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Volume 4
Ilhéus, 2013
Universidade Estadual de
Santa Cruz
Reitora
Profª. Adélia Maria Carvalho de Melo Pinheiro
Vice-reitor
Prof. Evandro Sena Freire
Pró-reitor de Graduação
Prof. Elias Lins Guimarães
Ministério da
Educação
Letras Vernáculas | Módulo 5 | Volume 4 - Literatura comparada III: o teatro de língua portuguesa
Capa
Sheylla Tomaz Silva
Impressão e acabamento
JM Gráfica e Editora
Ficha Catalográfica
EAD . UAB|UESC
Coordenação UAB – UESC
Profª. Drª. Maridalva de Souza Penteado
Elaboração de Conteúdo
Profª. Drª. Inara de Oliveira Rodrigues
Instrucional Design
Profª. Ma. Marileide dos Santos de Oliveira
Profª. Ma. Cibele Cristina Barbosa Costa
Profª. Drª. Cláudia Celeste Lima Costa Menezes
Revisão
Prof. Me. Roberto Santos de Carvalho
Coordenação de Design
Me. Saul Edgardo Mendez Sanchez Filho
SUMÁRIO
AULA 1
COMPONDO FIOS PARA A LEITURA DE TEXTOS DRAMÁTICOS......... 13
1 INTRODUÇÃO.................................................................................. 15
2 A ESPECIFIDADE DOS TEXTOS LITERÁRIOS DRAMÁTICOS ................... 15
2.1 Perspectiva histórica da literatura dramática................................ 16
2.2 Para a leitura de textos literários dramáticos................................ 42
ATIVIDADES...................................................................................... 46
RESUMINDO...................................................................................... 48
REFERÊNCIAS . ................................................................................. 49
AULA 2
NO COMEÇO ERAM OS AUTOS... E ELES CONTINUAM EM CENA......... 51
1 INTRODUÇÃO.................................................................................. 53
2 o teatro de gil vicente: tradições e legados........................... 54
3 DE AUTOS E OUTROS ATOS NA CENA BRASILEIRA .............................. 67
3.1 O Auto de Natal Pernambucano: a esperança na vida severina....... 69
ATIVIDADES...................................................................................... 79
RESUMINDO...................................................................................... 81
REFERÊNCIAS.................................................................................... 81
AULA 3
O RISO SÉRIO DAS COMÉDIAS E SEUS DESDOBRAMENTOS............. 83
1 introdução.................................................................................. 85
2 a comédia no classicismo português......................................... 85
2.1 O Renascimento Português e a Comédia de Sá de Miranda
e de Camões................................................................................. 86
2.2 As comédias de António José da Silva, O Judeu............................ 93
3 A COMÉDIA BRASILEIRA DO SÉCULO XIX........................................... 96
3.1 A crítica de costumes de Martins Pena e de Artur de Azevedo......... 96
ATIVIDADES...................................................................................... 102
RESUMINDO...................................................................................... 103
REFERÊNCIAS.................................................................................... 104
AULA 4
DE QUE PRANTO VIVEM OS DRAMAS NO SÉCULO XIX...................... 107
1 INTRODUÇÃO.................................................................................. 109
2 OS NOVOS OLHARES ROMÂNTICOS................................................... 110
2.1 Elementos da tragédia em Frei Luís de Souza............................... 110
2.2 Dramas românticos de Gonçalves Dias e José de Alencar............... 116
3 OS CHOQUES E ANTIDRAMAS DO MODERNISMO................................. 124
3.4 O Modernismo dramático de Fernando Pessoa.............................. 124
3.5 Literatura dramática no Modernismo brasileiro............................. 143
ATIVIDADES...................................................................................... 151
RESUMINDO...................................................................................... 154
REFERÊNCIAS.................................................................................... 155
AULA 5
O PALCO DA SOCIEDADE EM CRISE................................................. 159
1 INTRODUÇÃO.................................................................................. 161
2 O TEXTO DRAMÁTICO NOS ANOS 1940/1950...................................... 162
2.1 Do Neorrealismo ao Épico em Portugal........................................ 162
2.2 O engajamento na dramaturgia brasileira.................................... 168
2.2.1 Sobre promessas de vida e histórias de morte:
Santareno e Dias Gomes................................................................ 172
ATIVIDADES...................................................................................... 185
RESUMINDO...................................................................................... 186
REFERÊNCIAS.................................................................................... 187
AULA 6
CENÁRIOS CONTEMPORÂNEOS........................................................ 189
1 INTRODUÇÃO.................................................................................. 191
2 A LITERATURA DRAMÁTICA BRASILEIRA NA ATUALIDADE .................... 192
3 PANORAMA DA ATUAL LITERATURA DRAMÁTICA PORTUGUESA............... 197
4 A LITERATURA DRAMÁTICA NOS PAÍSES AFRICANOS .......................... 204
ATIVIDADES...................................................................................... 216
RESUMINDO...................................................................................... 218
REFERÊNCIAS.................................................................................... 219
APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA
EMENTA
Análise comparativa de textos dramáticos paradigmáticos das literaturas
de Língua Portuguesa.
1
COMPONDO FIOS PARA
A LEITURA DE TEXTOS
DRAMÁTICOS
Objetivo:
• Compreender os principais aspectos que caracterizam
os textos dramáticos e reconhecer os principais aspectos
da literatura dramática do mundo ocidental, a partir do
estabelecimento de um repertório básico de elementos
para a análise das obras literárias dramáticas.
COMPONDO FIOS PARA A LEITURA DE TExTOS DRAMáTICOS
1
Aula
1 INTRODUÇÃO
Fonte: www.diciona-
Para nos situarmos no amplo universo da literatu- rioetimologico.com.
br
ra dramática, vamos, inicialmente, reconhecer os primeiros
passos do teatro ocidental e seus desdobramentos principais
até a contemporaneidade. Nessa trajetória, revisitaremos os
aspectos essenciais da Poética, de Aristóteles, pois esse foi o
texto que fundamentou as características de dois gêneros de
grande importância na constituição da dramaturgia ociden-
tal: a tragédia e a comédia. A partir desses marcos, vamos
nos deter em alguns elementos de análise para o estudo de
obras literárias dramáticas.
saiba mais
Téspis (610-550) foi um teatrólogo e ator grego nascido em Icárias [...], conside-
rado o inventor de tragédia e do monólogo, além de reconhecido como o primeiro
ator do mundo ocidental [e o] primeiro produtor teatral. [...] foi ele quem introduziu
1
Aula
novidade, como um ator atuando independente, criando o conceito de monólogo,
ou dialogando com o Coro, como também máscaras, maquiagens e mudanças em
outros procedimentos padrões. Até então, o ator era chamado de hipocritès, ou
seja, fingidor, mas com a invenção do diálogo, a esse ator propriamente foi dado
o nome de protagonista, termo ainda hoje empregado para nomear o personagem
principal de uma peça. Conta-se que viajou pela Grécia empurrando uma carroça
que ficaria conhecida como o Carro de Téspis, seu transporte e seu palco, indo de
uma festividade para outra. Onde estacionava, fazia suas exibições, especialmente
peças envolvendo tramas moralistas, realçando os aspectos negativos do compor-
tamento humano. Essa iniciativa e sua dramatização particular deu origem à ex-
pressão ator tespiano. [...] Ousou ao apresentar-se munido de máscaras e vestindo
uma túnica para interpretar em monólogo o deus Dionísio, na Grande Dionisíaca
da Grécia Antiga, em Atenas, (534 a.C.). A sua ousadia maior estava no fato de
que o papel de um deus era reservado aos sacerdotes ou aos reis. No mínimo tal
atrevimento representava um desrespeito às autoridades da cidade como o arconte
e o legislador. Porém, o sucesso foi tão avassalador que nada lhe aconteceu além
da ovação popular. Com essa histórica apresentação lançava então, o monólogo, o
papel do protagonista, os fundamentos da tragédia grega e o deuteragonismo, [ou
seja] a arte de interpretar de uma só vez dois personagens distintos, usando duas
máscaras, uma no rosto e outra na nuca.
1
exemplo do gênero.
Aula
você sabia?
“No tempo de Péricles à frente do Estado entre 443 e 429 a.C., a grande Dionisíaca [festa ao
deus Dionísio] era uma festividade de sete dias de duração. O primeiro dia era dedicado ao
proágon, apresentação de todos os participantes no recinto coberto do Odeon. No segundo
dia, uma procissão, pompé, se dirigia para o âmbito sagrado do templo de Dioniso, onde
se sacrificava um touro, seguindo-se às provas ditirâmbicas, que consistiam em concursos
corais por coros de homens e rapazes. O terceiro dia se reservava à comédia, com cinco
dramaturgos na competição. Do quarto ao sexto dia, com cinco representações diárias,
havia o festival de tragédias - três tragédias e um drama satírico fálico pela manhã e uma ou
duas comédias à tarde. Três dramaturgos competiam, cada um com três tragédias e um drama
satírico. No último dia, reunia-se a ekklesia, ou assembléia pública, para a entrega dos prêmios,
com ampla discussão sobre o desenrolar do festival. A preparação para o concurso era feita
algum tempo antes do festival. As peças eram cuidadosamente selecionadas pelo primeiro
leitor profissional do teatro, o funcionário público ou arconte, que também escolhia o intér-
prete principal ou protagonista”.
Fonte: TOLLENTINO, Cristina. Teatro Grego - parte I - O Festival de Teatro de Atenas e suas convenções. Disponível
em: http://www.caleidoscopio.art.br/ Acesso em mar./2012.
ÉDIPO
Oh! Ai de mim! Tudo está claro! Ó luz, que eu te veja
pela derradeira vez! Todos agora sabem: tudo me era in-
terdito: ser filho de quem sou, casar-me com quem me
casei... e... e... eu matei aquele a quem eu não poderia
matar!
O CORO
Ó gerações de mortais, como vossa existência nada vale
a meus olhos! Qual a criatura humana que já conheceu
felicidade que não seja a de parecer feliz, e que não tenha re-
caído após, no infortúnio, finda aquela doce ilusão? Em face
de teu destino tão cruel, ó desditoso Édipo, posso afirmar
que não há felicidade para os mortais.
1
teria morrido, não sei dizer, pois Édipo, aos gritos,
Aula
precipitou-se com tal fúria, que não pude ver a morte
da rainha. Todos os nossos olhares voltaram-se para
o rei, que, desatinado, corria ao acaso, ora pedindo
um punhal, ora reclamando notícias da rainha, não sua
esposa, mas sua mãe, a que deu a luz a ele, e a seus fi-
lhos. No seu furor invocou um deus, — não sei dizer
qual, pois isto foi longe de mim! Então, proferindo
imprecações horríveis, como se alguém lhe indicasse
um caminho, atirou-se no quarto. Vimos então, ali,
a rainha, suspensa ainda pela corda que a estrangula-
va... Diante dessa visão horrenda, o desgraçado solta
novos e lancinantes brados, desprende o laço que a
sustinha, e a mísera mulher caiu por terra. A nosso
olhar se apresenta, logo em seguida, um quadro ain-
da mais atroz: Édipo toma seu manto, retira dele os
colchetes de ouro com que o prendia, e com a ponta
recurva arranca das órbitas os olhos, gritando: “Não
quero mais ser testemunha de minhas desgraças, nem
de meus crimes! Na treva, agora, não mais verei aque-
les a quem nunca deveria ter visto, nem reconhecerei
aqueles que não quero mais reconhecer!” Soltando
novos gritos, continua a revolver e macerar suas pál-
pebras sangrentas, de cuja cavidade o sangue rolava
até o queixo e não em gotas, apenas, mas num jorro
abundante. Assim confundiram, marido e mulher, nu-
ma só desgraça, as suas desgraças! Outrora gozaram
um a herança de felicidade; mas agora nada mais resta
senão a maldição, a morte, a vergonha, não lhes fal-
tando um só dos males que podem ferir os mortais.
CORIFEU
E o desgraçado rei está mais tranquilo agora?
EMISSÁRIO
Drama – do grego Ele grita que lhe abram as portas; que mostrem a todos
drama, “peça, ação,
os tebanos o parricida, o filho que... nem posso repetir-
feito” (especialmente
relativo a algum gran- vos, cidadãos, as palavras sacrílegas que ele pronuncia...
de feito, fosse positivo
ou negativo); de dran: Quer sair, em rumo do exílio; não quer continuar no
“fazer, realizar, repre- palácio depois da maldição terrível que ele mesmo pro-
sentar”.
feriu. No entanto, ele precisa de um guia, e de um apoio,
Fonte: Origem das palavras.
Site de etimologia. Disponível pois seu mal é grande demais para que sozinho o supor-
em:
<http://origemdapalavra. te. Ele aí vem, e vo-lo mostrará. Ides ver um espetáculo
com.br/palavras/drama/>
Acesso em mar. 2012. que comoveria o m ais feroz inimigo...
CORIFEU
Ó sofrimento horrível de ver-se! Eis o quadro mais hor-
ripilante que jamais tenho presenciado em minha vida!
Que loucura, — ó infeliz! — caiu sobre ti? Que divinda-
de levou ao cúmulo o teu destino sinistro, esmagando-
te ao peso de males que ultrapassam a dor humana? Oh!
Com o és infeliz! Não tenho coragem, sequer, para vol-
ver meus olhos e contemplar-te assim; no entanto, eu
quereria ouvir-te, interrogar-te, e ver-te! Tal é o arrepio
de horror que tu me causas!
ÉDIPO
(Caminhando sem rumo certo) Pobre de mim! Para on-
de irei? Para que país? Onde se fará ouvir a minha voz?
Ó meu destino, quando acabarás de uma vez?!...
1
xergássemos o palco e o desdobrar das ações representadas. Didascália: Tudo o
Aula
Desse modo, Aristóteles afirma que mais importante que no texto dramáti-
co não se destina a ser
do que os caracteres (as “marcas” características que sinalizam dito pelas personagens
e que, na representa-
as personagens), da melopeia (forma como falam e a música ção cénica, desaparece
que os acompanha), e mais importante do que o próprio es- enquanto discurso e
surge diante dos es-
petáculo é o MITO, ou seja, o arranjo das ações, a trama a ser pectadores como ação
ou presença física (ob-
dramaticamente apresentada.
jetos, guarda-roupa,
cenário...). As didas-
saiba mais cálias, que são a voz
direta do dramaturgo,
diferenciam-se visual-
mente do resto do tex-
to por estarem escritas
entre parêntesis ou
por estarem impres-
sas em itálico, ou de
qualquer outra forma
que marque bem que
se trata de um texto à
margem das falas das
personagens. Tais indi-
cações cumprem uma
dupla função: situam
o diálogo, a ação, num
contexto imaginário
[...] (aproximando-se
do papel da descrição
no género narrativo)
e, [no âmbito] da re-
Figura 2: Aristóteles e Platão.
