua génese e do seu objeto, a Análise do Discurso, embora já consolidada
como disciplina na área das Ciências da Linguagem, mantém uma instabilidade seminal
decorrente das relações inter e transdisciplinares que estabelece, a todo o momento, com
domínios científicos vizinhos. Entre ela e algumas das áreas com as quais o seu território
confronta nem sempre é fácil definir os contornos exatos das fronteiras.
A Análise de Conteúdo é um desses territórios fronteiriços, que, sendo
cronologicamente anterior à Análise de Discurso, tem mantido com esta relações de diálogo
constantes, ao longo do percurso evolutivo de ambas.
Localizada nas primeiras décadas do século XX, nos Estados Unidos, no quadro de uma
reflexão promovida por intelectuais e investigadores sobre os efeitos dos meios de comunicação
de massa na comunicação, esta área de estudos fica ligada a autores como Lasswell, Professor
de Ciência Política na Universidade de Chicago e de Yale, e ao lançamento, em 1927, da obra
Propaganda Technique in the World War. Nos anos 40 e 50, a disciplina ganha um impulso,
com os contributos de Berelson e Lazarsfeld, que suportam as análises qualitativas do conteúdo
dos textos com análises léxicas quantitativas. Para Berelson (1952), a análise de conteúdo é
uma técnica quantitativa, sistemática e objetiva que descreve o conteúdo manifesto de uma
comunicação. Por quantitativa, entende o autor a contagem das ocorrências relevantes na
amostra; por sistemática, a inclusão de todos os aspetos relevantes da amostra, e não a seleção
arbitrária de alguns aspetos e a omissão de outros; por objetiva, a seleção de unidades e a
formação de categorias, segundo critérios claros e lógicos e, finalmente, por conteúdo
manifesto, entende a análise de aspetos tangíveis e observáveis na amostra, a título de exemplo,
a frequência com que uma determinada palavra ocorre num texto ou num conjunto de textos
(Rossi et alii, 2014: 40).
Segundo Bardin ((1977) 2011), esta metodologia de análise, que se difundiu muito nas
ciências sociais para estudos de conteúdo em Comunicação, mas não só, pode ser definida da
seguinte forma:
12
Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por
procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens,
indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos
relativos às condições de produção/receção (variáveis inferidas) destas mensagens.
(Bardin, (1977) 2011: 47)
16
Tradução nossa.
13
A existência potencial na língua de determinada estrutura não tem interesse, pela
simples razão de que não existe. (...). Ao contrário, a dimensão actual é mensurável e
existe realmente. É uma dimensão com um valor individual e com um valor social.
Assim um corpus linguístico reflectiria a dimensão real na língua de uma sociedade.
(Sinclair apud Neto 1995: 27) 17
A disciplina da Linguística de Texto, que se desenvolveu paralelamente à Análise do
Discurso, também a partir dos anos 60, com o intuito de encontrar regularidades linguísticas
em unidades transfrásticas, potenciou o desenvolvimento da Análise do Discurso, confundindo-
se com esta, em muitas zonas de charneira que ambas estudam. Ao propôr uma nova abordagem
que estendia o estudo gramatical à unidade texto, este domínio científico forneceu instrumentos
preciosos para o entendimento da unidade discurso.
van Dijk (1985) resume algumas das propostas iniciais da Linguística de Texto:
(…) within the framework of grammatical theory itself, it was repeatedly maintained
that grammars should not merely provide structural characterizations of isolated
sentences. This and other arguments led to the development of text grammars, mainly
in germanies and other European countries. The study of pronouns and other cohesion
markers, of semantic coherence, presupposition, topic and comment, overall semantic
macrostructures, and other typical features of texts, understood as sequences of
sentences, began to be studied in linguistics within a new, integrated perspective. (van
Dijk, 1985: 5)
Puxada pelas várias conceções de texto que se têm sobreposto na arena científica, a
Linguística de Texto evoluiu também muito, desde o seu nascimento até à atualidade. Se, no
início, a disciplina partia de uma perspetiva de texto de base essencialmente gramatical, cedo
evoluiu para uma perspetiva discursivo-pragmática, até adotar, hoje em dia, uma perspetiva
sociocognitiva e interacional. Mantendo interesses em comum com a Análise do Discurso,
sobretudo no que toca a alguns dos seus objetos de estudo privilegiados, como sejam o da
intertextualidade e o dos géneros textuais, a Linguística de Texto conserva, ainda assim,
17
Os corpora linguísticos são, no entender de Sinclair, coleções significativas de dados selecionados e organizados
segundo critérios linguísticos explícitos para cumprir determinadas funções. (Sinclair, 1991) A Linguística de
corpus surgiu com a necessidade sentida pelos linguistas de se apoiarem em usos reais para fazerem generalizações
ou esboçarem teorias sobre o funcionamento linguístico, estando, atualmente, intimamente ligada ao uso de
ferramentas informáticas, para a recolha, o processamento e a análise de corpora, tais como etiquetadores ou
analisadores sintáticos, concordanceadores, geradores de frequências e de colocações, entre outros.
