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de Libras
Intérprete
de Libras
Código Logístico
Intérprete de Libras
22208
Intérprete
de Libras
ISBN: 978-85-387-1726-3
CDD 419
Flávia Valente
O fazer tradutório...................................................................... 35
O que significa traduzir............................................................................................................. 35
Tipos de tradução segundo Roman Jakobson................................................................ 37
A polêmica da tradução literal versus tradução livre..................................................... 41
Tradução cultural........................................................................................................................ 45
O fazer da interpretação......................................................... 57
No que consiste interpretar.................................................................................................... 57
Interpretação simultânea e interpretação consecutiva............................................... 60
A (in)visibilidade do intérprete.............................................................................................. 64
Áreas de atuação.....................................................................119
Intérprete no contexto social...............................................................................................119
Intérprete no contexto educacional..................................................................................123
Intérprete na Educação Especial, na Educação Básica regular
e no Ensino Superior...............................................................................................................125
Intérprete na área jurídica.....................................................................................................128
Intérprete religioso..................................................................................................................128
O seu material impresso está organizado em dez aulas, que contemplam con-
teúdo, atividades, texto complementar e dicas de estudo. Na primeira aula, você
será introduzido ao mundo de atuação do Tradutor e Intérprete de Língua de
Sinais (TILS). A visão apresentada é panorâmica, de forma a prepará-lo para os
próximos conteúdos. As aulas 2 e 3 são dedicadas a distinguir a função do intér-
prete da do tradutor, não perdendo de vista o elo comum entre elas, a tradução.
Em seguida, na aula 4, você encontrará uma exposição sobre os motivos – alguns
óbvios, outros nem tanto – pelos quais ambas as línguas envolvidas no processo
de tradução e interpretação devem ser dominadas pelo TILS. Seguindo a linha de
proficiência e fluência linguística, a aula 5 apresenta as vantagens de pensar a tra-
dução e interpretação não apenas como textos, mas como gêneros discursivos.
A aula 6 volta-se para a análise dos campos de atuação para o TILS, indicando as
principais exigências e condições de trabalho.
As autoras.
Panorama e perspectivas da Vídeo
Considerações iniciais
A primeira coisa a se considerar no estudo da tradução e interpretação
da Libras é que se trata de um campo ainda muito pouco explorado, por
razões variadas, estando entre as principais: a Língua Brasileira de Sinais
ter sido reconhecida apenas recentemente; tratar-se de uma língua des-
conhecida e usada por uma minoria; o fato de que a área dos Estudos da
Tradução, na sua condição de campo disciplinar, é ainda muito nova. Por
isso, ainda são escassos os estudos envolvendo a Libras, quanto mais a
tradução/interpretação dessa língua. Mesmo em literatura estrangeira, a
temática é ainda explorada de forma incipiente.
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Panorama e perspectivas da tradução e interpretação em Libras
Todavia, será visto ao longo dessa discussão que ambas as atividades, tra-
dução e interpretação, são complexas em demasia, exigindo dos profissionais
capacidades, características e conhecimentos que ora se entrecruzam e ora se
distanciam. Também não é o intuito aqui proceder numa dicotomia entre os
dois campos, como se o profissional tivesse de escolher na sua atuação entre
um deles. Somente se quer propor uma reflexão para fundamentar uma escolha
feita para este curso: a de que tradução e interpretação são áreas diferentes de
atividade, pelas quais os profissionais podem transitar, sem, contudo, esquece-
rem das demandas exigidas por cada uma. Por isso, toda vez que se fizer menção
ao TILS, ela deve ser lida como o tradutor e o intérprete.
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Panorama e perspectivas da tradução e interpretação em Libras
com a comunidade surda, que, aos poucos, foi e vem ganhando fôlego em even-
tos tais como: o I Encontro Nacional de Intérpretes de Língua de Sinais, realizado
no Rio de Janeiro e organizado pela Federação Nacional de Educação e Integra-
ção dos Surdos (Feneis), em 1988, que propiciou, pela primeira vez, o intercâm-
bio entre alguns intérpretes do Brasil e a avaliação sobre a ética do profissional
intérprete; o II Encontro Nacional de Intérpretes de Língua de Sinais, também
organizado pela Feneis, realizado em 1992 no Rio de Janeiro, que possibilitou
a troca de diferentes experiências entre os intérpretes do país, discussões e vo-
tação do regimento interno do Departamento Nacional de Intérpretes, funda-
do mediante a aprovação do mesmo; I Encontro Nordestino de Intérpretes de
Libras, realizado em João Pessoa, em 1998; I Seminário de Intérpretes, realizado
em São Paulo, em 2001; I e II Encontro de Intérpretes do estado de Santa Catari-
na, realizados em Florianópolis, respectivamente, no ano de 2004 e 2005.
No dia 24 de abril de 2002, foi homologada a Lei Federal 10.436 que reconhece
a Língua Brasileira de Sinais como língua oficial das comunidades surdas brasi-
leiras, porém, sua regulamentação viria apenas três anos depois, com o Decreto
5.626/2005. A partir de então, houve um avanço na aplicação das políticas linguís-
ticas em relação à Libras, fazendo com que ela alcançasse gradativamente um
lugar próprio enquanto objeto de interesse científico, sendo estudada sob pers-
pectivas várias – antropológica, educacional, tradutológica, linguística, literária,
entre outras. Portanto, essa lei e sua respectiva regulamentação representam um
passo fundamental no processo de reconhecimento e formação do profissional
Intérprete de Língua de Sinais no Brasil, bem como a abertura de várias oportuni-
dades no mercado de trabalho, que são respaldadas pela questão legal.
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Panorama e perspectivas da tradução e interpretação em Libras
Até o ano de 2010, ainda não se tem uma diretriz nacional sobre o perfil e
as exigências para a formação profissional do TILS. O que há é um conjunto de
princípios, baseado no código de ética da atividade, a ser seguido, sendo que
cada estado estabelece a regulamentação da prática de tradução e interpreta-
ção. Esse quadro, contudo, está em via de ser alterado, já que foi aprovado, em
julho de 2010, pela Comissão de Assuntos Sociais do Senado (CAS), o projeto de
lei que regulamenta a profissão de tradutor e intérprete da Língua Brasileira de
Sinais (Libras), faltando somente a sanção do presidente da República, haja vista
o caráter terminativo da decisão tomada pela CAS. Com a sanção presidencial,
finalmente se poderá tratar da prática de tradução e interpretação como uma
profissão de fato e de direito, o que levará, consequentemente, ao estabeleci-
mento de políticas públicas para a “nova” atividade, seja no tocante a melhorias
nas condições de trabalho, seja no que tange à formação desse profissional. O
referido projeto de lei, que tramitou no Senado como PLC 325/2009 (na Câmara,
tramitou como Projeto de Lei 4.673/2004), entre outras coisas, estabelece como
exigência para exercer a profissão uma das três formações:
Além disso, o projeto prevê a elaboração de uma norma específica que es-
tabelecerá a criação de Conselho Federal e Conselhos Regionais responsáveis
pela aplicação da regulamentação da profissão, em especial da fiscalização do
exercício profissional.
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Panorama e perspectivas da tradução e interpretação em Libras
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Panorama e perspectivas da tradução e interpretação em Libras
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Panorama e perspectivas da tradução e interpretação em Libras
Código de ética
Ética é o conjunto de princípios morais que se devem observar no exercí-
cio de uma profissão. O estabelecimento do conjunto a ser seguido por cada
profissão é feito por aqueles que a exercem, de forma a respaldar sua prática e
também orientá-la, assim como fornecer parâmetros para a formação daqueles
que integrarão a categoria. Dessa forma é que se estabelece o código de ética
de uma atividade profissional. Com a tradução e interpretação não é diferente. A
existência do código justifica-se a partir do tipo de relação que o intérprete esta-
belece com as partes envolvidas na interação. O intérprete está para intermediar
um processo interativo que envolve determinadas intenções conversacionais e
discursivas. Nessas interações, o intérprete tem a responsabilidade pela veraci-
dade e fidelidade das informações. Assim, a ética deve estar na essência desse
profissional e permear todas as suas decisões no momento de sua atuação. A
seguir é transcrito o código de ética que é parte integrante do Regimento Inter-
no do Departamento Nacional de Intérpretes (Feneis):
(Registro dos Intérpretes para Surdos – em 28-29 de janeiro de 1965, Washington, EUA).
Tradução do original Interpreting for Deaf People, Stephen (ed.) USA por Ricardo Sander.
Adaptação dos Representantes dos Estados Brasileiros – Aprovado por ocasião do II Encontro
Nacional de Intérpretes – Rio de Janeiro/RJ/Brasil – 1992.
1.º O intérprete deve ser uma pessoa de alto caráter moral, honesto, consciente, confidente e de
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Panorama e perspectivas da tradução e interpretação em Libras
equilíbrio emocional. Ele guardará informações confidenciais e não poderá trair confidências,
as quais foram confiadas a ele;
2.º O intérprete deve manter uma atitude imparcial durante o transcurso da interpretação,
evitando interferências e opiniões próprias, a menos que seja requerido pelo grupo a fazê-lo;
3.º O intérprete deve interpretar fielmente e com o melhor da sua habilidade, sempre
transmitindo o pensamento, a intenção e o espírito do palestrante. Ele deve lembrar dos
limites de sua função e não ir além de sua responsabilidade;
4.º O intérprete deve reconhecer seu próprio nível de competência e ser prudente em aceitar
tarefas, procurando assistência de outros intérpretes e/ou profissionais, quando necessário,
especialmente em palestras técnicas;
5.º O intérprete deve adotar uma conduta adequada de se vestir, sem adereços, mantendo a
dignidade da profissão e não chamando atenção indevida sobre si mesmo, durante o exercício
da função.
6.° O intérprete deve ser remunerado por serviços prestados e se dispor a providenciar serviços
de interpretação, em situações onde fundos não são possíveis;
7.° Acordos em níveis profissionais devem ter remuneração de acordo com a tabela de cada
estado, aprovada pela Feneis.
8.° O intérprete jamais deve encorajar pessoas surdas a buscarem decisões legais ou outras
em seu favor;
9.º O intérprete deve considerar os diversos níveis da Língua Brasileira de Sinais bem como da
Língua Portuguesa;
10.° Em casos legais, o intérprete deve informar à autoridade qual o nível de comunicação da
pessoa envolvida, informando quando a interpretação literal não é possível, e o intérprete,
então, terá que parafrasear de modo claro o que está sendo dito à pessoa surda e o que ela
está dizendo à autoridade;
11.º O intérprete deve procurar manter a dignidade, o respeito e a pureza das línguas envolvidas.
Ele também deve estar pronto para aprender e aceitar novos sinais, se isso for necessário para
o entendimento;
12.° O intérprete deve esforçar-se para reconhecer os vários tipos de assistência ao surdo e
fazer o melhor para atender às suas necessidades particulares.
Parágrafo único. O intérprete deve esclarecer o público no que diz respeito ao surdo sempre
que possível, reconhecendo que muitos equívocos (má informação) têm surgido devido à falta
de conhecimento do público sobre a área da surdez e a comunicação com o surdo. (QUADROS,
2007, p. 28)
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Panorama e perspectivas da tradução e interpretação em Libras
Formação profissional
Em virtude das novas exigências do mercado de trabalho, aliadas à difusão
da Libras e ao crescente número de pessoas que conhecem e desejam utilizá-la
profissionalmente, vê-se cada vez mais a especialização desta profissão. Desse
modo, quem inicia uma carreira de tradutor e/ou de intérprete deverá contar
com um mercado de trabalho exigente cujo acesso não é garantido pelo mero
conhecimento da língua em questão. Deverá adquirir, por isso, técnicas espe-
cializadas em tradução e/ou interpretação e é essencial que invista em conheci-
mentos técnicos e conhecimentos gerais, através, por exemplo, de estágios, de
contato com a comunidade surda em variados âmbitos e de um esforço cons-
tante na investigação e na autoformação.
Texto complementar
O intérprete educacional
(QUADROS, 2007, p. 55-59)
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Panorama e perspectivas da tradução e interpretação em Libras
Nos Estados Unidos, em 1989, estimava-se que 2 200 Intérpretes de Língua de Sinais
estivessem atuando nos níveis da educação elementar e no ensino secundário. [...]
Atualmente, mais de um terço dos graduados nos cursos de formação de intérpretes são
empregados em escolas públicas. Mais da metade dos intérpretes estão atuando na área
da educação. (STEWART et al. 1998)
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Panorama e perspectivas da tradução e interpretação em Libras
acompanhar os alunos;
disciplinar os alunos;
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Panorama e perspectivas da tradução e interpretação em Libras
Ainda se podem levantar outros problemas que surgem em relação aos in-
térpretes em sala de aula. Por exemplo, o fato dos intérpretes interagirem com
os professores pode levar a um problema ético, pois é natural travar comentá-
rios a respeito dos alunos durante os intervalos. O código de ética prevê que o
intérprete seja discreto e mantenha sigilo, não faça comentários, não compar-
tilhe informações que foram travadas durante sua atuação. Assim, o código
de ética dessa especialidade deveria também prever que ao intérprete fosse
permitido apenas fazer comentários específicos relacionados à linguagem da
criança, à interpretação em si e ao processo de interpretação, quando estes
forem pertinentes para o processo de ensino-aprendizagem.
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Panorama e perspectivas da tradução e interpretação em Libras
Dicas de estudo
Despertar do Silêncio, de Shirley Villalva, Editora Arara Azul.
Esse livro retrata a trajetória de vida de uma surda parcial que procura en-
tender o mundo à sua volta, significá-lo por meio de uma língua, mas a questão
que se coloca à autora é que língua empregar em tal significação, uma vez que,
durante muito tempo, a Libras nada comunicava aos que estavam ao seu redor,
nem a ela própria. O relato da autora permite a reflexão sobre como a tradução
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Panorama e perspectivas da tradução e interpretação em Libras
Atividades
1. Você viu ao longo do texto que existe no Brasil um código de ética que estabe-
lece os princípios de conduta para a atividade. E quanto ao que o código não
prevê diretamente? Afinal, é impossível prever todas as situações inusitadas
pelas quais um intérprete pode passar. Como agir em relação a isso? Abster-se
quando não há uma conduta clara e específica recomendada?
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Panorama e perspectivas da tradução e interpretação em Libras
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Panorama e perspectivas da tradução e interpretação em Libras
Referências
BRASIL. Projeto de Lei 4.673-C de 2004. Regulamenta a profissão de Tradutor
e Intérprete da Língua Brasileira de Sinais (Libras). Disponível em: <wwwlegis.
senado.gov.br/mate-pdf/72153.pdf>. Acesso em: 14 jul. 2010.
QUADROS, Ronice Müller de; SOUZA, Saulo Xavier de. Aspectos da tradução/en-
cenação na Língua de Sinais Brasileira para um ambiente virtual de ensino: prá-
ticas tradutórias do curso de Letras Libras. In: QUADROS, Ronice Müller de (Org.).
Estudos Surdos III. Petrópolis: Arara Azul, 2008.
Gabarito
1. Na sua condição de conjunto, o código de ética tenta alcançar, por meio
de princípios gerais, situações mais específicas do cotidiano do TILS. Entre-
tanto, por se tratarem de princípios, os preceitos estabelecidos no código
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Panorama e perspectivas da tradução e interpretação em Libras
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Vídeo
O fazer tradutório
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O fazer tradutório
lado, para outro lugar. O sujeito desse verbo é o tradutor, o objeto direto, o autor do original a
quem o tradutor introduz num ambiente novo [...] Mas a imagem pode ser entendida também
de outra maneira, considerando-se que é ao leitor que o tradutor pega pela mão para levá-lo
para outro meio linguístico que não o seu. (RÓNAI, 1976, p. 3-4)
Do excerto acima, é possível entender que a tradução pode adotar pelo menos
dois movimentos, duas direções. De um lado, o original a ser traduzido é levado,
conduzido até o leitor em sua língua de chegada, adaptando-se, para tanto, os
“costumes”, características do original ao novo meio linguístico. Esse processo,
não raro, leva a esquecer que a tradução se trata de um original vindo de uma
realidade distante, fundamentalmente diferente. Nesse caso, tem-se o que Rónai
(1976) chama de “tradução naturalizadora”. De outro lado, há o que o autor de-
nomina de “tradução identificadora”. Movimento no qual o leitor (público-alvo
da tradução) é conduzido para o país da obra que lê, entrando em contato com
as peculiaridades dela, o que acentua sua origem distante, estrangeira.