Fonte: <brasilescola.com/filosofia/a-estetica-na-filosofia-platao-aristoteles.htm> presentação, fornecem
instruções àqueles que
Aristóteles foi discípulo de Platão (século V a.C.), mas discor- transformam o texto
dou do seu mestre em muitos aspectos. Um deles, que mais em espetáculo (ence-
nos importa aqui, trata da concepção sobre a arte literária. nadores, atores, ce-
Para Platão, o mundo se divide entre o plano sensível e o nógrafo...). A segunda
plano das ideias, sendo esse último o mundo da verdade, função evoca o signifi-
das essências, apenas alcançado com o pensamento lógi- cado da palavra grega
co, filosófico. Assim, o mundo sensível é cópia imperfeita que está na origem do
do mundo das ideias e a arte, por sua vez, é cópia da cópia, termo “didascália” - di-
ou seja, como ele afirma no livro X da sua obra República, a daskália (“instrução”)
arte (literária) está três vezes distante da verdade. Por isso, e do verbo didáskein
em sua república ideal, não seriam admitidos os poetas. Já (“ensinar”).
para Aristóteles o que existe é apenas o plano sensível, o
mundo em que vivemos. E, nesse mundo, a arte é benéfica, Fonte: E-dicionário de
pois, como ele registra na Poética, o homem sente prazer termos literários Carlos Ceia.
Disponível em:
com a imitação (também no sentido de criação) e com ela http://www.edtl.com.pt/
aprende como agir, com ela tem bons e fundamentais exem- index.php?option=com_
plos de conduta. ee&task=viewlink&link_
id=741&Itemid=2.
Capítulo Proposição
1
tação dos sucessos no contrário, de acordo com verossimilhança e neces-
11 sidade; reconhecimento é a passagem do ignorar ao conhecer; a melhor
Aula
forma de reconhecimento é a que se dá com peripécia. Terceira parte do
mito é a catástrofe.
1
(ethos), mas subordinado ao gênio mal (dáimon), o herói in-
Aula
corre na falha trágica (harmatia), impulsionado pela desmedida
(hybris); a conjugação desses elementos envolve o herói num
acontecimento aterrorizante [...]” (PASCOLATI, 2009, p. 106).
saiba mais
1
velho camponês de costumes rústicos, e
de seu filho Fidípides, jovem amante de
Aula
cavalos. Esse rapaz é fruto da união de um
homem sem quaisquer aspirações culturais,
rude, portanto, com uma mulher de hábitos
da aristocracia citadina ateniense, que não se
preocupava com gastos. Desse modo, ainda
que Estrepsíades desejasse educar o filho se-
gundo os princípios da educação tradicional,
Fidípides, herdeiro dos hábitos advindos de
sua mãe, era amigo dos cavaleiros de classe
elevada e nem por um momento se mostrava
comedido ao fazer gastos demasiados pela
loucura que tinha por cavalos, tornando,
com isso, seu pai vítima fácil dos credores
(GERVÁSIO, 2011, p. 159).
1
[...]
Aula
E agora, senhor, eu gostaria
Corifaios (a Que esclareças o coro começando
Estrepsíades) A nos contar teu insucessozinho
Desde que começou.
Estrepsíades Às vossas ordens.
Tudo foi feio de princípio ao fim.
Como sabeis nós dois nos reunimos
Para comemorar. Nossos costumes
Devem ser respeitados. Não há nada
Melhor do que uma música pra festa
Alegrar. E assim sendo eu lhe pedi
Para pegar a lira, e uma canção
Entoar, pois seria um bom começo:
Por exemplo, “A Tosquia do Carneiro”
De Simonides, ou outra semelhante.
Sabe o que respondeu o malcriado?
Que cantar no jantar era antiquado,
Obsoleto, tolo, desusado,
Só pelos velhos inda tolerado.
Fidípades Tu tiveste o que muito merecias.
Ora essa! Querendo que eu cantasse
De barriga vazia! Era demais!
Estrepsíades Pois foi assim. Negou-se e começou
A zombar do meu gosto e de mim mesmo.
Tentei conter a raiva, simplesmente,
E contei até dez, pra não brigar.
Pedi-lhe, então, depois, que me cantasse
Qualquer coisa de Ésquilo, e o grosseirão
Me respondeu que considera Ésquilo
“Poeta de estatura colossal”.
Sim. “O mais colossal, pretencioso.
Pomposo, palavroso e bombástico
Sensaborão da história da poesia”.
1
De demonstrar irrefutavelmente
Aula
A total conveniência filosófica
De espancar o meu pai.
Estrepsíades Por Zeus, meu filho,
Aos malditos cavalos volta logo.
Prefiro uma cocheira a uma paulada.
Fidípades Por óbvios motivos não tomando
Em consideração a pueril
Intervenção, eu continuo assim
Minha demonstração. Responde agora:
Quando eu era pequeno me bateste?
Estrepsíades É claro. Eu tinha de te educar.
Bati porque te amava.
Fidípades Muito bem.
Uma vez que tu mesmo reconheces
A sinonímia de espancar e amar,
É mais do que natural que eu, agora,
Por minha vez, com muito amor, te espanque.
Mais que isso, aliás: com que direito
Tu podes me espancar e pretenderes
Que eu não possa fazer a mesma coisa.
O que pensa que sou? Que sou escravo?
Não nasci, como tu, um homem livre?
Que me dizes, então?
Estrepsíades Mas...
Fidípades Mas o quê?
“Poupas a vara e estragas a criança”?
este é o teu argumento? Pois, se for
Eu posso responder com outro ditado:
“Os velhos são crianças que cresceram”.
É lógico, portanto, que os velhos
Merecem muito mais ser espancados,
Porquanto, experientes como são,
São menos desculpáveis que as crianças.
1
Aula
Estrepsíades Então,
Presta atenção no que estou te dizendo:
Quando eras menino eu te bati.
Mas um dia terás, também um filho,
Nele descontarás o que tiveste.
Se, porém, me bateres, o teu filho
Naturalmente seguirá o exemplo
E contigo fará o que me fazes.
Fidípades E se eu não tiver filho? Nesse caso
Eu ficarei privado de bater
Em qualquer um. E agora, o que me dizes?
(Há um silêncio prolongado, pois o argumento causou profunda impressão
em Estrepsíades).
Estrepsíades Tenho de confessar que tens razão.
(Para o público.)
Falando para a geração mais velha,
Sou obrigado a confessar, senhores,
Derrotado saí. Meu douto filho
Conseguiu demonstrar a sua tese:
Deve ser espancado o pai faltoso.
Fidípades Naturalmente. Eu ia me esquecendo,
De uma questão final, muito importante.
Estrepsíades Qual é? O funeral?
Fidípades Muito ao contrário.
Eu acho até que vais ficar contente.
Estrepsíades Mais do que já estou? Acho difícil...
Fidípades Segundo dizem, “O sofrimento gosta
De companhia”. E terás, meu pai.
Em tua desventura, companhia.
Vou espancar também minha mãezinha.
Estrepsíades Bater em tua mãe?! Isso é pior,
Dez mil vezes pior!
Fidípades Tu achas mesmo?
1
Contra o meu Mestre de Filosofia?
Aula
De modo algum!
[...]
(Sai Fidípades.)
Estrepsíades Ó asno, ó toleirão desmiolado,
Ó imbecil que fui, deixando os deuses,
Para seguir a Sócrates! Cretino!
(Quando Xântias pára, para olhar o espetáculo, Estrepsíades lhe passa a tocha,
toma-lhe o machado e começa a dar machadadas nos barrotes, freneticamente.)
Primeiro Patife, o que fizeste?
Aluno (sai correndo do Pensamental e olha para o telhado)
Estrepsíades Estou apenas
A Lógica aplicando a este telhado. [...]
1
(Estrepsíades e seus escravos espancam Sócrates e seus seguidores, até que todos
Aula
os pensadores, seguidos por Filosofia e Sofisma, correm apavorados para fora de
cena. O Pensamental desaba, com grande barulho, transformado em uma ruína
em chamas).
Explique:
1
na vida está misturado [...] seria o riso, as
lágrimas, o bem, o mal, o alto, o baixo, a
Aula
fatalidade, a providência, o gênio o acaso,
a sociedade, o mundo, a natureza, a vida;
e por cima de tudo isso sentiríamos pairar
algo grande! (apud RYNGAERT, p. 8).
saiba mais
Embora nosso objetivo seja o estudo sobre a literatura dramática em língua portuguesa,
consideramos relevante que você conheça algumas expressões e qualificativos da arte
teatral:
COMMEDIA DELL’ARTE: popular expressão teatral que vigorou na Itália dos séculos XV
ao XVII, expandiu-se “‘por toda a Europa e exerceu decisiva influência na posteridade.
[Seu] fundamento é a improvisação, isto é, o ator tornar-se o autor do espetáculo que vai
oferecendo. Mesmo a existência de lazzi, achados cômicos, e a preservação dos canovacci,
roteiros seguidos pelos intérpretes, não invalidam a ideia de que os diálogos se conjuga-
vam de acordo com a fantasia do momento” (MAGALDI, 1985, p. 26). “A família da Com-
media dell’arte expandiu-se de tal maneira que todo mundo já travou relações com seus
membros, freqüentemente sem saber de quem se trata. Arlequim, Colombina, Brighela, o
Doutor e tantas outras máscaras pertencem ao folclore universal” (MAGALDI, 1989, p. 86).
BOULEVARD: “Utiliza-se a expressão teatro de boulevard a propósito sobretudo da comédia
ligeira, sem pretensões intelectuais e destinada a divertir o público (seria pleonasmo chamar
esse público de burguês ou pequeno-burguês)” (MAGALDI, 1985, p. 100).
saiba mais
1
las): muitas vezes, a forma como são nomeadas as
Aula
partes de um texto já indicam que se trata de de-
terminada proposição estética. Por exemplo, quan-
do uma obra literária dramática é dividida em atos,
já sabemos que se trata de uma prática tradicional:
normalmente, mas não rigidamente, contam-se cin-
co atos para a tragédia e tragicomédia e três para co-
média, divididos em cenas de acordo com entrada/
saída das personagens. A partir do século XVIII,
passa-se também a falar em quadros - concepção
pictórica da cena (ou seja, as cenas assemelham-se
a pinturas). Já autores contemporâneos tendem a
nomear as partes dos seus textos como sequências,
fragmentos, movimentos, partes etc.; ou nem as no-
meiam, passando a indicar somente uma sequencia-
lidade através de títulos e/ou números (como nos
textos de Brecht, que conheceremos adiante). Pode-
se também observar se apontam para um processo
de continuidade ou descontinuidade temporal e es-
pacial.
• O material textual: também é muito importante
atentarmos para a forma como se apresenta o tex-
to - se em diálogos, com falas alternadas, tendo ou
não os discursos a mesma extensão; se em pequenos
ou grandes monólogos ou até mesmo somente em
monólogos alternados ou um único monólogo — aí
muitas vezes reside o peso das personagens, a inten-
cionalidade pragmática do texto (os efeitos preten-
didos pelo texto sobre o leitor), a estética a que se
vincula (por exemplo, se é mais ou menos ligado a
uma concepção tradicional da arte dramática).
• Do material textual fazem parte as didascálias:
quando inexistentes, indicam que todo “peso” de
sentido deve ser atribuído ao texto destinado às
1
se organiza o discurso das personagens, podemos
Aula
verificar as relações entre os enunciadores, entre as
palavras e seus emissores, o modo como as dizem
e por que dizem; nesse caso, podemos perceber se
as falas vão no sentido do esperado ou se rompem
com o código previsível, por exemplo; também as
oposições e semelhanças entre elas devem ser obser-
vadas, assim como a formação ou não de duplos por
diferenciação ou complementaridade. você sabia?
ATIVIDADES
1
pe Hamlet. Após a leitura das peças Édipo-Rei e Hamlet, e
Aula
após a leitura do trecho seguinte da referida peça shakespe-
ariana, responda:
a. Por que esta questão (“ser ou não ser”) não seria
adequada ao rei Édipo?
b. Selecione trechos da peça de Sófocles que demons-
trem a hybris (o que ultrapassa as medidas, a desmedida, a
transgressão) do herói e explique os critérios de sua seleção:
c. Compare os finais de Édipo e de Hamlet e desen-
volva um comentário sobre a dimensão do trágico em cada
um deles:
“Hamlet – Ser ou não ser, eis a questão.
Qual será a atitude mais nobre: suportar o
fardo e as agressões de um destino injusto
ou se levantar em armas contra um mundo
de desventuras e acabar com elas resistin-
do? Morrer, dormir, nada mais; dizer que
dormindo podemos curar os sofrimentos
do coração e os mil conflitos que con-
stituem a natural herança da carne, é, na
verdade, a solução que desejamos. Morrer!
Dormir; dormir, sonhar, talvez? Eis o pon-
to de interrogação. Quais serão os sonhos
que teremos no sono da morte, quando
escaparmos ao torvelinho da vida. Esta é
a reflexão que prolonga a vida miserável;
pois se assim não fosse, quem suportaria
as humilhações de nossa época, as injúrias
dos opressores, as afrontas dos poderosos,
as agonias do amor desprezado, a lentidão
da justiça, a valorização da mediocridade,
se estivesse em suas mãos obter sossego na
ponta de um punhal? Quem suportaria tão
dura carga, gemendo e suando ao peso de
uma vida de trabalho, se não fosse o medo
de alguma coisa após a morte, terra mis-
teriosa de onde nenhum viajante jamais
regressou? É isto que nos inibe a vontade,
nos fazendo aceitar os males conhecidos,
com medo de encontrarmos outros que
não conhecemos. A consciência nos faz
RESUMINDO
1
REFERêNCIAS
Aula
COSTA, Ligia Militz da; REMÉDIOS, Maria Luíza Ritzel.
A tragédia: estrutura e história. São Paulo: Ática, 1988.
LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J. B. Vocabulário da psicaná-
lise. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
MAGALDI, Sábato. O texto no teatro. São Paulo: Pers-
pectiva, 1989.
______. Iniciação ao teatro. São Paulo: Ática, 1985.
PASCOLATI, Sonia Aparecido Vido. Operadores de leitura
do texto dramático. In: BONNICI, T.; ZOLIN, L. O. Teo-
ria Literária – abordagens históricas e tendências contem-
porâneas. Maringá: Eduem, 2009.
RYNGAERT, Jean-Pierre. Introdução à análise do teatro.
São Paulo: Martins Fontes, 1996.
