Você está na página 1de 23

Por esses dias eu tive a ingrata surpresa de ler uma obra literária que

classifico como, no mínimo, desconcertante: “A Flauta Mágica – Ópera


Maçônica”, de Jacques Chailley (1910-1999). Ingrata sim, pois até então
eu julgava que ouvir músicas clássicas era algo “neutro”… quase
santificante! Isso serviu para comprovar que “Há um caminho ao
homem parece direito, mas o fim são os caminhos da morte.” (Provérbios
14:12 e 16:25).
Jacques Chailley era compositor, regente de coro, musicólogo e
teórico – nasceu em Paris, em 1910. Dedicando-se inicialmente à
reconstituição e revalorização da música da Idade Média, sua atividade
orientou-se progressivamente para o estudo da linguagem musical e
de sua evolução, dando assim grande impulso a uma nova disciplina: a
Filologia musical. Esta pesquisa teórica permitiu-lhe mostrar que a
evolução musical obedece leis, e não ao acaso de certos arroubos
individuais. (…) Chailley dedicou-se também a esclarecer a riqueza de
significado de algumas obras essenciais da história da música como:
“As Paixões” e os Corais para órgão de Bach, “Tristão e Isolda” de
Wagner e “O Mandarim Maravilhoso” de Bartók. (…) Estudou o papel
desempenhado pela franco-maçonaria em diversas obras capitais dos
séculos XVII e XIX (“A Flauta Mágica” de Mozart, “Viagem de Inverno”
de Schubert e “Parsifal” de Wagner) e chegou, neste domínio, a
importantes descobertas[1].
Devo explicar que o autor da obra, senhor Jacques Chailley, ao que
tudo indica, não era sequer protestante. Isso é algo significativo, pois
impede que tal obra tenha sido escrito por um “fanático” religioso e,
por isso, aumenta a credibilidade das informações ali encontradas. Por
exemplo, se fosse eu a escrever tal obra, ela sequer existiria: além de
nem entender de música, a poderiam me considerar um tendencioso.
Então, após essa breve introdução, creio que a melhor forma de
abordar este assunto é transcrever os trechos da obra que me
chamaram a atenção antes mesmo de apresentar quaisquer
conclusões. A junção de pedaços e capítulos terminou por formar um
texto extenso e de conteúdo bastante técnico, podendo chegar a ser
muito cansativo, mas meu objetivo aqui é permitir àqueles que
estiverem lendo a possibilidade de que cheguem às suas próprias
conclusões… e somente então, após as citações da obra, apresentarei
minha diminuta análise. O máximo que farei é destacar (negrito e
sublinhado) alguns pontos aqui e acolá no texto…
Lembrem-se: o texto a seguir (com fonte e cor diferentes) NÃO É DE
MINHA AUTORIA, portanto, não me critiquem quanto a seu conteúdo.
Tudo o que aqui será apresentado também me era completamente
desconhecido até que me fosse apresentado através desta obra.
Vamos às passagens:
PRIMEIRO TRECHO
CAPÍTULO 8 — A MAÇONARIA NA VIENA DO SÉCULO
XVIII (PÁGINAS 56 E 57)
O leitor deve ter percebido que tudo o que foi dito encaminha-se para
o mesmo ponto de convergência: a maçonaria, da qual a “Flauta
mágica”, através de símbolos transparentes, pretende ser a glorificação.
Aos que não conhecem desse movimento senão a imagem fornecida por
seus adversários ou aquela disponível ao tempo do Ministério Combes,
não há de ser inútil descrevê-la recorrendo aos seus próprios
historiadores. A evolução política e muitas vezes anticlerical que ela
conheceu no século passado, pelo menos na França [2], a violência dos
slogans polêmicos que suscitou, as condenações sucessivas que sofreu
por parte de papas sucessivos, os escândalos, enfim, a que seus inimigos
não deixaram de procurar misturá-la com maior ou menor boa fé, tudo
isso é capaz de dar uma idéia falsa a um “profano” de hoje do que
poderia ser, na época de Mozart, um movimento cujas idéias
congregavam, numa proporção que mal podemos imaginar, tudo o que
a Europa incluía de inteligência e de generosidade, e que suscitou em
nosso músico, como em muitos outros, um entusiasmo de prosélito de
que a Flauta mágica nos oferece um caloroso testemunho.
O verdadeiro maremoto que constitui a história da maçonaria no
século XVIII é um desses fenômenos compensatórios inevitáveis e
periódicos produzidos quase obrigatoriamente por todo
enfraquecimento moral dos grandes valores do espírito. Cismas,
heresias, grandes asceses não são senão aspectos desse fenômeno de
que está pontilhada a história da Igreja, e que põe lado a lado, com seus
destinos díspares, cátaros, franciscanos e luteranos. No século XVIII, uma
vez mais, a Igreja já não era, em muitos lugares, senão uma instituição
política, um arcabouço social esvaziado (ou quase) de substância
espiritual. A originalidade da maçonaria foi a de não se revoltar contra
essas insuficiências, fazendo como se as ignorasse, e oferecendo ela
mesma a seus membros uma contrapartida apropriada às aspirações do
seu tempo.
Como pano de fundo, invocava um ensinamento humanitário dos
filósofos do Aufklãrung, estabelecendo para si mesma a missão de
ultrapassar o particularismo dos ritos e das religiões catalogadas. Num
momento em que não apenas o mundo cristão da Europa, mas a própria
germanofonia se via profundamente dividida pela cisão da Reforma —
de um lado os Estados católicos, englobando a Áustria, de outro, os
Estados protestantes, compreendendo a maior parte dos Estados
alemães — ignorar estas barreiras tornava-se para muitos um
verdadeiro alívio. Num momento em que já se esboçava um recuo dos
horizontes, e onde começava a filtrar-se a existência de outros mundos
penetrados de outras religiões, o “Como se pode ser persa?” de
Montesquieu tomava um significado de caso de consciência para todos
os homens que pensavam — e pensava-se muito no século
XVIII.  Decididamente religiosa, mas colocando em pé de igualdade, em
seus altares,  a Bíblia, o Corão, os Vedas e alguns outros “Livros da
Lei Sagrada”, a maçonaria estabeleceu a liberdade de cada um de seus
membros para aderir a esta ou aquela confissão de sua escolha. Quanto
a ela, limitava-se a extrair um fundo comum apoiado num mínimo de
dogmatismo: a crença num Deus criador, “o grande arquiteto do
universo", qualquer que fosse a forma sob a qual se apresentasse. Mas
foi à margem desse Deus (daí as reticências, depois as condenações da
Igreja romana) que ela pregou as virtudes propriamente humanas em
nome das quais deveria erguer-se a Revolução Francesa, e que ela
considerava suscetíveis de trazer felicidade às sociedades futuras; essa
felicidade da qual a Flauta mágica, pela voz de Sarastro, cantará o
idílico e, infelizmente, utópico ideal.
SEGUNDO TRECHO
