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Frederico Barbosa

2009
Elaine Cuencas Santos
© 2009 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização
por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.

B238 Barbosa, Frederico; Santos, Elaine Cuencas / Modernismo na


Literatura Brasileira. / Frederico Barbosa; Elaine Cuencas
Santos — Curitiba : IESDE Brasil S.A., 2009.
280 p.

ISBN: 978-85-387-0741-7

1. Modernismo – Brasil. 2. Literatura Brasileira. 3. História e


crítica. 4. Poesia brasileira. I. Título. II. Santos, Elaine Cuencas.

CDD 709.04

Capa: IESDE Brasil S.A.


Crédito da imagem: IESDE Brasil S.A.

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Frederico Barbosa

É graduado em Letras Português pela Universidade de São Paulo (USP). Diretor


do Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura (Casa das Rosas), em São
Paulo. Poeta, é autor de Nada Feito Nada (1993), Cantar de Amor entre os Escom-
bros (2002) e A Consciência do Zero (2004).

Elaine Cuencas Santos

Mestra em Estudos Comparados de Literatura em Língua Portuguesa pela USP,


graduada em Letras Português e Italiano pela USP.
Sumário
Vanguardas modernistas e a Semana de 22................... 11
O que buscavam as vanguardas modernistas? .............................................................. 11
Poesia de vanguarda ................................................................................................................ 14
Narrativa de vanguarda .......................................................................................................... 18
A fase heroica do Modernismo brasileiro ......................................................................... 22

Oswald de Andrade ................................................................. 37


Biograia ........................................................................................................................................ 37
Oswald romancista ................................................................................................................... 38
Oswald poeta .............................................................................................................................. 39

Mário de Andrade .................................................................... 51


Macunaíma e a renovação da linguagem literária ........................................................ 53

Manuel Bandeira....................................................................... 71
Vida que podia ter sido ........................................................................................................... 71
Libertinagem................................................................................................................................ 74

A poesia da Geração de 1930 no Brasil ............................ 87


Por que a Geração de 1930 foi tão fértil? .......................................................................... 87
A poesia da Geração de 1930................................................................................................ 87
Murilo Mendes ........................................................................................................................... 88
Cecília Meireles........................................................................................................................... 90
Vinicius de Moraes .................................................................................................................... 92
Outros poetas de importância do período ...................................................................... 93

Carlos Drummond de Andrade .........................................107


Quase um século de poesia .................................................................................................107
A estreia em livro .....................................................................................................................113

O romance da Geração de 1930........................................127


O precursor: José Américo de Almeida ...........................................................................127
Graciliano Ramos .....................................................................................................................128
José Lins do Rego ....................................................................................................................128
Erico Verissimo .........................................................................................................................134
Rachel de Queiroz ...................................................................................................................138
Jorge Amado ............................................................................................................................139
O romance urbano ..................................................................................................................142

Graciliano Ramos ....................................................................155


Prefeito, educador e escritor ...............................................................................................155
Com as mesmas vinte palavras ..........................................................................................157
Caetés ...........................................................................................................................................158
São Bernardo .............................................................................................................................158
Vidas Secas .................................................................................................................................160
Memórias do Cárcere ...............................................................................................................162

João Guimarães Rosa ............................................................175


A Geração de 1945 ..................................................................................................................175
Mineiro e universal .................................................................................................................175
O estilo insólito ........................................................................................................................176
A obra ..........................................................................................................................................176

Clarice Lispector .....................................................................193


A ação interior ..........................................................................................................................194
A Hora da Estrela.......................................................................................................................198

João Cabral de Melo Neto ...................................................211


O poeta do rigor ......................................................................................................................211
O rigor das coisas ....................................................................................................................216
As duas águas ...........................................................................................................................218
Morte e Vida Severina ..............................................................................................................220

Poesia concreta .......................................................................237


O grupo Noigandres...............................................................................................................237
A poesia concreta: rock’n’roll da poesia? ........................................................................238
O contexto .................................................................................................................................240
As propostas..............................................................................................................................241
Re-visões e traduções ............................................................................................................251

Gabarito .....................................................................................259

Referências................................................................................271

Anotações .................................................................................279
Apresentação

Pelas próximas 12 aulas, estudaremos o Modernismo brasileiro, come-


çando pelas vanguardas europeias que inluenciaram os jovens artistas brasilei-
ros, culminando na Semana de Arte Moderna de 1922. Durante a segunda, ter-
ceira e quarta aulas, iremos nos aprofundar nos três grandes nomes da primeira
geração modernista: Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Manuel Bandeira.
Na quinta aula, conheceremos a poesia da Geração de 1930 e mais espe-
ciicamente, durante a sexta aula, Carlos Drummond de Andrade. Em seguida, ve-
remos o romance da chamada Geração de 30 e Graciliano Ramos, respectivamen-
te na sétima e oitava aulas. Na reta inal do livro, abordaremos em cada aula um
escritor especíico: João Guimarães Rosa (nona aula), Clarice Lispector (décima
aula) e João Cabral de Melo Neto (décima primeira aula).
Finalizamos, na décima segunda aula, com a poesia concreta, talvez o
único movimento literário a surgir, se não antes, pelo menos ao mesmo tempo no
Brasil e no resto do mundo.

Frederico Barbosa

Elaine Cuencas Santos


Vanguardas modernistas
e a Semana de 22

O que buscavam as vanguardas modernistas?


A literatura de vanguarda, como todos os movimentos culturais consi-
derados vanguardistas, é antes de qualquer coisa uma ruptura, uma nega-
ção de tudo que a precede. Há uma procura de novos métodos de criação,
novas formas e novos temas. Os prosadores e poetas de vanguarda esta-
vam de acordo, basicamente, quanto à recusa das normas de composição
vigentes, defendendo a total liberdade de criação e a busca de uma nova
linguagem. Esse anseio de novidade é justiicado pelo próprio termo van-
guarda, que signiica “avanço”, “movimento de liderança” do grupo ou da
sociedade que se tenta transformar. Essa ruptura com o passado reletiu-
se na utilização de uma linguagem nova, cheia de mensagens por decifrar,
de difícil digestão.

