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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO

DISCIPLINA: LITERATURA
CURSO DE LETRAS
PROF.ª Jeanne Ferreira

A invenção transformada em palavras é o que chamamos de matéria literária.


Na composição da matéria narrativa, entram dez fatores estruturantes:

01. O narrador ( a voz que fala, enunciando a efabulação);


02. O foco narrativo (o ângulo ou a perspectiva de visão, escolhida pelo narrador
para ver os fatos e narrá-los);
03. A história ( a intriga, argumento, enredo, situação problemática, assunto etc.);
04. A efabulação (a trama da ação ou dos acontecimentos, sequência dos fatos,
peripécias, sucessos, situações...);
05. O gênero narrativo (dependente da natureza do conhecimento de mundo e
implícito na narrativa, podendo assumir três formas distintas: conto, novela e
romance);
06. Personagens ( aqueles que vivem a ação);
07. Espaço (ambiente, cenário, paisagem, local...);
08. Tempo ( período de duração da situação narrada);
09. linguagem ou discurso narrativo (elemento concretizador da invenção
literária);
10. Leitor ou ouvinte (o provável destinatário, visado pela comunicação).

O NARRADOR

 Narrador e autor não são uma mesma entidade biográfica.


 Narrador pertence ao texto; fora deste, não existe.
 Entidade fictícia, o narrador é responsável pela enunciação ou pela dinâmica que
concretiza a narrativa, i.e., que produz o discurso narrativo.
 Conforme a natureza de suas relações com a matéria narrada e com o
destinatário de sua narrativa, o narrador assume diferentes categorias.
1. Contador de histórias ou narrador primordial (de linhagem homérica ou mítica):
aquele que se assume como testemunho ou mediador (não como inventor) de
fatos ou acontecimentos realmente acontecidos, guardando-os na memória, e
transmitido-os a outros. (É a voz que se faz ouvir nos mitos, lendas, crônicas
medievais, livros de linhagem, contos de fada, contos maravilhosos...)
2. Narrador demiurgo ou onisciente (de linhagem romanesca): recriador da
realidade e senhor (conhecedor) absoluto de mundo de ficção. (É a voz
predominante no discurso romântico, no realista ou na literatura tradicional em
geral)
3. Narrador confessional ou intimista: um eu-narrador que expõe as próprias
experiências pessoais ou as de outros por ele testemunhadas. (É das vozes mais
comuns na literatura de hoje.)
4. Narrador dialógico ( ou dialético): um eu-narrador que se dirige continuamente
a um tu, a alguém que, entretanto, não se faz ouvir na superfície da narrativa,
mas de certa forma a provoca.
5. Narrador insciente (moderno e pós-moderno): um eu-narrador que ignora as
razões do que acontece com ele e à sua volta. (Tipo de narrador que tem suas
raízes em Kafka.)
6. Narrador in off: variante do narrador dialógico, trata-se de uma narrativa na qual
não se ouve a voz do narrador, mas apenas as vozes das personagens que com
ele interagem.

FOCO NARRATIVO
 Ponto de vista, ótica narrativa, modos de visão = corresponde ao ângulo de
visão em que se coloca o narrador para contar sai história.
 Dependo do ângulo de visão adotado, o narrador ocupa uma das cinco
posições possíveis:
1. Foco memorialista ( ou externo objetivo). Foco do narrador-mediador
entre o fato acontecido (que ele guardou na memória ou por escrito) e o
seu ouvinte ou leitor, 3ª pessoa. (Corresponde ao narrador primordial ou
ao moderno contador de histórias.)
2. Foco onisciente ( ou externo subjetivo). Foco do narrador demiurgo. É
em 3ª pessoa; esclarece completamente todos os pormenores do que é
narrado. Pode assumir duas formas distintas:
a. foco de consciência parcial;
b. foco de consciência narrativa total.
3. Foco confessional ou intimista (ou interno subjetivo). Foco privilegiado
das narrativas confessionais ou dos grandes conflitos psicológicos ou das
autobiografias.
4. Foco dialético. Ângulo de visão assumido por narrador dialogante. (A 2ª
pessoa se mantém sempre silenciosa).
5. Foco dialógico. Próprio do “narrador in off”, cuja voz presente/ausente
só é percebida através das respostas e dos comentários da(s) personagem
(ns) que responde(m).

A HISTÓRIA

História, estória, enredo, intriga, trama, assunto... são alguns dos rótulos dados ao que
acontece na narrativa (conto, novela, romance)

A EFABULAÇÃO

Recurso pelo qual os fatos são encadeados na trama, na sequência narrativa. Na


literatura infantil, a estrutura mais adequada é a linear, ou melhor, a que segue a
seqüência normal dos fatos: começo, meio e fim. A efabulação que utiliza o flashback
pede um leitor mais experiente (fluente ou crítico).

