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(…)?

Aqui se faz necessária uma breve indicação de distinções


lingüísticas. O conceito de forma está claramente conectado com o de
estrutura. Nossas expressões lingüísticas são estruturalmente
compostas em dois níveis, (a) o nível da combinação de fonemas para
formar as menores unidades portadoras de significado – palavras e
morfemas – e (b) o da combinação de morfemas para formar sentenças. “Composição
estrutural” quer dizer que a composição é dirigida por regras: as menores unidades não
podem ser arbitrariamente combinadas com outras, mas sim apenas enquanto são
elementos de certas classes. No âmbito de combinação de unidades portadoras de
significado para formar sentenças, existem dois modos possíves de análise: de um lado, o
sintático, que investiga a composição exterior ou “da superfície” das sentenças, em não
toma em consideração nem o significado das sentenças nem o das partes das sentenças.
Com isto, as classes de componentes de sentença não são definidas semanticamente; ao
contrário, elas são determinadas exclusivamente a partir do chamado princípio de
“distribuição”, isto é, a substituibilidade de seus elementos por outros, sendo que a única
condição para isso é que o resultado deve ser também uma sentença. Em contrapartida,
chama-se “semântica” qualquer modo de análise quew diz respeito ao significado das
expressões lingüísticas. Trata-se aqui, ou do significado de vocábulos individuais, ou de
como o significado das sentenças depende do significado de suas partes. Ernst
Tugendhat (1930-2019 vivo).

(…) existe uma possibilidade inexplorada de genuína semântica além dos


limites da linguagem discursiva.
Tanto Russell como Carnap encaram esse “além” lógico, que
Wittgenstein chama de “indizível”, como a esfera de experiência,
emoção, sentir e desejo subjetivos, do qual chegam a nós apenas
sintomas, na forma de fantasias metafísicas e artísticas. Eles relegam o
estudo de tais produtos à psicologia e não à semântica. E aí reside o ponto de minha
divergência radical com eles. (…). Sem dúvida, a poeisa significa mais do que uma
exclamação; há razão para que seja articulada; e a metafísica é mais do que a cantiga com
a qual poderíamos aconchegar ao mundo em atitude confortável. Estamos lidando aqui,
e o que expressam é, com freqüência, altamente intelectual. Apenas, a forma e função de
tais simbolismos não são aquelas investigadas por lógicos, sob o cabeçalho de
“linguagem”. O campo da semântica é mais amplo do que a da linguagem, como certos
filósofos – Schopenhauer, Cassirer, Delacroix, Dewey, Whitehead e alguns outros –
descobriram; mas está bloqueado ára nós pelos dois dogmas fundamentais da
epistemologia atual, que acabamos de discutir. Suzanne Langer (1895-1986).

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Ele promete, e tem, de fato, a intenção de vir, mas depois muda de
idéia e não vem. Ora, isso é um abuso, pois ele levantou certas
expectativas em relação a seu comportamento sem chegar a cumpri-
las. Portanto, é uma inconseqüência.
(…) não nos podemos limitar simplesmente à proposição, quando
queremos explicar o que não está certo, mas devemos levar em
consideração “toda a situação” na qual a expressão lingüística ocorre. John L. Austin
(1911-1960).

Nas linguagens melanésias existem certos instrumentos gramaticais,


usados na flexão de verbos, que expressam, um tanto vagamente, as
relações de tempo, definição e seqüência. (…). Na linguagem
trobriandesa, por exemplo, existe uma partícula adverbial, boge, que,
colocada antes de um verbo modificado, dá-lhe o significado, de
maneira um tanto vaga, ou de um acontecimento pretérito ou de um definido. (…).
Assim, a raiz ma (venha, caminhe para cá), se usada com o pronome prefixado da
terceira pessoa do singular i, tema forma ima e significa (aproximadamente) ele vem.
Com o pronome modificado ay – ou mais enfaticamente, lay – significa ele veio. A
expressão boge ayna ou boge layma pode ser aproximadamente traduzida por ele já
veio, tornando-a o particípio boge mais definida.
(…). Nas gramáticas e interpretações das linguagens melanésias, quase todas
escritas por missionários para fins práticos, as modificações gramaticais de verbos
foram simplesmente determinadas como equivalentes dos tempos verbais indo-
europeus. Quando comecei usando a linguagem trobriandesa no meu trabalho de
campo, ignorava completamente que pudesse haver algumas ciladas em adotar a
gramática nativa pelo seu valor aparente e segui a prática missionária de usar a
inflexão nativa.
Contudo, aprenderia cedo que isso não era correto e aprendi-o mediante um
erro prático (…). Certa vez, (…) estava registrando e fotografando as atividades que
se desenrolavam entre as choupanas quando comelou circulando a notícia, “eles já
chegaram” – boge laymayse. Larguei meu trabalho na aldeia, (…) e corri uns
quatrocentos metros até a praia para ver, para minha mortificação e desapontamento,
as canoas ainda distantes, aproando vagarosamente rumo à praia! (…).
Foi preciso algum tempo e uma apreensão geral muito melhor da linguagem
para que, finalmente, compreendesse a natureza do meu erro e o uso apropriado de