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aula
2
NO COMEÇO ERAM
OS AUTOS...
E ELES CONTINUAM
EM CENA
Objetivo:
2
Aula
1 INTRODUÇÃO
À farsa seguinte chamam Auto da Índia. Foi fundada sobre que uma mulher, estando
já embarcado pera a Índia seu marido, lhe vieram dizer que estava desaviado e que
já não ia; e ela, de pesar, está chorando. Foi feita em Almada, representada à muito
católica Rainha D. Lianor, era de 1509 anos.
MOÇA Jesu! Jesu! que é ora isso? A
É porque se parte a armada? B
AMA Olhade a mal estreada! B
Eu hei-de chorar por isso? A
MOÇA Por minh’ alma que cuidei C
e que sempre imaginei, C
que choráveis por nosso amo. D
2
que dizem que não vai já. C
Aula
MOÇA Quem diz esse desconcerto? D
AMA Disseram-mo por mui certo D
que é certo que fica cá. C
O Concelos me faz isto.
MOÇA S’eles já estão em Restelo,
como pode vir a pêlo?
Melhor veja eu Jesu Cristo,
isso é quem porcos há menos.
AMA Certo é que bem pequenos
são meus desejos que fique.
MOÇA A armada está muito a pique.
AMA Arreceio al de menos.
Andei na má hora e nela
a amassar e biscoutar,
pera o o demo o levar
à sua negra canela,
e agora dizem que não.
Agasta-se-m’o coração,
que quero sair de mim.
MOÇA Eu irei saber s’é assim.
AMA Hajas a minha benção.
Vai Moça e fica a Ama dizendo:
2
O certo é dar a prazer.
Aula
Para que é envelhecer
esperando pelo vento?
Quant’eu por mui nécia sento
a que o contrário fizer.
Fonte: Disponível em: http://www.bibvirt.futuro.usp.br. Acesso em jan. 2012.
A criada (Moça), aflita pelo choro da patroa “Ali muitieramá!”: expressão aproximada
(Ama), supõe que a tristeza seja motivada pela de “Era só o que faltava!”. Com os dois versos
partida do patrão na armada para a Índia: “tra- seguintes, completa-se o seguinte sentido: “a
ta-se da armada que saiu de Lisboa [da praia do maior parte dos que partiam para a Índia não
Restelo] em 1506, sob o comando de Tristão da regressavam mais; a Ama exprime o desagrado
Cunha”. por ver a Moça admitir a possibilidade de re-
gresso”.
Expressão da 3ª linha: “Olha a tola!”
“E que falas tu lá só?”: nos dois versos ante-
gamo: marido enganado, traído.
riores a esse, a moça fala em aparte (como se
Má hora: “locução de sentido vago mas de- falasse sozinha ou se dirigisse ao público, de
preciativo, oposto a ‘embora’. maneira dissimulada em relação a outra per-
sonagem com quem contracena). Trata-se de
anojada: desgostosa, chorosa. um comentário irônico da moça, criticando a
falta de virtudes da ama.
Leixa-me ora eramá: “deixa-me em paz! Era-
má é o mesmo que má hora”. “Mostra-m’essa roca cá:/siquer fiarei um
fio./Leixou-me aquele fastio sem ceitil: “o
desconcerto: disparate.
fiar era uma ocupação permanente da mu-
Concelos: “referência a Jorge de Vasconcelos, lher casada. [...] A jura da ama é, portanto,
funcionário régio encarregado de abastecer e um protesto contra as obrigações domésticas.
despachar as naus que partiam para a Índia”. [...] [Fastio era o marido, e ceitil era a “sexta
parte de um real:] a mais pequena moeda da
vir a pêlo: voltar atrás. época”.
Ver Jesus Cristo: ir para o céu. “O sentido “Todas ficassem assi/ Leixou-lhe pera três
é, pois: assim tivesse eu certeza de ir para o anos/trigo, azeite, mel e panos”: em novo à
Céu, como a tenho de que o embarcado não parte, a criada está criticando a ama, desmen-
volta”. tindo sua situação de penúria: “três anos foi,
efetivamente, a duração da viagem da armada
a pique: pronta para partir. de Tristão da Cunha. O marido abastecera a
Arreceio al de menos: “receio que, à ultima casa de gêneros para esse período; era, por-
hora, falte alguma coisa e não parta”. tanto, pessoa com certo nível econômico”.
“a amassar e biscoutar,/pera o demo o levar/
esperar pola ira má: esperar pelo marido. As-
à sua negra canela,/e agora dizem que não”:
sim, o sentido desta estrofe pode ser assim enten-
“Os embarcados deviam partir abastecidos
dido: se ela não espera o marido quando vai pes-
de alimentos para muitos meses. O biscouto
car (engano-o em qualquer oportunidade), tanto
era o pão torrado, que a ama preparou para a
mais em distância e tempo tão longos (Calecut =
viagem. [...] Canela = Índia” [pois a canela
Índia).
era uma das principais especiarias vindas da
Índia]. E ela acha que pode ter trabalhado em
vão, se ele não partir. qu’eu faça tão peca sorte: tenha tão má sorte.
2
fices. [...] Gil Vicente se faz eco de um
Aula
sentimento popular, mas cabe perguntar
em que medida ele visa, através do Escu-
deiro, o próprio ideal da vida nobre, [pois]
os fidalgos também aparecem duramente
atacados nos autos (SARAIVA, 1996, p.
200).
2
do vinagre que me dava.
Aula
Vós queríeis cá cear
e eu não tenho que vos dar.
rascão do sombreiro: vadio de chapéu. que lei me dais vós, Senhora?: “que tipo
de relações vamos ter?”
tão crua,/ que vos não pude aturar: ele
achou-a tão pouco amável que não sen- Digo que venhais embora: “Digo que
tiu mais vontade de lhe fazer a corte. sejais bem-vindo”.
Metei-vos nessa cozinha,/que me estão
e por vida de Constança: a Ama jura ali chamando: a Ama trata de esconder
sobre a própria vida – ficamos sabendo, o amante Lemos na cozinha, enquanto o
assim, que ela se chama Constança, ter- outro, o Castelhano, atira pedras em sua
mo sinônimo de ‘fidelidade” (constân- janela para entrar.
cia), o que causa efeito cômico por não Abra-me vuessa merced,/que estoy
ser esse o caráter da Ama que, muito aquí a la verguença: “Deixe-me entrar,
pelo contrário, é infiel ao marido. senhora, pois estou passando vergonha
aqui em público”.
Dizei já essa mentira: A moça, em
aparte, assinala a falsidade da Ama em Dissimulai por hi, entanto/ Ora vistes
dizer-se virtuosa. o quebranto? “Disfarce, ou já vistes o
que pode acontecer de mau (quebranto
privança: privacidade. = mau-olhado)/’.
2
AMA As minhas três romarias
Aula
com outras mais de quarenta.
MARIDO Fomos na volta do mar
MARIDO quasi a quartelar:
a nossa Garça voava
que o mar se espedaçava.
Fomos ao rio de Meca,
pelejámos e roubámos
e mui risco passámos:
a vela, árvore seca.
AMA E eu cá esmorecer,
fazendo mil devações,
mil choros, mil orações.
MARIDO Assi havia de ser.
[...]
MARIDO Lá vos digo que há fadigas,
tantas mortes, tantas brigas
e perigos descompassados,
que assi vimos destroçados
pelados como formigas.
AMA Porém vindes vós mui rico?...
MARIDO Se não fora o capitão,
eu trouxera, a meu quinhão,
um milhão vos certifico.
Calai-vos que vós vereis
quão louçã haveis de sair.
AMA Agora me quero eu rir
disso que me vós dizeis.
Pois que vós vivo viestes,
fortuna: tempestade
e prometi-vos em camisa: prometer o equivalente do peso (sem vestuário) em
cera.
rio de Meca: mar Vermelho
a vela, árvore seca: navegação sem velas ou com as velas fechadas.
Se não fora o capitão,/eu trouxera, a meu quinhão,/um milhão vos cer-
tifico: “Cada elemento da tripulação tinha o direito de trazer consigo certa
quantidade de mercadoria (a quintalada); se era pimenta, fazia-se a venda
na Casa da Índia e recebia metade (a outra metade era para o rei); no caso
de se tratar de outros gêneros, a venda era livre. A quantidade era propor-
cional à patente, e era o capitão do navio que fiscalizava o peso das quin-
taladas. Um milhão: um milhão de reais [moeda daquele tempo], o que
também se chamava conto, era a mais alta unidade de contagem (=conto);
era uma quantia muito elevada [...]”
quão louçã: que elegante
2
não era o do camponês nem o do artesão,
Aula
mas sim o do mercador (SARAIVA, 1996,
p. 203).
2
vida da personagem típica” (SARAIVA, 1996, p. 195). Na far-
Aula
sa, “a história corre em contos dialogados no palco, sem qualquer
preocupação de unidade de tempo, e sem qualquer compartimen-
tação de quadros ou atos a marcar descontinuidades temporais”
(SARAIVA, 1995, p. 196). No caso de Gil Vicente, são exemplares,
além do Auto da Índia, as farsas Auto de Inês Pereira, Farsa dos Al-
mocreves, Quem tem farelos?, O clérigo da Beira, para citarmos as
principais.
Assim, mesmo marcado pela simplicidade, por uma arte
ainda de traços medievais, o teatro vicentino conseguiu grande vi-
vacidade e, por isso, permaneceu no tempo, para além da impor-
tância de sua história como precursor da literatura dramática em
Língua Portuguesa. Ainda hoje, suas peças ganham sabor de atua-
lidade quando questionam aspectos da vida humana como as falsas
virtudes, a falsa modéstia, os interesses egoístas e muitos outros.
2
origem, já estabilizadas no âmbito da geração
que as promoveu, transferem-se às gerações
Aula
seguintes como herança cultural (NUNES,
2007, p. 142).
2
Na seca, a marca da pobreza do povo:
Aula
Eles são gente apenas
sem nenhum nome que os distinga;
que os distinga na morte
que aqui é anônima e seguida.
São como ondas de mar,
Uma só onda, e sucessiva.
Imagem 7: Rio Capibaribe
Fonte: http://static.panoramio.com/photos/original/6713035.jpg
2
e até gente não nascida).
Aula
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
algum roçado da cinza.
Mas, para que me conheçam
melhor Vossas Senhorias
e melhor possam seguir
a história de minha vida,
passo a ser o Severino
que em vossa presença emigra.
O RETIRANTE APROXIMA-SE DE UM
DOS CAIS DO CAPIBARIBE
2
porque senão ele alaga
Aula
e devasta a terra inteira.
— Seu José, mestre carpina,
e em que nos faz diferença
que como frieira se alastre,
ou como rio na cheia,
se acabamos naufragados
num braço do mar miséria?
— Severino, retirante,
muita diferença faz
entre lutar com as mãos
e abandoná-las para trás,
porque ao menos esse mar
não pode adiantar-se mais.
— Seu José, mestre carpina,
e que diferença faz
que esse oceano vazio
cresça ou não seus cabedais,
se nenhuma ponte mesmo
é de vencê-lo capaz?
— Seu José, mestre carpina,
que lhe pergunte permita:
há muito no lamaçal
apodrece a sua vida?
e a vida que tem vivido
foi sempre comprada à vista?
— Severino, retirante,
sou de Nazaré da Mata,
mas tanto lá como aqui
jamais me fiaram nada:
a vida de cada dia
cada dia hei de comprá-la.
— Seu José, mestre carpina,
e que interesse, me diga,
há nessa vida a retalho
que é cada dia adquirida?
2
um trabalhador explorado.
Aula
[...] (Fala de uma das ciganas:)
— Severino retirante,
deixe agora que lhe diga:
eu não sei bem a resposta
da pergunta que fazia,
se não vale mais saltar
fora da ponte e da vida;
nem conheço essa resposta,
se quer mesmo que lhe diga;
é difícil defender,
só com palavras, a vida,
ainda mais quando ela é
esta que vê, severina;
mas se responder não pude
à pergunta que fazia,
ela, a vida, a respondeu
com sua presença viva.
ATIVIDADES
2
“Na obra vicentina, o realismo mais estreme
Aula
vizinha com a mais solta fantasia e com o
mais refinado simbolismo; semelhantemente,
de auto para auto, e com freqüência dentro
do mesmo auto, acotovelam-se personagens
irreais (mitológicas, alegóricas, lendárias) e
personagens diretamente arrancadas à vida
real [...]” (REBELO, 1991, p. 23).
RESUMINDO
2
podemos estabelecer relações com autos contemporâneos,
Aula
destacando-se o poema dramático Morte e vida Severina, de
João Cabral de Melo Neto, bem como o Auto da Compade-
cida, de Ariano Suassuna.
REFERêNCIAS
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aula
Objetivo:
3
1 introdução
Aula
Nesta aula, estudaremos os aspectos mais relevantes
da comédia, introduzida em Portugal por Sá de Miranda, no
século XVI, e desenvolvida também por Camões. Posterior-
mente, colocaremos em cena a situação da literatura dramá-
tica portuguesa quando a Inquisição era uma infeliz realidade
para a sociedade portuguesa do século XVII, contexto em
que António José da Silva, o Judeu, produziu importantes
obras teatrais. Por fim, apresentamos as questões mais rele-
vantes relacionadas às comédias brasileiras de Martins Pena e
Artur de Azevedo.
86 Letras Vernáculas E AD
O RISO SÉRIO DAS COMÉDIAS E SEUS DESDOBRAMENTOS
3
pv000004.pdf>.
Aula
Você encontrará a versão integral do texto e a sua lei-
Figura 8: Sá de Miranda
tura será fundamental para o bom êxito desta nossa aula. Fonte: http://www.ovilaverdense.
com/images/stories/sa%20miranda.
3
Lucrécia, que é o mote de toda a ação, nunca aparece
Aula
em cena: ou seja, como objeto de desejo do herói, bas-
ta que seja indicada.
Os duplos, que provocam o humor, se estabelecem
nas oposições de complementaridade de caráter en-
tre os amos e os servos: Amente/Cassiano; Galbano/
Vidal; Amente/Calídio - e entre os próprios criados:
Calídio - impostura; Cassiano: sobriedade na manu-
tenção da tradição.
A comicidade pelos caracteres também se apresenta na
gula de Devorante (como já indica o nome - e é tam-
bém gula por conseguir viver de favores) e na fanfar-
ronice de Briabris, o soldado (a base de Sá de Miranda,
aqui, é Plauto e sua obra O soldado fanfarrão, na qual
o personagem tem uma arrogância proporcional a sua
falta de inteligência.
