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RESUMO
Compreender a cultura de um determinado povo ao qual não se pertence não é uma tarefa fácil,
principalmente quando não se detém as ferramentas necessárias para a obtenção desse entendimento.
Várias questões devem ser previamente consideradas, como a noção de relatividade cultural e
principalmente, uma atribuição de imparcialidade por parte de quem observa. Essa tal imparcialidade
exigida pela ética científica é justamente o ponto paradoxal na hora de se estudar cultura, uma vez que
estamos inseridos dentro de uma estrutura cultural e que inevitavelmente já temos nossos princípios
morais estabelecidos. Através da etnolinguística é possível constatar os aspectos culturais através dos
códigos criados pela comunidade em questão, o processo de linguagem construído pela sociedade é o
que lhe define e lhe resguarda enquanto sistema vivo de cultura.
Palavras-chave: Cultura; Etnolinguística; Antropologia; Linguística; Sociolinguística.
ABSTRACT
Understanding the culture of a specific people to which you do not belong is not an easy task, especially
when you do not have the necessary tools to obtain this understanding. Several issues must be considered
beforehand, such as the notion of cultural relativity and mainly, an attribution of impartiality on the part
of those who observe it. This impartiality required by scientific ethics is precisely the paradoxical point
when studying culture, since we are inserted within a cultural structure and that inevitably we already
have our moral principles established. Through ethnolinguistics it is possible to verify cultural aspects
through the codes created by the community in question, the language process built by society is what
defines and protects it as a living system of culture.
Keywords: Culture; Ethnolinguistic; Anthropology; Linguistic; Sociolinguistic.
*Ensaio apresentado à disciplina de Fundamentos dos Estudos em Teorias Linguísticas, do Programa de Pós-
Graduação em Letras, da Universidade Regional do Cariri, ministrada pelo Prof. Dr. José Marcos Ernesto Santana
de França, no semestre letivo de 2020.2, como pré-requisito para obtenção de nota referente à avaliação final.
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Sociólogo, Registro Profissional: 0000509/CE, Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Regional do
Cariri e aluno do curso de Mestrado em Letras da URCA.
Introdução
Este ensaio trata da relação estreita entre a linguística e outras ciências, especialmente
da ligação direta entre o funcionalismo e a etnolinguística, compreendendo a correlação dos
aspectos antropológicos na construção da interpretação sobre linguagem.
Na teoria sociolinguística, começamos a enxergar alguns parâmetros que servem de
norteamento para a compreensão real dos fatores que influenciam toda a estrutura de linguagem
numa determinada sociedade.
Através desse processo científico da linguística, podemos desenvolver vários conceitos
e configurações para a construção dessas ferramentas de análises. É notório que não podemos
desvincular algumas áreas de outras, muito embora as vezes seja preciso fragmentá-las para que
não haja um choque de interpretações.
É justamente através dessa divisão e da atribuição de autonomia de cada uma, apoiado
na junção posterior que seja coerente com cada ponto que determinada disciplina possa
contribuir que chegamos a um sistema, que por ser tão grandioso teoricamente, corrobora para
um aprofundamento desse estudo.
A motivação desse artigo vem da constatação real da possibilidade de interatividade
dessas disciplinas distintas, mas que podem ser conectadas de uma forma bastante proveitosa
no sentido de ampliação do campo de análise, e assim desenvolver uma profundidade teórica
na pesquisa desses fenômenos linguísticos-antropológicos.
Através de uma gama de pressupostos teóricos dentro da antropologia, tentarei trazer a
base de sustentação que nos ajudará a compreender a interdiscursividade dessas disciplinas e
como elas se relacionam, mostrando suas divergências e convergências que acarretam na defesa
do funcionalismo em contra partida ao estruturalismo.
Formalismo x Funcionalismo
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que, nesse contraste, quem ganha é a ciência, nesse caso a linguística. Apesar dos conflitos, são
esses entraves que desencadeiam as possibilidades de aprofundamento das pesquisas.
Através do Start dado por Ferdinand De Saussure, podemos começar a trabalhar o
estudo da linguagem de uma forma científica e a utilizar ferramentas que contribuem para o
desenvolvimento da análise linguística. O estruturalismo concebeu uma ideia da visão interna
da linguagem, através do seu princípio de que a língua deve ser estudada em si mesma e por si
mesma. Nesse estudo imanente da língua, é notório o abandono da preocupação das questões
extralinguísticas, fazendo com que o foco da análise da estrutura da língua seja observado
apenas dentro dos contextos internos.
Essa forma de pensamento estruturalista entende que a língua é forma (estrutura), e não
substância (a matéria a partir da qual ela se manifesta). Como na analogia do jogo de Xadrez
criada pelo próprio Saussure para explicar a importância da conotação de valor voltada ao
processo de compreensão da relação das peças entre si e como essa relação estabelece a função
de cada uma delas em relação as outras, nos faz entender como funciona a teoria estruturalista.