A visão adotada por Rónai (1976) é reforçada por Bassnett (2003, p. 9), para
quem a tradução não é somente a transferência de textos de uma língua para
outra, mas um processo de negociação entre textos e entre culturas, um pro-
cesso em que ocorrem todos os tipos de transações mediadas pela figura do
tradutor. Com isso, percebe-se que há muito mais por trás das acepções dadas à
palavra traduzir, posto que não se trata apenas de “trasladar”, como se esse pro-
cesso fosse automático, ou facilmente exequível. Há muitas implicações no ato
de traduzir, bem como há diferentes maneiras de fazê-lo e também variedades
de tradução. Fala-se em variedades de tradução, já que ela se verifica não apenas
entre línguas – embora essa seja a mais lembrada e aceita em relação ao que,
geralmente, no senso comum, se entende ser tradução –, mas também em dife-
rentes sistemas semióticos. Por sistemas semióticos, entende-se a articulação de
uma dada mensagem por meio de signos verbais e não verbais, com os diversos
sistemas de sinais, de linguagem e suas relações.
Dessa forma, pode-se dizer que também se trata de tradução, por exemplo,
uma obra literária adaptada ao formato cinematográfico, em que há uma “trans-
ferência” entre sistemas semióticos diferentes, bem como o mesmo se aplica a
filmes/séries que ganham o formato de histórias em quadrinhos ou obras lite-
rárias, ou ainda, mais modernamente, jogos eletrônicos que são transformados
em filmes ou desenhos animados – como exemplo deste último tem-se o Super
Mario Bros.: Peach-Hime Kyushutsu Dai Sakusen!, o primeiro longa-metragem ba-
seado em um jogo de videogame. A seguir, será visto que esse tipo de tradução
foi uma das contempladas por Roman Jakobson.
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O fazer tradutório
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O fazer tradutório
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O fazer tradutório
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O fazer tradutório
Ela pode ser definida, segundo Jakobson, como a transmutação de uma obra
de um sistema de signos a outro. A forma mais corriqueira se dá entre um siste-
ma verbal e um não verbal, como acontece com a passagem de um romance ou
conto ao cinema, vídeo e história em quadrinhos; de poemas para ilustrações
de livros; com a passagem de textos em geral para anúncios publicitários. No
entanto, ela pode acontecer também entre dois sistemas não verbais, como por
exemplo, entre música e dança e música e pintura. Sobre esse tipo de tradução,
Rónai a estabelece como:
[...] aquela a que nos entregamos ao procurarmos interpretar o significado de uma expressão
fisionômica, um gesto, um ato simbólico mesmo desacompanhado de palavras. É em virtude
dessa tradução que uma pessoa se ofende quando outra não lhe aperta a mão estendida ou
se sente à vontade quando lhe indicam uma cadeira ou lhe oferecem um cafezinho. (RÓNAI,
1976, p. 2)
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O fazer tradutório
dias atuais, ainda tem muito a contribuir com a área dos Estudos da Tradução. De
acordo com os autores, na correspondência formal a ênfase recai na forma do
original e na equivalência dinâmica, sobre a capacidade do leitor de entender a
realidade. Nenhuma dessas duas práticas é boa ou ruim em si mesma, pois, ao se
dar início ao processo de tradução, os tradutores devem decidir se favorecem as
exigências da forma ou as necessidades do leitor. Mas essa decisão não é nada
fácil, como se pode depreender do excerto abaixo:
Podem os tradutores ir longe demais numa ou noutra direção? Sem dúvida. Na direção da
correspondência formal, eles podem chegar a produzir um texto mais hebraico ou grego do
que inglês. Na direção da equivalência dinâmica, podem gerar um texto mais simples e fácil
para os leitores modernos do que o original foi para seus primeiros leitores. Neste último caso,
a preocupação dos tradutores com as limitadas capacidades de seus leitores pode levá-los
a interpretar em vez de traduzir o texto. Há uma tênue linha a separar o que é deixar claro o
sentido do original e o que é interpretá-lo – e os tradutores devem ter cuidado para não cruzá-
-la. (GABEL; WHEELER, 2003, p. 220)
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O fazer tradutório
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O fazer tradutório
Olhar similar sobre a questão é lançado por Rónai (1987, p. 22-23) no que diz
respeito à impossibilidade de significados estanques nas palavras:
[...] ao tradutor não lhe basta um conhecimento aproximativo da língua do autor que está
vertendo. Por melhor que maneje o seu próprio instrumento, não pode deixar de conhecer a
fundo o instrumento do autor. O tradutor deve conhecer todas as minúcias semelhantes da
língua de seu original a fim de captar, além do conteúdo estritamente lógico, o tom exato, os
efeitos indiretos, as intenções ocultas do autor. Assim a fidelidade alcança-se muito menos
pela tradução literal do que por uma substituição contínua. A arte do tradutor consiste
justamente em saber quando pode verter e quando deve procurar equivalências. Mas como
não há equivalências absolutas, uma palavra, expressão ou frase do original podem ser
frequentemente transportadas de duas maneiras, ou mais, sem que se possa dizer qual das
duas é a melhor.
Com base no dito por Rónai e Arrojo, se aceitamos que “o tradutor não poderá
evitar que seu contato com os textos seja mediado por suas circunstâncias, suas
concepções e seu contexto histórico e social” (ARROJO, 1986, p. 38), como fica a
questão da fidelidade? Uma resposta possível, ainda em construção pelos teó-
ricos dos Estudos da Tradução, está relacionada ao reconhecimento de que a
leitura de um original é, sim, dirigida por diversos fatores, tais como experiência
e conhecimento de cada leitor e condições de produção de cada texto, tanto na
língua de partida quanto na língua de chegada. Entretanto, isso não significa
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O fazer tradutório
Tradução cultural
O campo de tradução cultural remete a questões de identidades e diferen-
ças, de veracidade e falsidade, de fidelidade e traição, enfim, de poder, repre-
sentação e historicidade. De forma a ilustrar isso, Corrêa (2009) lança como
exemplo a obra de um escritor da Costa do Marfim, Ahmadou Kourouma, Alá e
as Crianças Soldados, cuja tradução brasileira, segundo a pesquisadora, recebeu
o prêmio Fnac de melhor obra traduzida do francês no ano de 2003, quando de
seu lançamento.
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O fazer tradutório
Essas escolhas, é preciso entender, são não apenas possíveis, mas necessá-
rias, não se pode escapar delas no ato tradutório. Conforme esclarece Venuti
(2002), o tradutor, ao comunicar um texto estrangeiro, interpreta fatores domés-
ticos, utilizando a tradução como colaborador à formação de atitudes domés-
ticas em relação a países estrangeiros ou não. Assim, a complexidade do ato
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O fazer tradutório
Texto complementar
De que princípio parte a ideia da tradução cultural? Tudo pode ser tra-
duzido, ou, em função da própria natureza da linguagem, nada se traduz?
Segundo Paes (1990, p. 13), “os partidários dessa teoria têm apontado com
razão que as palavras isoladas não têm sentido em si mesmas: a sua signifi-
cação é determinada, de cada vez, pelo respectivo contexto. Por contexto
entende-se a frase ou o trecho em que a palavra se encontra no momento,
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O fazer tradutório
torta de cereja, creme de ovos, leite e açúcar, abacaxi, peru assado, toffy e
torradas quentes”), Marlene optou por traduzir por uma mistura de bolo de
chocolate, bife e coca-cola.
Por que não? Nessa tradução absolutamente datada, pelos motivos que
já esmiucei, o texto se constituiu da maneira que relato. Em outra tradução,
em outro momento, quem sabe? Não desejarão os surdos, talvez, uma tra-
dução o mais fiel possível ao autor? Talvez não venha a ser uma opção dos
surdos o conhecimento profundo de outras culturas? É evidente que ao se
dar continuidade ao projeto de traduções culturais, quando da formação de
uma equipe de profissionais para dar conta de uma pequena biblioteca de
clássicos da literatura universal em Libras, por exemplo, outras variantes en-
trarão em cena. O que realizamos nesse Alice no País das Maravilhas foi uma
experiência laboratorial, nunca é demais repetir.
Dicas de estudo
“O significado da tradução e a tradução do significado”, de Kanavillil Rajago-
palan. Revista Letras, Curitiba, n. 56, p. 67-76, jul./dez. Editora UFPR, 2001. Dispo-
nível em: <www.letras.ufpr.br/revista_letras/numeros/56.html>.
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O fazer tradutório
Atividades
1. Em sua tipologia sobre a tradução, Jakobson apresenta três tipos de tradu-
ção: a intralingual, a interlingual e a intersemiótica. Com base nas definições
tecidas pelo autor, é possível dizer que elas se entrelaçam, apresentam um
fator em comum? Que fator comum seria esse e como ele se revela em cada
tipo de tradução?
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O fazer tradutório
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O fazer tradutório
Referências
ARROJO, Rosemary. Oficina de Tradução: a teoria na prática. São Paulo: Ática,
1986.
GABEL, John B.; WHEELER, Charles B. A Bíblia como Literatura. 2. ed. São Paulo:
Edições Loyola, 2003.
RAMOS, Clélia Regina. Tradução Cultural: uma proposta de trabalho para surdos
e ouvintes. Disponível em: <www.editora-arara-azul.com.br/pdf/artigo5.pdf>.
Publicado em: 2000. Acesso em: 14 ago. 2010.
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O fazer tradutório
Gabarito
1. O fator em comum entre os tipos de tradução estabelecidos por Jakobson se
trata do ato de “traduzir” visto de maneira fundamental, em que algo precisa
ser “dito”, preservando o conteúdo, significado, de maneira diferente daquela
empregada no original. Característica revelada de diferentes, mas aparenta-
das, formas nos três tipos de tradução. Inicialmente, os três lidam com “o que
traduzir”, isto é, que parte do original interessa ser traduzida. Todas precisam
pensar nas estratégias de “como traduzir” e em quão compreensível será o
resultado de sua tradução, bem como devem lidar também com a questão
de até que ponto podem e querem fazer “justiça” – equivaler – ao original.
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O fazer tradutório
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Vídeo
O fazer da interpretação
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O fazer da interpretação
Pelo exposto até aqui, você deve ter observado a dificuldade de se falar em
interpretação sem associá-la a um tipo de interpretação – a simultânea ou con-
secutiva. Isso porque, essas modalidades de interpretação demandam exigên-
cias diferentes, levando a práticas diferenciadas do ponto de vista das condições
de atuação, processos empregados na realização da atividade, entre outros. Por-
tanto, agora a intenção é esclarecer, mais especificamente, no que consistem a
interpretação consecutiva e a simultânea.
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O fazer da interpretação
Interpretação simultânea
e interpretação consecutiva
Para aprofundamento nas modalidades de interpretação, serão tratados aqui
dois modelos teóricos. O primeiro, chamado de Teoria Interpretativa da Tradução,
proposto por Danica Seleskovitch e seguido por Marianne Lederer, foi elaborado
a partir de análises e considerações em torno da interpretação consecutiva; o
outro, Teoria dos Modelos dos Esforços na Interpretação, proposto por Daniel
Gile, foi construído tendo como objeto de estudo a interpretação simultânea.
Em comum, ambos os modelos tentam chamar a atenção para a necessidade de
interpretar em vez de meramente traduzir, ou seja: ressaltam a importância da
construção própria do sentido na transposição do discurso oral de um idioma
para outro. Antes do início da exposição, convém dizer que as considerações
sobre esses dois modelos tomaram por base o estudo de Freire (2008) e são,
portanto, releituras de uma leitura em particular, o que justifica a referenciação
apenas desse autor, e não a dos autores dos originais.
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O fazer da interpretação
Até aqui, foi exposto do que se trata e, minimamente, como ocorre a interpre-
tação consecutiva, as capacidades mobilizadas para tal e como se manifestam.
Agora, a atenção se volta à Teoria dos Modelos dos Esforços na Interpretação,
de Daniel Gile, cujo ponto de apoio para o desenvolvimento foi o estudo da in-
terpretação simultânea. De acordo com Freire (2008, p. 160), Gile aponta que há
três esforços compreendidos no ato interpretativo:
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O fazer da interpretação
esforço de produção;
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O fazer da interpretação
deve contar com uma memória de curto prazo muito mais ampla do que
a do palestrante e do público, haja vista que estes podem lançar mão de
anotações a qualquer momento da palestra; e
Para concluir esta seção, cabe dizer que tanto interpretação simultânea
quanto consecutiva exigem a mobilização de capacidades variadas, são tare-
fas complexas, entremeadas de pormenores, mas que, no fim, dizem respeito
a se poder “transpor” uma mensagem da forma mais fidedigna possível de uma
língua a outra. Assim, por terem uma característica fundamental em comum,
essas modalidades de interpretação se entrecruzam, pois uma, de certa forma, é
evolução da outra, posto que os primeiros trabalhos de interpretação, por razões
históricas, circunstanciais, de evolução de tecnologia e de objetivos persegui-
dos, foram consecutivos. Muito posteriormente na história da humanidade é
que se fez necessária a interpretação simultânea. Atualmente, esta predomina
no cenário interpretativo, contudo, como relata Pagura (2003, p. 211), “a con-
secutiva tem papel preponderante no treinamento de intérpretes simultâneos,
uma vez que nesse modo se desenvolvem as técnicas que serão fundamentais
para o desempenho da simultânea, tais como a capacidade de compreensão e
análise do discurso de partida”.
63
O fazer da interpretação
A (in)visibilidade do intérprete
Até esta seção, falou-se do ato interpretativo e do intérprete de forma mais
geral, abrangendo tanto intérpretes de línguas orais quanto de línguas de sinais.
A partir daqui, o foco estará na atuação do Intérprete de Língua de Sinais, nas es-
pecificidades de seu trabalho, nos desafios, enfim, nas características que justifi-
cam um tratamento em separado para os Intérpretes de Línguas de Sinais. Para
dar início à reflexão, resgata-se aqui um excerto da obra de Magalhães Junior
já citado anteriormente nesta aula: “No início da carreira, o que mais nos mete
medo é o público. Quanto mais gente na plateia, pior. E se alguém vira a cabeça
para trás, então, para procurar o intérprete dentro da cabine, aí aquele restinho de
confiança que ainda resistia escorre pelo ralo” (2007, p. 65, grifo nosso).
64
O fazer da interpretação
65
O fazer da interpretação
mensagem do orador, em não poderem expor a sua opinião sobre a sua própria educação,
em não poderem estar incluídos pela palavra. O não esclarecimento ocasionaria uma suposta
fidelidade e a ilusão de ser possível transmitir tudo, durante o ato interpretativo. (ROSA, 2008,
p. 121)
De forma a justificar a escolha com a qual o ILS se depara e saber que atitude
tomar – até onde explicar o significado –, a autora lança mão da diferença esta-
belecida por Humberto Eco (1987, p. 50, apud ROSA, 2008, p. 124) entre usar um
texto e interpretá-lo: “Se há algo para ser interpretado, a interpretação deve falar
de algo que deve ser encontrado em algum lugar, e de certa forma respeitado”.
Nesse sentido, ao interpretar, se pressupõe que há um sentido pretendido pelo
autor do discurso interpretado e esse sentido deve ser respeitado, contempla-
do, alcançado. No uso de um texto, ou discurso, o sentido é estendido, não há a
preocupação de respeitar uma coerência interna ao texto ou discurso original.
