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SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL

UNIVERSIDADE FEDERAL DO OESTE DO PARÁ


INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM LETRAS
MESTRADO ACADÊMICO EM LETRAS

FUNCIONALISMO X ANÁLISE DO DISCURSO:


CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS

Trabalho apresentado ao Programa de Pós-


graduação em Letras – PPGL – da Universidade
Federal do Oeste do Pará – UFOPA, como
requisito para avaliação parcial da Disciplina
Teorias Linguísticas: implicações para a pesquisa
na Amazônia, sob a regência da Profª Drª Ediene
Pena Ferreira.

Acadêmica: Rosicléia Pereira de Sousa

SANTARÉM – PA
2022
Funcionalismo x Análise do discurso

Nascido dos estudos fonológicos estruturais do Círculo de Praga (1929), o


Funcionalismo assume que as abordagens estruturalistas não são mais suficientes
para explicar os fenômenos linguísticos, apresentando-se como um novo paradigma
de estudos da Língua, sem, no entanto, negar o aspecto formal dos estudos
linguísticos.
Na verdade, as formalizações da gramática funcional já levaram alguns
críticos a entender que ela se enquadra no "paradigma formal" em
lingüística. Na perspectiva funcionalista, porém, não se considera que uma
descrição da estrutura da sentença seja suficiente para determinar o som e
o significado da expressão lingüística, entendendo-se que a descrição
completa precisa incluir referência ao falante, ao ouvinte e a seus papéis e
estatuto dentro da situação de interação determinada socioculturalmente
(NEVES, 1994, p. 113).

De acordo com Pezatti (2004), o Funcionalismo apresenta várias


vertentes distintas, o que não possibilita reuni-las em torno de um único modelo
teórico, mas é possível identificar um ponto comum entre os diversos estudos: a
relação entre a estrutura gramatical das línguas e os diferentes contextos
comunicativos em que elas são usadas. Afinal, para a abordagem funcionalista, a
Língua é um instrumento de interação social (CUNHA, 2010, p. 15, apud SOUZA,
2014).
Seus três grandes modelos de estudos funcionalistas são: a Gramática
sistêmico-funcional (GSF) do inglês Michael Halliday; a corrente holandesa chamada
de Gramática Funcional (GF) que se desdobrou na Gramática Discursivo-funcional
desenvolvida por Hengeveld & Mackenzie e o modelo norte-americano denominado
de Gramática Funcional Centrada no Uso (GFCU), que tem como maior
representante Givón.
Cada modelo desempenha seu papel a sua maneira mantendo, porém, o
elo funcional do estudo da relação da interação verbal e a gramática. Para o inglês
Halliday, uma gramática funcional é uma gramática "natural", pois ela deve explicar
os fenômenos linguísticos com base nos usos da língua, uma vez que são esses
usos que têm dado forma ao sistema no decorrer do tempo. No modelo holandês de
Dick, todos os predicados são semanticamente interpretados como designadores de
propriedades ou de relações, e diferentes categorias de predicados se distinguem,
de acordo com suas propriedades formais e funcionais (NEVES, 1994, p. 120). A
GDF, desenvolvida por Hengeveld & Mackenzie, que, apesar de também se
constituir em um modelo muito formalizado de gramática funcional, propõe a
“expansão de uma gramática da frase para uma gramática funcional do discurso”
Diferentemente da GF, a GDF tem como unidade básica de análise o “ato
discursivo” (NOGUEIRA, 2006, p. 35, apud SOUZA, 2014). Quanto à corrente norte-
americana, seus representantes somaram à abordagem funcionalista dos estudos
linguísticos os fundamentos da Linguística Cognitiva formulando a proposta de
estudar o discurso e a gramática simultaneamente, para que se possa entender
como a língua se configura (CUNHA, BISPO e SILVA, 2013). Para Givón, a
gramática possui sim um caráter categorizador e moldador, mas também não é
capaz de responder por todas as expressões linguísticas, nem estabelecer uma
regra, ou regras, que seja(m) absolutas na explicação de certos fenômenos
(SOUZA, 2014).
De modo geral, a gramática funcional, em todas suas correntes de
estudo, nos permite compreender a "teoria da organização gramatical das línguas
naturais que procura se integrar em uma teoria global da interação social” (NEVES,
1994, p.112); é a partir do funcionamento da linguagem que a língua deve ser
estudada. Assim, o funcionalismo começa a dar espaço para o surgimento e
fortalecimento de áreas ditas "sociais" dentro da linguística, como a própria
sociolinguística. Por isso, a análise funcionalista tenha como objeto enunciados
observados em situações reais de uso da linguagem, tentando explicar como
funciona a estrutura da linguagem, estabelecida a partir das necessidades impostas
pelas situações de interação social do falante.

