Você está na página 1de 8

Tocar um instrumento faz mal à saúde?

A Técnica
Alexander responde

"Viver é uma ação e, nesta ação, nós facilmente permitimos que


as nossas atividades fiquem sobrecarregadas com hábitos,
convenções, e todos os tipos de interferências. E na ação de viver,
seja andando na rua ou aprendendo a tocar piano, você deve ter
em mente que o principal gasto energético é o do suporte do
peso do corpo. Se o peso do corpo não vem sendo sustentado
eficientemente, começa a haver um enorme desgaste de energia, e todo o processo de viver não
será eficiente..." Walter Carrington, Diretor do Constructive Teaching Centre, Londres

Por que tantos músicos instrumentistas têm problemas


posturais? Independente do instrumento, de ser amador ou
profissional, de ser erudito ou popular, uma grande parcela dos
músicos teve ou tem problemas relacionados a posturas
inadequadas. É só perguntar a um músico se ele conhece alguém
com problemas físicos para observar como isso esta disseminado,
como uma grande epidemia. Para resolver essa questão muitos
músicos recorrem a uma série de paliativos, que não cabe aqui
identificar, tentando minimizar seu problema para que possa seguir realizando suas tarefas da
prática instrumental.

Na conferência internacional Health and the Musician, realizada na University of York, em


março de 1997, foram divulgados os seguintes dados referentes à pesquisa realizada pela
Federation Internacionale des Musiciens em 56 orquestras ao redor do mundo1:

57% dos músicos sofrem de problemas médicos que afetam seu trabalho;
20% reclamam de cansaço ou dores musculares mais de uma vez por mês;
25% têm dores mais de uma vez por semana;
55% sentem dores após tocar um instrumento;
41% tiveram a experiência de não controlar os movimentos de seus dedos;
22% dos músicos tiveram que parar de tocar no ano anterior devido a dores;
83% consideram que seu treinamento não os preparou adequadamente; a localização das dores
musculares era basicamente no pescoço e nas costas.

Chegamos então a seguinte conclusão: será que tocar um


instrumento faz mal a saúde? Será que a estrutura física do
homem contemporâneo é tão frágil que não permite executar
determinadas atividades sem conseqüências desastrosas?

No final do séc. XIX um ator e declamador australiano chamado


F. M. Alexander colocou uma luz sobre esta questão. Identificou
que de uma maneira geral o ser humano vai adquirindo uma
série de maus hábitos posturais. Esses hábitos automatizados
interferem na coordenação do corpo desde os movimentos mais simples do cotidiano, como
andar, sentar, escrever, falar até os mais complexos como cantar, dançar ou tocar um
instrumento. A repetição incessante de tais padrões posturais leva a uma infinidade de
conseqüências nocivas a saúde tão comum nos dias de hoje. Alexander identificou que só um
trabalho de reeducação psico-físico poderia reverter estes problemas.

Este trabalho se iniciou quando Alexander tornou-se um renomado ator shakespeareano na


Austrália e Nova Zelândia e seus recitais tornaram-se bastante populares. Sua saúde foi
piorando em função de suas constantes apresentações, problemas respiratórios e rouquidão
tornaram-se uma constante. Sem sucesso com os especialistas da época, Alexander iniciou uma
pesquisa para solucionar esses problemas. Percebeu que seus problemas de voz e respiração
eram apenas conseqüências de um mau uso geral. Ficou evidente para Alexander que a
coordenação de sua cabeça com a coluna vertebral constituía-se no principal fator para a
coordenação de todo seu organismo, e que qualquer desequilíbrio nesta relação descontrolava
todo a maneira de usar o seu corpo. A partir daí, desenvolveu uma prática, hoje chamada de
Técnica Alexander.

Atualmente, mesmo sendo desconhecido do grande público, seu trabalho vem sendo aplicado
em diferentes instituições de ensino ao redor do mundo. Está incluída nos currículos de
Universidades, Escolas e Conservatórios de Música como base para uma exploração criativa,
aperfeiçoamento da saúde, clareza mental, compreensão e expansão do potencial Humano.