14
autonomia quanto às principais problemáticas que aborda, a saber, a referenciação; as formas
de articulação textual; as estratégias de construção do sentido; a articulação na progressão
textual, para nomear algumas.
Parte dos linguistas que originalmente aderiram a esta disciplina prosseguiram depois
trajetórias que os aproximaram da Análise do Discurso ou que os inseriram mesmo dentro desta
área científica. Tal é o caso de van Dijk, que veio a fazer um percurso muito importante dentro
da Análise do Discurso, tendo contribuído ativamente para a afirmação de uma das correntes
mais fortes dentro da área que é Análise Crítica do Discurso, de que falaremos adiante. Também
J.M. Adam, um dos teóricos mais salientes dentro da Linguística de Texto, cruza
frequentemente as fronteiras entre as duas áreas de estudo, mostrando a dificuldade de manter
estas fronteiras estanques:
J’écris “co(n)texte” pour bien dire que l’interprétation d’énoncés isolés portent autant
sur la (re)construction d’énoncés à gauche et/ou à droite (co-texte) que sur l’opération
de contextualisation qui consiste à imaginer une situation d’énonciation qui rende
possible l’énoncé considéré. Cette (re)construction d’un co(n)texte pertinente part
économiquement du plus directement accessible: le co-texte verbal et/ou le contexte
situationnel de l’interaction. (Adam, 2006: 24)
Un texte n’est donc pas une entité stable, autonome et fermée, mais bien “contextuelle”,
si l’on entend par là ouverte à des relations péritextuelles, co-textuelles, intertextuelles
et métatextuelles.” (ibidem: 25)
15
Os próprios Halliday & Hasan que, através do seu estudo clássico Cohesion in Spoken
and Written English (1976), muito contribuíram para a afirmação da Linguística de Texto,
evoluem para postulados mais dinâmicos sobre as interrelações entre o texto e o contexto:
If we say that linguistic structure "reflects" social structure, we are really assigning to
language a role that is too passive (...). Rather we should say that linguistic structure is
the realization of social structure, actively symbolizing it in a process of mutual
creativity. Because it stands as a metaphor for society, language has the property of not
only transmitting the social order but also maintaining and potentially modifying it.
(This is undoubtedly the explanation of the violent attitudes that under certain social
conditions come to be held by one group towards the speech of others.) (Halliday,1978:
255)
SFL recognizes the powerful role language plays in our lives and sees meaning-making
as a process through which language shapes, and is shaped by, the contexts in which it
is used. Every language offers its speakers/writers a wealth of options for construing
meaning. SFL facilitates exploration of meaning in context through a comprehensive
text-based grammar that enables analysts to recognize the choices speakers and writers
make from linguistic systems and to explore how those choices are functional for
construing meanings of different kinds. (Schleppegrell, 2012: 21)
16
Gouveia e Alexandre (2013) destacam a importância ideológica subjacente à própria
designação “Linguística sistémico-funcional” por esta se posicionar como uma contracorrente
face à corrente hegemónica da Linguística estruturalista e generativista, que tende a privilegiar
uma perspetiva da língua como objeto mental e ideal e não como objeto material e social
(discurso):
In the last fifty years or so, systemic functional theory has become a well established
corpus of research in linguistics, spreading from its main role as a theory of
grammatical description (Known as Systemic Functional Grammar – AFG) to diverse
descriptive and analytical territories where it has proven to be applicable with new and
sound results. Such territories include L1 and L2 pedagogy, literacy development,
clinical linguistics, forensic linguistics, social semiotics, etc. During this period,
systemic functional theory has come into age as Systemic Functional Linguistics (SFL),
thus signaling in its name a definite political and ideological positioning towards the
descriptive research paradigms of mainstream linguistics. (Gouveia e Alexandre, 2013:
7)
Uma outra área com a qual a Análise de discurso mantém relações de fronteira pouco
estáveis é a área da Sociolinguística interacional.
