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Universidade Agostinho Neto

Faculdade de Humanidades

Departamento de Língua e Literaturas em Língua Portuguesa

ANÁLISE LITERÁRIA DO SEMBA:TRAÇOS DO


QUOTIDIANO ANGOLANO NAS LETRASDOS MÚSICOS:
Ary, Patrícia Faria, Bonga e Paulo Flores

Trabalho de Fim de Curso Apresentado para a Obtenção do Grau de


Licenciada em Língua e Literaturas em LínguaPortuguesa

(Opção: Literatura)

por

Fineza Manuel Domingos

Tutora: Domingas Henriques Monteiro, Me.

Luanda, 2022
ANÁLISE LITERÁRIA DO SEMBA:TRAÇOS DO
QUOTIDIANO ANGOLANO NAS LETRASDOS MÚSICOS:
Ary, Patrícia Faria, Bonga e Paulo Flores

Trabalho de Fim de Curso Apresentado para a Obtenção do Grau de


Licenciada em Língua e Literaturas em Língua Portuguesa

(Opção: Literatura)

por

Fineza Manuel Domingos

Tutora: Domingas Henriques Monteiro, Me.

Luanda, 2022
ÍNDICE
DEDICATÓRIA.......................................................................................................I
AGRADECIMENTOS...........................................................................................II
RESUMO..............................................................................................................III
ABSTRACT..........................................................................................................IV
0.INTRODUÇÃO....................................................................................................1
0.1. Problemática..................................................................................................1
0.2. Hipótese.........................................................................................................2
0.3. Justificativa....................................................................................................2
0.4.Objectivos.........................................................................................................2
0.4.1. Objectivo geral:......................................................................................2
0.4.2. Objectivos específicos:...........................................................................3
0.5. Metodologia...................................................................................................3
0.5. Delimitação...................................................................................................3
0.6. Estrutura do trabalho.....................................................................................4
0.7. Estudos anteriores..........................................................................................4
CAPÍTULO I: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA..............................................6
1.1 Definição de Termos e Conceitos
1.2 .Literatura.......................................................................................................6
1.2 .Música...........................................................................................................7
1.3. Principais Géneros Musicias de Angola....................................................9
1.3.1. Semba...................................................................................................10
1.4.Relação entre amúsica e a literatura.............................................................15
1.5.O Papel do músico na sociedade..................................................................16
CAPÍTULO II: APRESENTAÇÃO BIOGRÁFICA E ARTÍSTICA DOS
MÚSICOS ESTUDADOS....................................................................................18
2.1.Bonga............................................................................................................18
2.2.Paulo Flores..................................................................................................20
2.3.PatríciaFaria………………………………………………………………..22
2.4.Ary…………………………………………………………………………23
CAPÍTULO III – ANÁLISE LITERÁRIA E SOCIOLÓGICA DO SEMBA24
3.1. O Contexto sociocultural do Semba no quotidiano angolano.....................24
3.2. Análise temática..........................................................................................26
3.2.1. Assédio sexual......................................................................................26
3.2.2. Abuso de poder.....................................................................................28
3.2.3. Nepotismo.............................................................................................30
3.2.4. Relacionamento abusivo.......................................................................32
3.3. Aspectos expressivos: língua, vocabulário e figuras de estilo....................34
3.3.1. Anáfora.................................................................................................35
3.3.2. Comparação..........................................................................................36
3.3.3. Eufemismo............................................................................................37
3.3.4. Gradação...............................................................................................37
3.3.5. Ironia.....................................................................................................38
3.3.6. Metáfora................................................................................................38
3.3.7. Metonímia.............................................................................................39
3.3.8. Paradoxo...............................................................................................40
3.3.9. Personificação.......................................................................................41
3.3.10. Sinestesia............................................................................................41
CONCLUSÃO......................................................................................................43
SUGESTÕES........................................................................................................44
BIBLIOGRAFIA..................................................................................................45
ANEXOS...............................................................................................................48
Letras Analisadas...............................................................................................48
José Adelino Barceló de Carvalho (Bonga).......................................................48
1. Ti zuela....................................................................................................48
2. Lágrimas no Canto do Olho....................................................................49
3. Kambúa...................................................................................................51
Paulo Flores........................................................................................................52
1. A Carta....................................................................................................52
2. Makalakatu..............................................................................................57
Ary......................................................................................................................59
1. Betinho....................................................................................................59
2. Comadre..................................................................................................62
Patrícia Faria.......................................................................................................66
1. Caroço Quente.........................................................................................66
2. Tá ficar tonto...........................................................................................67
DEDICATÓRIA

Aos meus pais, Angelina Manuel e Pereira Cardoso.

Aos meus irmãos, Amilton Domingos, Julino Domingos, Antónia


Domingos e Elisandro Domingos, que embora distante, têm sido a minha força e
motivo para continuar a tentar acertar cada vez mais na vida.

À minha madrinha Ana Bela da Costa e Silva Alves Primo por todo
carinho e apoio que me prestou desde o dia que nos conhecemos.

I
AGRADECIMENTOS

A Deus pela vida e por todas as bênçãos que me tem proporcionado ao


longo da minha vida.

À Direcção da Faculdade de Humanidades e a todos os professores do


Departamento de Língua e Literaturas em Língua Portuguesa.

À minha tutora e mentora Mestre Domingas Henriques Monteiro por toda


a paciência, carinho e apoio que me tem dado incansavelmente.

Aos meus colegas da turma do 4º ano, pois todos sem excepção me


ajudarama compreender o significado de família e de unidade.

Ao professor Manuel Victória Pereira (Manuel VP) por seu tempo e


conselhos durante a elaboração deste trabalho, todas as orientações foram de
grande importância para a efectivação do mesmo.

Aos meus amigos, especialmente, ao JoaquimCaundo, ao Isaac Jorge, à


Ivone Bernardo, à Diasonama Pedro, à Jemima Kiala e à Raquel Bezerra por tanto
amor e amizade.

MUITO OBRIGADA!

II
RESUMO

O presente trabalho é fruto de um estudo sobre as letras dos músicos do estilo


musical semba, que retratam o quotidiano dos cidadãos angolanos. O nosso
trabalho visou realçar o impacto que as letras destes músicos causaram e vêm
causando na sociedade. Para obter tais resultados foi necessário a análise
bibliográfica e um estudo de campo, embora este último tenha servido somente
para esclarecimentos, que nos permitiram obter mais clareza com relação as
questões conceituais e as questões históricas. Com esse estudo foi possível
compreender a dimensão psico-pedagógica da música e o quanto ela pode
influenciar na maneira de agir de uma sociedade. Sendo assim, conseguimos
afirmar que o músico encontra-se intrinsecamente ligado à sociedade e faz da
música o seu meio de comunicação.

Palavras-Chave: Literatura, música, semba e sociedade.

III
ABSTRACT

The present work is the result of a study on the lyrics of musicians of the semba
musical style, which portray the daily life of Angolan citizens. Our work aims to
highlight the impact that the lyrics of these musicians have caused and are causing
in society. To obtain such results it was necessary to conduct a bibliographic
analysis and a field study, although the latter was only for clarification purposes,
which allowed us to obtain more clarity regarding conceptual and historical
issues. With this study it was possible to understand the psycho-pedagogical
dimension of music and how much it can influence the way a society acts. Thus,
we were able to affirm that the musician is intrinsically linked to society and
makes music his means of communication.

Keywords: Literature, music, semba, and society.

IV
0. INTRODUÇÃO

A música é uma forma de arte e, portanto, um grande instrumento de


intervenção social. O semba, estilo musical angolano, tem sido um dos estilos
usados para transmitir conhecimento e fazer intervenção social. Contudo, a falta
da emancipação deste estilo tem levado os seus fazedores a refugiarem-se,
simplesmente na produção de temas comerciais em vez de apelarem à
consciencialização social.

A literatura enquanto forma de arte torna possível compreender as diversas


formas da cultura e explicar os fenómenossociais. Assim, pretendemos com este
trabalho trazer à compreensão todos os valores contidos na música, desde os
valores morais e psicopedagógicos, bem como a interdepência que existe entre a
literatura e a música no processo da divulgação cultural. Queremos, ainda,
despertar o interesse de outros jovens pesquisadores a enveredarem para o estudo
das letras de músicos a fim de enriquecerem os estudos literários em particular e a
culturaangolana em geral.

0.1. Problemática
A construção de narrativas data desde os primórdios da humanidade, cada
geração ou povo produziu as suas narrativas, por ser a maneira mais fiel de
expressar o complexo de ideias e crenças que acompanham a humanidade. É uma
maneira de exteriorizar os seus sentimentos e frustrações, de um ou de outro jeito,
o que pode ser considerado próprio de cada povo e comunidade.
As letras de alguns estilos musicais são entendidas como a narrativa mais
fiel da realidade social de um povo, principalmente a música popular. Nesse
sentido, propusemo-nos a escrutinar algumas letras do estilo musical
Sembaalmejando perceber se é possível encontrar traços do quotidiano angolano
em tais letras. Tomaremos como referência as seguintes temáticas:
Relacionamento abusivo, fofoca, abuso de poder e violência doméstica.
Tencionámos igualmente, poder apresentar no final deste trabalho respostas claras
para a seguinte pergunta:

1
- É possível encontrar traços do quotidiano angolano nas letras do estilo
musical Semba?
0.2. Hipótese

A hipótese é uma resposta afirmativa provisória, que responde ao problema


levantado na pesquisa. Esta podeao mesmo tempo ser confirmada ou refutada ao
longo da pesquisa. À vista disso, formulámos a seguinte hipótese:

- É possível ler traços do quotidiano angolano nass letras dos músicos em


estudo.

0.3. Justificativa

Sendo a música um meio de intervenção social, quer seja no âmbito


cultural, social ou político, escolhemos abordar a respeito desta temáticadevido ao
pouco número de estudos ligados aos estilos musicais urbanos angolanos,
principalmente, o Semba.Esperamos assim, que este trabalho sirva para a
divulgação da música angolana, bem como para a sensibilização de outros
pesquisadores a enveredarem pela promoção de estudos ligados as artes locais e
no seu aproveitamento para o ensino da cultura nacional nas escolas ou até mesmo
nas casas de cultura.

0.4. Objectivos

Os objectivos são premissasque permitemdelinear qualquer tarefa o seu êxito.


Na sua estruturação, os objectivos apresentam uma dimensão geral e específica,
como a seguir apresentamos.

0.4.1. Objectivo geral:

O objectivo geral é uma marcação generalizada que busca limitar os ângulos


de abordagem de forma ampla, nessa conformidade apresentamos o seguinte
objectivo geral:

- Analisar os traços do quotidiano angolano nas letras dos músicos


previamente seleccionados.
2
0.4.2. Objectivos específicos:

Os objectivos específicos marcam as fronteiras de qualquer tarefa de forma


particular. Nesse sentido apresentamos seguintes objectivos específicos:

- Analisar as temáticas identificadas nas letras dos músicos em estudo.

- Explicar o papel das figuras de estilos encontradas nas letras e o impacto das
mesmas no processo de percepção dos ouvintes.

0.5. Metodologia

Toda e qualquer pesquisa para ser considerada científica necessita de


metodologias que permitem ao pesquisador alcançar os objectivos traçados para a
realização do seu trabalho. Levando em conta este pressuposto e a fim de
alcançarmos os objectivos anunciados, fizemos uso dos seguintes procedimentos
metodológicos:

1. Pesquisa bibliográfica: que consistiu na consulta de trabalhos já


publicados, como (monografias, livros, dissertações e teses no formato
físico e digital) cujas temáticas giram em torno da temática em estudo.
2. Entrevista: serviu-nos para esclarecimentos de alguns dados históricos e
musicais, principalmente na diversificação das cadências do semba.
3. Transcrição de dados: que consistiu na transcrição e tradução das
músicas dos músicos em estudo.
4. Método analítico: que consistiu na análise sociológica, literária e temática
das músicas seleccionadas.

0.5. Delimitação

Como se sabe o estilo musical Semba é uma das marcas musicais de


Angola e por conseguinte nele militam muitos cantores, trazendo diversas
temáticas e abordagens, por isso, de formas a limitar a abrangência do nosso
estudo, nos limitamos em fazer uma análise sociológica, literária e temática do
estilo musical semba, concretamente, em três letras para cada músico
seleccionado.

3
0.6. Estrutura do trabalho

O presente trabalho obedece a uma estrutura de três capítulos. O primeiro


capítulo consistiu na fundamentação teórica em que foram definidos os conceitos
e termos fundamentais da pesquisa. O segundo capítulo aborda sobre a vida e obra
dos músicos Ary, Calabeto, Matias Dámasio, Patrícia Faria, Paulo Flores, Teta
Lando e Yuri da Cunha. O terceiro e último capítulo comporta a análise das
seguintes temáticas: violência doméstica, assédio sexual, abuso de poder, fofoca e
ciúmes. E por fim a análise dos recursos expressivos das músicas betinho, beijo
rainha, caroço quente, quatorzechuvas, makalakatu e njilaya dikanga.

