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Identidade, Língua e Cultura - Unidade Nº 4 - Perspectivas Pós-Modernas

Identidade, Língua e
Cultura

Unidade Nº 4 - Perspectivas pós-


modernas

Carolina Berbet
Identidade, Língua e Cultura - Unidade Nº 4 - Perspectivas Pós-Modernas

Introdução
Nas unidades 1, 2 e 3, estudamos sobre os fenômenos da língua, identidade
e cultura e como os processos identitários, linguísticos e culturais tem sofrido
influência da pós modernidade. Exemplificamos causas, consequências, alterações
no modo de viver e de se organizar do ser humano, além da maneira como se porta
perante o mundo e como ele o vê.

Nesta unidade, voltaremos a atenção ao período em que todas as mudanças,


inovações e adaptações têm se manifestado, para entendermos mais
profundamente como as modificações abrangem as mais diversas áreas: linguística,
econômica, social, cultural, etc.

Autores como Zygmunt Bauman, Stuart Hall, Richard Sennett e Tomaz Tadeu
da Silva farão parte do conteúdo desta unidade, com os seus amplos conhecimentos
sobre as alterações pós-modernas e suas manifestações, como a flexibilidade do
capitalismo, as discussões sociológicas sobre termos e conceitos, as perspectivas
culturais, as compressões do espaço e do tempo e os debates identitários.

Bons estudos!

1. “Pós-modernismo” ou “Pós-modernidade”
Nos anos 80, era forte a discussão sobre o conceito de pós-modernismo e
pós-modernidade. Não se chegou a um consenso sobre qual termo deveria ser
utilizado, inclusive há autores que rejeitam ambas as definições.

Há rejeição principalmente por parte de alguns sociólogos, como Anthony


Giddens, que prefere o termo “modernidade radicalizada” e Zygmunt Bauman, que
define os tempos recentes como “modernidade líquida”. Há certa revelação naquilo
que há de apego ou rejeição de um termo.

O pós modernismo surgiu como fase histórica do capitalismo tardio e o reflexo


do seu pensamento e representa uma deterioração de uma oposição política. A
sociologia, que é um campo diversificado, não se alinha facilmente a discursos
polarizados e restritivos, de maneira que busca uma análise mais profunda dos
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diversos fenômenos que ocorrem pelo mundo, o que faz com que afaste de
conceitos limitadores.

1.1. A terminologia

A terminologia busca o uso de ferramentas para propiciar uma descrição


próxima a exatidão e representatividade desejada em certas área do conhecimento.
O estudo desses termos e conceitos pertencentes a certo campo passa também pela
tradução especializada. Neste caso, o tradutor não somente faz a passagem das
palavras de uma língua para a outra, mas também realiza a assimilação e a
correspondência de ideias, buscando alcançar o que seria a “melhor” tradução a ser
feita. É uma pesquisa voltada para a linguística, em métodos e metodologias e na
forma de enxergar a linguagem.

A terminologia e seu trabalho com as variações de significado tem relação com


o contexto, que é necessário para o conhecimento e compreensão, mas que deve
ser analisado diante de toda a sua complexidade. O ser humano, ao estar imerso em
estruturas sociais, políticas, culturais e de poder que exercem certo controle sobre
ele, deve-se atentar ao fato de que todo conceito, compreensão ou conceito deve
ser analisado e problematizado para que ganhe o significado mais exato e
verdadeiro.

Para Bauman, a reflexão sobre o contexto é extremamente necessária para


uma análise crítica das narrativas das pesquisas etnográficas, que são aquelas que
buscam estudar sobre as etnias e seus costumes e terminologias. O autor afirma que
existem diversas condições externas ao discurso e que a noção de um contexto
determinado leva uma falsa objetividade e realidade, já que os contextos podem ser
inúmeros.

Os textos podem ser constantemente descontextualizados, entextualizados e


recontextualizados, ao depender da dinâmica ocorrente entre os participantes de
uma interação. Dessa forma, não existe um contexto fixo e os processos tradutórios
e terminológicos devem analisar todos os aspectos sociais, culturais, políticos e de
poder, capazes de influenciar na construção dos textos. É preciso que o pesquisador
entenda que são diversas as variáveis que influenciam em um discurso ou um texto,
repletas de influências sociais, culturais, identitárias e até mesmo linguística, já que
em muitas traduções é feita uma apropriação dos termos na cultura local, a qual é
carregada de outros significados e histórias próprios, decorrentes da construção
identitária localista.
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Bauman afirma que realiza um papel de tradutor, pois busca traduzir o mundo
em textos, sem limitar os fenômenos existentes, mas buscando estudar a vida
humana como fundamentalmente abrangente, diversificada e impossível de ser
apreendida por apenas uma classificação ou terminologia. Acredita em uma
sociologia sem limites definidos.