90 Letras Vernáculas E AD
O RISO SÉRIO DAS COMÉDIAS E SEUS DESDOBRAMENTOS
3
reconhecendo-se as louváveis intenções do autor, ele não
Aula
conseguiu superar o teatro tão vivo e espontâneo de Gil Vi-
cente.
Por sua vez, Luis de Camões escreveu os textos Fi- para conhecer
lodemo; Anfitriões e El-rei Seleuco. Reunidas no livro Teatro
Completo (2005), a prefaciadora Theresa Passos esclarece
que, nessas peças, definidas como Autos pelo autor, «Ca-
mões escolheu para os seus textos dramáticos a estrutura do
auto peninsular, entrelaçando nesta elementos estilísticos e
formais tomados de outras fontes» (p. 9-10).
O tema central das três peças é o mais recorrente para
o poeta português: o amor. De modo geral, os textos variam
diálogos em verso e em prosa e não apresentam divisões en-
Figura 9: Luiz de Camões
tre atos ou cenas. No caso de El-rei Seleuco, por exemplo, a Fonte: pt.wikipedia.org
saiba mais
“Os Anfitriões datam, ao que se crê, dos anos de estudante [de Camões] na Uni-
versidade de Coimbra, cujos estatutos [exigiam] a representação anual obrigatória
de uma comédia de Plauto ou Terêncio. Tais representações tê-lo-iam levado a eleger
o tema de uma das mais célebres comédias plautinas [...]. Uma narração de Plutarco
(que Camões teria conhecido através de referência que lhe é feita no Espelho dos ca-
sados de João de Barros, impresso em 1540), e talvez os Trionfi, de Petrarca, estão
por sua vez na base de El-rei Seleuco, representado em Lisboa entre 1542 e 1549,
em casa de um fidalgo da Corte de D. João III. Quanto ao Filodemo, que se sabe
ter sido levado à cena na Índia, em 1555, por ocasião das cerimônias de investidura
do governador Francisco Barreto, é uma comédia romanesca [...]. De estrutura mais
complexa que as suas antecessoras, nos seus cinco actos contesta-se sutilmente o
‘regimento do mundo’, estigmatizam-se as diferenças de casta e opõe-se ao amor
contemplativo o amor “pela activa”, que zomba das hierarquias e dos preconceitos
– ao mesmo tempo que por eles fluentemente circula aquele admirável lirismo que
impregna toda a obra do maior poeta de que a história da literatura porruguesa se
ufana” (REBELLO, 1991, p. 33).
3
Aula
Antônio José da Silva, o Judeu (Rio de Janeiro, 1705/
Lisboa, 1739), foi um importante nome do teatro português
do século XVIII, considerado autor de óperas de cunho popu-
lar. Sua obra, de tons cômicos e críticos, desenvolveu-se numa
época de difíceis e complexas relações em Portugal: enquanto
na Europa anunciava-se e afirmava-se o luminismo e Libera-
lismo, nas terras portuguesas a Inquisição atravessava os mo-
mentos mais cruentos de sua História, perseguindo judeus e
cristãos-novos.
Esse era o período de reinado de D. João V, cuja corte
vivia de maneira luxuosa, com ostentação, alimentando-se “dos
fabulosos lucros do ouro do Brasil. Esta [aparência de riqueza]
ofuscava, na verdade, as misérias de uma sociedade desestru-
turada do ponto de vista social e economicamente degradada”
(CARDOSO, 2008).
Nascido no Brasil, António José da Silva vinha de uma
família que aqui se refugiara do Santo Ofício: “durante algum
tempo milhares de judeus tinham vivido em paz em terras bra-
sileiras. Mas, em 1711, tinha António José seis anos, toda a sua
família é obrigada a abandonar o Rio de Janeiro e a regressar a
Portugal na seqüência de uma intensificação da atividade inqui-
sitorial [...]” (CARDOSO, 2008).
saiba mais
3
Barroco se (re)apresentam por meio “do recurso ao mara-
Aula
vilhoso, de diálogos engenhosos ao serviço de intrigas que
propiciam malabarismos de ilusão que deleitam os especta-
dores e os surpreendem a cada passo” (CARDOSO, 2008).
Uma curiosidade importante, que marca a obra desse
singular dramaturgo português, é o fato de suas peças não
terem sido editadas por ele:
leitura recomendada
Para aprofundar o seu
3 A COMÉDIA BRASILEIRA DO SÉCULO XIX
conhecimento sobre
este importante autor
do teatro português, 3.1 A crítica de costumes de Martins Pena e de
recomendamos a leitu-
Artur de Azevedo
ra de Concerto barroco
às óperas do Judeu, de
Francisco Maciel Silvei-
ra (São Paulo: Pers- Luis Carlos Martins Pena (Rio de Janeiro, 5 de no-
pectiva, 1992). Nesse
vembro de 1815 — Lisboa, 7 de dezembro de 1848) inicia
texto são discutidas
as várias facetas do sua dramaturgia com a comédia de costumes, e costumes
Judeu, inclusive ques-
tionando a possibilida- de um Brasil ainda muito rural, como são exemplos os seus
de de ter sido o dra- títulos O Juiz de paz na roça; A família e a festa na roça,
maturgo não um herói
destemido contra as podendo-se reconhecer nesses textos, que obtiveram grande
forças da reação con-
servadora (do Estado
sucesso de público, a forma desse viver na roça, as comidas,
e da Igreja), mas um os hábitos de convivência e seus falares. Mais tarde, em suas
homem marcado pe-
las contradições de peças, “o campo cede lugar à cidade, a descrição cuidadosa
seu tempo, que, enfim,
sempre concluía seus
ao movimento e teatralidade, a comédia de costumes à farsa
textos com finais feli- (COUTINHO, 2004, p. 15).
zes.
Para muitos críticos, a importância desse autor foi
a de ter descrito tipos que marcaram a tradição do teatro
cômico popular brasileiro: “o matuto ingênuo, o estrangeiro
esperto e embromador, a velha ranzinza, o malandro simpá-
tico ficaram para sempre em nossos palcos”.
Selecionamos, a seguir, um trecho da comédia Quem
casa quer casa, de 1845:
3
no mesmo
Aula
PAULINA, Hei de e hei de mandar!...
no mesmo
FABIANA Não há de e não há de mandar!...
PAULINA Eu lhe mostrarei. (Sai.)
FABIANA Ai, que estalo! Isto assim não vai longe....... Duas senhoras a
mandarem em uma casa.... é o inferno! Duas senhoras? A se-
nhora aqui sou eu; esta casa é de meu marido, e ela deve obe-
decer-me, porque é minha nora. Quer também dar ordens; isso
veremos...
PAULINA, Hei de mandar e hei de mandar, tenho dito! (Sai.)
aparecendo à porta
FABIANA, arre- Hum! Ora, eis aí está para que se casou meu filho, e trouxe a
pelando-se de raiva mulher para a minha casa. É isto constantemente. Não sabe o
senhor meu filho que quem casa quer casa... Já não posso, não
posso, não posso! (Batendo com o pé:) Um dia arrebento, e
então veremos! (Tocam dentro rabeca.) Ai, que lá está o outro
com a maldita rabeca... É o que se vê: casa-se meu filho e traz a
mulher para minha casa.... É uma desavergonhada, que se não
pode aturar. Casa-se minha filha, e vem seu marido da mesma
sorte morar comigo... É um preguiçoso, um indolente, que para
nada serve. Depois que ouviu no teatro tocar rabeca, deu-lhe a
mania para aí, e leva todo o santo dia – vum, vum, vim, vim! Já
tenho a alma esfalfada. (Gritando para a direita:) Ó homem,
não deixarás essa maldita sanfona? Nada! (Chamando:) Olaia!
(Gritando:) Olaia!
CENA II
OLAIA, entrando Minha mãe?
pela direita
FABIANA Não dirás a teu marido que deixe de atormentar-me os ouvidos com
essa infernal rabecada?
FABIANA Olaia, minha filha, tua mãe não resiste muito tempo a este mo-
do de viver...
OLAIA e estivesse em minhas mãos remediá-lo...
FABIANA Que podes tu? Teu irmão casou-se, e como não teve posses para
botar uma casa, trouxe a mulher para a minha. (Apontando:) Ali
está ela para meu tormento. O irmão dessa desavergonhada vinha
visitá-la frequentemente; tu o viste, namoricaste-o, e por fim de
contas casaste-te com ele... E caiu tudo em minhas costas! Irra,
que arreio com a carga! Faço como os camelos...
OLAIA Minha mãe!
FABIANA Ela, (apontando) uma atrevida que quer mandar tanto ou mais
do que eu; ele, (apontando) um mandrião romano, que só cuida
em tocar rabeca, e nada de ganhar a vida; tu, uma pateta, inca-
paz de dares um conselho à boa jóia de teu marido.
OLAIA Ele gritaria comigo...
FABIANA Pois grita tu mais do que ele, que é o meio das mulheres se faze-
rem ouvir. Qual histórias! É que tu és uma maricas. Teu irmão,
casado com aquele demônio, não tem forças para resistir à sua
língua e gênio; meu marido, que como dono da casa podia pôr
cobro nestas coisas, não cuida senão na carolice: sermões, terços,
procissões, festas, e o mais disse, e sua casa que ande ao Deus da-
rá... E eu que pague as favas! Nada, nada, isto assim não vai bem;
há de ter um termo... Ah!
3
das em brigas, em insultos, falta de compostura. “A comba-
Aula
tividade é, de resto, a maior arma destas criaturas medíocres
em tudo, exceto em discutir, enganar, em mentir, em usar
expedientes escusos” (COUTINHO, 2004, p. 15).
Outro nome importante desse período foi o de Ar-
tur Nabantino Gonçalves de Azevedo (São Luís, 7 de julho
de 1855 — Rio de Janeiro, 22 de outubro de 1908). Segundo
alguns críticos, Artur de Azevedo “já nasceu homem de te-
atro. Aos nove anos escreveu e representou, com os irmãos,
o seu primeiro drama, aos onze a sua primeira tragédia [...].
Aos vinte anos, [...] adapta aos costumes brasileiros uma
opereta do autor francês Lecocq, sob o título de a Filha de
Maria Angu [...]” (COUTINHO, 2004, p. 25). A peça foi
um sucesso e marcou a obra do autor; pois, a partir desse su-
cesso, seus textos, de modo geral, baseavam-se em enredos
fáceis, de atos ligeiros e burlescos, mas, se assim agradavam
o público menos exigente, nem por isso deixou de represen-
tar grande vivacidade com seus improvisos.
Dentre seus textos mais conhecidos, destaca-se A
capital federal, encenada em 1897. Destacamos a seguinte
passagem desse texto:
A CAPITAL FEDERAL
ATO I
Quadro I
— Cena I —
Coro e Coplas - De esperar estamos fartos
Os Hóspedes Nós queremos descansar!
Sem demora aos nossos quartos
Faz favor de nos mandar!
Os Criados
De esperar estamos fartos!
Precisamos descansar!
Um hotel com tantos quartos
O topete faz suar!
Um Hóspede Um banho quero!
Um Inglês Aoh! Mim quer come!
Uma Senhora Um quarto espero!
Um Fazendeiro Eu estou com fome!
O Gerente Um poucochinho de paciência!
Servidos todos vão ser, enfim!
Eu quando falo, fala a gerência!
Fiem-se em mim!
Coro Pois paciência, uma vez que assim quer a gerência!
Coplas - O Gerente
—I—
Este hotel está na berra!
Coisa é muito natural!
Jamais houve nesta terra
Um hotel assim mais tal!
toda a gente, meus senhores,
Toda a gente, ao vê-lo, diz:
Que os não há superiores
Na cidade de Paris!
Que belo hotel excepcional
O Grande Hotel da Capital Federal!
Coro Que belo hotel excepcional, O Grande Hotel da Capital Fe-
deral!
O Gerente
— II —
Nesta casa não é raro
Protestar algum freguês:
Acha bom, mas acha caro
Quando chega o fim do mês.
Por ser bom precisamente,
3
Se o freguês é do bom-tom
Aula
Vai dizendo a toda a gente
Que isto é caro mas é bom.
Que belo hotel excepcional!
O Grande Hotel da Capital Federal!
Coro Que belo hotel excepcional, etc...
O Gerente Vamos! Vamos! Aviem-se! Tomem as malas e encaminhem
(Aos criados.) estes senhores! Mexam-se! Mexam-se!...
(Vozeria. Os hóspedes pedem quartos, banhos, etc... Os criados respondem. Tomam as
malas, saem todos, uns pela escadaria, outros pela direita.)
saiba mais
Um nome singular na dramaturgia do século XIX foi o do escritor gaúcho José Joaquim de
Campos Leão, mais conhecido por seu pseudônimo Qorpo-Santo, “que ficou esquecido por
cem anos, quando descobriu-se um autor original, de perspectiva moderna e olhar crítico.
Foi precursor do Teatro do Absurdo e esteve muito além de seu tempo. Torna-se professor
primário passa a lecionar em escolas públicas, fixando-se na capital da província. Também
chega a exercer a função de delegado de polícia. Em 1862, as autoridades escolares passam
a suspeitar de sua sanidade mental, e Qorpo-Santo é obrigado a internar-se. Em 1868 é
considerado inapto para continuar lecionando e também para a administração de seus bens
e família. Em jornal que ele mesmo funda, A Justiça, protesta veementemente contra a de-
cisão da justiça, que o torna inapto. No mesmo período cria a Enciclopédia ou Seis Meses de
Uma Enfermidade, composta por nove tomos, dos quais só se conhecem seis atualmente.
é considerado um trabalho revolucionário e desnorteante na época. No IV volume, publica
todas as suas comédias que hoje conhecemos. A Edição, impressa em tipografia própria, foi
lançada em 1877. Qorpo-Santo rompeu com os padrões da época e, no provinciano final do
século XIX, esteve mais próximo de nossos tempos, do que no qual viveu”
Fonte: http://www.encontrosdedramaturgia.com.br/?page_id=987.
ATIVIDADES
3
gra, que outros conflitos são apresentados na peça?
Aula
• Esses conflitos nos permitem reconhecer alguns
valores sociais daquela época? Explique:
• Por fim, qual a relação do texto com seu titulo
(“Quem casa quer casa?)’
RESUMINDO
REFERêNCIAS
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aula
Objetivo:
• Apresentar as principais questões implicadas na estética
romântica e na estética modernista, no Brasil e em
Portugal, em relação aos gêneros do modo dramático.
DE QUE PRANTO VIVEM OS DRAMAS NO SÉCULO XIX
1 INTRODUÇÃO
4
car, no Brasil, esforçaram-se por renovar o teatro nacional,
Aula
desenvolvendo peças que fossem capazes de “traduzir” a
ansiedade por mudança de seu tempo, nas suas respectivas
realidades histórico-sociais.