0.7. Estudos anteriores

CUXIMA-ZWA, Chikwango. Semba, Música e Dança Academia Edu,


2019.Apresenta-se aqui uma visão do semba de fácil compreensão e com dados
mais actualizados. Importa realçar que o autor começa por definir o que é semba,
a sua representatividade para a cultura e para a sociedade angolana, apresenta
aspectos históricos e as suas implantações no processo de consciencialização dos
angolanos. Para nós este trabalho representou um papel importante na recolha e
comparação de dados bibliográficos, sendo que muitos dos conteúdos
disponibilizados nos sites de estudos carecem de actualização ou até mesmo de
uma nova abordagem.

MENEZES, EdnaHelena. Análise Temática e Estrutural da Música Angolana no


Processo de Libertação Nacional: Caso das Músicas de David Zé.A investigadora
apresenta um trabalho extraordinário sobre a musicalidade de David Zé e as suas
implicações no processo de libertação nacional. Com ela pudemos acompanhar o
processo da análise temática onde se descreve cada fenómeno retratado nas
músicas de David Zé e ainda enriquecer-nos a partir da caracterização do músico
David Zé dentro da história de Angola.

SANTOS, Marta. Elias DyaKimuezo: A Voz e o Percurso de Um Povo (2012). O


Cão que Lê, Braga.Nessa obra, Santos descreve a história de Elias DyaKimuezo a
partir de testemunhos descritos na primeira pessoa de Elias, testemunhos
recolhidos de familiares e de amigos do cantor. Embora amaior parte do conteúdo

4
desta obra contemple a vida e o percurso do cantor, ela também retrata a história
de muitos grupos musicais que existiram no país e os seus contributos no processo
de libertação nacional, o que para o nosso trabalho foi de grande contributo, pois
serviu de mais uma bibliográfica.

KUSCHICK, Mateus Berger. Kotas, Mamãs, Mais Velhos, Pais Grandes do


Semba: a música angolana nas ondas sonoras do Atlântico Negro (2016).
Campinas. Na sua tese, o investigador trás uma abordagem do semba mais bem
elaborada, embora o autor afirme ser um trabalho inacabado. No seu trabalho é
notório a pesquisa bibliográfica que lhe permitiu recolha de dados e o uso do
método analítico para análise e discussão dos resultados. Trabalho como este de
Kuschick serviram-nos de base para a descrição dos aspectos históricos do semba
e dos músicos fazedores do mesmo estilo.

WEZA, José. O Percurso Histórico da Música Urbana Luandense (2007). Sopol,


SA, Luanda.Weza trás para sua obra uma recolha de dados resultantes de anos de
pesquisa e entrevistas de mais velhos, grupos musicais e alguns músicos da
música popular. Vale realçar que diferente de Kuschick, Weza não se prende
apenas na descrição e análise dos fenómenos ocorridos a volta do semba, o autor e
jornalista vai mais além trabalhando com todo o estilo de música urbana, embora
o seu foco fosse simplesmente Luanda por causa do desafio que o mesmo
apresenta e a falta de apoio financeiro para uma pesquisa mais alargada. Para nós
foi um desafio pegar os dados bibliográficos apresentados por Weza, pois
requereria maior atenção tendo em conta os outros conteúdos já existente no nosso
trabalho.

TONA, Maria Suca Francisco. Pseudónimos na Música e na Literatura Angolana:


Estratégia de Marketing ou Mecanismo de Ocultação Identitária? Dissertação para
obtenção do Grau de Mestre em Estudos Lusófonos, Covilhã, Outubro de 2018.
No seu trabalho, Tona apresenta uma visão voltada para o eu lírico camuflado no
nome artístico e na sua representatividade dentro da literatura angolana. Importa
salientar que este é um dos trabalhos que olha a música e a literatura num mesmo
ângulo, o que para nós representou uma mais-valia, pois que a nossa missão
sempre foi demonstrar que a música e a literatura podem dialogar.
5
CAPÍTULO I: DEFINIÇÃO DE TERMOS E CONCEITOS
Neste capítulo apresentamos, de forma geral, definições de conceitos
importantes para o processo de compreensão musical, o contexto sociocultural do
semba desde a história até a sua influência histórica e cultural na sociedade
angolana.

1.1. Literatura
Comumente, qualquer tentativa de conceituar literatura remete para uma
pluralidade de conceitos complexos e bastante ambíguos, pois que o termo pode
assumir diversas significações e é amplamente polissémico. À partida, e de uma
maneira simples, podemos dizer que a literatura pertence ao campo das artes (arte
verbal), cujo meio de expressão é a palavra e que a sua definição está, geralmente,
associada à ideia de estética/valor estético. (SILVA, 2007)

Tal como sabemos, etimologicamente, o termo deriva do latim litteratura,


a partir da palavra littera, letra. Portanto, o conceito de literatura parece estar
implicitamente ligado à palavra escrita ou impressa, à arte de escrever e à
erudição. Até ao século XIX, literatura designava toda e qualquer obra publicada,
independentemente das suas pretensões artísticas, numa acepção mais próxima do
significado original da palavra. Actualmente, a palavra literatura busca dar conta
de um universo mais restrito que acolha, apenas, a produção que lida com a
fantasia e a ficção, que se manifeste por intermédio da linguagem verbal e que
tenha propósitos artísticos, de preferência inovadores. (ZILBERMAN, 2021)

Falar de literatura como arte verbal é falar, inevitavelmente, de imitação.


De facto, descrever a literatura como arte é considerá-la uma forma de imitação,
um meio de reprodução e recriação através da palavra, conceito este que remonta
a Platão e Aristóteles. Platão expõe esse conceito na sua obra intitulada República,
de forma bastante depreciativa, quando descreve a literatura (e também a pintura)
como imitação afastada da realidade. Com Aristóteles, o conceito renova-se,
perdendo, assim, o sentido negativo. Na Poética, Aristóteles qualifica como
“modos de imitação” (mimesis) a poesia, a tragédia, a comédia, a lírica. Portanto,
para Aristóteles, a arte literária é mimesis, é a arte que imita pela palavra.(SILVA,
2007)

6
Isto quer dizer que a literatura imita a vida; a vida está continuamente a ser
reinterpretada: qualquer tentativa de avaliar esta interpretação da literatura levar-
nos-á a reconhecer que ela toca em pelo menos dois pontos importantes.
Considerada em seu valor aparente, sugere que a literatura imita ou reflecte a
vida; por outras palavras, a temática da literatura consiste nas múltiplas
experiências dos seres humanos, em suas vivências. O segundo ponto importante,
sugerido pela teoria da imitação é que a vida é imitada no sentido de ser
reinterpretada e recriada (DANZIGER, 1974).

Tzvetan Todorov afirma que “genericamente, a arte é uma imitação


diferente segundo o material que utiliza; e a literatura é imitação pela linguagem,
tal como a pintura é imitação pela imagem”, para concluir mais adiante: “a
literatura é uma ficção: eis a sua primeira definição estrutural” (Todorov, 1978).

1.2. Música
A palavra música deriva do grego “musiké téchne” a arte das musas, trata-
se de uma forma de arte resultante da combinação de vários sons e ritmos,
obedecendo a uma organização prévia ao longo do tempo. A “Música” é a arte de
combinar os sons e o silêncio (MONTEIRO, 2019).

A Música é a combinação de ritmo, harmonia e melodia, de maneira


agradável ao ouvido. No sentido amplo é a organização temporal de sons e
silêncios (pausas). No sentido restrito, é a arte de coordenar e transmitir efeitos
sonoros, harmoniosos e esteticamente válidos, podendo ser transmitida através da
voz ou de instrumentos musicais. Há quem defina a música como manifestação
artística e cultural de um povo, em determinada época ou região. Portanto, a
música é um veículo usado para expressar os sentimentos e exaltar a beleza da
mulher. (ANDRÉ, 2021:78).

Para Cook e Nicolas, (1998:9) a música não é um mero conjunto de


significados pré-estabelecidos pelos homens, mas o resultado que a mesma produz
dentro de um contexto, ou seja, o significado da música está no produto final da
sua realização. Batteux (1976) considera a música como linguagem. Para este
autor a música apresenta uma sucessão de emoções que constroem um discurso
musical, da mesma forma que os pensamentos geram um discurso verbal.
7
Enquanto as palavras descrevem acções, a música descreve paixões, partindo do
princípio de que é possível elaborar um raciocínio lógico sobre premissas
irracionais.

Bréscia (2003:17) defende que é comum conceber a música como


experiência estética que proporciona prazer aos que a criam, executam e ouvem-
na. Menos frequentemente tem sido o facto de ser encarada sob a óptica dos
efeitos que produz nas pessoas, tanto no plano psicológico individual comosocial,
da convivência harmoniosa, da participação comunitária. Para Bréscia (2003) a
música é o produto das manifestações causadas no ouvinte. Molino (1990:105),
por sua vez, define a música como facto musical, ou seja, os conjuntos de
acontecimentos sociais formam a música, sem eles, os factos sociais (a cultura, os
costumes, política etc), não existiriam sem a música.

A música evoluiu através dos séculos, resultando numa grande variedade


de géneros musicais, entre eles, a música sacra ou religiosa, a erudita ou clássica,
a popular e a tradicional ou folclórica. Cada um dos gêneros musicais possui uma
série de subgêneros e estilos, como veremos abaixo.A Música erudita ou clássica
é uma música bem elaborada, que difere das tradições populares.

A Ópera é uma obra dramática em que o teatro, a música e a poesia se


completam. A ópera é um gênero teatral dramático, encenado junto com a música
instrumental e o canto, no qual se sobressai um solista, representado por cantores
com timbres vocais que vão do mais agudo até os mais graves. A ópera é
encenada com os elementos do teatro, como enredo, coreografia e vestuário
característicos, em conjunto com a música instrumental e o canto. Ópera é o plural
de opus, que no latim significa obra de arte. A ópera surgiu na Itália, e geralmente
é apresentada em latim ou italiano. (VASQUES, 2019:2).

A música popular é associada a movimentos culturais populares.


Conseguiu consolidar-se apenas após a urbanização e industrialização da
sociedade e tornou-se o tipo musical icónico do século XX. Apresenta-se
actualmente como a música do dia-a-dia, tocada em shows e festas, usadas para
dança e socialização. Segue tendências e modismos e muitas vezes são associadas

8
a valores puramente comerciais, porém, ao longo do tempo, incorporou diversas
tendências vanguardistas e inclui estilos de grande sofisticação.

É um tipo musical frequentemente associado a elementos extramusicais,


como textos (letra de canção), padrões de comportamento e ideologias. É
subdividida em incontáveis géneros distintos, de acordo com a instrumentação,
características musicais predominantes e o comportamento do grupo que a pratica
ou a ouve.A Música tradicional ou folclórica é aquela que simboliza as tradições e
costumes de um povo, e são passadas de geração em geração, como parte dos
valores e da identidade de um povo. (MENDES, 2021:1).

A música tradicional representa as crenças e as tradições de uma


determinada região. Grande parte da música folclórica possui letra de fácil
memorização e está ligada às festividades, envolvendo danças típicas de uma
determinada cultura. A música tradicional ou folclórica está intimamente ligada à
música popular. O fado, o tango, o samba, o semba, o frevo, o forró, a música de
viola, a música sertaneja, o maracatu, o reggae, o blues, entre outras, se
perpetuaram e muitas delas exercem grande influência na música moderna.

1.3. Procedimentos de compreensão musical


A música não é só a união de sons e letras, é muito mais do que isso. Para
compreendermos como está constituída a música trazemos para este trabalho
alguns dos conceitos ligados a ela que designamos por procedimentos de
compreensão musical.
Existem vários procedimentos musicais, destacam-se neste trabalho
elementos ligados à propriedade, à estrutura, forma e a textura do som. As
Propriedades do som permitem distinguir as diferentes formas deste. Intensidade é
a propriedade que nos permite distinguir sons fortes e sons fracos; é o grau de
volume sonoro. A intensidade do som depende da força empregada para produzir
as vibrações. A duração é a propriedade que define se o som é curto, médio ou
longo, tendo sempre um referencial comparativo. (PEDRO II, 2018).
Na música, a duração ocorre numa combinação de sons e silêncios, que
pela sua forma de estruturação e organização determina o ritmo. É o som que
define a duração da música de acordo com o tempo de emissão das vibrações.
9
Altura é a propriedade do som que nos permite distinguir sons graves (som
mais “grossos”), médios e agudos (sons mais “finos”). A velocidade da vibração
dos objectos é que irá definir a sua altura. As vibrações lentas produzem sons
graves e as vibrações rápidas produzem sons agudos. (PEDRO II, 2018)
O timbre é a propriedade do som que define a fonte sonora, pela qual
identificamos quem é o emissor do som. Só conseguimos identificar o som
quando o nosso cérebro o reconhece, se isto não ocorrer, é muito comum associar
o som a outro conhecido. Por meio do timbre identificamos o que, ou quem está
produzindo o som. Por exemplo: quando ouvimos uma pessoa a falar, uma
guitarra a tocar ou mesmo o som do piano, podemos identificar qual é a fonte
sonora do som por causa do timbre. (PEDRO II, 2018:4).
A estrutura, forma e textura da música permitem definir o tipo de música,
a sequência e o ritmo desta. A estrutura e a forma têm a ver com a organização da
música, permite saber se a música possui partes que contrastam ou que repetem a
sequência AA ou AB, onde AA correspondem à música repetida e AB à música
que possui estrofes diferentes e um refrão que repete, (Pedro II, 2018:26).
Chamamos de textura à maneira como os sons são organizados numa música.
Quando ouvimos apenas uma pessoa a cantar ou um único instrumento a tocar, a
este tipo de música dizemos que possui uma textura monofônica.
Já quando existem mais vozes a cantar juntas, formando um bloco sonoro
único, dizemos que esta música ou instrumentos possuem uma textura
homofônica. O semba possui uma estrutura homofônica, pois se apresenta com
diversos instrumentos e muitas vezes, as músicas são interpretadas por um
vocalista seguido de um coro ou até mesmo por um grupo musical. (PEDRO II,
2018:27).
1.3.1. Semba

O Semba, como os outros estilos musicais, é feito de uma pluralidade de


experiências estéticas, uma pluralidade de modos de fazer e usar socialmente a
arte” a partir de elementos dispersos de outros estilos musicais, que reunidos em
um contexto (Angola) e em um período histórico (dos anos 50 em diante) formam
um novo e único estilo musical (BARBERAS, 2001:82).