CAPÍTULO 9 — MOZART E A MAÇONARIA (PÁGINAS 66 E 67)
No dia 14 de dezembro de 1784, Mozart, com sua iniciação, é
oficialmente admitido no seio da maçonaria. Vale a pena lembrar aqui
que toda a sua carreira desenvolveu-se num ambiente de algum modo
paramaçônico, e seria pontuada por uma série de fatos significativos a
esse respeito.
Desde a idade de 11 anos, Wolfgang, medicado devido a sintomas
de varíola, oferece a seu médico, o Dr. Wolff de Olmutz, uma pequena
ária a título de agradecimento (An die Freude K. 53), e  percebemos
com surpresa que já se trata de um texto maçônico: quam o teria
fornecido ao menino? O próprio médico, é a suposição de J. e B. Massim;
mas C. de Nys sugere que o pároco de Olmutz poderia ter sido ele
mesmo maçom e ter parte nesse assunto. Quando Mozart, no ano
seguinte, compõe Bastien und Bastienne, sua pequena obra é
representada nos jardins do Dr. Mesmer, apóstolo do “magnetismo
animal”; mas Mesmer também era maçom; chegou a provocar, em
seguida, um cisma que levou seu nome (o mesmerismo) e que levou em
1783 “ao estabelecimento de uma sociedade maçônica que se formou
em Paris sob o título de “Ordem da Harmonia Universal””; ela se
destinava a “purificar os adeptos pela iniciação”, confirmando-os na
doutrina do fundador.  Aos 16 anos, em 1772, Mozart compõe uma
ária sobre as palavras de um hino ritual, O heiliges Band. No ano
seguinte (1773), é escolhido por Gebler, como já vimos, depois da
defecção de dois músicos maçons, um dos quais Gluck, para escrever a
música de cena do drama maçônico “Thamos”, de que já fizemos notar
a analogia de assunto com a Flauta, e que ele remaneja em 1779.
Quando viaja a Paris, em 1778, leva no bolso uma recomendação de
von Gemmingen para os maçons da capital francesa, especialmente
para os membros da Loja Olímpica cujos concertos estão ligados aos do
Concerto Spirituel, dirigido por Lê Gros, o qual é membro da Loja Saint
Jean d’Écosse du Contrat Social. Von Gemmingen o espera na volta, em
Mannheim, para propor-lhe a Semíramis de que já falamos. Van Swieten
e von Sonnenfelds são seus companheiros, bem antes que ele fique
sabendo das altas funções que desempenham na maçonaria vienense. E
a lista continua…  Como se vê, a iniciação de Mozart   não foi um gesto
teatral, mas  o termo de  uma evolução lentamente preparada, a
mesma que ele procurará retratar simbolicamente no primeiro ato da
“Flauta mágica”.
A 14 de dezembro de 1784, ele dá o passo decisivo. Apresentado no 5
de dezembro à Loja À Benfeitora (zur Wohltätigkeit) cujo Venerável não
é outro senão seu libretista de “Semíramis”, Otto von Gemmingen, é aí
iniciado no grau de aprendiz, e atravessa, com uma  convicção de que é
testemunha toda a sua obra posterior, as provas rituais que
aparecem de maneira estilizada ao longo do segundo ato de sua ópera.
Esse  fervor maçônico  é confirmado por um avanço rápido, porém
não excepcional para a época: menos de um mês depois da sua entrada,
a 7 de janeiro de 1785, é iniciado no grau de companheiro, e três meses
depois, no de mestre (22 de abril).
Detalhe importante se nos lembrarmos do que foi dito sobre as
relações entre Mozart e von Born: é na Loja presidida por esse último,
Zur wahren Eintracht, e não na de Mozart, que ocorreu a iniciação do
músico no grau de companheiro. Com efeito, dez dias depois de sua
primeira iniciação, a 24 de dezembro de 1784, Mozart fazia uma visita
oficial à Loja de von Born, apoiando-se num pedido da Benfeitora, e
tendo em vista sua admissão no segundo grau; a iniciação foi celebrada
a 7 de janeiro de 1785. É neste momento, observemos, que Mozart
compõe o seu famoso quarteto chamado de “As Dissonâncias”, cuja
introdução desconcertou tantos músicos, e que anuncia com fidelidade a
da futura abertura da Flauta mágica. E é ainda nessa Loja que, duas
semanas mais tarde, será votada a 24 de janeiro a admissão de Haydn,
fixada para 28 de janeiro.
A 28 de janeiro,  Haydn é aceito e sua iniciação anunciada, mas
Mozart está presente, como estava no dia 14 e como estará quando
Haydn for efetivamente iniciado a 11 de fevereiro.
TERCEIRO TRECHO
CAPÍTULO 11 — EXEGESE DE CINCO ACORDES (PÁGINAS 81 A 88)
Dissemos, no início, como se mostrava curiosamente deficiente a
enorme bibliografia mozartiana no que se refere à exegese da Flauta
mágica. Até a publicação da primeira edição deste livro em 1968, só
conhecíamos nesse terreno uma única monografia francesa, a de
Maurice Kufferath em 1914-1919. Ela contém indicações preciosas —
em particular quanto à confrontação da partitura com o “Oberon” de
Wranitzky — mas não podia ter, naquela época, a ambição de resolver
os problemas de explicação propriamente dita. E as que vieram depois
não conseguiram avançar a questão. Entre todas as obras que podemos
ler em diferentes línguas, e elas são numerosas, só encontramos duas
que buscaram uma explicação da Flauta no sentido aqui desenvolvido:
os dois Mozart de Paul Nettl e de J. e B. Massin. A exegese desses autores
representava um progresso considerável sobre todas as precedentes. Isso
não quer dizer que apresente um resultado definitivo. Nettl continua
preso à concepção do libreto em dois tempos; os Massin não superam a
antiga noção segundo a qual a Rainha da Noite é, algo sumariamente, a
encarnação do Espírito do Mal. Eles também falam de uma “reviravolta”
no meio da peça. Anteriormente atribuída à mudança de plano ocorrida
ao longo da redação, ela seria, dizem eles, uma ilusão subjetiva: os fatos
seriam apresentados ao público não como são na realidade, mas tal
como Tamino os vê. Ainda não iniciado, ele acredita inicialmente nas
mentiras da Rainha. Idéia engenhosa, mas um pouco anacrônica, e sem
dúvida mais próxima de Pirandello e do cinema de Alan Resnais que de
um teatro de subúrbio vienense do século XVIII.
Seria assim necessário renunciar à compreensão? Também cheguei a
acreditar nisso, quando, alguns anos atrás, o acaso das minhas
pesquisas me fez descobrir, sobre um problema análogo, uma solução
inesperada. Tratava-se então do Quarteto de cordas K. 465, chamado
“das Dissonâncias”. Tive ocasião de demonstrar que as singularidades
harmônicas da sua introdução, até então inexplicadas, correspondiam a
uma tradição bem estabelecida de descrição da obscuridade e do caos,
que remonta pelo menos aos “Elements” de Jean-Ferry Rebel (1737), que
fala longamente sobre isso no seu próprio comentário. Essa tradução
prossegue em obras como “Israel no Egito” de Haendel (1739);
reaparece, depois de Mozart, na introdução da “Criação” de Haydn. O
