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Universidade Agostinho Neto

Faculdade de Humanidades
Departamento de Língua e Literaturas em Língua Portuguesa

ANÁLISE ESTILÍSTICA DA OBRA “ACUDAM MARIA DO RANGEL”, DE


NGONGUITA DIOGO

Trabalho de fim de Curso apresentado para a obtenção do grau de Licenciada em


Língua Portuguesa

(Opção: Literatura)

por

Teresa CavaleiroPEDRO

Orientadora: Domingas Henriques Monteiro, Me.

Luanda/2022
ANÁLISE ESTILÍSTICA DA OBRA “ACUDAM MARIA DO RANGEL” DE
NGONGUITA DIOGO

Trabalho de fim de Curso apresentado para a obtenção do grau de Licenciada em


Língua Portuguesa
(Opção: Literatura)

por

Teresa CavaleiroPEDRO

Orientadora: Domingas H. Monteiro, Me.

Luanda/2022
DEDICATÓRIA
À minha mãe Teresa Leitão Ribeiro Cavaleiro Neto, pela educação, força e
dedicação, demonstrada no decorrer da minha formação.

Ao meu esposo José Albertino Pedro pelo incentivo e coragem.

I
AGRADECIMENTOS
A Deus pela dádiva da vida, por ser o guia e o pilar do meu existir e viver e por
me agraciar com a presente conquista.
À Direcção da Faculdade de Humanidades e a todos os professores do
Departamento de Língua e Literaturas em Língua Portuguesa.
À Professora e Mestre Domingas Henriques Monteiro, pela imensurável paciência
tida comigo no decorrer de todo o trabalho.
Aos meus irmãos, Antónia Boa, José de Menezes e Inês Neto pela força, incentivo
e por sempre acreditarem que tudo isso fosse possível.
Ao meu filho, Emanuel José Pedro, por ser o meu maior incentivo e
impulsionador das minhas lutas, resultantes em conquistas.
Aos meus amigos, em especial a Shelsia dos Anjos, pela colaboração e apoio
prestado para o êxito do presente trabalho, agradeço ainda àNtony Chaves, Serafina
José, Luísa Domingos, Miuvandra Agostinho, Chissola Paulo, Delfina José e Benjamim
Napoleão, pela ajuda e incentivo mostrado ao longo da minha formação.
Aos meus colegas de turma, Fineza Kiala, Arlinda Muzema e Adriano Chepute
pelo companheirismo.
A todos que, verdadeiramente, contribuíram positivamente e que,
incondicionalmente, me apoiaram na realização deste trabalho, o meu mais sincero e
profundo agradecimento!

II
ÍNDICE

DEDICATÓRIA..............................................................................................................3
AGRADECIMENTOS....................................................................................................4
ÍNDICE.............................................................................................................................5
RESUMO..........................................................................................................................6
ABSTRACT.....................................................................................................................7
0. INTRODUÇÃO...........................................................................................................8
0.1. Formulação do problema....................................................................................9
0.2. Formulação da hipótese..........................................................................................9
0.3. Razões da escolha do tema.....................................................................................9
0.4. Objectivos...............................................................................................................9
0.4.1. Objectivo geral...............................................................................................10
0.4.2. Objectivos específicos....................................................................................10
0.5. Metodologia..........................................................................................................10
0.6. Divisão do trabalho...............................................................................................10
CAPÍTULO I – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA....................................................11
1.1. Literatura...........................................................................................................11
1.2. Géneros literários..............................................................................................12
1.2.1. Género narrativo............................................................................................14
1.3. Estilística...........................................................................................................19
CAPÍTULO II – VIDA E OBRA DE NGONGUITA DIOGO..................................20
2.1. Vida e obra........................................................................................................20
2.2. Resumo da obra................................................................................................21
2.3. Tempo e espaço................................................................................................23
2.4. Caracterização das personagens............................................................................25
CAPÍTULO III – ANÁLISE ESTILÍSTICA DA OBRA ACUDAM MARIA DO
RANGEL.........................................................................................................................29
3.1. Figuras de linguagem............................................................................................29
3.1.1. A nível fónico (dos sons)...............................................................................29
3.1.2. A nível sintáctico (da sintaxe)........................................................................30
3.1.3. Nível semântico (do sentido).........................................................................32
3.2. Análise estilística da obra Acudam Maria do Rangel...........................................33
CONCLUSÃO................................................................................................................37

III
SUGESTÕES.................................................................................................................38
BIBLIOGRAFIA...........................................................................................................39

IV
RESUMO
O presente estudo intitula-se“Análise Estilística da obra “Acudam Maria do
Rangel”, de Ngonguita Diogo”. É uma pesquisa bibliográfica que tem por objectivo
abordar sobre os recursos estilísticos encontrados na obra, de que forma foram
utilizados e para que servem tais recursos numa obra literária. A obra em análise narra
um episódio que envolve fé em espíritos ocultos, o que se constitui numa das crenças e
devoção de grande parte dos povos africanos. Consideramos importantetrabalharnessa
temática porque vai aumentar o número de material sobre análise literária no que diz
respeito à estilística, servindo de uso em pesquisas futuras sobre assuntos relacionados
com a presente pesquisa.Usamosnesta monografia o método bibliográfico olhando para
as obras de outros autores devidamente mencionadas na bibliografia, bem como a obra
da escritora Ngonguita Diogo, Acudam Maria do Rangel, cerne da análise do trabalho.A
obraestá repleta de figuras de estilo, dentro de si inúmeros elementos que objectivam na
beleza do texto, com mensagens que abordam as vivências diárias de muitos angolanos.

Palavras-Chave:Literatura, estilística, Ngonguita Diogo, narrativa, análise.

V
ABSTRACT
The present study is entitled “Stylistic Analysis of the work “Acudam Maria do
Rangel”, by Ngonguita Diogo”. It is a bibliographical research that aims to address the
stylistic resources found in the work, how they were used and what these resources are
for in a literary work. The work under analysis narrates an episode that involves faith in
occult spirits, which constitutes one of the beliefs and devotion of most African peoples.
We consider it important to work on this theme because it will increase the number of
material on literary analysis with regard to stylistics, serving as a use in future research
on subjects related to the present research, as well as the work of the writer Ngonguita
Diogo, Acudam Maria do Rangel, core of the analysis of the work. angolans.

Keywords: Literature, stylistics, Ngonguita Diogo, narrative, analysis.

VI
0. INTRODUÇÃO
O trabalho que ora apresentamosfaz um estudo estilístico da obra “Acudam Maria
do Rangel”, da escritora Ngonguita Diogo, numa abordagem dos recursos estilísticos no
geral, bem como sobre a mensagem que a obra apresenta. Anarrativa em análise é a
representação do que se vive em vários cantos do país, é o relato da vida de muitos
angolanos. O foco recai naênfase e no olhar ao que é narrado sobre o feitiço e
misticismo, típico dos povos africanos.

A literatura é um ramo abrangente, e dentro dela encontram-se ilimitados temas


para se abordar. Enquanto uns analisam uma obra de forma geral, com todos os seus
pressupostos, nós por outro lado, escolhemos a análise estilística por duas simples
razões: primeiro porque lemos a obra de Ngonguita Diogo e achamos interessante, não
só pela forma simples e engraçada como a autora fez a narração, mas também pelas
mensagens que nelas se encontram. Segundo, para mostrar a capacidade de invenção e
criatividade que os escritores imprimem nas suas obras, fazendo-se dialogar com o
tempo e com a sociedade onde estejam inseridos, mostrando as vivências do quotidiano
de uma determinada comunidade e do seu povo.

As obras literárias acabam por servir de matéria de estudo para académicos,


críticos literários e diversos teóricos, para explicar fenómenos sociais, culturais e
históricos de um determinado povo e da sua sociedade. Nelas, podem se encontrar e
estudar certas temáticas relevantes para a vida do indivíduo e em comunidade. No caso
em particular, a análise vai para o estudo estilístico da obra de Ngonguita Diogo,
“Acudam Maria do Rangel”. Um exercício que remete para aquilo que é a essência da
literatura como arte, a estética, o poder imaginativo do escritor e a ficcionalidade.

Essa jornada exigiu de nós muitas leituras e trabalho aturado para a inventariação
de figuras de estilos dentro da obra. Nesse sentido, foram inventariadas e analisadas
catorze (14) figuras que são: perífrase, comparação, paradoxo, pleonasmo,
personificação, antítese, hipérbole, ironia, metáfora, sarcasmo, redundância,
eufemismo, oximoro e disfemismo. Todas essas figuras de estilo encontram-se
representadas e definidas no terceiro capítulo dessa monografia. As mesmas estão
exemplificadas com trechos da obra em estudo “Acudam Maria do Rangel”, da escritora
Ngonguita Diogo.