10
O semba, um novo género musical, que consiste numa mistura de vários
ritmos, como Cidrália, Lisanda ou Kabetula e a Cazukuta, permitindo ligar a
música popular rural ao espaço urbano. Cancões como "Muxima", "Mbiri Mbiri",
"Kuaba Kuaie", entre outras, tornaram-se grandes sucessos no país e além-
fronteiras.O semba é a expressão rítmica mais popular da música urbana angolana
resultado da fusão da rebita, trazida pelos portugueses, com o kaduque, um
sapateado forte e bonito que os pescadores angolanos e algumas populações do
interior dançavam no final do século XIX. O semba é a música e a dança da região
socio-cultural kimbundo e evoluiu a partir da estrutura da massemba até tomar a
forma actual. A denominação semba deriva do choque (umbigada) entre dois
intervenientes da dança rebita ou massemba, quando ela atinge determinada
apoteose no tempo mais forte do compasso. (WEZA, 2007:181).
O semba, singular demassembasegundo o quadro dos prefixos das línguas
bantu sugerido pelo professor doutor Peres Sassucona sua tese de doutoramento,
onde consta o prefixo “ma” pertencente à classe 6 como sendo o plural da classe
5, classe essa que define fenómenos naturais, diversos objectos aportuguesados,
partes do corpo humano e nomes abstractos,(Sassuco, 2017:42), começou a ser
definido nos anos 50 do século XX, pelo grupo musical Ngola Rítmos, liderado
por Liceu Vieira Dias, e nos anos 60 ganhos projecção alimentando-se de outros
estilos, fundamentalmente da rumba do ex-Zaíre e das músicas latino-americanas.
Contudo, o período de sua consolidação dá-se entre os anos 1961 a 1974. (Weza,
2007:181).
O semba tem três variantes que são semba kazukuta, o semba senguessa e
o semba cadenciado (este último é mais lento e muitas vezes confundido com a
kiomba). A Kazukuta foi há tempos uma dança designada “kazuze”, que só os
carpinteiros dançavam. A Kazukuta tem um andamento extraordinariamente forte
e constitui-se numa das mais ricas regiões de Luanda, embora pouco
desenvolvida. Portanto, o semba é das expressões de música angolana que
personaliza a maneira de estar e de sentir do angolano. Este rítmo ganhou certa
dimensão no território nacional, resultando do facto de ser produzido em Luanda
onde há formas de divulgação maiores que noutras regiões do país, daí o semba

11
ter crescido e espalhado pela nação, porque os grandes investimentos em termos
de música foram feitas na capital do país. (KUSCHICK, 2016:40).

Durante o processo de consolidação da identidade angolana o semba foi o


símbolo de revolução, era a bandeira de todos os músicos e activistas
anticolonialismo. Todos os intervenientes eram considerados bandidos ou
terroristas pelos colonos. A história do semba divide-se em três fases importantes:
A primeira fase compreende o seu surgimento do estilo, isto é, da década de 50 a
70, época da consciencialização, a segunda fase compreende a década de 70 a 90,
época da resistência, terceira fase compreende os anos 90 aos nossos dias, época
moderna ou reencontro. (CARLOS, 2018:15).

Como todo e qualquer estilo musical, o semba é marcado por três gerações
distintas, mas todas ligadas pelo mesmo fim: exploração, expressão e construção
duma identidade angolana. A primeira geração do semba dá-se em finais dos anos
40 até a década de 60, tendo como expoente maior os Ngola Ritmos liderado por
Liceu Vieira Dias, embora existissem outros grupos na década de 50, como São
Salvador que lançou o seu primeiro disco em 1959 na República Democrática do
Congo, Trio Assis, O Duo Ouro Negro, Os Gingas, Dikanzas do Prenda com o
single Brinca N´areia em 1968, Dimba dya Ngola grupo fundado em 1963 por
Dominguinho e Boano da Silva Laurindo e Barros Manecas, Jovens do Prenda
fundado em 1968 teve como elementos Manuelito, Zé kakuarta entre outros
integrante, Kiezos, Elias Dya Kimuezo, Os Ginásios, Kimbadas do Ritmo (tinham
como destaque principal o guitarrista José Eduardo dos Santos, JOES, segundo
presidente de Angola), Bonga, Rui mingas, Teta Lando e Valentim de Carvalho
de Vasconcelos. Todos tinham como objectivo principal a divulgação dos ideais
de liberdade, inserção na política e a luta pela libertação de Angola (WEZA,
2007:60).

A mensagem era passada em kimbundu, tendo como mensagens de maior


realce à consciencialização ao nacionalismo as músicas: Mbiri Mbiri da autoria de
Antoninho Van-Dúnem, o tema deixava claro que os angolanos não queriam mais
nada a ver com os colonos “Kisanguela nguetu ni mazundu” que em português
quer dizer “não queremos convivência com sapos”, outra música é o Messene da
12
autoria de Euclides Fontes Pereira, o tema realça a necessidade de ler e escrever
“Messene za tulonga ó kuegia kutanga, tuendé ka tuvalele ó kutanga nuca
tuakimuene” em português quer dizer “Mestre, venha ensinar-nos a ler e escrever.
Desde que nascemos nunca ninguém ensinou-nos a ler e a escrever”. Muitos
membros dos grupos desta geração foram presos no processo 50 que culminou
com a prisão e deportação de muitos deles, como foi o caso de Liceu vieira Dias e
Amadeu Amorim, para o Tarrafal de Santiago em Cabo Verde Todos estes grupos
tinham como principal missão cantar sobre os problemas sociais vivenciados pelo
povo angolano e denunciar os abusos contra os escravos. Em 1961 é realizada a
revolução dos escravos demonstrando, assim, o descontentamento do povo com a
dura realidade que vivenciavam. Além da denúncia realizada entre as linhas das
músicas, também, era cantada a beleza da mulher, da terra e as esperanças de um
povo liberto. (WEZA, 2007:40).

Ainda nesta primeira geração do semba, surgem novos acontecimentos, a


participação feminina é mais notória e com mais engajamento, como é o caso de
Belita Palma, Lilly Tchiumba, Lurdes Van-Dúnem e Nany. Surgem ainda nesta
geração os grupos Fogo Negro,os Gingas, Ngongo (criado por José Oliveira
Fontes Pereira), Kissueias (criado por Bonga e Carlos Lamartine) e Os Negoleiros
do Ritmo, este grupo gravou um single em Portugal em 1964 temas como: Ku
Musseque, Compadres, Nga Manda e Nzambi e Luís Visconde. Pela constante
pressão dos portugueses, os movimentos e grupos culturais tinham de disfarçar-se
de clubes desportivos ou recreativos, organizações civis angolanas para continuar
a realizar acções políticas. Esta segunda geração é marcada pela libertação dos
100 presos políticos do Tarrafal de Santiago, o apogeu da música a nível mundial,
o ataque à Baixa de Cassange e a independência de Angola. (KUSCHICK,
2016:40).

A segunda geração tem seu início em finais dos anos 70 e consolida-se na


década de 80. Esta geração bebe da influência da geração anterior, visto que
metadesdos músicos da primeira geração também cantavam e protestavam contra
o regime político que se instalou depois da independência, embora tivessem
menos força e espaço pelo declínio da época de ouro da música popular angolana,

13
(Weza, 2007:74). Contudo, os movimentos artísticos não calaram por completo,
pois com o sangue novo da segunda geração, o semba recebe o impulso para fazer
frente aos constantes ataques e problemas que surgiam, como o 27 de Maio de
1977, o Massacre ou Batalha do Kifangondo que levou o cantor Santocas a
compor o tema “Massacre de Kifangondo” o tema musical retratava o
descontentamento do povo pelo sucedido. São nomes de destaque desta época os
músicos Santocas, Teta Lando, Carlos Lamartine, Santos Júnior, Artur Nunes,
Urbano de Castro, Bonga, Pedrito, Zé do Pau, Carlos Burity, Jacinto Tchipa, Gaby
Moy, Man Ré, Os Kiezos, Waldemar Bastos. Até os finais dos anos oitenta,
Luanda contava com mais de vinte centros recreativos, que permitiram a
continuidade da música e da consciencialização social. (WEZA, 2007:130).

A terceira geração, também considerada nova geração do semba, é marcada


pela inserção de novos ritmos, como o kuduru e kizomba. Moorman defende que
os artistas que surgiram nos anos 80, ou ainda os que já despontaram depois de
2002, após o fim da guerra civil que se abateu sobre o país durante 27 anos (1975
a 2002), continuam o processo que os sembistas iniciaram dos anos 50 até a
independência, pois, assim como na “golden age ou era do ouro”, a música actual
continua refletindo o dia-a-dia da população do país, transcendendo o sofrimento,
construindo novas relações sociais de gênero e mostrando que a diversão pode ser
subversiva e que a subversão pode ser algo divertido.

Pois o semba celebrava a iminência da independência, o kuduru celebra a


própria sobrevivência e a euforia do pós-guerra, ao mesmo tempo a atividade
musical ainda é um negócio comercial sério e ás vezes mortal, por suas ligações
com relações políticas e de denúncias de abuso de poder (apud, Moorman,
2008:189). A partir de 1981 a música em Angola ganha maior destaque com a
criação do programaBom Fim-de-Semana, programa este que tinha como
finalidade promover os novos talentos e impulsionar o desenvolvimento da
cultura. Grupos como os Kiezos, Banda Maravilha e Os Jovens do Prenda
actuaram na primeira edição do programa. Outras bandas e grupos foram surgindo
com o constante aumento de centros recreativos, como é o caso dos Impactus-4,
Maboques, Fenomenal, Nona Cadência e Balança8 (WEZA, 2007:155).

14
Com as eleições de 1992 e o despoletar da guerra civil, muitos grupos em
crise, outros deixaram o país, ficando apenas algumas bandas, já em meados dos
anos noventa surgem as Gingas do Maculusso. São nomes sonantes desta geração
os músicos Gaby Moy, Proletário, Robertinho, Voto Gonçalves, Carlos Burity, Zé
do Pau, Waldemar Bastos, Zeca Júnior, Filipe Mukenga, Carlitos Vieira Dias,
Lina Alexandre, André Mingas, Dina Santos, Mamukuenu, Eduardo Paim, Irmãos
Verdades, Isidora Campos, Nelo Paim, Tropical Band, Dom Kikas, Irmãos
Almeidas, Sabino Henda, Maya Cool, Paulo Flores, Yuri da Cunha, Edy Tussa,
Tito Paris, Clélia Sambo, Nila Borja, Puto Português, Yola Semedo, Ary e Pérola.
(WEZA, 2007:170).

Outro facto importante a destacar na história da música, do semba


particularmente, é a ligação entre os diferentes grupos pela linha genealógica. Nas
famílias, principalmente em Luanda, como os Van-Dúnem, Vieira Dias, Fançony,
Mingas, os Fontes Pereiras, Costa, Cordeiros da Mata, Assis, dentre muitas outras
famílias havia e há ainda muitos grandes músicos, pois muitos membros dessas
famílias casaram entre si. Assim, se um membro é da família Cordeiro da Mata
pela parte do pai, pode vir a ser também da família dos Van-Dúnem e Vieira Dias
pelo lado da mãe. É o caso de Carlos Lamartine, Rui Mingas e muitos outros
músicos da praça angolana. (SALVADOR e HOLL, 2021:3).

1.4. Relação entre amúsica e a literatura

A literatura e a música são manifestações artísticas que acompanham o ser


humano desde os primórdios. Provocam sensações, emoções, revoltas, denúncias,
compaixão e efeitos estéticos que ajudam a entender melhor as pessoas, o mundo
e a nós mesmos. São manifestações que mexem com o imaginário colectivo da
sociedade. A literatura é uma arte polissémica e polifónica, ela dialoga
constantemente com outras artes. A música e a literatura sempre estiveram
correlacionadas com a história da humanidade, desde a antiguidade o texto
literário adapta-se à música e vice-versa. O papel da poesia é dar a significação
intelectual básica da obra. Já a música tem como objectivo reforçar essa
significação, com os seus valores que são mais dinâmicos e mais profundos que os
da palavra. (OLIVEIRA, 2003:91).
15
Não podemos falar de música sem falar de literatura,sendo que as duas
mantêm uma relação de complementaridade, pois a música obedece a uma
cadência sonora e estrutural, sem esquecer-se de mencionar a questão temática,
que é a chave para este estudo. Embora a música esteja esquecida ou ignorada por
muitos estudiosos ela faz parte da literatura e da cultura como defende Queiroz
(2004). A música como qualquer outra arte acompanha historicamente o
desenvolvimento da humanidade e, como prática social, agrega, na sua
constituição, aspectos que transcendem as suas dimensões estruturais estéticas.
Como expressão cultural, a música pode ser considerada um veículo universal de
comunicação, pois não se tem registo de qualquer grupo humano que não tenha
realizado experiências musicais como meio de contacto, apreensão, expressão e a
representação de aspectos simbólicos culturais. Todavia, o facto de ser utilizada
universalmente não faz da prática musical uma “linguagem universal”, tendo em
vista que “cada cultura tem formas particulares de elaborar, transmitir e
compreender a sua própria música, desorganizando, idiossincraticamente, os
elementos que a constituem”. (QUEIROZ, 2004).