adágio introdutório do quarteto “das Dissonâncias” não podia ser, na
ótica da época, senão uma imagem de obscuridade caótica, e esta se
opunha violentamente à pintura contrária da ordem e da clareza que
explode logo depois no Allegro  “Ordo ab chao”, como diz uma das mais
importantes expressões maçônicas. Ora, esse Quarteto tinha sido
dedicado a Joseph Haydn dois meses antes que este fosse conduzido à
porta do templo “pela mão da amizade” de W. A. Mozart, e Mozart
devia, nesse momento, falar-lhe freqüentemente de um tal projeto. Era
uma das primeiras obras escritas por Mozart depois de sua iniciação em
dezembro de 1784, e na própria ocasião em que ele era recebido como
companheiro. Era, por conseguinte, uma das que deveriam trazer mais
fortemente a marca da impressão produzida por este acontecimento [3].
No decurso desta cerimônia, como ninguém ignora, introduz-se o
postulante, de olhos vendados, depois, bruscamente, essa venda é
arrancada, e ele se vê ofuscado por luzes brilhantes. Estas simbolizam a
brusca iluminação do Conhecimento, sucedendo sem transição à noite
da ignorância. Tudo parecia indicar uma evocação análoga no Quarteto,
que aparecia assim, e por outros pontos, como uma obra
indiscutivelmente maçônica[4].
Lembrando-me desse trabalho já antigo, fiquei abalado pela
semelhança que oferecia o plano de abertura da Flauta com o início das
“Dissonâncias”. Tornou-se indiscutível para mim que o adágio tinha
uma significação análoga à do Quarteto, do qual apresentava as
mesmas características. Ele devia então, como o outro, traduzir a
obscuridade e a ignorância, para opô-las, em seguida, às sólidas
arquiteturas da fuga subseqüente. Mas a que correspondia essa
obscuridade?
Era evidente que, para ter resposta a essa pergunta, os acordes do
início deveriam ter uma importância primordial, e os comentadores não
deixavam de sublinhar esse aspecto. Todos, sem exceção, que eu
conheço, expandiam-se sobre esses “três acordes”. Paul Nettl, que em
outras ocasiões é excepcionalmente perspicaz, chegava ao detalhe de
dizer que eles representavam um obstáculo ao grau de Aprendiz, o qual
“consiste na pancada de três golpes, sobre um ritmo anapéstico… os três
ascendentes (indicando) a força crescentes dos três golpes”. Anapéstico?
No meio da abertura, sim, mas no início, onde está o anapesto? E, além
disso, por que essa descrição da obscuridade comandada por pancadas
de iniciação? A contradição era flagrante.
Desde o início me pareceu evidente que a chave do problema residia
precisamente nessa contradição. Regular no meio da fuga, onde ela
assume, segundo a notação maçônica tradicional [5], a forma rítmica oo-
o, oo-o, oo-o, isto é, os 3x3 golpes anapésticos da descrição de Nettl,
esta pretendida “bateria de três golpes” não existe no início do adágio,
onde ela comporta exatamente três grupos, mas não absolutamente os
“três acordes” da descrição habitual. Trata-se, além disso, de três grupos
irregulares, já que o primeiro abrange apenas um acorde atacado sem
anacruse[6].
Eu tinha considerado diversas hipóteses, sem que nenhuma me
satisfizesse plenamente, quando me veio uma revelação singular: a da
dificuldade aparentemente insuperável de poder contar até cinco. Pois
afinal, esses acordes em evidência, tão importantes para a compreensão
da obra, não são nem 3x3, nem 2x2, como no “Thamos”, nem 3x3 como
no meio da fuga. Eles são cinco, apresentados num ritmo regular de
longas e breves alternadas, L-BL-BL, ou, segundo a notação maçônica,
o-oo-oo.
A força de sugestão das idéias recebidas é tal que eu levara longos
meses para perceber isso e, bem depois da minha obra, a tese dos “três
acordes” ainda encontrou defensores obstinados que não recuam para
defendê-la diante dos argumentos mais extravagantes.
Ora, como se pode ver pelo fac-símile da página seguinte, o
número cinco tem um sentido bem preciso. Opõe-se, no
simbolismo adotado pela maçonaria, ao número 3 do princípio
masculino, e designa assim o seu contrário, o princípio feminino[7].
Essa  significação do Cinco  exigiria um estudo aprofundado que aqui
só podemos esboçar. Na aritmologia tradicional, onde o Três é
efetivamente o número masculino por excelência, o número feminino
não é Cinco e sim Dois. Cinco é a reunião do Três masculino e do Dois
feminino, isto é, o casal. Mas, como escreve Matila Ghika, o penta ou
característica do Cinco é também o Gamos, número de Afrodite,
enquanto deusa da união fecundante, do amor gerador, o arquétipo
abstrato da geração.
Cinco seria então feminino pelo princípio gerador, mas no Casal, o
feminino isolado pertencendo aos Dois. É possível que da noção do
Cinco, feminino fecundado, se tenha passado por derivação à do Cinco,
feminino iniciado.
Se não é o Número feminino a não ser no aspecto mencionado acima,
o Cinco tem também outras acepções.  É ele especialmente que
motiva a estrela de cinco pontas, tão freqüentemente destacada
na iconografia maçônica, “o eterno pentagrama pitagórico”,
mediterrâneo que, transformado em “estrela flamejante” já
presente nas atas das últimas Lojas operativas inglesas do século
XVII, assume o lugar de honra na maior parte dos documentos
maçônicos propriamente ditos do século XVIII, e fulgura sobre o
trono do Mestre da Loja ou do altar, tendo sempre em seu centro o
enigmático G… assim como no centro da composição simbólica que
forma o frontispício da edição original do libreto da Flauta. O
pentagrama é também a estilização geométrica das proporções
harmoniosas do corpo humano. Quanto ao Cinco, nós o encontramos
também em alguns graus da maçonaria masculina, mas sempre nos
graus que, por seu simbolismo, evocam a presença de um elemento
feminino. Este, muitas vezes sob a dominante lunar, é o necessário
complemento do princípio solar masculino. É por essa razão que o Casal
Perfeito Tamino-Pamina, passará lado a lado pelas duas provas do Fogo
(símbolo masculino) e da Água (símbolo feminino), enquanto no casal
imperfeito, Papageno recusará a Água, e Papagena não enfrentará o
Fogo. Ísis é invocada no mesmo plano que Osíris pelos iniciados de
Sarastro.
Seja como for, os rituais do século XVIII e do século XIX são formais:
Cinco é a marcação feminina por excelência, substituindo a marcação
por Três sempre que os iniciados masculinos a tiverem empregado.  Nas
assinaturas maçônicas, os cinco pontos femininos estão colocados
em quincunce, assim como os três pontos masculinos estão
colocados em triângulo[8].
Restaria saber, a partir de fontes maçônicas antigas qual era o ritmo
“oficial” da marcação quinária, e a esse respeito ficamos infelizmente na