Foram cinco os principais movimentos de vanguarda que tomaram a


Europa:

 Futurismo;

 Expressionismo;

 Cubismo;

 Dadaísmo;

 Surrealismo.

Cada um deles com manifestos e características próprias.


Modernismo na Literatura Brasileira

Futurismo
O Futurismo tem como marco inicial a publicação do Manifesto do Futurismo, de
Filippo Tommaso Marinetti. Com raízes fortemente italianas, o Futurismo era ufanis-
ta, antipassadista e exaltava a tecnologia, a modernidade e a guerra. “Nós declara-
mos que o esplendor do mundo se enriqueceu com uma beleza nova: a beleza da
velocidade” (MARINETTI, 1909). Aos poucos, o Futurismo aproximou-se muito do fas-
cismo italiano de Mussolini, sendo até considerado sua expressão artística. Além de
Marinetti, alguns expoentes do Futurismo foram os poetas Paolo Buzzi e Cavacchioli,
os pintores Russolo e Carrá, o arquiteto Antônio Sant’Elia e o músico Bailla Pratella.

Expressionismo
Ao contrário do Futurismo, o Expressionismo nunca foi um movimento organi-
zado e nem se autodenominava dessa maneira. Seus principais nomes surgiram
na Alemanha e entre seus temas estavam a decadência do mundo burguês e ca-
pitalista, a denúncia de um universo em crise e a sensação de impotência frente
a “um mundo sem alma”. Os expressionistas utilizavam visões negativistas, a inte-
rioridade do “eu”, a deformação do mundo e a busca pelo absoluto. Um trecho do
único manifesto da poesia expressionista, de Kasimir Edschmid (1918) diz:
Assim o universo total do artista expressionista torna-se visão. Ele não vê, mas percebe. Ele
não descreve, acumula vivências. Ele não reproduz, ele estrutura (gestaltet). Ele não colhe, ele
procura. Agora não existe mais a cadeia dos fatos: fábricas, casas, doença, prostitutas, gritaria e
fome. Agora existe a visão disso. Os fatos têm signiicado somente até o ponto em que a mão
do artista os atravessa para agarrar o que se encontra além deles.

Cubismo
O Cubismo surgiu primeiro na pintura. Em 1905, Apollinaire conheceu Picas-
so. Em 1909, o movimento cubista já se destacava nas artes plásticas. Na literatu-
ra, o primeiro manifesto dessa tendência apareceu em 1913, escrito por Apolli-
naire. Em contraste com os futuristas, os cubistas combinavam a destruição da
estética clássica com a construção de um novo modo de representar o mundo.
Suas principais características na literatura eram o ilogismo, a simultaneidade, o
instantaneísmo e o humor. Em um artigo de 1913, Apollinaire airmava:
Os grandes poetas e os grandes artistas têm por função social remover continuamente a
aparência que reveste a natureza, aos olhos dos homens. Sem os poetas, sem os artistas, os

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Vanguardas modernistas e a Semana de 22

homens aborrecer-se-iam depressa com a monotonia natural. A ideia sublime que eles têm do
universo cairia com vertiginosa rapidez. A ordem, que aparece na natureza e que não é senão
um efeito da arte, logo se evaporaria. Tudo se desmancharia no caos.

Dadaísmo
Dentre todos os movimentos de vanguarda, o Dadaísmo foi o mais radical.
Nascido em 1916, em um café em Zurique, na Suíça, um dos únicos lugares segu-
ros na Europa durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), seus fundadores
eram cinco refugiados paciistas revoltados com a situação social da Europa. O
Dadaísmo lançava-se contra todos os valores culturais, atacando todas as con-
venções e formas e combinando a ironia ácida com o nonsense e a visão infan-
til. Hugo Ball, um dos fundadores do movimento, escrevendo um verbete para
um dicionário alemão, deiniu o dadaísta como um “homem infantil, quixotesco,
ocupado com os jogos de palavras e com as iguras gramaticais”. As obras da-
daístas caracterizavam-se pela improvisação, pela desordem, pela percepção e
pela negação de qualquer tipo de equilíbrio de formas, ideias ou sentimentos.
Em seu Manifesto Dadá, de 1918, Tristan Tzara, líder do movimento, airmou:
Eu redijo um manifesto e não quero nada, eu digo portanto certas coisas e sou por princípio
contra os manifestos, como sou também contra os princípios [...] dadá não signiica nada [...]
Eu sou contra os sistemas, o mais aceitável dos sistemas é aquele que tem por princípio não
ter princípio nenhum...

Surrealismo
Cronologicamente, o Surrealismo foi o último movimento das vanguardas
europeias. Com raízes no Expressionismo alemão e a redescoberta de autores
como Sade, Baudelaire, Rimbaud e Mallarmé, utilizava as teorias de Freud e do
marxismo para tentar enxergar o homem livre de suas ligações psicológicas e
culturais. Apoiados no desenvolvimento da psicologia, nas experiências com o
sono hipnótico, no método da escrita automática e no pensamento falado, os
surrealistas procuravam explorar o inconsciente humano e o sonho. Em seu pri-
meiro manifesto, de 1924, Breton escreveu:
Eu o deino, portanto, de uma vez por todas: surrealismo, s. m. Automatismo psíquico pelo
qual alguém se propõe a exprimir seja verbalmente, seja por escrito, seja de qualquer outra
maneira, o funcionamento real do pensamento. Ditado do pensamento, na ausência de todo
controle exercido pela razão, fora de qualquer preocupação estética ou moral.

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Modernismo na Literatura Brasileira

Poesia de vanguarda

Apollinaire
Guillaume Apollinaire nasceu em Roma, em 1880, e morreu em Paris, em
1918. Filho de pai italiano e mãe polonesa, mudou-se para Paris em 1899. Ali
se integrou à vida cultural francesa e conheceu Picasso e Max Jacob. Sua poesia
tentou romper com as estruturas tradicionais da linguagem, criando formas po-
éticas revolucionárias capazes de criar realidades surpreendentes. Seus caligra-
mas, poemas visuais cubistas, publicados em 1918, foram parte desse projeto.

O caligrama La Colombe Poignardée et le Jet d’Eau (A pomba apunhalada e a fonte), de Apollinaire.