Los Angeles Philharmonic Institute, Royal Academy of Music,


Dartington College of Arts, Juilliard School, Guildhall School of
Musicl, Royal Conservatory of Music em Toronto, Utrecht School for
the Artse o Conservatoire National Sup. de Musique et de Danse de
Paris são algumas das instituições que vem ensinado a Técnica
Alexander ao longo dos anos. O Verbier Festival & Academy na
Suíça e o Festival de Música de Campos do Jordão no Brasil são
alguns exemplos onde a Técnica Alexander é apresentada.
Yehudi Menuhin, maestro Colin Davis, Paul McCartney, Sting, e
James Galway, são alguns nomes que já foram a público
endossar este trabalho.

Voltando à questão dos músicos, podemos observar que tocar


um instrumento ou cantar envolve a habilidade de coordenar
pensamento, movimento e expressão. Muitas vezes, na tentativa
de se obter um bom resultado, problemas posturais e de
coordenação são subestimados permitindo que padrões de
tensão muscular se estabeleçam e tornem-se habituais.
Invariavelmente, os músculos do pescoço se contraem
excessivamente fazendo com que a cabeça perca a sua posição
natural no alto da coluna, acarretando enorme contração de
alguns grupos musculares de sustentação do corpo.

A Técnica Alexander não é um paliativo que se usa depois de


um ensaio ou antes de uma apresentação. É um instrumento
valioso em todas as etapas de trabalho do músico. Eles
aprendem a observar e a prevenir a automatização de hábitos
neuro-musculares que causam tanto um empobrecimento na
prática do instrumento quanto resultados nocivos à saúde. Este
trabalho da Técnica Alexander com músicos vem sendo
realizado desde 1996 na Universidade do Rio de Janeiro (UNI-
RIO) através de Cursos de Extensão Universitária oferecidos pelo
Departamento de Música em convênio com os Seminários de Música Pró-Arte. É a primeira vez
no Brasil que uma faculdade de música oferece periodicamente a seus alunos aulas da Técnica
Alexander.

Estes cursos têm dado condições aos estudantes de desenvolver seu treinamento musical
paralelamente ao estudo da Técnica Alexander. Seguindo o período letivo da universidade, as
aulas em grupo são ministradas semanalmente. O trabalho acontece de forma individualizada.
Os alunos praticam com seus instrumentos passagens musicais que estejam trabalhando em
seus ensaios ou onde observam dificuldades na execução, como tensão demasiada em
determinadas articulações, dificuldade de movimento em alguma parte do corpo ou posturas
inadequadas que levam a um incômodo geral.

É interessante observar que, quanto mais experiência os alunos


têm com a Técnica Alexander, maior a capacidade de
observação sobre si mesmo e consequentemente maior a
capacidade de pesquisa com seus instrumentos. A cada semana
os alunos trazem novas informações sobre suas dificuldades e
suas observações de como preveni-las durante a execução
musical. Este processo transforma radicalmente a maneira de se
pensar sobre a prática musical. Os alunos tornam-se conscientes
de si como primeiro instrumento de trabalho e percebem que
qualquer modificação da prática só será possível através de uma
modificação no seu próprio uso do corpo. Ao final do semestre,
fica claro aos alunos que o curso foi apenas o ponto de partida de
uma nova etapa de conhecimento, onde cada um, através dos
meios praticados em sala de aula, irá experimentar em sua vida romper com os limites impostos
pelos hábitos e interferências adquiridos ao longo dos anos. Os resultados são bastante
positivos e os alunos consideram essa técnica de grande valia no aprendizado e performance de
suas artes.

Partes do texto foram publicadas no Jornal O GLOBO, encarte do Jornal da Família do dia 27 de
Junho de 2004.

© Roberto Reveilleau e Valeria Campos

1 STATnews, setembro de 97, Londres

Hábitos e mudanças posturais através da Técnica


Alexander
Não há como negar a forte influência dos hábitos em nossas vidas, em nossos movimentos e no
uso do nosso corpo. Ao longo dos anos, vamos memorizando determinadas maneiras de usar o
corpo que começam a se repetir automaticamente e, assim, acabamos regidos por hábitos em
quase tudo o que fazemos.