A segunda metade do século XIX e a transição para
o século XX foram períodos, de modo geral, pouco revela-
dores em termos de arte dramática nesses mesmos países.
Com o Modernismo, já nos primeiros anos do século XX
em Portugal, e na segunda década, no Brasil, também não
se chegou a realizar uma efetiva mudança nesse quadro, em-
bora se deva reconhecer a importância da proposta antidra-
mática de Fernando Pessoa no teatro, por um lado, e, por
outro, sua alta dramaticidade existencial ao se (des)perso-
nalizar nos seus muitos heterônimos. No Brasil, autores co-
mo Álvaro Moreyra e Oswald de Andrade, numa realidade
posterior à da Semana de 22, também buscaram reavivar a
arte dramática, mas seu empenho acabou sendo reconheci-
do bem depois. É o que passaremos a estudar a seguir.
4
ciador do Romantismo, ainda estava muito impregnado das
Aula
convenções e valores estéticos clássicos, daí a necessidade
de observamos uma questão central na análise de Frei Luís
de Souza: trata-se, sem dúvida, como veremos, de um drama
atenção
romântico, mas com muitos traços e fundamentos da tragé- Para que você possa
dia clássica. acompanhar e ter um
efetivo aproveitamen-
Para compreendermos devidamente esse texto literá- to desta aula, leia, pri-
meiramente, a versão
rio dramático de Almeida Garrett, iniciaremos com alguns
integral da peça Frei
esclarecimentos a respeito de seu contexto histórico: a peça Luís de Souza, de Al-
meida Garrett, disponí-
foi escrita em 1843, mas a história representada desenrola- vel em:
se no início do século XVII, quando efetivamente viveu o http://web.portoedito-
ra.pt/bdigital/pdf/NT-
protagonista que dá nome ao texto: Manuel de Souza Cou- SITE99_FreiLuisSou.
pdf.
tinho, que se tornou o Frei Luís de Souza. O enredo do dra-
ma, portanto, está baseado em fatos reais, históricos: vivia-
se o tempo da dominação espanhola em Portugal, quando
também a peste bubônica espalhava-se pela Europa.
saiba mais
4
Para entendermos o drama vivido por D. Madalena,
Aula
precisamos considerar que o fato de o corpo do marido não
ter sido encontrado, mesmo após alguns anos, significava
uma possível esperança de retorno de D. João; e que, ocor-
rendo esse retorno, ela estaria em situação de adultério, o
que significava também a condição de a filha ser considerada
bastarda. Daí podemos perceber por que a protagonista, já
na primeira cena, apresenta-se angustiada. Essa tensão vai
ganhando amplitude durante o desenrolar dos acontecimen-
tos, e chega ao clímax quando, enfim, disfarçado de romei-
ro, D. João retorna. O desenlace não pode ser outro a não
ser o final das duas famílias: Maria, a filha, que sempre tivera
saúde frágil, morre quando os pais decidem entrar para a
vida religiosa – ela tornando-se Soror e ele o Frei Luís de
Souza. Assim, eles “morrem” para a vida social, mas salvam
seus valores e princípios morais.
Podemos, já com essa síntese, perceber os traços trá-
gicos que estruturam o texto, destacando-se os seguintes:
Cena III, 4:
TELMO: [...] Meu honrado amo, o filho
de meu nobre senhor, está vivo... o filho
que eu criei nestes braços... Vou saber
novas certas dele, no fim de vinte anos
de julgarem todos perdido ; e eu, eu que
sempre esperei, que sempre suspirei pela
sua vida... – era um milagre que eu espe-
rava sem o crer! – eu agora tremo... É que
o amor destoutra filha, desta última filha,
é maior e venceu... venceu... apagou o
outro... Perdoai-me, Deus, se é pecado.
4
consciência cristã: ela admite, em certa altura (II, 10), que
Aula
“o pecado estava-me no coração”, pois apaixonara-se por
Coutinho já na primeira vez que o viu, ou seja, trata-se do
romântico “amor à primeira vista”, só que, no caso da nobre
senhora, um amor “pecaminoso” pelas regras da Igreja, pois
ela ainda era casada. Conflito interior, portanto, escondido
“no segredo da sua consciência, na profundeza de seu foro
íntimo, onde ela tem acesso. Só ela e ... Deus” (MENDES,
1983, p. 31).
Muitos outros elementos podem ser analisados nes-
te texto dramático de Garrett, e daí sua grandeza. Por fim,
devemos lembrar que, para muitos especialistas da obra do
autor, a intenção desse escritor português era, com Frei Luís
de Souza, e enquanto homem romântico, homem das letras
e de ação concomitantemente, levar à reflexão um público
burguês que o julgara pelo mesmo crime: o amor desmedi-
do. Trata-se de uma série de analogias que podem ser esta-
belecidas entre a peça e sua vida:
4
Aula
Então? Concluída a leitura? O que achou da cena final?
Sem dúvida, trata-se, como podemos perceber, de um
texto com muitos ingredientes da tragédia (todos os persona-
gens têm caráter elevado, são nobres de diferentes estratos; o
enredo se move pela fatalidade etc.), mas marcadamente ro-
mântico pelos ideais propostos.
saiba mais
4
texto (PRADO, 1970).
Aula
Outro relevante nome do Romantismo brasileiro que
não deixou de escrever para o teatro, pelas questões que já
estudamos (gênero mais concorrido na época, com grande
público, caráter pedagógico etc.) foi José de Alencar. Aqui
vamos conhecer alguns dos principais aspectos de sua prin-
cipal peça, a mais conhecida e comentada: O demônio fami-
liar, que você também encontra em versão integral no site
www.dominiopublico.gov.br. Então, vamos iniciar a leitura
desse texto?
Leitura concluída, continuemos com nosso estudo,
cujo principal foco será reconhecer o nacionalismo presente
nesse texto dramático alencariano.
Vamos começar situando a literatura dramática de
José de Alencar no contexto de sua produção artística:
4
segunda metade do século XIX, e o responsável pelas
Aula
confusões da intriga, o que ficamos sabendo logo no
início da peça, conduz o leitor/espectador à valoração
depreciativa estampada no título. Essa condução, en-
tretanto, levanta muitas questões sobre o caráter mais
ou menos conservador do texto diante da escravidão
naquele momento da vida social brasileira. Voltaremos
a isso.
• Se observarmos as partes constitutivas da peça, confir-
mamos se tratar de uma comédia dividida em quatro
atos, mas sem grande mobilidade de cenários, sendo que
o material textual não apresenta muitas didascálias, prio-
rizando-se o diálogo.
• A intriga tem como base as ardilosas trapalhadas de
Pedro, o escravo de Eduardo, médico liberal, que colo-
cam em risco a felicidade de dois casais e desvelam os
valores sociais daquele tempo. Essa é uma das questões
importantes para a proposição estético-literária de Jo-
4
embora esse olhar se aproxime mais do
senhor branco e sua pureza familiar que
Aula
dos inconvenientes para o negro escravo.
O movimento da peça aponta para uma
melhor forma de organização social, tida
como mais civilizada e libertadora frente à
prisão moral da escravidão, porque além de
o escravo ascender ao mundo do trabalho
livre, o senhor também ficaria livre daquele
escravo e dos inconvenientes causados por
suas intrigas (MORAES, s/d, s/p).
4
Queirós (autor de O grande homem, 1881, sátira política pre-
Aula
tensamente com traços naturalistas) e Guilherme de Azevedo
(com Rosalino, de 1877, uma contundente crítica à burguesia
lisboeta). Trataram-se, contudo, “de experiências isoladas [...],
[evidenciando] a permanência do legado romântico, que iria
aliás prolongar-se por muito tempo ainda na cena portuguesa
(REBELLO, 1991, p. 72).
Já nos primeiros anos do século XX, ganham a cena
portuguesa peças representadas pelo grupos Teatro Livre e Te-
atro Moderno, esse uma dissidência daquele, com o intuito de
renovar a dramaturgia em Portugal. Porém, “de valor desigual,
por vezes [eram] excessivamente panfletárias e discursivas,
[no combate à] a moral convencional e denúncia às injustiças
sociais [...] (REBELLO, 1991, p. 76).
Assim, somente quando, em 1915, é publicada a re-
vista Orpheu, marco inicial do Modernismo português,
encontra-se uma efetiva renovação dos questionamentos
sobre a literatura dramática em Portugal. Nessa revista, em
O Marinheiro
Drama estático em um quadro
Fernando Pessoa
Um quarto que é sem dúvida num castelo antigo. Do quarto vê-se que é circular. Ao
centro ergue-se, sobre uma mesa, um caixão com uma donzela, de branco. Quatro to-
chas aos cantos.
À direita, quase em frente a quem imagina o quarto, há uma única janela, alta e estreita,
dando para onde só se vê, entre dois montes longínquos, um pequeno espaço de mar.
Do lado da janela velam três donzelas. A primeira está sentada em frente à janela, de
costas contra a tocha de cima da direita. As outras duas estão sentadas uma de cada lado
da janela. É noite e há como que um resto vago de luar.
PRIMEIRA Ainda não deu hora nenhuma.
VELADORA
SEGUNDA Não se pode ouvir. Não há relógio aqui perto. Dentro em pouco
deve ser dia.
TERCEIRA Não: o horizonte é negro.
PRIMEIRA Não desejais, minha irmã, que nos entretenhamos contando o que
fomos? É belo e é sempre falso...
SEGUNDA Não, não falemos nisso. De resto, fomos nós alguma cousa?
PRIMEIRA Talvez. Eu não sei. Mas, ainda assim, sempre é belo falar do passa-
do... As horas têm caído e nós temos guardado silêncio. Por mim,
tenho estado a olhar para a chama daquela vela. Às vezes treme,
outras torna-se mais amarela, outras vezes empalidece. Eu não sei
por que é que isso se dá. Mas sabemos nós, minhas irmãs, por que
se dá qualquer cousa?... (uma pausa).
A MESMA Falar do passado — isso deve ser belo, porque é inútil e faz tanta
pena...
4
dá-nos sempre saudades daquele que não veremos nunca...(uma
Aula
pausa)
PRIMEIRA Não dizíamos nós que íamos contar o nosso passado?
SEGUNDA Não, não dizíamos.
TERCEIRA Por que não haverá relógio neste quarto?
SEGUNDA Não sei... Mas assim, sem o relógio, tudo é mais afastado e misterio-
so. A noite pertence mais a si própria... Quem sabe se nós podería-
mos falar assim se soubéssemos a hora que é?
PRIMEIRA Minha irmã, em mim tudo é triste. Passo Dezembros na alma...
Estou procurando não olhar para a janela. Sei que de lá se veem,
ao longe, montes... Eu fui feliz para além de montes, outrora...
Eu era pequenina. Colhia flores todo o dia e antes de adormecer
pedia que não mas tirassem... Não sei o que isto tem de irreparável
que me dá vontade de chorar... Foi longe daqui que isto pôde ser...
Quando virá o dia?...
TERCEIRA Que importa? Ele vem sempre da mesma maneira... sempre, sem-
pre, sempre... (uma pausa)
4
vida nem a orla das nossas vestes... Não, não vos levanteis. Isso se-
Aula
ria um gesto, e cada gesto interrompe um sonho... Neste momento
eu não tinha sonho nenhum, mas é-me suave pensar que o podia
estar tendo... Mas o passado — por que não falamos nós dele?
PRIMEIRA Decidimos não o fazer... Breve raiará o dia e arrepender-nos-
emos... Com a luz os sonhos adormecem... O passado não é senão
um sonho... De resto, nem sei o que não é sonho. Se olho para o
presente com muita atenção, parece-me que ele já passou... O que é
qualquer cousa? Como é que ela passa? Como é por dentro o mo-
do como ela passa?... Ah, falemos, minhas irmãs falemos alto, fale-
mos todas juntas... O silêncio começa a tomar corpo, começa a ser
cousa... Sinto-o envolver-me como uma névoa... Ah, falai, falai!...
SEGUNDA Para quê?... Fito-vos a ambas e não vos vejo logo... Parece-me que
entre nós se aumentaram abismos... Tenho que cansar a ideia de
que vos posso ver para poder chegar a ver-vos... Este ar quente é
frio por dentro, naquela parte que toca na alma... Eu devia agora
sentir mãos impossíveis passarem-me pelos cabelos — é o gesto
com que falam das sereias... (Cruza as mãos sobre os joelhos. Pau
ver outras terras... Tudo ali era longo e feliz como o canto de duas
aves, uma de cada lado do caminho... A floresta não tinha outras
clareiras senão os nossos pensamentos... E os nossos sonhos eram
de que as árvores projetassem no chão outra calma que não as suas
sombras... Foi decerto assim que ali vivemos, eu e não sei se mais
alguém... Dizei-me que isto foi verdade para que eu não tenha de
chorar...
SEGUNDA Eu vivi entre rochedos e espreitava o mar... A orla da minha saia era
fresca e salgada batendo nas minhas pernas nuas... Eu era peque-
na e bárbara... Hoje tenho medo de ter sido... O presente parece-
me que durmo... Falai-me das fadas. Nunca ouvi falar delas a nin-
guém... O mar era grande de mais para fazer pensar nelas... Na vida
aquece ser pequeno... Éreis feliz, minha irmã?
PRIMEIRA — Começo neste momento a tê-lo sido outrora... De
resto, tudo aquilo se passou na sombra... As árvores viveram-no
mais do que eu... Nunca chegou nem eu mal esperava... E vós irmã,
por que não falais?
4
TERCEIRA Tenho horror a de aqui a pouco vos ter já dito o que vos vou dizer.
Aula
As minhas palavras presentes, mal eu as digo, pertencerão logo ao
passado, ficarão fora de mim, não sei onde, rígidas e fatais... Falo,
e penso nisto na minha garganta, e as minhas palavras parecem-me
gente... Tenho um medo maior do que eu. Sinto na minha mão, não
sei como, a chave de uma porta desconhecida. E toda eu sou um
amuleto ou um sacrário que estivesse com consciência de si pró-
prio. É por isto que me apavora ir, como por uma floresta escura,
através do mistério de falar... E, afinal, quem sabe se eu sou assim e
se é isto sem dúvida que sinto?...
PRIMEIRA Custa tanto saber o que se sente quando reparamos em nós!...
Mesmo viver sabe a custar tanto quando se dá por isso... Falai, por-
tanto, sem reparardes que existis... Não nos íeis dizer quem éreis?