Desse ponto de partida, podemos desmembrar os elementos de cada uma das teorias
vigentes aqui, o Formalismo e o Funcionalismo, onde a antagonia entre essas duas correntes
nos dará o material necessário para a compreensão dos pontos chave de cada uma, nos ajudando
a elucidar os princípios e ênfases de ambas.
Segundo Dillinger (1991), enquanto o formalismo se refere ao estudo das formas
linguísticas, o funcionalismo se refere ao estudo do significado e do uso dessas formas
linguísticas nas ações comunicativas, ou seja, o formalismo enxerga a língua como um sistema
autônomo e o funcionalismo vê a língua como um sistema não-autônomo e que precisa ser
analisada a partir dos contextos de interação social.
Para alguns formalistas, o funcionalismo é criticado justamente devido a inserção de
uma análise psicológica e sociológica nos seus estudos, portanto ferindo, segundo eles, o
princípio da autonomia em relação as outras ciências. Estudar os fenômenos linguísticos dentro
do próprio sistema da língua é uma maneira de dar cientificidade e autonomia à linguística.
Já os funcionalistas mais radicais, criticam o formalismo por estudarem a língua como
um objeto descontextualizado, desconsiderando os falantes-ouvintes e as circunstâncias nas
quais a língua é usada. Sendo assim, fica difícil desatrelar os fatos sociais ao processo de
comunicação, sendo que essa é a única maneira de relatar os processos históricos que definiram
a estruturação da codificação da língua.
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Segundo afirma Neves (1997, p.39):
O uso concreto da língua é talvez um dos aspectos de convergência entre as duas teorias,
muito embora o formalismo se isole de forma mais radical ao estudo interno, sendo que no
funcionalismo, inevitavelmente serão os contextos sociais que darão “pano pra manga” na hora
de desenvolver um estudo sobre determinado objeto de pesquisa.
O Funcionalismo desde sempre bebeu em fontes com bastante abundância de
conhecimento social e humano, sendo essas características a chave para o desenrolar de sua
teoria, que com o passar do tempo, acabou se aprofundando dentro desse quadro de análise
social, contemplando os princípios das relações interdiscursivas.
Através da Sociolinguística conseguimos aumentar nosso poder de análise, utilizando
ferramentas complementares que ajudam na construção do entendimento sobre as questões
linguísticas. A ideia etimológica, por exemplo, demonstra o contexto em que determinada
palavra foi criada, geralmente atribuída a uma circunstância ou objeto oriundos de uma
interatividade social.
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Segundo Camacho,
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A etnolinguística como ferramenta de análise da linguagem
É inevitável desarticular essa junção do espaço em que vive o indivíduo com as suas
expressões. O mais interessante é tentar entender como as características do ambiente e as
necessidades dos indivíduos dentro do grupo, consolidam determinados meios de comunicação
e afetam diretamente as relações entre esses indivíduos uns com os outros e com o próprio
ambiente construído.
Como afirma Geertz (1978 p. 47)
A antropologia cultural é uma corrente desenvolvida principalmente nos EUA com base
nos trabalhos do antropólogo Franz Boas, e diferente dos outros tipos de antropologia que são,
a antropologia biológica, antropologia pré-histórica, antropologia linguística e antropologia
psicológica, marca a consolidação da antropologia como disciplina autônoma, independente da
Sociologia e abrange produção econômica, relações de parentesco, língua, psicologia, artes,
religião, sistemas de conhecimento, técnicas, organização política e jurídica.
Através da teoria do relativismo cultural, Franz Boas deu início a uma interpretação das
culturas em reação a escola positivista criada por Auguste Comte, na qual o Etnocentrismo era
o definidor das bases teóricas do estudo antropológico, onde a história humana era
compreendida pelo progresso científico da Europa Ocidental e qualquer povo que não estivesse
adequado a essa escala social era considerado inferior.
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É no relativismo cultural em que são excluídos critérios morais sobre certo e errado no
processo de estudo sobre determinada cultura, procurando considerar costumes e tradições
como frutos de uma construção cultural específica, usando esse mesmo viés como vetor para o
entendimento da estabilização dessas estruturas culturais, diferente da ideia do etnocentrismo
sobre os níveis de julgamento e hierarquia das civilizações.
Segundo Franz Boas,
Essa relatividade cultural encontrada através desse método de observação, também nos
ajuda a entender algumas estabilizações de procedimentos dos indivíduos de determinada
cultura que se assemelham com os de outras culturas que não possuem conectividade direta.
Para alguns antropólogos, esse fenômeno pode ser entendido como uma transcendência de
determinadas características humanas que independem das relações sociais, são na verdade
essenciais e geralmente atribuídas a conceitos biológicos, seria uma espécie de compreensão
gerativista do processo cultural, fazendo-se uma analogia.