Se pegarmos como exemplo o hábito de dirigir um carro, percebemos que no início do processo
executamos os movimentos dos pedais com uma certa dificuldade, pois temos que pensar com
muita atenção em como regular o uso dos pés e ao mesmo tempo manter a atenção ao que está
acontecendo ao nosso redor. Com o tempo, esta experiência vai sendo armazenada na memória
e passamos a não precisar mais pensar em todo este processo. Dizemos então que a maneira que
foi gravada pelo cérebro é "a nossa maneira" de dirigir um carro. Se essa maneira habitual
desenvolvida para dirigir um carro estiver criando algum tipo de problema, deteriorando nosso
desempenho, não temos mais como agir pois todo esse processo parece agora fora do nosso
controle. Tendemos a achar que "é assim mesmo", "não tem jeito". A mudança passa a ser algo
que está além da nossa responsabilidade.

De uma maneira geral hábitos posturais e de movimento são reproduções de experiências


adquiridas desde criança. Vamos assimilando todo tipo de experiências, boas e ruins, através da
postura habitual dos pais ou de comentários de professores, de uma imagem na televisão ou em
uma revista, e estas experiências vão sendo traduzidas pelo corpo através de posturas e
movimentos e se tornando automáticas. Mas muitas destas posturas e movimentos tendem a
criar excesso de contração muscular em determinadas partes do corpo, limitação de
movimentos em certas articulações e compressão na coluna vertebral trazendo conseqüências
diretas: dores musculares, cansaço constante, falta de vitalidade, dificuldades respiratórias,
sensação de peso, entre outras.

Este processo de educação do indivíduo, que muitos associam a técnicas e filosofias orientais,
foi desenvolvido através de 9 anos de pesquisa por Frederick Matthias Alexander (1869-1955),
declamador shakespeareano que, no final do século XIX, em função de suas constantes
apresentações teatrais, começou a sofrer de problemas respiratórios e rouquidão. Observando
que sua voz voltava a funcionar melhor quando parava de ensaiar e piorava quando retornava
à sua atividade normal, Alexander iniciou uma pesquisa usando a si mesmo como objeto de
observação. Pode perceber, então, que o Uso que fazia de si mesmo afetava diretamente o
funcionamento geral do organismo; seus problemas de voz e respiração eram apenas
conseqüências de um desequilíbrio total de seu corpo. A partir daí, desenvolveu uma prática
revolucionária com base na unidade psico-física do Homem.

Quando acreditamos que podemos mudar uma postura inadequada, como, por exemplo, as
costas curvadas ao ficarmos sentados em uma cadeira, e decidimos nos posicionar numa forma
ereta que achamos ser a "certa", sabemos que esta nova postura não resiste por muito tempo.
Isso porque a memória adquirida ao longo dos anos da forma de sentar inadequada vai se
manifestando e, em poucos minutos, estamos de volta ao padrão postural antigo. Os padrões
neuromusculares armazenados são ativados nessa hora e determinam a maneira de sentar. Ou
seja, qualquer tentativa de mudança direta, apenas sobre a aparência física de uma postura ou
movimento não será efetiva, porque posturas e movimentos repetitivos e automatizados estão
relacionados com uma determinada maneira de pensar.

O processo de reeducação psicofísico chamando Técnica Alexander joga uma luz sobre esta
questão. Esta técnica foi desenvolvida no final do século XIX por Frederick Matthias Alexander
(1869-1955). Alexander, um ator australiano renomado, que desenvolveu problemas de voz e
respiração em função de suas constantes apresentações teatrais. Após ficar impossibilitado de
trabalhar e sem respostas concretas da medicina sobre seu problema, Alexander começou a
observar a sua maneira de usar seu corpo, percebendo que vícios posturais e de movimento
exerciam uma influência negativa sobre sua saúde geral, embora suas conseqüências imediatas
fossem sobre sua voz e respiração.