Disponível em: <www.ubu.com/historical/app/app5.html>.

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Vanguardas modernistas e a Semana de 22

Tristan Tzara
O Dadaísmo foi o mais extremo movimento de vanguarda. Os poetas dada-
ístas negaram e destruíram a tudo: a rima, o ritmo e sobretudo o signiicado
lógico. Por exemplo, os dadaístas compunham seus poemas recolhendo re-
cortes de jornais a esmo e colando-os um após o outro. Com isso, desejavam
atacar o discurso racional que, segundo eles, havia levado à Primeira Guerra
Mundial, que o mundo sofria na época. O fundador do Dadaísmo foi Tristan
Tzara (1896-1963), de origem romena, que publicou seu Manifesto Dadá em
1918.

André Breton
Nasceu na região francesa da Normandia, em 1896, e morreu em Paris, em
1966. Fundador do Surrealismo, ele defendia a ideia de que na mente humana
há uma vida interior que age por si mesma, sem que possamos intervir, e que
na composição poética ela deve manifestar-se sem obstáculos. Muito inluen-
ciado por Sigmund Freud, Breton praticou a escrita automática, escrevendo as
palavras e imagens que lhe ocorriam livremente à consciência, tal como ocorre
quando sonhamos. Publicou Os Passos Perdidos (1924), O Surrealismo e a Pintura
(1928), Fata Morgana (1942) e a Arte Mágica (1957).

Aragon e Éluard
Louis Aragon nasceu em Paris, em 1897, e morreu na mesma cidade, em 1982.
Junto com Breton e Éluard, foi um dos fundadores do Surrealismo e suas ideias
sobre esse movimento apareceram em seus livros de poemas Fogo de Gozo
(1920), O Movimento Perpétuo (1926) e A Grande Alegria (1929).

O também francês Paul Éluard nasceu em Saint-Denis, em 1895, e morreu em


Charenton, em 1952. Seu verdadeiro nome era Eugène Grindel. No início defen-
sor do movimento surrealista, acabou por renunciar a essa ilosoia, demasiado
centrada nos processos mentais do indivíduo. Entre seus livros de poemas se
destacam Morrer por não Morrer (1924), Os Olhos Férteis (1976), Poesia Ininterrup-
ta (1946) e Últimos Poemas de Amor (1963).

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Modernismo na Literatura Brasileira

Filippo Tomaso Marinetti


Nascido em Alexandria, em 1876, e morto em Bellagio, em 1944, Marinetti foi o
principal teórico das ideias do Futurismo italiano, que defendia a todo custo o pro-
gresso baseado na tecnologia, o ímpeto da máquina e a velocidade. Seu desprezo
absoluto pela dignidade humana e sua defesa do maquinalismo o levou a aderir,
nos anos de 1920, ao fascismo italiano liderado por Mussolini. Os títulos de suas
obras são uma clara mostra de suas ideias, como por exemplo Canto Heroico e Má-
quinas da Guerra Mussoliniana (1942) ou O Exército Italiano, Poesia Armada (1942).

Giuseppe Ungaretti
Nascido em Alexandria, em 1888, e falecido em Milão, em 1970, Ungaretti foi
uma das principais iguras da chamada poesia hermética. Caracterizou-se pela
brevidade e pela simplicidade expressiva, como reação à grandiloquente e pom-
posa retórica fascista da época. Escreveu Alegria do Naufrágio (1919) e Sentimen-
to do Tempo (1933). Depois da morte de seu ilho, publicou A Dor (1947).

Outros poetas herméticos foram Eugenio Montale (1896-1981) e Salvatore


Quasimodo (1901-1968), que receberam Prêmio Nobel, respectivamente em
1975 e 1959.

Lírica de vanguarda soviética


O vanguardismo esteve bem vivo na Rússia antes e depois da Revolução
Soviética (1917). Antes de se converter no poeta oicial da revolução, Vladimir
Maiakovski (1893-1930) foi o grande poeta do Futurismo. Entretanto, as auto-
ridades soviéticas não toleravam o caráter individualista dos vanguardistas, a
maioria dos quais foram assassinados pelo novo regime, morreram em campos
de concentração ou se suicidaram, como Serguei Essenin (1895-1925), Ossip
Mandelstam (1891-1958) e Marina Tsvetáieva (1892-1941).

Poesia de vanguarda em língua inglesa


Os três principais poetas em língua inglesa são Ezra Pound, T. S. Eliot e e. e.
cummings.

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Vanguardas modernistas e a Semana de 22

Nascido em Hailey (Estados Unidos), em 1885, e falecido em Veneza, em 1972,


Ezra Pound chegou à Itália em 1924 e ali se entusiasmou pela cultura do país, seu
passado clássico e sua literatura, chegando a defender o fascismo de Mussolini.
Naquela época, Pound começou a composição de sua grande obra poética, que
ocupou várias décadas de sua vida – Os Cantos, destacando-se os Cantos pisa-
nos, escritos entre 1945 e 1946.

Thomas Stearns Eliot (1888-1965) publicou em 1922 o poema The Wasteland,


que é um testemunho da desilusão dos poetas depois da Primeira Guerra Mun-
dial. Sua poesia é meditativa, muito rigorosa na forma e repleta de citações clás-
sicas, com certo tom místico. Seu livro culminante é Quatro Quartetos, de 1943.
Em 1948, recebeu o Prêmio Nobel.

Eliot inluenciou toda uma geração de poetas de grande valor, como Robert
Graves (1895-1985) e W. H. Auden (1907-1973). e. e. cummings.

cummings, que fazia questão de grafar seu nome em letras minúsculas,


nasceu em Cambridge, Massachussets, em 1894, e morreu em New Hampshire,
em 1962. Em 1922, publicou seu primeiro livro de poemas, Tulipas e Chaminés,
inluenciado pelas ideias dadaístas, que combinavam imagens e conceitos de
um modo absurdo, como amostra da condição absurda da vida humana. Suas
preocupações com a sonoridade e a disposição gráica das palavras o levaram a
fazer experiências muito originais com a poesia.

Poesia de vanguarda alemã


A poesia de vanguarda em língua alemã é marcada por duas inluências fun-
damentais: a de Nietzsche e a do movimento expressionista.