1.5. O Papel do músico na sociedade

A música acompanha o homem desde sempre, seja nas relações sociais,


políticas, ou até mesmo nas relações raciais. Ela representa um papel importante
na sociedade pelo seu carácter educacional e psico-emocional. A música
manifesta-se de diversas formas mediante o contexto que a reproduz. A música é
reconhecida por muitos pesquisadores como uma modalidade que desenvolve a
mente humana, promove o equilíbrio, proporcionando um estado agradável de
bem-estar, facilitando a concentração e o desenvolvimento do raciocínio, em
especial as questões reflexivas voltadas ao pensamento. Na música estão contidos
três elementos: as palavras, a harmonia e o ritmo.

A música penetra diretamente no nosso sistema nervoso e coordena


mentalmente, de maneira rápida e imediata, a divisão do tempo e do espaço, além
de inspirar o gosto pelas virtudes. Os poderes da música estão calcados, sem
dúvida, na sua abrangência. Ela é acessível a todos independentemente da idade,
religião, raça, sexo ou nível económico. Está disponível a qualquer momento,

16
sendo inclusive grátis. É uma fonte de entretenimento e também um recurso de
crescimento e desenvolvimento humano. (BRÉSCIA, 2003:38).

A subjectivação e estetização, para Foucault (2010), caracterizam um processo


de socialização que não constitui o sujeito numa “perfeita obra de arte”, mas
conduz à iniciativa de uma “transformação de si por si próprio” (FOUAULT,
2010:30). Quanto maior for o envolvimento do indivíduo na sociedade, maior será
a sua responsabilidade social, porque revê em si tudo o que a sociedade reflecte,
pois ele é parte desta mesma sociedade. A música tem esse poder, consegue
inculcar na mentedo indivíduo a responsabilidade e a necessidade da socialização,
basta olharmos para um jovem que ouve temas ligados à consciencialização social
para compreender a sua maneira de actuação no dia a dia, diferente de quem só
ouve temas de violência.

Por isso Foucault defende que a subjectivação e estetização estão na base da


constituição do sujeito ou indivíduo. Nesta senda, o músico tem como papel
principal a pedagogia, seguido do papel de activista social. É pedagogo na medida
em que as suas letras influenciam directa ou indirectamente na vida dos cidadãos
de uma determinada sociedade. Como vimos acima, a música tem um poder de
persuasão bastante abrangente (Bréscia, 2003:38), então quanto maior for a
influência do músico, maior será o impacto da sua música na sociedade chegando
a gerar mudanças significativas.

Temos como exemplo prático os músicos Liceu Vieira Dias do Grupo Ngola
Ritmos (prercursor do semba, revolucionário e activista social pela igualdade de
todos os cidadãos e preservação dos direitos humanos), Bonga (considerado um
dos maiores activistas e revolucionários do país pelas letras das suas músicas),
Paulo Flores (conhecido pela constante luta pela preservação do semba e o
despertar da consciência do povo angolano no que tange a política e os problemas
sociais), Yola Semedo (considerada embaixadora da luta contra a sida em
Angola), Titica (cantora transgênicatida como defensora da comunidade LGBT e
já representante de Angola no Brasil na luta contra a sida). (CARLOS, 2018:1).

17
CAPÍTULO II: APRESENTAÇÃO BIOGRÁFICA E ARTÍSTICA DOS
MÚSICOS ESTUDADOS

O segundo capítulo é inteiramente dedicado a Vida e Obra dos músicos


das músicas analisadas onde se realça as suas vivências, percurso artístico,
prémios e reconhecimentos, bem como o impacto destes na sociedade angolana.

2.1. Bonga

Bonga, pseudônimo de José Adelino Barceló de Carvalho, nasceu a 5 de


Setembro de 1942, em Kipiri, na província do Bengo, a norte de Luanda, em
Angola. Filho de Pedro Moreira de Carvalho, natural de Luanda, e de Ana
Raquel, do norte de Angola. Barceló é o terceiro filho de uma família composta
por mais nove irmãos.

Na sua família era carinhosamente chamado por Zeca. A sua infância foi
marcada pelas vivências nos bairros dos Coqueiros, Ingombotas, Bairro
Operário, Rangel, e no Marçal. Nestes bairros Bonga adquiriu o espírito
conservador da cultura angolana, principalmente da música tradicional angolana,
que era marginalizada pelo poder opressor da época colonial. Além do amor pela
música, Bonga desenvolveu uma paixão especial pelo atletismo chegando a
participar de torneios nacionais e internacionais.

Barceló de Carvalho sempre se sentiu atraído pelo atletismo. Tudo


começou ainda muito jovem quando revelou perante os seus amigos do bairro
ser o mais rápido nas corridas e nas fugas. Depois começou oficialmente a correr
no S.Paulo do Bairro Operário, rotulado pejorativamente como o "Club dos
pretos". Ingressou no Clube Atlético de Luanda. Em 1966, com 23 anos de
idade, depois de ter alcançado os maiores títulos de Angola em 100, 200, e
400m, a sua entrada em Portugal dá-se aquando de um convite do Sport Lisboa e
Benfica, que se deveu às suas múltiplas vitórias nos campeonatos em Angola. O
objectivo deste convite é a prática semi-profissional de atletismo. (Fonte
eletrônica, 2004).

18
Bonga como muitos jovens da sua época já era um nacionalista convicto dos
seus ideais. Por muito tempo Portugal foi regido pela política repressiva e fascista,
que oprimia os povos das colónias e não só. Com o início dos movimentos a favor
da independência das colónias portuguesas, Bonga aproveita o seu estatuto de
atleta recordista para circular livremente e fazer chegar a mensagem de
sensibilização de outros jovens nacionalistas que não eram a favor da opressão e
lutavam pela independência de Angola. Por este motivo é obrigado a deixar
Portugal como muito outros jovens que não queriam terminar os seus dias numa
prisão por causa da perseguição da polícia do Estado-Novo, a Pide, para os Países
Baixos onde lança o seu primeiro álbum Angola 72 com temas sobre a revolução
e o amor à pátria.

Diferente de muitos músicos da sua época, Bonga actuava sozinho, isso


nos anos 80, a década do apogeu internacional, chegando a atuar a solo dois dias
seguidosno Coliseu dos Recreios, sendo o primeiro africano Disco de Ouro e de
Platina em Portugal. O seu sucesso estendeu-se além-fronteiras e contribuiu para o
processo de libertação nacional e de resistência no que diz respeito aos valores
culturais de Angola, ele é tido como um dos conservadores do estilo semba. Conta
com mais de seis obras discográficas, prémios e reconhecimento internacional
(Fonte eletrônica):

Barceló de Carvalho recebeu inúmeros prémios de popularidade e


homenagens relativamente à sua obra, onde conta com distinções várias, medalhas
e discos de ouro e de platina. Barceló de Carvalho manifestou inúmeras vezes a
sua solidariedade e altruísmo dando concertos de beneficência para instituições
como a MRAR, a Amnistia Internacional, FAO, ONU, UNICEF e também um
concerto que se realizará no C.C.F. a 31 de Janeiro, reverterá a favor da acção
missionária dos Capuchinhos em Angola. Para, além disso, tem participado em
CDs como, por exemplo, "Em Português Vos Amamos" dedicado a Timor, "Paz
em Angola" ou ainda "Todos Diferentes, Todos Iguais", um marco na luta contra
o racismo.

Bonga é considerado como um dos guardiões do semba e da resistência a


aculturação excessiva que vem tomando conta do mundo. Para muitos jovens e
19
não só é considerado um exemplo a seguir e de grande valor cultural: Tem mais
de 300 composições da sua autoria, 32 álbuns, 6 videoclipes, 7 bandas sonoras de
filmes, e álbuns com inúmeras reedições em todo mundo. Os seus temas têm sido
interpretados por ilustres artistas como, do Brasil Martinho da
Vila, Alcione e Elsa Soares, de França, Mimi Lorca, da República Democrática do
Congo, Bovic Bondo Gala, do Uruguai, Heltor Numa de Morais, e muitos artistas
angolanos da nova vaga. Barceló de Carvalho, com mais de trinta anos de carreira,
é recordista de vendas dos seus 32 álbuns, em todo o mundo, convidado para
muitos espetáculos que contribuem para a imagem positiva do seu país.

Das mais de 300 composições destacamos algumas encontradas na fonte


eletrônica:

Angola 72 (1972, 1997), Angola 74 (1974, 1997), Raízes (1975), Angola


76 (1976),Racines (1978), Kandandu (1980), Kualuka Kuetu (1983),
Marika (1984), Sentimento (1985), Massemba (1987), Reflexão (1988), Malembe
Malembe (1989), Diaka (1990), Jingonça (1991), Pax Em Angola (1991),
Gerações (1992), Mutamba (1993), Tropicalíssimo (1993), Traditional Angolan
Music (1993), Fogo na Kanjica (1994), O Homem do Saco (1995), Preto e
Branco (1996), Roça de Jindungo (1997), Dendém de Açúcar (1998), Falar de
Assim (1999), Semba N'Gola (2000), Mulemba Xangola (2001), Kaxexe (2004),
Maiorais (2006), Bairro (2011), Hora Kota (2011), Recados de Fora (2016) e
Kintal da Banda (2022).

2.2. Paulo Flores


Paulo Flores, natural de Cazenga, nasceu em Luanda no dia 01 de Julho de
1972. É um dos cantores mais populares de Angola. Mudou-se para Lisboa
durante a sua infância, com viagens regulares a Angola. Graças à sua Tia-Avó e
ao seu pai, Cabé, discotequeiro (DJ/disc Jockey) e amante de música, Paulo
Flores descobre elos fortes com a cultura do seu país, mas também com o blues,
o soul e outros géneros da cultura afro-americana. Começou como cantor de
kizomba, lançou o seu primeiro álbum em 1988. As suas canções tratam de
temas diversos como o governo, a vida quotidiana dos angolanos, a guerra civil e
a corrupção. Foi com Carlitos Vieira Dias, célebre guitarrista dos palcos
20
angolanos nos anos 70, que Paulo Flores fez as suas primeiras incursões no
Semba tradicional, autêntico e original, com ritmos marcados por guitarras e
melodias em tons menores. (BANTUMEN, 2015).

A partir de “Thunda Um N’jilla” (no qual participa Carlitos) e de


Brincadeira Tem Hora (1993) Paulo Flores procura novos sons e introduz alguns
Sembas e Kazukutas no seu repertório, confirmando essa nova tendência em
Inocenti (1995) e depois em Canta Meu Semba (1996). Cantos dolorosos (na
tradição dos lamentos angolanos) alternam com ritmos de dança que associam
instrumentos acústicos e eléctricos, na vontade de criar um Semba que
correspondesse aos seus sentimentos, um Semba de fusão entre o tradicional e o
moderno. Desta forma Paulo Flores afasta-se voluntariamente do mundo das
discotecas e passa a viver intensamente as suas emoções e sentimentos na música.
(BANTUMEN, 2015).

Em 1999 Paulo Flores instalou-se em Luanda e colaborou com grandes


músicos angolanos, um período que representa uma viragem na sua criação
musical. Recompasso (1999) e Xé Povo (2003) trazem melodias, sonoridades e
palavras que reflectem a grande diversidade do seu universo poético e musical.
Excelentes músicos participam nestes álbuns: Ciro Bertini, com quem colaborou
desde os anos 90, Betinho Feijó, Carlos Burity, Tito Paris, Lura e Sara Tavares,
entre outros. Quintal do Semba (2003) e Vivo (2005) sublinham e reforçam essa
visão da história de Angola. Em 2008 Paulo Flores celebrou 20 anos de carreira
num fabuloso espectáculo que reuniu mais de 20.000 pessoas de diferentes
gerações nos Coqueiros, em Luanda. Paulo Flores inscrevia assim hoje o seu
trabalho numa linguagem que assenta na procura e na valorização do património
musical angolano, com espaço aberto a outros géneros musicais que também
influenciaram o seu imaginário, com grande enfoque nos textos e subtileza na
instrumentação. (ANGOP, 2021).

Paulo Flores colabora regularmente com músicos de géneros muito


distintos: Carlitos Vieira Dias, Carlos Burity, Simmons Massini, Betinho Feijó,
Moreira Filho, Marito Furtado, Rufino Cipriano, Joãozinho Morgado, Eduardo
Paim, Jaques Morelenbaum, Alcione, Mariza, Gilberto Gil, Roberta Sá, Tito Paris,
21
Manecas Costa, Mayra Andrade, Sara Tavares, Lura, Mart’nália, Ciro Bertini,
Yuri da Cunha, Yola Semedo, Nástio Mosquito, Aline Frazão, Titica, entre tantos
outros, alguns exemplos das suas cumplicidades musicais e humanas. (ANGOP,
2021).