Na tentativa de resolver seus padrões posturais incorretos, o ator verificou que apenas uma
mudança externa de posição corporal não era suficiente para exercer qualquer influência
positiva sobre o uso de sua voz e respiração. Era preciso envolver todo o "organismo
psicofísico". Sua maneira viciada de usar a si próprio era o principal fator da repetição de
padrões incorretos de postura e movimento. Alexander desenvolveu seu trabalho sobre estas
idéias, criando assim uma experiência prática que ensinava ao indivíduo a possibilidade de
poder desfazer seus padrões habituais automáticos, tanto físicos quanto mentais, que estão na
raiz de vários problemas relacionados à saúde.

As aulas da Técnica Alexander desenvolvem habilidades para empreendermos um processo de


mudança de hábitos. Aprende-se a identificar os padrões automáticos de postura e movimento
através de uma dinâmica de movimentos simples do cotidiano como andar, falar, sentar ou
levantar de uma cadeira. Estes padrões foram sendo adquiridos ao longo da vida e, a partir da
constatação de que estes hábitos estão interferindo e prejudicando a coordenação e equilíbrio,
aprende-se a reajustá-los conscientemente. Estamos sempre repetindo não só fisicamente
determinadas ações mas também repetindo determinados pensamentos. Alexander defende a
idéia de que hábitos mecânicos corporais são a imediata conseqüência dos hábitos mecânicos de
pensamento, em que a maioria das pessoas cai facilmente. A partir do momento em que se tem
a experiência, advinda das aulas práticas, de que agimos de determinadas maneiras porque
pensamos de determinadas maneiras, temos a compreensão sobre os nossos limites e também a
perspectiva de poder mudá-los.

Um aspecto que o trabalho com a técnica introduz é a responsabilidade de poder agir para
solucionar problemas de vícios posturais e de movimento. É muito comum acreditar que as
respostas para certas questões relacionadas ao próprio corpo estejam fora de nosso alcance,
como se a identificação e resolução de problemas relacionados a posturas e movimentos
inadequados fosse conseqüência apenas de questões como vida agitada, estresse, mobiliário
inadequado, excesso de trabalho, idade avançada, limites físicos, etc. Estas idéias nos fazem
acreditar que a solução está apenas em uma questão externa. Que tudo vai se resolver quando
mudar de emprego, ter a vida menos agitada, um mobiliário melhor e assim por diante.
Padrões de postura e movimento foram sendo cultivados por nós desde a infância e nós temos
condições de transformá-los através de uma reeducação a partir do momento que estes padrões
não sejam mais necessários ou estejam causando prejuízo para a saúde. A idéia de ser
responsável pelo modo de usar o corpo é um dos objetivos do trabalho, pois a Técnica
Alexander propõe que qualquer mudança só começará com esta tomada de decisão. Temos
condições de ativar o melhor potencial de organização do corpo, independente do limite físico e
do ambiente ao nosso redor.

Em suma, a possibilidade de mudança de padrões habituais do corpo, se vista de uma


perspectiva de integração entre o físico e o mental, pode ser implementada através dos
princípios de reeducação da Técnica Alexander. A mudança na maneira de pensar sobre o
corpo e como este reage frente às situações do cotidiano abre perspectivas novas: o
entendimento do porquê de uma série de problemas relacionados a posturas e movimentos
inadequados e um caminho para transformá-los. Este processo de educação estimula um
melhor desempenho das tarefas diárias através de um ajuste contínuo, identificando padrões
ineficientes e prejudiciais de uso do corpo e estimulando um novo padrão mais adequado de
uso prevenindo assim a deteriorização da coordenação e equilíbrio do corpo.

Palestra proferida no II Congresso de Engenharia do Entretenimento, no Fórum de Ciência e


Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ, em 21/09/2006

© Roberto Reveilleau

BIBLIOGRAFIA

ALEXANDER, F.M.; The Universal Constant in Living, Ed. Mouritz, 1941/2000.