O expressionismo critica ferozmente a sociedade alemã capitalista, indus-


trial, acumuladora de riquezas e exploradora das classes trabalhadoras. Gottfried
Benn, nascido em Mansfeld, em 1886, e falecido em Berlim, em 1956, é um de
seus melhores expoentes. De sua fase expressionista, destacam-se os poemas
Morgue (1913), Filhos (1913), Carne (1917) e Ruína (1924).

Outros poetas da vanguarda alemã foram Georg Trakl (1887-1914), que em seus
versos expressou como poucos a angústia perante a morte, e morreu em combate
na Primeira Guerra Mundial; Stefan George (1868-1923) e Hugo von Hofmannsthal
(1874-1929).

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Modernismo na Literatura Brasileira

Narrativa de vanguarda
A narrativa do princípio do século XX pautou-se por dois princípios básicos:
a inovação estética e a representação de uma realidade sociopolítica cruel. Este
último aspecto marcou o mundo da cultura na Europa no período entre as duas
guerras mundiais e diicilmente poderia ausentar-se da arte, muito menos da
literatura. Frente a essa destruição, levantou-se uma nova estética, oposta a tudo
o que a precedeu. No terreno narrativo, duas correntes de pensamento se so-
bressaem: o Existencialismo e o Marxismo. Ambas iriam prevalecer depois da
Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

As vanguardas na Itália
É na Itália que aparece o primeiro grupo vanguardista europeu: o Futurismo.
Seu representante máximo foi Marinetti (1876-1944), cujo primeiro manifesto
data de 1909. Segundo Marinetti, entre as inovações formais da literatura futu-
rista devem estar:

 a destruição da sintaxe, dispondo os substantivos a esmo;

 o uso dos verbos no ininitivo;

 a abolição dos adjetivos, advérbios e sinais de pontuação.

Futuristas como Palazzeschi ou Paolo Duzzi exploraram o terreno do mecâ-


nico e do irreal.

Porém, frente à retórica artiicial, mecanicista e fantasiosa do Futurismo apa-


receram, na Itália, correntes opostas encabeçadas pela chamada prosa d’arte,
cujos escritores mais representativos foram Cesare Pavese (1908-1950) e Alberto
Moravia (1907-1990). Esse tipo de literatura em prosa se caracteriza pelo pre-
domínio de um realismo moralista e ético, que vê a experiência futurista como
inconsequência.

Já Italo Svevo (1861-1928) é considerado o precursor de Joyce e Proust por


seu romance A Consciência de Zeno (1923), em que analisa a consciência humana
segundo o método psicanalítico de Sigmund Freud.

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Vanguardas modernistas e a Semana de 22

Vanguarda narrativa na França


A literatura francesa do início do século XX oscilou entre as experiências de
vanguarda (Surrealismo e Existencialismo) e uma literatura mais tradicional. Na
primeira tendência, destacam-se romances como Nadja (1928), de André Breton,
e Moravagine (1926), do franco-suíço Blaise Cendras; na segunda vertente, auto-
res como François Mauriac (1885-1970) e Georges Bernanos (1888-1948), os cha-
mados moralistas católicos. Outros romancistas importantes foram André Mal-
raux (1901-1976), autor de A Condição Humana (1933), e Louis-Ferdinand Céline
(1894-1961), autor de Viagem ao Fim da Noite (1932), no qual retrata um mundo
dominado pela irracionalidade e pela crueldade do destino, com uma lingua-
gem raivosa e violenta que muito inluenciou os escritores que vieram depois.
Mas, acima de todos, se sobressai a igura de Marcel Proust (1871-1922).

Marcel Proust
O romance de vanguarda teve na França um precursor indiscutível: Marcel
Proust, cuja obra se enquadra na linha do Simbolismo realista. Proust tentou
fazer da literatura uma conidência pessoal e um meio de expressão global da
experiência do homem no mundo. Seu primeiro romance foi Os Prazeres e os
Dias (1896). De 1895 a 1905, escreveu sua extensa obra Jean Santeuil, publicada
em 1952. Em 1910, começou a trabalhar em uma das obras mais importantes
do século XX, Em Busca do Tempo Perdido (1913-1927), que, com seu poder de
penetração nas profundezas da memória e da psicologia humana, e suas frases
longas e musicais, marcou deinitivamente toda a literatura posterior.

Franz Kafka
O escritor de língua alemã mais importante deste período foi Franz Kafka
(1883-1924), de ascendência judaica, nascido em Praga (na então Tchecoslo-
váquia), mas de formação germânica. Em 1906, concluiu seus estudos e pouco
depois foi trabalhar em uma companhia de seguros, ocupação que manteve
até 1922, e que fez dele um deprimido funcionário de escritório, buscando
ansiosamente uma maneira de se dedicar à sua vocação literária. Em sua obra

19
Modernismo na Literatura Brasileira

se observa um bloqueio causado pela culpa e um desejo silencioso de mar-


ginalidade, aumentado por sua condição de judeu. Sua produção literária se
aproxima de um realismo fantástico e expressionista, sem abandonar o caráter
existencialista que parece ter marcado toda a sua vida. O tema do julgamen-
to e do castigo é uma constante em sua obra. Kafka deixou inacabados três
romances: América (1927), O Processo (1925) e O Castelo (1926). Seus contos
também são muito importantes: Descrição de uma Luta (1909), Considerações
(1912) e, o mais famoso, A Metamorfose (1915).

Hesse, Broch e Musil


Hermann Hesse (1877-1962) desenvolveu em seus romances Demian (1919)
e O Jogo das Contas de Vidro (1943) certo misticismo por meio de elementos
simbólicos.

Hermann Broch (1886-1951) descreve, em Os Sonâmbulos (1931-1932), a de-


gradação da sociedade alemã desde a proclamação do Segundo Império até a
derrota na Primeira Guerra Mundial. Escreveu também A Morte de Virgílio (1945)
e O Tentador (1953).

Robert Musil (1880-1942) é considerado, ao lado de Proust, Joyce e Kafka,


o grande renovador do romance do século XX, especialmente por sua obra O
Homem sem Qualidades (1930-1943), em que, ao longo de duas mil páginas, ana-
lisa a decomposição do Império austro-húngaro por meio de numerosos perso-
nagens com diferentes psicologias.