Já acima, na secção sobre a génese da Análise do Discurso, referimos a importância, nas
décadas de 60 e 70 do século XX, de áreas de interface, como a microssociologia, a
etnometodologia e a etnografia da comunicação18, no desenho de uma nova área de estudo
dentro da Linguística que refletisse sobre as interações socioverbais. O estudo do discurso
interacional ocupa, atualmente, um território científico muito dinâmico, imputado quer à
Análise do Discurso quer à Sociolinguística interacional. Analisando trocas verbais autênticas,
onde confluem o comportamento verbal e o não-verbal, o objetivo deste estudo é encontrar
regularidades de comportamento ou rituais nas interações, uma espécie de “Gramática da
18
Tal como indicam Charaudeau & Maingueneau (2004 (2016): 40-41), a Análise Conversacional nasceu na
esteira da etnometodologia e da etnografia da comunicação. Desenvolveu-se nos Estados Unidos no final dos anos
70 sob a inspiração de H. Sacks E. Schegloff, G. Jefferson, discípulos dos sociólogos Garfinkel (1967) e Goffman
(1976). A estas correntes ligamos, ainda, o nome de Dell H. Hymes e J. Gumperz, para referir apenas alguns. As
fronteiras entre os planos linguístico e antropológico ou sociológico esbatem-se com o desenvolvimento destes
estudos de interface: “The boundaries between the sociolinguistics of discourse and this new branch of
anthropology were fuzzy: the study of "real" language use in the sociocultural context no longer stopped at form
of address, rituals, or myth, but also began to pay attention to the mundane forms of talk in different cultures, such
as greetings, spontaneous storytelling, formal meetings, verbal dueling, and other forms of communication and
verbal interaction.” (van Dijk, 1985: 7).
17
interação verbal”, que explique não só a competência gramatical ou estritamente linguística,
mas também a competência comunicativa, interacional, socioverbal do sujeito falante.19
Os métodos de análise e os procedimentos de recolha de corpus ganham muita
relevância nesta disciplina assumidamente de campo, envolvendo sempre a recolha (através de
gravações, por exemplo) de interações naturais em situações variadas e respetiva transcrição e
análise.
Tal como salienta Rodrigues (1998):
19
Também a Sociolinguística elege a fala como o seu objeto de estudo primordial, chamando a atenção para a
dificuldade de estabelecer fronteiras estanques entre os binómios língua / discurso ou fala (binómio proposto por
Saussure) e competência / performance (binómio introduzido por Chomsky), ou ainda para a artificialidade de
conceitos como o da homogeneidade do sistema linguístico e da comunidade linguística. van Dijk refere estas
questões da seguinte forma: “Thus, sociolinguistics, which had also begun to take shape in the late 1960s (Fishman,
1968), emphasized that the theoretical distinction between competence and performance, as it had been
reintroduced by Chomsky (after Saussure's distinction between langue and parole), was not without problems.
Against notions such as 'ideal speakers' and `homogeneous speech community', sociolinguistic work stressed the
importance of language variation in the sociocultural context. Apart from variations in phonology, morphology,
and syntax, and the dependence of stylistic variation on social factors, this reorientation also soon began to pay
specific attention to discourse, for example, the work of Labov (1972a, 1972b).” (van Dijk, 1985: 5).
20
Os negritos são nossos, assinalando as palavras que a autora destaca no texto original através dos itálicos.
18
Esta corrente é representada por linguistas como Sinclair e Coulthard (1975), ou os
primeiros trabalhos da Escola de Genebra, por Roulet, Auchlin, Moeschler et alii (1985), e da
Escola de Lyon, por Kerbrat-Orecchioni (1986).21 Fundada na Linguística e numa abordagem
dedutiva sobre o objeto de estudo, procura a delimitação de unidades e categorias nas trocas
verbais, de forma a sistematizar um conjunto de regras de encadeamento e de composição do
discurso interacional.
Esta escola usa, preferencialmente, as designações “Análise da interação verbal” ou
“Análise do discurso em interação” para se distinguir da Análise Conversacional de origem
norte-americana. A título de exemplo, Sinclair e Coulthard (1975), na análise hierárquico-
funcional do discurso interacional professor-aluno na sala de aula, propõem cinco níveis
hierárquicos de análise componencial: Lesson /Incursion; Transaction; Exchanges (sequências
de intervenções interacionais); Moves (intervenções); Acts (atos de fala). Este rationale
demonstra um dos grandes objetivos destas análises: a divisão do discurso em unidades
funcionais e a descoberta das regras da sua ordenação, do seu encadeamento.
Nas reflexões hodiernas, as duas abordagens acima mencionadas tendem a fundir-se,
representando ambas a entrada do discurso interacional oral nos estudos linguísticos.
21
Estas duas escolas patenteiam diferenças que não aprofundaremos aqui, mas que podem ser confrontadas em
Rodrigues (1998: 11-14).
22
Pêcheux. M. (1969), Analyse automatique du discours, Paris, Dunod.
19
das palavras e frases desse texto). A análise de discurso permite, ao contrário, afirmar
a ideia de que o sentido depende da formação discursiva a que o texto pertence.