Você, estudante, deve estar se perguntando “como serei fiel ao sentido preten-
dido pelo autor do discurso interpretado?”. Pois saiba que essa é uma excelente
questão, para a qual há, igualmente, uma ótima resposta.
66
O fazer da interpretação
Certamente, você deve estar pensando que não é tarefa fácil equilibrar-se
entre a visibilidade e invisibilidade no discurso interpretado, e, de fato, não é.
Todavia, a discussão empreendida aqui foi feita no sentido de que você, aspi-
rante a intérprete ou intérprete, reflita sobre o fato de que não há invisibilidade
possível, não totalmente, mas isso não acarreta que então o intérprete deva se
deixar presente ao longo da interpretação, extrapolando o sentido do original. A
verdade sobre a (in)visibilidade do intérprete reside numa característica atribuí-
da a muitas áreas da vida humana: o equilíbrio. E este só se busca na prática e na
reflexão crítica sobre a prática. Claro, aprender com os erros e acertos dos outros
profissionais de áreas afins também ajuda, por isso, a seguir, você encontra um
texto complementar sobre quão feliz ou infeliz um intérprete pode ser em suas
tentativas de (in)visibilidade. Boa leitura!
67
O fazer da interpretação
Texto complementar
68
O fazer da interpretação
69
O fazer da interpretação
A esse propósito, uma vez tive uma experiência como usuária de interpre-
tação que foi muito rica, pois me permitiu me colocar do outro lado. Foi uma
palestra de um orador que tinha sido muito importante na minha formação
acadêmica. Eu pertencia à comunidade que falava aquela linguagem, eu co-
nhecia o jargão, mas a palestra foi em francês, uma língua que não domino
perfeitamente, de modo que precisei da tradução simultânea. Pois sou obri-
gada a confessar que a experiência de ser usuária de tradução simultânea
foi extremamente desconfortável, eu simplesmente não me conciliei com os
fones de ouvido, e fiquei me perguntando por quê. Afinal, a tradução estava
correta de um modo geral, o conteúdo estava correto (como entendo um
pouco de francês, pude conferir). Identifiquei alguns problemas pontuais de
jargão, de terminologia, que talvez pudessem ser justificados por circunstân-
cias específicas, mas não era esse o transtorno maior. O maior problema era a
entonação. A interpretação saía com um tom absolutamente casual, desinte-
ressado, distante. Para mim aquela era uma oportunidade única de ouvir um
pensador brilhante, que, falando com ênfase e com paixão, demonstrava um
sincero respeito pelo público, que reservou aquele tempo para ouvi-lo, que
pagou antecipado para garantir sua vaga. Já para os intérpretes aquilo não
passava de mais um evento, um trabalho como outro qualquer. Havia uma
70
O fazer da interpretação
clara discrepância de interesses: para mim, como ouvinte, aquela era uma
ocasião muito especial, e para eles era apenas mais um dia de um trabalho. A
tradução simultânea, ali, foi para mim um mal necessário. E me causou des-
conforto saber que eu também poderia estar naquele papel.
Não faltam exemplos de reações do público nesse mesmo tom. Uma vez
eu e uma colega traduzimos um orador extremamente claro e expressivo,
daqueles que encantam a plateia. Nós conseguimos nos apropriar do ritmo
e da emoção de sua fala e, no final, enquanto ele era aplaudido de pé, uma
pessoa no fundo da sala virou-se para a cabine para aplaudir a nós, numa
clara demonstração de ter percebido a abrangência da nossa participação.
Outra vez foi mais surpreendente. Era uma consecutiva, uma situação
mais tensa, uma dinâmica mais difícil, e um assunto mais complexo: filosofia.
Eu usei a estratégia de tentar me apropriar do discurso, mas no meio da con-
ferência, por um problema de anotação, cometi um lapso e troquei o nome
de um filósofo: em vez de “Hegel” falei “Heidegger”, um erro indiscutivelmen-
te grave... As pessoas na mesa perceberam e me corrigiram imediatamente.
Desculpei-me e segui em frente, me esforçando para manter a apropriação.
71
O fazer da interpretação
No final julguei que aquele erro tinha estragado completamente o meu es-
forço e, no entanto, para minha surpresa, as pessoas me procuraram para me
agradecer efusivamente, o cliente se mostrou muito satisfeito, e depois ainda
elogiou meu trabalho para outros colegas. Parece, então, que o meu enga-
jamento chegou a compensar o erro, que passou a ser visto como um lapso
passível de acontecer com qualquer um, “desculpável”, portanto, dentro do
contexto maior de apropriação.
72
O fazer da interpretação
Dicas de estudo
Os Tradutores na História, de Delisle e Woodsworth, tradução de Sérgio Bath.
São Paulo: Ática, 1995.
Atividades
1. Discuta no que consiste o ato de interpretar e a diferença que ele apresenta
em relação ao ato tradutório.
74
O fazer da interpretação
Referências
FREIRE, Evandro Lisboa. Teoria interpretativa da tradução e teoria dos modelos
dos esforços na interpretação: proposições fundamentais e inter-relações. Ca-
dernos de Tradução, UFSC, v. 2, n. 22, 2008. Disponível em: <www.periodicos.
ufsc.br/index.php/traducao/article/view/9279/9413>. Acesso em: 9 ago. 2010.
75
O fazer da interpretação
Gabarito
1. Resposta mínima deve reconhecer que embora tradução e interpretação se-
jam processos interdependentes, esta requer do intérprete capacidades es-
pecíficas que envolvem tanto o aspecto cognitivo quanto linguístico, como
por exemplo, boa capacidade de uso da memória de curto prazo, boa ca-
pacidade de processamento e análise da mensagem recebida, ser capaz de
se ater à ideia do autor da mensagem, sem perder de vista o tom, o ritmo, a
velocidade, as intenções discursivas etc.
76
O fazer da interpretação
77
O domínio das línguas envolvidas Vídeo
79
O domínio das línguas envolvidas no ato de tradução e interpretação
pode apresentar, mas a questão é que o motorista não precisa conhecer o fun-
cionamento da máquina no que não diz respeito ao seu uso. Assim é saber falar
uma língua, sabe-se dela o que é necessário para “fazê-la andar”, para pô-la em
uso. Conhecer a estrutura da língua é ir além do uso, é conhecer os mecanismos
que possibilitam o uso. O trabalho do intérprete se compara ao do mecânico-
-motorista, com a diferença crucial de que o intérprete tem, necessariamente,
que saber usar-conduzir as línguas envolvidas na tradução. Por meio do saber a
língua – o uso, o implícito –, o intérprete pode verificar dificuldades no processo
de tradução e encontrar, através de seu conhecimento técnico, a solução.
Com isso, percebe-se que ser usuário de uma língua dá ao indivíduo um co-
nhecimento intuitivo sobre ela, conhecimento muito importante e útil, é ver-
dade, mas que, sozinho, não é suficiente para exercer a função de tradutor e
intérprete, que exige um conhecimento técnico, consciente e sistemático da
língua a ser traduzida, interpretada ou ensinada. Discorrendo sobre o tema e
empreendendo uma discussão em torno do tradutor ideal, no sentido daquele
que se deveria ter à disposição – não entenda, estudante, “ideal” como “perfeito”,
pois são conceitos muito diferentes –, e suas capacidades, Rónai afirma:
Esse conhecimento sólido da própria língua, critério certo de toda educação humanística,
consegue-se – já se vê – mediante a leitura atenta e contínua de bons autores, pela frequentação
de livros inteligentes sobre o próprio idioma, pelo estudo incessante dos meios de expressão.
[...] Em resumo, o tradutor deve conhecer a língua estrangeira o bastante para desconfiar de
cada vez que a compreensão insuficiente de uma palavra ou de um trecho obscurece o sentido
do conjunto. (RÓNAI, 1976, p. 10-11, grifo do autor)
É importante ter em mente que esse conhecimento não deve ser encarado
como o domínio de uma série de estruturas e suas respectivas nomenclaturas.
Ele deve permitir ao profissional analisar o uso que faz das línguas envolvidas na
tradução para encontrar os pontos a melhorar em interpretações futuras, para
descobrir soluções aos problemas encontrados durante o trabalho, deve ser útil
como uma caixa de ferramentas é ao mecânico de que se falou antes.
81
O domínio das línguas envolvidas no ato de tradução e interpretação
É possível depreender, então, que a Libras organiza seu sistema temporal com
base nesses três momentos – futuro/tronco para frente, passado/tronco para trás,
presente/tronco no centro –, correspondentes a três formas. Inicialmente, não se
pode concluir que a Libras tenha subdivisões temporais para esses momentos
aos quais corresponderiam outras formas de tempo. Nesse sentido, o passado,
em português, pode ser subdividido, possuindo formas específicas para veicular
essas subdivisões, já o mesmo não ocorre na Libras. Ela pode dar conta de re-
lações temporais complexas, mas não possui formas na língua específicas para
isso. Analise o seguinte caso em português e depois reflita sobre a Libras:
Nos casamos muito jovens, eu era professora, ele estava desempregado, fora soldado por
algum tempo, mas desistiu da carreira militar para se casar comigo.
82
O domínio das línguas envolvidas no ato de tradução e interpretação
Com esses dois exemplos, você pode avaliar por si mesmo em que sentido o
conhecimento da estrutura das línguas envolvidas é uma ferramenta auxiliadora
no exercício da profissão. Como dito antes, esse conhecimento não deve ser do
tipo classificatório – identificar e nomear estruturas –, e sim funcional – agir sobre
os fatos da língua. Para além da estrutura, para além do já estabelecido nas gra-
máticas, há ainda a variação e inovação linguística, exploradas na próxima seção.
83
O domínio das línguas envolvidas no ato de tradução e interpretação
Essa variação não é específica de uma região, nem apresenta relação com o
nível de escolaridade do sinalizante. Aparentemente, trata-se de uma variação
individual, de uma maneira particular de sinalização de algumas pessoas, que
altera um detalhe na formação do sinal, não implicando, contudo, mudança de
significado. Sim, a variação também pode ocorrer de pessoa para pessoa como
marca de individualidade, mas essa variação não deve representar obstáculo à
comunicação entre sinalizadores de uma mesma comunidade de fala.
84
O domínio das línguas envolvidas no ato de tradução e interpretação
Isso não significa, por outro lado, que a Libras seja apenas um conjunto de
variedades linguísticas espalhadas pelo Brasil, significa apenas que, comparada
às línguas com sistemas de escrita, ela ainda não possui um instrumento facilita-
dor do processo de padronização, capaz de alcançar os usuários dessa língua em
qualquer região do país, com uso mínimo de tecnologia – sem precisar de DVDs,
por exemplo. Em sua atuação profissional, o intérprete deve levar em conta a
questão da variação linguística. Deve fazer suas escolhas lexicais e de estrutura
levando em conta o público para o qual se dirige, tomando como critério se as
escolhas podem ou não dificultar a compreensão do público ou se a variação foi
intencional na fala de quem está traduzindo, precisando, assim, ser respeitada.
Sob tais circunstâncias, no contexto de sala de aula, se o professor está tratando
justamente do tema da variação linguística, é evidente que as variações apre-
sentadas pelo professor devem ser repassadas ao estudante surdo, pois há um
objetivo específico, intencional, no uso das variantes. De forma diferente, numa
85
O domínio das línguas envolvidas no ato de tradução e interpretação
palestra que reúne surdos do Sul do Brasil para assistir a uma palestra sobre o
tema “família”, na ocorrência da palavra “mãe”, por uma questão de bom senso, a
sinalização mais adequada é aquela mais conhecida e usada pelo público, nesse
caso, o sinal MULHER^BÊNÇÃO.
As implicações da modalidade
de língua na tradução e interpretação
Não bastassem as dificuldades advindas do próprio ato de tradução quando
as línguas são de uma mesma modalidade, isto é, quando língua-fonte e alvo
são orais ou visuais, há ainda os desafios instaurados na tradução de línguas de
modalidades distintas. No caso da Libras e da língua portuguesa, a primeira é de
modalidade visual-espacial, e a segunda, oral-auditiva. Isso significa que a Libras
apreende as coisas do mundo com base nas experiências visuais das comunida-
des surdas, por meio das trocas culturais e linguísticas dessas comunidades. Já a
língua portuguesa constitui-se baseada nos sons. Por ser uma língua visual-espa-
86
O domínio das línguas envolvidas no ato de tradução e interpretação
cial, a Libras apresenta uma sintaxe espacial. Isso significa, por exemplo, que pro-
cessos anafóricos são estabelecidos por meio de pontos estabelecidos no espaço,
a cada vez que o sinalizante volta a esse espaço preestabelecido está fazendo uso
da anáfora. Em português, um dos recursos anafóricos são os pronomes. Então,
numa frase como “você não respeita minhas ideias e eu não gosto disso”, o pro-
nome “disso” estabelece uma relação anafórica com “você não respeita minhas
ideias”. Também no campo dos processos sintáticos, a Libras emprega a estrutura
tópico-comentário de uma forma mais recorrente do que na língua portuguesa.
Um exemplo de estrutura tópico-comentário na Libras é o seguinte:
“meu”, concordando com o substantivo “bolsa”. Numa tradução dessa frase para
a Libras, o pronome possessivo ficaria sem a marca de feminino, antes presente
no português, na verdade, ficaria sem marca nenhuma de gênero. Afinal, não se
pode concluir que na ausência de marca de feminino restaria a de masculino.
90
O domínio das línguas envolvidas no ato de tradução e interpretação
Observe que a diferença não está nas coisas do mundo, mas na maneira como
elas são apreendidas e categorizadas. Essas distinções, codificadas nas línguas,
se revelam um verdadeiro desafio ao tradutor e intérprete no desempenho de
sua função. Isso não leva, todavia, à conclusão de que é impossível dar conta das
variações de recortes no translado de uma língua para outra. Chama a atenção,
isso sim, para a necessidade de o profissional estar atento a que aspectos real-
çados por uma dada língua-fonte transportar para a língua-alvo. A depender do
contexto, do objetivo, não há prejuízo do sentido da mensagem como um todo
em se traduzir algo que denomine “irmão maior” apenas por “irmão”, mas é tarefa
do tradutor, por intermédio de seu bom senso e, principalmente, pelo domínio
das línguas envolvidas, julgar quando isso é possível. Ao encontro desse posicio-
namento, tem-se que:
[...] todo texto é alguma coisa mais do que a simples soma das palavras que o compõem. O
que devemos traduzir é sempre algo mais, isto é, a mensagem. E não há duas línguas que
exprimam uma mensagem de certa complexidade de modo completamente igual. A língua A
ora explicita algo que na língua B fica subentendido; ora deixa de exprimir, por óbvio, algo que
naquela exige uma ou várias palavras. (RÓNAI, 1976, p. 48-49)
O autor cita como exemplo disso o emprego de palavras não nocionais, sem
sentido, que servem “apenas” como instrumentos gramaticais e que, em teoria,
não oferecem problemas ao tradutor. Para ilustrar, Rónai toma o caso do artigo
definido, “essa palavrinha tão inexpressiva [...]”. O problema estaria posto, segun-
do ele, quando se traduz de uma língua-fonte sem essa categoria de palavra
para uma língua-alvo possuidora do artigo definido. Assim é o caso de uma tra-
dução do latim para o português. “Cada vez que num texto latino ocorre um
substantivo o tradutor opta, ainda que inconscientemente, entre três soluções:
fazendo-o preceder de artigo definido, ou indefinido, ou deixando-o sem artigo
nenhum” (1976, p. 49).