1.2. A sociologia e o “pós-modernismo” ou “pós-modernidade”

A partir dos movimentos sociais e culturais dos anos 60, muitas perspectivas
teóricas hegemônicas foram modificadas, a partir da presença das perspectivas
críticas proporcionada pelos estudos das ciências sociais, desde a origem do
marxismo. Dessa forma, os sociólogos passaram a estudar e formular
caracterizações das sociedades, de suas rupturas e continuidades, o que permitia as
classificações das épocas como “pós industrialismo” e “sociedade tecnocrática”.

Já nos anos 80, com apoio das perspectivas surgidas em diversas áreas do
conhecimento, a discussão foi mudando de foco. Os grandes movimentos de
protestos haviam passado e a sociedade parecia estar estabilizada. Nesse momento,
o conceito de modernidade tomou força e, assim como ele, o de pós-modernidade.
A pós-modernidade vem como um desafio para os sociólogos, devido às constantes
mudanças e transformações, como a transferência da sociedade da produção para
a sociedade do consumo; o mundo após a queda do muro de Berlim; e as sociedades
com culturas definidas para sociedades que possibilitam múltiplas identidades.

Bauman realiza um amplo estudo sobre a situação pós moderna e suas crises
sociais, culturais e políticas. Para ele, a modernidade surgiu inicialmente como uma
época de hierarquia, dotada de padrões normativos e de certo controle sobre a
natureza e a condição humana. Após os movimentos de ruptura, como a queda do
Antigo Regime, é perceptível uma nova reflexão sobre a estrutura e a ordem. Os
novos poderes buscam definir os rumos da sociedade, planejando racionalmente,
buscando evitar a ocorrência do caos e todos os perigos que podem ameaçar a
estabilidade social. Entretanto, o que advém é uma busca por maior liberdade
individual, que culmina em uma sociedade com muitas incertezas e sem rumos fixos,
de maneira que não há o controle desejado e as possibilidades de organização da
vida humana são inúmeras, além das múltiplas identidades culturais.
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Bauman aborda também a relação existente entre sociologia e pós-


modernidade, já que há uma grande preocupação pós-moderna pela construção dos
discursos ou narrativas. O autor ressalta sobre o papel dos intelectuais, que nos
estados-nações modernos, precisavam produzir discurso que legitimassem os
projetos desejados, buscando disciplinar as sociedades existentes. Entretanto, na
pós-modernidade, as novas formas de controle social, como a sedução causada pelo
capitalismo exacerbado, não necessita de legitimação como antes. Dessa forma,
diversos intelectuais deixam de ser essenciais para o mantimento de uma certa
cultura e forma de viver dos indivíduos e passam a atuar como intérpretes dos
fenômenos e não mais legisladores da sociedade.

Para Bauman, a aceleração do processo de emancipação de capital do


trabalho, ou o capitalismo exacerbado, engaja os indivíduos em uma condição de
consumidores e desenvolve-se um novo esquema de dominação e integração
baseada em opostos entre sedução e repressão.A sedução se baseia na
dependência das pessoas em relação ao mercado e uma tentativa de alcance da
felicidade por meio do consumo. Já a repressão se envolve com uma penetração
crescente do mercado na esfera privada, que cada vez mais tem criado meios para
obter informações pessoais e para adentrar nesses gostos e preferências. A
interferência na esfera particular pode ser fortemente rejeitada pelos indivíduos pós-
modernos, que admiram a falta de controle e a ampla existência de liberdade.

2. O fenômeno espaço-tempo na pós-modernidade


Apesar de alguns estudos considerarem o tempo e o espaço como dimensões
separadas, uma fornece sentido a existência da outra, já que o tempo só existe
porque pode ser materializado no espaço e espaço só existe porque se encontra na
dinâmica do tempo.

O avanço das telecomunicações, das tecnologias de informação e audiovisual


promovem um mundo integrado. Além disso, fazem parte da construção de um
mundo que não é baseado no capitalismo industrial, mas no capitalismo
informacional, fomentado pela existência de diversos modelos de trabalho, de uma
forte difusão cultural e da interdependência entre diversas zonas do planeta.