1
0.1. Formulação do problema
As sociedades africanas, em particular a angolana, comportam crenças negativas e
positivas, têm bons e maus momentos, tomam decisões promissoras e algumas que as
levam à perdição. Neste contexto, e com base ao que é retratado na obra apresentamos a
seguinte questão de partida:
- Qual é a relevância da estilística e que figuras de estilo podem ser encontradas
na obra “Acudam Maria do Rangel”, de Ngonguita Diogo?

0.2. Formulação da hipótese


As hipóteses são ideias ou pensamentos relacionados com um determinado
assunto, elas são conhecidas por carecerem de testes, sendo assim, após serem testadas
as hipóteses e encontradas as respostas, pode-sesaber quais são as verdadeiras e quais
devem ser descartadas.Sendo assim, para a questão acima exposta apresentamos a
seguinte hipótese:
- As obras literárias podem ser veículos privilegiados para fazer um inventário
estilístico.

0.3. Razões da escolha do tema


A estilística é também um ramo muito abrangente, mas estudá-la mostra até para
os menos entendidos aquela que é realmente a beleza que se encontra por trás de um
texto, ainda que numa primeira leitura não se entenda, quando explicado o texto de
formas a desconstruir as palavras estilisticamente falando, percebe-se que a beleza
literária, a catarse que o leitor experiencia durante a leitura, é mais do que um simples
momento, é uma beleza que às palavras não são suficientes para descrever. Em suma,
escolhemos este tema, pois é importante e porque gostaríamos de mostrar às pessoas
que terão contacto com esse trabalho, de que, lindo é ler, lindo é escrever, muito lindo
ainda, é traduzir e interpretar o que um texto quer dizer.

0.4. Objectivos
Ter objectivos bem delineados ajuda a pesquisa a não ser vasta, com vários
assuntos em debate e que depois se torna confuso. Portanto, os objectivos servem para
guiar uma pesquisa ou estudo, e é através deles que se evitam rodeios e resultados
desnecessários, que não abundam no trabalho. Eis abaixo enumerados os objectivos do
estudo:

2
0.4.1. Objectivo geral
- Inventariar e analisar as figuras de estilo presentes na obra “Acudam Maria do
Rangel”, de Ngonguita Diogo.

0.4.2. Objectivos específicos


- Identificar a mensagem central da obra.

- Analisar os aspectos literários e estilísticos da mesma.

- Compreender os fenómenos socias descritos na obra.

0.5. Metodologia

Metodologia é o processoda mistura de vários procedimentos e métodos. Para a


realização deste trabalho, recorremosà várias leituras, fizemos anotações de temas
importantes para a construção do mesmo, tendo sido usado o métodobibliográfico e
analítico.

1. Método bibliográfico, que se cingiu no uso de pesquisa e de leitura de várias


obras de autores que já estudaram e publicaram temas relacionados com o nosso,
isto é, sobre a estilística.
2. Método analítico,que se cingiu na análise estilística da obra.

0.6. Divisão do trabalho


Este trabalho encontra-se dividido em três capítulos. O primeiro capítulo faz a
fundamentação teórica do mesmo, onde são abordados temas como literatura, géneros
literários, narrativa e estilística. O segundo capítulo relaciona-se com a vida e obra de
Ngonguita Diogo, ela que é a autora da obra em análise, neste capítulo apresentamos um
pouco daquele que é o seu perfil.O terceiro capítulo faz a análise estilística da obra,
onde apresentamos e enumeramos as figuras de linguagem que se encontram na mesma,
falamos um pouco sobre as personagens da obra, bem como a mensagem que nela se
encontra.

3
CAPÍTULO I – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O capítulo que agora começamos tem como objectivo fazer uma elucidação sobre
aqueles que são os conceitos básicos e importantes para a melhor compreensão do tema
em estudo, definindo os seguintes termos literatura, géneros literários e estilística.

1.1. Literatura

A literatura é conhecida mundialmente por ser a arte que tem as letras como seu
objecto primordial de uso e pesquisa, até aos dias de hoje encontrar uma definição para
tão grandiosa arte tem sido uma luta, pois os conceitos variam de autor para autor e cada
vez mais estabelecem-se definições subjectivas, abstractas e de várias perspectivas pois
tal como tudo, cada pessoa a define de acordo com o seu ponto de vista e interesse.
De acordo com Dias & Carmo (1999:204), a literatura é“uma expressão verbal
artística de uma experiência humana, que compreende as obras estéticas de expressão
oral e escrita”, ou seja, eles a literatura está relacionada com experiências humanas que
a posterior são transformadas em arte, usando desta forma a expressão artística
destacando obras que usam recursos estilísticos diversos.
Miguel& Alves (2011:96), por sua vez, explicam que “a literatura é uma forma
particular de comunicação, porém muito antiga como o surgimento do homem. E como
qualquer outra forma de comunicação ela também carrega algumas propriedades como
um emissor (autor), uma mensagem (texto literário) e um receptor (leitor)”, esta
definição, é talvez uma das que melhor se assenta aos nossos dias no que diz respeito à
contextualização. Só existe literatura quando alguém se propõe em escrever algo. É
necessário que haja um emissor que é o autor do texto,uma mensagem que vai ser
passada, um leitor que participará deste processo como o receptor da mensagem que do
escritor concebeu. Esta forma de comunicação começa na mente de um artista, um
pensador, um escritor que passa por todo o processo desde a escrita, revisão, edição e
distribuição da obra, para terminar no resultado que consiste na venda e publicação da
obra, onde o leitor terá o acesso a mesma.

A literatura tem várias definições e pode ser analisada de várias formas, desde os
seus géneros literários, as suas correntes, pensadores, escolas e movimentos que durante
vários anos levantaram grandes debates, pesquisas e questões que nos são úteis até hoje,
mas há que se ter cuidado ao defini-la ou postular ideias, pois a arte é subjectiva e o seu
objectivo, qualidade, verdade e beleza variam grandemente do ponto de vista individual

4
de cada pessoa, é necessário não ofender, julgar ou banalizar aquilo que os outros
considerem arte.

Para Eagleton (2006:1),“é possível, por exemplo defini-la como a escrita


“imaginativa” no sentido de ficção, escrita essa que não é literalmente verídica. Mas se
reflectirmos, ainda que brevemente, sobre aquilo que comummente se considera
literatura, veremos que tal definição não procede”.

Eagleton explica que a literatura tem aspectos ficcionais que resultam da


capacidade imaginativa de cada autor, ou seja, muito do que é escrito nos textos
literários são factos relacionados ao que se vive diariamente mas que as vezes não são
completamente verdade, assim sendo, o facto de haver aspectos resultantes da
imaginação do autor tornam a definição de literatura um pouco desleal do que realmente
é, partindo do ponto em que a palavra literatura surgiu de “littera”, ligada
implicitamente à palavra “escrita ou impressa”.

O significado que a palavra literatura tem actualmente é recente, antes do século


XVIII esta palavra tinha um significado completamente diferente do que se conhece
hoje, onde de modo geral tudo o que era escrito considerava-se literatura, só depois é
que os aspectos estéticos e estilísticos foram tidos em conta e todo o conhecimento e
conteúdo das obras passaram a adquirir uma visão diferente e mais direccionadas às
belas artes, passando a ser a arte da palavra, também conhecida como a arte do bem
escrever.

Segundo Todorov(1978:18), “a literatura é uma linguagem não instrumental e o


seu valor reside nela própria”.Enquanto outros autores buscam defender e atribuir
valores e definições à literatura, Todorov foi sucinto em dizer que a literatura tem o seu
próprio valor, ou seja, em si mesma reside o que chamaremos de núcleo, propósito ou
dimensão, em nenhum autor está a responsabilidade de taxar ou desconsiderar sendo
que a literatura ela mesma, conhece-se e por ela e para ela reside o seu próprio valor.

1.2. Géneros literários

Os géneros literários são categorias da literatura que englobam os diversos tipos


de textos de acordo com a sua forma e conteúdo, assim sendo, a literatura é um grande
conjunto de géneros literários diversos, no momento de escrever a sua obra, o autor
pensa no texto e também em como será a sua disposição, após escolher o modelo

5
literário que quer apresentar, estes modelos são considerados géneros literários.As obras
literárias são agrupadas em diferentesgénerose dentre eles, os mais estudados e
consequentemente mais conhecidos são: o género narrativo, o géneropoético-lírico, bem
como o género dramático. Os géneros literários são incansavelmente debatidos em
literatura, pois deles resultam os diferentes tipos de textos.