Além disso, o autor cita o caso de um filme francês cujo título teve que ser
mudado pelo autor, obrigado pela censura. O título original “La femme mariée”,
modificado para “Une femme mariée”, podia passar a ideia, segundo o censu-
rador, de que todas as mulheres casadas praticavam o adultério pela presença
do artigo definido “La”. Agora imagine, se isso pode ocorrer com o artigo, con-
siderado por muitos como “sem sentido”, que outros problemas um tradutor ou
intérprete não encontra no momento de pôr dois mundos em contato. Afinal,
esse contato não é direto, é feito por meio do trânsito entre duas línguas. Como
as línguas recortam o mundo ao seu redor de modos diferentes, também a tra-
dução e interpretação é um recorte de mundo. Recorte à medida que precisa
“descobrir” qual a mensagem central a ser passada, qual o significado preten-
dido, e também deve eleger as formas (palavras, estruturas gramaticais, o tom)
91
O domínio das línguas envolvidas no ato de tradução e interpretação
nas quais incrustar tal mensagem, sem perder de vista, contudo, o impacto que
as escolhas da forma podem gerar sobre o conteúdo, como bem ilustra o caso
citado por Rónai. A seguir, no texto complementar você pode refletir sobre o as-
sunto desta aula em relação ao domínio da Libras e do português. Boa leitura!
Texto complementar
[...]
(1) ... TEMPERATURA DIMINUIR BAIXO FRIO MUITO C-I-L-I-C-A MUITO CO-
LOCAR G-S MISTURAR (versão do intérprete)
92
O domínio das línguas envolvidas no ato de tradução e interpretação
93
O domínio das línguas envolvidas no ato de tradução e interpretação
Então, como é?
Eu já tenho um conhecimento
AGORA CONHECER NOVO PRECI-
prévio e adquiro um conhecimen-
SA APRENDER MELHOR
to novo.
94
O domínio das línguas envolvidas no ato de tradução e interpretação
Dicas de estudo
Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley
Cintra, editora Lexikon, 2008.
Atividades
1. Discuta a necessidade de domínio das línguas envolvidas no ato interpreta-
tivo e tradutório levando em consideração (1) distorções semânticas e prag-
máticas em menor ou maior grau do conteúdo veiculado na língua-fonte
e (2) escolhas lexicais inapropriadas identificadas por Quadros (2007) nas
amostras de interpretação da língua portuguesa para a língua de sinais que
serviram de base para o seu trabalho.
95
O domínio das línguas envolvidas no ato de tradução e interpretação
96
O domínio das línguas envolvidas no ato de tradução e interpretação
Referências
AVELAR, Thaís Fleury. Entrevista com tradutores surdos do curso de Letras Libras
da UFSC: discussões teóricas e práticas sobre a padronização linguística na tra-
dução de Língua de Sinais. In: QUADROS, Ronice Müller de; STUMPF, Marianne
Rossi (Orgs.). Estudos Surdos IV. Petrópolis: Arara Azul, 2009.
QUADROS, Ronice Müller de; KARNOPP, Lodenir Becker. Língua de Sinais Brasi-
leira: estudos linguísticos. Porto Alegre: Artmed, 2004.
QUADROS, Ronice Müller de; SOUZA, Saulo Xavier de. Aspectos da tradução/en-
cenação na Língua de Sinais Brasileira para um ambiente virtual de ensino: prá-
ticas tradutórias do curso de Letras Libras. In: QUADROS, Ronice Müller de (Org.).
Estudos Surdos III. Petrópolis: Arara Azul, 2008.
Gabarito
1. O esperado é que o aluno reconheça que essas falhas seriam mais facilmente
evitadas se os profissionais tivessem pleno domínio das línguas envolvidas
na interpretação. Pleno domínio que consiste em usar as línguas e conhecer
como funcionam, sua estrutura, de forma a usar esses conhecimentos como
instrumentos de trabalho, solucionando problemas.
97
O domínio das línguas envolvidas no ato de tradução e interpretação
bem”, em que “ela” retoma “Maria”. Na língua de sinais, essa relação é estabe-
lecida através do uso do espaço. A partir do momento que se estabelece uma
posição no espaço para um referente, toda vez que for necessário retomá-lo
o sinalizante volta àquele espaço preestabelecido. Assim, na Libras, o “eu” é
referenciado no corpo do próprio sinalizante, e o “Maria” pode ser referencia-
do à esquerda de seu corpo, no espaço neutro, assim, quando precisar falar
de Maria novamente, o sinalizante apontará para a sua esquerda.
3. A resposta mínima deve contemplar o fato de a Libras ainda não ter o que
se possa chamar, a rigor, de uma variedade padrão, mas que o desejável é
que o intérprete leve em consideração que deve usar os sinais comuns à co-
munidade de fala para a qual se dirige, empregando regionalismos só se o
objetivo do palestrante estiver especificamente relacionado a eles, podendo
ser alcançado apenas por meio do emprego dos mesmos.
98
O domínio das línguas envolvidas no ato de tradução e interpretação
99
Os diferentes gêneros Vídeo
discursivos a interpretar
101
Os diferentes gêneros discursivos a interpretar
Com o exposto até aqui, pode-se dizer que os gêneros discursivos pertencem
à esfera social na qual são produzidos, havendo, inclusive, a possibilidade de um
dado gênero não se materializar em outras esferas, bem como não ser útil ao
tratamento de determinado objeto do discurso. Na esfera do campo científico
– é bom observar que dentro de cada esfera há subdivisões –, por exemplo, há
diferentes gêneros que servem para o cumprimento de objetivos específicos,
para o tratamento de determinados temas, que se dirigem a diferentes públicos.
Nesse sentido, a diferença entre uma tese e uma resenha, não se considera aqui
a resenha literária, pode, grosso modo, ser traçada de acordo com as caracterís-
ticas do quadro a seguir:
102
Os diferentes gêneros discursivos a interpretar
Determinantes do
Tese Resenha
gênero discursivo
Esfera social Acadêmico-Científica. Acadêmico-Científica.
Objeto do discurso Conteúdo inovador, inexplora- Conteúdo já explorado por
do no campo do saber no qual outrem.
a tese se insere.
Objetivo Comprovar uma hipótese Resumir, apresentar a ideia de
científica e, claro, obter o título um dado autor sobre um de-
de doutor. terminado assunto desenvol-
vido em um livro, um artigo,
uma tese, dissertação etc.
Público O apreciador imediato de uma Pode ser elaborada apenas
tese é a banca que a julga, além como um trabalho de curso de
de considerar um leitor ideal, graduação, em que o público é
posterior, o autor da tese pre- o professor avaliador, ou pode
cisa considerar como os seus ser elaborada para divulgação
leitores imediatos percebem de obra científica, lidando,
o tema tratado, em que pon- nesse caso, com um público já
tos pode haver conflito, como iniciado no tema tratado, que
dissolvê-los. É um texto produ- tenha interesse no mesmo e
zido, na maioria das vezes, na cujo objetivo é avaliar não a
e para a academia. Avalia-se o resenha enquanto gênero ou
autor em relação a quão bem o autor da resenha, mas deci-
conseguiu explorar o tema es- dir se o livro resenhado é inte-
colhido, quão bem-sucedido ressante para ele a ponto de
foi na comprovação de sua querer lê-lo. O autor da rese-
hipótese. O leitor imediato de nha não constrói conhecimen-
uma tese não tem como obje- to, ele o torna conhecido, seu
tivo principal adquirir conheci- leitor tem como objetivo saber
mento, mas antes julgar quão se esse conhecimento lhe inte-
bem o autor da tese construiu ressa ou não.
conhecimento.
103
Os diferentes gêneros discursivos a interpretar
104
Os diferentes gêneros discursivos a interpretar
Tudo isso leva à conclusão de que, para poder atuar bem na interpretação,
o profissional precisa dominar, assim como o autor da mensagem traduzida, os
gêneros do discurso de várias esferas, haja vista que “muitas pessoas que domi-
nam magnificamente uma língua sentem amiúde total impotência em alguns
campos da comunicação precisamente porque não dominam na prática as
formas de gêneros de dadas esferas” (BAKHTIN, 2003, p. 284). Imagine-se, es-
tudante, tendo de interpretar uma situação de defesa de tese, você não atuaria
como na interpretação de uma discussão de ponto de vista ocorrida nos cor-
redores da universidade. De modo similar, no campo religioso, interpretar uma
parábola de Cristo não é o mesmo que interpretar uma carta/epístola a um dos
discípulos de Jesus.
Tendo consciência disso, são expostos nas seções a seguir alguns dos gêne-
ros mais usuais nas esferas sociais em que a atuação do intérprete é requisitada.
A ideia é fazer com que você se familiarize com esses gêneros de forma a poder
usar esse conhecimento quando preciso for. Tendo em mente que seu processo
de formação é contínuo e construído, validado, na prática, é recomendável que
durante a leitura das definições e exemplos você reflita, estudante, sobre como
respeitar, manter a identidade discursiva do gênero interpretado, como chegar
ao ponto de fazer com que poesias, resumos, convites, pronunciamentos, contos
infantis etc. sejam reconhecidos na língua-alvo como tais.
106
Os diferentes gêneros discursivos a interpretar
dar conta de traduzir as réplicas àquilo que foi dito, e que também é necessário
interpretar. O ideal é que num gênero como esse trabalhassem dois intérpretes,
cada um interpretando um lado, o que defende e o que critica.
107
Os diferentes gêneros discursivos a interpretar
108
Os diferentes gêneros discursivos a interpretar
Você percebe com isso, estudante, que uma das tarefas do profissional intér-
prete, para o bom exercício de sua função, é ler tanto quanto puder, de forma
a conhecer os diferentes gêneros a interpretar. Quanto mais conhecer, tanto
melhor, pois nunca se sabe quando precisará interpretar levando em conta um
gênero discursivo pouco usual.
109
Os diferentes gêneros discursivos a interpretar
Para concluir, cabe a observação de Quadros (2007, p. 80) sobre a visão a ser
adotada pelo intérprete no desenvolvimento de seu trabalho, a interpretação,
“uma visão que enfatiza o discurso, que entende que as pessoas usam a lingua-
gem para fazer coisas e que sempre acontece com objetivos específicos através
de convenções sociais, linguísticas, interativas e estilos conversacionais, deve ser
considerada”. Portanto, a escolha dos gêneros não é mero detalhe, antes, de-
termina e revela muito sobre as intenções discursivas do falante, que persegue
objetivos específicos, por meio de estratégias discursivas específicas, adequadas
ao seu público e ao contexto histórico vivenciado. Se o intérprete pretende ser
fiel ao conteúdo do que traduz, um bom começo é tentar considerar as caracte-
rísticas preservando-as, tanto quanto possível, do gênero discursivo eleito pelo
autor para o projeto discursivo que tem em mente.
110
Os diferentes gêneros discursivos a interpretar
Texto complementar
Os gêneros do discurso
na perspectiva bakhtiniana
(LIMA, 2009, s/p)
111
Os diferentes gêneros discursivos a interpretar
112
Os diferentes gêneros discursivos a interpretar
Dicas de estudo
Linguagem e Diálogo: as ideias linguísticas do círculo de Bakhtin, de Carlos
Alberto Faraco, Curitiba, Criar Edições, 2003.
A leitura da obra é indicada para quem ainda não teve contato com o pen-
samento bakhtiniano tanto quanto para quem já o conhece. Tal como indica
o título, o trabalho centra sua atenção especificamente nas ideias linguísticas
do círculo de Bakhtin, apresentando os seus integrantes e os projetos a que se
dedicavam.
113
Os diferentes gêneros discursivos a interpretar
Nesse artigo, Souza expõe e avalia sua experiência de traduzir para a língua
portuguesa escrita o poema “Bandeira Brasileira”, cuja língua de partida é a
Libras. É um ótimo exemplo de trabalho de tradução de gênero discursivo que
prima pelo respeito à forma do original, tentando superar os obstáculos impos-
tos também pela diferença da modalidade de língua.
Atividades
1. Defina gêneros do discurso segundo a perspectiva bakhtiniana.
114
Os diferentes gêneros discursivos a interpretar
115
Os diferentes gêneros discursivos a interpretar
Referências
BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2003.
Gabarito
1. Resposta mínima deve contemplar que os gêneros discursivos são tipos re-
lativamente estáveis de enunciados, os quais são construídos tendo como
norteadores o tema do discurso, a esfera social em que são produzidos, o
público a que se destina e o objetivo.
2. O aluno deve reconhecer que o e-mail é ao mesmo tempo novo e velho por-
que, embora surgido recentemente, sendo possível apenas pelo avanço da
tecnologia, guarda semelhanças com a carta. É novo porque sua forma de
envio é diferente, chega quase que em tempo real a seu destinatário, apre-
senta certas características peculiares de linguagem (abreviações, reduções,
emoticons), suporte para uso de vídeos etc. Mas é velho porque apresenta
ainda elementos como remetente e destinatário, expressão de saudação e de
despedida, é datado, automaticamente, mas é datado, elementos presentes
nas cartas. Assim como as cartas, os e-mails podem ser usados para fins pes-
soais ou comerciais, e podem apresentar uma linguagem informal ou formal.
116
Os diferentes gêneros discursivos a interpretar
117
Vídeo
Áreas de atuação
119
Áreas de atuação
3. Seu campo de trabalho limita-se, 3. Seu campo de trabalho é tão amplo quanto
as necessidades comunicativas e de informa-
normalmente, a encontros internacionais. ção de seus clientes.
Além dessas características, Pereira (2008) aponta que uma grande diferença
na atividade profissional entre os intérpretes dessas duas modalidades de língua
encontra-se no fato de que os ILS atuam muito mais em instituições de ensino, o
que praticamente não se vê em relação aos intérpretes orais. A autora também
apresenta um quadro comparativo sobre os campos de atuação desses profis-
sionais que é citado a seguir (RODRÍGUEZ; BURGOS, 2001, p. 30 apud PEREIRA,
2008, p. 141):
1
RODRÍGUEZ, Esther de los Santos; BURGOS, Maria del Pilar Lara. Técnicas de Interpretación de Lengua de Signos. Barcelona: CNSE, 2001.
120
Áreas de atuação
Interpretação relé (relais/relay) – existe entre línguas vocais, mas é distintiva no caso em que,
por exemplo, uma palestra em inglês seja interpretada diretamente para a Libras e só então
para a língua portuguesa. Nesse caso o ILS é o intérprete relé.
Intérprete surdo – uma pessoa surda pode atuar normalmente como intérprete entre duas
línguas de sinais. No caso em que uma pessoa surda não é falante competente da Libras e
um ILS não consegue estabelecer um entendimento com ela, pode ser chamada outra pessoa
surda que por meio gestual consiga uma comunicação primária, mas satisfatória. Não se trata,
nesse caso, de uma interpretação interlíngue, e sim de uma comunicação gestual ou mímica.
Comunicador pidgin2 – nesta categoria está o uso do português sinalizado em que o léxico da
língua de sinais é encaixado na estrutura da língua vocal, gerando, inclusive, a criação de sinais
artificiais para suprir a equivalência literal entre as duas línguas.
Duplicador ou replicador vocal – é chamada assim a pessoa que duplica a fala vocal de outra
pessoa para deficientes auditivos que não se sentem proficientes ou confortáveis com a língua
de sinais. Não é uma interpretação interlíngue, pois o duplicador posiciona-se de frente para a
pessoa deficiente auditiva e, literalmente, reproduz, na mesma língua, tudo o que ouve, com
uma articulação cuidadosa.
Esses são alguns papéis que o ILS pode acabar desempenhando, mas nem
todos consistem propriamente numa tradução entre línguas. São, na verdade,
atuações em que o profissional procura facilitar o acesso ao código linguístico.
121
Áreas de atuação
validados – pessoas que atuam como intérpretes naturais e recebem, por meio da aprova-
ção em um teste, um certificado provisório (validação) para trabalharem como ILS; ou
certificados – aqueles que cursaram algum tipo de formação mais elaborada, normalmen-
te promovida em parceria com a Feneis.