Portanto, para o Funcionalismo, o sistema linguístico não é autônomo, é co-


desenvolvido de acordo com as exigências pragmáticas da interação social. Além
disso há também nele a crença de que as estruturas fonológicas, sintáticas e
semânticas das línguas são determinadas pelas funções sociais da variação
linguística adequada ao contexto de uso dos falantes.
Considerando, então, que a língua é instrumento de interação social, com
propósitos comunicativos, as expressões linguísticas devem ser
consideradas em circunstâncias efetivas de interação verbal e suas
propriedades como co-determinadas pela informação contextual e
situacional disponível aos interlocutores (PEZATTI, 2004, p. 173).
Resumindo, para o funcionalismo a Língua não é arbitrária, mas motivada,
pois sua estrutura serve às funções e às intenções comunicativas do falante,
portanto, a linguagem é uma atividade sociocultural; o sistema linguístico é
estruturado e reestruturado pelo uso que os falantes fazem das expressões
linguísticas em condições reais de produção da linguagem; o que se nota é um
“livre-arbítrio motivado” pertencente ao falante que possui possibilidades diversas de
uso da língua de acordo com a intenção de fala. Além disso, é do aspecto social que
emana a capacidade de mudança e variação de uma Língua, pois há uma forte
determinação dessa intenção comunicativa associada ao contexto
sociocomunicativo no momento da interação social.
Assim, não é difícil perceber a abertura dada pela a abordagem funcionalista
dos estudos da Língua a recentes abordagens como a Análise do Discurso. No
funcionalismo as línguas são concebidas como instrumentos de ação social, é no
funcionamento de uma língua que os seus elementos fazem sentido, pois é em seu
uso que exercem um papel, uma função, na Análise do Discurso o raciocínio é
similar. No entanto, apesar dessa aproximação entre as abordagens, não se deve
confundi-las. A Análise do Discurso (AD), conforme nos diz Mussalim (2001) se
inscreve num objetivo político, e a Linguística oferece meios para abordar a política
com base no materialismo histórico, com o propósito de apreender o funcionamento
da ideologia em uma sociedade.
É por intermédio do filósofo Michel Pecheux e do linguista Jean Dubois que
nasce a Análise do Discurso. Nessa abordagem, trabalha-se os conceitos marxistas
de infraestrutura/superestrutura; Aparelhos Ideológicos do Estado (AIE), Aparelho
Repressivo do Estado (ARE) em Ideologia e aparelhos ideológicos do estado do
filósofo Althusser (1970) à procura de investigar o que direciona as condições de
reprodução social. Para ele, a linguagem se apresenta como lugar privilegiado em
que a ideologia se materializa (MUSSALIM, 2001, p. 104).
Assim, o paradigma estruturalista não seria suficiente para alcançar o
intento, somente uma teoria do discurso abraçaria a missão de convergir estruturas
linguísticas e socioideológicas para entender o funcionamento da ideologia a partir
de sua materialidade - o próprio discurso.
Outro importante elemento que contribuiu para o desenvolvimento da teoria
da AD foi a Psicanálise. Para Lacan “a linguagem é condição do inconsciente”, lugar
de onde emana o discurso do Outro que ocupa um lugar de domínio com relação ao
sujeito, que, por sua vez, se define através da palavra desse Outro (MUSSALIM,
2001).
Segundo Maingueneau (1997, apud MUSSALIM, 2001) a Linguística é
definida em dois campos: o núcleo rígido, que se ocuparia do conjunto de regras e
propriedades formais da língua, e a região de contornos instáveis, que considera a
língua em seu funcionamento, em seu processo de produção interacional, histórico e
cultural. É nessa área instável que se encontram e se assemelham a Análise do
Discurso e as abordagens funcionalistas de estudo da linguagem.
Conforme nos diz Mussallim (2001), há duas Análises do discurso diferentes:
a Análise do Discurso Francesa, que privilegia o contato com a História, e a Análise
do Discurso Americana, que privilegia o contato com a Sociologia.

Assim, o que diferencia a Análise do Discurso de origem francesa da


Análise do Discurso anglo-saxã, ou comumente chamada de americana, é
que esta última considera a intenção dos sujeitos numa interação verbal
como um dos pilares que a sustenta, enquanto a Análise do Discurso
francesa não considera como determinante essa intenção do sujeito;
considera que esses sujeitos são condicionados por uma determinada
ideologia que predetermina o que poderão ou não dizer em determinadas
conjunturas histórico-sociais. Essa é, entre outras, uma das diferenças
teóricas entre as duas linhas (MUSSALIM, 2001, p. 113).

À guisa de conclusão, pode-se dizer que as abordagens de estudos


linguísticos aqui confrontadas se assemelham na mesma medida em que se
divergem. Grosso modo, o analista do discurso procura estabelecer relações entre o
discurso e suas condições de produção que permitiram que ele gerasse efeitos de
sentido específicos, com um olhar que parte das construções estruturais da língua
para o contexto social e histórico, numa espécie de movimento centrífugo. Já o
pesquisador funcionalista da língua, observa o uso que se faz da língua que
acontece na interação social capaz de alterar as construções linguísticas dessa
Língua, numa espécie de movimento centrípeto.
REFERÊNCIAS:

CUNHA, Maria Angélica Furtado da. BISPO, Edivaldo Baduino; SILVA, José
Romerito. Linguística Funcional Centrada No Uso: Conceitos Básicos e
Categorias Analíticas. IN Linguística centrada no Uso: uma homenagem a Mario
Martellota. MARIA MAURO CEZÁREO E MARIA ANGÉLICA FURTADO DA CUNHA
(ORGs). 1. Ed. – Rio de Janeiro: Mauad X: FAPERJ, 2013.

MUSSALIM, Fernanda. Análise do discurso. In: MUSSALIM, Fernanda; BENTES,


Anna Christina (orgs.). Introdução à linguística: fundamentos epistemológicos. Vol.2.
São Paulo: Cortez, 2001, p 165-218.

NEVES, Maria Helena de Moura Alfa. Uma Visão Geral da Gramática Funcional.
Alfa São Paulo, 38: 109-127, 1994.

PEZATTI, Erotilde Goreti. O Funcionalismo em Linguística. In: MUSSALIM,


Fernanda; BENTES, Anna Christina (orgs.). Introdução à linguística: fundamentos
epistemológicos. Vol.3. São Paulo: Cortez, 2004, p 165-218.

SOUZA, Francisco Elton Martins de. Teorias Linguísticas e suas concepções de


Gramática: Alcances e Limites. IN LINGUAGEM EM FOCO. Revista do Programa
de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da UECE V. 6, N. 1, ano 2014.

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