Segundo Samira & Jesus (2000:31) “género literário é o modo como se veicula a
mensagem literária” ou seja, os géneros literários são o resultado da forma como todo o
conteúdo literário é escrito.

No processo de criação textual os autores devem ter em conta aspectos


importantes no que diz respeito aos tipos de textos, porque se assim não for, incorre-se
ao risco de cometer graves gafes quanto ao tipo de texto, erros estes que variam desde o
género literário e em situações piores, a gafe de escrever um livro “normal” com texto
não literário e caracterizá-lo como texto literário.

Moreira & Pimenta (2012:20) explicam que “na produção de um texto literário,
valoriza-se a forma, na tentativa de explorar os recursos que o sistema linguístico
oferece nos planos fónicos, morfossintácticos, semânticos, prosódicos e lexicais”, ou
seja, o texto literário é de categoria abrangente, não se limita em tratar apenas de
algumas questões mas de todas, não só na escrita como de todo o sistema linguístico.

Os mesmos autores diferenciam ainda o texto não literário, fazendo saber que este
tipo de texto usa da verdade para informar, que a realidade é difundida sem o mínimo de
erros nem adornos que possam retirar o verdadeiro sentido da mensagem que se quer
passar. Um texto não literário é claro, não usa de recursos estilísticos e não tem
plurissignificância para que a mensagem seja passada devidamente, livros falando de
cálculos, revistas de notícias, jornais, receitas, dentre outros são considerados textos não
literários pois o seu foco não é entreter e não despertar aos leitores outros tipos de
sentimentos que não sejam os de passar a informação, não se usam de recursos
estilísticos nem adornos estéticos.

Após saber-se a diferença entre ambos os tipos de texto (literário e não literário)
tem-se mais propriedades para seabordar sobre osgéneros literários, estes que foram
desenvolvidos através de várias discussões que surgiram com o passar do tempo, cada
tipo de texto demonstra um género literário diferente, a maneira como os eventos são

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narrados e descritos, levam os leitores a diferenciarem o tipo do texto, esta
diferenciação acontece automaticamente pois cada género literário é singular e
apresenta as suas próprias características, tal como afirma Todorov no que diz respeito à
comédia e a tragédia, por serem textos de fácil distinção entre os outros,“é inútil falar
sobre os géneros comédia e tragédia pois sua obra é única, singular, vale pelo que tem
de inimitável por isso distingue-se das outras” (TODOROV, 1981:5). O autor enfatiza
que cada género literário era singular, e que a comédia e a tragédia são dois géneros que
diferem muito dos outros géneros.

Como a arte do bem escrever, a literatura abarca consigo elementos que a tornam
peculiar. Dos distintos géneros literários destacam-se o drama, a narrativa, o romance, a
comédia, tragédia, poesia, dentre outros. Os mais comuns e conhecidos são o género
narrativo e o poético, ambos são fortemente estudados principalmente pelas suas
características. Ogénero narrativo ao qual falaremos nas páginas a seguir, tem dentro de
si as personagens, o tempo, o espaço, o enredo ou sequência dos eventos, tudo para que
o leitor consiga se contextualizar no que é narrado, enquantono géneropoético
encontram-se a métrica, as rimas, a versificação, as figuras de estilo, dentre outras
características que tornam cada género literário diferente do outro.

Para Silva (2005:340), Platão no seu terceiro livro de “A República” defendeu que
“todos os textos literários são uma narrativa de acontecimentos passados, presentes e
futuros”,ou seja, é possível escrever sobre factos que já aconteceram, ou factos que
acontecem no momento em que a obra é escrita e com um pouco de imaginação é
possível também escrever-se sobre o que pode vir a acontecer, sem esquecer que com a
ficcionalidade toda a realidade criada é mais apetecível. Platão com o seu postulado,
afirma que a vida não passa de mera imitação, e estas imitações partem de factos
passados a possíveis acontecimentos futuros, tendo feito uma divisão em três partes de
como funciona uma narrativa, sendo de uma simples narração, a imitação ou mimese e
também a modalidade mista que envolve um pouco da simples narrativa e também da
imitação.

1.2.1. Género narrativo


O género narrativo éo tipo de texto que possibilita contar e relatar factos e
acontecimentos, sejam eles reais ou fruto da imaginação do autor, caracterizando-se
pela construção e comunicação de uma acção ou de uma sequência de eventos, que se

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ligam a ficção,a linguagem é a essência principal para a criação de um universo
ficcional dentro do texto narrativo.“A denominação de géneros literários, para os
diferentes agrupamentos das obras literárias, fica mais clara se lembrarmos que género
(do latim genus-eris) significa tempo de nascimento, origem, classe, espécie, geração. E
o que se vem fazendo, através dos tempos, é filiar cada obra literária a uma classe ou
espécie; ou ainda é mostrar como certo tempo de nascimento e certa origem geram uma
nova modalidade literária”. (SOARES, 2007:1).

“Forma arquitecta de um acto da fala, da totalidade de uma obra, uma obra


existe na realidade só na forma de um género particular. O valor estrutural de cada
elemento de uma obra pode ser compreendido apenas em conexão com o género”
(BAKHTIN).

Para que melhor se perceba o que foi descrito acima, vamos enumerar, explicar e
definir os elementos do género narrativo, pois deles dependem o sucesso do texto que se
quer escrito, para a construção de um texto narrativo participam alguns elementos que
são chamados de categorias da narrativa assim sendo, temos:

Acção: é uma sucessão de acontecimentos ligados entre si, e que conduzem a um


desenlace, está associada às personagens e acontece num determinado espaço e tempo.
Uma acção pode ser classificada quanto ao relevo, a delimitação, a estrutura e as
sequências narrativas, quanto ao relevo a acção pode ser:

Acção principal: é o conjunto das sequências narrativas que assumem no texto,


um papel importante.

Acção secundária: tem a sua importância definida em relação à acção principal,


da qual, na maior parte das vezes, depende. Consiste na narração de sequências de
menor relevo na diegese. Em narrativas curtas como em contos tradicionais, não chega
existir, ela permite caracterizar melhor os contextos sociais, culturais, e ideológicos em
que a acção se insere.

Quanto a delimitação, a acção pode ser:Fechada a sua acção é solucionada até ao


último pormenor.Abertaé a acção da qual se desconhece a resolução, por causa da
inexistência de um desenlace.

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As personagens: são os actantes, pois é através delas que as acções são
conduzidas, e é por meio delas de quem o narrador fala. Numa diegese de forma geral
nem todas têm o mesmo relevo, nem são descritas da mesma forma, elas também não
têm o mesmo processo de caracterização e nem são construídas da mesma maneira.
Assim sendo, a definição de uma personagem obedece a alguns parâmetros como
relevo, caracterização, processo de caracterização e composição.

Quanto ao relevo a personagem pode ser:

Personagem principal: é a protagonista central da história, a sua actuação é


essencial ao desenvolvimento da história, uma vez que são elas que modelam e fazem
avançar a intriga.

Personagem secundária: participa activamente na acção, e pode ter um papel de


relevo na mesma, mas não decide. É menos importante que o protagonista.

Personagem figurante: o seu papel é irrelevante na acção, pois o seu único


propósito é caracterizar o contexto social tornando mais real o espaço.

Quanto a caracterização a personagem pode ser:

Física: são relatadas as características ou traços fisiológicos das personagens.

Psicológica:relatam as características pessoais, como o carácter pessoal, o


comportamento e os seus valores morais.

Social: verifica-se a inserção de uma determinada personagem no grupo social a


qual pertence, através da identificação da sua vida profissional na sociedade.

Tempo:Dentro do género literário narrativo o tempo pode ser subdividido em


quatro categorias: tempo histórico ou cronológico, tempo diegético, tempo do discurso e
tempo psicológico, estas quatro categorias fazem com que a narrativa aconteça dentro
do padrão exigido.

Tempo histórico ou cronológico: É constituído pelo conjunto de referências em


que os acontecimentos narrados decorreram, neste tempo as personagens são obrigadas
a serem enquadradas com a época que o texto se refere.

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Tempo diegético: é aquele que ao longo da acção são narrados os
acontecimentos por sucessão cronológica dos factos datáveis com maior ou menor
importância.

