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08/09/2021 09:29 Linguística

LINGUÍSTICA
CAPÍTULO 3 - A LINGUAGEM MUDA EM
FUNÇÃO DO CONTEXTO?
Adriana Paula da Silva Amorim

INICIAR

Introdução
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Para iniciar este estudo, é importante que você tenha em mente que tanto o
estruturalismo quanto o gerativismo – duas correntes linguísticas de base formal –
consideram a linguagem como um aspecto essencialmente humano, e a língua
como um sistema autônomo de regras por meio do qual uma comunidade
linguística se comunica. De fato, as discussões realizadas pelos teóricos
formalistas, em especial Saussure (1916) e Chomsky (1957), possuem grande
relevância no âmbito dos estudos linguísticos.
Ao longo da segunda metade do século XX, outras vertentes dos estudos
linguísticos começaram a surgir com base em algumas indagações, tais como: se a
língua de fato é homogênea, como postula Saussure (1916), por que mudamos
nosso modo de falar em diferentes situações de comunicação? Se a linguagem é
essencialmente humana, por que ao estudá-la desconsideramos as manifestações
realmente proferidas pelos falantes das línguas? E, ainda, como podemos afirmar
que ela não sofre influências da história e da cultura dos povos? No início do
tópico 3.1, você poderá observar um diagrama que apresenta o resumo do
percurso histórico dos estudos linguísticos.
A fim de refletir sobre essas questões, neste capítulo trataremos de duas áreas da
linguística que consideram fatores extralinguísticos, ou pragmáticos, no estudo da
linguagem: o funcionalismo e a sociolinguística. Dessa forma, os dois primeiros
tópicos deste capítulo destinam-se ao funcionalismo, enquanto os dois últimos à
sociolinguística. Esperamos que você se sinta instigado a conhecer melhor e
compreender esses conceitos, intensificando, assim, sua formação profissional e
acadêmica.
Bom estudo!

3.1 Funcionalismo europeu e norte-


americano
A ciência linguística passou por três momentos: o historicismo, o descritivismo e o
funcionalismo, conforme você pode observar no diagrama a seguir.

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Figura 1 - Percurso histórico dos principais estudos linguísticos. Fonte: Elaborada pela autora, 2018.

Após a preocupação de elaboração de árvores genealógicas das línguas e


comparação entre línguas, que configuram o primeiro momento; a abordagem à
análise descritiva da língua, realizada pelos estruturalistas e gerativistas, no
segundo momento, surgiu uma outra forma de estudar e entender a língua,
conforme seu uso em funcionamento.
O funcionalismo é a corrente teórica da linguística que analisa a relação entre
forma e função, entre a expressão e o conteúdo, ou significado, considerando a
situação de comunicação. 

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Figura 2 - Elementos situacionais passam a ser importantes na análise linguística. Fonte: Marcin
Balcerzak, Shutterstock, 2018.

Em oposição ao estruturalismo e ao gerativismo, o funcionalismo busca estudar a


estrutura linguística considerando sua relação com o contexto de comunicação em
que ela se enquadra. Assim, embora seu surgimento tenha ocorrido dentro dos
estudos estruturalistas, com linguistas do Círculo Linguístico de Praga, seus
métodos e objetivos de análise diferem da abordagem estritamente estruturalista,
visto que não se interessa somente pela forma, mas leva em consideração que o
código linguístico é condicionado pelo significado, ou seja, a forma existe em
função do conteúdo, diretamente ligado aos aspectos comunicativos externos ao
sistema linguístico. Em outras palavras, quando formulamos um texto,
selecionamos e organizamos as palavras a fim de atingir nossos objetivos de
alertar, orientar, pedir, emocionar, entre outros.
Dessa forma, a língua não é mais considerada um sistema autônomo, conforme
afirmavam estruturalistas e gerativistas. Por isso, os estudos funcionalistas
trabalham com dados reais de fala ou escrita em variados contextos de produção
da linguagem. 

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VOCÊ SABIA?
Existem formas variadas para uma única função linguística. Pense em diferentes
expressões que servem para cumprimentar uma pessoa: oi! / olá! / e aí? /bom dia! /
boa tarde! /boa noite!, entre tantas outras. Observou quantas formas usamos para
a função “saudação” em português?

Para compreender melhor a relação entre forma e conteúdo, leia as frases no


esquema a seguir:

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Figura 3 - Transformação da estrutura da frase em virtude da função. Fonte: Elaborada pela autora,
2018.

Nos dois casos, temos a ocorrência de formas bem semelhantes, cuja ordenação
dos termos difere em função do objetivo comunicativo do seu emissor. Na frase à
esquerda, identifica-se uma ação (fazer um bolo) realizada por Karina. Em
contrapartida, na frase à direita percebe-se claramente que, dada a situação
comunicativa, acreditava-se que outra pessoa havia feito o bolo, logo o emissor
enfatiza a informação de que foi Karina quem fez. São conhecidas duas vertentes
funcionalistas dos estudos linguísticos, uma europeia, proveniente do
estruturalismo; e uma norte-americana, mais radical em sua oposição às correntes
formalistas e que, inclusive, influenciou muitos grupos de estudo e pesquisa
funcionalistas no Brasil.