Sendo assim, o espaço se move de acordo com o tempo e o tempo é a causa


para o espaço e a condição, já que não existe o tempo real sem o espaço geográfico.
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Os espaços urbanizados se tornaram centros geográficos integrados às redes


mundiais.

2.1. A experiência do espaço e do tempo

Espaço e tempo são conceitos importantes para a fundamentação do


pensamento e são fenômenos necessários para a compreensão do mundo. As
conquistas advindas das ciências e dos avanços tecnológicos trouxeram uma nova
reflexão acerca do lugar onde se vive e do momento vivido. As informações são
processadas com extrema rapidez, de maneira que a comunicação de um fato em
um local do mundo chega em milésimos de segundos a um local oposto. Devido a
esse fenômeno, o indivíduo se vê com uma ampla acesso aos dados e com certa
dificuldade de administrar tanto conhecimento.

A concepção de espaço e tempo existe desde a tradição judaica, a qual


acredita em um processo de emancipação e salvação do homem, que ocorrerá em
tempo e espaço determinados, a partir das atitudes do povo eleito por Deus. A
crença judaica, assim como muitas crenças antigas, acreditam em uma concepção
circular do tempo, a qual reflete até hoje em nossos calendários, que possuem
características repetitivas, que evidenciam o início e o fim de uma semana, mês ou
ano, assim como marcam a convicção de um eterno recomeço da vida.

Bauman, ao abordar sobre “tempo e espaço”, exemplifica utilizando o projeto


do arquiteto inglês George Hazeldon, que projetou uma cidade planejada chamada
de Heritage Park. Este projeto baseava em uma fortaleza, em que foi construído
barreiras contras ataques externos, como assaltos e vandalismos, mas que sufocava
internamente a sociedade que a habitava. Sendo assim, apesar da ideia da criação
de uma sociedade perfeita, repleta de harmonia, ocorre a repressão dos próprios
habitantes e não apenas de situações indesejadas.

Bauman acredita que o que garante uma convivência com o mínimo de


harmonia é necessário civilidade, por meio de um ambiente civil que é promovido
por espaços públicos. Entretanto, os espaços públicos são cada vez menos civis. Para
exemplificar, cita uma praça em Paris, onde os espaços são resguardados e não há
maneira para que os pedestres sentem-se nos bancos e interajam entre si, fazendo
com que o local não se apresente como convidativo e propício às relações sociais.

Outra abordagem do sociólogo remete aos locais frequentados pelos


indivíduos para o consumo, como shoppings, cafés, restaurantes. O objetivo da ida
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dos sujeitos a estes locais não consiste em interação social, de maneira que não
buscam a comunicação com os demais sujeitos, mas a realização de compras e a
busca por experiências individuais.

Bauman menciona também sobre a espécie dos não-lugares, que são aqueles
locais que não evidenciam nenhum tipo de interação entre os indivíduos, de maneira
que anulam os contatos, como as esperas que ocorrem nos aeroportos, os pontos
em que os sujeitos aguardam os transportes públicos, as experiências dentro destes
meios de locomoção e também os quartos de hotéis.

Por fim, Bauman ressalta sobre a existência de espaços vazios, que podem se
dividir em dois tipos: os bairros pobres, cortiços e moradias improvisadas, que
seriam espécies de restos arquitetônicos e os que são criados a partir das própria
estrutura cognitiva dos indivíduos. Dessa forma, as quatro categorias apresentadas
seriam locais marcados pela falta de interação entre as pessoas.

Com relação ao tempo, o autor acredita que a modernidade realizou a


consolidação da história do tempo, já que, através das técnicas e tecnologias criadas
e proporcionadas pelo homem, ocorreu a modificação da relação entre sujeito e
tempo. Bauman exemplifica por meio da ocorrência da inovação nos meios de
transportes, capazes de realizar o encurtamento das distâncias, do envio de
correspondências, produtos e informações.

O sociológico acredita que o tempo é um elemento capaz de ser manipulado,


encurtado ou corrompido pelo ser humano e acredita que há uma certa dominação
do tempo. Essa dominação se daria pela existência, por exemplo, da previsibilidade.
Para o autor, o tempo é instantâneo e se torna imprevisível, porém quando o
indivíduo consegue prevê-lo, possui o seu domínio. Bauman explica que devido aos
dominados não aproveitarem a instantaneidade do tempo, acabam presos dentro
de suas próprias limitações, sejam elas tecnológicas, financeiras, geográficas, etc.