Discografia, Kapuete 1988, Sassasa, 1990, Coração Farrapo e Cherry


1991, Brincadeira Tem Hora 1993, Inocente 1995, Perto do Fim 1998,
Recompasso 2001, Xé Povo 2003, The Best 2003, Quintal do Semba Ao Vivo
2004, Ex Combatentes 2009, Excombatentes Redux 2012, O País, Que Nasceu
Meu Pai 2013, Bolo de Aniversário 2016, Kandongueiro Voador 2017 e
Independência 2021. (ALLMUSIC, 2021).

2.3. PatríciaFaria

PatríciaNatacha Rodrigues Faria nasceu em Luanda aos três de Dezembro


de 1981, ela é uma cantora e radialista angolana. Começou a carreira como
integrante do grupo Gingas do Maculusso. Deixou o conjunto para seguir carreira
a solo, e no ano de 2003, lançou o seu primeiro disco, Emé Kia, com repertório
basicamente de semba, mas também com toques de kizomba e soul. Em 2009,
lançou o seu segundo álbum, Baza Baza. Interpreta canções nos idiomas
kimbundu e umbundu. Foilocutora da Rádio Luanda, na qual apresenta o
programa diário Jovial Cidade que possui o famoso quadro Ouvi Dizer e o
semanal Sábado Azul. (Bwevip, 2017).

A cantora conta com duas obras discográficas: Primeiro álbum Eme Kia:
Eme Kia; Caroço Quente; Tambula Ó saia, Minha farra, Triste amargura, Cama e
mesa, Falta de ti, Papa ya Jimbidila, Cansaço, Kibela, Zanga Kalunga, Mumpiozo
Uame. Segundo álbum De Caxexe, ou simplesmente devagar, comporta 18 faixas
musicais e tem a produção de DJ Mania-2019: Kamaka, Tás Aonde, Mandinga,
Será que Vale a Pena, Tá Ficar Tonto, Kimbote, Muadié, Ser feliz, Bem Pausado,
Vigarista, Seis Marias, Toda Mulher, Wanguimono, Estão a Vir, Baza Já e Mostra
a tua Angola. (Portal de Angola, 2019).

22
2.4. Ary

Ary, nome artístico de Ariovalda Eulália Gabriel, nasceu no Lubango,


província da Huílaaos 10 de Agosto de 1986. Filha de Mário José Gabriel e
Laurinda Helena. É conhecida pelo seu estilo único e desempenho no palco, ela é
considerada um dos nomes sonantes da música angolana. Teve a sua primeira
experiência em palco no concurso musical Estrelas ao Palco (de karaoke) em
2002. “Desde então, a artista tem conquistado o coração dos seus fãs e seguidores,
tem no mercado três obras discográficas dentre elas: “Sem Substituições” lançada
em 2007, “Crescida Mas Ao Meu Jeito”, lançada em 2013 e “Dez” lançada em
2016. (Vibes, 2021).

Álbum Sem substituições, Senhora sexy ft Paulo Cabonda, Teu Grande


Amor, Não Pergunta Muito ft Yuri Da Cunha, Carta de amor, Triste Demais ft
Nichols, Sans Toi ft Karina Santos, Como Te Sentes Tu, Um Dia Desses ft Heavy
C, Doce Mel, Deixa Respirar e Carta De Amor (Resposta). Álbum Crescida Mas
do Meu Jeito, Amor Da Minha Vida, Greve, Tonico, Louca Por Ti, Aiue Minha
Vida, Escangalha Remixed, Meu Marido, Vamos Ficar Já Bem, Betinho,
Escangalha, Semba Version, Vida e Funge Na Cachupa. Álbum Dez- 2016,
Agradeço, Diva, O Mambo é Meu, Comadre, Meu Momento, FF, Jindungo, Ta
Amararado, Papa Fugiu Feat. Baló Januário, Meu Melhor, Hoje Eu Estou Para Ti,
Zero Feat. DJ Maphorisa & DJ Buckz, Eu Nasci Para Brilhar Feat. Tchobari,
Moço Evita Feat. Zona Sul, Sai Sai Feat Eva Rap Diva e Chocolate. Na sua
galeria constam os prémios Top dos Mais Queridos (2014 e 2016), Melhor Voz
Feminina- Top Rádio Luanda (2014), Melhor Voz Feminina- Troféus Moda
Luanda (2014), Melhor Voz da Lusofonia- Prémio MTV Base África (2014),
Melhor Folclore do Ano (2017) e Melhor Vídeo Clip- Top Rádio Luanda (2017).
(Letras, 2021).

23
CAPÍTULO III – ANÁLISE LITERÁRIA E SOCIOLÓGICA DO SEMBA

O terceiro e último capítulo, como os capítulos anteriores, visa sustentar os


dados apresentados durante a elaboração dotrabalho. Neste capítulo apresentamos
o contexto sociocultural do semba no quotidiano angolano e analisamos os
aspectos temáticos e literários das letras seleccionadas.
3.1. O Contexto sociocultural do Semba no quotidiano angolano

A música deriva da cultura e está inserida no contexto social, possibilitando


estruturas dinâmicas no qual decorrem múltiplos significados. Assim, levando em
consideração os autores acima citados, a atividade musical pode ser considerada
integrante da cultura, a qual é vivida no contexto histórico-cultural, podendo essa
ser recriada pelo saber reflexivo do homem e, ainda, receber significações de
acordo com as vivências singulares e colectivas da música, sempre considerando o
seu contexto. Tomatis e Vilain (1991, apud Wazlawick; Camargo; Maheirie,
2007).

Com essa definição pode se afirmar que o semba surge como meio de
intervenção social e pedagógico para exprimir as necessidades vivenciadas pelos
angolanos na época colonial e pós-colonial. Tem como factor principal enaltecer a
cultura e instruir os homens por meio da música.

É na música cantada que se centraliza a mensagem seguida dos instrumentos e


posteriormente da dança. Os músicos encontraram no semba o espaço de
divulgação da mensagem e consciencialização social, quer seja no plano político,
quer no plano social. Este fénomeno é ainda notório nos dias de hoje como
veremos nas letras analisadas neste trabalho.

Com o desenvolvimento do semba, o povo começou a despertar e a questionar


o estilo de vida que até aquele momento vivenciavam. Durante os encontros dos
grupos era passada a mensagem de mudança e luta. Os temas cantados pelos
grupos e conjuntos, para além do protesto, traziam na sua arte uma proposta de
redescoberta da própria cultura, de afirmação de uma identidade colectiva,
unificada e compartilhada, de soberania cultural, livre de ditames externos. Todo
esse sentimento inflamava a população angolana em prol da independência. Dos

24
musseques aos altos graus da classe intelectual, dos artistas aos desportistas, dos
angolanos ricos aos pobres.

Por mais que os seus integrantes fossem de “boas famílias (boa família em
tempo de colonialismo significava que não pronunciava mais línguas de cultura
africana)” (Macedo, 1987:13).

Temas como “Makalakatu, Njila ya Dikanga, e Vovô Chica” reflectem


directamente as políticas levadas a cabo no país, pois denunciam o abuso de
poder, a inversão de valores cívicos e morais, como também os problemas sociais
da comunidade, exemplo prático tem sido a criação de brigadas de sensibilização
juvenil e grupos culturais de leituras, a fim de diminuir o índice de criminalidade
nas comunidades e a capacitação dos jovens para a sua auto-sustentabilidade e o
fomento das micro e pequenas empresas.

Outros temas de abrangência social são “Cabelos brancos, Cama e Mesa,


Joaquina, Cunhada e kambwa”, estes temas retractam o estado actual das relações
sociais e conjugais da sociedade angolana, muitas delas a base de interesse
financeiro, mentiras, fofocas, inveja e traições.

Todas estas questões não só aumentam o índice de famílias destruídas, mas


como também, demonstram o tipo de sociedade que tem sido construída nos
últimos anos. As músicas visam conduzir a sociedade à mudança de atitudes e
velar pela consciencialização social e salvaguardar o amor ao próximo bem como
os valores morais e cívicos.

Com a criação de grupos e conjuntos musicais, o semba ganhou mais força


e espaço no território nacional, permitindo a abertura de novas portas além-
fronteiras, aumentando assim, a divulgação do estilo e interacção social. Por isso,
pode-se considerar o semba como ferramenta de intervenção social e cultural pelo
facto de ser mais aceite e facilmente absorvida que muitos comícios, que foram
surgindo desde a época colonial aos dias de hoje.

25
3.2. Análise temática

A fim de respondermos as questões levantadas na problemática do trabalho


seleccionamos quatro temáticas extraídas de doze letras que retratam o quotidiano
angolano. Designa-se por temática ao conjunto de ideias ou assuntos a tratar a fim
de desenvolvé-las ou até mesmo comprovar por meio de análises e discussões
num determinado campo de estudo; sabe-se que o adjectivo temática provém de
tema, no texto desempenha a função de ideia central ou predominante, a partir do
mesmo criam-se discussões que facilitarão a compreensão da informação a ser
passada ou estudadada.

3.2.1. Assédio sexual

O assédio sexual tem sido um dos maiores problemas de muitas mulheres,


principalmente adolescentes, no nosso país, porque até pouco tempo o crime por
assédio era um tema muito ignorado. Em função da actualização do Código Penal
o tema tem sido levado em consideração e já há algumas mulheres a denunciar tal
acto. Patrícia Faria ao cantar Caroço Quente não só elucida a necessidade de
reconhecer o problema, como deixa claro que crianças e adolescentes não devem
ser alvo de assédio sexual, nem tão pouco usado para satisfação sexual de adultos
com posiçoes hierarquicas superiores.

Se a fruta está verde


O caroço é veneno
No cheiro do vento
Da p´ra perceber
Me espera na esquina, você
Depois da jornada
Há muita maralha
Pra pouca goiaba

O tema em estudo foi extraído da letra Caroço quente de Patrícia Faria e


Comadre de Ary. Patrícia Faria na sua música retrata situações de assédio sexual
contra menores e práticas sexuais com as mesmas. Embora pouco abrangente o
domínio do assédio sexual nas comunidades os artistas têm feito de tudo um

26
pouco para fazer chegar a informação contida nas suas músicas a fim de despertar
a população sobre possíveis atentados que poderão vir a sofrer ou alguém
próximos a eles. O assédio sexual é muito recorrente no quotidiano angolano,
principalmente contra menores ou mulheres com fisionomias robustas, embora
também existam homens que sofram o mesmo atentado.

A letra nos leva a refletir nas artimanhas utilizadas tendo como finalidade
a prática sexual com meninas de menos instrução aliciadas com palavras bonitas e
pequenos agrados. Tais práticas muitas vezes dão lugar ao abuso sexual, visto que
muitas destas mulheres não consentem as mesmas atitudes, mas acabam sendo por
causa da fragilidade da situação em que se encontram.

Comadre, comadre

Lhe explica bem comadre

Me viu beber um fino

Já quer me confundire

Tá a pensar sou da wawera

Da wawera!

Tá a pensar sou da wawera

Na definição de assédio sexual (artigo 173º do Código Penal) vimos que as


vítimas são alvos de predadores próximos ou ligados a si pela relação de
hierarquia, quer social, económica, religiosa ou até mesmo política, por isso a
cantora realça o fim do período laboral para elucidar quem eram as pessoas que
iam atrás das jovens, embora numa linguagem conotada, próprio da estética que a
música acarreta.

As práticas de assédio sexual como vimos acima envolvem sempre um


superior hierárquico, quer seja homem ou mulher, que tende a desempenhar a
função de dominador sobre o dominado tendo como fim último possuir a sua
vítima. Existem várias formas de manipulação ou aliciar as vítimas, contudo
muitas vezes essas práticas são frustradas quando o alvo é alguém com instrução,
o que lhe possibilita fazer frente ao agressor.

27
Em comadre vê-se um quadro de tentativa de assédio por meio da bebida,
onde um sujeito na tentativa de atrair para si a vítima predispõe-se a pagar bebidas
alcoólicas à mesma, mas este não conclui a sua missão porque o seu alvo soube
contornar a situação livrando-se do assediador e ainda o intimidou. O que
pressupõe maior atenção e instrução desta vítima em relação ao primeiro quadro
descrito na letra caroço quente.

3.2.2. Abuso de poder

O termo abuso do latim abusu remete a um comportamento inadequado,


excessivo contrário aos costumes e à harmonia. Considera-se abuso de poder toda
e qualquer acção hierárquica onde um sujeito em posição superior abusa das suas
faculdades para explorar ou se apropriar do erário público.

Makalakatu mandou tirar

Toda a chapa que tinha no cofre

fez uma finta pró seu cafokoloééééé

Argumentou que é pra alegria da malta

Pois assim será melhor.

Embora seja crime o abuso de poder, no quotidiano angolano é notório. A


constante queixa sobre apropriação ilícita de bens, de exploração dos funcionários
e despedimentos sem justa causa que condicionam a vida de muitos cidadãos e o
desenvolvimento da própria sociedade.