3.1.1 Funcionalismo europeu


O funcionalismo europeu surgiu como um movimento dentro do estruturalismo,
enfatizando a relevância da função das estruturas linguísticas (CUNHA, 2017), tais
como: a função distintiva dos fonemas (bola e bala) e a função contextual da
sintaxe (Karina fez um bolo / Quem fez o bolo foi Karina).

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Segundo Cunha (2017) e Lombardi e Gardelli (2015), os primeiros estudos


funcionalistas – realizados a partir de 1926 pelo Círculo Linguístico de Praga,
fundado por Vilém Mathesius – admitiam que forma e função interagem de modo
que a função influencia, em certa medida, a organização formal. Isso foi
considerado uma inovação nos estudos linguísticos, por incluir na análise os
significados e os fatores externos à língua, ligados ao uso. Veja a seguir quais
foram as principais contribuições dos grupos de estudos funcionalistas da Europa.
O Círculo Linguístico de Praga se destacou nos estudos fonológicos. Segundo seus
participantes, os fonemas:

Não são elementos mínimos em si, mas feixes ou conjuntos de traços distintivos
simultâneos. Por exemplo, o fonema /p/ é constituído dos traços: oclusivo, bilabial,
surdo; enquanto o fonema /b/ reúne traços: oclusivo, bilabial, sonoro. Logo, /b/ e
/p/ diferem quanto à sonoridade, e é esse o traço que distingue pares mínimos,
como as palavras “pata” e “bata” ou “pico” e “bico” (CUNHA, 2017, p. 160).

Trubetzkoy (apud CUNHA, 2017; LOMBARDI; GARDELLI, 2015) destaca a função


demarcadora e expressiva dos fonemas. O acento tônico que diferencia as
palavras influência (substantivo) e influencia (verbo) é um exemplo de função
demarcadora da estrutura linguística. Já a função expressiva, que revela a emoção
ou sentimento do emissor, pode ser exemplificada como a pronúncia alongada de
determinados fonemas, como em magníiiiiiiiifico.
De acordo com Cunha (2017), Jakobson – que elaborou um modelo do processo
comunicativo e destacou as funções da linguagem – trabalhou com o conceito de
marcação, afirmando que há categorias marcadas e não marcadas na língua. Por
exemplo, a palavra patos é marcada em relação à palavra pato, pois apresenta um
traço distintivo de número que a segunda não apresenta. Mathesius, por sua vez,
dedicou-se à análise da organização da sentença. Para ele, organização das
palavras na frase se dá em função das informações (CUNHA, 2017).
Conforme define Halliday (1985), informação é o processo de interação entre o
conhecido e o novo. Assim, de acordo com suas análises, quando uma informação
é nova tende a ser mencionada no final da frase, enquanto a informação dada, ou
seja, já conhecida entre os interlocutores, tende a ser mencionada no início, por já
ser conhecida. Imaginando que as frases Karina fez um bolo e O bolo estava
delicioso foram retiradas de uma conversa entre duas pessoas conhecidas,

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percebemos que, na primeira cláusula, o elemento bolo é uma informação nova,


por isso aparece no final, mas, contextualmente, na segunda já é conhecido, por
isso aparece no início da cláusula (CUNHA, 2017). Dando prosseguimento à teoria
da estrutura funcional da sentença, desenvolvida por Mathesius, Jan Firbas
elaborou, no início da década de 1960, o modelo da estrutura informacional da
sentença, afirmando que a informação dada, conhecida pelo ouvinte, tem menor
grau de dinamismo comunicativo e é denominada tema, enquanto a informação
nova possui grau máximo de dinamismo e é denominada  rema. Nessa
perspectiva, em O bolo estava delicioso, o bolo é o tema, e estava delicioso é o
rema.
Além do Círculo Linguístico de Praga, marcante nos estudos funcionalistas
europeus, há a Escola de Genebra, de base saussuriana, representada por Charles
Bally, Albert Sechehaye e Henri Frei. Esses teóricos foram além dos postulados de
Saussure e passaram a considerar os fatos linguísticos relacionados à fala e sua
relação com as funções atribuídas a eles de acordo com a situação comunicativa.
Além disso, afirmavam que certos desvios individuais em relação às regras do
sistema linguístico poderiam chegar a ser incorporados ao sistema da língua, dada
a sua regularidade, bem como caracterizavam alguns desvios como resultados de
intenções comunicativas diversas, quando “erramos” de propósito com
determinada finalidade (CUNHA, 2017).
Percebeu como os estudos funcionalistas ainda se encontram, de certa forma,
apegados à estrutura ou ao sistema linguístico? Essa realidade mudou quando, em
Londres, também se desenvolveu um grupo, através das ideias de Halliday (1985),
que se apropriou de um conceito mais amplo de função, que inclui tanto as
funções dos elementos dentro da estrutura como as funções de enunciados e
textos inteiros. Nesse sentido, para ele, a linguagem deve ser concebida e
estudada como um processo social, considerando cada indivíduo participante do
ato comunicativo (CUNHA, 2017).

VOCÊ O CONHECE?

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Michael Alexander Kirkwood Halliday nasceu no condado de Yorkshire (Inglaterra), em 1925. Formou-se
em linguística na Universidade de Londres e trabalhou como professor em instituições da Inglaterra,
Austrália e China. Estabeleceu seu trabalho de linguagem como parte da vida social humana (GHIO,
2005).