James Joyce
James Joyce (1882-1941) foi o escritor mais importante da língua inglesa nos
primeiros anos do século XX, trazendo para a literatura a autoconsciência da lin-
guagem e a captação do subconsciente. Retratou, de forma complexa, a realidade
cotidiana da Dublin da sua infância e juventude. Em 1914, publicou seu livro de
contos Dublinenses. Em 1916, o romance Retrato do Artista quando Jovem, verda-
deiro prólogo à sua obra mais representativa: Ulisses (1922), epopeia que transcor-
re ao longo de um único dia da vida de Leopold Bloom. Esse romance se estrutura
a partir de complexas técnicas narrativas como o monólogo interior e as tramas si-
multâneas. Sua última obra é Finnegans Wake, que foi publicada aos poucos, como
um work in progress “obra em andamento”, e teve edição integral em 1939. Nesse

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Vanguardas modernistas e a Semana de 22

livro, Joyce radicaliza o processo de experimentação: as imagens se sobrepõem e


palavras são criadas a partir de numerosas línguas.

Virginia Woolf
Virginia Woolf (1882-1941) se dedicou a investigar o transcorrer do tempo e a
situação da mulher. Em O Quarto de Jacob (1922), narra a vida de um rapaz desde
a infância até sua morte no campo de batalha. Mrs. Dalloway (1925) e Ao Farol
(1927) são dois importantes romances em que Virginia Woolf investe menos na
ação ou na intriga e mais em uma relexão sobre a profundidade da consciência.
Também se destaca As Ondas (1931), e em Orlando (1929), a ambiguidade sexual
da personagem central perdura durante séculos.

D. H. Lawrence
David Herbert Lawrence (1885-1930) retratou duramente o convencionalis-
mo da moral burguesa e puritana inglesa. Suas obras de alto conteúdo sexual
sofreram processos e condenações judiciais. Destacam-se Filhos e Amantes
(1913) e O Amante de Lady Chatterley (1928). Lawrence foi pouco a pouco se
distanciando de um mundo que não suportava, dominado pelo puritanismo, a
moral burguesa e a industrialização. Fez da literatura uma experiência solitária
e pessoal, que transformou em um grito dirigido aos seres humanos de quem
se havia distanciado.

Gertrude Stein
Nascida na Pensilvânia, Gertrude Stein (1874-1946) se mudou para Paris em 1902,
tornando-se grande colecionadora de arte e amiga de artistas como Cézanne e Picas-
so, que pintariam retratos seus. A casa em que morava com Alice B. Toklas na rue de
Fleurus tornou-se um dos pontos de encontro favoritos de pintores e escritores de
vanguarda de todas as nacionalidades. Sua prosa revolucionária, próxima da poesia,
constrói-se por meio de repetições constantes e o abandono de todas as convenções,
inclusive as gramaticais. Destacam-se seu livro de contos Três Vidas (1909), Tender But-
tons (1914), e The Making of the Americans (1925). O retrato mais vibrante da Paris do
início do século foi pintado por Stein no livro Autobiograia de Alice B. Toklas (1933), em
que escreve a “autobiograia” de sua companheira e retrata a vida de ambas e de seus
amigos pintores e escritores, como Picasso, Matisse, Apollinaire e Hemingway.

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Modernismo na Literatura Brasileira

A fase heroica do Modernismo brasileiro

Por que chamamos de fase heroica


o início do Modernismo brasileiro?
No Brasil, os modernistas tiveram que lutar muito para impor a sua revolução.
O reacionarismo da sociedade brasileira e o atraso cultural generalizado colo-
caram inúmeras barreiras à renovação artística e cultural do país. A Academia
Brasileira de Letras transformou-se, então, na guardiã das tradições, defendendo
com ainco a estética parnasiana contra os ataques dos “heróis” vanguardistas.
Suas propostas de modernização das técnicas de composição poética, abolindo
a rima e a métrica, assim como de aproximação entre a literatura e a linguagem
popular, valorizando a língua e a cultura do povo, jamais poderiam ser aceitas
pelos defensores da norma culta e da arte pela arte. Essa foi, portanto, uma fase
de árdua destruição dos valores antigos, em busca da construção de uma nova
e vigorosa literatura.

Antecedentes do Modernismo
Durante as duas primeiras décadas do século XX, período que se convencio-
nou chamar de pré-modernista, as ideias das vanguardas modernistas europeias
começaram a penetrar na arte brasileira. Além dos aspectos antecipatórios das
obras dos pré-modernistas, como o Expressionismo e o Prosaísmo de Augusto
dos Anjos, a linguagem coloquial de Lima Barreto e a análise crítica da realidade
brasileira levada a cabo por Euclides da Cunha, Monteiro Lobato e Graça Aranha,
manifestações já propriamente modernistas começaram a ocorrer.

Ainda em 1909, o Manifesto Futurista de Marinetti foi reproduzido em jornais


brasileiros e, assim, no Brasil, as manifestações de vanguarda passaram a ser de-
nominadas, genericamente, de “futuristas”.

Contagiado pelas novidades durante uma viagem à Europa, em 1912, Oswald


de Andrade traz ao Brasil as ideias que redundariam na revolução de 1922.

Em 1917, a exposição de pinturas expressionistas de Anita Malfatti, em São


Paulo, gerou uma polêmica entre Oswald e Monteiro Lobato sobre as inovações
estéticas.

22
Vanguardas modernistas e a Semana de 22

Em 1921, Oswald saudou, pelos jornais, o jovem Mário de Andrade chamando-o


de “meu poeta futurista”, o que, embora desagradando a Mário, uniu os dois poetas.

Por essa época, o escultor Victor Brecheret e o músico Heitor Vila-Lobos já


apresentavam uma obra modernista.

E, em 1922, a Semana de Arte Moderna aglutinou todas essas manifestações.

Disponível em: <http://semdestino.iles.wordpress.com/2007/09/a-estudante-anita-malfatti.jpg>.

A Estudante, tela de Anita Malfatti incluída na exposição de 1917.