ALEXANDER, F.M.; Man's Supreme Inheritance, Centerline Press, California, 1910/1988.
ALEXANDER, F.M.; O Uso de Si Mesmo, Martins Fontes, São Paulo, 1992.
ALEXANDER, F. M.; Constructive Conscious Control of the Individual, Ed.Gollancz,
1923/1987.
ALEXANDER, F. M. Articles and Lectures, Ed. Mouritz, London, 1995.
ALEXANDER, F.M.; A Ressurreição do Corpo, Martins Fontes, São Paulo, 1993

Canto e postura
"Você não pode separar o uso de sua voz do resto de você mesmo. O impulso de comunicar
vocalmente vem do uso de todo o organismo, não apenas dos órgãos vocais. E toda vez que seu
uso mecânico é afetado, é também sua voz, que é a expressão de você mesmo..." Michael
McCallion - The Voice Book

Minha experiência de mais de 14 anos ensinando a


Técnica Alexander para estudantes e profissionais de
música têm demonstrado o quanto é fundamental
para o desenvolvimento musical desses alunos o
aprimoramento da coordenação e equilíbrio do
corpo. Observo que instrumentistas e cantores
apresentam uma série de problemas relacionados a
padrões ineficientes de postura e movimento, ou
seja, maus hábitos de uso do corpo afetando
diretamente a performance musical.

Reaprender a usar o corpo com mais eficiência não só ajuda a prevenir uma série de problemas
físicos típicos dessa profissão como também traz um ajuste melhor da postura e do movimento,
ampliando o potencial artístico e dando condições de, sem os excessos de esforço muscular
habituais, obter uma melhor performance musical.

Postura

A postura é algo dinâmico e não pode ficar restrita a uma determinada atividade, quando na
verdade está presente em todas as ações do dia-a-dia. Não é possível de se obter uma postura
bem equilibrada nem um movimento bem coordenado na hora de tocar um instrumento ou
cantar se isso não faz parte do universo cotidiano do indivíduo. Se a maneira de usar o corpo
através de gestos, posturas e movimentos ao se trabalhar num computador, ao andar, ao sentar
e ao se levantar de uma cadeira está carregada de padrões inadequados de uso do corpo, então
esta será a maneira do artista usar a si próprio em ensaios e apresentações.

No caso especifico do cantor, observo uma grande preocupação com a busca de uma postura
adequada na hora de cantar. Embora essa busca de
uma atitude física eficiente para um bom
desempenho do canto seja uma meta pertinente, os
meios empregados para isso tendem a ser
equivocados. É muito comum uma abordagem direta
através de ações corretivas onde uma imagem pré-
determinada de “postura certa” é imposta a um
corpo que é único, com características próprias e que
não se encaixa em um padrão estereotipado. Nesta
tentativa, uma série de contrações musculares será
ativada criando desajustes desnecessários. Esse
excesso de esforço muscular impedirá um
movimento livre e bem coordenado e, conseqüentemente, afetará a capacidade respiratória e a
produção da voz.

Hábito

Ao longo da vida é comum adquirirmos uma série de padrões de uso do corpo que lentamente
vão sendo automatizados e passam a ser ativados a todo instante. De tanto repeti-los,
memorizamos esses padrões, que passam a fazer parte do nosso vocabulário de ações.
Terminamos por nos sentir confortáveis nesses padrões, mesmo que eles interfiram em nosso
equilíbrio e coordenação. Identificamos essa situação como “minha” maneira de ser, “minha”
identidade e justificamos as conseqüências limitantes desses padrões com frases como “eu sou
muito tenso”, “eu tenho um trabalho estressante”, “minha vida é muito agitada” ou “é por
causa da minha idade”.

A questão é que a repetição de padrões viciados de uso do corpo faz com que se perca a
capacidade de perceber o quanto essa interferência é prejudicial aos mecanismos posturais que,
carregados de excesso de tensão muscular, produzem como resultado um mau funcionamento
do organismo. Entre as disfunções mais comuns podemos citar o enrijecimento e as dores
musculares, problemas articulares, costas arqueadas, limitação de movimento nos braços e
pernas, falta de controle muscular, dificuldades respiratórias, diminuição de rendimento,
confusão mental e nervosismo excessivo antes de apresentações.