incerteza, pois o seu uso hoje está abolido, e os documentos que
podemos consultar não oferecem nenhuma precisão a esse respeito. Não
é proibido pensar que esse ritmo devia ser aquele fornecido por Mozart,
e que os maçons registrariam como o-oo-oo. Eles seriam então
diferentes dos “pequenos golpes iguais” que vemos às vezes
mencionados em algumas circunstâncias particulares, e que nos
fornecem o ritmo    da flautinha de Papageno e de algumas
situações análogas.
A mesma diversidade de ritmo encontra-se igualmente na marcação
ternária do meio da abertura e da música de cena do Conselho dos
Iniciados no segundo ato. Em ambas, ela mostra um ritmo oo-o,
repetido por três vezes, o que, aliás, é apenas aproximativo, pois,
formado de três notas, ele é de fato repetido três vezes, enquanto em
outras circunstâncias numerosas serão enfatizados “três acordes” sem
ritmo particular ou pelo menos com ritmo igualmente simples.
Vemos aqui a inépcia do pobre Lachnit dos “Mistérios de Ísis”:
acreditando numa negligência de Mozart na disparidade das duas
marcações no início e no centro, ele “corrigiu” friamente a segunda,
ligando as duas mínimas de modo a obter três golpes duplos regulares
oo-oo-oo  [9]!
O ritmo ternário simples oo-o é em princípio o da marcação para o
grau de aprendiz, e ele se transforma, se é triplicado, na marcação para
o grau de mestre. É assim normal que ele seja triplicado no Conselho dos
Iniciados[10]. Esse ritmo é adotado para a maior parte das obediências,
mas não para todas: assim é que o ritmo escocês o utiliza como Cinco
mencionado acima, por golpes iguais. A música de Mozart nos oferece a
confirmação do rito com que trabalha sua Loja [11]. Quando, três anos
depois da Flauta, Schikaneder encomenda uma “continuação” a Winter,
este retornará para O labirinto ou O combate com os Elementos o
mesmo ritmo utilizado por Mozart.
A marcação quinária do início não é, assim, a inútil repetição da que,
um pouco mais longe, ressoa no centro da fuga. Ela define a ordem
feminina descrita pelo adágio introdutório, assim como a segunda,
ternária, define a ordem masculina descrita pela fuga. A primeira é
descrita, através de elementos freqüentemente empregados com essa
finalidade, como o reino da obscuridade e do caos (o “Reino da Noite”).
A segunda, como sendo o da ordem e trabalho construtivo. Estamos
justamente no estágio da inscrição desdenhosa: “Cosi fan tutte”.
A interpretação que oferecemos aqui seria ilusória? Foi o que alguns
escreveram, e nós responderemos em apêndice a estas objeções. Mozart,
entretanto, oferece uma confirmação séria para nossa exegese que,
talvez, mesmo assinalando-a, tivéssemos valorizado insuficientemente
em nossa primeira edição. É que, pelo menos por quatro vezes,
encontramos essa marcação na partitura, e ela se encontra ali em
momentos decisivos ligados à exegese proposta, desempenhando um
papel de um verdadeiro leitmotiv. Inicialmente no primeiro ato, quando
Pamina comparece pela primeira vez diante de Sarastro:Herr! Ich bin
zwar Verbrecherin (página 197); depois no segundo, na conclusão
vingativa da Rainha da Noite: Hõrt! Der Mutter Schwur (cf. página 218);
na penúltima cena, quando a Rainha e seus acólitos são
fulminados:Zerschmettert, zernichtet ist unsere Macht! (cf. página 251) e
finalmente (páginas 252-3) para enquadrar as palavras de Sarastro: Die
Strahlen der Sonne vertreiben die Nacht. Quatro coincidências sobre
quatro. Isso significa alguma coisa…
É preciso observar que a marcação masculina na fuga, assim como a
sua reaparição no segundo ato, está orquestrada de maneira especial: é
a instrumentação de sopros própria às “colunas de harmonia”, isto é, aos
conjuntos instrumentais que participam das cerimônias das Lojas [12],
enquanto a marcação feminina inicial está orquestrada sem caráter
particular, em tutti de orquestra normal. Quem quisesse levar a fundo a
exegese poderia deduzir que a ordem feminina do número 5 não chega
ao conhecimento iniciático reservado aos adeptos do número 3. Vimos
anteriormente com que reticência as Lojas masculinas tinham aceito a
presença das Lojas de Adoção. Por detalhes deste gênero — e existem
muitos na partitura — pode muito bem ser que Mozart nos tenha
oferecido, à sua maneira, a opinião que tinha sobre a questão, mesmo se
esse tipo de observação deve ser apresentado com uma legítima
prudência.
Mas ao mesmo tempo, desenha-se um contraste bem nítido entre os
primeiros compassos da ópera e os últimos, aqueles que, retomando o
mesmo tom (o mi bemol iniciático), diante de Tamino e Pamina,
revestidos de enfeites sacerdotais, revelarão a glorificação do “Mistério
do Casal” pelo acesso da mulher à mesma luz que beneficia seu esposo,
enquanto que mergulha nas trevas o reino da sua ignorância original.
E a partir daí, conduzidos pelo próprio Mozart, podemos abordar o
estudo da sua última obra com espírito renovado.
QUARTO TRECHO
SINAIS COMPLEMENTARES EM DIVERSOS TRECHOS
(PÁGINAS 94 E 95)
Maçonaria de Hiram = Maçonaria “tradicional” masculina —
SARASTRO
Ordem dos Mopses = Maçonaria “de adoção” feminina — RAINHA DA
NOITE
Assim nós temos Sarastro-Rainha = Sol-Lua. Na cosmogonia
hermética, o homem vive dominado pela alternância desses dois
planetas, as “duas luminárias” do Quadro de Aprendizado Maçônico,
que são, na Natureza, as mais próximas dele, e as únicas visíveis numa
escala supra-estelar. Esse universo, por sua vez, é formado dos Quatro
Elementos, eles mesmos agrupados pela tradição, segundo o
ensinamento de Empédocles confirmado por Aristóteles, em duas duplas
complementares: Fogo e Água de um lado[13], Ar e Terra do outro. Como
se pode ver pelo nosso quadro, o Fogo e a Água, aparentados
respectivamente ao Sol e à Lua, designam também o Homem e a
Mulher. Eles serão evidentemente Tamino e Pamina. Sobra a outra
dupla, Ar e Terra. É fácil ver que são as suas características específicas
que determinam os aspectos aparentemente singulares dos dois outros
personagens principais: Papageno e Monostatos.
Vejamos o primeiro: caçador de pássaros habitante dos ares, vestindo
sua plumagem a tal ponto que Tamino o confunde com um deles,
tocador de uma pequena flauta (instrumento de sopro), leve e
inconseqüente como essas aves, Papageno possui todas as
características do reino do Ar. Ele encontrará a sua antítese simétrica em
Monostatos, negro símbolo da obscuridade tônica, guia da Rainha e de
suas Damas através dos subterrâneos que lhe são familiares, obstinado
em querer colocar em todo mundo os grilhões forjados no antro