A Semana de Arte Moderna


A Semana, na realidade, durou apenas três dias, mas nunca três dias abalaram
tanto o mundo da arte brasileira. Nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922, sob o
apadrinhamento do romancista pré-modernista Graça Aranha, os jovens paulis-
tanos empenhados em revolucionar a arte apresentaram, pela primeira vez em

23
Modernismo na Literatura Brasileira

conjunto, suas ideias de vanguarda. Realizada no Teatro Municipal de São Paulo,


a Semana foi aberta com a conferência “A emoção estética na arte”, em que Graça
Aranha atacava o conservadorismo

Disponível em: <www.colegiosaofrancisco.com.br/alfa/arte-moderna/imagens/arte-


-moderna-9.jpg>.
e o academicismo da arte brasileira.
Seguiram-se leituras de poemas de,
entre outros, Oswald de Andrade e
Manuel Bandeira, que não pôde
comparecer e cujo poema “Os sapos”
foi lido por Ronald de Carvalho sob
um coro de coaxos e vaias. Mário de
Andrade leu seu ensaio “A escrava
que não é Isaura” nas escadarias do
teatro, obras de Anita Malfatti, Di Ca-
valcanti, Victor Brecheret e outros
artistas plásticos e arquitetos foram
expostas. Por im, apresentaram-se a
pianista Guiomar Novaes e o maes-
tro e compositor Heitor Vila-Lobos,
que não foi poupado das vaias.
Como se vê, a recepção da Semana
não foi tranquila. As ousadias mo-
dernistas inquietavam e irritavam o
público.

A literatura paulistana conirmava sua tendência à ruptura consequente, sempre


fundamentada na erudição de um estudioso como Mário de Andrade ou de um
permanente revolucionário que foi Oswald de Andrade. Procurava, também, esta-
belecer certa independência da nossa literatura em relação à europeia. Cerca de
20 anos depois, Mário de Andrade comentou a experiência de enfrentar a plateia:
[...] como tive coragem para dizer versos diante duma vaia tão bulhenta que eu não escutava
no palco o que Paulo Prado me gritava da primeira ila das poltronas?... Como pude fazer
uma conferência sobre artes plásticas, na escadaria do Teatro, cercado de anônimos que me
caçoavam e ofendiam a valer?... O meu mérito de participante é mérito alheio: fui encorajado,
fui enceguecido pelo entusiasmo dos outros.

Grupos e movimentos
Após a Semana de Arte Moderna, surgiram no Brasil diversos grupos que pro-
curavam, cada um a seu modo, difundir a arte moderna. Alguns logo se desta-
caram pelo feroz antagonismo. Os movimentos Pau-Brasil (1925) e Antropofagia
24
Vanguardas modernistas e a Semana de 22

(1928) foram criados por Oswald de Andrade e reuniam jovens como Raul Bopp
e Antônio de Alcântara Machado.

O Pau-Brasil defendia a produção de uma literatura de exportação, primitiva


mas soisticada, que pudesse competir com as estrangeiras.

O Movimento Antropófago pregava uma relação de igualdade da cultura bra-


sileira com as demais: não a rejeição pura e simples do que vem de fora, mas
consumir aquilo que há de bom na arte estrangeira; não evitá-la, mas, como um
antropófago, comer o que mereça ser comido.

Já os movimentos Verde-amarelo (capitaneado por Menotti del Picchia e Cas-


siano Ricardo) e Anta (que, sucedendo o Verde-amarelo, era liderado por Plínio
Salgado, um admirador do fascismo), pautavam-se por um nacionalismo xenó-
fobo, avesso a tudo que viesse do estrangeiro.

Os dois grupos (um que dialogava com a cultura estrangeira e outro que a
repudiava) só poderiam se confrontar. “Verde e amarelo dá azul? Não, dá azar” –
publicou a Revista de Antropofagia.

As revistas modernistas
Os modernistas se agrupavam em torno de publicações. A primeira revista
modernista no Brasil apareceu em São Paulo: a Klaxon (1922), de projeto gráico
inovador e contando com as colaborações, entre outros, de Mário de Andrade,
Guilherme de Almeida e Manuel Bandeira.

No Rio de Janeiro, surgiu a Estética (1924), dirigida por Prudente de Moraes


Neto e Sérgio Buarque de Holanda, bem menos ousada do que a corresponden-
te paulistana.

Além de outras revistas lançadas em São Paulo e no Rio, aparecem publica-


ções por todo o país. Podemos citar, entre outras:

 em Cataguases (MG), a revista Verde (1927);

 em Porto Alegre (RS), a Madrugada (1929);

 em Fortaleza (CE), Maracajá (1929).

Mas a de maior impacto foi a Revista de Antropofagia (1928-29), publicada


por Oswald de Andrade. Nela foram lançados poemas de Carlos Drummond de

25
Modernismo na Literatura Brasileira

Andrade e Murilo Mendes; o primeiro capítulo de Macunaíma, de Mário de An-


drade, e numerosos outros textos de importância.

Texto complementar

Manifesto Antropófago

Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoicamente.

Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos,


de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz.

Tupi, or not tupi that is the question.

Contra todas as catequeses. E contra a mãe dos Gracos.

Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago.

Estamos fatigados de todos os maridos católicos suspeitosos postos em


drama. Freud acabou com o enigma mulher e com outros sustos da psicolo-
gia impressa.

O que atropelava a verdade era a roupa, o impermeável entre o mundo


interior e o mundo exterior. A reação contra o homem vestido. O cinema
americano informará.

Filhos do sol, mãe dos viventes. Encontrados e amados ferozmente, com


toda a hipocrisia da saudade, pelos imigrados, pelos traicados e pelos tou-
ristes. No país da cobra grande.

Foi porque nunca tivemos gramáticas, nem coleções de velhos vegetais.


E nunca soubemos o que era urbano, suburbano, fronteiriço e continental.
Preguiçosos no mapa-múndi do Brasil.

Uma consciência participante, uma rítmica religiosa.

Contra todos os importadores de consciência enlatada. A existência pal-


pável da vida. E a mentalidade pré-lógica para o Sr. Lévy-Bruhl estudar.