Em se falando de profissionais da área de canto, o esforço empregado para superar as


desorganizações do corpo pode limitar muito o potencial de performance ou, mesmo que não
influencie diretamente a performance musical, esse esforço (traduzido em excessiva contração
muscular) vai trazer desgastes que podem até interromper provisoriamente uma carreira.

Reeducação

Tratamentos específicos, embora benéficos, não resolvem a questão pois não trabalham com a
mudança de padrões habituais de uso do corpo. Sem envolver uma ação consciente por parte
do aluno em um processo de aprendizagem, qualquer tentativa de mudança real será frustrada
pois os padrões de mau uso do corpo memorizados serão sempre ativados, como um gatilho
que é acionado toda vez que houver uma maior exigência física ou emocional, como em uma
passagem musical difícil ou em uma apresentação importante.

É fundamental uma reeducação neuromuscular onde padrões inadequados de postura e


movimento possam ser substituídos por padrões mais eficientes, através da estimulação dos
mecanismos naturais de organização do corpo.

Alexander e voz

É interessante notar que o criador desta técnica de reeducação neuromuscular, Frederick


Mathias Alexander (1869-1955), era um declamador de Shakespeare, forma de atividade
artística muito popular no final do séc. XIX. Quando Alexander teve problemas relacionados a
sua voz e respiração durante suas performances, ele identificou detalhadamente certos padrões
de desorganização do corpo e, trabalhando em si próprio e mais tarde ensinando a outros,
desenvolveu os princípios da Técnica usados até hoje. Através de uma ação indireta, observou
que se conseguisse desativar os excessos de contração da musculatura posterior do pescoço, a
cabeça tenderia a se equilibrar mais livremente em relação a primeira vértebra cervical,
estimulando assim o alongamento da coluna vertebral e fazendo com que a musculatura
posterior do tronco, que tem papel fundamental no suporte do corpo, trabalhasse com mais
eficiência, trazendo expansão e coordenação do corpo e diminuindo o uso excessivo da
musculatura dos braços e das pernas, hábito muito comum entre cantores. Sem compressão,
enrijecimento ou encolhimento do tronco, a respiração e a voz funcionavam com um melhor
potencial, e com mais liberdade de escolha na difícil tarefa de envolver voz, respiração, corpo e
expressão em sua performance.

A Técnica Alexander não tenta fazer algo novo, e sim dar a oportunidade de parar de se repetir
certos hábitos. Ela não é uma técnica vocal e nem exclui a necessidade de treinamento específico
para o cantor, mas o trabalho promove o aprendizado de um uso mais eficiente dos
mecanismos posturais, permitindo que a voz seja expressão de toda a sua integridade e
organização e não resultado de tensão e desequilíbrio.

Ele propõe uma mudança de pensamento quanto a possibilidade de aperfeiçoar a postura


através de uma melhora na condição do uso do organismo. A capacidade do aluno de tomar a
responsabilidade da mudança para si próprio é parte fundamental deste processo.

Como resume Joyce Warrack professora de canto da Royal College of Music, a primeira escola
de música a oferecer ainda nos anos de 1950 a Técnica Alexander: “Reeducação vai
efetivamente requerer paciência e tempo (embora a formação de um cantor através de qualquer
método é um processo moroso), mas serão recompensados com a resultante facilidade e
comando de seus nervos assim como a flexibilidade e qualidade da voz através do máximo de
resultado com o mínimo esforço físico".

Artigo publicado no site www.caliope.mus.br

© Roberto Reveilleau

REFERÊNCIAS BIBLIOGRáFICAS
McCallion, M; The Voice Book, Inglaterra, 1992
Warrack, J.; The Indirect Approach to Singing, In Barlow W. (ed.), More Talk of Alexander,
Mouritz, Inglaterra, 2005.

O impacto da Técnica de Alexander na prática do canto

© Paulo Henrique Campos

Fonte: http://tecnicadealexander.com/artigos.php

Você também pode gostar