(Charaudeau & Maingueneau, ((2004) 2016: 39)
A Escola de Análise do Discurso Francesa23, reconhecida como uma das escolas mais
influentes na afirmação desta nova área disciplinar no seio das Ciências da Linguagem, é, nos
seus primórdios, ideologicamente comprometida, apoiada numa conceção do discurso de
inspiração psicanalista e marxista (Charaudeau & Maingueneau, (2004) 2016: 45). Michel
Pêcheux articula o linguístico com o social e o histórico, estabelecendo uma relação entre
discurso e sujeito; discurso e história; e discurso e ideologia. A linguagem é estudada não
apenas enquanto forma linguística, mas também enquanto forma material da ideologia. As
marcas linguísticas dos textos revelam as posições ideológicas dos sujeitos que os constroem e
das formações discursivas em que estes se integram:
A Análise Automática do Discurso apresenta evoluções nos anos 80 com J.J. Courtine
e J. Authier-Révuz, por exemplo, que combinam uma análise estrutural deslinearizada com uma
23
A designação, de natureza histórica “Análise do Discurso Francesa” marca o surgimento, em França, de uma
primeira proposta dentro da Análise do Discurso, liderada por Michel Pêcheux, que se caracterizava por traços
específicos, genericamente retratados na presente secção. Esta designação ainda hoje é usada, podendo, todavia,
recobrir um sentido ambíguo, gerador de equívocos, já que tanto pode referir-se à corrente introduzida na década
de 60 do século XX por Michel Pêcheux, prosseguida, na atualidade, por alguns linguistas franceses e de outras
nacionalidades (a escola possui um ramo bastante produtivo em certos núcleos no Brasil, por exemplo); como
pode referir-se a outras abordagens de Análise do Discurso francesas, ou seja, de origem francesa ou de expressão
francófona. Esta duplicidade de sentidos é relevante, já que os postulados da Escola de “Análise do Discurso
Francesa” liderada por Pêcheux não são necessariamente partilhados por todas as correntes de Análise do Discurso
de expressão francófona atual. Nas palavras de Maingueneau: “Hoje não se pode dizer que ainda haja na França
grupos ativos que trabalhem apenas no interior desse quadro teórico [da “Análise de Discurso Francesa” de Michel
Pêcheux], mas certo número de seus pressupostos mantém-se ainda vivo e produtivo” (Maingueneau, 2008:147).
20
análise sequencial, explorando sempre as relações entre uma dada “formação discursiva” e o
seu contexto de produção.
A perspetivação do discurso como a materialização da ideologia é uma conceção
partilhada também pela mais recente corrente da Análise Crítica do Discurso, em inglês Critical
Discourse Analysis ou CDA. À semelhança do que acontecia com a “Análise do Discurso
Francesa”, também a Critical Discourse Analysis vê o discurso como uma prática social que,
simultaneamente, espelha e molda o contexto de produção em que ocorre e de que decorre. A
linguagem é, assim, um veículo privilegiado de manifestação de todas as formas de ideologia,
tornando-se um objeto de estudo relevante, quando se pretende compreender o funcionamento
e a cristalização de formas de poder, desigualdade e discriminação, como sejam as
manifestações racistas, sexistas, entre outras.
Representada por investigadores como Norman Fairclough, linguista da Universidade
de Lancaster, que usa esta designação em 1985, num artigo do Journal of Pragmatics, a corrente
de análise ganha consistência, graças a um encontro científico realizado na Universidade de
Amesterdão, em janeiro de 1991, com a participação de Teun van Dijk, Norman Fairclough,
Gunter Kress, Theo van Leeuwen e Ruth Wodak, entre outros investigadores, que, apesar de
proporem abordagens ligeiramente diferentes, se reuniram em torno de interesses comuns,
salientando que a linguagem está no cerne da reprodução da ideologia, da manutenção do poder
e da dominação das pessoas. (Wodak, 2004: 227)24
Este grupo de investigadores lança, assim, as bases para uma nova abordagem nos
estudos críticos da linguagem25, que, à semelhança da “Escola de Análise de Discurso
Francesa”, referida nos parágrafos acima, se assume como uma escola comprometida com uma
perspetiva crítica, ideologicamente marcada e socialmente militante.26
Não obstante a variedade de tendências vigentes dentro da Escola da Análise Crítica do
Discurso, todas partilham o pressuposto de Foucault de que as práticas sociais são
discursivamente moldadas e reproduzidas, sendo, pois, as propriedades intrínsecas do discurso,
linguisticamente analisáveis, um elemento-chave da sua interpretação. Fairclough (2012)
24
van Dijk, por exemplo, representa, dentro da corrente da CDA, uma subcorrente designada sociocognitiva; já
Ruth Wodak, a par de Martin Reisigl, desenvolve uma subproposta designada de histórico-discursiva, para nomear
apenas algumas das tendências que se delineiam dentro da área da Análise Crítica do Discurso.
