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CURSO DE CRIAÇÃO LITERÁRIA

Renato Modesto

AULA 18 – AS SETE FERRAMENTAS LITERÁRIAS V –


MONÓLOGO INTERIOR

Os escritores de obras dramáticas ou audiovisuais possuem, como


recursos narrativos básicos elementos sensoriais: visuais como
cenários, figurinos e ações de personagens e auditivos, como os
diálogos.

Quanto aos cronistas, contistas e romancistas, esses têm um recurso


extra muito vantajoso na hora de contar histórias. Trata-se do
Monólogo Interior. Com essa ferramenta, o escritor de ficção literária
também pode mostrar ao leitor os pensamentos dos seus
personagens.

O roteirista é forçado a fazer o espectador inferir, supor quais são


esses pensamentos a partir dos atos e falas dos personagens. Ou,
quando o pensamento é fundamental para o progresso da narrativa,
ele é forçado a usar a voz over de um narrador, algo que não pode
ser usado em excesso ou acaba parecendo forçado.

No caso do gênero épico, isso é, da literatura em prosa, o escritor


tem à sua disposição essa ferramenta do Monólogo Interior, um
recurso que conecta o leitor diretamente ao cérebro dos
personagens, revelando o que eles pensam.

É possível utilizar o Monólogo Interior de três maneiras:

- Citando exatamente os pensamentos dos personagens;


- Resumindo esses pensamentos;
- Ou dando uma ideia geral desses pensamentos.
As três opções são legítimas e devem ser usadas de acordo com a
necessidade de cada momento da sua história.

O Monólogo Interior pode ser direto ou indireto.

No Monólogo Interior Direto, não aparece nenhuma intervenção do


escritor, nem mesmo travessão, aspas ou introduções e
intercalações do tipo “pensava ele”, “dizia ela”.

Neste caso, o personagem expõe o conteúdo da sua mente tendo o


momento presente desse pensamento como tempo dominante. Isso
dá ao texto um tom de confidência direta ao leitor.

Vou ler para você um trecho do romance “Perto do Coração


Selvagem” de Clarice Lispector, como exemplo do Monólogo Interior
Direto:

“A cama desaparece aos poucos, as paredes do aposento se


afastam, tombam vencidas. E eu estou no mundo solta e fina como
uma corça na planície. Levanto-me suave como um sopro, ergo
minha cabeça de flor e sonolenta, os pés leves, atravesso campos
além da terra, do mundo, do tempo, de Deus. Mergulho e depois
emerjo, como de nuvens, das terras ainda não possíveis, ah ainda
não possíveis. Daquelas que eu ainda não soube imaginar, mas que
brotarão.”

Quanto ao Monólogo Interior Indireto, esse expõe a clara intervenção


do escritor transcrevendo o fluxo mental do personagem. Nesse
caso, o escritor comenta, discute e explica em terceira pessoa tais
pensamentos.

No mesmo “Perto do Coração Selvagem”, Clarice Lispector também


usa o Monólogo Interior Indireto. Vou ler para você um exemplo.

“O coração apertou-se-lhe devagar, abriu-se, ela não respirou um


momento esperando... Era de manhã, sabia que era de manhã...
recuando como pela mão frágil de uma criança, ouviu abafado tin-
dlen... tin-dlen... o sol chovendo em pequenas rosas amarelas e
vermelhas sobre as casas. Deus, o que era aquilo senão ela mesma?
Mas quando? Não, sempre...”

Perceba como essa importante ferramenta literária, o Monólogo


Interior, cria proximidade, intimidade entre o texto e a pessoa que o
está lendo. Essa sensação de intimidade é algo fundamental para
causar no leitor a experiência emocional poderosa que a boa
literatura deve causar.

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