Por causa do sistema instável, muitos dos detentores de cargos ambiciosos


apropriam-se de bens e favores tendo como desculpa o pouco tempo que terá no
mesmo cargo, ou seja, se não pode usufruir por mais tempo o cargo o melhor a
fazer é se beneficiar com tudo que pode, cria pequenos projectos, actividades e
concursos para justificar as saídas avultadas.

Kumbu desse povo foi levado,

Para onde ficamos conotados

Fizeram da banga uma fortuna,

28
Estou a falar só.

Uma das características dos superiores hierárquicos que abusam do seu


poder é a extradição de dinheiro e aquisição de bens fora do país, fazem contratos
sem justificar os valores envolvidos para tais projectos, financiam actividades para
justificar os saques avultados.

O bom povo vive a correr

Sofrimento de todos os dias

Para contentar a maralha

Mandou vir mais vinho e música do estrangeiro

Comprou mais uma casa em cascais

Meu sambizanga e Rangel continuam musseques

Como em toda má gestão o resultado final é a falência, o prejudicado em


tudo isso é o povo, pois é dele que se explora tudo e mais alguma coisa. Uns são
despedidos e outros são manipulados com pequenas doações e cargos novos, mas
os reais problemas ficam sempre por se resolver.

Estudantes com a bolsa pra pagar,

Ficaram sem jeito de voltar,

Voltaram não estão a trabalhar,

Estou a falar só.

Essa má gestão acaba afectando não só os funcionários, mas a sociedade


no seu todo, pois a economia ou política de um país afecta todos sem excepção.
Então, quando o erário público e as infraestruturas são mal geridos todos à sua
volta sofrem, os jovens principalmente porque são privados da educação de
qualidade, promoção do primeiro emprego, incentivo ao investimento privado e
equilíbrio social.

Portanto, podemos dizer que, além do abuso de poder ser uma infracção
administrativa, também é utilizado no âmbito penal para caracterizar algumas
condutas de abuso de autoridade, sendo que, essas são muito mais amplas do que

29
o simples abuso de poder (excesso ou desvio de poder), eis que abarcam outras
condutas ilegais do agente público, o que nos leva a concluir que o abuso de
autoridade abrange o abuso de poder que, por sua vez, se desdobra em excesso e
desvio de poder ou de finalidade. (Artigo nº 374º do Código Penal).

3.2.3. Nepotismo

Do latim neposque significa sobrinho, neto ou descendente, este termo é


utilizado para designar o favorecimento de familiares ou pessoas próximas em
detrimento de pessoas com experiência profissional ou mais qualificadas,
principalmente quando se trata de nomeações ou elevação de cargos ou até mesmo
facilitação de aquisição de bens e serviços.

Oh, ora vejam só

Ora, vejam só

Katé o filho do muadié um barriga cheia

Anda num bruto carrão

Mas o filho do pepé num tem um pão pra levar na escola

Na nossa terra

Por muito tempo acreditou-se que era normal os superiores hierárquicos


favorecem os seus familiares, por causa do comunismo, mas com a mudança do
sistema político as práticas de favorecimento passaram a ser vistas como actos
reprováveis e até puníveis pela lei.

Em Angola, os casos de favorecimento ultrapassaram as margens


hierárquicas, tudo pelos interesses de cada um. Se antes só os que tinham mais
dinheiro ou ostentavam cargos de peso eram os que mais praticavam actos de
nepotismo, hoje até o segurança ou operador de caixa de uma agência bancária ou
hospitar praticam tais acções.

Velhos outrora respeitados

Era assim nos outros tempos

Hoje amizade e família

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São manobrados pelo contexto

Um dos fenómenos mais praticados, actualmente, no quotidiano angolano


é a familiaridade por interesse, onde o vizinho é primo porque pagou algum valor
ou tem outros serviços a oferecer. Actualmente todos praticam o acto de
nepotismo contextualizado ou seja, criaram uma rede de familiares por afinidade,
ninguém diz nada quando é praticado pelo pacato cidadão, mas se for um superior
hierárquico aí já é é um crime ou problema, quando na verdade tais actos afectam
todos e os mesmos devem ser punidos.

Não vá eu cair em desgraça por não ser um espelho

Dos conteúdos estéreis da nova televisão

Patos natos damas com altos saltos

Frequentando as bodas onde as Marias todas

Passam pela lama do semi-asfalto

Primas, filhas tuasminhas do alheio

São de quem chegar primeiro

Por consequência da família manobrada pelo contexto muitas são as


mulheres e homens que se prostituem para ganhar facilidades quer nos seus locais
de trabalho ou na aquisição de serviços públicos e financiamentos. Todas estas
situações levam a instabilidade social e uma educação com rupturas, pois o que
antes era padrinho, pai por afinidade do baptismo ou casamento, hoje ganhou o
lugar de pagante, aquele que garante tudo.

O cão de quem muito mimado

E come bem, é bem tratado

Perto daí Kambúa sovado

Roubou pitéu, foi a apanhado

Quem pratica o nepotismo tende a favorecer os seus e desmerecer quem de


si é distante. Tais práticas prejudicam o bem social e a estabilidade de uma

31
sociedade. Os favorecidos pouco se importam com o bem vida do desfavorecido,
principalmente quando este não lhe é próximo ou subordinado.

3.2.4. Relacionamento abusivo

Relacionamento diz respeito ao acto de estabelecer uma ligação ou


conexão com alguém ou alguma coisa.

A Isaura te avisou

E você mesmovocê só lhe zombou

Surras e surras com muito silêncio

E traições à mistura

O tema foi extraído das músicas Tá Ficar Tonto, Cama e Mesa de Patrícia
Faria, Betinho e Escangalha de Ary, as letras serviram para melhor compreensão
do relacionamento abusio no quotidiano angolano, sendo que muitas vezes a
pessoa que vive tal relação não sabe que tem convido com alguém praticante de
maus tratos e violência. O problema de relacionamentos abusivos é muito comum
em Angola por causa da influência do sistema patriarcal que vigorou por muito
tempo no país e ainda vigora em algumas famílias.

No sistema patriarcal o homem é tido como o cabeça da relação e o único


que toma as decisões do lar, mesmo se a mulher tiver uma ideia poucas vezes é
levada em consideração. Para muitas famílias o homem pode tratar mal a mulher
ou até mesmo desrespeitá-la tendo casos extraconjugais, que é irrelevante para os
familiares como para as pessoas mais próximos. Contudo, estas mulheres vão
dando aviso aos seus cônjuges sobre tais atitudes a fim destes pautarem por
condutas exemplares, mas a maioria parte para a violência doméstica contra as
mesmas.

Betinho é um homem bonito

até charmoso e muito especiale

Me trouxe logo aqui pra banda

e me tirou já de portugale

Vivíamos juntos, e me dava tudo


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Povo dizia “é pemba!”

E me avisaram que ele era bruto

E que gostava de semba.

Os relacionamentos abusivos têm sempre os seus momentos de magia,


contudo, esses momentos são meras ilusões pois um dos cônjuges acaba
demonstrando os seus verdadeiros interesses ou comportamentos. Na nossa
sociedade é recorrente o caso de casais que começaram bem o seu relacionamento,
mas terminam sempre em desgraça por consequência da má conduta da educação
e do meio em que cada um foi criado.

Quando ele me quero na cama

Até sabula que me ama

Depois de sacar toda a escama

Arrasta meu nome na lama

Sai já daqui ó pacheco

Não suporto chuneco

Já está na porta sua trocha.

Nos relacionamentos abusivos as atitudes do dominador tendem a criar


desconforto e insegurança ao dominado. Muitas vezes estás atitudes são seguidas
de abuso de poder e violência, outros pautam pela conduta de desdém atribuindo
rótulos ao cônjuge, como é o caso de Pacheco, aquele que não faz nada pelo
desenvolvimento da família ou que depende do rendimento da mulher para
sobreviver. A nossa sociedade não olha com bons olhos para homens que
dependam do rendimento da sua parceira, mesmo que seja por perda de emprego
ou doença prolongada rotulam-no por pacheco, o que não faz nada só come e
dorme, atitudes como estas geram violência psicológica, moral e físicas nalgumas
vezes.

Me dás tanta maçada

Sempre mal humorado

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Eu só sei dizer que você me escangalha

Tu não és carinhoso

Sempre muito teimoso

Eu só sei dizer que você me escangalha

Existe, ainda, o caso dos relacionamentos abusivos em estado avançado


em que a nível psicológico consideram-se relacionamento tóxico, pois o clima não
é saudável para nenhum dos cônjuges mas insistem em manté-lo por causa da
dependência emocional. Um dos aspectos mais comuns neste tipo de
relacionamentos é se acomodar ao maus tratos, pois para este cônjuge ninguém
vai cuidar melhor de si e entendê-lo sem que seja o seu parceiro (a) mesmo
estando represente o mal na sua vida.

3.3. Aspectos expressivos: língua, vocabulário e figuras de estilo

A música popular é caracterizada, principalmente, por uma linguagem


coloquial e pela linguagem corrente. O semba sendo um estilo popular não foge a
regra, pois é repleto não só pela linguagem coloquial, mas também pelo
bilinguismo (uma marca de resistência e afirmação dos movimentos de
reivindicação) presente na maioria das músicas.

Este jogo duplo entre o português e as línguas nacionais, principalmente o


Kimbundu, possibilitou camuflar mensagens de consciencialização e resistência
contra as políticas coloniais e pós-coloniais. Estas características e o uso das
figuras estilísticas geraram um processo de intertextualidade entre vários músicos
do pré-independência e do pós-independência, o que para nós é uma mais valia
porque permitiu analisar a actualidade, o valor psicopedagógico e intervencionista
das temáticas mesmo depois de vinte anos comparadas com as músicas actuais.

A linguagem coloquial acarrecta provérbios, sátiras e metáforas que


alimentam as mensagens cantadas pelos músicos, desde a década de cinquenta.
Quanto à questão estética, as letras são rítmicas, embora não sejam todas, pois
umas são mais complexas que as outras, não têm apenas uma linha de actuação
tendo em conta as influências dos grupos carnavalescos e os novos estilos como o
Kuduru e a Kizomba. Podemos, por fim, afirmar que as letras em análise
34
acarrectam um valor simbólico muito rico por se explorar, pois muitas destas
músicas precisam ser contextualizadas e exploradas até ao fim para compreendê-
las.

3.3.1. Anáfora

Esta figura de estilo repete uma ou mais palavras no início de versos,


orações ou períodos, de forma regular.

Tenho uma lágrima no canto do olho

Tenho uma lágrima no canto do olho

Tenho uma lágrima no canto do olho

O texto acima é parte do refrão da música com o mesmo título, a letra faz
menção à lágrima no canto do olho, ou seja, tristeza. Os refrões na maioria das
vezes são palavras repetidas para dar ênfase a mensagem.

Me mordeu na bochecha,

Me arranhou na cintura

Me deu soco no peito,

Me rasgou toda a roupa,

Me deu com a panela de sopa.

Contudo a repetição pode ocorrer também na estrofe, principalmente


quando se faz uso propositado da linguagem coloquial. Este fenómeno ocorre em
quase todas as músicas que retratam o quotidiano angolano.

E esse é quem então

E esse é quem então

E esse

A repetição aqui é usada para aumentar o ritmo de chamada para o refrão,


tanto que a resposta seguinte atrai a atenção de quem ouve e o persuade a
responder ao apelo.

35
Que me mordeu na bochecha,

que me arranhou na cintura

Que me deu soco do peito,

Que me rasgou toda a roupa,

Que me deu com a panela de sopa,

no dia seguinte tô rija.

Esta última repetição dá o equilíbrio rítmico do refrão e atrai a atenção do


ouvinte cativando-o a participar da chamada.

Tão feliz no seu chorar

Tão feliz no seu chorar

Mas é feliz no seu chorar o meu povo

(Tão feliz no seu chorar)

Mas é feliz no seu chorar o meu povo

(Tão feliz no seu chorar).

Na música a anáfora pode ocorrer na estrofe como, também, pode ocorrer


no refrão da letra. O que precisamos ter em conta é a disposição das palavras e a
sua repetição.

3.3.2. Comparação

A comparação é uma figura de linguagem que deixa explícito os


conectivos de comparação (como, assim, tal qual, conformidade com, segundo,
conforme, tanto quanto, assim como, bem como, como se). A comparação tende à
relacionar dois termos diferentes numa mesma oração a fim de enfatizar ou
reforçar uma mensagem.

A medicina ainda é o feitiço oh minha mãe

Mas a doutrina cura os infiéis desiludidos

Com o santo que tanto se venera

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Como vimos na definição a comparação tende a enfatizar uma mensagem
fazendo uso de conectivos, o trecho acima faz alusão ao problema da medicina
local e das igrejas com poder de cura, pois é comum a procura de espíritas para a
cura de doenças ou para crescer rapidamente na vida.

3.3.3. Eufemismo

Ao contrário da hipérbole, o eufemismo é uma figura de estilo empregue


quando há a intenção de suavizar o discurso, substituindo uma expressão
considerada rude, desagradável ou “pesada”, por outra mais delicada.