Halliday (1985) trabalhava com a análise da língua em três níveis:


o texto: utilizado para explicar a linguagem posta em prática, seja ele dito ou
escrito;
o sistema: a articulação dos elementos para a produção e recepção de
sentidos pelos interlocutores;
a estrutura: cada elemento da língua é explicado pela sua função dentro do
sistema linguístico.
Procurando integrar língua e fala, consideradas categorias dicotômicas pelo
estruturalista Saussure (1916), a proposta de Halliday (1985) é chamada de
linguística sistêmico-funcional. Na prática, consideremos a seguinte frase: “Ele é
tão cruel quanto Hitler”. Certamente, ao escolher a palavra Hitler, o interlocutor
não considerou somente o fato de ser o nome de uma pessoa, adequada para esta
posição na sentença, mas o seu significado, identificado por aqueles que
conhecem os acontecimentos em torno dessa personalidade reconhecida
mundialmente pelos seus feitos políticos e pelo holocausto durante a Segunda
Guerra Mundial (1939-1945). Em síntese, quando formulamos frases, escolhemos
as palavras mais adequadas pela sua função dentro do contexto, a depender da
finalidade e da pessoa com quem estamos falando, e não simplesmente pela sua
função dentro do sistema linguístico.
Conforme Cunha (2017), paralelamente, o grupo holandês composto por Simon
Dik e seus seguidores, elaboraram um modelo de análise sintática funcional,
segundo o qual a frase deve ser analisada em três níveis: sintático, semântico e
pragmático. Dessa forma, na frase “Karina fez um bolo”, o termo “Karina”, no nível
sintático, possui função de sujeito; no nível semântico, possui função de agente e,
na função pragmática, possui função de tema (informação dada). Em síntese, para
ele, funções sintáticas devem ser analisadas junto às funções pragmáticas, que
também fazem parte do sistema de regras da língua.
No Brasil, Rodolfo Ilari (1987) ocupou-se da análise linguística acerca dos
conceitos de tema e rema, em linha com os estudos do Círculo Linguístico de
Praga, bem como acerca da relação entre a semântica e as estruturas linguísticas,
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refletindo sobre as operações inconscientes que realizamos o tempo todo ao nos


comunicarmos. Além disso, Ilari (1999) colaborou sobremaneira para os estudos
descritivos das línguas românicas, oferecendo um aparato científico para novos
estudiosos da área.

3.1.2 Funcionalismo norte-americano


Nos EUA, foi muito forte a tendência estruturalista e behaviorista de Bloomfield e
Sapir, no entanto, Sapir foi influenciado pela visão funcionalista da linguagem,
assim como Franz Boas e Benjamin Lee Whorf.
Os estudos norte-americanos são considerados mais radicais em relação à
combinação entre forma e função. De acordo com estas teorias, as funções
externas à linguagem definem as categorias gramaticais. Logo, não há necessidade
de se estudar os níveis estruturais da língua, apenas os seus princípios
comunicativos, os quais veremos no próximo tópico.
Segundo Lombardi e Gardelli (2015), Dwight Bolinger, precursor do funcionalismo
norte-americano, destacava o papel dos fatores pragmáticos na ordenação dos
elementos na frase. Os funcionalistas norte-americanos defendiam que só é
possível descrever e explicar a língua com base nos elementos extralinguísticos,
pois “a sintaxe é uma estrutura em constante mutação em consequência das
vicissitudes do discurso, ao qual se molda” (CUNHA, 2017, p. 163).
Ainda conforme descreve Cunha (2017), Talmy Givón, em contraposição à visão
estruturalista, centrou seu trabalho na relação de motivação entre fatores externos
à língua e fatos gramaticais, ou seja, a iconicidade, que será vista com mais
detalhes no tópico posterior. Hopper e Thompson (1980), por sua vez,
desenvolveram o conceito de transitividade, ou transferência da ação de um
agente para um paciente, gerado pela ocorrência de frases com agende explícito
ou não, o que, para eles, releva intenção discursiva do falante.
Ultrapassando as fronteiras dos Estados Unidos, as ideias funcionalistas norte-
americanas influenciaram grupos de linguistas na Alemanha e no Brasil. Na
Alemanha, os estudos dedicaram-se às questões de mudança linguística e de
gramaticalização. No Brasil, a partir da década de 1980, foram formados o Projeto
de Estudo do Uso da Língua e o Grupo de Estudos Discurso & Gramática. Enquanto
o primeiro assume uma visão semelhante à sociolinguística, considerando fatores
de ordem comunicativa para interpretar a função das estruturas linguísticas, o
segundo estuda os processos de gramaticalização (CUNHA, 2017).

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CASO
O Grupo de Estudos Discurso & Gramática foi fundado em 1991, sob o
título “Iconicidade na fala e na escrita”, assumido pelo grupo por dois
anos. Seus participantes organizaram amostras de língua falada e escrita
com informantes em cinco cidades brasileiras: Rio de Janeiro (RJ), Natal
(RN), Rio Grande (RS), Juiz de Fora (MG) e Niterói (RJ), a fim de criar um
banco de dados reais de fala dos brasileiros para análise da língua. O
material é considerado rico, pois além dos registros da modalidade oral da
língua, há registros da modalidade escrita, o que permite ao analista
comparar as duas modalidades, se necessário. Veja mais em:
<http://www.discursoegramatica.letras.ufrj.br/
(http://www.discursoegramatica.letras.ufrj.br/)>.

