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A ESCOLA: PERFIL DA EXCLUSÃO?

A escola A localiza-se no centro da cidade e a escola B na zona sul, próxima ao


Distrito Industrial de João Pessoa. Ambas atendem uma clientela de do ensino
fundamental, distribuída nos três turnos de funcionamento.

A Escola A mantém apenas a segunda fase do ensino fundamental,


compreendendo quarenta turmas. No turno noturno, funcionam três turmas de 5a
série, três de 6a série, duas de 7a série e duas de 8a série, perfazendo um total de
trezentos e quinze alunos. Apresenta, no seu quadro docente, um total de oitenta
professores para atender os três turnos. Os docentes possuem formação em nível de
3º grau, sendo que alguns têm curso de especialização. O corpo técnico-administrativo
se compõe da administradora, de duas administradoras - adjuntas e uma supervisora.
Conta ainda com uma orientadora educacional, uma supervisora e uma assistente
social, que exercem funções de apoio técnico-administrativo.

A Escola B oferece o ensino fundamental completo num total de vinte e três


turmas, assim distribuídas: no turno da manhã, uma turma de 1ª série e duas de 2ª, 3a
e 4ª séries; nos turnos da tarde e noite, concentram-se as turmas de 5ª a 8ª série, com
duas turmas para cada uma das séries. A escola matriculou em 2007 novecentos e
cinqüenta e quatro alunos (dados da matrícula inicial), sendo trezentos e vinte no
turno noturno. O corpo docente é formado por trinta e seis professores, distribuídos
nos três turnos. O corpo técnico-administrativo se compõe da administradora e de
uma administradora-adjunta, que é responsável pelo turno noturno. A escola não
conta com outros profissionais como supervisor, orientador educacional ou assistente
social.

Observamos nas duas escolas a existência de poucos recursos didáticos. Os


docentes trabalham basicamente com a fala, o giz e o quadro de giz. Na Escola B,

1 Este texto foi publicado por Escarião, Glória das Neves Dutra no livro: Educação e trabalho: um estudo sobre o
significado da educação escolar e trabalho a partir das representações sociais dos estudantes trabalhadores. João
Pessoa, UFPB, Editora Universitária, 2000.
alguns professores utilizam os recursos didáticos disponíveis, que são mínimos. As
escolas possuem alguns livros para leitura, organizados em forma de pequenas
bibliotecas escolares. Não oferecem a merenda no turno noturno e os funcionários do
apoio técnico, em sua maioria, trabalham apenas durante o dia.

O cotidiano das duas escolas:

O turno da noite é movimentado. Na entrada da escola, os estudantes se


encontram. Formam grupos, conversam ou entram sozinhos e apressados. A sirene
toca às 19:00 horas. O som é estridente e irritante. Um funcionário da escola controla
a entrada e a saída dos estudantes que buscam informações:

- "Hoje tem aula?"

- "O professor já chegou?"

- "Temos apenas as duas primeiras aulas. Por quê?"

- "O professor não vem?"

Após essas indagações, eles comentam entre si:

-"Vão juntar duas turmas por falta de professor."

-"Eu vou embora. Estou cansado e o professor não vem mesmo."

-"Eu vou esperar um pouco mais."

Pelo corredor de acesso às salas de aula, a movimentação é permanente. Os


estudantes movimentam-se, conversam, riem, falam alto, às vezes, gritam, chamando
um ou outro colega. Alguns estudam ou fazem tarefas escolares.

Os professores se deslocam de uma sala de aula para outra. Cumprem mais


uma jornada de trabalho. Quase todos são professores vinculados a unidades escolares
das redes pública e privada. Hoje, a extensão da jornada de trabalho do professor é
uma necessidade decorrente de vários fatores, com destaque para o aviltamento dos
salários. O professor cumpre, assim, uma maratona idêntica à dos estudantes-
trabalhadores. Estes se identificam com a realidade dos seus professores e justificam:
- "Eu não tenho nada a cobrar dos professores, pois tem deles que ensinam
até três turnos e se esforçam muito para ensinar a gente. Eles estão fazendo o que
podem."

Um dos professores, por sua vez, comenta:

- “Os alunos vêm cansados, com fome e sono. Não agüentam mais um
expediente. O que fazer?"

A sala dos professores fica vazia durante quase o turno inteiro. Quando
chegam, os professores fazem anotações no diário de classe, pegam o material
disponível, o giz e o apagador e se dirigem às salas. No intervalo, conversam sobre
assuntos diversos. Planejamento, troca de experiências, sessões de estudo são
atividades realizadas no início do ano letivo ou do semestre. Sobre isso, justifica a
equipe técnica:

- “Não é possível realizar essas atividades semanalmente. Os professores têm


outras atividades."

A rotina é a mesma nas duas escolas. Aula, prova, aula vaga e feriado não
previsível no calendário escolar. O estudante espera pelo professor, pelo livro que não
chega a tempo. Faz apontamentos, estuda, consultando o caderno.

A dispersão é marcante. Não há concentração. O barulho e as conversas


predominam no corredor de acesso às salas, atrapalhando os que tentam aproveitar o
tempo atualizando alguma atividade escolar. Observamos o tempo desperdiçado,
conforme constatou SANTIAGO (1990), ao estudar o que chamou de "tempo
curricular". Chamou-nos a atenção como esse tempo representa mais perdas do que
ganhos para os estudantes e professores. São aulas vagas, feriados, antecipação do
término da última aula, retardamento no início da primeira aula, desarticulação e
fragmentação das práticas curriculares.

Na sala da diretoria da Escola A, o assunto predominante, até a metade do


semestre, foi a entrega das carteiras de estudante. Todos os dias os estudantes
perguntavam:
- “As carteiras de estudante chegaram?"

- "Quando vão entregar as carteiras de estudante?"

- "Por que demoram tanto?"

Alguns dias depois, ouvimos comentários do tipo:

-"As carteiras chegaram e voltaram!"

-"Estavam erradas?"

-"E agora, quando vão ser entregues?"

Finalmente, chega o momento da avaliação. A semana de prova é um sistema


adotado na Escola A. As aulas são suspensas. Os professores se revezam para a
aplicação e fiscalização das provas. A Escola B avalia os alunos da mesma forma,
ratificando, assim, o sistema tradicional da avaliação somativa. Os estudantes ficam
ansiosos, tensos e inseguros.

O ano letivo na Escola A foi concluído antes de completar os duzentos dias


letivos. A Escola B concluiu o ano letivo conforme o previsto no calendário escolar
oficial.

REFERÊNCIAS DE TEXTOS PARA APROFUNDAMENTO DOS ESTUDOS

FREITAS, Ana Lúcia de Souza. “Princípios da escola cidadã”. In: Escola cidadã. Org. Luiz Heron
da Silva. Editora Vozes, 1999, p. 46-56.

GADOTTI, Moacir. Uma escola para todos: caminhos da autonomia escolar. Petrópolis: Vozes,
1990.

________. Escola Cidadã: uma aula sobre autonomia da escola. São Paulo: Cortez, 1992.
ROMÃO, J. E. & GADOTTI, M. Projeto de Escola Cidadã. São Paulo: Instituto Paulo Freire,
1994.

FREIRE, Paulo. Política e educação. São Paulo: Cortez, 1993. (Coleção questões da Nossa
Época: v.23). 118 p.

SILVA, Luiz Heron da (org). A escola cidadã no contexto da globalização. Petrópolis, RJ: Vozes,
1998.

VEIGA, Ilma P. A. Projeto Político - Pedagógico da escola: uma construção possível.


Campinas, São Paulo: Papirus.

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