Makalakatu mandou tirar

Toda a chapa que tinha no cofre

fez uma finta pró seu cafokolo

Como vimos, o eufemismo tende a suavizar a informação contida num


texto. No quotidiano angolano usar o termo tirar para dizer que alguém roubou é
tão comum que as crianças aprendem o termo como normal: tirei dinheiro à bolsa
da mãe ( por não ter consentimento é um roubo). O mesmo acontece nas estâncias
superiores dizem que tirou-se ou se desviou tantos de Kwanza do fundo soberano,
quando na verdade roubaram ao fundo soberano.

Kumbu desse povo foi levado,

Para onde ficamos conotados.

Neste trecho mais uma vez recorre-se a um termo suave a fim de expressar
uma situação devastadora. Podemos ver que o dinheiro do povo, cidadãos de
Angola, foi roubado e ninguém sabe o paradeiro do mesmo,

3.3.4. Gradação

Gradação é uma figura de linguagem, relacionada com a enumeração, onde


são expostas determinadas ideias de forma crescente ou decrescente.

Se um dia a mais

Se um dia ao menos

Pudessem ver e ter

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Na corrida pra o poder

Primeiro é o pão

Para se comer.

Como podemos ver na definição de gradação que é a enumeração de


acontecimentos de forma crescente ou decrescente, o trecho acima retrata a
necessidade de todos que é a subsistência acima de toda e qualquer necessidade ou
obrigação.

3.3.5. Ironia

A ironia figura de pensamento é a representação do contrário daquilo que


se afirma.

Falaram chegou a mão pesada,

Daquele que foi mbora afastado,

Pra ver se endireita nosso mambo,

Estou a falar só.

O trecho faz gozo da ideia de ter alguém no poder para mudar o curso das
coisas quando na verdade o elemento faz parte do sistema que o escolheu para
organizar. A ironia tende a ridicularizar uma ideia ou situação afirmando uma
ideia quando se quer dizer outra coisa.

3.3.6. Metáfora

A metáfora consiste numa comparação implícita de palavras com


significados distintos. Isto é, a metáfora suprime o conectivo, pois esta é uma
particularidade da comparação ter um conectivo para determinar dois elementos
como semelhantes.

É no Musseque com muito barulho

Kambúa vira lixo no meio do entulho

Como vimos acima a metáfora tende a fazer comparação sem recorrer ao


uso de conectivos, assim a informação contida passa despercebida. No caso do
trecho da letra Kambúa podemos constatar uma alusão ao sofrimento do

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proletariado aqui personificação na figura do cão “Kambúa”, o texto quer dizer
que o proletariado no meio de outros é só mais um sofredor.

Me viu beber um fino

Já quer me confundire

Tá a pensar sou da wawera

Porque tás a ver um copo de fino

Estás a pensar que eu sou rebangulada

Eu sou uma mulher de respeito

Não confunde, vai!

A metáfora é muitas vezes confundida com a ironia pelo grau de não ditos
dentro da frase, ou seja, tem muito por se dizer duma frase aparentemente simples.
A resposta tá a pensar sou da wawera diz muito de um indivíduo que por ver uma
senhora a beber cerveja em lugar público confunde com outras mulheres de vida
fácil, wawera e rebangulada remete a uma mulher vulgar ou uma mulher
qualquer, tanto que a frase é repetida várias vezes para deixar claro a posição da
senhora em relação aos atentados do interveniente.

A medicina ainda é o feitiço oh minha mãe

Mas a doutrina cura os infiéis desiludidos

Com o santo que tanto se venera

3.3.7. Metonímia

Trata-se da transposição de significados considerando parte pelo todo, o


autor pela obra.

A boela te aturou,

Muitas vezes te avisou e você não se

Tocou mesmo assim ela te amou

O termo boela, que é um adjetivo, passa a desempenhar a função de nome.


No caso específico refere-se à esposa que aturou por muito tempo o marido. No

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quotidiano angolano é comum designar a pessoa pelo referente, ou seja, a
referência toma lugar do referente.

É o caso de peixe para chamar a senhora que vende o peixe, etc. Abaixo
apresentamos mais um caso de metonímia, onde a expressão mão pesada
desempenha a função de nome importante, alguém com poderes para alterar o
funcionamento das coisas.

Falaram chegou a mão pesada,

Daquele que foi mbora afastado,

Pra ver se endireita nosso mambo.

3.3.8. Paradoxo

Esta figura de estilo representa o uso de ideias cujos sentidos são opostos,
não apenas os termos (como acontece na antítese).

Velhos e velhas chorando

Da alegria passageira

Com a promessa da conversa

Dos homens da nossa terra

Considera-se paradoxo o facto de velhos e velhas chorar de alegria, ou


seja, uma pessoa se sorri não pode chorar, esta expressão é comum no quotidiano
angolano para se referir a situações momentâneas, como é o caso das ajudas que
muitos idosos só recebem em datas comemorativas, o mesmo acontece quando
alguém conseguiu algum dinheiro e festeja, por isso, surge sempre alguém para
lembrar que a felicidade do pobre é passageira.

Estudantes com a bolsa pra pagar,

Ficaram sem jeito de voltar,

Voltaram não estão a trabalhar

Outra questão de paradoxo é o facto de muitos jovens serem financiados


para estudar fora do país, mas quando regressam, muitas vezes, ficam sem o
mesmo apoio, muitos não conseguem enquadramento nas instituições nacionais, o

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que acaba sendo um acto de reflexão, pois houve um investimento mal projectado
porque ninguém investe sem querer colher os frutos dos investimentos.

3.3.9. Personificação

Também conhecida como prosopopeia, a personificação consiste na


atribuição de sentimentos e qualidades inteiramente humanas aos seres irracionais.

Aí Kambúa não chora só

Só vale quem tem

Kambúaestás a sofrer

Se a fruta está verde

O termo Kambúa é de origem Kimbundu que significa cão. A figura do


cão neste trecho representa o proletariado, aquele que muito trabalha, mas pouco
ou nada recebe. Como o cão tem sido o animal mais usado para comparar ao
homem, por isso é usado nesta letra para designar o homem proletário.

Se a fruta está verde

O caroço é veneno

no cheiro do vento

da pra perceber

Além dos animais, outro elemento irracional muito usado na literatura são
as frutas, não seria diferente na escrita angolana. Fruta verde remete a menor de
idade, adolescente que está a desabrochar e chama a atenção de homens de todas
as idades.

3.3.10. Sinestesia

A sinestesia é o recurso estilístico no qual se utilizam palavras e


expressões associadas às diferentes sensações percebidas pelo corpo humano
(visão, audição, olfato, paladar e tato) para gerar um efeito discursivo.

O iluminado do cafokolo

Ele que toma barriga e toma cabeça

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Os termos toma barriga e toma cabeça são figurados, pois ninguém toma
barriga nem toma cabeça, significa que o indivíduo precisa tomar consciência dos
seus actos e mudar de atitude, pois veem prejudicando o povo ao seu redor.

Avozinha está sozinha

A ver a morte aproximar

Sacrifícios aumentados

Redobram o nosso padecer

O termo ver a morte remete para a sensação de fadiga, perda da vontade de


viver, pois ninguém vê a morte, pode é senti-la quando se está perder a vida por
doença prolongada ou algum acidente.

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CONCLUSÃO

Uma marca muito própria do semba é narrar o dia-a-dia do seu povo,


desde a vizinha que discutiu por causa da fofoca, como é o caso de “Joaquina” de
Patrícia Faria, à mãe que perdeu o seu filho ou outros entes queridos como em
“Moname” de Lurdes Van-Dúnem, uma declaração de amor como em “Beijo
Rainha” de Matias Damásio. Estas músicas representam o povo, por isso são
rítmicas e cheias de mensagens.

Outra particularidade do semba encontra-se nos instrumentos, que parecem


com os demais instrumentos, mas têm o seu próprio som e ritmo, pois são estas
características que difere o semba da kizomba e dos diferentes estilos musicais.
Terminada a pesquisa, concluiu-se que o semba é parte do povo angolano e as
suas mensagens têm grande influência na sociedade angolana, pois o estilo
acarrecta traços de denúncia, resistência e persistência nos seus ideais contra as
situações que abalam o dia-a-dia do povo, corrompem os bons costumes e os
valores morais. Portanto, a pergunta de partida foi respondidade e a hipótese
confirmada.

Concluímos, também, que as letras “Cunhada, Betinho, Caroço Quente,


Makalakatu, Quatorze Chuvas e Njila ia Dikanga” são fortes aliados para a
consciencialização do povo no que se refere ao resgate dos valores morais que
moldam uma sociedade sadia.

43
SUGESTÕES

- Que a Direcção da Faculdade de Humanidades, os pesquisadores, órgãos


da cultura e artes a deem a devida atenção à música popular, desenvolvendo mais
estudos a fim de aumentar o número de bibliografias sobre a temática do semba e
da música popular angolana.

- Que os estudantes quer de letras, quer de arte musical sejam incentivados


a pesquisar e a desenvolver estudos aprofundados ligados aos diferentes estilos
musicais de Angola.

44
BIBLIOGRAFIA

ARTIGO nº 374º do Código Penal Angolano, Diário da República, Luanda,


2020.

BARBEIRAS Flávio, A Música Habita a Linguagem: Teoria da Música e Noção


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Tradução de Johann AdolfSchlegel. Hildesheim: Georg Olms, 1976.

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de Curso de Licenciatura, apresentado à Faculdade de Letras da Universidade
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MOLINO, Jean (s/d). Facto Musical e Semiologia da Música. In Semiologia da


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45
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Salvador, Raimundo e Holl, Arno, Carlos Lamartine, Revista Goethe-Institut
Angola, 2021.

SANTOS, Marta, Elias dyaKimuezo: A voz e o Percuso de um Povo. Ed. Cão que
lê, Braga, 2012.

SASSUCO, Daniel Peres e Pena,Minany Oliveira, Introdução à Linguística


Bantu, Luanda, 2017.
SILVA, Ezequiel Theodoro, Leitura e realidade brasileira. 4. ed. Porto Alegre:
Mercado Aberto, 1988.

SILVEIRA, Alleton de Melo, Música sacra, conceitos e terminologia, Minas,


2018.

TONA, Maria Suca Francisco. Pseudónimos na Música e na Literatura,


Vaggione, Horacio Algumas Observações Ontológicas sobre o processo de
composição musical, Computer Music Journal, Spring 2001.
Sites consultados:

https://bantumen.com/ Neste site encontras a biogerafia de Bonga e Paulo Flores

https://dev.angop.ao/ Neste site encontras a biografia de Paulo Flores.

https://www.allmusic.com/ Neste site encontras a biografia de Paulo Flores.

https://bwevip.tumblr.com/ Neste site encontras a biografia de Patrícia Faria.

https://www.portaldeangola.com/ Neste site encontras a biografia de Patrícia


Faria.

https://www.vibes.com/ Neste site encontras a biografia de Ary.

46
https://www.letras.mus.br/ Neste site encontras a biografia de Ary e a maior parte
dos álbuns dos músicos em estudo.

47
ANEXOS

Letras Analisadas

José Adelino Barceló de Carvalho (Bonga)

1. Ti zuela

Falaram que angola tem kumbu,

falaram dinheiro é incabavel,

falaram que sao boas familias,

estou a falar só.

Sem eira nem beira ficou rico,

muitokumbusopras nono,

com o jinguenje que ajudou,

estou a falar só.

Jovens que estaomboranganzados,

kotas que estaombora calados,

e a familia que nao diz nada,

estou a falar só.

Falaram chegou a mao pesada,

daquele que foi mbora afastado,

pra ver se endireita nosso mambo,

estou a falar só.

Kumbu desse povo foi levado,

48
para onde ficamos conotados,

fizeram da banga uma fortuna,

estou a falar só.

Estudantes com a bolsa pra pagar,

ficaram sem jeito de voltar,

voltaramnaoestao a trabalhar,

estou a falar só.

2. Lágrimas no Canto do Olho

Refrão:

Tenho uma lágrima

no canto do olho

tenho uma lágrima

no canto do olho

tenho uma lágrima

no canto do olho

Avozinha está sozinha

a ver a morte aproximar

sacrifícios aumentados

redobram o nosso padecer

Se um dia a mais

49
se um dia ao menos

pudessem ver e ter

na corrida pra o poder

primeiro é o pão

para se comer

Velhos e velhas chorando

da alegria passageira

com a promessa da conversa

dos homens da nossa terra

Velhos outrora respeitados

era assim nos outros tempos

hoje amizade e família

são manobrados pelo contexto

Os velhos morreram cedo

seus filhos irão também

filhos pequenos estão com medo

da situação que se mantém

Olha os castiços embaciados

olha os vorazes comendo tudo

olha os doentes empobrecidos

e olha os molhados emancipados.

50
3. Kambúa

Refrão:

Aí Kambúa não chora só

Só vale quem tem

Kambúaestás a sofrer (2x)

I Estrofe

O cão da nguimbe foi convocado

Ele come muito nós é que não lhe damos (2x)

II Estrofe

É no Musseque com muito barulho

Kambúa vira lixo no meio do entulho (2x)

III Estrofe

Passante na rua a tequetar na

Perseguição Kambúa é que

Veio lhe salvar (2x)

IV Estrofe

O cão de quem muito mimado

51
E come bem, é bem tratado (2x)

V Estrofe

Perto daí Kambúa sovado

roubou pitéu, foi a apanhado (2x)

VI Estrofe

Patrão bazou os cães encontrados

naquela rusga no bairro zangado (2x).