O objetivo é que cada vez mais os ILS caminhem para uma situação em que todos
sejam certificados, até porque o projeto de lei (PLC 325/2009) que regulamenta a
atuação do intérprete no Brasil foi aprovado pelo senado em julho de 2010, preven-
do que o ILS possa atuar se cumprir uma das três exigências listadas a seguir:
curso superior de tradução e interpretação com habilitação em Libras (Língua Portuguesa);
nível médio, com formação em cursos (obtida até 22 de dezembro de 2015) de educação
profissional reconhecidos pelo sistema que os credenciou, ou cursos de extensão universi-
tária, ou cursos de formação continuada, estes dois últimos promovidos por instituições de
Ensino Superior e instituições credenciadas por Secretarias de Educação;
certificação de proficiência, sendo que a mesma será fornecida até o dia 22 de dezembro
de 2015 pela União, que, diretamente ou por intermédio de credenciadas, promoverá, anu-
almente, exame nacional de proficiência em Tradução e Interpretação de Libras – Língua
Portuguesa.
Daí é possível depreender que, uma vez sancionado pelo presidente, a partir
de 2015 serão reconhecidos como ILS apenas os que obtiveram certificação de
nível médio até aquele ano e os formados em curso superior para interpreta-
ção e tradução da Libras. As já famosas provas de certificação de proficiência
(realizadas pelo ProLibras), como documento que permite a atividade do ILS,
serão extintas após 2015. Assim, o caminho inevitável e desejável é a formação
e capacitação desses profissionais. Além disso, o projeto prevê a elaboração de
uma norma específica que estabelecerá a criação de Conselho Federal e Con-
selhos Regionais responsáveis pela aplicação da regulamentação da profissão,
em especial da fiscalização do exercício profissional, já que ainda não existem
agências reguladoras da profissão no Brasil. Agora que você conhece um pouco
mais sobre a atuação e titulação do ILS, está apto a considerar alguns aspectos
da atividade em diferentes setores da sociedade.
3
PEREIRA, Maria Cristina Pires. Profissionalização e formação de intérpretes de Libras. Revista da Feneis, Rio de Janeiro, ano III, n. 18, p. 26-28, 2003.
122
Áreas de atuação
123
Áreas de atuação
Lacerda e Poletti (2004) citam uma pesquisa feita nos Estados Unidos em que
o objetivo foi examinar as instruções e recomendações contidas em manuais ela-
borados para orientar a atuação dos ILS nas escolas. Nessa pesquisa, descobriu-se
que muitos intérpretes faziam uso de pidgin, ou variações locais, e não da Língua
de Sinais Americana (ASL). Isso não se deve a uma possível má formação dos intér-
pretes. Na verdade, é algo que o ILS precisa fazer ao se deparar com uma clientela
que não domina bem a língua de sinais para bem de ser compreendido. Com o
passar do tempo, o esperado é que os alunos surdos que não dominam a língua
de sinais desenvolvam seu vocabulário e estrutura gramatical, alcançando o uso
da língua de sinais oficial de seu país. A pesquisa apontou ainda que:
Em relação à recepção e interpretação da mensagem, os autores discutem que vários surdos
referem não entenderem boa parte do que o intérprete traduz, mas que preferem a sua
presença, apesar das dificuldades, porque sem ele acompanhar as aulas é ainda pior. Além
disso, indicam que as necessidades dos alunos nem sempre são claras para os intérpretes. Em
relação ao papel do intérprete em sala de aula, verifica-se que ele assume uma série de funções
(ensinar língua de sinais, atender a demandas pessoais do aluno, cuidados com aparelho
auditivo, atuar frente ao comportamento do aluno, estabelecer uma posição adequada em
sala de aula, atuar como educador frente a dificuldades de aprendizagem do aluno) que o
aproximam muito de um educador. (LACERDA; POLETTI, 2004, p. 3)
Por conta dos muitos papéis desenvolvidos pelo ILS em sala de aula, alguns
pesquisadores defendem que ele deveria fazer parte da equipe educacional.
Contudo, Lacerda e Poletti (2004) indicam que considerar o ILS como educador
o afasta de seu papel primordial, o de interpretação, gerando polêmicas sobre
quais seriam suas funções em sala de aula. Com relação a isso, a posição assu-
mida por Lacerda e Poletti (2004), bem como por Quadros (2007), é a de que o
intérprete não é o responsável por ensinar o aluno surdo, não é ele quem deve
planejar, organizar e avaliar o processo de ensino-aprendizagem do surdo. Esse
é o papel do professor. Cabe ao intérprete apenas ser o canal de comunicação
entre o professor, colegas ouvintes e o aluno surdo. Claro, não se pode deixar de
apontar que é preciso que o ILS colabore com o professor, e este com aquele;
é preciso que haja sugestões em ambas as direções, para que se promova o
4
LACERDA, C. B. F. de. A criança surda e a língua de sinais no contexto de uma sala de aula de alunos ouvintes. Relatório Final FAPESP, Proc. n.º
98/02861-1, 2000a.
124
Áreas de atuação
125
Áreas de atuação
126
Áreas de atuação
tarefas que nem sempre lhe dizem respeito, pois se espera que ele seja um recurso mecânico
de comunicação que não censura e nem transforma as informações, mas que, na realidade,
precisa atuar como educador, muitas vezes.
127
Áreas de atuação
Convém lembrar que nesse tipo de trabalho a ética e a discrição vêm lado a
lado ao domínio da língua, a responsabilidade envolvida é muito grande, pois,
muitas vezes, pode-se tratar de pôr em risco a liberdade do surdo. Há que se ter
muito cuidado para não assumir uma postura protetora e tampouco uma postu-
ra descompromissada com o cliente num momento tão delicado.
Intérprete religioso
Existe, entre os profissionais que não atuam ou não atuaram no meio religioso,
um certo preconceito para os que atuam ou atuaram nele. Para os que não conhe-
128
Áreas de atuação
Se se considerar que o relato do autor é datado de 2006, essa pode ser con-
siderada uma realidade bastante recente. Atualmente, já existem muitos cursos
8
O Ministério a que o autor se reporta é o “Ministério com Surdos”, departamento existente em muitas igrejas evangélicas para organizar os traba-
lhos de interpretação durante os cultos, aulas dominicais e encontros de estudo bíblico.
129
Áreas de atuação
Texto complementar
A política de educação especial
na perspectiva da educação inclusiva
e a educação dos alunos surdos
(DUTRA, 2008, s/p)
130
Áreas de atuação
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Áreas de atuação
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Áreas de atuação
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Áreas de atuação
134
Áreas de atuação
Dicas de estudo
INSTRUÇÃO NORMATIVA 008/2008 – SUED/SEED – Estabelece normas para
a atuação do profissional Tradutor e Intérprete de Língua Brasileira de Sinais –
Libras/Língua Portuguesa (TILS) nos estabelecimentos de ensino da rede públi-
ca estadual do Paraná.
135
Áreas de atuação
Atividades
1. Explique o que são intérpretes naturais ou empíricos, validados e certificados.
136
Áreas de atuação
3. Por que os ILS que atuam no contexto religioso sofrem preconceito dos que
não atuam e por que razão tal preconceito não se fundamenta?
Referências
ASSIS SILVA, César Augusto. Da missão à profissão: produzindo novas experiên-
cias da surdez. In: ENCONTRO DE PROFISSIONAIS TRADUTORES/INTÉRPRETES
DE LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS DO MATO GROSSO DO SUL, 2, 2006, Campo
Grande - MS. Anais... Campo Grande: APILMS, 2006. v. 1. p. 46-56.
LACERDA, Cristina B. F. de; POLETTI, Juliana E. A escola inclusiva para surdos: a si-
tuação singular do intérprete de língua de sinais. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED,
27, 2004, Caxambu. Anais... Rio de Janeiro: ANPEd, 2004. Disponível em: <www.
anped.org.br/reunioes/27/gt15/t151.pdf>. Acesso em: 1 nov. 2010.
137
Áreas de atuação
Gabarito
1. Resposta mínima deve contemplar que essas são as classificações para o ILS
conforme o seu nível de formação. Nesse sentido, intérpretes naturais ou em-
píricos são pessoas bilíngues em português e Libras que “atuam” como intér-
pretes, porém sem nenhuma instrução formal para a profissão. Os validados
são pessoas que atuam como intérpretes naturais e recebem, por meio da
aprovação em um teste, um certificado provisório (validação) para trabalha-
rem como ILS. Já os intérpretes certificados são aqueles que cursaram algum
tipo de formação mais elaborada, normalmente promovida em parceria com
a Feneis (Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos).
2. Resposta do aluno deve considerar que o exercício dessa função requer
formação específica, sendo que a capacitação do profissional deve envol-
ver aspectos sobre o processo ensino-aprendizagem, sobre a formação de
conceitos e a construção de conhecimentos, além da formação linguística
implicada no trabalho de interpretação.
3. O preconceito existe porque para os que não conhecem o histórico dessa
área é comum o pensamento de que os intérpretes que aí atuam não têm
capacidade para o ato de interpretação e que muito do que fazem não passa
de português sinalizado. No entanto, muitos profissionais capacitados fo-
ram formados no meio religioso e apresentam boa habilidade interpretativa,
138
Áreas de atuação
139
Práticas de tradução e Vídeo
interpretação em Libras
Estratégias para a
interpretação simultânea
Em primeiro lugar, é de suma importância dizer que ninguém nasce in-
térprete. Na verdade, há poucas profissões para as quais se precisa nascer
predisposto, se é que isso existe. Talvez na área desportiva, na qual certas
qualidades fisiológicas e biológicas significam vantagens indiscutíveis,
talvez em profissões que exijam destreza manual impecável (cirurgias
neurológicas, desarmamento de bombas etc.), entre alguns outros poucos
141
Práticas de tradução e interpretação em Libras
Isso, acredite, é a mais pura verdade. Não se quer dizer que chegar a ser intér-
prete seja um processo fácil, pois não é. É preciso muito investimento pessoal,
financeiro, de tempo, é preciso paciência, perseverança, estudo, preparo, auto-
crítica, saber relevar aos outros e a si mesmo. No caso do Intérprete de Língua de
Sinais, o ILS, esse processo é ainda mais árduo. Pense sobre quantos cursos de
formação ou aperfeiçoamento de intérpretes você tem notícia, sobre a disponi-
bilidade de cursos de língua de sinais, sobre em como poder participar de uma
imersão em uma língua de sinais, analise ainda os instrumentos de consulta à
disposição do intérprete e tradutor dessa modalidade de língua. É, não é nada
fácil, mas a boa notícia é que não se trata de tarefa impossível, apenas é preciso
reconhecer que o Intérprete de Língua de Sinais ainda tem um bom caminho a
construir quanto à produção de conhecimentos teóricos e práticos. Não existe
caminho pronto a ser perseguido, existem certos direcionamentos oriundos da
experiência que os intérpretes orais podem compartilhar com o ILS. Vale lembrar
que mesmo a interpretação oral, historicamente mais praticada e aceita como
profissão há mais tempo, dispõe de pouco material organizando o conhecimen-
to, teórico ou prático, que tal atividade demanda.
142
Práticas de tradução e interpretação em Libras
143
Práticas de tradução e interpretação em Libras
dem ao discurso do palestrante, assim ela os vai recebendo (palavras, frases, uni-
dades de pensamento) conforme o comprador os coloca na esteira do caixa:
1 litro de leite
1 pote de margarina
8 pães
4 cervejas
3 pacotes de fralda
1 pote de margarina
2 litros de leite
2 cervejas
4 frascos de xampu
1 pacote de biscoitos
1 frango congelado
1 lata de Nescau
5 quilos de arroz
1 refil para barbeador
1 pacote de biscoitos
Meio quilo de batatas (MAGALHÃES, 2007, p. 48)
144
Práticas de tradução e interpretação em Libras
Um dos esforços apontados por Lopes é a procura por uma interpretação que
se paute não apenas nas informações recebidas do palestrante, mas também
nas circunstâncias que envolvem o ato interpretativo. Assim, identificar o pú-
blico para o qual se interpreta, seu possível aporte teórico sobre o assunto, os
objetivos de estar ali assistindo àquela palestra, e não outra, o conhecimento
que tem da cultura de partida etc. é útil para estabelecer quais conteúdos, cons-
truções sintáticas, palavras, até mesmo nome de lugares, podem representar um
obstáculo para que o público construa coerência a partir do discurso do intér-
prete. O exemplo fornecido por Lopes tem a ver com a tradução para o inglês de
uma passagem em que se fala dos esforços do Itamaraty para tentar convencer
o governo americano a comprar aviões de treinamento militar da Embraer. O
autor apresenta três versões possíveis para a mensagem proferida pelo orador
e em seguida avalia a elaboração do discurso de chegada conforme os conheci-
mentos que o intérprete supõe que o público-alvo compartilhe:
1
No original, sigla usada para fazer referência à interpretação simultânea.
145
Práticas de tradução e interpretação em Libras
Politicagem – the actions of politicians that are meant either to gain prestige and other
advantages or to show that they are working3. (LOPES, 1998, p. 400)
Lopes (1998) aponta que um dos primeiros problemas em relação a esse tipo
de termo é o tempo que demanda sua interpretação (que exige uma explicação)
em relação ao tempo empregado no discurso do palestrante, fazendo com que o
intérprete possa perder informações enquanto ainda está ocupado na tentativa
de tornar tais expressões compreensíveis para o público. Essa situação foi viven-
ciada durante o Seminário Internacional Valores, Cultura e Saúde Reprodutiva da
Mulher, sendo que a solução proposta, dadas as circunstâncias, consistiu em:
[...] utilizar os intervalos entre palestras para fornecer aos estrangeiros informações que
lhes permitissem atualizar suas estruturas cognitivas, um procedimento que não satisfaz
plenamente, mas que, nas circunstâncias, foi muito apreciado, conforme se expressaram
alguns dos participantes estrangeiros. (LOPES, 1998, p. 401)
146
Práticas de tradução e interpretação em Libras
Segundo o autor, o ensaio tem a ver com nada mais que a simples repetição
dos termos ou expressões que devem ser fixados até que estejam memoriza-
dos, passando da memória de trabalho para um dispositivo de armazenagem
de mais longo prazo. Já a organização é responsável por determinar o que tem
de ser memorizado, categorias específicas, tais como substantivos, adjetivos,
sinônimos, antônimos, vegetais, máquinas etc., de acordo com as preferências
individuais e as próprias características do que necessita ser fixado. A elabora-
ção, por sua vez, consiste num mecanismo de fixação e recuperação que analisa
os elementos compartilhados pelos itens a serem fixados (sons, imagens etc.),
enquanto a busca sistemática procura tirar vantagem dos processos mnemôni-
cos com os mesmos fins das técnicas anteriores. Essas estratégias dependem, é
claro, da disponibilização do texto antecipadamente.
147
Práticas de tradução e interpretação em Libras
8 pães
2 potes de margarina
3 litros de leite
1 lata de Nescau
2 pacotes de biscoitos
5 quilos de arroz
1 frango congelado
3 pacotes de fralda
4 frascos de xampu
6 cervejas
5
A tensão a que o autor se refere aqui é em analogia à voltagem elétrica. Em passagem anterior de seu livro, Magalhães (2007, p. 45) compara, em
situação ideal, o trabalho do intérprete com o de um transformador de energia: “Entra 110, sai 220. Entra 220, sai 110. Entra espanhol, sai português.
Entra português, sai espanhol. Como a comunicação é um processo dinâmico, a situação envolve mais que a mera substituição de palavras.”
148
Práticas de tradução e interpretação em Libras
Magalhães traz à tona o caso dos sinônimos pois argumenta que ao final da in-
terpretação consecutiva (a compra registrada em bloco), “[...] no recibo entregue
ao comprador, os itens da lista de compra podem aparecer com o nome diferen-
te. Nescau, por exemplo, pode constar como ‘achocolatado em pó’, muito embora
não esteja errado perde um pouco em especificidade (substituição por item ge-
nérico)” (MAGALHÃES, 2007, p. 54). Além de perda em especificidade, pode haver
erro conceitual, substituindo-se, por exemplo, margarina por manteiga, e a gra-
vidade do erro sempre vai depender do caso. Isso não significa, todavia, que o
recurso de empregar palavras pertencentes ao mesmo campo semântico ou de
generalizar não sejam válidos na interpretação consecutiva, há, apenas, que se
ter cautela e não esquecer que não existe isenção total no processo de interpre-
tação, mesmo que não haja a intenção de interferir: “Num nível muito profundo,
pré-verbal, não somos senhores de nossas escolhas vocabulares. Somos reféns,
muitas vezes, de nossas fixações e neuroses” (MAGALHÃES, 2007, p. 55).