subterrâneo de algum Vulcão[14].


Conclusão: Papageno e Monostatos são o Ar e a Terra; Tamino e
Pamina, o Fogo e a Água. Acima deles, com todos os seus adereços,
Sarastro e a Rainha da Noite representam o Sol e a Lua: a cosmogonia
tradicional está assim representada com fidelidade.
Pode-se resumir tudo isto no quadro ao lado, que situa bem o inter-
relacionamento dos personagens ao longo da ação (Note-se que, no
início da peça, Papageno e Monostatos estão invertidos neste quadro:
Papageno serve à Rainha da Noite, e Monostatos a Sarastro):
A ação tem como conseqüência precisa dar a cada um a sua
verdadeira atribuição: Papageno, ligado a Tamino, será iniciado por
Sarastro, e Monostatos retornará ao território da Rainha da Noite. Assim
serão restabelecidas as afinidades dos Elementos que eles representam, e
estará compensada a desordem a ser abolida pela Idade de Ouro. O
mesmo acontece, aliás, num grau menor, em relação a Tamino:
Lembremo-nos de sua admiração, no início do primeiro ato, pela Rainha
“recoberta de estrelas”.
Independente de sua significação elementar, os personagens da Flauta
estão, além disso, encarregados de diversas missões simbólicas.
RESUMO DAS PROVAS (PÁGINA 265)
Este quadro (resumo do capítulo 16) esclarece a perfeita ordem das
provas:
TAMINO PAMINA PAPAGENO
Desfalece ao sair do Gabine
e diante da serpente Desfalece diante de Monostatos
de Reflexão
Papageno e recusa-se a falar O cadeado castiga sua
Recusa todo diálogo com Monostatos
m as três damas tagarelice
ante dos três templos Decide enfrentar Sarastro Diz que não está pedindo na
eflexão. Recusa-se a acreditar O leito de rosas. Recusa-se a acreditar no que a O jarro de vinho e o glockens
as três damas Rainha diz de Sarastro
Sobe a um montículo para
auta a um bom almoço Deambula com o punhal na mão, conforme o ritual
enforcar-se
Recusa o copo d'água de
Prova na luz Prova na luz
Papagena
Foge ante um mundo de
Prova na luz Prova na luz
chamas
O Casal Perfeito (iniciado) O Casal impe
QUINTO TRECHO
OBJEÇÕES E RESPOSTAS (PÁGINAS 266 A 269)
O assunto deste livro torna inevitável que ele suscitasse oposições.
Estas foram pouco numerosas, embora violentas. Até onde sabemos,
limitam-se a três autores, cuja qualidade exige que examinemos os seus
argumentos.
Expusemos no capítulo 2 as diferentes interpretações propostas para o
libreto da Flauta Mágica. Na nossa primeira edição (1968), tínhamos
concluído que o caráter maçônico da obra já não era hoje contestado
por ninguém.
Essa contestação, bastante inesperada, foi, entretanto, numa primeira
instância, insinuada por Norbert Dufourcq (Journal Musical Français, nº
178, março de 1968), depois, dez anos mais tarde, transformada em
contradição sistemática da nossa obra numa emissão radiofônica de
Rémy Stricker. Esta foi, por sua vez, desenvolvida, quase nos mesmos
termos, por Jean-Victor Hocquard no livro citado em nota [15], depois
incluída, em 1980, no “Mozart e Suas Obras”, do próprio Stricker[16].
Pode-se perguntar se esses autores leram o livro que atacam. É assim
que, na página 313, o senhor Stricker faz ironia a nosso respeito a partir
do fato que, entre os autores ou inspiradores do libreto, “ninguém cita o
próprio Mozart”. Sem dúvida ele não leu o que escrevemos nas páginas
15 a 30. Na mesma página, falando da influência do romance “Sethos”
sobre a Flauta, ele escreve que “de tudo isto não há a menos prova”.
Essas provas ocupam seis páginas (294 a 300 na edição francesa de
1958) no livro de Dent (que citamos), existindo até mesmo uma frase de
“Sethos” copiada palavra a palavra na Flauta. Seria possível multiplicar
os exemplos.
Os argumentos de Stricker e Hocquard podem ser reduzidos a três:
1º - Mozart não enxerta alusões maçônicas em todos os seus textos, e
não faltam “Três” ou “Cinco” irredutíveis a uma tal análise. Isto é
verdade, mas é apenas a repetição do que nós mesmos dissemos em
diversas ocasiões (por exemplo, nas páginas 141 e 247). O fato de que
Mozart não espalhe alusões por toda a parte significaria que elas não
existem em parte alguma?
2º - São realmente 3 acordes e não 5 no início da Abertura. O fato de
que esses acordes se distribuam em 3 grupos com 3 longas e 3
harmonias sucessivas reduz a zero (sic) toda especulação sobre o
número 5. Nesse contexto, Stricker, que certamente não tomou
conhecimento do documento, apresenta um longo raciocínio de tratado
elementar que provoca em Hocquard o entusiasmo de uma “clara
demonstração”. Com o risco de nos repetirmos, voltaremos a essa
questão logo adiante.
3º - Não há nenhum sentido a ser descoberto numa ação tão
descosida, já que se trata de um conto (Märchen) destinado a um
público de subúrbio. Que esta nossa opinião seria algo sem importância
se não tivéssemos demonstrado (página 29) que esta também não era a
opinião de Mozart.
De maneira bastante desajeitada[17], Hocquard, na página 247 do seu
livro, quer acreditar que fomos “subornados por idéias extra-musicais”. É
o caso de perguntar se ele não teria lançado um bumerangue.
Interrompemos aqui uma discussão que não tem interesse,
lamentando que ela pareça situar-se num nível que não é digno de
outros trabalhos dos mesmos autores.
Bem diferente é a campanha dirigida contra nós desde 1984 por
Philippe A. Autexier[18], que até então parecia fazer uma opinião elogiosa
de nosso livro. Com uma única exceção (que discutiremos), seus
argumentos limitam-se à correção de algumas distrações [19], retificadas
nesta edição. Generalizando-as, Autexier deixa entender que nosso livro
seria repelido por todos os “verdadeiros conaisseurs”, e numa redação
ambígua cita o nº. 32 dos “Mitteilungen” do Mozarteum como
justificativa para esta afirmação. Ora, este número só contém, na página
128, uma breve resenha do próprio Autexier, repetindo as mesmas
acusações mais ou menos nos mesmos termos, e nos censurando por