2.2. Vida online e vida offline

Zygmunt Bauman afirma que atualmente os indivíduos vivem em dois mundos


paralelos e diversos, um é aquele criado pela tecnologia, que seria o online, onde o
sujeito passa horas em frente a uma tela; o outro mundo seria o offline, em que
vivemos a vida considerada normal, que é oposta ao mundo online.
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Para ele, existe uma certa ocorrência de sensação de ausência de conflitos


quando se está perante o mundo online. O autor exemplifica ao dizer que quando
caminhamos na rua, estamos em conexão com diversos outros indivíduos, que
possuem outras cores, religiões, culturas, idiomas, costumes e gostos, e não há como
fugir dessa diversidade, entretanto, quando estamos imersos no mundo online,
podemos evitar o contato com o diferente, podemos controlar e decidir como será
a nossa interação. É como se fosse possível evitar e “apagar” certas situações ruins
ou sentimentos desagradáveis.

Os avanços da tecnologia e da comunicação tem gerado um forte processo


de liquidez na vida humana. O alto uso da vida online tem feito com que o indivíduo
se distancie da arte do diálogo, se torne cada vez mais disperso e com capacidade
de escuta e de compreensão reduzida, enfraquecendo a interação pessoal, que se
configura como a principal forma de se comunicar no mundo offline.

Bauman ressalta também que, além da sociabilidade estar vinculada ao


online, as relações de trabalho também sofreram alterações. Antigamente, os locais
de trabalho geravam estabilidade, permitindo uma interação mais duradoura entre
os indivíduos que trabalhavam no mesmo local, já na atualidade, as novas formas de
trabalho se mostram instáveis, flutuantes e com contratos breves, fazendo com que
o indivíduo mude constantemente de emprego e enfraqueça as relações
profissionais.

3. A flexibilidade do capitalismo
Richard Sennett, sociólogo e historiador norte-americano aborda sobre o
capitalismo flexível. Para o autor, o capitalismo vive um novo momento, marcado por
flexibilidade, atacando as formas rígidas e burocráticas e permitindo uma nova rotina
e significação do trabalho, além da ansiedade causada nos profissionais, que não
sabem os riscos que correm e onde irão chegar.

O sociólogo aborda que o trabalhador fordista, que possui um trabalho


burocratizado e rotinizado, constrói uma história caracterizada pelo uso do tempo,
da disciplina e de planos a longo prazo. Entretanto, o trabalho flexibilizado, presente
no novo capitalismo, possui relações de trabalho e de afinidade que não se baseiam
no longo prazo, de forma que há a ocorrência de incertezas e de constantes
mudanças, que dificultam as relações sociais, sejam elas com vizinhos, amigos ou
familiares.
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Sendo assim, Sennett acredita que há uma mudança no comportamento


humano, devido ao novo paradigma profissional, social e cultural em que se encontra
e que isso pode gerar a uma certa corrosão do caráter, já que não há a formação de
uma narrativa linear de vida, sustentada por experiências vividas pelos sujeitos.

Figura 1 - Richard Sennett. Fonte: The Guardian.

3.1. A corrosão do caráter no novo capitalismo

Para Richard, a sociedade atual está em contínua revolta contra o trabalho


feito de maneira taylorista/fordista, com a existência de uma rotina e busca
solucionar essa questão por meio da reestruturação do tempo, com a formação e
consolidação de instituições mais flexíveis, dotadas de novas formas de poder e de
controle. Estas novas maneiras institucionais de manifestação revelam uma
constante reinvenção da própria instituição, buscando romper com o passado
burocrático e construir um presente baseado na especialização flexível, onde
empresas concorrem e cooperam mutuamente, buscam nichos de mercado em que
ficarão fixadas por períodos temporários, encurtam a vida útil de produtos,
máquinas e serviços, geram uma descentralização de poder e até mesmo a mudança
das formas de controle sobre o funcionário.

A constante flexibilização do tempo exigiu certa flexibilização do caráter do


indivíduo, que deve se portar sem apego temporal e com certa adaptação a
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fragmentação e mutabilidade. Com as novas tecnologias, o trabalho tornou-se fácil e


ilegível, onde os trabalhadores se encontram repletos de incertezas, já que há a
imposição de que o indivíduo deve correr riscos e coloca em constante prova o seu
caráter pessoal.