150
Práticas de tradução e interpretação em Libras
Em seguida, os autores avaliam que uma das alternativas muito comuns entre
tradutores para solucionar problemas de adequação terminológica é recorrer a
dicionários monolíngues e bilíngues. No entanto, essa estratégia não é comum
entre os tradutores/atores, já que os dicionários existentes em Libras são muito
restritos e contêm um número muito pequeno de termos. Tendo isso em mente,
a melhor alternativa é:
[...] a troca de ideias com os seus pares e, às vezes, a busca por termos existentes em outras
línguas de sinais, optando-se, em alguns casos, pelo empréstimo linguístico de outra língua de
sinais, normalmente a Língua de Sinais Americana (ASL) ou a Língua de Sinais Francesa (LSF).
(QUADROS; SOUZA, 2008, p. 185)
151
Práticas de tradução e interpretação em Libras
Isso tem sido muito comum para o uso de dêiticos, que, na língua de sinais, são associados à
apontação para diferentes pontos estabelecidos no espaço. Esse recurso também tem sido
usado para representar o uso de classificadores, que são recorrentes à Língua Brasileira de Sinais
e articulados com configurações de mãos específicas, que representam sinais incorporando
várias informações, entre elas: aspecto, modo, número e pessoa, além de poderem apresentar
ainda conteúdos descritivos; tudo isso, em um único sinal. (QUADROS; SOUZA, 2008, p. 187)
Quadros e Souza (2008, p. 206) terminam sua exposição com uma considera-
ção que não poderia deixar de ser reiterada aqui: “os estudos sobre as técnicas e
os processos envolvidos na tradução de um texto escrito para um texto visual-
-espacial precisam continuar sendo investigadas”.
152
Práticas de tradução e interpretação em Libras
Num outro extremo, contrária a essa atitude assistencialista, mas tão preju-
dicial quanto ela, está a crença de que por assumir um papel de militante em
busca dos direitos do surdo, a autoria do enunciado traduzido é do ILS, e não do
surdo. É como se as pessoas ignorassem o fato de que o surdo sinalizou e criou
seu próprio texto, o qual ganhou expressão oral através da figura do intérprete.
“Essa atitude evidencia a desqualificação que se faz dos surdos, no que se refere
a sua capacidade de compreensão do assunto tratado; ao mesmo tempo, o in-
térprete é desqualificado ao ser colocado no lugar do trapaceador ou traidor”
(ROSA, 2008, p. 122).
Além desses fatores, Rosa (2008) aponta outros, objetos das seções anterio-
res, que limitam a atuação do intérprete:
Se o orador não tiver um domínio da própria língua (português) e/ou do assunto, que lhe
possibilite expressar com clareza as suas ideias, ou seja, se a mensagem for emitida em condições
desfavoráveis na língua de partida, dificilmente será compreendida pelo ILS. Frequentemente,
essa situação gera embaraço para o ILS e para os surdos, pois estes percebem a insegurança
do próprio intérprete. Nesses casos, os surdos tendem a interromper a interpretação e a pedir
esclarecimentos. Nessas situações, quando a plateia percebe que não está sendo realizada uma
interpretação coerente, é comum atribuir o fracasso ao ILS (às vezes esse fracasso é mesmo da
responsabilidade do próprio intérprete). E haverá outros que irão atribuir a não compreensão
do assunto à falta de capacidade da comunidade surda, reforçando o conceito da suposta
incapacidade do surdo. A responsabilidade pelo fracasso será julgada segundo a concepção
que as pessoas presentes têm sobre surdez, sobre a interpretação e sobre comunidades surdas.
Entretanto, nunca se questiona o próprio orador, pois este já está revestido de imunidade (é
falante da língua majoritária, possui legitimidade institucional para falar – em geral, possui
algum título que o autoriza a estar na posição de palestrante ou professor/educador). (ROSA,
2008, p. 122)
Muitas dessas limitações, como dito acima, foram tratadas nas seções ante-
riores, com sugestões e estratégias para o dia a dia do ILS. Todavia, não se pode
153
Práticas de tradução e interpretação em Libras
esquecer que o modo como o ILS entende que deva ser, eticamente, seu papel
também influencia no produto final da interpretação, que pode ser mais próxi-
ma ou mais distante do discurso original:
Caso o ILS considere a língua transparente e possível de codificar um único sentido no discurso,
esse intérprete realizará o seu trabalho da forma mais literal possível e, desse modo, já estará
agindo sobre o discurso, pois ignorar informações que seriam necessárias para a compreensão
da mensagem pelo surdo. O que lhe importa, nesse caso, é a língua em si, e não a compreensão
e apropriação do surdo pelo assunto exposto. Em contrapartida, há aqueles que, partindo
dos pressupostos de que a sua compreensão é a mais correta, realizam uma interpretação
totalmente aleatória em relação à fala do locutor ouvinte, criando seu próprio texto. [...] O
abuso na interpretação é um fator complicador para a comunidade surda, justamente pela sua
especificidade e sua história de exclusão social. [...] A palavra é evanescente, a interpretação
escapa a provas. A menos que esteja sendo filmado diariamente, o intérprete de língua de
sinais tem total “liberdade” para atuar, ou seja, é de sua escolha e decisão interpretar a aula ou
fazer uso dela para proveito seu. (ROSA, 2008, p. 124)
Texto complementar
154
Práticas de tradução e interpretação em Libras
de aula, através da língua de sinais, uma vez que a língua de instrução que
circula, nas diversas escolas, é a língua portuguesa. Assim, tentando respon-
der ao objetivo proposto, foi possível constatar que os intérpretes atuam com
muito empenho exercendo sua atividade interpretativa em condições, muitas
vezes, adversas, uma vez que a permanência de alguns desses fatores não
depende de sua participação. Eles tentam criar condições para resgatar a co-
municação entre o professor da disciplina e o aluno surdo, embora ainda não
tenham conseguido chegar a um patamar desejado que facilite sua ação. O
modelo bilíngue adotado foi devidamente implementado na perspectiva de
atingir os padrões de qualidade esperados para o seu desenvolvimento, nos
levaram às seguintes conclusões:1) que os intérpretes de Libras pesquisados
consideram que sua contribuição para o desempenho escolar do aluno surdo
ocorre permanentemente. No entanto, a superação das dificuldades identifi-
cadas depende essencialmente da adoção de medidas que tragam a chance-
la dos órgãos públicos, tais como: dificuldade para interpretação sem conhe-
cimento específico, falta de parceria com o professor da disciplina etc., fatores
estes que influenciam diretamente no ato de interpretar. Apesar disso, colo-
cam-se sempre com uma participação bastante consistente e positiva, dife-
rentemente do que alguns teóricos do tema consideram; 2) em relação à me-
lhoria da interação, surdo X ouvinte, constatamos que ele considera ainda
deficitária devido ao fato de, muitas vezes, a comunicação na sala de aula se
restringir unicamente ao intérprete de Libras. Segundo ele, quase não existe
nenhuma comunicação dirigida diretamente ao professor regente, e muito
menos aos colegas, trazendo como principal obstáculo, à resistência dos pro-
fessores para aceitar a presença da língua de sinais circulando também em
sala de aula; 3) outro obstáculo importante que aparece está no fato de que a
escola regular, que ainda “fracassa” na educação dos alunos “normais”, e, ao
receber alunos com necessidades especiais, nem sempre os reconhecem
como de sua responsabilidade, embora lhe sejam atribuídas pelos documen-
tos oficiais do Ministério da Educação (BRASIL, 2001; 2002). Esse problema
torna-se bastante complexo, já que a escola, tradicionalmente monolíngue,
não se dispõe a responder às demandas apresentadas pela condição linguís-
tica e sociocultural, específicas, quando falamos em surdez; 4) outro fato de-
tectado através dos comentários dos sujeitos são os critérios de formação dos
professores e intérpretes que seguramente vão interferir no desempenho do
aluno surdo, pela falta de compreensão desses profissionais sobre como atuar
nesses casos. Entre os entrevistados que tinham mais estudos, ou seja, sujei-
tos com pós-graduação, identificamos que, na medida em que alcançavam
155
Práticas de tradução e interpretação em Libras
156
Práticas de tradução e interpretação em Libras
157
Práticas de tradução e interpretação em Libras
Dicas de estudo
Grupos de discussão dos Intérpretes de Língua de Sinais na internet:
<http://br.groups.yahoo.com/group/interpretesdelibras/>.
<http://br.groups.yahoo.com/group/brasils/>.
Alice no País das Maravilhas, tradução do Inglês para o português por Clélia
Regina Ramos e do português para a Libras por Marlene Pereira do Prado, Wanda
Quintanilha Lamarão e Clélia Regina Ramos, Editora Arara Azul, 2002. (Livro com
tradução em português e CD-ROM com tradução em Libras).
A ideia é que você, estudante, além de desfrutar do prazer estético que essa
leitura pode lhe proporcionar, utilize esse livro empregando a técnica de estudo
relatada por Rónai, na qual se vai comparando a tradução com o original, vendo
as soluções encontradas, aprendendo a traduzir a partir daí e pensando que
outras alternativas de tradução seriam possíveis. Tal exercício contribuirá para
que você se inteire sobre as construções próprias da Libras, enriqueça seu voca-
bulário e descubra estratégias para sua atuação diária.
158
Práticas de tradução e interpretação em Libras
Atividades
1. Discuta, segundo Lopes (1998), sobre as dificuldades que o emprego de ex-
pressões que só existem na língua de partida, corriqueiras aos falantes nati-
vos dessa língua, podem representar para a interpretação simultânea.
159
Práticas de tradução e interpretação em Libras
3. Explique, tomando Rosa (2008) por base, de que forma a maneira como o ILS
entende que deva ser seu papel influencia no produto final da interpretação.
Referências
COSTA, Karla Patricia Ramos da. As dificuldades da ação interpretativa vivencia-
das pelos intérpretes de Libras na cidade do Recife. In: 17.º COLE, 2009, Cam-
pinas. Anais... Disponível em: <www.alb.com.br/anais17/txtcompletos/sem03/
COLE_1484.pdf>. Acesso em: 27 jul. 2010.
QUADROS, Ronice Müller de; SOUZA, Saulo Xavier de. Aspectos da tradução/en-
cenação na Língua de Sinais Brasileira para um ambiente virtual de ensino: prá-
ticas tradutórias do curso de Letras Libras. In: QUADROS, Ronice Müller de (Org.).
Estudos Surdos III. Petrópolis: Arara Azul, 2008.
RAMOS, Clélia Regina (2000). Tradução Cultural: uma proposta de trabalho para
surdos e ouvintes. Disponível em: <www.editora-arara-azul.com.br/pdf/artigo5.
pdf>. Publicado em: 2000. Acesso em: 14 ago. 2010.
160
Práticas de tradução e interpretação em Libras
Gabarito
1. Embora alguns termos sejam usados diariamente e bem compreendidos en-
tre os falantes de uma dada língua, para os estrangeiros, mesmo que haja
tradução possível, são incompreensíveis, não se ligam a seu conhecimento
de mundo, por isso é preciso, mais que traduzir a palavra, explicar ao pú-
blico-alvo o que ela significa. Isso, aponta Lopes, demanda mais tempo de
interpretação em relação ao tempo empregado no discurso do palestran-
te, fazendo com que o intérprete possa perder informações enquanto ainda
está ocupado na tentativa de tornar tais expressões compreensíveis para o
público.
161
Uma ponte entre as teorias da Vídeo
163
Uma ponte entre as teorias da tradução e a prática de interpretação
A observação que a autora faz sobre os relatos é de que “mesmo não tendo
conhecimentos teóricos sobre os Estudos da Tradução, a opção que os ILSs fazem
são as mesmas que a maioria dos tradutores” (ROSA, 2008, p. 172). Nesse sentido,
o objetivo a partir daqui é explicitar a relação entre essas opções com algumas
das teorias da tradução desenvolvidas no campo dos Estudos da Tradução.
Aubert (1994) afirma que a tradução envolve, no mínimo, dois tipos de com-
petências, a saber: (i) competência linguística e (ii) competência referencial. Suas
reflexões foram elaboradas tendo em mente a prática de tradução (isto é, tradu-
ção de textos escritos), mas elas podem ser aplicadas à interpretação (tradução de
textos orais), já que lidam com competências presentes em ambas as modalida-
des de tradução. A competência linguística diz respeito ao domínio dos códigos
linguísticos que estão em contato durante a tradução ou interpretação, incluindo
o entendimento, por parte do profissional, de questões ligadas ao léxico, sintaxe,
morfologia etc. É importante salientar que essa competência deve ser desenvol-
vida para as duas línguas em contato: a língua que para o tradutor/intérprete é
estrangeira – L2 – e aquela que lhe é “materna”, L1. Essa afirmação não traz uma
informação que possa ser considerada como do conhecimento de todos, posto
que o domínio da língua materna é, normalmente, deixado de lado. Isso porque
muitos consideram esse conhecimento desnecessário, já que acreditam que ser
falante nativo de uma língua faz com que a pessoa saiba sobre ela tudo de que
precisa. Contudo, isso não é verdade, uma vez que o falante, para ser tradutor/
intérprete, precisa ter um saber especializado sobre as línguas com as quais tra-
balha. Além disso, é bom alertar que, embora a competência linguística seja fun-
damental para o exercício da profissão, apenas o conhecimento dos dois códigos
não é suficiente.
164
Uma ponte entre as teorias da tradução e a prática de interpretação
É nessas situações que o intérprete precisa optar por, como indicam os ex-
certos de 1 a 3, entre ser fiel e ser compreendido, podendo, para tanto, omitir
ou acrescentar informações, expressões. A omissão ou acréscimo, em si mesmo,
não representa maior ou menor fidelidade, erro grave ou não, tudo depende do
resultado obtido, resultado que já pode ser equacionado pela proposta de Gile
(1995), apresentada no texto complementar desta aula. Agora, a proposta é en-
tender que tipos de informações podem ser adicionadas ao discurso original.
165
Uma ponte entre as teorias da tradução e a prática de interpretação
gando a três categorias diferentes: (i) Framing Information (FI) (Informação Con-
textualizadora); (ii) Linguistically Induced Information (LII) (Informação Induzida
por questões Linguísticas); (iii) Personal Information (PI) (Informação Pessoal). A
primeira categoria trata de informações que são acrescidas ao texto de partida
para auxiliar o leitor de chegada a compreender conceitos, expressões, que são
específicos da língua-fonte. Trata-se de acrescentar informações que contextu-
alizem a mensagem de forma que ela possa ser compreendida. Desse modo, a
FI é adicionada, consciente ou inconscientemente, para ajudar o receptor da M
a entender a mensagem a partir das formulações verbais. Essa é uma das razões
pelas quais textos de chegada (traduzidos) tendem a ser mais longos do que
textos de partida.
166
Uma ponte entre as teorias da tradução e a prática de interpretação
167
Uma ponte entre as teorias da tradução e a prática de interpretação
tiva da deficiência, que precisa ser tratada, “curada”, atuará de forma assistencia-
lista, considerando-se um “ajudador” do surdo, e não um profissional. Por outro
lado, se o surdo for visto como um indivíduo com língua e cultura diferentes, o
intérprete assumirá o papel de profissional da tradução/interpretação, responsá-
vel por mediar a comunicação entre culturas e línguas diferentes.