TERCEIRA O que eu era outrora já não se lembra de quem sou... Pobre da feliz
que eu fui !... Eu vivi entre as sombras dos ramos, e tudo na minha
alma é folhas que estremecem. Quando ando ao sol a minha som-
bra é fresca. Passei a fuga dos meus dias ao lado de fontes, onde eu
molhava, quando sonhava de viver, as pontas tranqüilas dos meus
SEGUNDA Vou dizer-vo-lo. Não é inteiramente falso, porque sem dúvida nada
é inteiramente falso. Deve ter sido assim... Um dia que eu dei por
mim recostada no cimo frio de um rochedo, e que eu tinha esque-
cido que tinha pai e mãe e que houvera em mim infância e outros
dias — nesse dia vi ao longe, como uma coisa que eu só pensasse
em ver, a passagem vaga de uma vela. Depois ela cessou... Quando
reparei para mim, vi que já tinha esse meu sonho... Não sei onde
ele teve princípio.. . E nunca tornei a ver outra vela... Nenhuma das
velas dos navios que saem aqui de um porto se parece com aquela,
mesmo quando é lua e os navios passam longe devagar...
PRIMEIRA Vejo pela janela um navio ao longe. É talvez aquele que vistes...
SEGUNDA Não, minha irmã; esse que vedes busca sem dúvida um porto qual-
quer... Não podia ser que aquele que eu vi buscasse qualquer por-
to...
PRIMEIRA Por que é que me respondestes?... Pode ser... Eu não vi navio ne-
nhum pela janela... Desejava ver um e falei-vos dele para não ter
pena... Contai-nos agora o que foi que sonhastes à beira-mar...
4
Aula
Nessa continuidade do texto, podemos perceber ain-
da mais claramente o que já apontamos: o quanto, em lugar
de uma ação, é a própria linguagem dramatizada que está em
cena. A ficcionalidade ganha o espaço da reflexão proposta
pela peça: como personagens, as veladoras colocam em cena
a dúvida sobre sua existência e reforçam a importância do
“sonhar’, do contar histórias: “Contemos contos umas às
outras”, diz a segunda veladora; e a terceira, a certa altura,
reflete: “As minhas palavras presentes, mal eu as digo, per-
tencerão logo ao passado, ficarão fora de mim, não sei onde,
rígidas e fatais... Falo, e penso nisto na minha garganta, e as
minhas palavras parecem-me gente...”.
Finalizemos nossa leitura – e, enfim, “entra em cena”
o marinheiro que dá título à peça (já reserve uma resposta
para o sentido desse título: por que o destaque fica com o
marinheiro?).
deceu... O dia não pode já tardar... Será preciso que eu vos fale ainda
mais do meu sonho?
PRIMEIRA Contai sempre, minha irmã, contai sempre... Não pareis de contar,
nem repareis em que dias raiam... O dia nunca raia para quem encos-
ta a cabeça no seio das horas sonhadas... Não torçais as mãos. Isso
faz um ruído como o de uma serpente furtiva... Falai-nos muito mais
do vosso sonho. Ele é tão verdadeiro que não tem sentido nenhum.
Só pensar em ouvir-vos me toca música na alma...
SEGUNDA Sim, falar-vos-ei mais dele. Mesmo eu preciso de vo-lo contar. À me-
dida que o vou contando, é a mim também que o conto... São três a
escutar... (De repente, olhando para o caixão, e estremecendo). Três
não... Não sei... Não sei quantas...
TERCEIRA Não faleis assim... Contai depressa, contai outra vez... Não faleis em
quantos podem ouvir... Nós nunca sabemos quantas coisas realmen-
te vivem e vêem e escutam... Voltai ao vosso sonho... O marinheiro.
O que sonhava o marinheiro?
SEGUNDA (mais baixo, numa voz muito lenta) — Ao princípio ele criou as
4
paisagens, depois criou as cidades; criou depois as ruas e as traves-
sas, uma a uma, cinzelando-as na matéria da sua alma — uma a uma
Aula
as ruas, bairro a bairro, até às muralhas dos cais de onde ele criou
depois os portos... Uma a uma as ruas, e a gente que as percorria
e que olhava sobre elas das janelas... Passou a conhecer certa gen-
te, como quem a reconhece apenas... Ia-lhes conhecendo as vidas
passadas e as conversas, e tudo isto era como quem sonha apenas
paisagens e as vai vendo... Depois viajava, recordando, através do
país que criara... E assim foi construindo o seu passado... Breve ti-
nha uma outra vida anterior... Tinha já, nessa nova pátria, um lugar
onde nascera, os lugares onde passara a juventude, os portos onde
embarcara... Ia tendo tido os companheiros da infância e depois os
amigos e inimigos da sua idade viril... Tudo era diferente de como
ele o tivera — nem o país, nem a gente, nem o seu passado próprio
se pareciam com o que haviam sido... Exigis que eu continue?...
Causa-me tanta pena falar disto!... Agora, porque vos falo disto,
aprazia-me mais estar-vos falando de outros sonhos...
TERCEIRA Continuai, ainda que não saibais porquê... Quanto mais vos ouço,
mais me não pertenço...
PRIMEIRA Será bom realmente que continueis? Deve qualquer história ter fim?
Em todo o caso falai... Importa tão pouco o que dizemos ou não
dizemos... Velamos as horas que passam... O nosso mister é inútil
como a Vida...
SEGUNDA Um dia, que chovera muito, e o horizonte estava mais incerto, o
marinheiro cansou-se de sonhar... Quis então recordar a sua pátria
verdadeira..., mas viu que não se lembrava de nada, que ela não exis-
tia para ele... Meninice de que se lembrasse, era a na sua pátria de
sonho; adolescência que recordasse, era aquela que se criara... Toda a
sua vida tinha sido a sua vida que sonhara... E ele viu que não podia
ser que outra vida tivesse existido... Se ele nem de uma rua, nem de
uma figura, nem de um gesto materno se lembrava... E da vida que
lhe parecia ter sonhado, tudo era real e tinha sido... Nem sequer
podia sonhar outro passado, conceber que tivesse tido outro, como
todos, um momento, podem crer... Ó minhas irmãs, minhas irmãs...
Há qualquer coisa, que não sei o que é, que vos não disse... Qualquer
coisa que explicaria isto tudo... A minha alma esfria-me... Mal sei se
tenho estado a falar... Falai-me, gritai-me, para que eu acorde, para
que eu saiba que estou aqui! ante vós e que há coisas que são apenas
sonhos...
PRIMEIRA (numa voz muito baixa) — Não sei que vos diga... Não ouso olhar
para as cousas... Esse sonho como continua?...
SEGUNDA Não sei como era o resto.... Mal sei como era o resto... Por que ha-
verá mais?...
PRIMEIRA E o que aconteceu depois?
SEGUNDA Depois? Depois de quê? Depois é alguma cousa?... Veio um dia um
barco... Veio um dia um barco... — Sim, sim... só podia ter sido as-
sim... — Veio um dia um barco, e passou por essa ilha, e não estava
lá o marinheiro.
TERCEIRA Talvez tivesse regressado à pátria... Mas a qual?
PRIMEIRA Sim, a qual? E o que teriam feito ao marinheiro? Sabê-lo-ia alguém?
SEGUNDA Por que é que mo perguntais? Há resposta para alguma coisa? (uma
pausa)
TERCEIRA Será absolutamente necessário, mesmo dentro do vosso sonho, que
tenha havido esse marinheiro e essa ilha?
SEGUNDA Não, minha irmã; nada é absolutamente necessário.
4
valeu a pena... É por isso que o achei belo... Não foi por isso, mas
Aula
deixai que eu o diga... De resto, a música da vossa voz, que escute
ainda mais que as vossas palavras, deixa-me, talvez só por ser música,
descontente...
SEGUNDA Tudo deixa descontente, minha irmã... Os homens que pensam can-
sam-se de tudo, porque tudo muda. Os homens que passam pro-
vam-no, porque mudam com tudo... De eterno e belo há apenas o
sonho... Por que estamos nós falando ainda?...
PRIMEIRA Não sei... (olhando para o caixão, em voz mais baixa) — Por que é que se
morre?
SEGUNDA Talvez por não se sonhar bastante...
PRIMEIRA É possível... Não valeria então a pena fecharmo-nos no sonho e es-
quecer a vida, para que a morte nos esquecesse?...
SEGUNDA Não, minha irmã, nada vale a pena...
TERCEIRA Minhas irmãs, é já dia... Vede, a linha dos montes maravilha-se... Por
que não choramos nós?... Aquela que finge estar ali era bela, e nova
como nós, e sonhava também... Estou certa que o sonho dela era o
mais belo de todos... Ela de que sonharia?...
PRIMEIRA Falai mais baixo. Ela escuta-nos talvez, e já sabe para que servem os
sonhos...(uma pausa)
SEGUNDA Talvez nada disto seja verdade... Todo este silêncio, e esta morta, e este
dia que começa não são talvez senão um sonho... Olhai bem para tudo
isto... Parece-vos que pertence à vida?...
PRIMEIRA Não sei. Não sei como se é da vida... Ah, como vós estais parada! E
os vossos olhos tão tristes, parece que o estão inutilmente...
SEGUNDA Não vale a pena estar triste de outra maneira... Não desejais que nos
calemos? É tão estranho estar a viver... Tudo o que acontece é inacre-
ditável, tanto na ilha do marinheiro como neste mundo... Vede, o céu
é já verde... O horizonte sorri ouro... Sinto que me ardem os olhos,
de eu ter pensado em chorar...
PRIMEIRA Chorastes, com efeito, minha irmã.
SEGUNDA Talvez... Não importa... Que frio é isto?... Ah, é agora... é agora!...
Dizei-me isto... Dizei-me uma coisa ainda... Por que não será a única
coisa real nisto tudo o marinheiro, e nós e tudo isto aqui apenas um
sonho dele?...
PRIMEIRA Não faleis mais, não faleis mais... Isso é tão estranho que deve ser
verdade. Não continueis... O que íeis dizer não sei o que é, mas de-
ve ser de mais para a alma o poder ouvir... Tenho medo do que não
chegastes a dizer... Vede, vede, é dia já... Vede o dia... Fazei tudo
por reparardes só no dia, no dia real, ali fora... Vede-o, vede-o... Ele
consola.. Não penseis, não olheis para o que pensais... Vede-o a vir,
o dia... Ele brilha como ouro numa terra de prata. As leves nuvens
arredondam-se à medida que se coloram.. Se nada existisse, minhas
irmãs?... Se tudo fosse, qualquer modo, absolutamente coisa nenhu-
ma?... Porque olhastes assim?...(Não lhe respondem. E ninguém
olhara de nenhuma maneira.)
A MESMA Que foi que dissestes e que me apavorou?... Senti-o tanto que mal
vi o que era... Dizei-me o que foi, para que eu, ouvindo-o segunda
vez, já não tenha tanto medo como dantes... Não, não... Não digais
nada...Não vos pergunto isto para que me respondais, mas para falar
apenas, para me não deixar pensar... Tenho medo de me poder lem-
brar do que foi... Mas foi qualquer coisa de grande e pavoroso como
o haver Deus... Devíamos já ter acabado de falar... Há tempo já que
a nossa conversa perdeu o sentido... O que é entre nós que nos faz
falar prolonga-se demasiadamente... Há mais presenças aqui do que
4
TERCEIRA Minha irmã, não nos devíeis ter contado essa história. Agora estra-
Aula
(para a nho-me viva com mais horror. Contáveis e eu tanto me distraía que
SEGUN- ouvia o sentido das vossas palavras e o seu som separadamente. E
DA) parecia-me que vós, e a vossa voz, e o sentido do que dizíeis eram
três entes diferentes, como três criaturas que falam e andam.
SEGUNDA São realmente três entes diferentes, com vida própria e real. Deus
talvez saiba porquê... Ah, mas por que é que falamos? Quem é que
nos faz continuar falando? Por que falo eu sem querer falar? Por que
é que já não reparamos que é dia?...
PRIMEIRA Quem pudesse gritar para despertarmos! Estou a ouvir-me a gritar
dentro de mim, mas já não sei o caminho da minha vontade para a
minha garganta. Sinto uma necessidade feroz de ter medo de que
alguém possa bater àquela porta. Por que não bate alguém à porta?
Seria impossível e eu tenho necessidade de ter medo disso, de saber
de que é que tenho medo... Que estranha que me sinto!... Parece-
me já não ter a minha voz... Parte de mim adormeceu e ficou a ver...
O meu pavor cresceu mas eu já não sei senti-lo... Já não sei em que
parte da alma é que se sente...Puseram ao meu sentimento do meu
corpo uma mortalha de chumbo... Para quefoi que nos contastes a
vossa história?
SEGUNDA Já não me lembro... Já mal me lembro que a contei... Parece tersido
já há tanto tempo!... Que sono, que sono absorve o meu modo de
olhar para as coisas!... O que é que nós queremos fazer? o que é que
nós temos idéia de fazer? — já não sei se é falar ou não falar...
PRIMEIRA Não falemos mais. Por mim, cansa-me o esforço que fazeis para fa-
lar... Dói-me o intervalo que há entre o que pensais e o que dizeis...
A minha consciência bóia à tona da sonolência apavorada dos meus
sentidos pela minha pele... Não sei o que é isto, mas é o que sinto...
Preciso de dizer frases confusas um pouco longas, que custem a di-
zer... Não sentis tudo isto como uma aranha enorme que nos tece de
alma a alma uma teia negra que nos prende?
SEGUNDA Não sinto nada... Sinto as minhas sensações como uma coisa que se
sente... Quem é que eu estou sendo?... Quem é que está falando com
a minha voz?... Ah, escutai...
PRIMEIRA Quem foi?
e
TERCEIRA
SEGUNDA Nada. Não ouvi nada... Quis fingir que ouvia para que vós supusés-
seis que ouvíeis e eu pudesse crer que havia alguma coisa a ouvir...
Oh, que horror, que horror íntimo nos desata a voz da alma, e as
sensações dos pensamentos, e nos faz falar e sentir e pensar quando
tudo em nós pede silêncio e o dia e a inconsciência da vida... Quem
é a quinta pessoa neste quarto que estende o braço e nos interrompe
sempre que vamos a sentir?
PRIMEIRA Para quê tentar apavorar-me? Não cabe mais terror dentro de mim...
Peso excessivamente ao colo de me sentir. Afundei-me toda no lodo
morno do que suponho que sinto. Entra-me por todos os sentidos
qualquer coisa que nos pega e nos vela. Pesam as pálpebras a todas as
minhas sensações. Prende-se a língua a todos os meus sentimentos.
Um sono fundo cola umas às outras as idéias de todos as meus ges-
tos. Por que foi que olhastes assim?...
TERCEIRA Ah, é agora, é agora... Sim, acordou alguém... Há gente que acorda...