Paulo Flores

1. A Carta

Querida mãe, espero que estejas bem

Eu aqui também nem te quero pôr preocupada

Mas aqui na banda tem gente que manda

Tem outros como eu tem outros que nem sequer por isso

A medicina ainda é o feitiço oh minha mãe

Mas a doutrina cura os infiéis desiludidos

Com o santo que tanto se venera

Bate as pernas apressado, ultrapassando

52
O motorizado veículo, enquanto o frenético discípulo

Desce a cidade de encontro ao sol do meio-dia

Querendo ao pagar seu dízimo, comprar um lugar no céu

Quebram-se os ritmos, fecham-se os rostos

Ignorando os desgostos, ignorando a força dos desgostados

Inspirados aos novos sons das novas periferias

Em quantas telefonias mudam o rosto da cidade

Prédios, gruas, damassemi-nuaso progresso atropela

Com sinceridade a geração da utopia

Nem minha canção sorria não mais ingênua

Não como a primeira, vez nem como o primeiro dia

Oh mãe oh mãe oh mãezinha

Teu filho um dia sonhou mudar o mundo

Mutilados cabisbaixos descem os compatriotas

Os cidadãos, buscando notas nos semáforos

Da nova civilização

Oh mãe: galaça um galaça

Não vá eu cair em desgraça por não ser um espelho

Dos conteúdos estéreis da nova televisão

Patos natos damas com altos saltos-

53
Frequentando as bodas onde as Marias todas

Passam pela lama do semi-asfalto

Primas, filhas tuasminhas do alheio

São de quem chegar primeiro

Como alguém cantou um dia

Querida mãe espero que fiques bem

Recebe aqui também um beijo do filho que tanto te ama

Se precisares só me chama oh minha mãe

Luto para não perder tua pátria amada

Teu filho um dia sonhei mudar o mundo!

Oh mãe oh mãe oh mãezinha

Teu filho um dia sonhei mudar o mundo!

Oh mãe

Ilusão do mundo

Jeito alegre de Chorar

Eu queria ser um cantor

Queria ser o ator principal da minha vida

Eu queria saber o que é certo

Hoje que o fim está mais perto

54
Pra não chorar na partida

Eu queria entender o amor

Disfarçar a dor por trás do teu sorriso

Fazer o que for preciso

Para encontrar a saída

Eu sei, a vida é sofrida

A gente se aleija, mas que viva na peleja

Osami, nos proteja

Apesar da tristeza, eu só vivo a cantar

Ó, meu lugar (meu lugar)

A gente tem um jeito tão alegre de chorar

Até os endinheirados a título posto é invejoso

Têm inveja desse povo tão feliz no seu chorar

Ó, meu lugar (meu lugar)

A gente tem um jeito tão alegre de chorar

Que até os endinheirados a título posto é invejoso

Têm inveja desse povo tão feliz no seu chorar

Tão feliz no seu chorar

Tão feliz no seu chorar

Mas é feliz no seu chorar o meu povo

(Tão feliz no seu chorar)

55
Mas é feliz no seu chorar o meu povo

(Tão feliz no seu chorar)

Eu queria ser um cantor

Queria ser o ator principal da minha vida

Eu queria saber o que é certo

Hoje que o fim está mais perto

Pra não chorar na partida

Eu queria entender o amor

Disfarçar a dor por trás do teu sorriso

Fazer o que for preciso

Para encontrar a saída

Eu sei, a vida é sofrida

A gente se aleija mas que viva na peleja

Osami, nos proteja

Apesar da tristeza, eu só vivo a cantar

Ó, meu lugar (meu lugar)

A gente tem um jeito tão alegre de chorar

Até os endinheirados a título posto é invejoso

Têm inveja desse povo tão feliz no seu chorar

Ó, meu lugar (meu lugar)

A gente tem um jeito tão alegre de chorar

56
Até os endinheirados a título posto é invejoso

Têm inveja desse povo tão feliz no seu chorar (uh, uh)

Tão feliz no seu chorar (uh, uh)

Feliz no seu chorar

É tão feliz no seu chorar o meu povo (tão feliz)

É tão feliz no seu chorar o meu povo (feliz no seu chorar)

É tão feliz no seu chorar, ô, mamã (tão feliz)

Mas é feliz no seu chorar, ô, mamã (feliz no seu chorar)

(Tão feliz, feliz no seu chorar)

Tão feliz no seu chorar, ô, mamã (tão feliz)

(Feliz no seu chorar, tão feliz).

2. Makalakatu

Makalakatu mandou tirar

Toda a chapa que tinha no cofre

fez uma finta pró seu cafokoloééééé

Argumentou que é pra alegria da malta

Pois assim será melhor.

O bom povo vive a correr

Sofrimento de todos os dias

57
Para contentar a maralha

Mandou vir mais vinho e música do estrangeiro

Comprou mais uma casa em cascais

Meu sambizanga e Rangel continuam musseques

O bom povo vive a correr

Sofrimento de todos os dias

Oh, ora vejam só

Ora, vejam só

Katé o filho do muadié um barriga cheia

Anda num bruto carrão

Mas o filho do pepé num

tem um pão pra levar na escola

Na nossa terra

O bom povo vive a correr

Sofrimento de todos os dias

Ngana zambi toma medida

O iluminado do cafokolo

Ele que toma barriga e toma cabeça

58
O makalakatu do cafokolo

Ele é sorridente, mas é salalé

O makalakatu do cafokolo

O bom povo vive a correr

Sofrimento de todos os dias.

Ary

1. Betinho
Betinho é um homem bonito até charmoso e muito especiale
Me trouxe logo aqui pra banda e me tirou já de Portugale
Vivíamos juntos, imitava tudo
Povo dizia: É pemba!
E me avisaram que ele era bruto
E que gostava de semba

Mas eu não acreditei


Sempre pensei que só fossem boatos
Em casa é tão gentil
Que até ele mesmo é que lava os pratos
Mas como é que todos conseguem dizer
Que esse meu homem tem pemba?
Não dei ouvidos, pois não quis sofrer
Até chegar o problema

Saí só com as minhas amigas, sabe o que ele me fez?

Me mordeu na bochecha, me arranhou na cintura


Me deu soco no peito, sem falar daquelas bassulas

59
Me rasgou toda a roupa, me empurrou na botija
Me deu com a panela de sopa, no dia seguinte tô rija
Betinho é mama
Betinho, Betinho, Betinho, Betinho

Ê pa fazer isso nas filhas alheias, não vim de ti!


Filho da gaja!

Betinho é um homem bonito até charmoso e muito especiale


Me trouxe logo aqui pra banda e me tirou já de Portugale
Vivíamos juntos, imitava tudo
Povo dizia: é “pemba”
E me avisaram que ele era bruto
E que gostava de semba

Mas eu não acreditei


Sempre pensei que só fossem boatos
Em casa é tão gentil
Que até ele mesmo é que lava os pratos
Mas como é que todos conseguem dizer
Que esse meu homem tem pemba?
Não dei ouvidos, pois não quis sofrer
Até chegar o azare

Eu fui numa boda, ê!

Me mordeu na bochecha, me arranhou na cintura


Me deu soco no peito, sem falar daquelas bassulas
Me rasgou toda a roupa, me empurrou na botija
Me deu com a panela de sopa, no dia seguinte tô rija
Betinho é mama
Betinho, Betinho, Betinho, Betinho

60
É o seguinte minhas irmãs:
Minhas nódoas estão tipo produtos na montra
Todo mundo me vê
Um homem mesmo é pra me fazer isso, vocês acham mesmo?
Num me fez, quem me fez foi meu pai

E esse é quem então


E esse é quem então
E esse

Que me mordeu na bochecha, que me arranhou na cintura


Que me deu soco do peito, sem falar daquelas bassulas
Que me rasgou toda a roupa, que me empurrou na botija
Que me deu com a panela de sopa, no dia seguinte tô rija
Betinho é mau, mau
Betinho, Betinho, Betinho, Betinho

Desde que descobri que existe Ministério da Promoção da Mulher


Fiquei feliz!
Levei lá o bilhete, as cuecas dele e a chinela
Mostrei a casa, foram lhe buscar
Lhe prendi mesmo! Ah, mulher!
Agora preciso de voltar em Portugale
Me liguem só, não tenho dinheiro pra bilhete
Faz favor, com licença
Betinho: Beijinho

61
2. Comadre

Coamdre, comadre

lhe explica bem comadre

comadre, comadre

lhe explica bem comadre

Me viu beber um fino

já quer me confundire

me viu beber um fino

já quer me confundire

Lhe explica bem, comadre

sou madame toda hora

lhe explica bem, comadre

sou madame toda hora

Comadre, comadre

lhe explica bem comadre

comadre, comadre

lhe explica bem comadre

Me viu beber um fino

já quer me confundire

me viu beber um fino

já quer me confundire

Tá a pensar sou da wawera

dawawera!

Tá a pensar sou da wawera

dawawera!

Me viu beber um fino

62
já quer me confundire

me viu beber um fino

já quer me confundire

Lhe explica bem, comadre

sou madame toda hora

lhe explica bem, comadre

sou madame toda hora

Ah sai lá, man! Sai lá!

Sai lá daqui com teu azare

tás a me confundir, num é?

Porque tás a ver um copo de fino

estás a pensar que eu sou rebangulada

eu sou uma mulher de respeito

não confunde, vai!

Lhe explica bem, comadre

sou madame toda hora

lhe explica bem, comadre

sou madame toda hora

Ele quer me confundire (confundire)

ele quer me confundire (confundire)

tá a pensar sou da wawera (da wawera)

tá a pensar sou da wawera (da wawera)

Fica só no pensamento, meu irmão!

São vocês!

Depois de três copos

tá a pensar ma tá a arrastar não é?

63
Esquece ewe!

Cuidado!

Como dizia meu cota bangão, cu-idado!

Cuidado comigo meu irmão, não confunde!

Vais rir em chinês: honzhijiagaikonha

nihao ma, xiexie!

Você me Escangalha

Me dás tanta maçada

sempre mal humorado

eu só sei dizer que você me escangalha

tu não és carinhoso

sempre muito teimoso

eu só sei dizer que você me escangalha

Todos dizem pra te deixar

que só vais me maltratar

mas todo mundo sabe

que você me escangalha

minha família não te aprova

tá sempre a arranjar-me damo novo

mas quem não sabe

que você me escangalha

*Já te deixei e jurei não voltar

mas não há outro que eu sei amar

é só no teu colo que eu sei dormir

o moço que me faz sorrir

64
odeio admitir

Você me escangalha (você, você, uh)

(você, você)

você me escangalha (você, você, uh)

(você, você)

você me escangalha (você, você, uh)

(você, você)

você me escangalha (você, você, uh)

(você, você, uh)

*Tu não és ciumento

eu nem sei como aguento

eu só sei dizer que você me escangalha

e me vês quando queres

nem te importas se me feres

eu só sei dizer que você me escangalha- paradoxo

Todos dizem pra te deixar

que só vais me maltratar

eu só sei dizer que você me escangalha

minha família não te aprova

tá sempre a arranjar-me damo novo

mas quem não sabe

que você me escangalha

Já te deixei e jurei não voltar

mas não há outro que eu sei amar

(não há outro que eu quero amar, baby)

é só no teu colo que eu sei dormir

65
o moço que me faz sorrir

odeio admitir

Você me escangalha (você, você, uh)

(você, você, uh) oh yeah

(você, você, uh) baby

você me escangalha (você, você, uh)

(você, você, uh)

(você, você, uh) baby (você, você, uh)

Você, oh

você me escanga...

Escanga... Oh yeah

Patrícia Faria

1. Caroço Quente

Se a fruta está verde

O caroço é veneno

No cheiro do vento

Da p´ra perceber

Me espera na esquina, você

Depois da jornada

Há muita maralha

Pra pouca goiaba

Esfrega na pedra da tua parede

Caroço aquecido magoa na pele

Loengos são raros na terra do mato

Maboque se esconde no meio do espanto

66
Carocinho pedrado faísca na mão

Me arruma pro lado balumuka…

M´mam

Tubia

Sanje

Watema, ma

Tubia

Sanje

Watema, ma

2. Tá ficar tonto
I

Dizem que é mentira porque

Eu te amava e chora aos prantos

Só pode ser mentira porque

Hoje já não te quero. (2x)

Coro:

Tá ficar tonto, oh

Tá ficar louco

Já não tem como (2x)

*Hoje te vejo já não sinto nada

Já não vejo nada, tudo se foi, (2x) -

67
A boela te aturou,

Muitas vezes te avisoue você não se

Tocou mesmo assim ela te amou

A isaura te avisou

E você mesmo você só lhe zombou (2)

Coro: bazou (7x)

Surras e surras com muito silêncio

E traições à mistura

Gatunas atrás de gatunas

Tens coragem meu irmão

Dore é dore, choro é choro.

Ba, ba, bazou (3x).

Cama e Mesa

Quando ele me quero na cama


até sabula que me ama
depois de sacar toda a escama
arrasta meu nome na lama
sai já daqui ó pacheco
não suporto chuneco
já está na porta sua trocha

coros: agora vais tomar sopa na concha


mamã não se meta só lá
este homem

68
está cheio de astúcia
ele não procura emprego
depois quer somar um bom posto
mas ele só quer cama e mesa

coros :pensa que mulher é empresa


Saí Pacheco me larga

69

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