168
Uma ponte entre as teorias da tradução e a prática de interpretação
Assim, não são poucos os relatos de intérpretes que começaram suas traje-
tórias por serem amigos, parentes ou auxiliadores dos surdos no contexto reli-
gioso, e, quando menos esperavam, sem se dar conta, estavam interpretando
para os surdos. A concretização do papel de intérprete, independentemente da
intencionalidade, dava-se por meio da aceitação dos surdos em nomeá-lo como
tal. Atualmente, existem os cursos de certificação da Feneis (Federação Nacional
de Educação e Integração dos Surdos) e o ProLibras, mas, em última análise, tal
como considera Rosa (2008), trata-se da institucionalização do crivo da comu-
nidade surda em relação ao intérprete, já que tais certificados atestam apenas
a fluência na língua de sinais. Claro que isso resolve, em termos de emergência,
a situação dos profissionais no Brasil, já que os cursos para formar intérpretes e
mesmo os cursos de Libras surgiram apenas há alguns anos:
Vale lembrar que a oferta de cursos de língua de sinais com instrutores surdos é bem recente;
na cidade de Campinas, especificamente, esses cursos começaram a ser divulgados em 1999.
Anteriormente a esse período, os cursos de língua de sinais eram oferecidos por ouvintes que
já realizavam trabalhos em instituições religiosas. Normalmente, os cursos eram oferecidos
gratuitamente. (ROSA, 2008, p. 133)
169
Uma ponte entre as teorias da tradução e a prática de interpretação
6
Dicionário Digital da Língua Brasileira de Sinais – versão 1.0, Secretaria de Educação Especial-SEESP-MEC-INES, 2002 e o Dicionário de Libras Ilustrado
– Governo do Estado de São Paulo, junho de 2002.
7
CAPOVILLA, Fernando César, RAPHAEL, Walkiria Duarte; MAURICIO, Aline Cristina (Eds.). Dicionário Enciclopédico Ilustrado Trilíngue da Língua
de Sinais Brasileira. Vol. I e II: Sinais de A a Z. Ilustração de: Marques, Silvana. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001.
170
Uma ponte entre as teorias da tradução e a prática de interpretação
Aqui são apontados dois entre os muitos tipos de problemas com os quais
você pode se deparar durante uma tradução ou interpretação: compreensão de
palavras na língua-fonte (nem sempre todos os termos estão no dicionário) e
retextualização na língua de chegada, isto é, você pode ter compreendido uma
frase ou expressão, mas pode ficar em dúvida sobre como expressá-la na lín-
gua-alvo. Imagine, então, que você se depara com um problema relacionado à
compreensão. Nesse caso, você precisa encontrar estratégias de compreensão
do termo empregado, um passo para isso é pensar: “O que eu posso fazer para
compreender isso?” Dependendo da situação, numa tradução de texto escrito
para a Libras que será filmada, para a qual é possível preparar antecipadamente
um esboço de tradução, você pode procurar pelo termo em dicionários mono-
língues da língua-fonte, em enciclopédias, pode procurar na internet, perguntar
171
Uma ponte entre as teorias da tradução e a prática de interpretação
Ter conteúdo linguístico e cultural “de sobra” é uma medida preventiva para
não se correr o risco de estar a todo tempo na corda bamba sobre como ex-
pressar algo na língua-alvo. Nesse tocante, as estratégias geralmente consistem
em usar a datilologia, sendo que alguns intérpretes apenas soletram o termo –
como se o surdo pudesse, apenas a partir disso, alcançar o significado do termo
na Libras –, outros, cientes de que a soletração por si mesma não colabora no
caso de termos desconhecidos, soletram o termo, explicam o que significa, e o
soletram novamente para reforçar que a palavra soletrada corresponde à expli-
cação dada. Essa última estratégia, mais do que a de apenas soletrar, apresenta
a vantagem, a depender do nível de conhecimento do público, de o intérprete
acabar recebendo de algum surdo na plateia o sinal adequado ao que precisa
expressar. Por fim, o bom intérprete há que ter sempre em mente que “[...] o ob-
jetivo final da interpretação é comunicar” (MAGALHÃES, 2007, p. 55).
Texto complementar
Técnicas de tradução/encenação
da Libras no AVEA do curso
(QUADROS; SOUZA, 2008, p. 177-182)
172
Uma ponte entre as teorias da tradução e a prática de interpretação
[...]
173
Uma ponte entre as teorias da tradução e a prática de interpretação
Nesse diagrama, temos que “TL Text” pode ser traduzido como “Texto pro-
duzido na língua-alvo”, ou, simplesmente, “Texto na LA”. O “M”, que vem de
message, encontra em “Mensagem” uma possível solução tradutória. Já o “FI”,
em inglês, constitui uma abreviatura para Framing Information e, em portu-
guês, poderia ser traduzido como “Bagagem de Informação do Emissor” (BI).
Os termos “LII (of SL)” e “LII (of TL)” correspondem, em inglês, a Linguistically
Induced Information (of Source Lange) e Linguistically Induced Information (of
Target Language), os quais, em português, poderiam corresponder, respecti-
vamente, à Informação “Induzida Linguisticamente conforme a Língua-Fon-
te (IIL[LF])” e “Linguisticamente conforme a Língua-Alvo (IIL[LA])”. Por fim, o
modelo de Gile traz a “PI”, ou seja, a Personal Information (ou, em português,
a “Informação Pessoal [IP]”).
174
Uma ponte entre as teorias da tradução e a prática de interpretação
Assim, uma possível solução tradutória desse modelo pode ser proposta:
Por extenso, seria possível termos a seguinte leitura: “um texto produzido
na língua-alvo é composto de vários elementos, tais como: mensagem, ba-
gagem de informação do emissor, informações induzidas linguisticamente
conforme a língua-fonte e a língua-alvo, como também as informações pes-
soais do tradutor”.
175
Uma ponte entre as teorias da tradução e a prática de interpretação
176
Uma ponte entre as teorias da tradução e a prática de interpretação
Dicas de estudo
Traduzir com Autonomia – estratégias para o tradutor em formação, de Fábio
Alves, Célia Magalhães e Adriana Pagano (Ed.). São Paulo: Contexto, 2000.
Uma Leitura da Tradução de Alice no País das Maravilhas para a Língua de Sinais,
de Clélia Regina Ramos, 2000. Tese (Doutorado). Disponível em: <http://www.
editora-arara-azul.com.br/cadernoacademico/006_tesecleila.pdf>.
Atividades
1. Apresente e discuta o modelo de composição de texto na língua-alvo. Uti-
lize, para tanto, a fórmula traduzida por Quadros e Souza (2008) no texto
complementar.
177
Uma ponte entre as teorias da tradução e a prática de interpretação
178
Uma ponte entre as teorias da tradução e a prática de interpretação
Referências
AUBERT, Francis Henrik. As (In)Fidelidades da Tradução: servidões e autono-
mia do tradutor. Campinas: Unicamp, 1994.
GILE, Daniel. Basic Concepts and Models for Interpreter and Translator
Training. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins Publishing Company, 1995.
QUADROS, Ronice Müller de; SOUZA, Saulo Xavier de. Aspectos da tradução/en-
cenação na Língua de Sinais Brasileira para um ambiente virtual de ensino: prá-
ticas tradutórias do curso de Letras Libras. In: QUADROS, Ronice Müller de (Org.).
Estudos Surdos III. Petrópolis: Arara Azul, 2008.
Gabarito
1. A partir da fórmula traduzida por Quadros e Souza (2008) é possível dizer
que um texto produzido na língua-alvo é composto de vários elementos, tais
como: mensagem, bagagem de informação do emissor, informações induzi-
das linguisticamente conforme a língua-fonte e a língua-alvo, como também
as informações pessoais do tradutor. A mensagem é o núcleo do discurso
que deve ser veiculado, a bagagem do emissor lhe permite acrescentar infor-
mações secundárias para contextualizar a mensagem ou então são incluídas
informações de cunho pessoal. Informações também podem ser acrescidas
para fazer a acomodação linguística durante a retextualização do texto para
a língua-alvo.
179
Uma ponte entre as teorias da tradução e a prática de interpretação
180
Uma ponte entre as teorias da tradução e a prática de interpretação
181
Vídeo
Todo povo, cultura, que deseja ter seu legado passado adiante, não
apenas para as próximas gerações, mas para os próximos povos, no mesmo
local ou em outros pontos geográficos, não pode prescindir de um siste-
ma de registro de sua língua. Portanto, nesta aula, você vai entender a ne-
cessidade de uma escrita para as línguas de sinais, conhecer dois sistemas
de grafia para essas línguas aplicados à Libras e refletir sobre a relação e
utilidade dos mesmos para a tradução e interpretação em Libras.
183
Escrita de língua de sinais
184
Escrita de língua de sinais
Natureza e abrangência
da escrita em língua de sinais
De acordo com Rosa (2008), os surdos constituem grupos linguísticos em
todos os países, mas isso não ocorre em função de migração ou etnia. Na verda-
de, os surdos constituem grupos linguísticos por serem falantes de uma língua
espaço-visual, que é sua primeira língua: “A língua de sinais anula a deficiência e
permite que os surdos constituam, então, uma comunidade linguística minori-
tária diferente, e não um desvio da normalidade. Com a língua de sinais o surdo
toma a palavra” (SKLIAR3, 1999, p. 142 apud ROSA, 2008, p. 55).
185
Escrita de língua de sinais
Esse retrato não é o retrato atual, mas é uma situação que pode ser conside-
rada como recente. Há atualmente um avanço significativo no que diz respeito
ao ensino da Libras e na forma de contato entre surdos de diferentes regiões –
tecnologias como conversa por vídeo, videoconferência, CDs-ROM com histórias
em Libras, bem como cursos a distância para o ensino da língua e para a forma-
ção de professores e intérpretes de Libras. Tem-se ainda o Dicionário Ilustrado
Enciclopédico Trilíngue, de Fernando César Capovilla, que apresenta sinais das
mais variadas regiões do Brasil. No entanto, o que ainda se encontra em proces-
so de implementação, que favoreceria ainda mais a padronização da língua e
seu registro – seja para servir de instrumento do conhecimento ou de objeto do
conhecimento –, é uma escrita de sinais.
Numa escrita de sinais, os símbolos convencionados não são letras, mas ele-
mentos pictóricos que codificam os parâmetros que formam os sinais: configura-
4
O sistema de escrita Kanji, do japonês, é ideográfico, assim como os hieróglifos egípcios.
186
Escrita de língua de sinais
188
Escrita de língua de sinais
5
As configurações de dedos são, na verdade, traços das configurações de mão. Elas indicam a posição de cada dedo em uma dada configuração de
mão. O conceito de configuração de dedos e sua representação permite registrar um número maior de sinais, com mais sofisticação, sendo possível
captar variações nas realizações dos sinais, seja por motivos poéticos, de estilo individual do sinalizador etc.
189
Escrita de língua de sinais
Orelha Dentes
Testa Bochecha
Sobrancelha Queixo
190
Escrita de língua de sinais
Pescoço
Tórax
Ombro
Axila
Abdômen
Braço inteiro
Palma da mão
Braço
Dorso da mão
Cotovelo
Dedos
Antebraço
Lateral de dedo
Pulso
Intervalo entre dedos
Perna
Articulação de dedo
Ponta de dedo
191
Escrita de língua de sinais
A autora observa que as setas dos movimentos direcionais podem ter diacrítico
(sinais colocados acima ou abaixo do símbolo para movimento de forma a explicitar
alguma especificidade quanto ao movimento em questão) incorporado para expressar
diferenças no percurso do movimento. A linha reta é a representação default; ela pode
ser substituída pela linha em zigue-zague, linha em espiral ou linha ondulada. Nesses
casos, o movimento incorpora a variação, mas mantém sua direção e seu sentido.
192
Escrita de língua de sinais
Língua na bochecha
Corrente de ar
Vibrar os lábios
Murchar bochechas
Inflar bochechas
Abrir a boca
Piscar os olhos
– A escrita das configurações dos dedos segue a ordem anatômica da mão direita (da esquerda
para a direita, como todo o sistema): polegar, indicador, médio, anular e mínimo.
– Na maioria das combinações, não são todas as configurações de dedo que precisam
ser escritas. Quando as configurações de todos os dedos subsequentes ao que se está
representando forem iguais à dele, elas não serão escritas.
193
Escrita de língua de sinais
– Quando algum dedo estiver em contato com o polegar, haverá um pequeno círculo sobre a
representação do dedo que faz o contato.
– Quando dois dedos se cruzarem, as linhas dos quirografemas que os representam também
aparecerão cruzadas. (ESTELITA, 2007, p. 227. Adaptado)
Agora, você pode tentar depreender alguns dos princípios aqui abordados
no exemplo a seguir, que se trata de um texto produzido pelos alunos durante o
curso de aplicação e reformulação da ELiS em 2007.
praia
Estelita (2007) chama a atenção para o fato de que a primeira palavra é bas-
tante representativa da importância de uma escrita das línguas de sinais. A
primeira palavra do texto, no título e no corpo do texto, é o sinal-nome que o
grupo criou para a menina da gravura6. O texto não mostra um nome soletrado
6
O texto foi elaborado em conjunto pelos alunos com base na gravura de uma menina sobre uma tartaruga, a qual tinha o mesmo tamanho da
menina.
194
Escrita de língua de sinais
Sua mãe explicou que não precisava chorar, porque a tartaruga não
morde. Disse que podia fazer carinho nela.
195
Escrita de língua de sinais
[...] a estrutura que apresento aqui ainda não é a ELiS, é uma proposta de ELiS. Este novo
sistema entra agora em um estágio de experimentação prática. Nesse período, o objetivo é
difundi-lo e, assim, liberá-lo para evoluir pelo uso. Os surdos, ao começar a usá-la, estão se
apropriando dessa estrutura, adaptando-a para melhor representar a Libras, inovando em
soluções, aplicando-a em inúmeras e imprevisíveis finalidades. (ESTELITA, 2007, p. 236)
SignWriting
Esta seção sobre o SignWriting é baseada em passagens de textos do artigo
de Capovilla et al. (2001) sobre a importância de uma escrita de sinais para o
ensino da leitura a crianças surdas, de um capítulo de Capovilla e Sutton (2001)
sobre como ler e escrever a Libras por meio do SignWriting, e na tese da profes-
sora doutora surda Mariane Stumpf sobre a aprendizagem de escrita de sinais
pelo sistema SignWriting.
196
Escrita de língua de sinais
Nem todos os surdos do Brasil conhecem essa escrita, mas já se veem indícios
dela em diversos estados brasileiros. A seguir você pode acompanhar exemplos
de como os parâmetros da Libras são codificados pelo SignWriting e entender
um pouco mais como funciona uma escrita visual.
Punho aberto
Mão plana
197
Escrita de língua de sinais
Mão - D
Mão aberta
Outro elemento muito importante para a escrita e leitura dos sinais, contem-
plado pelo SignWriting, é a localização do sinal no espaço de sinalização e sua
orientação nos planos de sinalização. A ilustração a seguir contempla, em parte,
esses aspectos à medida que dá conta da localização espacial e orientação do
sinal do ponto de vista do sinalizador:
198
Escrita de língua de sinais
Lado da mão
199
Escrita de língua de sinais
Tocar Bater
Papai Pagar
Escovar Entre
Entrar Voltar
Esfregar Pegar
Brabo Maravilha
Repare que no primeiro sinal (papai) há dois asteriscos, isso significa que o
sinal envolve dois toques (a repetição de qualquer símbolo de contato repre-
senta que o contato é repetido). Além disso, os símbolos também trazem a in-
formação sobre a direção do contato: observe a seta no sinal de entrar. Ela indica
que o contato de escovar é realizado para frente pela mão direita sobre a mão
esquerda. Da mesma forma, o sinal de pagar traz a informação, por meio da seta
apontada para baixo, de que a mão fechada deve incidir sobre a palma da mão.
A seguir, você tem à disposição configurações de mão mais complexas, pois en-
volvem não só o formato do punho, mas também sua orientação, ponto de vista
e seleção de dedos.