Os novos modelos de trabalho valorizam a capacidade imediata, sem se


importar muito com a experiência e a história desenvolvida pelo sujeito, o que é
facilmente perceptível diante da preferência de trabalhadores mais jovens, que se
portam de maneira mais flexível. Os riscos diários proporcionam um sentimento de
esvaziamento no ser humano e podem trazer sentimentos desnorteantes, já que a
própria ética é contestada e tem se fundamentado no trabalho em equipe, de
maneira que os trabalhadores devem ser polivalentes e adaptáveis para que saibam
lidar com as constantes mudanças e com a ampla gama de informações, dos mais
diferentes tipos.

O sociólogo ressalta ser paradoxal a situação em que vivemos, pois o novo


sistema de dominação se constitui na disseminação da liberdade e um dos exemplos
centrais é a flexibilização do tempo. Atualmente, os controles do tempo mudaram,
de maneira que há planejamento flexível das jornadas e até mesmo trabalho virtual,
constituindo novas maneiras de monitoramento. Sendo assim, a nova organização
do trabalho abandona a rigidez do formalismo e da burocracia, mas recria a
dominação e alienação do trabalhador.

Richard exemplifica seu posicionamento, ao dizer que, em atividades


operacionais, a automação está reinventando a superespecialização taylorista, já que
em certas situações, basta o indivíduo saber em qual botão deve clicar para que tal
atividade aconteça, tornando-se cada vez mais indiferente em relação ao trabalho. Já
no campo gerencial, os executivos devem mostrar diariamente as suas
competências, em profundo estado de vulnerabilidade, em que todos os dias devem
mostrar o seu valor e as suas capacidades imediatas, exibindo-se de maneira
favorável aos riscos, instabilidade e flexibilidade.

Sennett ressalta que, apesar do trabalho estar rompendo com a rotina e a


burocracia, ainda possui fortes traços fordistas, que têm precarizado as relações de
trabalho. Para ele, o trabalho em equipe contribui para a formação de um sujeito
irônico, sem referência de autoridade e responsabilidade, o qual vive em um tempo
flexível. Tudo isso tem influenciado para a constante ocorrência do fracasso, que se
configura em um grande tabu moderno, mas que atinge todas as pessoas.
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O fracasso é um fenômeno social de difícil trato para o indivíduo e que muitas


vezes se apresenta de maneira confusa, necessitando de ajuda coletiva, do
compartilhamento de informações para que seja sanado e superado. Dessa forma,
um senso amplo de comunidade e de caráter se fazem necessários.

Outro grande problema atual, segundo Sennett, é a superficialidade das


relações sociais, de maneira que as pessoas não se sentem mais importantes e
necessárias, pois são de fácil descartes e os laços de lealdade e confiança se
afrouxam devido ao alto número de experiências a curto prazo. Como não há
narrativa e experiências partilhadas com os outros, o caráter humano se corrói.

O sistema capitalista atual valoriza o volúvel, flexível, mutável, o individualismo,


de maneira que o “nós”, muitas vezes é visto como um perigo remetente a
organizações sindicais e sociais que possam ameaçar o andamento do capitalismo.
Essa corrosão do caráter, pela falta de acúmulo de experiências profundas e
duradouras, além da escassez de relações sociais, culminam em questionamentos
realizados pelos seres humanos, resumidos em uma pergunta: “quem precisa de
mim?”.

4. Perspectivas Culturais
Stuart Hall afirma que, por meio das histórias repassadas de geração a
geração, há a criação de uma imagem nacional que se envolve com a imagem pessoal
do indivíduo que participa dessa cultura.

Há a formação de novas identidades, evidenciadas pelas diferenças existentes


entre os seres humanos. Para Hall, as culturas, que agregam a formação das
identidades nacionais, são construídas por meio de diferenças e características
imaginadas.

A concepção da existência de culturas nacionais, como já vimos em outras


unidades, tem perdido força, devido às transformações conceituais existentes na
estrutura da vida do sujeito pós-moderno, trazidas através da globalização, que
modifica a ideia de espaço e tempo, influencia nas trocas culturais, comerciais,
políticas e sociais e reduzem o sentimento de pertencimento das pessoas. No pós-
modernismo, as identidades globalizadas reúnem culturas múltiplas e até mesmo
antagônicas.
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4.1. Identidade e diferença

A construção do conceito de identidade em Hall tem conexão com a ideia de


diferença. Para o autor, a identidade é construída e consolidada por meio daquilo
que reconhecemos como próprio da nossa identidade e daquilo que
compreendemos como próprio na identidade do outro. Tudo o que se apresenta
como desigual, estranho, avesso, contrário, corrobora os elementos constitutivos da
identidade em questão.