O GÊNERO NARRATIVO

Conto - forma privilegiada da literatura popular e infantil - registra um momento


significativo da vida da(s) personagem(ns). Revela apenas uma parte do todo: há uma
unidade dramática ou um motivo central, um conflito, uma situação, um
acontecimento...Tudo no conto é condensado: a efabulação se desenvolve em torno de
uma única ação ou situação; a caracterização das personagens e do espaço é breve, a
duração temporal é curta.
Novela – resulta de uma visão de mundo complexa. É uma longa narrativa estruturada
por pequenas narrativas (independentes entre si), cuja unidade global é dada pela
presença de um elemento coordenador: o herói, que vive as múltiplas aventuras, que se
sucedem independentes umas das outras, válidas, cada qual por si mesma. (Alice no
país das maravilhas; Aventuras de Gulliver; Aventuras de Pinóquio; As mil e uma
noites etc.).
Romance - no romance a efabulação está diretamente ligada à situação nuclear, nada ali
deve existir por si só. Sua extensão narrativa centra-se em um problema-eixo, exige um
leitor com relativa capacidade de concentração e atenção. Forma frequente na literatura
para adolescentes e adultos.

A PERSONAGEM

 Persona, ae – nome que os romanos designavam as máscaras usadas pelos atores


gregos em suas representações teatrais.
 Transfiguração de uma realidade humana transposta para o plano da realidade
estética.
 Há basicamente três tipos de personagens nas narrativas:
1. personagem-tipo (plana) - estereótipo, reconhecíveis pelo leitor, correspondem a
uma função ou estado social: reis, rainhas, príncipes, princesas, amas, bruxas,
fadas, gigantes, anões, caçadores, animais encantados. Ainda: lavrador,
pescador, mercador, soldado, alfaiate, grandes senhores, servos, pastores,
ministros, mendigos, velhos, crianças, etc.
2. personagem-caráter (redonda) – complexa, representa comportamentos ou
padrões morais. Os pensamentos, impulsos ou ações que as movem na trama
narrativa revelam sempre aspectos do caráter, da estrutura ética ou afetiva que as
caracteriza. É frequente nas narrativas exemplares.
3. personagem-individualidade – típica da ficção contemporânea. Representa o
novo homem, em conflito, revelado pelas descobertas psicanalíticas; é ambígua,
exige de seu leitor maturidade de espírito e capacidade de reflexão. Revela-se
ao leitor através das complexidades, perplexidades, impulsos e ambiguidades de
seu mundo interior. ( Ex. o estranho menininho de O Pequeno Príncipe, de
Saint-Exupéry)

O ESPAÇO

 Determina as circunstâncias locais, espaciais ou concretas, que dão


realidade e verossimilhança aos sucessos narrados. Há três espécies de
espaço:
1. Espaço natural (paisagem, montanha, gruta, planície, deserto... enfim, a
natureza livre, o ambiente aberto.)
2. Espaço social (casa, castelo, palácio, tenda, veículo de locomoção, i.e.,
ambientes da natureza modificados pela técnica, pelo trabalho de
transformação do homem.)
3. Espaço trans-real (ambiente criado pela imaginação do homem, não
localizável no mundo real; espaço maravilhoso. É o espaço dos contos
maravilhosos, das fábulas e da ficção científica.)
O TEMPO

 A ficção narrativa é uma arte que se desenvolve no tempo. Há


basicamente três tipos de tempos na literatura:
1. Tempo exterior – corresponde ao tempo natural (dias e noites) e ao
tempo cronológico (tempo do relógio ou histórico)
2. Tempo interior – tempo vivido pelo eu das personagens; tempo
psicológico.
3. Tempo mítico – tempo imutável, eterno, que se repete sempre igual, sem
evolução ou desgaste: tempo da fábula, das lendas, do mito, da Bíblia, da
ficção, do “Era uma vez...”. É esse o tempo mais comum na literatura
infantil.

A LINGUAGEM NARRATIVA

 Conforme intencionalidade da obra, a linguagem narrativa pode se


classificada como:
a. Linguagem realista mimética – reproduz uma experiência vivida (ou
passível de ser vivida) no mundo real cotidiano ou natural.
b. Linguagem simbólica metafórica – linguagem figurada que fala por
imagens e assim comunica de maneira concreta ideias abstratas.
Expressa-se por vários aspectos:
a) pela utilização de animais que “representam” ideais,
intenções e ‘vivem” situações exemplares (fábulas);
b) pela utilização de seres inanimados que adquirem vida e
falam ou agem como humanos, em situações também
exemplares ( apólogos);
c) pela alusão ou analogia que permite que uma situação
comum, vivida por homens ou mulheres, seja
compreendida de imediato em um outro nível de
significação moral mais alto, amplo e perene ligado ao
espírito humano (parábolas);
d) pela transposição de sentido de um todo completo, do
nível narrativo para o nível ideológico, no qual aquele
todo completo adquire significa diferente que o nível
narrativo apresenta (alegoria)
 A linguagem metafórica ou simbólica é também
usada nas lendas e mitos.

O LEITOR OU O OUVINTE

 Não há operação verbal que não tenha em mira determinado


destinatário a quem comunicar sua mensagem.
 O apelo ao ouvinte na literatura infantil e popular. Caráter coercitivo.
 Contemporaneamente a invocação ao tu estimula o leitor a expandir-se
com liberdade. Narrativas mais descontraídas e com impressão de
familiaridade, sem autoritarismos.
Referências:
COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: teoria, análise, didática. São Paulo:
Moderna, 2000.

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