25
O início desta nova rede de investigadores em torno de uma abordagem crítica sobre o discurso é também
marcado pelo lançamento da revista Discourse and Society (1990), editada por van Dijk, assim como por vários
livros, como Language and Power, de Norman Fairclough (1989), Language, Power and Ideology, de Ruth Wodak
(1989), ou Prejudice in Discourse, de van Dijk (1984). Em Portugal, Emília Ribeiro Pedro organizou, em 1998,
uma publicação intitulada precisamente “Análise Crítica do Discurso” com um conjunto de estudos de autores de
referência na área.
26
21
contextualiza esta abordagem, em que o processo semiótico, através do qual o real é
linguisticamente encapsulado, se torna o foco da atenção do analista:
Critical discourse analysis (CDA) brings the critical tradition of social analysis into
language studies and contributes to critical social analysis a particular focus on
discourse and on relations between discourse and other social elements (power
relations, ideologies, institutions, social identities, and so forth). Critical social analysis
can be understood as normative and explanatory critique. It is normative critique in
that does not simply describe existing realities but also evaluates them, assesses the
extent to which they match up to various values, which are taken (more or less
contentiously) to be fundamental for just or decent societies (e.g. certain standards –
material but also political and cultural – of human well-being). It is explanatory critique
in that it does not simply describe existing realities but seeks to explain them, for
instance by showing them to be effects of structures or mechanisms or forces that the
analyst postulates and whose reality s/he seeks to test out (e.g. inequalities in wealth,
income and access to various social goods might be explained as an effect of
mechanisms and forces associated with ‘capitalism’). (Fairclough, 2012: 9)
Assim, o analista numa corrente como a Análise Crítica do Discurso não se limita à
descrição das estruturas do discurso, mas, antes, estabelece a ligação entre estas estruturas e as
estratégias comunicativas subjacentes:
22
coexistência de dois grandes paradigmas teórico-metodológicos. J. Fonseca apelidou estes dois
grandes paradigmas de Linguística do Sistema e Linguística do Uso/Funcionamento do Sistema
(J. Fonseca, 1994: 95)27.
A Linguística do sistema é representada pelas correntes clássicas da Linguística
estrutural, distribucional, gerativa, gerativo-transformacional, entre outras, que instituem como
objeto de estudo a língua e a competência linguística, descrevendo os princípios de boa
formação das unidades gramaticais (desde a unidade mínima som à unidade máxima frase).
Esta abordagem estuda as unidades e as suas interrelações sob o princípio da imanência
(Fonseca, 1994: 95), descontextualizando dados e idealizando tipos a partir de ocorrências. A
prioridade é reconstituir as regularidades internas ao sistema e os significados das unidades
linguísticas são vistos como representações estabilizadas do mundo. A língua é concebida numa
perspetiva de descrição/representação/ informação do/sobre o mundo. Retomando as palavras
de J. Fonseca (1994):
Estes traços, que se apresentam fortemente interligados, radicam todos na opção que
esta Linguística faz pelo estudo da langue/competência linguística com a
secundarização ou abandono da realização discursiva efectiva, onde intervêm factores
de extrema heterogeneidade. O objecto de estudo que se dá apresenta, em
contrapartida, uma suficiente homogeneidade – considerada como requisito básico
para a reflexão científica -, sendo que o complexo de regularidades a levantar é visto
como subjacente à, e explicativo da, multiplicidade e variedade aparentemente
inesgotáveis e, por isso mesmo, não sistematizáveis, dos produtos verbais efectivamente
actualizados. (J. Fonseca, 1994: 96)
A descrição mais pormenorizada destes dois paradigmas da Linguística, aqui resumidos, pode ser consultada no
27
estudo original do autor já citado, a saber: J. Fonseca, 1994: 95-104. Neste trabalho fazemos apenas uma síntese
desta teorização.
23
coordenadas mínimas podem ser representadas pelos fatores da comunicação: EU, TU, AQUI,
AGORA), com ele mantendo uma relação dialética, que implica que o sentido dos
textos/discursos é instável e probabilístico, dependente do contexto para se fixar. O discurso é
concebido numa perspetiva de comunicação/interação, já que ele serve para representar o
mundo, mas também para modificar e agir sobre o mundo. Dizer e Comunicar são realidades
diversas, sendo que, em discurso, muitas vezes se comunica mais e, não raro, diferente do que
se diz.