É preciso que o ser humano conheça, compreenda, interaja com a forma de


ser e de viver de um outro indivíduo, para que perceba as características existentes
em sua forma de ser e de viver. Por meio das diferenças existentes é que as
identidades são percebidas e construídas, de maneira que os fenômenos identitários
são resultantes de contradições.

Além de serem interdependentes, identidade e diferença são resultantes de


criações linguísticas, pois não são elementos da natureza que foram revelados ou
descobertos, mas são ativamentes produzidas. São criaturas de um mundo social e
cultural, já que são criadas e produzidas nos contextos das relações socioculturais,
por meio dos atos de criação linguística. As identidades são nomeadas, descritas,
exemplificadas e se constituem ao se diferenciar de outras identidades que também
foram nomeadas, descritas e exemplificadas, mas sob outro espectro.

Para Hall, a reflexão da identidade vai muito além da definição de conceitos,


mas envolve a ampla compreensão de fenômenos, inclusive aqueles que buscam a
dominação por meio da linguagem. Ele acredita que, por meio do uso linguístico, as
palavras podem se constituir de diferentes significados, não se tratando do sentido
essencial, mas da forma como influenciam a nossa forma de pensar e de enxergar a
nós e as outros. É por meio da interação, com o uso da língua, que o indivíduo
percebe as diferenças existentes e consegue reconhecer e fazer reconhecida a
existência de diferentes identidades e culturas. A linguagem, conforme já
abordamos, é parte da cultura e também é o principal meio de construção,
compreensão e difusão dos valores, pensamentos, tradições e costumes existentes,
sendo objeto constitutivo das identidades.

O sociólogo acredita que o conceito de identificação é extremamente amplo,


flexível e volátil, pois trata-se de um objeto fundado na fantasia, na projeção, na
idealização, de maneira que as identidades são comparadas, forjadas na exclusão e
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por meio de um processo não -natural fazem com que as pessoas aceitem as
identidades que lhes foram designadas.

Hall aborda também sobre a sensação de pertencimento gerada pelo


reconhecimento de uma identidade por meio dos indivíduos. Há elementos
simbólicos e culturais que são formados e exaltados em discursos identitários que
compõem as identidades nacionais. Para ele, a ideia de uma nação com uma
identidade composta por tradições antigas nem sempre é verdade, pois muitos
costumes se formaram no tempo recente.

Stuart expõe também a questão da migração constante na realidade pós-


moderna, de forma que os indivíduos possuem constante contato com realidades
culturais diferentes e tornam-se cada vez mais híbridos, compostos por diversas
culturas. Dessa maneira, as diferenciações, que eram tão importantes no momento
de criação e reconhecimento das identidades, perdem a importância, já que as
diferenças são comuns e as identidades não buscam mais se afirmar por meio das
suas contradições, entretanto, harmonizam a existência de características diversas e
permitem que os sujeitos se apropriem de múltiplas culturas e possuam múltiplas
identidades.

O autor acredita que a identidade, atualmente, tem ficado em segundo plano,


já que as diferenças também não assumem locais de ampla importância e, por isso,
as identidades são ressignificadas e assumem uma certa descentralidade.

4.2. A identidade e a diferença no âmbito pedagógico

A identidade é constituída por símbolos relativos a outras identidades,


capazes de exemplificar a sua consolidação. As identidades nacionais, por exemplo,
se manifestam por meio de símbolos como os uniformes, selos ou bandeira nacional.
Todas essas marcações simbólicas, que servem para fortalecer as identidades
existentes, têm origem em uma série de elementos e condições sociais, históricos,
teóricos, materiais e também psíquicos, necessários para a perpetuação dessas
identidades.