No tópico seguinte, serão abordados os princípios de análise funcionalista:


informatividade, iconicidade, marcação, transitividade e gramaticalização.

3.2 Princípios ou categorias


funcionalistas
Conforme você estudou, por meio dos estudos funcionalistas, surgiram novas
categorias de análises da estrutura linguística, levando em consideração a
importância do contexto situacional para a descrição e explicação dos fatos
linguísticos. Veja quais são eles e como são aplicados à análise linguística.

3.2.1 Informatividade
Como já explicitado anteriormente, o termo informação diz respeito ao processo
de interação entre o que é conhecido dos interlocutores e o que lhes é novo
(HALLIDAY, 1985). Nessa perspectiva, a partir desse princípio, se analisa o nível
informacional dos elementos linguísticos, com ênfase nos sintagmas nominais,
que podem ser classificados em dado, novo, disponível ou inferível. Com
finalidade de exemplificação, utilizaremos trechos retirados do corpus Discurso &
Gramática. Observe:

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I: é: assim é ... eu vou contar um ... um ... um acidente que aconteceu comigo em
setenta e três né... uma coisa que marcou muito ... na minha vida ... é eu tinha seis
anos ... aí nós saímos da ... nós morávamos em Nova Descoberta ... aí nós saímos de
casa né ... a passeio durante o ... pela manhã ... eu ... eu ... meu irmão ... papai ... um
motorista ... (CUNHA, 1993, p. 1). 

Um elemento é novo quando é introduzido pela primeira vez no enunciado.


Assim, o termo “acidente” recebe essa classificação. Um elemento é considerado
dado quando já foi mencionado no texto ou se estiver disponível na situação de
comunicação, como quando se refere aos próprios interlocutores. No excerto
acima, a expressão “uma coisa que marcou muito a minha vida” é exemplo de
informação dada, por já ter sido citada anteriormente na fala do informante.
Além disso, o elemento pode estar disponível, quando se subentende que está na
mente dos interlocutores por ser único e fazer parte do contexto social e cultural a
que pertencem, como “sol”, “lua”, “São Paulo”. No excerto em análise, “Nova
Descoberta” é um elemento disponível. Em última instância, um elemento pode
ser inferível quando não está explícito, mas pode ser identificável por outra
informação. É o caso do veículo onde estavam as pessoas que se envolveram no
acidente. Embora não esteja explícito o tipo de veículo, sabe-se que se trata de um
veículo automotivo, pela informação “motorista”, presente no texto.
A relevância da informatividade reside na seleção e ordenação dos elementos
linguísticos na frase, em decorrência de seu status informacional (CUNHA, 2017).

3.2.2 Iconicidade
Saussure (1916) e seus seguidores estruturalistas trabalhavam com o conceito de
arbitrariedade da língua. Em contrapartida, o conceito de iconicidade (relação de
motivação entre forma/código e função/significado) ganhou espaço nos estudos
funcionalistas, já que para eles a estrutura linguística revela intenções dos
interlocutores.
A versão inicial de iconicidade, por meio da qual se defende uma relação de
igualdade entre código e significado (BOLINGER, 1977, apud COSTA, 2017), foi
questionada devido ao fato de que as mudanças linguísticas causadas pelo tempo
ou pelo contexto alteram o significado de algumas expressões, como a conjunção
concessiva “embora”, que outrora tinha valor de advérbio temporal, sob a forma
“em boa hora”, e hoje também é utilizada como partícula de afastamento, como
no caso de “vamos logo embora”.
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Conclui-se, portanto, que a iconicidade dos termos está sujeita a modificações


temporais, tanto na forma “em boa hora > embora”, como na função, inclusive
porque os usuários da língua a utilizam criativamente, atribuindo novos
significados a expressões em determinados contextos.
Assim, a iconicidade passou a ser tratada sob novos aspectos, quais sejam: a
quantidade de informação, o grau de integração entre forma e conteúdo e a
ordenação dos segmentos na frase.
De acordo com o subprincípio da quantidade, “quanto maior a quantidade de
informação, maior a quantidade de forma” (CUNHA, 2017, p. 168). Isso pode ser
visto nas palavras derivadas, que além de possuírem mais elementos formais,
veiculam mais conteúdos, mais informações. Por exemplo:
Pedra – Pedraria – Pedregulho – Petrificar
Por conseguinte, segundo o subprincípio da integração, expressões de
significados próximos tendem a aparecer próximas na forma. É possível
percebermos essa relação entre o substantivo e o adjetivo relacionado a ele. Por
exemplo:
Janaína comprou uma calça preta e uma blusa branca.
Temos, no predicado dessa oração, dois sintagmas nominais, compostos por um
substantivo e um adjetivo relacionado a ele; cada adjetivo aparece próximo ao
nome ao qual se refere, o que confirma a hipótese da integração.
Por fim, o subprincípio da ordenação sequencial é subdividido em dois. O
primeiro é o subprincípio da ordenação linear, segundo o qual a ordenação dos
elementos na frase tende a refletir a ordem temporal em que os fatos realmente
ocorrem, como no relato a seguir:

I: De noite estava batendo, na porta e meu primo, abriu a porta era uma, moça toda
de branco. Aí ela foi sumino, sumino ela foi embora. No outro dia de noite estava
batendo na po. E meu primo não atendeu. De manhã meu primo viu a marca do
monstro (VOTRE; OLIVEIRA, s. d., p. 71).