200
Escrita de língua de sinais
Configuração de mãos
Punho aberto,
Punho
indicador
aberto de
estendido de
perfil
perfil
Mão plana
Mão plana aberta –
de frente forma com 5
de frente
Mão
Mão curvada
curvada de perfil
de perfil
201
Escrita de língua de sinais
casa certo
house, lar, home certa
surdo
deaf, deaf man, deaf woman
mamãe olhar
mãe, mother
IESDE Brasil S.A.
encontrar
enconhecer
202
Escrita de língua de sinais
Pelas razões acima, a escrita de sinais elimina a necessidade de uma escrita in-
termediária que sirva de base ao processo de tradução, quando o intérprete pre-
cisa do apoio de um texto escrito, a glosa, para filmar determinadas interpreta-
ções. Outra vantagem dos sistemas descritos é que textos escritos em português
podem ser traduzidos diretamente para a escrita de sinais e vice-versa. Esses são
aspectos relevantes específicos para área de tradução e interpretação da Libras.
Num âmbito geral, o uso da escrita de sinais por surdos, intérpretes etc. con-
tribui para a disseminação da Libras e para sua padronização. Constitui-se em
instrumento de aprendizagem, posto que os usuários da Libras poderão adquirir
conhecimentos e informação sobre qualquer área do saber por meio de textos
escritos originalmente em SignWriting ou ELiS, ou por meio de textos traduzidos
para essas escritas, o que abre a possibilidade de um novo campo de atuação
para tradutores de Libras. Um novo campo também se abre para os professores
de Libras, uma vez que a escrita da língua de sinais também é um objeto do
conhecimento, precisa ser sistematicamente ensinada aos que já possuem uma
língua de sinais, da mesma forma como a escrita da língua portuguesa é ensina-
da aos falantes do português. Nessa perspectiva, a escrita de sinais é essencial
para o ensino da leitura e escrita de crianças surdas em sua língua materna, a
partir do que se pode pensar no ensino da língua escrita portuguesa, promoven-
do o bilinguismo que tanto se apregoa nos documentos oficiais de ensino, mas
que, até então, ainda encontra barreiras para sua efetiva implementação.
203
Escrita de língua de sinais
Texto complementar
204
Escrita de língua de sinais
205
Escrita de língua de sinais
(se a mão toca alguma parte do corpo); do movimento presente no sinal (se
é circular, se é alternado, se é lento etc.); do sentido em que o sinal é realiza-
do (esquerda ou direita). Muitos outros elementos presentes nas línguas de
sinais são contemplados pelo SignWriting e, assim como na escrita alfabética
do português, os elementos desse sistema são finitos e podem ser organiza-
dos e reorganizados a fim de formar os diferentes sinais escritos. Isso signi-
fica que ele é um sistema reversível e, como tal, seu aprendizado demanda
ensino específico e treino. Porém, como todo sistema de escrita, ele também
apresenta limitações que, entretanto, não constituem motivo para se desistir
dele. Afinal, a escrita do português não é capaz de representar as diferentes
inflexões de vozes, que podem atribuir significados totalmente diferentes a
uma dada frase, e nem por isso vemos nessa limitação uma razão para pôr
em desuso a escrita dessa língua.
Dicas de estudo
“Como ler e escrever sinais da Libras: a escrita visual direta de sinais SignWri-
ting”, de Capovilla e Sutton, 2001, em Capovilla, Raphael e Maurício (Eds.), Di-
cionário Enciclopédico Ilustrado Trilíngue da Língua de Sinais Brasileira. v. 2 São
Paulo: Edusp, Fapesp, Fundação Vitae, Feneis, Brasil Telecom, 2001.
206
Escrita de língua de sinais
ELiS – Escrita das Línguas de Sinais: proposta teórica e verificação prática, de Ma-
riângela Estelita, 2008. Tese (Doutorado). Disponível em: <www.ronice.cce.prof.
ufsc.br/index_arquivos/Documentos/Mariangela%20Estelita%20.pdf>.
Atividades
1. No que consistem as configurações de dedos propostas por Estelita (2007)
para o sistema de escrita denominado ELiS?
207
Escrita de língua de sinais
Referências
CAPOVILLA, F. C.; SUTTON, V. Como ler e escrever sinais da Libras: a escrita visual
direta de sinais SignWriting. In: CAPOVILLA, F. C.; RAPHAEL, W. D., MAURICIO, A. C.
(Eds.). Dicionário Enciclopédico Ilustrado Trilíngue da Língua de Sinais Brasi-
leira. São Paulo: Edusp, Fapesp, Fundação Vitae, Feneis, Brasil Telecom, 2001. v. 2.
208
Escrita de língua de sinais
ESTELITA, Mariângela. ELiS: Escrita das Línguas de Sinais. In: QUADROS, Ronice
Müller de; PERLIN, Gladis (Orgs.). Estudos Surdos II. Petrópolis: Arara Azul,
2007.
Gabarito
1. Consistem no detalhamento dos traços das configurações de mão, indican-
do a posição de cada dedo numa dada configuração de mão. Por conta dessa
característica, a representação da configuração dos dedos permite registrar
um número maior de sinais, com mais sofisticação, sendo possível captar va-
riações nas realizações dos sinais, seja por motivos poéticos, estilo individual
do sinalizador etc.
209
Escrita de língua de sinais
3. Os alunos devem apontar pelo menos um benefício por área solicitada. Em-
bora essas informações sejam distribuídas ao longo de todo o texto da aula,
são mais facilmente encontradas na última parte. Portanto, aqui vão algu-
mas possibilidades de benefícios por áreas solicitadas:
210
Escrita de língua de sinais
211
Contribuições do tradutor e intérprete Vídeo
no desenvolvimento da Libras
O objetivo desta aula é identificar a relevância da tradução e interpre-
tação para a evolução da Libras enquanto língua. Para tanto, a discussão
é fundamentada em um paralelo entre o desenvolvimento das línguas
nacionais, mais especificamente o inglês, e o desenvolvimento da Libras.
Nesse percurso são abordadas as questões de poder, fracasso e responsa-
bilidade que atravessam o ato tradutório e interpretativo. A expectativa é
que ao final da leitura você, estudante, seja capaz de compreender como
atuações individuais contribuíram para o surgimento, estabelecimento e
evolução das línguas e literaturas nacionais, e como isso pode ser visto no
caso da tradução e interpretação em Libras.
213
Contribuições do tradutor e intérprete no desenvolvimento da Libras
Em alguns países, como o Brasil, existe bastante variação linguística, mas isso
não chega a representar um obstáculo à comunicação dos brasileiros de diferen-
tes regiões e classes sociais. Contudo, ainda assim, há a língua padrão e as varie-
dades dessa língua. Uma língua padrão é algo construído, com base em diversos
fatores, ao longo da história, tal como você poderá constatar na próxima seção,
em que será apresentado o desenvolvimento da língua inglesa.
Antes, porém, para que essa noção de língua nacional possa ser mais clara-
mente compreendida, pense, estudante, nos seus anos de escola, ao longo dos
quais você teve a disciplina de Língua Portuguesa. Se você pensar em termos
bastante objetivos, o propósito dessa disciplina não era ensinar a você o portu-
guês da forma, como, por exemplo, o inglês é ensinado na disciplina de Língua
Inglesa. Isso porque você já é falante do português, ou melhor dizendo, de uma
das variedades do português. Nenhum brasileiro vai à escola aprender como
pedir informações para tomar um ônibus, por exemplo. Afinal, qualquer brasi-
leiro que adquiriu sua língua materna sabe fazer isso muito bem, ainda que as
formas, estratégias e variedade linguística variem de pessoa para pessoa. O ob-
jetivo das aulas de Língua Portuguesa era e é ensinar aos alunos brasileiros o do-
mínio da variedade padrão, bem como adequar o uso de diferentes variedades
do português a cada contexto comunicativo.
214
Contribuições do tradutor e intérprete no desenvolvimento da Libras
215
Contribuições do tradutor e intérprete no desenvolvimento da Libras
ou completas, terem sido feitas a partir do século VII, a Bíblia de Tyndale foi a
primeira a se beneficiar da imprensa, o que lhe permitiu uma ampla distribuição.
Distribuição que possibilitou que se difundisse na prática a crença que motivou
Tyndale a traduzir a Bíblia para o inglês, e não para o latim, já que ele “acreditava
que tanto o grego como o hebraico podiam ser traduzidos para o inglês mais
facilmente do que para o latim, e que o inglês refletia a ampla variedade de esti-
los de Antigo Testamento ‘mil vezes’ mais efetivamente do que o latim” (DELISLE;
WOODSWORTH, 1995, p. 45).
Contribuições e descobertas
no caso da tradução literária
Os tradutores puderam contribuir para a evolução da literatura de suas
nações em várias fases, seja para dar a ela o pontapé inicial ou para mudar o seu
foco. Assim, um bom exemplo é o caso da reação das literaturas nacionais à he-
gemonia francesa, que tem a ver com o projeto de dominação de outras culturas
e economias arquitetado por Napoleão Bonaparte. A sujeição de muitos países à
vontade de Bonaparte e, portanto, aos princípios culturais franceses acabou re-
sultando numa busca por uma identidade própria, afastada do modelo francês.
Essa busca implicou que se lessem, produzissem e traduzissem obras literárias
que não as francesas, o que teve, certamente, um reflexo importante na diferen-
ça entre língua e cultura de uma sociedade, conforme observa Hall (2004, p. 7):
[...] as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em
declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui
visto como um sujeito unificado. A assim chamada “crise de identidade” é vista como parte de
um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as estruturas e processos centrais
das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma
ancoragem estável no mundo social.
A disseminação do conhecimento
“A tradução assegura a descendência de toda ciência.” A afirmação é de Gior-
dano Bruno (1548-1600), filósofo italiano da Renascença, e sintetiza muito bem o
papel da tradução na disseminação do conhecimento, posto que sem ela muito
do conhecimento produzido pela humanidade teria se perdido ou permanecido
isolado na sua região de produção.
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Contribuições do tradutor e intérprete no desenvolvimento da Libras
língua de seu país “deram à tradução científica e técnica uma dimensão didática.
Os tradutores se tornaram popularizadores. Sua missão era explicar, informar e
instruir os não especialistas [...]” (DELISLE; WOODSWORTH, 1995, p. 115).
O desenvolvimento da Libras
por intermédio dos tradutores e intérpretes
Ainda que as comunidades surdas brasileiras façam uso do português escrito,
a única língua reconhecida pelos surdos como representação de sua identidade
é a língua de sinais, por isso a proposta agora é estabelecer as relações possí-
veis entre o processo de desenvolvimento da Libras na sua condição de língua
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Contribuições do tradutor e intérprete no desenvolvimento da Libras
oficial/vernácula das pessoas surdas brasileiras, bem como refletir sobre como
a prática de tradução e interpretação tem contribuído para a disseminação do
conhecimento científico e cultural produzido pelos ouvintes.
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Contribuições do tradutor e intérprete no desenvolvimento da Libras
Além disso, mais recentemente, as atividades da Editora Arara Azul, com a pu-
blicação de suas traduções em CD-ROM espalhadas pelo Brasil, contribuem para
o início da padronização da Libras, que, como toda língua natural, apresenta di-
versas variedades oriundas das diferentes regiões do país. Esse processo natural
de padronização da Libras iniciado, por um lado, pelas atividades tradutórias
da literatura clássica teve, por outro, o apoio da publicação, também em 2001,
do Dicionário Enciclopédico Ilustrado Trilíngue da Língua Brasileira de Sinais, que
contém os sinais que correspondem a 9 500 verbetes em inglês e português.
Atualmente, esse dicionário é fonte de consulta para tradutores em todo o país.
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Contribuições do tradutor e intérprete no desenvolvimento da Libras
O que Magalhães afirma corrobora o que foi dito no parágrafo acima e chama
a atenção para o fato de que o poder implica consequências, das quais deriva a
responsabilidade. Esta, aliás, é o que liga o poder e o fracasso na tradução, haja
vista que ambos trazem consequências para todos os envolvidos no processo
tradutório. Sobre isso, também vale a pena considerar mais um trecho do livro
Sua Majestade, o intérprete: o fascinante mundo da tradução simultânea:
A responsabilidade envolvida em um serviço de tradução é muito grande. O intérprete
é um pequeno, mas importante elo na cadeia da comunicação. Não é indispensável,
como gostaríamos de crer, mas certamente importante. Por seu intermédio, canalizam-se
informações cruciais, cujo entendimento é determinante no curso de acontecimentos que
podem literalmente mudar a história. Mas a história consiste exatamente no conjunto dessas
mudanças. E seremos sempre partícipes e agentes dela. Isso, naturalmente, implica risco. Um
risco do qual é impossível fugir. Em nossa função de intérpretes, somos obrigados a tomar
decisões a todo momento, instantaneamente. Somos potencialmente imputáveis pela escolha
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Contribuições do tradutor e intérprete no desenvolvimento da Libras
1
STUMPF, M. R. Aprendizagem de Escrita de Língua de Sinais pelo Sistema SignWriting: línguas de sinais no papel e no computador. Tese
(Doutorado). Porto Alegre: UFRGS, 2005.
2
STRNADOVÁ, V. Como é Ser Surdo. Tradução de: TEIXEIRA, Daniela Richter. Petrópolis: Babel Editora, 2000.
3
STUMPF, ..., 2005. Op. cit.
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Contribuições do tradutor e intérprete no desenvolvimento da Libras
Texto complementar
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Contribuições do tradutor e intérprete no desenvolvimento da Libras
Essas disciplinas de estudos da tradução (e interpretação...) servem, como falou a [...] para
nos dar a base teórica para a construção da identidade do intérprete quanto ao seu papel
e suas funções nos momentos de interpretação. Assim, vamos pensando e formando
todos juntos o nosso lugar/postura/função, seja em sala de aula, seja em palestras etc.
Uma das distinções que distinguem a atuação de ILS em relação aos in-
térpretes de línguas orais está fortemente associada ao contexto de atuação.
Enquanto intérpretes de línguas orais atuam, especialmente, em palestras e
conferências definindo claramente seu papel, os ILS atuam frequentemente
em sala de aula, contribuindo para que as confusões dos papéis entre docen-
te e intérprete se instalem com maior velocidade.
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Contribuições do tradutor e intérprete no desenvolvimento da Libras
Roy (2008) propõe uma breve descrição do papel do ILS, e nele a autora
destaca algumas mudanças importantes na profissão no contexto estadu-
nidense, quais sejam, da concepção do intérprete como uma ajuda, perpas-
sando para a emergência profissional de conceber o ILS como um facilitador
da comunicação até aquela (abordagem/concepção) que intitula o intérpre-
te como um especialista bilíngue e bicultural.
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Contribuições do tradutor e intérprete no desenvolvimento da Libras
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Contribuições do tradutor e intérprete no desenvolvimento da Libras
Dicas de estudo
Artigo científico de Mara Lúcia Masutti e Silvana Aguiar dos Santos, intitulado
“Intérpretes de Língua de Sinais: uma política em construção”, do livro Estudos
Surdos III, de Ronice Müller de Quadros, editora Arara Azul, 2008.
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Contribuições do tradutor e intérprete no desenvolvimento da Libras
Atividades
1. Explique o conceito de línguas nacionais.
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Contribuições do tradutor e intérprete no desenvolvimento da Libras
Referências
ARROJO, Rosemary. Oficina de Tradução: a teoria na prática. São Paulo: Ática,
1986.
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Contribuições do tradutor e intérprete no desenvolvimento da Libras
Gabarito
1. O esperado é que o aluno chegue à conclusão de que línguas nacionais são
as línguas padrões de cada povo, que unem as pessoas e as identificam en-
quanto pertencentes a uma nação.
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Anotações
Intérprete
de Libras
Intérprete
de Libras
Código Logístico
Intérprete de Libras
22208