Tempo do discurso: refere-se ao modo como o narrador trata do tempo na


história. Ele pode respeitar a ordem cronológica (isocronia), ou alterá-la (anisocromia).
É importante salientar que quando se altera a ordem dos acontecimentos podemos ter o
recuo do tempo referindo-se a analepse, fazendo a antecipação dos acontecimentos
referimo-nos a prolepse, quanto a narração abreviada estamos a nos referir do resumo
ou sumário, já na omissão de acontecimentos trata-se da elipse.

Tempo psicológico: este é de natureza subjectiva, designa a forma como a


personagem sente o fluir do tempo, e vive experimentando a sua individualidade.

Espaço: a categoria narrativa do espaço é mais do que o cenário onde a cena


acontece, ele tem uma definição ampla, na medida em que decorre a narrativa pode-se
identificar três tipos de espaço: o espaço físico, o espaço psicológico e o espaço social.

Espaço físico:é o espaço localizado geograficamente, lugar onde as personagens


actuam, e pode ser exterior ou interior.

Espaço psicológico: é o conjunto de elementos que transmitem a interioridade das


personagens, este tipo de espaço, é um pouco mais difícil de delimitar. É ainda o espaço
íntimo dos actantes, onde vivem as reflexões, as memórias, os sonhos e as emoções. O
espaço psicológico não transmite apenas as características das personagens, mas
também confere uma maior densidade humana.

Espaço social: é a recriação dos ambientes, na qual as personagens se inserem,


quer sejam de ordem cultural, social ou económica. Normalmente demostra valores,
hábitos e comportamentos, recorrendo a representação a personagem-tipo ou
personagem figurante.

Narrador: é uma das entidades mais importantes de um texto narrativo, visto


que dentro da narrativa tem a função de contar a história, mas não se pode confundir
com o autor, que é uma entidade real que escreve a história. O autor pode se demarcar
no tempo e é capaz de se afastar ideologicamente e esteticamente do texto, diferente do

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narrador que faz parte da história. Dentro da categoria narrativa pode ser classificado
três critérios: a presença ou participação, a focalização ou ciência e a posição.

Quanto a presença ou participação o narrador pode ser:

Narrador heterodiegético: é aquele que não participa dos acontecimentos que


narra, mas tem conhecimento da mesma história, a sua narração é feita para que não seja
percebida a sua existência, a narração é feita na 3ª pessoa.

Narrador homodiegético: é o próprio narrador que faz parte da diegese como


personagem secundária ou figurante, a narração é feita na 1ª pessoa.

Narrador autodiegetico: mais do que ser uma personagem da narrativa, este


narrador participa da história como protagonista, o seu papel é executado na 1ª pessoa,
condicionando a sua focalização e posição.

Quanto a focalização ou ciência, isto é, quanto a aquilo que o narrador sabe


podemos ter:

Focalização externa: o narrador funciona como um simples observador, narra


aquilo tudo que pode aprender através dos sentidos, ou seja, confina a narrativa à uma
representação das características concretamente observáveis de uma acção, narra os
acontecimentos mas não penetra no interior das personagens, descreve o espaço. Nesta
focalização o discurso é mais objectivo e desapaixonado, pois o narrador sabe apenas o
que vê, e tem menos conhecimento que as personagens.

Focalização interna: o narrador observa e relata através do olhar de uma


personagem inserida na história, as informações que o narrador veicula é bastante
reduzida e tem que obedecer a uma questão de coerência (o conhecimento transmitido
não pode ser superior ao que a personagem pode ter).

Focalização omnisciente: o narrador possui um conhecimento integral de toda a


narrativa incluindo o íntimo das personagens, nesta focalização o narrador está em
posição de explicar o que as impulsiona para determinadas acções, revelar o
pensamento, revelar espaços psicológicos, interiores ou exteriores e a recorrer a
prolepses.

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1.3. Estilística
A Estilística é uma parte da linguística que estuda as mudanças da língua e a sua
utilização no que diz respeito ao uso estético, ela tem como objecto de estudo a
literatura. No Dicionário de Linguística (1973:237), estilística é definida como sendo “o
estudo dos factos de expressão da linguagem organizada do ponto de vista de seu
conteúdo afectivo, isto é, a expressão dos factos da sensibilidade pela linguagem e a
acção dos factos de linguagem sobre a sensibilidade”, o mesmo Dicionário define ainda
estilística como “o ramo da linguística, que consiste, por tanto num inventário das
potencialidades estilísticas da língua (efeitos do estilo)”.
Tanto na primeira como na segunda definição, encontramos o termo chave
“linguagem”, esta que pode ser interpretada de várias formas, mas neste contexto a
linguagem relaciona-se com a forma como os autores expressam os sentimentos no
texto, tem a ver com a maneira como a estética é aplicada em cada parte do texto,
deixando o seu conteúdo mais bonito, com várias conotações e levando ao leitor a
plurissignificância que é de praxe quando se usam os recursos estilísticos.Dentro
daquelas que são as normas básicas da linguística e da literatura em particular, a
estilística tem o puro propósito de analisar a capacidade de provocar emoções usando
vários efeitos num determinado texto.
A estilística tem várias características que variam desde o diálogo, a maneira
como se acentuam algumas palavras de acentos regionais e dialectos, assim como no
uso da gramática, por exemplo a voz passiva ou activa, e no uso da língua em geral.
Quando se fala sobre estilística levantam-se vários debates porque muitos são os
autores que não gostam do termo “estilística” pois, para eles a própria palavra estilo já
possui por si só várias conotações que dificultam a definição do termo. Fowler
(1996:185) por sua vez, num tom contraditório aos seus colegas afirma que “no uso não
teórico, a palavra estilística faz sentido e são úteis referindo-se a uma série de contextos
literários (…) além disso, a estilística é um termo distintivo que pode ser usado para
determinar conexões entre formas e efeitos dentro de uma variedade particular da
língua”, em outras palavras, Fowler explica que embora alguns teóricos achem o termo
estilística um tanto irritante, para ele é nada mais do que necessário no que diz respeito
aos diferentes tipos de textos e contextos literários.

12
CAPÍTULO II – VIDA E OBRA DE NGONGUITA DIOGO
O segundo capítulo deste trabalho faz a abordagem da vida e obra de Ngonguita
Diogo, autora da obra em estudo. Nele faz-se o resumo da obra, a caracterização das
personagens, a descrição do tempo e também do espaço da narrativa, o principal
objectivo deste capítulo é dar a conhecer mais sobre Ngonguita Diogo e a sua obra.

2.1. Vida e obra


Ngonguita Diogo é o pseudónimo literário da escritora Etelvina da Conceição
Alfredo Diogo, nascida aos 04 de Maio de 1963, no município de Cazengo, província
do Kwanza Norte, é formada em Administração de Empresas. Foi descoberta e trazida
ao mundo da literatura por um grande amigo, o escritor John Bella, em 2004, ano em
que começou a escrever e publicar os poemas no Suplemento “Vida e Cultura” do jornal
de Angola, e no semanário “Agora”, mas foi a caminho dos seus 50 anos, que lançou a
sua primeira obra literária intitulada “No Mbinda o Ouro é Sangue”.

É uma das 17 escritoras angolanas cujo poemas foram integrados na obra “O


Canto da Kianda” uma antologia que reúne 84 poemas relacionados as emoções da
mulher, no âmbito social, Ngonguita Diogo foi empossada, no dia 31 de Agosto de
2017, ao cargo de Directora da Academia de Letras do Brasil para as questões
humanitárias no continente africano, é também membro do Movimento Lev’Arte de
Angola, da União dos Escritores Angolanos, da Liga Africana e parceira da Casa de
Cultura Brasil/Angola.

Ngonguita Diogo participou da 8ª edição da Jornada Internacional de Mulheres


Escritoras, que teve lugar no Rio Preto, Brasil, nos dias 28 e 29 de Agosto de 2017,
onde debruçou-se sobre o tema “Transformação Social- O papel das mulheres na
cultura angolana”, a escritora teve ainda a oportunidade de internacionalizar as suas
obras literárias, através de assinaturas de autógrafos. O seu percurso artístico e literário
conta também com o CD de poemas musicalizados intitulado “E assim Virei Maria”.

Segundo o Portal de Angola (2011), Ngonguita Diogo é mãe de três filhos e para
ela o ano de 2010 foi muito marcante na sua carreira pois, foi o ano em que foram
publicadas as suas primeiras obras. A escritora tem como destino preferido para férias a
cidade do Rio de Janeiro (Brasil), usa traje formal durante a semana e no fim de semana
usa traje desportivo. Ngonguita Diogo é conhecida pelo seu incessante trabalho de

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divulgação da literatura e da cultura angolana, tendo seus trabalhos estudados e ganhado
maior notoriedade e reconhecimento no Brasil.