O outro subprincípio de ordenação é o subprincípio de topicalidade, muito


semelhante aos conceitos de tema e rema desenvolvidos pelo Círculo Linguístico
de Praga. Segundo esse princípio, informações velhas ou já mencionadas

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anteriormente tendem a vir no início da frase, enquanto as informações novas


tendem a aparecer no final. Por exemplo:

I: Entrei na lancha juntamente com dois colegas de serviço e sentei na cadeira do


canto, porém não vi que a cadeira estava sem encosto. Caí com tudo pra trás no colo
de um senhor que estava no banco de trás (VOTRE; OLIVEIRA, 1996, p. 5).

Nesse relato escrito, percebemos que a palavra “cadeira”, quando citada pela
primeira vez, aparece no final da frase, por ser um elemento novo no discurso. Em
compensação, ela aparece no início da frase seguinte, por já ser uma informação
dada, mencionada anteriormente.
Portanto, o princípio da iconicidade está intrinsecamente ligado às intenções do
falante ou ao conhecimento partilhado entre ele e o ouvinte, o que motiva a
organização das informações na sentença.

3.2.3 Marcação
Como você viu, o Círculo Linguístico de Praga deu origem à categorização dos
elementos da língua em marcados ou não marcados. Um item é considerado
marcado quando possui um traço ausente em outro item, como é o caso das
palavras “cidadão” e “cidadãos”. A palavra “cidadãos” é marcada em relação à
palavra “cidadão”, pois possui uma desinência de número (que marca o plural)
que a outra não possui. Essa caracterização sempre acontece na comparação
entre dois elementos.
Em resumo, as formas não marcadas, segundo Cunha (2017), apresentam as
características na figura a seguir.

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Figura 4 -
Características das formas marcadas, segundo Cunha (2017). Fonte: Elaborada pela autora, 2018.

De fato, se pensarmos nas palavras não marcadas pelo plural, ou seja, palavras no
singular, percebemos que elas estão em maior número na Língua Portuguesa,
possuem um conteúdo mais amplo (como quando dizemos “o cidadão brasileiro
merece respeito” nos referindo a todos os cidadãos, mesmo usando o singular).
Sua forma é mais simples que o plural, com menos elementos formais, e é mais
facilmente assimilada pelas crianças em aprendizagem da língua.
Outro exemplo, é a organização das frases em Língua Portuguesa que, em sua
maioria, aparecem na ordem direta: sujeito > verbo > complemento. Outras
formações frasais, em que o sujeito aparece no final da oração, por exemplo, são
consideradas formas marcadas em relação à ordenação direta da oração, mais
comum. 

3.2.4 Transitividade
Provavelmente você já ouviu falar da transitividade dos verbos de acordo com a
gramática tradicional. Os manuais didáticos de gramática afirmam que os verbos
transitivos necessitam de complemento, enquanto os intransitivos não necessitam
de complemento. Nesse sentido, Hopper e Thompson (1980) afirmam que a
transitividade, sob a visão funcionalista, é o nível de transferência da ação de um
agente para um paciente, de acordo com “a dinamicidade do verbo, a
agentividade do sujeito e a afetação do objeto” (CUNHA, 2017, p. 172).

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Retomando a frase “Karina comeu o bolo”, observe que esta sentença possui um
nível de transitividade mais alto do que em “Karina observou o bolo”, a partir dos
critérios apresentados por Cunha (2017).
Os autores supracitados observaram que, em textos mais extensos, as orações
com maior nível de transitividade apresentam conteúdos centrais no texto,
enquanto as orações com baixa transitividade aparecem em comentários
descritivos e avaliativos, geralmente sem centralidade nos textos.

3.2.5 Gramaticalização
Como premissa do funcionalismo, “a gramática é um organismo maleável, que se
adapta às necessidades comunicativas e cognitivas dos falantes” (CUNHA, 2017, p.
173). Nesse sentido, certas palavras ou organizações sintáticas utilizadas em
contextos específicos podem chegar a ser incorporados ao sistema da língua ou
sofrer mudanças dentro dele. Cunha (2017) cita o exemplo do verbo “querer”, que
passou a ser utilizado como conjunção em algumas situações comunicativas, por
exemplo, na formação “quer você vá, quer você não vá, o importante é que eu
vou”. Atualmente, esse significado da palavra “querer” já é admitido dentro da
gramática da língua.

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Figura 5 - O sistema linguístico tem caráter adaptativo. Fonte: TypoArt BS, Shutterstock, 2018.

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O processo de gramaticalização é diacrônico, ou seja, acontece gradativamente ao


longo dos anos, de modo que não percebemos. O que leva uma forma não
gramatical a ser incorporada à gramática ou sua variação gramatical é a
frequência com que é utilizada pelos falantes da língua.

VOCÊ QUER LER?


O livro “Introdução à gramaticalização”, de Sebastião Carlos Leite Gonçalves (2007), aborda a questão
da variação do sistema linguístico, devido a sua constante necessidade de renovação. Inicialmente, o
autor apresenta a teoria do processo de gramaticalização para depois demonstrar a ocorrência desse
fenômeno no português do Brasil.