(numa voz Quando entrar alguém tudo isto acabará... Até lá façamos crer que
muito lenta todo este horror foi um longo sono que fomos dormindo... É dia
e apagada) já. Vai acabar tudo... E de tudo isto fica, minha irmã, que só vós sois
feliz, porque acreditais no sonho...
SEGUNDA Por que é que mo perguntais? Porque eu o disse? Não, não acredi-
to...
Um galo canta. A luz, como que subitamente, aumenta. As três ve-
ladoras quedam-se silenciosas e sem olharem umas para as outras.
Não muito longe, por uma estrada, um vago carro geme e chia.
4
Pessoa ou o poetodrama (1991). Retomemos as personagens:
Aula
[...] as três Veladoras só aparentemente
são personagens distintas. As suas falas
retomam-se umas às outras ao longo do
drama, numa espécie de solilóquio obses-
sivo, reduzindo-se a três vozes que entre
si ecoam, até que sua própria identidade
se dissolve: ‘Quem é que eu estou sendo?
Quem é que está falando com a minha
voz?’ (SEABRA, 1991, p. 29).
4
bridades do momento, com comédias e farsas estrangeiras,
sobretudo, que garantiam um bom público. Renovar, sacu-
Aula
dir e transformar essa situação era tarefa das mais difíceis e
foi preciso algum tempo para que ocorresse alguma modi-
ficação nesse panorama. Assim, somente no final dos anos
de 1920 e durante a década de 1930 é que se registram pre-
ocupações “com a modernização da dramaturgia e do espe-
táculo teatral, com Renato Viana, Álvaro Moreyra, Flávio
de Carvalho, Antônio de Alcântara Machado e Oswald de
Andrade, espíritos sintonizados com as conquistas moder-
nistas” (FARIA, 1998, p. 114).
Desses autores, destacamos dois: Alvaro Moreyra e
Oswald de Andrade.
O primeiro escreveu, em 1925, a peça Adão, Eva e
outros membros da família, dividida em quatro atos, “cons-
truída com linguagem, personagens e problemas que de fato
não tinham ainda aparecido na dramaturgia brasileira” (FA-
RIA, 1998, p. 110). O enredo pode ser assim apresentado de
maneira sintética:
saiba mais
amador idealizado pelo próprio Álvaro Moreyra, que con- saiba mais
tou com a colaboração de sua mulher, a atriz e declamadora Sobre o grupo Teatro
do Estudante, assim
Eugênia Moreyra, Joracy Camargo, Di Cavalcanti, Brutus declarou seu criador,
Paschoal Carlos Mag-
Pedreira, Alvarus e vários outros” (FARIA, 1998, p. 112). no: “Esse teatro de
Sobre os objetivos e o nome dado ao grupo, assim se pro- jovens imediatamen-
te obteve ressonância
nunciou o autor: nacional. Que fez ele?
Impôs a presença de
um diretor como res-
Eu sempre cismei um teatro que fizesse sor-
ponsável pela unidade
rir, mas que fizesse pensar. Um teatro com artística do espetácu-
reticências... Um teatro que se chamasse lo. Valorizou a contri-
Teatro de Brinquedo e tivesse como única buição do cenário e
dos figurinistas traba-
literatura uma epígrafe do velho Goethe:
lhando sob a orienta-
“Humanidade divide-se em duas espécies, ção do diretor. Exigiu
a dos bonecos que representam um papel melhoria do repertó-
aprendido e a dos naturais,espécie menos rio e maior dignidade
artística. [...] Impôs
numerosa de entes que nascem, vivem e a fala brasileira no
movem-se segundo Deus as criou...” Um nosso palco infestado
teatro de bonecos? Sim. Mas supondo de sotaque lusitano.
Abriu caminho, serviu
que nessa estação do século XX, os bone-
de exemplo” (apud
cos, de tal maneira aperfeiçoados, dessem FARIA, 1998, p. 115).
a sensação de gente de carne, osso, alma,
4
Já sobre o grupo Os
espírito... Por que de brinquedo? Porque Comediantes, deve-
Aula
mos saber que, para
os cenários imitam caixas de brinque-
muitos críticos, sua
dos, simples, infantis (MOREYRA apud importância esteve em
RIEGO, 2006, p. 81). modificar o panorama
brasileiro, “em que o
intérprete principal
O grupo, entretanto, teve vida breve, conseguindo assegura o prestígio
popular da apresen-
realizar apenas mais uma montagem, o que não diminui sua tação independente-
mente do texto, do
importância nesse contexto da vida teatral brasileira. De to- resto do elenco e dos
do modo, somente no final dos anos de 1930 desenvolveu- acessórios [transferin-
do] para o encenador
se de modo mais efetivo a renovação do teatro no país com o papel de vedete”
(MAGALDI apud FA-
a atuação de dois grupos amadores do Rio de Janeiro: “o RIA, 1998, p. 115).
Teatro do Estudante, criado por Paschoal Carlos Magno,
em 1938, e Os Comediantes, grupo que estreou em 1940 e
que contou com o trabalho de intelectuais como Santa Rosa,
Brutus Pedreira e Adacto Filho” (FARIA, 1998, p. 114).
Quanto a Oswald de Andrade, muitos críticos consi-
deram que coube a ele “a mais genial tentativa malograda de
um teatro modernista, daquele teatro que poderia ser e não
foi [...]” (STEGAGNO-PICCHIO, 1997, p. 506). Três são
4
por Oswald, que preferiu desmontar a engre-
nagem nos seus elementos fundamentais, em
Aula
vez de escamoteá-la com criaturas menos ex-
emplificativas (MAGALDI, 2004, p. 66-67).
“A Álvaro Moreyra
e
Eugênia Álvaro Moreyra
na dura criação
de um enjeitado – o teatro
nacional,
O.A.
São Paulo, junho de 1937”
Heloísa (mos- Por que que você tem esse quadro aí...
trando a Giocon-
da)
Abelardo I A Gioconda... Um naco de beleza.
O primeiro sorriso burguês...
4
Abelardo I Que não deram aos que não podem viver sem empréstimos.
Aula
Heloísa Meus pais... meus tios... meus primos...
Abelardo I Os velhos senhores da terra que tinham que dar lugar aos novos
senhores da terra!
Heloísa No entanto, todos dizem que acabou a época dos senhores e dos
latifúndios...
Abelardo I Você sabe que o meu caso prova o contrário. Ainda não tenho o
número de fazendas que seu pai tinha, mas já possuo uma área
cultivada maior que a que ele teve no apogeu.
Heloísa Há dez anos... A saca de café a duzentos mil-réis!
Abelardo I Estamos de fato num ponto crítico em que podem predominar,
aparentemente e em número, as pequenas lavouras. Mas nun-
ca como potência financeira. Dentro do capitalismo, a peque-
na propriedade seguirá o destino da ação isolada nas socieda-
des anônimas. O possuidor de uma é mito econômico. Senhora
minha noiva, a concentração do capital é um fenômeno que eu
apalpo com as minhas mãos. Sob a lei da concorrência, os fortes
comerão sempre os fracos. Desse modo é que desde já os latifún-
dios paulistas se reconstituem sob novos proprietários.
Fonte: ANDRADE, Oswald. Literatura comentada. Seleção de textos, notas, estudos biográfico e histórico
por Jorge Schwartz. São Paulo: Abril, 1980, p. 77-78.
4
excursão do elenco pelo Brasil, em 1971, não era mais possí-
Aula
vel pôr em dúvida a excelência do texto. A posteridade fez a
Oswald a justiça que ele não teve em vida. A única vantagem
é que esse juízo costuma ser duradouro”.
ATIVIDADES
4
Aula
3. Sobre o teatro no Modernismo português e brasileiro:
RESUMINDO
REFERêNCIAS
4
MENDES, João Daniel Marques. Introdução à leitura do
Aula
Frei Luís de Souza. Coimbra: Almedina, 1983.
MORAES, Vera. O demônio familiar – comédia de costu-
mes no teatro alencariano. Disponível em:
http://www.ceara.pro.br/acl/revistas/ColecaoDiversos/Jose-
Alencar/VeraMoraes.pdf
PESSOA, Fernando. O marinheiro. Disponível em:
http://www.planonacionaldeleitura.gov.pt/clubedeleituras/
upload/e_livros/clle000163.pdf.
PRADO, Décio de Almeida. Leonor de Mendonça de
Gonçalves Dias. Revista do IEB, São Paulo, n.. 08, 1970.
p. 91 a 106. Disponível em: http://143.107.31.231/Acer-
vo_Imagens/Revista/REV008/Media/REV08-06.pdf.
______. Os demônios familiares de Alencar. Revista do
IEB, São Paulo, n. 15, 1974, p. 27-57. Disponível em:
http://143.107.31.231/Acervo_Imagens/Revista/REV015/Me-
dia/.pdf.
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aula
O PALCO DA SOCIEDADE EM
CRISE
Objetivo:
1 INTRODUÇÃO
5
potência mundial.
Aula
As contradições entre campo e cidade, as limitações
da pequena burguesia urbana, a necessidade de mudanças
conjunturais foram alguns dos temas caros aos novos dra-
maturgos que se voltavam a um texto dramático crítico, em
diferentes gêneros. Autores como Nelson Rodrigues, Jorge
Andrade e Guarnieri, para citarmos alguns dos mais impor-
tantes desse período, renovaram a dramaturgia brasileira.
De igual modo, na esteira do teatro épico, que estudaremos,
os textos dramáticos de Boal visavam à conscientização po-
pular diante da injustiça, da opressão e dos desmandos de
toda ordem, quando nosso país enfrentava os anos violentos
da ditadura militar.
5
coradas, justamente, nas prerrogativas ideológicas do mo-
Aula
vimento neorrealista, ou seja, na intencionalidade estético-
política de afirmação de um humanismo renovado, que tem
por base a noção de solidariedade e organização coletiva dos
despossuídos como fundamentais para a transformação da
realidade social.
Ao longo dos anos de 1950, de modo geral, a tônica
neorrealista se manterá atuante na dramaturgia portuguesa,
desembocando, a partir dos anos de 1960, e apesar da censu-
ra do governo ditatorial de Salazar, no teatro épico, de acor-
do com as proposições de Bertold Brecht. Assim, antes de
continuarmos a estudar os principais aspectos da literatura
dramática em Portugal nesse período, precisamos conhecer
5
Emoção Raciocínio.
Aula
[Adaptado de: ROSENFELD, Anatol. O teatro épico. São Paulo: Perspectiva, 1994, p. 149].
5
do palco para baixo – e que a muito custo
foi salva por aquela multidão tresnoitada
Aula
que, bem ou mal, sempre conseguiu escapar
à ameaça do feroz cornetim) (CARDOSO
PIRES, 1978, p. 11-13).
para conhecer
5
Nelson Falcão Rodrigues nasceu da cidade do Recife - PE,
Aula
em 23 de agosto de 1912, e faleceu no Rio de Janeiro em 21
de dezembro de 1980. Em 1916, sua família mudou-se para
o Rio de Janeiro, cidade que foi o cenário mais constante de
sua obra. Além do teatro, foi escritor de contos e romances e
dedicou-se ao jornalismo, escrevendo sobre futebol e sobre
comportamento, como na sua conhecida e polêmica coluna
“A Vida Como Ela É…”. No site da Fundação Nacional de Artes
(FUNARTE) encontram-se muitas e importantes informações
e reflexões sobre a arte dramática de Nelson Rodrigues. Con-
sulte:
Figura 1: Nelson Rodrigues http://www.funarte.gov.br/brasilmemoriadasartes/acervo/nelson-
Fonte: http://novapaulista.files.wordpress.
com/2012/06/nelson-rodrigues-1.jpg rodrigues/bate-papo-em-torno-da-obra-de-nelson-rodrigues/.
5
Luta Secreta de Maria da Encarnação. Faleceu em 22 de julho de 2006.
Aula
Fonte: http://www.spescoladeteatro.org.br/enciclopedia/index.php/Gianfrancesco_Guarnieri.
2.2.1 Sobre promessas de vida e histórias de
morte: Santareno e Dias Gomes
saiba mais
Bernardo Santareno (Santarém, 18-11-1920 – Lisboa, 29-08-1980) é o pseudónimo lite-
rário de António Martinho do Rosário, cujo exercício da medicina (em Psiquiatria) conciliou,
durante anos, com a escrita para teatro, alcançando, desde a sua estreia nos anos sessen-
ta, um papel de primeiro plano no teatro português. Entre registos realistas, de tonalidade
mais naturalista ou com traços épicos, a sua escrita foi essencialmente de denúncia, atenta
à realidade do país e visando uma consciência social, o que lhe valeu a proibição de algumas
das suas peças e a perseguição pelo regime salazarista.
A promessa foi publicada pela primeira vez em 1957, numa edição de autor, juntamente
com dois outros textos de teatro [...]. Levada à cena pelo Teatro Experimental do Porto
em 1957, a peça foi rapidamente retirada de cena, por força da censura, só voltando a ser
autorizada a sua subida aos palcos dez anos depois.
Fonte: Disponível em: http://cvc.instituto-camoes.pt/teatro-em-portugal-textos-lista/2158-
a-promessa.html.
5
Aula
Mesmo tendo aceitado e sendo parte do que prome-
teram a Nossa Senhora, Maria do Mar não consegue refrear
seu desejo e sua irritação diante da obstinação do compa-
nheiro em manter a palavra dada à Santa. Começa, inclusive,
a sentir-se rejeitada e passa, assim, a rejeitar as virtudes reli-
giosas do marido:
5
no teatro profissional em 1942, com a comédia Pé-de-cabra, en-
cenada no Rio de Janeiro e depois em São Paulo por Procópio
Aula
Ferreira, que com ele excursionou por todo o país. Em 1959, es-
creveu a peça O pagador de promessas, que estreou no TBC, em
São Paulo, sob direção de Flávio Rangel e com Leonardo Vilar no
papel principal. Dias Gomes ganhou projeção nacional e interna-
cional. A peça, traduzida para mais de uma dúzia de idiomas, foi
encenada em todo o mundo. Adaptada pelo próprio autor para o
cinema, O pagador de promessas, dirigido por Anselmo Duarte,
recebeu a Palma de Ouro no Festival de Cannes, em 1962. [...]
Em 1964, Dias Gomes foi demitido da Rádio Nacional, da qual
era diretor-artístico, pelo Ato Institucional n. 1. [...]. A partir de
então, participou de diversas manifestações contra a censura e em defesa da liberdade de
expressão. Ele próprio teve várias peças censuradas durante a vigência do regime militar.