Das suas obras mais conhecidas, destacam-se:

 No Mbinda o Ouro é Sangue (2010);


 Weza A Princesa (2010);
 A Minha Baratinha (2011);
 Da Alma ao Corpo (2014);
 Acudam Maria do Rangel (2013);
 Sinay (2011)
 Um Natal de Mil Cores (2017
 E Assim Virei Maria (CD de Poemas Musicalizados)

2.2. Resumo da obra

“Acudam Maria do Rangel”é um romance constituído por 11 capítulos,publicado


pela primeira vez em 2013 e escrito por Ngonguita Diogo. A narrativa incide sobre a
questão de uma mesma moeda, a magia, encarada pelo positivo e negativo, no lado
positivo realça a profecia da velha Kasesa sobre o filho de Maria, este que a velha ajuda
a trazer ao mundo, e no lado negativo, retrata uma crença que cega e afasta algumas
pessoas próximas do personagemAzarado, pela difamação a que foi sujeito.

O cerne da estória descreve com clareza a crença das sociedades africanas, em


particular a Angolana, que é completamente envolvida nos hábitos, ritos e costumes, e
na crença da existência de um mundo sobrenatural, que muito influencia no rumo do seu
desenvolver, que a conecta com essa crença. O romance é uma estória que se desenrola
no bairro do Rangel, propriamente no “beco dos assanhados”,sendo Mariauma das
principais actantes, ela é uma lavadeira que dá tudo de si, para ver o seu filho “Doutor”
formado.

“Doutor” é um jovem bonito, inteligente e dedicado aos estudos, assim chamado


pela mãe desde a nascença, pelo facto da parteira do bairro, a velha Kasesa que tem
fama de prever o futuro das crianças que a ajuda a trazê-lo ao mundo, ter previsto que o
filho de Maria viria a se tornar doutor, a semelhança do famoso Cardiologista Sul-
africano Hamilton Naki, nesse sentido, Maria não mediu esforços ao trabalhar

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arduamente para realizar essa crença que a atingiu como um raio.Maria vivia com
Pascoal da Silva, o seu marido e Pai de Doutor, era tido como “Mister Angop” por toda
vizinhança devido ao seu linguajar peculiar e desconhecido, este facto fazia com que
Mister Angop, arrastasse multidões para o bar do seu vizinho Ernesto, onde bebia às
custas da mulher, pois não trabalhava há anos, e ninguém nunca soube porque razão
deixou o último emprego como carpinteiro, e até então recusava-se a procurar outro.

Encontramos na obra Kolokosa, amiga e confidente de Maria, aquela que a


ajudava nas mais variadas vicissitudes, sendo que não levava uma vida socialmente
digna, pois era amante de“Azarado”, casado com “Coitada” que já andava farta pelas
ausências nocturnas do marido, resolvendo um dia ir ao seu encontro, pois amanhecia
nos braços da amante. A sua chegada à casa deKolokosa culminou numa grande
confusão que envolveu toda a vizinhança e a amiga Maria. Depois deste acontecimento,
Coitada procurou por um kimbandeiro que obteve a sua alma em troca da separação dos
amantes, Azarado e Kolokosa, mas não sabia que a sua acção resultaria em
consequências inimagináveis. Nos dias que se seguiramCoitada passou a espalhar para
os quatro ventos que o seu marido era feiticeiro e que tinha sido ele o responsável pela
morte do seu filho. Este boato levou os familiares, amigos e vizinhos até Kolokosa
afastando-a deAzarado que ficou a mercé da amargura, tendo apenas Maria e um velho
solitário como amigos.

Este facto fez com que Maria também sofresse, pois era das pessoas da
vizinhança que já não a invejavam pelo filho por ter um futuro promissor. Este que não
olhava para nenhuma jovem do bairro, o seu coração já se encontrava ocupado por um
amor socialmente platónico,Hamilton tinha uma paixão por Patrícia sua colega de
Faculdade e de família abastada, ela sentia o mesmo, mas era impossível manterem uma
relação devido a grande disparidade que existia entre os seus níveis sociais. Enquanto
isso, Azarado era desprezado por todos e apenas Maria lhe era o ombro amigo, por
causa disso Mister Angop saiu de casa com medo de ser enfeitiçado pela mulher que
também era encarada como feiticeira por ter recebido Azarado em sua casa aquando do
início dos boatos.

No final, aos pobres de fé e fracos de espírito, Kolokosa, Coitada e os seus


familiares que engordavam às custas deAzarado viram as suas vacas emagrecerem e a
miséria bater a porta e se acomodar em suas casas. Mister Angop voltou para casa

15
deixou de beber e resolveu voltar a estudar. Maria conseguiu contrapor o rumo das suas
vidas, mas tudo se deu graças ao gesto de gratidão do Azarado que lhe tinha oferecido
uma tenda com roupas vindas do exterior, isso gerou muito lucro e a mudança radical da
vida da família, particularmente do casal que apesar dos contratempos continuava a
amar-se. Hamilton Naki, o doutor terminou a licenciatura e encheu Maria de mais
orgulho, tanto que não aguentou as emoções e desfaleceu num desmaio de alegria.

Maria do Rangel passou por muitas humilhações e teve que sacrificar-se e passar
até fome para ver os homens da sua vida saudáveis, durante todo o seu percurso Maria
contoucom o apoio da sua fiélamiga Kolokosa.Maria do Rangel nunca desistiu, com o
pouco que ganhava das lavagens alimentava a sua família e graças a esse esforço
Hamilton formou-se com êxito. Fazendo juz ao nome, “Doutor” formou-se em
Medicina e a sua formação serviu de incentivo ao seu pai que parou de beber e decidiu
seguir uma formação em jornalismo visto que dominava muito bem a arte de falar.
Maria tornou-se numa empresária de sucesso graças a ajuda que teve do seu amigo
Azarado. Ela ficou toda orgulhosa de ver o seu filho formado e de saber que oseu
esforço não tinha sido em vão, e principalmente sentiu-se aliviada por não ter desistido
por causa das dificuldades que enfrentou ao longo da sua vida.

2.3. Tempo e espaço


O Dicionário de Língua Portuguesa da Plural Editoras (2013:556) define tempo
como “sucessão de momentos, horas, dias e anos que se dão os acontecimentos”. Em
literatura o tempo marca a sucessão cronológica dos eventos, tal como foi mencionado
nas páginas anteriores, indicando a duração e a contextualização dos eventos. Na obra
Acudam Maria do Rangel, encontramos o tempo cronológico e o psicológico, o tempo
cronológico define os eventos por dias, semanas, meses, anos, segundos, minutos,
horas ou, manhã, tarde e noite, eis os exemplos:

“Naquela manhã de segunda feira, os homens escovavam os dentes no quintal,


espalhando a saliva esbranquiçada pelo chão...” (AMR, p:19)

“Naquela noite o luar mostrava toda a sua fartura para contrapor a miséria do
bairro...” (AMR,p:41)

“Hoje não estóu no meu melhor, do pior não me afogo, porque sou espiritualizado
da mente...” (AMR, p:51)

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“Manhã de sábado, o dia estava calmo, os animais acordaram as suas fêmeas
para procriarem, a natureza ansiava por um mundo tranquilo...” (p:79, AMR)

“Eram seis horas, Maria gemia de dor quando chegou ao chafariz...” (p:112,
AMR)

O tempo psicológico:traduz as vivências subjectivas das personagens, dando-lhes


uma percepção do decorrer do tempo diferente da sucessão e duração do tempo
cronológico, o tempo psicológico está relacionado aos pensamentos dos personagens,
em outras palavras podemos dizer que o tempo psicológico acontece em simultâneo
com o tempo cronológico, com a pequena diferença que o personagem vai alhear-se da
sua realidade por curtos momentos, eis alguns exemplos:

“... Ela suspirou de saudade, lembrando-se da selha com tábua de madeira que a
mãe usava para lavar a roupa...” ( p:20, AMR)

“... Uma pequena viagem levou-a à um pequeno riacho onde a àgua corria
suavemente... Ao lado a avó Cessá batia uma outra peça de roupa molhada contra a
rocha... Velhos tempos, pensou ela.” (p:22, AMR)

“Lembrou-se com nostalgia da sua juventude, dos dias alegres em que ansiava
sofregamente o calor da luxúria de um “Mister Angop” galante, no vigor da
juventude...” (p:27, AMR)

Oespaçode uma narrativa é todo o lugar em que decorrem as acções, mas não se
aplica somente ao lugar onde se desenrola uma determinada acção, designa também um
ambiente, um meio social, cultural ou civilizacional. O espaço pode ser social e cultural,
geográfico ou físico, psicológico e também ambientes (que são o resultado dos espaços
fisicos, sociais, culturais e psicológicos. São os cenários importantes para retratar
situações, hábitos, atitude, valores etc.)