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Vanguardas modernistas e a Semana de 22

Queremos a Revolução Caraíba. Maior que a Revolução Francesa. A unii-


cação de todas as revoltas eicazes na direção do homem. Sem nós a Europa
não teria sequer a sua pobre declaração dos direitos do homem.

A idade de ouro anunciada pela América. A idade de ouro. E todas as girls.

Filiação. O contato com o Brasil Caraíba. Où Villegaignon print terre. Mon-


taigne. O homem natural. Rousseau. Da Revolução Francesa ao Romantismo,
à Revolução Bolchevista, à Revolução Surrealista e ao bárbaro tecnizado de
Keyserling. Caminhamos.

Nunca fomos catequizados. Vivemos através de um direito sonâmbulo.


Fizemos Cristo nascer na Bahia. Ou em Belém do Pará.

Mas nunca admitimos o nascimento da lógica entre nós.

Contra o Padre Vieira. Autor do nosso primeiro empréstimo, para ganhar


comissão. O rei-analfabeto dissera-lhe: ponha isso no papel mas sem muita
lábia. Fez-se o empréstimo.

Gravou-se o açúcar brasileiro. Vieira deixou o dinheiro em Portugal e nos


trouxe a lábia.

O espírito recusa-se a conceber o espírito sem o corpo. O antropomoris-


mo. Necessidade da vacina antropofágica. Para o equilíbrio contra as religi-
ões de meridiano. E as inquisições exteriores.

Só podemos atender ao mundo orecular.

Tínhamos a justiça codiicação da vingança. A ciência codiicação da


Magia. Antropofagia. A transformação permanente do Tabu em totem.

Contra o mundo reversível e as ideias objetivadas. Cadaverizadas. O stop


do pensamento que é dinâmico. O indivíduo vítima do sistema. Fonte das
injustiças clássicas. Das injustiças românticas. E o esquecimento das conquis-
tas interiores.

Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros.

O instinto Caraíba.

Morte e vida das hipóteses. Da equação eu parte do Cosmos ao axioma


Cosmos parte do eu.

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Modernismo na Literatura Brasileira

Subsistência. Conhecimento. Antropofagia.

Contra as elites vegetais. Em comunicação com o solo.

Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaval. O índio vestido de sena-


dor do Império. Fingindo de Pitt. Ou igurando nas óperas de Alencar cheio
de bons sentimentos portugueses.

Já tínhamos o comunismo. Já tínhamos a língua surrealista. A idade de ouro.

Catiti Catiti

Imara Notiá

Notiá Imara

Ipeju

A magia e a vida. Tínhamos a relação e a distribuição dos bens físicos, dos


bens morais, dos bens dignários. E sabíamos transpor o mistério e a morte
com o auxílio de algumas formas gramaticais.

Perguntei a um homem o que era o Direito. Ele me respondeu que era a


garantia do exercício da possibilidade. Esse homem chamava-se Galli Ma-
thias. Comi-o.

Só não há determinismo onde há mistério. Mas que temos nós com isso?

Contra as histórias do homem que começam no Cabo Finisterra. O mundo


não datado. Não rubricado. Sem Napoleão. Sem César.

A ixação do progresso por meio de catálogos e aparelhos de televisão. Só


a maquinaria. E os transfusores de sangue.

Contra as sublimações antagônicas. Trazidas nas caravelas.

Contra a verdade dos povos missionários, deinida pela sagacidade de


um antropófago, o Visconde de Cairu: – É mentira muitas vezes repetida.

Mas não foram cruzados que vieram. Foram fugitivos de uma civilização
que estamos comendo, porque somos fortes e vingativos como o Jabuti.

Se Deus é a consciência do Universo Incriado, Guaraci é a mãe dos viven-


tes. Jaci é a mãe dos vegetais.

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Vanguardas modernistas e a Semana de 22

Não tivemos especulação. Mas tínhamos adivinhação. Tínhamos Política


que é a ciência da distribuição. E um sistema social planetário.

As migrações. A fuga dos estados tediosos. Contra as escleroses urbanas.


Contra os Conservatórios e o tédio especulativo.

De William James e Voronof. A transiguração do Tabu em totem.


Antropofagia.

O pater familias e a criação da Moral da Cegonha: Ignorância real das coisas


+ falta de imaginação + sentimento de autoridade ante a prole curiosa.

É preciso partir de um profundo ateísmo para se chegar à ideia de Deus.


Mas a caraíba não precisava. Porque tinha Guaraci.

O objetivo criado reage como os Anjos da Queda. Depois Moisés divaga.


Que temos nós com isso?

Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a


felicidade.

Contra o índio de tocheiro. O índio ilho de Maria, ailhado de Catarina de


Médicis e genro de D. Antônio de Mariz.

A alegria é a prova dos nove.

No matriarcado de Pindorama.

Contra a Memória fonte do costume. A experiência pessoal renovada.

Somos concretistas. As ideias tomam conta, reagem, queimam gente nas


praças públicas. Suprimamos as ideias e as outras paralisias. Pelos roteiros.
Acreditar nos sinais, acreditar nos instrumentos e nas estrelas.

Contra Goethe, a mãe dos Gracos, e a Corte de D. João VI.

A alegria é a prova dos nove.

A luta entre o que se chamaria Incriado e a Criatura – ilustrada pela contra-


dição permanente do homem e o seu Tabu. O amor cotidiano e o modus vi-
vendi capitalista. Antropofagia. Absorção do inimigo sacro. Para transformá-lo
em totem. A humana aventura. A terrena inalidade. Porém, só as puras elites
conseguiram realizar a antropofagia carnal, que traz em si o mais alto sentido
da vida e evita todos os males identiicados por Freud, males catequistas. O

29
Modernismo na Literatura Brasileira

que se dá não é uma sublimação do instinto sexual. É a escala termométrica do


instinto antropofágico. De carnal, ele se torna eletivo e cria a amizade. Afetivo,
o amor. Especulativo, a ciência. Desvia-se e transfere-se. Chegamos ao avilta-
mento. A baixa antropofagia aglomerada nos pecados de catecismo – a inveja,
a usura, a calúnia, o assassinato. Peste dos chamados povos cultos e cristiani-
zados, é contra ela que estamos agindo. Antropófagos.