3.3 Sociolinguística
A sociolinguística, como o próprio nome sugere, tem como premissa a relação
entre a estrutura da língua e os aspectos sociais e culturais dos falantes. Assim
como o funcionalismo, os estudos sociolinguísticos também analisam a língua a
partir de textos realmente proferidos em situação real de comunicação, com
método objetivo e sustentando a tese de que a língua não é autônoma, ou seja,
deve ser estudada de forma interdependente em relação aos fatores
extralinguísticos que interferem diretamente no sistema linguístico.
Foi nos estudos da sociolinguística que surgiu o termo variação linguística, pois
foram percebidas variações sistemáticas, ou seja, motivadas por fatores sociais ou
culturais específicos em determinadas situações, como o uso de gírias entre os
jovens. Por isso, a sociolinguística também é conhecida como teoria da variação.
A sociolinguística, enquanto ramo da linguística que estuda sua relação com os
fatores sociais inerentes à comunicação humana, situou seus estudos na variação
da língua em função de fatores extralinguísticos, como contexto, faixa etária,
classe social e escolaridade.

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Figura 6 - A língua é um importante recurso na comunicação digital, principalmente por meio de


redes sociais. Fonte: Ivelin Radkov, Shutterstock, 2018.

Segundo Cezario e Votre (2017), o precursor dos estudos sociolinguísticos foi o


linguista William Labov, a partir da década de 1960, nos EUA.  Desde então, muitos
estudiosos têm se interessado por esse tema, dada sua relevância não somente no
campo da linguagem, mas da sociedade como um todo. Neste tópico, serão
apresentados alguns conceitos importantes para a sociolinguística, bem como um
breve panorama histórico de surgimento dos estudos e pesquisas no âmbito da
sociolinguística.

3.3.1 Sociedade e linguagem


Todo indivíduo encontra-se inserido em uma comunidade de fala, e compartilha
com outros membros dessa comunidade alguns traços como religião, trabalho,
lazer, faixa etária, escolaridade, profissão e sexo, formando, assim, grupos
menores dentro da comunidade maior.

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Figura 7 - Dentro de uma mesma comunidade de fala, são formados grupos linguísticos, cada qual
com suas formas distintas de dizer o mesmo. Fonte: A1Stock, Shutterstock, 2018.

Cada um desses grupos possui formas distintas de dizer a mesma coisa, o que é
chamado de variação linguística. Cada uma dessas formas é chamada de variante.
Essa variação pode ser de ordem fonológica, morfológica, sintática, lexical (de
vocabulário) e motivada por fatores linguísticos ou não linguísticos (contexto,
classe social, sexo, faixa etária). Além disso, uma variante pode ser mais utilizada
do que a outra, sendo considerada padrão, enquanto a outra é não padrão.
Um exemplo da relação entre linguagem e sociedade é apresentado por Cezario e
Votre (2017, p. 151): existe alternância de utilização dos fonemas /l/ e /r/ nos
encontros consonantais do português, como em “claro / craro”, “bicicleta /
bicicreta”. Ainda de acordo com Cezario e Votre (2017), pesquisas de Mollica e
Paiva (1987) e Cezario (1991) demonstraram que há uma: “[...] variação estável que
caracteriza duas comunidades de fala: a forma não padrão /r/ é usada pelos

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falantes das classes menos favorecidas e com baixo grau de escolaridade. A outra
forma, canônica, é usada pelo grupo mais escolarizado.” (CEZARIO; VOTRE, 2017,
p. 151).
Além disso, é possível verificar uma variação entre a linguagem utilizada por
homens e mulheres em diversas sociedades. Em algumas comunidades da África,
as mulheres são proibidas de pronunciar o nome do sogro, dos irmãos dele e de
seu próprio genro. Também devem evitar palavras da língua que sejam
semelhantes aos nomes deles. Nesse caso, há palavras que somente os homens
podem falar, devido a fatores culturais. No português, também há variação
linguística em função do sexo: é comum, no Brasil, um homem dizer: “esta é minha
mulher”, mas não é comum ouvir uma mulher dizer: “este é o meu homem”, pois
em alguns contextos essa frase pode ser considerada vulgar (CEZARIO; VOTRE,
2017).
É válido lembrar que não cabe ao analista da linguagem julgar se as formas são
corretas ou erradas, pois o sociolinguista busca, na verdade, descrever as
variações da língua e explicá-las por meio de hipóteses baseadas nas informações
não linguísticas de que possa dispor.

3.3.2 O advento da sociolinguística


Segundo Cezario e Votre (2017), o termo sociolinguística foi utilizado para primeira
vez na década de 1950, mas a partir dos estudos de Labov, na década de 1960,
esse ramo da linguística, de fato, se desenvolveu. A sociolinguística é fruto da
insatisfação de muitos linguistas em relação ao estruturalismo e ao gerativismo,
que desconsideravam os usos reais da linguagem influenciados por fatores sociais
e culturais pertencentes às comunidades de fala, considerando o uso da língua um
caos que impossibilitaria seu estudo.
A sociolinguística possui interface com outras disciplinas, como a sociologia, a
antropologia, entre outras. Além disso, é possível perceber que há uma interação
entre a sociolinguística e o funcionalismo. Como o funcionalismo também
trabalha com enunciados realmente proferidos em situações reais de fala, muitos
grupos funcionalistas utilizam o aparato teórico-metodológico da sociolinguística
para coletar seu corpus e analisar os dados (conforme você estudou no tópico 3.2,
sobre o corpus Grupo Discurso & Gramática). Em contrapartida, algumas
explicações sobre a variação linguística são realizadas através de conceitos
funcionalistas.