Na obra Acudam Maria do Rangel encontramos os seguintes espaços:

Espaço físico: Lugar onde decorre a acção, é normalmente identificado com


pequenas referências fisicas, podendo dizer-se interior ou exterior, privado ou público,
aberto ou fechado, eis os exemplos:

-Província de Luanda, a cidade onde se desenrola toda a narrativa propriamente

17
no -Municipio do Rangel.“E tudo acontece em Luanda, uma cidade fascinante que
cheira à maresia...” (p:17, AMR)

“No Rangelo frenesim começa cedo, as prendas dos lares arrastam-se


furiosamente pelos quintais...” (p:18, AMR)

-Beco dos Assanhados, onde moram os protagonistas da obra.

“Mas é no Beco dos Assanhados no bairro do Rangel, onde vive Maria do


Rangel, esposa do Pascoal da Silva, o “Mister Angop”, e mãe do Hamilton Naki, o
“Doutor”...” (p:19, AMR)

-Casa de Maria do Rangel. “Quem está aí? Perguntou Maria, surpresa e ao


mesmo tempo ocupada, não era normal baterem-lhe a porta àquela hora da manhã”.
(p:49, AMR)

-Bar do Ernesto. “No bar do Ernesto aonde Mister Angop se dirigiu depois de
concluida sua higiene matinal...” (p:50, AMR)

-Esquadra da Polícia. “Na esquadra da polícia a sala estava abarrotada de


gente...” (p:59, AMR)

Espaço psicológico:O espaço psicológico lida com a vivência que cada


personagem tem com o espaço fisico ou de um espaço de emoções e sensações, é o
espaço onde os personagens vageam nos seus pensamentos em determinados momentos
principalmente quande se está a lembrar de acções passadas, eis o exemplo:

-No rio. “... Uma pequena viagem levou-a à um pequeno riacho onde a àgua
corria suavemente... Ao lado a avó Cessá batia uma outra peça de roupa molhada
contra a rocha... Velhos tempos, pensou ela.” (p:22, AMR)

2.4. Caracterização das personagens


O Dicionário de Língua Portuguesa da Porto Editora define personagem como
“figura humana ficticia de uma obra literária ou teatral; papel representado por um ator
ou atriz para personificar uma figura criada por um autor de ficção” (2013:442).
Personagens são todos os participantes de uma acção, elas podem ser principais,
secundárias, adjuvantes ou figurantes, as personagens são os actantes que por meio
delas as acções são conduzidas e de quem o narrador fala. Dentro de uma narrativa as

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personagens não são descritas da mesma forma, não têm o mesmo processo de
caracterização e não são construídas da mesma forma, cada personagem desempenha
um papel importante no desenrolar da narrativa.

Na obra em análise descrevemos as personagens, as suas características e a


função que cada uma desempenha no enredo. Nessa conformidade, faremos uma
caracterização directa dos personagens de acordo com os elementos fornecidos pelo
narrador, descrição de aspectos físicos e psicológicos e também através da palavra da
personagem e das outras personagens. Começamos por abordar sobre as personagens
principais, depois das secundárias e terminaremos com os figurantes da obra Acudam
Maria do Rangel.

Personagens principais:São aquelas que têm o papel de maior relevância durante toda a
narraçãoe na obra em análise temos as seguintes personagens principais:

Maria do Rangel-esposa de Pascoal da Silva, o “Mister Angop”, e mãe de


Hamilton Naki, (p:19 AMR). Personagem principal desta narrativa, lavadeira, mulher
batalhadora e senhora que não deixa os seus créditos em mãos alheias.Maria do Rangel
trabalhava incansavelmente para ver o seu único filho formar-se e transformar-se em
Doutor que até então era o seu sonho. Maria era muito preocupada com a família pois
para além de cuidar da casa e da roupa dos outros também cuidava da sua própria casa,
tratava para que o seu filho e marido estivessem sempre bem apresentados para a
sociedade.

Mister Angop- Homem bonito, nos seus 42 anos, bastante desenvolto, quase
sempre insolente, mas querido pelos vizinhos e familiares, (p:22, AMR). Mister Angop
é uma das personagens principais da obra, é o pai de Hamilton e marido de Maria do
Rangel, aparece na obra em vários momentose é notado por sua forma peculiar de falar
que citamos: “Eu sabia! Só podia ser ele, inclusive observei-o na calada da noite a
surrupiarum mambo. Batata! Afinal todo aquele mambo que costuma nos payar é
caulado. O gajo afinal não é opulento? Magnificente? Abastado?” (p:52, AMR).Mister
Angop passava a manhã toda a ouvir o noticiário no rádio ou na televisão e algumas
vezes à tarde e a noite no bar do Erneto. Diferente da sua esposa Maria, Mister Angop
não gostava de trabalhar e nem de ensinar a sua mulher a expressar-se melhor, não
perdia a oportunidade de humilha-lá e insulta-lá por não saber falar correctamente.
Marido de Maria era carpinteiro, mas em pouco tempo de trabalho deixou o mesmo por
19
não ter ignorado os insultos dos seus colegas e passou a ser sustentado pela mulher. Nos
tempos da juventude Mister Angop era feito como um galã de novelas porque todas as
mulheres do bairro o queriam, mas foi nos braços de Maria que se derreteu de amores
levando-a ao altar ela que também era a jovem mais bonita e cobiçada do bairro do
Rangel.

Hamilton Naki- Jovem amoroso e estudioso, (p:36, AMR). Filho de Maria do


Rangel, jovem que não gosta de confusão e até já foi confundido por Homossexual pelo
facto de não ter ainda aparecido com uma namorada no bairro. “… Estóu numa fase
crucial da minha carreira estudantil, não posso nem devo, disperdiçar essa oportunidade
que a vida me deu. E assim levava a vida, algumas garotas diziam que seu interesse
sexual estava invertido. Nunca namorou…” (p:36, AMR)

Personagens secundárias: Aquelas que têm um papel relevante mas que a sua
apresentação é limitada e não superior que às personagens principais. As personagens
secundárias servem normalmente como apoio às principais, e temos:

Patrícia- Bonita, alta e esbelta, contava com 22 primaveras, (p:81, AMR). Colega
e amiga de Hamilton por quem nutria um sentimento reprimido devido ao diferente
nível social entre ambos.

Kolokosa- Mulher energética, bonita e perfumada, solteira e sem filhos, (p:71,


AMR), amiga de Maria do Rangel, presente em todos os momentos e sempre disposta a
ajudar Maria em tudo.

Velha Kassessa- Contava com 89 primaveras, mostrava a cabeça revestida de


cabelos brancos e fracos, (p:33, AMR). A anciã do Rangel, mais velha conhecida como
a parteira que consegue prever o futuro das crianças que nascem pelas suas mãos.

Francisco- Homem inconformado com o seu destino, descendente de família


humilde, (p:98, AMR).

Germana- Rosto suave, coxas grossas e seios caídos, (p:43, AMR).

Jacinta- Enfermeira, tinha o nariz grande e gordo, (p:43, AMR).

Tony- Jovem frágil, trémulo e inquieto. Muito ligado ás meninas,( p:40, AMR).

Mateus- Desvalorizado, conhecido em quase todas as discotecas, (p:40, AMR).

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João- Depreciado pelo excesso de peso, descarregava a sua seiva nas prostitutas
oficiais da zona, (p:40, AMR).

Ernesto Sebastião- Homem grande, com 1m e 90cmmal distribuídos, (p:41,


AMR).

Azarado- Estatura baixa, atitudes teatrais, não era um homem bonito, (p:86,
AMR).

Victor- Gerente do Banco Bom Sucesso, (p:59, AMR).

Inspector Peçonha- Chefe do Sector de Buscas e Apreensões, (p:60, AMR).

Joana- Professora, (p:85, AMR).

Velho Canequeiro- Especialista em brinquedos infantis, de madeira e latão.


Fazia exactamente trinta dias a recolher paus, madeiras, latas e borrachas para dar forma
aos brinquedos. Tudo para a alegria dos filhotes da rua que conhece desde o ventre das
suas mães, que também viu crescer. É de origem humilde, trabalhador e amigo de todos,
nunca foi visto com algum familiar pois desconhecia-se se alguma vez teve a
oportunidade de formar uma família. No seu dia-a-dia era sempre visto sozinho ou com
as crianças do bairro. Foi baptizado de canequeiro por causa da caneca grande de
esmalte que utiliza diariamente para tomar chá preto feito em fogão pequeno a petróleo.
Os seus lábios eram da cor do seu sangue, queimado com a febre do esmalte. Foi
sempre um velho muito acolhedor.