citar o trabalho de nossos antecessores quando nós o utilizamos, o que
nós achamos que seria um cumprimento[20].
“Renunciando a nos citar” a não ser para nos denegrir, não deixa de
conservar aproximadamente todas as nossas conclusões, com exceção
da interpretação dada à introdução da Abertura. Ele vê ali, como nós,
assim como na do quarteto chamado das Dissonâncias, uma antítese
entre a obscuridade que precede a retirada da venda na cerimônia
iniciática e a iluminação que corresponde à sua retirada, mas segundo
ele, esta antítese se referia à passagem do primeiro grau (aprendiz) para
o segundo (companheiro), e é neste momento que se colocaria a retirada
da venda; ele oferece como prova uma alocução de Blumauer
comparando a viagem do Aprendiz sobre um “caminho acidentado e
repleto de espinhos” ao do Companheiro “sobre um caminho plano e
florido”. Não sendo, como profanos, qualificados nesse terreno,
submetemos a objeção a diversos maçons, que se mostraram surpresos.
Todos confirmaram que o episódio da venda poderia ter lugar no
primeiro grau da iniciação. O próprio Autexier, na página 13, menciona
a retirada da venda a propósito da iniciação de Haydn no primeiro grau,
o que elimina no seu espírito a hipótese de uma singularidade
vienense[21]. Aliás, não damos a esse fato a importância que ele lhe
atribui: que ele se situe num grau ou em outro não muda em nada o
valor simbólico do gesto, o único que está em causa aqui. Este valor se
mantém em qualquer das duas interpretações. Mas se a segunda é, num
sentido estrito, plausível para o quarteto, ela já não é tanto para o início
da Flauta, cujo tema não é a passagem do primeiro ao segundo grau,
mas a oposição entre os dois reinos da Noite (a Rainha) e do Dia
(Sarastro). A nossa exegese pode ser confirmada pelo menos cinco vezes
na partitura.
Entre as três dezenas de flechas despachadas por nossos contraditores,
só podemos localizar duas ou três observações pertinentes. Agradecemos
aos autores. Elas tratam todas de detalhes mínimos, mas quanto aos
pontos importantes, não encontramos nada em suas observações que
prejudicasse as conclusões do nosso trabalho.
O TRÊS E O CINCO
A insistência com que alguns se dedicam a contar 3 acordes e não 5
no início da Abertura nos obriga a voltar um pouco a esta questão,
examinando os argumentos. Estabelecendo como todo mundo (nós
mesmos, na página 86) uma ligação entre os acordes iniciais e os que
aparecem no meio da Abertura, e reconhecendo esse parentesco, eles
sublinham que nesses últimos (que são efetivamente 3, e mesmo 3x3),
não há 3 acordes diferentes no sentido harmônico do termo, mas um
único repetido 3 vezes. A “lógica simples” reclamada por Stricker (página
313) deveria levar à conclusão que se Mozart fala de dreimaliger Akkord
para um conjunto de 3x3 golpes sobre uma única harmonia, é que ele se
preocupa com o número de golpes e não com a sua harmonia, e
podemos maravilhar-nos com as acrobacias realizadas para chegar à
conclusão contrária. Voltemos então ao problema.
Semelhantes na aparência, diferentes nos seus ritmos respectivos, os
dois grupos de acorde (início e meio da Abertura) foram, durante muito
tempo, considerados o que achamos que eles são: o que se costuma
chamar de uma conclamação, e que no costume maçônico, que usa
muito isso, chama-se uma marcação. Uma conclamação não é nunca
definida por uma harmonia, mas pela organização dos golpes. Os livros
maçônicos chegaram a inventar uma anotação para isso, que não fala
de harmonia e que só leva em conta o número e o agrupamento desses
golpes (tratamos disso na página 83).
Que no enunciado da marcação inicial figurem harmonias diferentes,
isto é evidente[22]  e não seriam necessárias longas explicações para
arrombar esta porta aberta.
Assim, ou esta série de acordes, como o acorde tríplice central, evoca
uma conclamação ou não a evoca. Se não evoca, nem o número de
golpes nem o de harmonias tem importância, e não se vê por que os
meus interlocutores insistem de tal maneira em contar os “três golpes”.
Se fosse preciso, como eles garantem, examinar as harmonias, não
somente não seria mais uma marcação, como o dreimalige Akkord não
seria mais dreimalige e sim einmalige. Se, em vez disso, é preciso contar
os golpes como é normal para uma marcação, o que aconteceria se
acrescentássemos 1 mais 2 mais 2 ao total de 3? É preciso ignorar as
anacruses, responde Hocquard: as anacruses, segundo ele, não têm
nenhuma importância, pois Mozart tem o hábito de começar as suas
aberturas sobre o tempo forte (página 247).
Esta última observação é verdadeira, mas por que, se ele raciocinasse
assim, Mozart teria respeitado as anacruses quando ele cita claramente
a marcação ternária do dreimalige Akkord?
Mozart, garante Stricker, “nunca se preocupou, ao contrário de Bach,
com o simbolismo dos números” (página 315).
Eis uma afirmação ligeira. Por que então a orquestra, quando Sarastro
proclama Die Stunde schägt, faria soar, como o faz, os 12 golpes do
meio-dia ritual?
Fez-se objeção, finalmente, à anomalia que seria a presença de três
Damas e não de cinco, e o fato de que, se o cinco é um sinal de iniciação
feminina imperfeita, esta não deixa de ser uma iniciação, o que
contradiria a maldição que ela suscita. Comentamos este aspecto na
página 102. observe-se, além disso, que cada vez que elas participam de
um conjunto, as três Damas adicionam 2 outros personagens para
formar um quinteto: Tamino e Papageno no primeiro ato, a Rainha e
Monostatos no segundo. A única exceção está no trio inicial.
Coincidência? Talvez, mas existem muitas…
Outro fato que, ao que saibamos, nunca foi assinalado: esta mesma
marcação de 5 golpes aparece pelo menos 5 vezes na ópera, e a cada
vez, isto corresponde a uma passagem especialmente importante para o
papel e para o destino das mulheres. Depois da Abertura, onde ela
anuncia a introdução lenta e tortuosa que conhecemos:

Nós a ouvimos no primeiro ato, quando Pamina se encontra pela


primeira vez na presença de Sarastro:

Depois 3 vezes no segundo ato: primeiro no final da Ária da Rainha,


quando esta impõe à sua filha a ordem de matar Sarastro:

Em seguida, quando a Rainha, ladeada por Monostatos e pelas Três


Damas (o que faz o quinteto), vê-se engolida pelo subsolo do Templo
(“destruído está o nosso poder”):

O que Sarastro confirma, celebrando a vitória do Sol sobre a Noite:


A convergência desses exemplos é muito forte para que se possa falar
em simples coincidência. Observe-se também que, se o ritmo é
constante[23], não existe uniformidade de harmonia, o que confirma que
não é ela que está em causa.
Nisto tudo pareceria que estamos diante de um desses casos de auto-
sugestão coletiva, fazendo com que um erro, à força de ser repetido,
termine por fazer parecer errônea toda evidência que lhe é contrária.
Conhecemos a experiência dos nove comparsas enquadrando uma
inocente “cobaia”. Pede-se sucessivamente a cada uma das nove pessoas
que diga qual é a mais curta numa série de linhas desenhadas no
quadro. Todas, com segurança, apontam uma delas, que não é
visivelmente a mais curte. A experiência mostra que quando chega a vez
do décimo, que não faz parte do “arranjo”, só uma percentagem ínfima
de cobaias ousará mostrar como mais curta a que o é com toda
evidência. A maioria repetirá o que ouviu nove vezes anteriormente, e
em muitos casos, terminará por acreditar sinceramente nisto.
Assim com os “três” acordes da Flauta mágica, como talvez em muitas
outras coisas, e infelizmente, não só em música…
CONCLUSÃO
FINALMENTE… A ANÁLISE!
Parece até trabalho de preguiçoso, mas essa análise é tão e somente
composta pelas conclusões simples e diretas que pude tirar após a
leitura destas páginas. Admito que não consegui ler todo o livro,
principalmente por ter sentido um profundo mal estar ao conhecer
coisas que nada me dizem respeito, estando em oposição direta a tudo
aquilo que creio e encontra-se gravado na palavra do único e
verdadeiro Deus, pai de Jesus Cristo. Até poderia ter prosseguido na
leitura, mas aí seria mera curiosidade humana e perderia o propósito
para o qual Deus tem me dirigido: descobrir como o povo de Deus tem
se deixado atingir e infiltrar. Prosseguir na leitura não iria me
fundamentar mais do que estas páginas já haviam feito.
Tive provas suficientes para afirmar que:
UM SERVO LEAL DO SENHOR JESUS CRISTO NÃO PODE SER
MAÇOM!
Como alguém que diz servir ao Senhor dos senhores pode participar
de uma organização onde a Bíblia é colocada em pé de igualdade ao
Corão, aos Vedas e a outras “escrituras sagradas”? Será que esse
suposto “cristão” nunca leu I Coríntios 10:21? Não tem ele
conhecimento de II Coríntios 6:14-18?!
Não pretendo aqui nem entrar nas questões de “juramentos
secretos”, “justiça humanitária” e nem “tradição dos homens”…
recomendo apenas a leitura de Marcos 7:7-9, 13; Mateus 5:34-
37; Mateus 19:17; Atos 4:12; Romanos 3:23; I Coríntios 5:11-13… esses
são alguns textos bíblicos aplicáveis aos temas citados. Mas o mais
engraçado que nessa busca pela “verdadeira luz” esses cristãos
desnorteados esquecem de João 8:12 e passam a seguir a luz de II
Coríntios 11:14…
Gostei bastante desse último trecho, onde o autor afirma
categoricamente que esse tipo de mensagem não está oculta apenas
na música, mas em muitas outras coisas… isso é lenha para a fogueira
da “teoria da conspiração satânica”, que vem sendo planejada desde a
queda de Lúcifer e muitos fazem questão de não querer acreditar,
inclusive alguns cristãos! Será que um estudioso das coisas do mundo
consegue ver mais do que aqueles que deveriam estudar a Bíblia?
Parece que o senhor Jacques Chailley conseguiu…
SIMBOLOGIA
Quer dizer que existem (ou existiram…) mulheres dentro da
maçonaria? Será que alguém percebeu a referência sobre a assinatura
destas mulheres ser em “quincunce”? Eu fiquei querendo saber o que
seria isso e fiz uma pesquisa no Google sobre esse termo: encontrei a
imagem ao lado… Será que isso não lembra uma letra a vocês?

Seria mera coincidência “juntar os pontos” e marcar um X?


E o fato desses mesmos cinco pontos serem numericamente
análogos ao pentagrama, símbolo máximo da conjuração satânica… é
só mais uma coincidência? E formas utilizadas para embutir esta
complicada simbologia nas músicas então? Desde aquela época já se
ocultava nas músicas mensagens diferentes do pretexto inicial… não
seriam estas também chamadas “mensagens subliminares”?
E as pessoas nas igrejas andam acreditando nas afirmações desses
falsos profetas, de que todos os ritmos e músicas vêm de Deus!
Admito que essa está sendo uma das análises mais curtas já
colocadas aqui, mas ao mesmo tempo não tenho muito a acrescentar…
só sei que, depois dessa leitura, eu nunca mais vou conseguir ouvir
músicas clássicas na inocência que um dia tive.
Vejam: também estou chocado com estas revelações e não gosto
nem de pensar no que farei com meus discos de Mozart, Haydn e,
talvez, Beethoven… mas essa é uma típica questão cuja resposta não é
muito agradável: O HOMEM TEM DE SE ENQUADRAR AOS PRECEITOS
BÍBLICOS ENUNCA O CONTRÁRIO! A Bíblia é a única e verdadeira
palavra de Deus e eu não posso distorcê-la para dar vazão à realização
de meus desejos carnais ou minha satisfação pessoal…
Por outro lado, definitivamente não vou morrer por causa desses
CDs… a importância deles vai até o ponto em que eu permitir que vá!
Eles não são e nunca serão maiores que o meu Deus! Logo, se eles
prestam homenagens a uma organização secreta que adora a outros
deuses, para mim eles deixaram de prestar e, mesmo que os mantenha,
não conseguirei mais ouvi-los com o antigo prazer inocente e
original…
“Tende cuidado, para que ninguém vos faça presa sua, por meio de
filosofias e vãs sutilezas, segundo a tradição dos homens, segundo os
rudimentos do mundo, e não segundo Cristo.”  (Colossenses 2:8)
“Não desprezeis as profecias. Examinai tudo. Retende o bem.
Abstende-vos de toda a aparência do mal.”  (I Tessalonicenses 5:20-22)
“… MAS UMA COISA FAÇO, E É QUE, ESQUECENDO-ME DAS COISAS
QUE ATRÁS FICAM, E AVANÇANDO PARA AS QUE ESTÃO DIANTE DE
MIM, PROSSIGO PARA O ALVO, PELO PRÊMIO DA SOBERANA
VOCAÇÃO DE DEUS EM CRISTO JESUS.”  (FILIPENSES 3:13B-14)

Teóphilo Noturno

NOTAS

[1] Extraído do Dictionnaire de la musique, de Marc Honneger, 2 vls, Paris, Bordas,


1993.

[2] Em francês, maçom significa “pedreiro”.

[3] Segundo Ph. Autexier (Les aeuvres témoins de Mozart, página 52): “o aprendiz não
vê a luz do conhecimento por ocasião da sua iniciação, mas somente no 2º grau
(companheiro)”. Todos os maçons consultados a esse respeito mostram-se surpresos
com a afirmação. Além disso, a composição do Quarteto, e com maior razão da Flauta,
não é anterior a esta segunda iniciação, o que faz com que, para a compreensão
musical, o resultado seja o mesmo (ef. P. 267-8)

[4] Lembremos que o nosso estudo sobre esse tema (Diss.) concluía igualmente em
favor do caráter maçônico do Quarteto nº. 7 de Beethoven. Mais tarde, eu descobriria
possibilidades semelhantes na “Viagem de Inverno” de Schubert (ef. P. 68). Nenhum
documento de arquivo permite afirmar que Beethoven ou Schubert tenham sido
maçons (ou talvez membros de uma associação paralela), mas estava-se então em
pleha Hochmitternacht, e os arquivos, por prudência, costumavam ser mais que
discretos. Além disso, as idéias maçônicas podiam circular fora das dependências
imediatas da Grande Loja da Áustria, e isso é o que elas faziam.