J. Fonseca condensa na seguinte formulação o programa de trabalho da Linguística do
Uso ou do Funcionamento do Sistema:
28
Na Faculdade de Letras da Universidade do Porto está estabilizado o facto de o objeto discurso ser do domínio
das Ciências da Linguagem (CL), na medida em que os únicos cursos que preveem unidades curriculares
específicas de Análise do Discurso são os vários ciclos de estudos de CL. Tratou-se de um desenho curricular
implementado pelas design thinkers dos cursos, que atuaram em linha com o que se pratica nesta área em todo o
mundo.
24
com unidades curriculares e capítulos sobre áreas da Linguística do Uso, como Sociolinguística,
Pragmática, Análise do Discurso, para citar apenas algumas.
Com efeito, apesar de outras áreas reclamarem a Análise do Discurso para si, sendo o
discurso a linguagem em uso e sendo as Ciências da Linguagem o domínio científico em que
se estuda a organização e o funcionamento da linguagem, são elas que melhor posicionadas
estão, em termos teóricos e epistemológicos, para estudar este objeto.
Entre as razões que podem suportar esta asserção está o facto de o discurso ser um objeto
semiótico complexo, multimodal, mas no qual, tipicamente, a linguagem verbal desempenha
um papel central e está também o facto de serem as Ciências da Linguagem que desenvolveram
(e desenvolvem) o aparato teórico e metodológico adequado para o conhecimento deste objeto
de estudo.
Sendo o discurso a unidade natural de manifestação das línguas e da linguagem humana,
a Análise do Discurso (e os Estudos do Discurso)29 contribui, desde logo, para o conhecimento
da linguagem, e, através desta, para o conhecimento do Homem.
Com efeito, perspetivando o discurso como texto em contexto (Adam, 2006), a Análise
do Discurso facilita a compreensão dos processos de gestação do sentido, como fenómeno
dependente da ligação do enunciado à sua enunciação; permite o estudo da subjetividade e da
intersubjetividade na linguagem, na língua e no discurso (Benveniste, 1966; Kerbrat-
Orecchioni, 1980); explora o discurso como forma de representação, de construção do real e de
ação sobre o mesmo (Fairclough, 1992), para enumerar apenas alguns dos eixos da contribuição
teórica da Análise do Discurso para as Ciências da Linguagem.
Para além, ainda, dos objetivos acima enumerados, a Análise do Discurso cumpre,
frequentemente, funções ditas "sociais", no sentido em que elege para objeto de reflexão
discursos que atuam no domínio das representações culturais e identitárias, perpetuando ou
alterando estereótipos e relações de poder nas sociedades, assumindo os estudos, nestes
contextos, uma perspetiva não só descritiva, como também crítica.30
Como é claro, a Análise do Discurso insere-se no paradigma da Linguística do Uso, pelo
simples facto de tomar como objeto de estudo o discurso: “O estudo do uso real da linguagem,
por locutores reais em situações reais” (van Dijk,1985:1)31. Nas palavras de J. Fonseca (1992),
o discurso, a unidade espontânea e natural ocorrente na interação verbal:
29
Ver adiante nota de rodapé 33 para confrontar a diferença entre as designações, atualmente coexistentes, de
Análise do Discurso e Estudos do Discurso
30
Estão dentro desta orientação os Estudos Críticos do Discurso representados por escolas como a CDA – Critical
Discourse Analysis.
31
Tradução nossa.
25
Representariam essa teoria e esse modelo uma resposta à verificação empírica imediata
de que as produções verbais se apresentam não como frase, mas sim como “connected
discourse”, como texto. Este, e não a frase, constituiria verdadeiramente o «domínio
natural» da teoria linguística e de um modelo adequado à descrição-explicação dos
produtos verbais, já que decididamente, o texto é o signo linguístico «originário», isto
é, não decorrente da teorização linguística, antes, espontânea e naturalmente
actualizado na interacção verbal. (J. Fonseca, 1992: 29)32
32
Saliente-se que, para Joaquim Fonseca, o texto/discurso constituem uma unidade, que o autor apresenta como
una e indivisível.
33
Como a designação Estudos do Discurso implica, para muitos, não apenas uma simples troca de nomes, mas
sim um alargamento da área a estudos de essência já não apenas linguística, mas sim sociológica, psicológica,
comunicacional, cultural, entre outras possibilidades, a sua inserção dentro das Ciências da Linguagem é, por
vezes, questionada. Quanto a isto, tal como colocamos já acima, temos a dizer que, manifestando-se o discurso
quase sempre através da linguagem verbal, a análise deste objeto sem recorrer aos instrumentos de análise
potenciados pela Linguística, que é a ciência da linguagem, é, quanto a nós, pouco defensável.