Personagens figurantes: São aquelas personagens que fazem parte do enredo


para manterem o ambiente, a sua única e exclusiva missão é deixar o espaço mais
sociável visto que as personagens na obra interagem dentro de um meio social.

No entanto, eis a lista de figurantes:

Teixeira, Domingas, Sónia, Manuela, Agente Sousa, Coitada, Farta, Sófia, Dona
Marota, Avó Cessá, Doutor Mavungo, Velho Canequeiro, Zefa, Mana Rita, Joaquim,
Velha Samba, Miguel, Dona Paciência, Manuel, Joaquina, Luzia, Doutor Sebastião
Matateu, Louis Waskanky e Patroa da Kolokosa.

21
CAPÍTULO III – ANÁLISE ESTILÍSTICA DA OBRA ACUDAM MARIA DO
RANGEL
O terceiro e último capítulo deste trabalho, apresenta a análise estilística da obra,
Acudam Maria do Rangel, da escritora Ngonguita Diogo. No universo da obra foram
encontradas as seguintes catorze (14) figuras de estilo: perífrase, comparação, paradoxo,
pleonasmo, personificação, antítese, hipérbole, ironia, metáfora, sarcasmo, redundância,
eufemismo, oximoro e disfemismo.

3.1. Figuras de linguagem

No processo de recriar a língua, o texto literário apresenta-se recheado de recursos


que têm a função de embelezar o discurso, adoptando um cariz estético a linguagem
literária. Cada autor tem o seu próprio estilo, a sua própria linguagem, que utiliza para
exprimir ideias que serão tão originais e subjectivas quanto mais rica e variada for a
mensagem, ao processo de usar diferentes estilos e tipos de linguagem surgem as
figuras de linguagem ou como também são chamadas de figuras de estilo.

As figuras de estilo enquadram-se nos textos de várias formas quer seja na


maneira como certas palavras são escritas, quer na maneira como certos sons são
pronunciados, de qualquer das formas nada aparece num texto por acaso, ainda que aos
olhos do leitor passe despercebido, existem váriadas interpretações para um
determinado texto principalmente devido às figuras de linguagem contidas no mesmo.

3.1.1. A nível fónico (dos sons)

As figuras de linguagem estão subdivididas de acordo com a fonética, a semântica


e a sintaxe, cada um deles tem uma função importante no que diz as figuras de
linguagem, para o subtítulo que agora é desenvolvido, começamos por explicá-las
quanto ao nível fónico, que está relacionado aos sons.

Aliteração: é a repetição intencional de sons consonânticos dentro da mesma frase


ou em várias frases.

Exemplo: E o sapo seguiu solitário a sombra saudosa...

- Estivemos numa terra feia, fria, fétida e fútil.

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Assonância: consiste na repetição de sons vocálicos em várias palavras gerando
harmonia melódica na frase.

Exemplo: Filha, minha filha velida.

Onomatopeia: é a imitação dos sons ou ruídos naturais através de fonemas da


língua, com o propósito de sugerir uma imagem auditiva.

Exemplo: Lá eu caminhava quando o mar gramiuxixixi...

Catarse: ocorre pela ausência das palavras mais adequadas, surgindo pela
semelhança da forma ou da função de seres, factos ou coisas.

Exemplo: céu-da-boca, dente de alho.

3.1.2. A nível sintáctico (da sintaxe)

As figuras de estilo quanto à sintaxe ou o nível sintáctico estão relacionadas a


ordem das palavras nas frases, ou seja, lida com a posição dos constituintes das frases
(verbo, sujeito, complementos), esta ordem sintáctica pode ser a correcta-comum ou
diferente da normal, dependendo de como determinados autores preferirem escrever nas
suas obras.

Anástrofe: consiste na inversão ou troca das palavras.

Exemplo: eu amo-te ou eu Te amo.

Hipérbato: é a alteração da ordem lógica das palavras na frase, pela separação


dos elementos, ou seja é a separação de palavras pertencentes a mesma frase.

Exemplo: já no batel entrou do capitão.

Sínquise: é a figura de estilo que consiste na troca ou inversão brutal da ordem


das palavras numa frase.

Exemplo: Lícias, pastor enquanto o sol recebe.

Elipse: é a omissão de uma palavra no meio da frase sem alteração ou prejuízo


do sentido da mesma.

23
Exemplo: À ceia, duas batatas assadas.

Assíndeto: consiste em suprimir ou omitir a conjunção geralmente coordenativas


a ligar grupos de palavras ou orações coordenadas, com o propósito de conferir maior
independência aos elementos.

Exemplo: Eu gosto de manga, laranja, sobretudo banana.

Polissíndeto: consiste na repetição de conjunções.

Exemplo: Amei e chorei e lutei e tentei muito e me cansei e desisti.

Anáfora: consiste na repetição de uma palavra no início da frase, versos


sucessivos de uma palavra ou grupo de palavras.

Exemplo: E estudei
E não parei
E tudo de mim dei
E me formei, no fim.

Epístrofe: é a repetição de uma palavra no final da frase.

Exemplo: Não sou nada.


Não posso querer ser nada.
Não serei Nada.

Epanadiplose - é a repetição de uma mesma palavra ou expressão no verso ou


em frases seguintes.

Exemplo: Horas, horas sem fim.

Pleonasmo - consiste na repetição de uma ideia através de expressões


redundantes para intensificar a ideia.

Exemplo: Vi com os meus próprios olhos.

24
3.1.3. Nível semântico (do sentido)

A semântica é a parte da linguística que lida com o sentido e significado das


frases, sendo assim, apresentamos abaixo alguns exemplos de figuras de estilo a nível
semântico.

Antítese: consiste na oposição de uma ideia, ou coisas.

Exemplo: Naquela Alegre e triste noite vi o céu e o inferno misturados.

Eufemismo: consiste em suavizar expressões desagradáveis ou chocantes.

Exemplo: O Senhor Faltou com a verdade (mentiu).

Comparação: consiste em comparar duas coisas por suas qualidades.

Exemplo: Ele é forte como o leão.

Disfemismo: consiste no uso de expressões desagradáveis, propositalmente.

Exemplo: Estava nas últimas.

Hipérbole: consiste no exagero de uma ideia ou coisa, engrandecendo-as ou


diminuindo-as.

Exemplo: Repete um milhão de vezes.

Personificação: consiste em atribuir características de seres humanos a seres que


não o são.

Exemplo: O mar lamentava o meu sofrimento.

Sarcasmo: consiste na inversão daquilo que se quer dizer e realmente significa.

Exemplo: Essa chama que alenta e consome, que é vida e que a vida destrói, como é
que ce veio atear, quando, aí quando se há-de apagar?

Metáfora: é uma figura que consiste em dizer que uma coisa é outra por haver
semelhanças entre elas.

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Exemplo: seus olhos eram duas esmeraldas.

Ironia: consiste em exprimir uma ideia dizendo o contrário e quase sempre com
intensão sarcástica.

Exemplo: Muito obrigado! Foste uma grande amiga.

3.2. Análise estilística da obra Acudam Maria do Rangel

De acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea (2001:1579),


as figuras de estilo “são o conjunto de características inerentes a objectos pertencentes a
determinada época histórica”, neste contexto faremos menção às características
particulares do texto em análise:

1 – Perífrase: é uma expressão que designa os seres através de alguns dos seus
atributos.

Exemplo: O galo ainda gemia de prazeres na almofada da galinha-do-mato. (o galo


ainda dormia); não consegui pregar o olho a noite toda. (não dormi).

2 – Comparação: é a figura da retórica que estabelece explicitamente uma


relação de analogia entre dois termos ligados por uma conjunção, um advérbio ou por
uma locução.

Exemplos: Expulso do seu reino como um cachorro sarnento (p:117).

- Os dentes chocalhavam como no rigor da febre.

- Ela chucululou-o, chispando ódio como uma víbora (p:119).

- Ela tinha-se tornado indispensável como ar.

- Os olhos faiscavam-lhe como uma serpente. (p:109).

3 – Paradoxo: é a aproximação de palavras ou ideias de sentido em apenas uma


figura, ou seja, ela consiste em associar frases que aparentemente são contraditórias
irreconciliáveis e absurdas mas podendo iluminar de modo inédito o significado do real
e da vida.