[...] Apesar da censura, não interrompeu a produção teatral, e várias peças suas foram en-
cenadas entre 1968 e 1980, destacando-se Dr. Getúlio, sua vida e sua glória (Vargas), em
parceria com Ferreira Gullar, encenada no Teatro Leopoldina, de Porto Alegre, em 1969; O
bem-amado, encenada no Teatro Gláucio Gil, do Rio de Janeiro, em 1970; O santo inquérito,
no Teatro Teresa Rachel, do Rio, em 1976; e O rei de Ramos, no Teatro João Caetano, em
1979. Em 1980, em decorrência da decretação da Anistia, foi reintegrado aos quadros da
Rádio Nacional, e trabalhos seus, como Roque Santeiro, foram liberados para apresentação”.
Fonte:http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=448&sid=231.
5
52).
Aula
A partir desse embate entre a realidade das forças primi-
tivas diante do mundo degradado, desvela-se o alto preço que
as vidas prometidas e resgatadas impõem: a justeza de princí-
pios dos heróis vai de encontro a um mundo que não comporta
mais condutas determinadas, pautadas pela irredutibilidade da
palavra, assumida como própria afirmação do indivíduo, sem o
reconhecimento de sua dimensão e sentido simbólico.
Desse modo, tendo-se em vista o desenrolar das ações
dramáticas, estabelece-se o que se define como crise de identi-
dade: a ação conjunta de um duplo deslocamento, a descentra-
lização dos indivíduos tanto do seu lugar no mundo sociocul-
tural quanto de si mesmos.
para conhecer
Argumenta-se, entretanto, que são exatamente essas coisas que agora estão ‘mudando’. O
sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornan-
do fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes
contraditórias ou não resolvidas. Correspondentemente, as identidades, que compunham
as paisagens sociais ‘lá fora’ e que asseguravam nossa conformidade subjetiva com as ‘ne-
cessidades’ objetivas da cultura, estão entrando em colapso, como resultado de mudanças
estruturais e institucionais. O próprio processo de identificação, através do qual nos proje-
tamos em nossas identidades culturais, tornou-se mais provisório, variável e problemático.
Esse processo produz o sujeito pós-moderno, conceptualizado como não tendo uma iden-
tidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se uma “celebração móvel’: for-
mada transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados
ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. E definida historicamente, e não
biologicamente” (HALL, 2006, p. 10-13).
5
tence. Rosa, por sua vez, não está presa ao prometido pe-
Aula
lo companheiro, mas a ele sente-se ligada como forma de
reconhecer-se, ainda que venha a efetivamente sucumbir aos
seus desejos, mesmo sob o peso da culpa de ter, principal-
mente, traído uma identificação com os princípios de Zé do
Burro, os quais reconhece como “puros” e legítimos.
O clímax de A promessa se dá quando Maria do Mar
decide seguir sua vida ao lado de Labareda, em confidên-
cia que faz a Jesus, na madrugada do domingo da Páscoa,
enquanto José realizava as atividades de sacristão junto
do Prior da aldeia. Em face do pedido de Jesus para que a
cunhada não se vá encontrar com o forasteiro, Maria do Mar
responde firme:
5
tudo, e a ordem de prisão a José, que se entrega sem resis-
Aula
tência, enquanto Maria do Mar, juntamente com a mãe e
Salvador, fecha-se em casa.
Por último, o “coro final das velhas, que maldizem
a heroína e a responsabilizam pela tragédia. Depois de pro-
meterem-lhe um feitiço, encerram a peça fazendo, em sua
porta, o sinal-da-cruz” (MAGALDI, 1996, p. 462).
Devemos lembrar o quanto à mulher, na sociedade
patriarcal, foi imputada a culpabilidade dos “desregramen-
tos” familiares, pois cabia a ela o zelo e a imagem maternal
da retidão e da abnegação (de desejos, vontade própria etc.).
Assim, nesse texto, encontramos essa dimensão crítica: em-
bora acabe se submetendo à ética de seu grupo, ao preceito
ZÉ (Decidido Não! Ninguém vai me levar preso! Não fiz nada pra ser preso!
a resistir)
DELEGADO Se não fez não tem o que temer, será solto depois. Vamos à
Delegacia.
ROSA Não, Zé, não vá!
GUARDA É melhor... na Delegacia o senhor explica tudo.
5
DEDÉ Não caia nessa, meu camarado.
Aula
ZÉ Agora eu decidi: só morto me levam daqui. Juro por Santa
Bárbara, só morto.
SECRETA (Vê a faca na mão de Zé-do-Burro) Tome cuidado, Chefe, que
ele está armado! (Observa a atitude hostil dos capoeiras). E es-
sa gente está do lado dele!
COCA Estamos mesmo. E aqui vocês não vão prender ninguém!
DELEGADO Não vamos por quê?
MANOELZI- Porque não está direito!
NHO
DELEGADO Estão querendo comprar barulho?
COCA Vocês que sabem...
DELEGADO Não se metam, senão vão se dar mal!
O Padre baixa a cabeça e volta ao alto da escada. Bonitão surge na ladeira. Mestre
Coca consulta os companheiros com o olhar. Todos compreendem a sua intenção e
respondem afirmativamente com a cabeça. Mestre Coca inclina-se diante de Zé-do-
Burro, segura-o pelos braços, os outros capoeiras se aproximam também e ajudam a
carregar o corpo. Colocam-no sobre a cruz, de costas, com os braços estendidos, como
um crucificado. Carregam-no assim, como numa padiola e avançam para a igreja.
Bonitão segura Rosa por um braço, tentando levá-la dali. Mas Rosa o repele com um
safanão e segue os capoeiras. Bonitão dá de ombros e sobe a ladeira. Intimidados, o
Padre e o Sacristão recuam, a Beata foge e os capoeiras entram na igreja com a cruz,
sobre ela o corpo de Zé-do-Burro. O Galego, Dedé e Rosa fecham o cortejo. Só Minha
Tia permanece em cena. Quando uma trovoada tremenda desaba sobre a praça.
MINHA TIA (Encolhe-se toda, amedrontada, toca com as pontas dos dedos o
chão e a testa) Êparrei minha mãe!
E O PANO CAI LENTAMENTE.
5
proporcione somente as sensações, as idé-
Aula
ias e os impulsos que são permitidos pelo
respectivo contexto histórico das relações
humanas (o contexto em que as ações se
realizam), mas, sim, que empregue e sus-
cite pensamentos e sentimentos que des-
empenhem um papel na modificação desse
contexto (BRECHT).
RESUMINDO
REFERêNCIAS
5
Aula
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aula
CENÁRIOS
CONTEMPORÂNEOS
Objetivo:
1 INTRODUÇÃO
A Terra, no futuro não muito distante, é um planeta em que as pessoas veem televisão
e jogam jogos de vídeo o tempo todo. Assim que nascem, é-lhes implantado no cére-
bro um chip de televisão e um terminal de multibanco [terminal de autoatendimento
bancário]. Os programas das escolas são programas de televisão. Os testes avaliam os
conhecimentos que os meninos têm dos jogos de vídeo e de computador. As pessoas não
têm curiosidade, não pensam, não conversam, não passeiam, não têm amigos. Veem
televisão e fazem compras. MIGUEL, por acaso, encontra num canto do sótão uns
“objectos” do passado, que não sabe o que são nem para que servem. Aquele passa a ser
o seu “tesouro” e o seu segredo. Os objectos intrigam-no e ele começa a fazer perguntas
a si próprio e a procurar as respostas. Entretanto, chega de Vénus o tio Zabulão, que vai
ser muito importante para o ajudar a decifrar aquele mistério. Porque a vida em Vénus
é bastante diferente da vida aqui na Terra. Bastante diferente, mesmo.
Cena I
(Todos em palco, vestidos de igual. Quanto mais figurantes, maior o efeito de unifor-
midade e “cinzentismo”. Camisola [= camisa ou camiseta] cinzenta, calças cinzentas,
ténis, chapéu, gorro ou touca cinzenta. Na camisola trazem um grande número colado.
Todos trazem óculos escuros que são pequenos écrans [= telas] onde se projecta a tele-
visão. Todos usam auriculares [fones de ouvido] brancos. ADÃO tem umas grandes
luvas cinzentas. O número na camisola dele é o 990. No meio da “multidão” cinzenta,
estão três ROBÔS também cinzentos. Os actores estão todos muito próximos uns dos
outros. Olham para a frente, apáticos, a ver as suas televisões privadas. Ouve-se uma
“música” constituída por um único som contínuo, que depois se transforma em duas
notas. De vez em quando um dos figurantes sai do torpor, abana a cabeça e grita “mu-
da!” para mudar de canal. ADÃO vai entretido a ver um programa, ZABULÃO quer
conversar).
ADÃO Filhos sei que tenho dois, porque são poucos, mas mais que is-
so… Uma pessoa com a minha classe!
ZABULÃO Claro, já me tinha esquecido.
ADÃO Daqui a nada vais perguntar-me a idade, se calhar!
ZABULÃO Tens cento e cinquenta anos, isso sei eu.
TERCEIRO (abana a cabeça) Muda!
PASSAGEIRO
ADÃO É que nunca mais encontro o caminho para casa! (Dá uma pan-
Aula
para conhecer
saiba mais
Acesse http://www.youtube.com/watch?v=sJGfg-lTS6E e assista a um vídeo com a divulgação
da peça Provavelmente uma pessoa, de Abel Neves. No comentário de apresentação, fica-
mos sabendo um pouco mais sobre esse texto dramático: “Arredores de Lisboa. Um quintal
na margem sul. Dois casais, pequenos comerciantes. Gente vulgar! Numa noite de Verão,
o insólito. Aparece um corpo estatelado no chão do quintal. Quem será? De onde terá vin-
do? Como é que veio aqui parar? Pela cor da pele é um africano. Mas também pode ser um
brasileiro ou... Provavelmente é uma pessoa! Alguém vindo de longe para inadvertidamen-
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te transtornar a quietude de uma noite de Verão num quintal da margem sul. Podia muito
bem ter caído ali ao lado, na esplanada do café! Alguém que podia ter ido cair noutro sítio
Aula
qualquer! Mas logo ali no quintal ao rés da oliveira ! Um estranho e inquietante tema, onde
consciências e cumplicidades se confrontam atormentando vidas emocionalmente instáveis
onde se cruzam sinais de diferentes identidades e se produzem contraditórios de sociabilida-
de. Contextos onde se desencadeiam gestos inconscientemente recortados no desrespeito e
violência. E tudo isto ao pé de nós, no quintal de um vizinho ou num café de bairro na região
da grande Lisboa. Provavelmente uma pessoa é um exercício irónico sustentado por uma
escrita prenhe de realidade rebuscada em acontecimentos factuais, sob o olhar ora divertido
ora trágico de um dos mais representativos dramaturgos portugueses no nosso tempo”.
Encenação: Gil Salgueiro Nave Cenografia e Figurinos: Luís Mouro Sonoplastia: Helder F.
Gonçalves Interpretação: Fernando Landeira, Pedro da Silva, Rui Raposo Costa, Sónia Bote-
lho e Vânia Fernandes Desenho de luz: Jay Collin
As Orações de Mansata
(Fragmento da cena 1 do 6º acto, pp.: 98-100)
YEWTA YAWTA Espera aí, que não estou a entender tudo isso... O que é que
nós, que já estamos assim tão velhos e cansados, que não vamos
certamente assistir à chegada dessa paz e do progresso, temos a
ver com tudo isso? Não há nada que possamos fazer.
AMAMBARKA Há uma coisa que vocês, vocês três que aqui estão, podem fazer
para que tudo isso, a paz, a estabilidade, o progresso e a felicida-
de, todas as nossas ambições, sejam realidade...
YEWTA YAWTA Ah, sim? E que coisa é essa? Vocês ouviram isso? (olha para os
dois companheiros)
AMAMBARKA Um acto muito simples... Tão simples que acho que vão fazê-
lo ainda hoje. Um acto que eu não esquecerei nunca, pelo qual
serão devidamente recompensados.
YEWTA YAWTA Surpresa número dois. De que estás a falar agora, Amambarka?
AMAMBARKA Estou a falar de como chegar àquela mulher...
DJINNA HARA Que mulher?
AMAMBARKA Mansata! (os três Homens-Grandes não conseguem esconder a
surpresa. Trocam olhares durante alguns instantes) Quero que
me levem até junto de Mansata.
DJINNA HARA E quem é... Mansata?
AMAMBARKA Isso vocês sabem melhor do que eu... Foi dela que falaram no
outro dia, lembram-se, naquele dia em que prometeram ajudar
Mwankeh... É ela que apareceu nos búzios, que você, Yewta Ya-
wta, você mesmo lançou. É a ela que se referiram quando fala-
ram de uma mulher muito sofisticada, poderosa demais. Pro-
meteram ajudar Mwankeh, hoje ele não está, vão-me ajudar a
mim. Preciso desses poderes, não para benefício pessoal, mas
para fazer progredir a Nação. Com esses poderes, não vamos
pedir esmola a nenhuma outra nação ou instituição estrangeira,
vamos ser auto-suficientes, respeitados em todo o mundo, ter
tudo o que precisamos. Com esses poderes, vamos construir
hospitais, estradas, pontes, casas bonitas em todo o lado, para
toda a gente... Vamos ter escolas para as crianças, universidades
em todo o país, para todos os jovens, rapazes e meninas, estuda-
rem e serem grandes Homens, cientistas de valor, com conhe-
a direito, a gente que não o merece e nem sabe o que fazer com
eles... Eu sou o Supremo Chefe da Nação, sei como e onde apli-
car esses poderes... Dai-me esses poderes de Mansata...
ATIVIDADES
default/files/certificacao/Teatro_Novas_diretrizes_pa-
ra_tempos_de_paz_Bosco_Brasil.pdf):
a. Considere a seguinte afirmativa: “Inicialmente, perce-
be-se a referência direta ao drama A vida é sonho, do
espanhol Calderòn de La Barca, através do nome da
personagem do interrogador” (ÉBOLI, 2010, p. 24). A
peça espanhola é do século XVII. Pesquise sobre esse
texto dramático e indique os possíveis sentidos do jogo
intertextual estabelecido por Bosco Brasil, explicando o
tema central da peça brasileira.
b. Pode-se perceber, na peça, um jogo entre as identidades
do interrogador e do imigrante polonês; você concorda
que, nesse jogo, parece se estabelecer “uma luta [entre
eles] para não deixar que a relação provoque a temida e
vital inversão de papéis”? (ÉBOLI, 2010, p. 24) Expli-
que.
c. De que modo, portanto, a partir das respostas anterio-
res, podemos entender que Novas diretrizes em tempos
de paz dialoga com a realidade contemporânea?
RESUMINDO
REFERêNCIAS
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