Contra Anchieta cantando as onze mil virgens do céu, na terra de Irace-


ma, – o patriarca João.

Ramalho fundador de São Paulo.

A nossa independência ainda não foi proclamada. Frase típica de D. João


VI: – Meu ilho, põe essa coroa na tua cabeça, antes que algum aventureiro
o faça! Expulsamos a dinastia. É preciso expulsar o espírito bragantino, as
ordenações e o rapé de Maria da Fonte.

Contra a realidade social, vestida e opressora, cadastrada por Freud – a re-


alidade sem complexos, sem loucura, sem prostituições e sem penitenciárias
do matriarcado de Pindorama.

Oswald De Andrade

Em Piratininga

Ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha.

(ANDRADE, Oswald. Manifesto Antropólogo. – Revista de Antropofagia, São Paulo,


maio 1928. Ano1, n.1.)

Estudos literários
1. Leia o texto abaixo e responda à questão.

Manifesto do Futurismo (trecho)


1. Nós queremos cantar o amor ao perigo, o hábito à energia e à temeridade.

2. Os elementos essenciais de nossa poesia serão a coragem, a audácia


e a revolta.

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Vanguardas modernistas e a Semana de 22

3. Tendo a literatura até aqui enaltecido a imobilidade pensativa, o êx-


tase e o sono, nós queremos exaltar o movimento agressivo, a insônia
febril, o passo ginástico, o salto mortal, a bofetada e o soco.

4. Nós declaramos que o esplendor do mundo se enriqueceu com uma


beleza nova: a beleza da velocidade. Um automóvel de corrida com
seu cofre adornado de grossos tubos como serpentes de fôlego ex-
plosivo... um automóvel rugidor, que parece correr sobre a metralha, é
mais belo que a Vitória de Samotrácia.

5. Nós queremos cantar o homem que está na direção, cuja haste ideal
atravessa a Terra, arremessada sobre o circuito de sua órbita.

6. É preciso que o poeta se desgaste com calor, brilho e prodigalidade,


para aumentar o fervor entusiástico dos elementos primordiais.

7. Não há mais beleza senão na luta. Nada de obra-prima sem um caráter


agressivo. A poesia deve ser um assalto violento contra as forças des-
conhecidas, para intimá-las a deitar-se diante do homem.

8. Nós estamos sobre o promontório extremo dos séculos!... Para que


olhar para trás, no momento em que é preciso arrombar as portas
misteriosas do impossível? O tempo e o espaço morreram ontem. Nós
vivemos já no absoluto, já que nós criamos a eterna velocidade oni-
presente.

9. Nós queremos gloriicar a guerra – única higiene do mundo – o mi-


litarismo, o patriotismo, o gesto destruidor dos anarquistas, as belas
ideias que matam, e o menosprezo à mulher.

10. Nós queremos demolir os museus, as bibliotecas, combater o moralis-


mo, o feminismo e todas as covardias oportunistas e utilitárias.

11. Nós cantaremos as grandes multidões movimentadas pelo trabalho,


pelo prazer ou pela revolta; as marés multicoloridas e polifônicas das
revoluções nas capitais modernas; a vibração noturna dos arsenais
e dos estaleiros e suas violentas luas elétricas; as estações glutonas
comedoras de serpentes que fumam; as usinas suspensas nas nuvens
pelos barbantes de suas fumaças; as pontes para pulos de ginastas
lançadas sobre a cutelaria diabólica dos rios ensolarados; os navios
aventureiros farejando o horizonte; as locomotivas de grande peito,

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Modernismo na Literatura Brasileira

que encoucinham os trilhos, como enormes cavalos de aço freados


por longos trilhos, e o voo deslizante dos aeroplanos, cuja hélice tem
os estalos da bandeira e os aplausos da multidão entusiasta.

(MARINETTI apud TELLES, 1976, p. 85-86.)

Identiique no trecho do Manifesto do Futurismo quais itens demonstram o


apreço desse movimento pela modernidade, qual os aproxima dos ideais fascis-
tas e quais indicam o rompimento com a arte e literatura até então. Justiique.

2. Leia com atenção o poema a seguir e responda à questão.

Os sapos
Manuel Bandeira

Enfunando os papos, O sapo-tanoeiro,


Saem da penumbra, Parnasiano aguado,
Aos pulos, os sapos. Diz: - “Meu cancioneiro
A luz os deslumbra. É bem martelado.

Em ronco que aterra, Vede como primo


Berra o sapo-boi: Em comer os hiatos!
- “Meu pai foi à guerra!” Que arte! E nunca rimo
- “Não foi!” - “Foi!” - “Não foi!”. Os termos cognatos.

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Vanguardas modernistas e a Semana de 22

O meu verso é bom Ou bem de estatuário.


Frumento sem joio. Tudo quanto é belo,
Faço rimas com Tudo quanto é vário,
Consoantes de apoio. Canta no martelo”.

Vai por cinquenta anos Outros, sapos-pipas


Que lhes dei a norma: (Um mal em si cabe),
Reduzi sem danos Falam pelas tripas,
A fôrmas a forma. - “Sei!” - “Não sabe!” - “Sabe!”.

Clame a saparia Longe dessa grita,


Em críticas céticas: Lá onde mais densa
Não há mais poesia, A noite ininita
Mas há artes poéticas...” Veste a sombra imensa;

Urra o sapo-boi: Lá, fugido ao mundo,


- “Meu pai foi rei!”- “Foi!” Sem glória, sem fé,
- “Não foi!” - “Foi!” - “Não foi!”. No perau profundo
Brada em um assomo solitário, é

O sapo-tanoeiro: Que soluças tu,


- A grande arte é como Transido de frio,
Lavor de joalheiro. Sapo-cururu
Da beira do rio...”

“Os sapos” faz uma analogia com a poesia da época em que foi escrito. Qual o
conlito retratado no poema?

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Modernismo na Literatura Brasileira

3. Leia com atenção o poema abaixo e responda à questão.

Poema tirado de uma notícia de jornal


Manuel Bandeira

João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilô-


nia num barracão sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.

Que características presentes nesse poema são marcadamente modernistas?

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Vanguardas modernistas e a Semana de 22

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