Porém, a forma mais comum de explicação desses fenômenos é a facilidade humana em
memorizar expressões, que nesse caso estiveram ligadas em algum momento do passado e não
podem ser desarticulada, muito embora pareça estar distante, como é o caso da similaridade das
línguas oriundas do Latim na Europa, onde a distanciação geográfica de acordo com a expansão
demográfica da vazão ao surgimento das variações linguísticas ao ponto da criação de novas
línguas complexas que se estabelecem posteriormente de forma autônoma.
Toda essa interpretação cultural pode ser associada com a linguística que é o ponto
crucial de entendimento dos povos através da sua palavra. A expressividade de cada
comunidade está ligada à sua forma de comunicação e é na língua que podemos observar suas
características mais peculiares, pois é através da codificação linguística, seja ela de forma falada
ou escrita que está a preservação cultural de cada povo.
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Quando uma determinada comunidade linguística faz uso de processos comunicativos
através de um sistema oral, tal manifestação acústico-oral caracteriza o que se pode chamar de
língua. Esse sistema carrega consigo consequências de um processo histórico, cuja dinâmica
pode propiciar mudanças no conjunto lexical que forma o universo linguístico.
A possibilidade do uso de diversos dialetos dentro de uma mesma comunidade nos
mostra a real percepção sobre a variação da língua, embora essa percepção não seja percebida
conscientemente pelo falante, que está envolvido numa diversidade de manifestações que
possibilita uma incessante marca de variação na qual podem ser facilmente apontadas as
variedades dialetais.
Segundo Dick (1998), “A linguagem como fato social põe em destaque ações,
atividades, valores e referenciais do cotidiano do grupo”. Transformando assim a língua através
de geração pelas forças sociais.
Já para Bideman (1978), o complexo universo semântico de uma determinada língua
“[...] se estrutura em dois polos opostos: o indivíduo e a sociedade. Dessa tensão em movimento
se origina o Léxico”.
É nessa análise léxico-semântica que podemos evidenciar a importância da criatividade
lexical de determinada comunidade através das suas expressões, onde podem se originar
neologismos, acréscimos ou junção de palavras que outrora não eram existentes, sendo possível
também, a negação e exclusão de determinadas palavras.
Através desse processo de metamorfose da linguagem, fica claro a possibilidade de se
fazer uma interpretação inversa, de dentro pra fora, ou seja, estudar os aspectos culturais a partir
do estudo da língua de um povo, entendendo que a variação linguística está intrinsicamente
ligada às relações de interpretação dos signos e significados por parte da sociedade.
Conclusão
A cultura é e sempre será o maior legado do coletivo, seja para que possamos deixar as
marcas das nossas características identitárias para as próximas gerações, seja para simplesmente
tentarmos enfiar nossas perspectivas e conceitos em detrimento do outro, na tentativa de
demonstrar a nossa razão social.
Exatamente pela sua complexidade na execução, a cultura também é extremamente
difícil de se compreender do ponto de vista científico, dada à sua natureza mutável e
transformadora. Essa maleabilidade dos aspectos factuais, tanto na sua realidade quanto na
visão do pesquisador, a torna um objeto de pesquisa bastante propício a falhas de interpretação.
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A interdiscursividade e as mesclagens de diferentes áreas do conhecimento, ajudam na
construção de uma análise mais coerente da linguagem. Várias estruturas científicas são
utilizadas no desenvolvimento da pesquisa sobre a linguagem.
A antropologia nesse caso, nos garante uma robustez na hora de compreender os
elementos da expressividade humana, alinhado com a linguística que tenta entender essas
manifestações através da fonética, fonologia, sintaxe, semântica, pragmática e estilística.
O funcionalismo, por sua vez, imbuído da sua forma de análise dentro de um modelo
abstrato aos mecanismos internos da mente, que é responsável pela produção e percepção da
língua, tenta descrever esses usos externos.
Nessa junção entre a linguística e a antropologia, a etnolinguística seria o meio mais
promissor de se conseguir entender todas essas características linguísticas e culturais, ao ponto
de se utilizar uma ciência que seja capaz de nos mostrar elementos internos e externos à língua,
e que são cruciais para compreendermos os porquês de determinada estrutura de linguagem e
sua relação direta com os processos identitários de determinada comunidade.
Referências
SAPIR, Edward. Linguística com ciência: ensaios. Rio de Janeiro: Acadêmica, 1969.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar Editores, (1973) 1978.
BOAS, Franz. Antropologia cultural. Trad. Celso de Castro. – 6ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed., 2010.
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BIDERMAN, M. Tereza. Teoria linguística: linguística quantitativa e computacional. Rio de
Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1978.
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