34
Tal como refere Schleppegrell (2012: 21) “Discourse analysis seeks patterns in linguistic data.”
35
Existe uma discussão produtiva sobre a tradução para português da designação Critical Discourse Analysis, que
alguns autores assumem como Análise Crítica do Discurso e, outros, como Análise do Discurso Crítica. Abster-
nos-emos aqui de resumir os argumentos para estas duas variantes, mas remetemos para a obra de Resende e
Ramalho, 2006, de referência nesta área, que opta pela segunda das variantes.
36
Charaudeau & Maingueneau propõem 4 grandes pólos dentro da Análise do Discurso: “Os corpora de análise
do discurso tornaram-se progressivamente diversificados. Assistimos a uma descompartimentalização
generalizada das pesquisas. Isso se deve à abertura de um diálogo entre as diferentes disciplinas que trabalham
26
Estas duas grandes ordens de motivos explicam grande parte da diversidade de
correntes, escolas e abordagens que vigoram na Análise do Discurso atual.
com o discurso. Pode-se, entretanto, distinguir alguns grandes polos: (1) os trabalhos que inscrevem o discurso no
quadro da interação social; (2) os trabalhos que privilegiam o estudo das situações de comunicação linguageira e,
portanto, o estudo dos gêneros de discurso; (3) os trabalhos que articulam os funcionamentos discursivos com as
condições de produção de conhecimentos ou com os posicionamentos ideológicos; (4) os trabalhos que colocam
em primeiro plano a organização textual ou a seleção de marcas de enunciação.” (Charaudeau & Maingueneau,
(2004) 2016: 45-46).
27
Mendonça (2000), recorrendo à consulta de artigos científicos em sete publicações da
área da Ciência da Informação, reconstituiu as principais intersecções entre estas duas áreas,
anotando os seguintes tópicos:
37
Reafirmamos, como já resultou claro ao longo da exposição, que a aceção em que usamos Análise do Discurso
neste estudo é a aceção de subárea da Linguística que se ocupa do estudo da unidade discurso. A Análise do
Discurso, no sentido exposto acima, tem um percurso histórico e uma identidade, que procuramos traçar neste
trabalho. Não é sinónimo de Análise de Conteúdo; não se resume apenas a uma ou outra das escolas que nela
coexistem e, sobretudo, não significa fazer “análise de discursos”, embora fazer análise de discursos, seguindo
metodologias preconizadas pela Análise do Discurso seja uma das principais atividades empreendidas nesta área
científica.
28
Used on its own or in concert with other methods for data triangulation, this more
complex and nuanced understanding of meaning is what discourse analysis can
contribute to the field of IS research, particularly to the understanding of the context in
which individuals create meaning. (Given et alii, 2014: 4)
Among the various levels of discourse at which ideologies may be seen to manifest
themselves, the level of meaning and reference plays a central role. Cognitive
representations of attitudes and models may directly map onto semantic representations
and it is largely through meaning that also the other, surface levels of discourse, such
as those of syntax, phonology or graphical structures, are affected by ideology. (van
Dijk, 1995: 256).
Fairclough (2001: 230), por sua vez, regista que o significado das palavras é sempre
composto por uma componente potencial, estável, convencional e dicionarizada - “a gama de
significados convencionalmente associados com a palavra, que um dicionário tentará
representar” - e uma componente contextual ou discursiva, dependente do contexto, de relações
culturais instituídas, ou negociadas, altamente instável e probabilística e que acaba por afetar a
componente do significado potencial.
Um dos contributos que a Análise do Discurso pode trazer para a Ciência da Informação,
designadamente para a representação do conhecimento, é o contacto com esta essência
representacional do discurso, perspetivando essa essência como uma construção cultural,
ideologicamente investida, não perene, mas transitória. Nas palavras de Talja et alii, a Análise
38
van Dijk, na sua abordagem sociocognitiva, redefine ideologia como os sistemas de cognição social que
organizam as representações sociais partilhadas pelos membros dos grupos, sendo estas produzidas e reproduzidas
no discurso (van Dijk, 1995), nomeadamente por meio de algumas das estruturas semânticas que funcionam como
veículos de transporte dos conteúdos ideológicos. A análise de estruturas discursivas recorrentes em corpora pode,
por exemplo, ajudar a expor o seu potencial para a expressão de um determinado conteúdo ideológico. A ideologia,
neste sentido, não é negativa nem positiva, é uma propriedade do discurso, que resulta da própria organização
social da cognição.
29
do Discurso representa o acesso à manifestação natural da informação: “discourses as the
primary context for information behaviour and knowledge organisation”, assim como a
consciência de que esta é sempre a expressão de diferentes versões da realidade. (Talja,
Tuominen, & Savolainen, 2005: 92).