26
Exemplos: Vivo mortificado por ver-te conformada; o toque abstracto fez no olhar.

- Maria tu não entendes que o nosso rebento é peculiar? (p:31).

4 – Pleonasmo: consiste na repetição de uma ideia através de expressões


redundantes para intensificar a ideia.

Exemplos: Cabelo brasileiro que colocou na cabeça.

- O gatuno que nos roubou.

- Kolokossa, quero falar contigo só nós duas. (p:122).

- A velha está caduca (p:36).

5 – Personificação consiste em atribuir características de seres humanos a seres


que não são.

Exemplos: Mas a chuva não quis ouvir as preces da velha (p:112).

- O lábio inferior da Domingas engravidou.

- A riqueza calça os pés da ignorância.

- Naquele dia as nuvens estavam com dores de parto. (p:111).

6 – Antítese: é a figura da retórica que consiste em exprimir numa mesma frase uma
oposição entre duas expressões ou dois pensamentos de sentidos contrario.

Exemplo: Nasci aqui e aqui vou morrer.

7 – Hipérbole: é a figura da retórica que consiste no recurso a palavras ou


expressões que conferem expressões excessivas ao conteúdo de um enunciado.

Exemplos: A maioria cuspia fogo pelo olhar (p:117).

- Tremem os muros do meu coração.

- Estou sem chão (p:120).

- Reduziram a uma boneca de palha (p:113).

27
- Não me mates num riso fervoroso (p:25).

8 – Ironia: consiste na produção de um texto com um significado totalmente


contrário e quase sempre com intenção sarcástica.

Exemplo: Assim como Camões, não preciso de tinta pois já sou caneta e visto-me de
letras (p:30).

9 – Metáfora: é uma figura que consiste em dizer que uma coisa é outra por haver
semelhanças entre elas.

Exemplos: Ele é mesmo bruxo comeu o próprio filho (p:118).

- Maria quase pulava no pescoço do marido. (p:57).

- É verdade, neste bairro ele parece um peixe fora da água (p:30).

10 – Sarcasmo: é a figura mais próxima da ironia, mas é usada com maior


agressividade e com uma intencionalidade disfórica em relação ao destinatário.

Exemplo: Vamos ter que colocar um cartaz aqui dizendo, homem perigoso disse uma
delas e todas começaram a rir. (p:109).

11 – Redundância: é a repetição enfática de um termo.

Exemplos: Gertrudes riu em grandes gargalhadas. (p: 61).

- Os dois puseram-se a rir as gargalhadas. (p:116).

- Mister Angop dizia que ele devia estudar pelos três, uma vez que se podia
considerar privilegiado: Estudar numa das escolas da cidade era um apanageo para
poucos. (p:36).

12 – Eufemismo: é o uso de uma expressão de sentido mais brando no lugar de


uma considerada chocante ou grosseira.

Exemplo: Das minhas entranhas só podiam sair um magnifico. (p:31).

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13 – Oximoro: consiste em expressões que incluem algo de contraditório.

Exemplo: Até mesmo quando não se justificava nos colóquios com as amigas. (p:32).

14 – Disfemismo: consiste no uso de uma expressão que pretende exprimir uma


ideia mais brutal ou violenta.

Exemplo: Era rejeitado pelas jovens do bairro, contentando-se em descarregar a ceiva


nas prostitutas oficiais da zona. (p:40).

Ngonguita Diogo traz na sua obra uma linguagem de fácil percepção com vários
tipos de figuras de estilo e uma abordagem muito actual e actuante no que diz respeito
as temáticas contidas na obra. A obra está repleta de exemplos não só de situações da
vida diária mas também de soluções para vencer as dificuldades, tendo o emprego das
figuras de estilo na obra tido o efeito desejado.
Além de abordar sobre a estilística da obra, uma das temáticas que mais chamou-
nos atenção foi o feitiço, que segundo o dicionário em uso neste estudo é definido como
“objectos a que se atribuem poderes mágicos, coisa feita por arte mágica ou feitiçaria.”
É comum os africanos viverem e ouvirem falar sobre misticismo, este é um facto que
aparece na obra Acudam Maria do Rangel bem no princípio desde que Velha Kasessa
entra em cena dizendo que Hamilton Naki era a reencarnação de uma grande pessoa.
Outro facto ocorreu quando Coitada foi ter com Kolokossa a amante do seu marido para
que ela terminasse a relação que ambos tinham, depois da confusão que se instalou,
Coitada dirigiu-se à uma casa de cura onde manifestou a sua vontade de ver-se livre de
Kolokossa, tal como se lê “Desejo-a fora do meu caminho, podes fazer o acerto. O que
queres? – O teu corpo, então livra-me dela, qual é o preço? – A tua alma (Eu pago,
desde que ela saia do meu caminho), (AMR, p:101).

Ao falar de fenómenos sobrenaturais, facilmente, os nossos pensamentos são


guiados por temáticas como feitiços, reencarnações e misticísmo, no entanto, é
importante salientar que tudo quanto fazemos teve um princípio. No caso do feitiço,
autores como Brosses, Altuna e Augusto Comte, acreditam que o feitiço foi a primeira
Religião Tradicional Bantu tal como afirma Marcos (2018:8) “o termo feitiço foi usado
pelos estrangeiros para falar das práticas religiosas dos povos Bantu, assim sendo,
feiticismo foi considerado o conjunto de crenças, cultos e ritos dos negros da África”,
ou seja, os estrangeiros fizeram a sua própria interpretação a uma acção já existente.

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CONCLUSÃO
A análise estilística da obra Acudam Maria do Rangel, de Ngonguita Diogo” tem
grande importância porque ajuda a perceber alguns aspectos sobre a sociedade angolana
no que diz respeito às suas temáticas. Neste trabalho o objectivo principal foi o de fazer
a abordagem sobre a estilística da obra. Quanto a hipótese e as questões formuladas no
início da pesquisa foram respondidas, visto que a obra é de grande relevância no campo
social e cultural, tendo nela sido inventariadas as seguintes catorze (14) figuras de
estilo: perífrase, comparação, paradoxo, pleonasmo, personificação, antítese,
hipérbole, ironia, metáfora, sarcasmo, redundância, eufemismo, oximoro e disfemismo.

Portanto, podemos afirmar que algumas circunstâncias temáticas abordadas na


obra, são vivências de muitos angolanos, no que diz respeito as dificuldades por que
passam. Os aspectos positivos das crenças apresentadas têm a ver com o trabalho árduo
que cada indivíduo incorpora na sua vida diária e que quem normalmente recorre às
práticas do demónio e casas escuras não tem final feliz. De forma geral a análise
estilísta da obra Acudam Maria do Rangel é importante porque ajuda a perceber como
as pessoas necessitadas se sentem e o que elas fazem para defender as suas famílias e os
seus ideais, como se processa a sua diária, problemas e dificuldades.

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SUGESTÕES
- Que mais estudos sobre as obras de Ngonguita Diogo e de outros escritores
angolanos sejam realizados.

- Que mais estudos relacionados à estilística sejam realizados.

- Que estudos comparativos sobre diferentes obras sejam feitos relativamente a


estilística

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BIBLIOGRAFIA
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Agosto de 1999, Lisboa didáctica Editora 15ª Edição.

DICIONÁRIO DA LÍNGUA PORTUGUESA CONTEMPORÂNEA, Acadêmia das


Ciências de Lisboa-Verbo, Volume 1, 2001.

DICIONÁRIO ESCOLAR DE LÍNGUA PORTUGUESA, Plural Editora (2013).

DIOGO, Ngonguita. Acudam Maria do Rangel (2013) AGIR-Produções gráficas,


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DUBOIS, Jean e at, 1973, Dicionário de Linguística – cultrix, São Paulo.

MARCOS, Adhemar. A Importância da Religião Tradicional Bantu- Faculdade de


Letras , UAN (2018)

MIGUEL, Maria Helena e ALVES, Maria Antónia (2011), Manual de Convergências-


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PIMENTA, Hilário & MOREIRA,Vasco (2012). Literatura 12ª Classe. Porto: Porto
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SAMIRA, Yousseff Campedelli e JESUS, Barbosa Sousa- Português Literatura de


Textos e Gramática. 3ª Edição (2000)

SILVA, Joice Machado da- A Formação do Leitor Na Escola: Perspectivas


Metodológicas- FAEF/Garça, 2005
TODOROV, T. Introdução à Literatura Fantástica. México: PREMIA Editora de
Livros, 1981

WWW.Portal de Angola.com/O-outro-lado-da-gente-ngonguita-diogo

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