[5] Esta notação indica as batidas por O; os hífens separam entre eles os grupos de
batidas vizinhas.

[6] Esses acordes, em Mozart, não aparecem só aqui. Nós os encontramos, por exemplo
(sobre uma única harmonia) no início da ária “Vado, ma dove?” (K.583), e, além disso,
em mi bemol maior. Não é certo que eles possuam uma significação particular: trata-se
de um desarranjo amoroso no meio de uma comédia bufa extraída de Goldoni; e a ária
é contemporânea de Cosi fan tutte. A dedicatária, Mlle. Villeneuve, preparava-se para
criar o papel de Dorabella. Haveria aí uma alusão escondida?

[7] “Na Maçonaria de Adoção, isto é, feminina, o número 5 substituía o nº. 3.” Allec
Mellor, Dictionnaire de la Franc-Maçonnerie et des Franc-Maçons, Paris, Belfond, nova
ed. 1979, p.94.

[8] Esse hábito, entretanto, não é muito antigo. No século XVIII, os três ou cinco
pontos eram muitas vezes colocados em linha em seguida do nome, ou algumas vezes
chegavam a substituí-lo.

[9] Sem o saber, provavelmente, Lachnith redescobria o ritmo que o próprio Mozart já
introduzira no início da sinfonia terminal do 1º ato de “Thamos”. Mozart, então, não
era iniciado; pode-se supor que ele só conhecia as marcações rituais em segunda mão,
o suficiente para utilizá-las, muito pouco para reproduzi-las corretamente.
Encontra-se igualmente esta marcação, nas cordas, no início do “Carmen Seculare”,
de Phildor (1779), mas as madeiras a enunciam sem anacruse, enquanto os metais
assinalam o número 3, como o próprio Mozart o fará por diversas vezes. O “Carmen
Seculare” é muito provavelmente uma obra maçônica, como assinalou Roger Cotte.
Sua primeira audição teve lugar em três “noites” seguidas, a 26, 27 e 28 de fevereiro
de 1779, na Grande Loja de Londres (Freemasons Hall), para a qual foi provavelmente
composto. Na lista de subscritores, impressa no início da obra, figura, nos diz R. Cotte,
uma importante maioria de maçons, e o texto, incomum para a época, é formado, em
que pese o título enganador, de uma seleção de versos de Horácio escolhidos tendo
em vista a possibilidade de interpretação maçônica. O “Carmen” propriamente dito
não é senão a parte final da obra (4ª parte, p.133; os precedentes comportam: no
prólogo, p.23, a 1ª estrofe da Ode II, 1; na 1ª parte, p. 26, as estrofes 8-11 da ode IV, 6;
na 2ª parte, p. 37, as estrofes 1-7 da mesma ode; na 3ª parte, p.100, a Ode I, 21).

[10] Entretanto, desde o primeiro grau emprega-se a batida tríplice em algumas


ocasiões como sinal de alegria. J. Palou cita como exemplo uma canção maçônica do
Primeiro Império que não era exclusividade dos Mestres: Buvons donc, mês frères,
buvons / Par trois fois em vrais Maçons.

[11] Tratava-se do rito dito da Estrita Observância. Cf.p. 63.


[12] Nas Lojas francesas, a composição usual das Colunas de harmonia era o sexteto de
sopros: 2 oboés, 2 fagotes, duas trompas. Em Viena, ela parece ter sido menos rígida,
mas sempre composta de sopros. Um instrumento especial, o basset horn (espécie de
clarinete alto), desempenha uma função específica (Mozart o introduz em diversas
cenas iniciáticas da Flauta).
Não somente muitas obras maçônicas são escritas para instrumentos de sopro, mas
ainda esta sonoridade especial é empregada muitas vezes pelos músicos iniciados a
título de alusão ou de homenagem recôndita. Quando eu estudava regência com Pierre
Monteux, ele me fez observar um dia (sem ter em mente, ao que parece, qualquer
aproximação desse gênero) que todas as sinfonias de Beethoven continham em seu
desenvolvimento pelo menos um episódio para sopros solistas.

[13] Contrariamente às aparências, o Fogo e a Água são considerados não como


incompatíveis, mas como complementares: sem o fogo, a água seria gelo.

[14] Correntes ou cordas significam tudo que prende o postulante ao mundo profano
que ele está deixando. Em alguns ritos, o postulante é introduzido carregado de
correntes que depois são retiradas. Acontece assim especialmente na iniciação
feminina.

[15] Jean-Victor Hocquard, A Flauta Mágica, Aubier, 1979.

[16] Rémy Stricker, Mozart e suas óperas, ficção e verdade (Galimard, 1980).

[17] Lembre-se aqui, mais uma vez (cf. página 20), que o autor deste livro não pertence
à maçonaria.

[18] Mozart et Liszt sub rosa, Poitiers, 1984, página 13.

[19] Distrações sem gravidade de que ninguém está isento, nem mesmo o nosso
crítico. Porque na página 21 ele traduz 1/2 7 Uhr (6 horas 1/2) por 7 horas 1/2; ou, na
página 41, ele conta 8 dias entre o 17 de novembro e o 15 de dezembro; ou ainda, na
página 24, se ele copia uma terça muito alta sem perceber a parte inferior de uma linha
inteira, deveríamos deduzir daí que todos os seus trabalhos devem ser recusados?

[20] No nosso “Prècis de musicologie” (ed. 1984, página 29) evocávamos “uma regra
de honestidade moral, a saber, que não somente toda descoberta ou todo resultado de
pesquisas, ou ainda toda idéia ainda não considerada de domínio público e que, no
conhecimento do autor, não é exposta pela primeira vez, deve ser acompanhada, na
sua apresentação, da menção de quem a enunciou anteriormente”. O valor dos
trabalhos de Autexieur não seria diminuído se ele respeitasse essa regra (cf. página
21n).

[21] Numa canção destinada ao fechamento dos trabalhos num atelier de mestres,
canção que Autexier cita na página 37 atribuindo (sem dúvida com razão) a música a
Mozart, a 4ª. Estrofe evoca essa retirada da venda como aplicando-se também aos
mestres. O que indica sem dúvida uma significação global independente do grau que
está em causa.

[22] Ainda que fosse possível contestá-lo, já que a 3ª harmonia é apenas a inversão da
primeira: pode-se assim dizer que são apenas duas.

[23] Que ele se apóie nos exemplos 3 e 5 sobre o tempo inicial da voz e não sobre a
orquestra não muda em nada a sua percepção.
Extraído de: Mozart - A Flauta Mágica e A
Maçonaria http://teophilo.info/analises/mozart.htm#ixzz27cuIJ4Kq 
Under Creative Commons License: Attribution Non-Commercial No
Derivatives

Você também pode gostar