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A pesquisa sociolinguística parte da coleta de dados, por meio da gravação da fala


de um número considerável de informantes, para posterior análise. A intenção é
que o informante não se preocupe muito com a forma como vai manifestar suas
ideias, ou seja, que a fala seja mais espontânea possível. Assim, pede-se que ele
faça um relato de uma experiência pessoal, para que vá, aos poucos se envolvendo
com a narração, e não monitore sua forma de falar.
As regularidades encontradas na fala de indivíduos do mesmo grupo linguístico
revelam as características linguísticas de cada região geográfica, de cada classe
social, de cada contexto de comunicação (mais ou menos formal), de cada faixa
etária, entre outros fatores sociais verificáveis.
Meillet (1926, apud CEZARIO; VOTRE, 2017), muitos anos antes do advento da
sociolinguística, já dizia que não se pode separar a história das línguas da história
da cultura e da sociedade em que estão inseridas. No tópico seguinte, você
conhecerá os aspectos sociais que influenciam na variação linguística e alguns
exemplos pertinentes para cada um deles. 

3.4 Mudanças e variedades linguísticas


Ao longo dos muitos trabalhos no âmbito da sociolinguística, tem-se percebido
que as variações linguísticas podem gerar mudanças no sistema linguístico, com o
desaparecimento de algumas formas e aparecimento de outras. É o caso, por
exemplo, da forma de tratamento “vossa mercê”, que após passar por sucessivas
variações, caiu em desuso, dando lugar à forma “você”, como é utilizada hoje.
Essa percepção só é possível após sucessivas análises dessas formas em períodos
diferentes, a fim de perceber as possíveis mudanças pelas quais a língua possa
estar passando.Em um estudo sincrônico, ou seja, em um determinado espaço de
tempo, é possível encontrar muitas variantes, muitas formas de expressar o
mesmo conteúdo, a depender da situação.
É o caso das variantes relativas à primeira pessoa do plural: “nós” e “a gente”. A
partir da constatação da existência das variantes, o analista busca encontrar
regularidades ou explicações para o uso de cada uma delas. Nessa perspectiva,
“nós” é considerada uma estrutura mais formal, enquanto “a gente” é utilizada em
contextos mais coloquiais. Existem, ainda, as variantes mais estigmatizadas da
combinação dessas formas com o verbo: “nós vai”, “a gente vamos”, geralmente
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utilizadas por pessoas de classe social baixa e baixo nível de escolaridade. No


entanto, também há ocorrências de utilização dessas variantes por pessoas de
escolaridade mais alta, em contextos bem informais e/ou com interlocutores de
baixa escolaridade e classe social desfavorecida. Na sequência, você identificará
os detalhes de cada um dos aspectos que levam à variação linguística.

3.4.1 Aspectos de variação da língua


O sociolinguista procura as probabilidades de ocorrência de determinada variante
em grupos divididos por sexo, idade, escolaridade, etnia, nível socioeconômico e
contexto comunicativo, entre outros aspectos que lhe pareçam relevantes na
análise do seu corpus.
Em relação ao nível socioeconômico e à escolaridade, por exemplo, verifica-se que
as pessoas analfabetas costumam proferir frases como: “As casa foi pintada”,
marcando o plural somente no primeiro elemento, enquanto pessoas com nível
superior geralmente marcam o plural em todas as palavras: “As casas foram
pintadas”, o que não quer dizer que em um contexto informal, uma pessoa com
nível universitário não se expresse da primeira forma, já que não vê necessidade
de ser formal se for compreendido por seu interlocutor (CEZARIO; VOTRE, 2017, p.
143).
Em relação à regionalidade, não podemos esquecer que residimos num país muito
extenso que, habitado por povos indígenas, passou pelos processos de
colonização (por portugueses e espanhóis), de chegada de africanos no período de
escravidão e de imigração (de italianos, alemães e judeus, entre outros). Essa
mistura de etnias propiciou a formação de múltiplos sotaques e dialetos no país.
Podemos citar as diferentes pronúncias do fonema /r/ em palavras como cantar e
comer pelo Brasil: no Sul, a pronúncia é vibrante; no interior de estados como São
Paulo, o /r/ é retroflexo (com a língua dobrada para trás) e no Nordeste, o som do
/r/ no final dos verbos é omitido.

VOCÊ SABIA?
O português brasileiro difere bastante do português de Portugal, desde a forma
como as palavras são escritas e pronunciadas, até a estrutura sintática e as
variações de significado. Isso ocorreu devido ao processo de interação entre o

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português trazido pelos colonizadores, a língua nativa e as várias outras que


chegaram ao país pelos processos de imigração.

