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Aqui nos referimos a “delas”, “elas”, pois o grupo configura-se na sua totalidade do gênero feminino,
composto por mulheres, com idades e etnias diversas, advindas das cidades adjacentes, que compõem o
Triângulo Mineiro e sul de Goiás.
Nas lembranças mais comuns podemos elencar: as brincadeiras de infância;
vivências recortadas das férias com a família; memórias conceituais da escola, como
espaço de aprendizado; importância negativa o positiva do professor na vida de cada um
e as relações de alegria, tristeza e frustação subjacente a mesma; a infância pobre, mas
feliz2; fatos relacionados a morte de entes queridos, preconceito, violência e
constrangimento relacionados a deficiência e outras temáticas. Todas memórias
permeadas pela comoção de retomar a um passado que não está mais presente, mas que,
certamente vou vivido, e neste caso, escolhido para ser lembrado e ressignificado.
Entretanto, como alerta Bosi (2004) quando lembramos também podemos
apontar o esquecimento, o que não foi dito, as omissões, segundo a autora tais trechos
“desfiados de narrativa são exemplos significativos de como se deu a incidência do fato
histórico cotidiano” (p.18). Dessa maneira, é importante compreender que as
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Aqui vale ressaltar que tal análise refere-se a leitura de memórias das professoras cursitas, muitas delas
ligam a categoria felicidade a infância.
tornar escrita constitui-se um registro da tradição, das lutas, da história daquele povo.
Pode, portanto, tornar-se um documento/monumento elegido por determinado grupo,
comunidade ou sociedade.
“Queimei meu pé quando era pequena. Por isso sempre fui motivo de
dó, pena e espanto por quem não me conhecia. Usava sapatos para
escondê-lo. Tinha um tio que sempre fazia brincadeiras de mal gosto,
dizendo que quando eu fosse casada, meu marido me devolveria por
causa do pé. Durante muito tempo tive vergonha. ” (L.M.F)
Saudades dos jogos de bete na rua, bandeirinha sem minha mãe saber,
apanhava, mas no dia seguinte voltava de novo as brincadeiras,
lembro de meus avós com muito carinho dos passeios na fazenda, das
pescarias com a minha avó e meu avô, a lembrança do rio da Prata
passando no fundo da casa e minha avó falando que não poderia ir lá
sozinha, pois tinha cobra e também para não cair no rio. (M. A. S)
Palavras finais
Ao concluir esse trabalho, que consideramos um ponto de partida para futuros
debates e reflexões, certificamo-nos da singular importância ao se retomar e
ressignificar as memórias de infância de um grupo de professores em formação.
Sobretudo, quando o curso tem como foco primordial lançar um olhar mais aprofundado
acerca da infância. Através desse retorno ao passado foi possível acessar os percursos de
escolhas, valores e conceitos subjacentes a prática docente, envolvendo o ensinar e o
aprender.
Como foi mencionado acima, o tema carece de um prolongamento das reflexões,
pois a memória individual transformada em escrita, permite localizar a memória
coletiva desse grupo de professores. Padrões são apresentados, valores difundidos,
afetos e imagens remontadas, a partir daquilo que se escolhe relembrar. Nem sempre
correspondendo exatamente aquilo que realmente ocorreu, mas como cada um se sentiu
e se viu em determinadas circunstâncias do passado. Há, certamente, uma alienação
voluntária. Ao contrário disso, lembramos para justificar, para endossar, para certificar
algum comportamento ou valor.
Nas diversas memórias compartilhadas é possível localizar conceitos relativos ao
que se deve considerar uma infância saudável e feliz, como a criança deve ser tratada ou
viver. Conceitos que comungam com os direitos a infância que defendemos desde a
Constituição de 1988.
Os traumas, as ausências, os sentimentos de abandono também surgem
contundentemente, a partir de expressões “ah, minha infância não foi lá essas coisas”,
talvez para alguns não seja um tempo bom de lembrar e sim um tempo bom para
esquecer. Certamente, não é essa prerrogativa que desejamos ou queremos.
Todas essas reflexões nos tomam enquanto formadoras de professoras de
educação infantil, remontam ao trabalho incessante que deve continuar sendo feito em
torno da luta em defesa do direito da criança a educação, a família, a uma vida com
qualidade. Bem como, a continuar um trabalho de conscientização e sensibilização em
torno desse período chamado infância que guarda particularidades e subjetividades
diferenciadas. Por fim, lembrar, relembrar, ressignificar o passado, para atuar no
presente e mudar o futuro.
Bibliografia
Ariès, Philippe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Zahar, 1981
Bosi, Eclea. Memória e Sociedade. Lembrança de velhos. São Paulo, Companhia das
letras, 1995.
Bosi, Eclea. O tempo vivo da memória. Ensaios de Psicologia Social. São Paulo, Ateliê
Editorial, 2004.
Freitas, Marcos Cezar de. (org.) História social da infância no Brasil. São Paulo:
Cortez/USF, 1997.
Le Goff, História e Memória. Campinas, Editora da Unicamp, 1990.
Márquez, G. G. (2002). Vivir para contalar. Bogotá: Editorial Norma.