O léxico, os sentidos e as redes de relações semânticas são sensíveis ao contexto e não
podem já ser pensadas fora de um quadro discursivo-contextual, já que, a uma parte estável e
transferível da significação, de situação para situação, de texto para texto, se soma uma parte
instável e apenas contextualmente estabilizada.
A natureza contextual das línguas humanas coloca obstáculos à padronização e
normalização necessárias para a construção de redes de conceitos, procedimento tão importante
para a Ciência da Informação e a representação do conhecimento. A construção de descritores
conceptuais, embora almeje o estatuto de linguagem formal, não é impermeável a este modo de
funcionamento da linguagem verbal e das línguas naturais, profundamente enraizadas nos usos
das comunidades de fala e expostas à erosão do uso.
Outro ponto de ligação estabelece-se entre o estudo dos tipos de discurso e géneros de
texto e a representação do conhecimento, atendendo a que os formatos e modelos em que os
textos necessariamente se integram determinam fortemente a organização da informação no
interior dos mesmos.
Por outro lado, a representação do conhecimento opera através da produção de textos,
sendo que os géneros específicos gerados no seio da Ciência da Informação são, eles mesmos,
objetos de estudo relevantes, para cuja compreensão e formalização a Análise do Discurso pode
contribuir.
5. Conclusão
Procuramos, neste estudo, fazer uma breve perspetivação histórica da área de estudos
da Análise do Discurso, bem como apontar alguns traços característicos da disciplina na
atualidade, nomeadamente no que diz respeito às interfaces que estabelece com outros domínios
das Ciências Sociais e Humanas.
Através de um método baseado na pesquisa bibliográfica, fizemos o levantamento de
informações relativas à génese desta área científica, à sua evolução, à sua consolidação e
identidade atual, colocando em diálogo diferentes autores e dados.
30
Foi possível demonstrar que, tal como sugere Maingueneau, talvez o mais ajustado fosse
falar de “Análises do Discurso” e não de “Análise do Discurso”39. Nas palavras de Gee &
Handford (2012):
There are many different types of discourse analysis. Some forms are closely tied to
linguistics and tie their claims closely to facts about grammar and about the way
different grammatical structures function in different contexts of use. Other forms are
less closely tied to linguistics or grammar and focus on the development of themes or
images across the sentences or utterances in an oral or written text. Some forms of
discourse analysis are primarily interested in description and explanation. Others are
also interested in tying language to politically, socially, or culturally contentious issues
and in intervening in these issues in some way. These latter forms of discourse analysis
are often called “critical discourse analysis”. (Gee & Handford, 2012: 5)
Our own experiences in the field have led us to the conviction that the vastness and
diversity of discourse analysis is a great strength rather than a weakness. Far from its
being a liability to be lamented because of the lack of a single coherent theory, we find
the theoretical and methodological diversity of discourse analysis to be an asset.
(Shiffrin, Tannen & Hamilton, 2001: 5)
39
A expressão “Análises do Discurso” sob a forma de "Les Analyses du Discours en France" dá corpo ao título
do número 117, da revista Langages, dirigido por Dominique Maingueneau e publicado em março de 1995.
40
Para uma visão mais completa sobre a natureza do objeto discurso, confrontar as propriedades do mesmo, tal
como propostas por Charaudeau & Maingueneau ((2004) 2016: 169-172).
31
Também Barros (1999) fornece uma perspetiva muito integrada e realista das várias
pulsões que a Análise do Discurso experimenta, desde as que, provenientes de dentro da própria
Linguística, a orientam numa direção mais formal, até às que, oriundas de fora da Linguística,
a puxam em sentidos mais amplos e dialogantes:
41
Esta mesma ideia é muito bem traduzida por F.I. Fonseca na seguinte asserção: “Sendo a linguagem a condição
e matriz de todas as actividades especificamente humanas, a Linguística está ligada a todas as outras Ciências
32
interface entre estas duas áreas, como sejam a problemática da representação e estabilização de
conceitos, da recuperação de informação ligada com a diversidade de tipos e géneros
discursivos e ainda da gestação de géneros textuais novos, no interior da própria área científica
da Ciência da Informação, géneros que carecem de formalização, estabilização e análise.
Terminamos, recorrendo a palavras inspiradoras de Foucault (1969), para reforçar a
mensagem de que o diálogo interdisciplinar ilustrado pela presente publicação, através do
conjunto de estudos nela reunido, não representa uma ameaça para a identidade das áreas que
dialogam, mas sim uma oportunidade para perspetivar, de forma renovada, os objetos em
análise:
Bibliografia
Humanas pelos mais estreitos laços de família, não por meras relações de coabitação.” (F. I. Fonseca, 1992: 16-
17).
33