Em relação ao contexto comunicativo, consideramos que cada pessoa possui (ou


deveria possuir) um repertório linguístico variado, do qual lança mão dependendo
de cada situação. Um grande empresário certamente se expressa de formas
distintas quando conversa com seus fornecedores e clientes, quando conversa
com um familiar ao telefone, quando apresenta os resultados de sua empresa a
um grupo de financiadores ou quando combina um jogo de futebol com os
amigos. O léxico e a sintaxe utilizados, de fato, serão alterados em cada um desses
casos.
Em síntese, os processos de variação ocorrem de três formas principais, segundo
Cezario e Votre (2017):
Variação regional: relativa à origem geográfica dos falantes (cidades,
estados, regiões do país). É o caso das palavras mandioca, macaxeira e aipim,
ditas em diferentes partes do país para se referir ao mesmo alimento. É
possível, também, perceber uma variação entre o português de Portugal e
do Brasil. Enquanto no Brasil dizemos “estou ligando para você”, em
Portugal se diz “estou a ligar para você”.
Variação social: relativa a grupos socioeconômicos, faixa etária,
escolaridade, etnia, profissão, entre outros. Por exemplo, é o caso dos
jargões próprios da área profissional da informática, como log, PC e bug.
Variação de registro: relativa ao grau de formalidade do contexto
situacional, como o ambiente, os interlocutores ou o próprio meio de
comunicação. É o caso da linguagem mais formal utilizada em e-mails
profissionais e menos formal utilizada em salas virtuais de bate-papo (chats)
de entretenimento.

VOCÊ QUER VER?

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O filme Cine Holliúdy mostra, de forma bem-humorada, o dilema vivido por Francisgleydisson em
relação à chegada da TV ao interior cearense, e o desinteresse da população pelo cinema. Apesar de
brasileiro, o filme é legendado, pois os personagens utilizam o dialeto nordestino – “falado em
cearensês”, como avisam os produtores –, e as legendas possibilitam que os diálogos sejam
entendidosnas demais regiões do Brasil. Para assistir, acesse o endereço:
<https://www.youtube.com/watch?v=23bIw2tuV7o (https://www.youtube.com/watch?
v=23bIw2tuV7o)>.

É importante destacar que, normalmente, uma variante pode refletir mais de um


tipo de variação. É o exemplo da utilização de “tu” e “você” como forma de
tratamento. Trata-se de uma variante regional, visto que no Rio Grande do Sul, a
forma “tu” é bastante utilizada, enquanto no Rio de Janeiro as duas formas são
utilizadas com frequência. Do ponto de vista social, é possível perceber que os
jovens preferem utilizar a forma “tu”; os menos escolarizados também. Por fim,
em relação ao registro, a forma “tu” é utilizada em contextos informais.

3.4.2 Preconceito linguístico


Considerando as variações da língua, Bagno (2008, p. 48) afirma que “[...] em toda
língua do mundo existe um fenômeno chamado variação, isto é, nenhuma língua é
falada do mesmo jeito em todos os lugares, assim como nem todas as pessoas
falam a própria língua de modo idêntico”. No entanto, são notáveis as
manifestações de cunho preconceituoso com as variantes da língua menos
prestigiadas.
Na comparação entre o dialeto padrão e o não padrão, este é considerado errado e
inferior em relação ao primeiro, considerado correto e puro. A variedade padrão é
privilegiada no ensino e, segundo alguns professores, deve ser buscada como
meio para se conseguir prestígio social. Mais que isso, muitas vezes, a norma culta
da língua tem sido instrumento de dominação social e humilhação de pessoas que
falam de uma forma específica porque moram vêm de uma determinada região ou
porque não teve oportunidade de estudar (BAGNO, 2008). De fato, é importante e
necessário aprender e estudar a modalidade padrão da língua, visto que ela é
utilizada em situações mais formais, como no mercado de trabalho. No entanto, as
outras variantes não devem ser esquecidas e/ou consideradas inferiores.
Bagno (2008) chama atenção para a importância de se romper esse círculo vicioso
que tem se tornado o preconceito linguístico. A saída, para ele, é ensinar as
crianças a valorizarem todas as modalidades de registro, mostrando que nenhuma
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é melhor, ou pior, do que as outras.

VOCÊ QUER LER?


O livro “Nós cheguemu na escola, e agora? Sociolingüística & educação”, de Stella Maris Bortoni-
Ricardo (2005), é fruto de uma pesquisa sociolinguística realizada no Brasil. É direcionado a professores
de línguas – portuguesa ou estrangeiras –, ou a outros profissionais interessados na relação entre
linguagem e sociedade. 

Diante do exposto, percebemos a relevância dos estudos dos funcionalistas e


sociolinguistas, que consideram os fatores não linguísticos envolvidos na
comunicação humana (tais como os interlocutores, o contexto de comunicação e a
finalidade do que é dito), reconhecendo a capacidade dinâmica e evolutiva da
língua.

Síntese
Ao concluir o estudo sobre funcionalismo e sociolinguística, você já está apto a
perceber as semelhanças e diferenças entre as variações linguísticas, bem como
sua importância a partir pontos de vista distintos sobre o mesmo objeto de
análise: a língua.
Neste capítulo, você teve a oportunidade de:
reconhecer a língua como um instrumento de interação social;
perceber a relação entre forma e função;
compreender as categorias de análise funcionalista: informatividade,
iconicidade, marcação, transitividade e gramaticalização;
entender a relação entre linguagem e sociedade;
compreender que uma língua tem diversas variantes e que não há uma mais
certa ou mais errada.
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