Existe uma “filosofia da diferença”, a qual justifica a ideia clássica de


representação, por meio da explicação da conexão entre identidade e diferença.
Segundo essa teoria, a representação é um sistema de significação, sem qualquer
conotação mentalista, mas como uma estrutura de signos, representada por um
filme, um texto ou uma fotografia. Sendo assim, a representação não tem existência
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no “real” mas é um meio de expressão de um sentido, o qual existe de acordo com


as relações de poder. Os estudos pós-estruturalistas acreditam que a representação
é um sistema linguístico e cultural, que não é determinável, mas que está fortemente
vinculado às relações de poder. Os poderes influenciam na representação e essa se
conecta a identidade e à diferença, de maneira que definem como as identidades e
as diferenças serão reconhecidas. Em suma, os fenômenos de autoridade são
capazes de definir os rumos da significação e do julgamento de uma diferença, de
uma identidade ou de uma representação.

A identidade, assim como a diferença, é resultante de um processo produtivo


com vínculo simbólico e discursivo. A produção da identidade oscila entre processos
que buscam estabilizá-la e processos que tendem a subvertê-la. Os processos
identitários tem uma certa tendência para a fixação, porém encontram entraves, já
que constantemente são influenciados e modificados.

Tomaz Tadeu da Silva, autor de “Identidade e Diferença”, afirma que a


pedagogia que busca teorizar a cultura contemporânea, a qual engloba os
fenômenos de identidade e diferença, não pode se basear apenas na ocorrência da
globalização e dos processos multiculturais para exemplificar a diversidade de
identidades, mas deve também associá-las às relações de poder existentes. Para ele,
a identidade e a diferença se manifestam de acordo com a atribuição de sentidos no
mundo social. O autor defende uma estrutura pedagógica e curricular que
identifique a identidade e a diferença como questões políticas.

Para o autor, era preciso desenvolver uma pedagogia da diferença, em que há


a reflexão de como a diferença é produzida, antes mesmo de ser reconhecida,
tolerada, admitida ou respeitada. Os alunos deveriam estudar esses fenômenos
socioculturais, explorando possibilidades de perturbação, subversão e
transformação das identidades existentes. Silva defende um currículo escolar capaz
de abrir espaço para o reconhecimento do eu e do nós, com o conhecimento do
múltiplo e não só do que é diferente.

A pedagogia deveria, portanto, basear-se em uma problematização da


identidade, buscando compreender o viés político que influencia no reconhecimento
e na definição das identidades e das diferenças existentes, buscando entender a raiz
das definições e das percepções humanas nesse sentido.
Identidade, Língua e Cultura - Unidade Nº 4 - Perspectivas Pós-Modernas

Síntese
Nesta unidade, abordamos os conceitos pós-modernos, visualizando a pós-
modernidades e seus fenômenos de forma mais ampla. Compreendemos que, os
processos pós-modernos influenciam na forma de viver, comunicar e ser do sujeito,
com a ocorrência de certa deterioração social, associada a contaminação do público
pelo privado ou do privado pelo público.

Há grande preocupação com os laços sociais, no trabalho, no âmbito familiar,


nas amizades e vizinhanças. Por meio da desconstrução de formas padronizadas de
relacionamento e de uma perda de possibilidades dialógicas, através da pulverização
das identidades sociais e culturais.

Portanto, aprendemos que:

● Os textos envolvem contextos que não são fixos, mas contemplam diversas
variáveis.

● Os indivíduos, na pós-modernidade, se encaixam como consumidores,


envolvidos em um esquema de sedução e repressão.

● No novo capitalismo, os laços sociais no trabalho são construídos a curto


prazo, pois os trabalhos não são duradouros.

● O espaço e o tempo estão sendo globalizados, de maneira que as distâncias


são encurtadas e o tempo também tem sido visto com maior velocidade,
devido a amplificação das informações.

● As identidades são formadas e reconhecidas por meio da existência das


diferenças, ambas manifestadas pelo uso da linguagem.

As quatro unidades nos permitiram conhecer melhor sobre o nosso entorno, como
as identidades, as culturas, as línguas e as relações sociais foram construídas, são
modificadas e influenciam na nossa maneira de agir e se organizar.
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Bibliografia
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro,


Lamparina, 2014.

HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da


mudança cultural. São Paulo: Loyola, 1996.

SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: consequências pessoais do trabalho


no novo capitalismo. São Paulo, Record, 2009.

SILVA, Tomaz Tadeu da. A produção social da identidade e da diferença. In: ______.
(Org). Identidade e Diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis:
Vozes, 2000.

Referências imagéticas:

Figura 1 - Richard Sennett. Fonte: The Guardian. Disponível em:


https://www.theguardian.com/books/2013/feb/26/society-paperbacks. Acesso em:
20 ago 2019.

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