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palavras e formas para exprimir as sutilezas da seqüência temporal. Assim, a raiz ma,
que significa vir, caminhar para cá, não contém o significado coberto pela nossa
palavra chegar. Nem qualquer determinação (…) que nós expressamos por “eles
vieram, eles chegaram”. A forma boge laymayse, que ouvi naquela memorável
manhã, na aldeia lacustre, significa para um nativo “eles já estão vindo para cá” e não
“eles já chegaram aqui”.
A fim de se realizar a definição espacial e temporal que obtemos usando o
pretérito perfeito do indicativo, os nativos recorrem a certas expressões concretas e
específicas. Assim, no caso citado, os aldeões, para comunicar o fato de que as canoas
chegaram, teriam usado a palavra ancorar, fundear. “Eles já ancoraram suas canoas”,
boge aykotasi, teria significado aquilo que eu supus ter sido expresso por boge
laymayse. Quer dizer, neste caso, os nativos usaram uma diferente raiz, em vez de
uma simples modificação gramatical.
(…). A curiosa expressão “remamos em lugar” só pode ser adequadamente
entendida se nos apercebermos de que a palavra remar tem aqui a função, não d
descrever o que a triupulação está fazendo mas, outrossim, de indicar a sua
proximidade imediata da aldeia de destino. Exatamente como no exemplo anterior
(…), também no caso presente a raiz nativa ua, ir para lá, ir naquela direção, não
podia ter sido usada (aproximadamente) no pretérito perfeito do indicativo para
transmitir o significado de “chegaram lá”, mas uma raiz especial que expressa ao ato
concreto de remar é empregada para assinalar as relações espaciais e temporais da
canoa dianteira com as outras. A origem dessas imagens é óbvia. Sempre que os
nativos chegam perto do litoral de uma das aldeias das outras ilhas, eles têm que
arriar a vela e usar os remos, visto que a água é muito profunda, mesmo junto à praia,
e varar a canoa é impossível. Assim, “remar” significa “chegar à aldeia de uma outra
ilha”. Acrescente-se que nesta expressão “remamos em lugar”, as duas palavras
restantes, em e lugar, teriam de ser retraduzidas, numa interpretação livre em nosso
idioma, por perto da aldeia.
Talvez não seja necessário acentuar que tudo o que eu disse nesta seção é
apenas uma ilustração baseada num exemplo concreto dos princípios gerais tão
brilhantemente formulados por Ogden e Richards (…). O que tentei deixar claro pela
análise de um texto lingüístico primitivo é que a linugagem está essencialmente
enraizada na realidade da cultura tribal e dos costumes de um povo, e que não pode
ser explicada sem uma constante referência a esses contextos mais amplos da
expressão verbal. Bronislaw Malinowski (1884-1942).

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II – APÊNDICE 

Princípios de investigação da Semântica

Hiponímia / Pressuposição-Implicatura / Valor / Componentes Semânticos / Campos


/ Frases Idiomáticas = Fusão./ Generalização e Restrição: Semântica. Significados e
Precisão: Semântica e Pragmática.

A palavra desempenha um papel de tal modo decisivo na estrutura da língua que


necessitamos de um ramo especial da lingüística para examinar em todos os seus
aspectos. Chama-se a este ramo de lexicologia379, e constitui, a seguir da Fonologia, a
segunda divisão básica da ciência da lingüística. A Lexicologia não tratará apenas das
palavras, mas também de todos os tipos de morfemas que entram em sua composição.
(ULMANN, 1973: 62).

Assim, como é mais coerente – didaticamente falando – iniciarmos uma


análise dos menores constituintes (denominados elementos no Estruturalismo)
para galgarmos os maiores380, então:

A Lexicologia, por definição, trata de palavras e dos morfemas que as formam,


isto é, de unidades significativas. Conclui-se, portanto, que estes elementos devem ser
investigados tanto na sua forma como no seu significado. A Lexicologia terá, por
conseguinte, duas subdivisões: a morfologia, estudo das formas das palavras e dos
seus componentes, e a semântica, estudo dos seus significados. (...).
A lexicologia não deve ser confundida com a Lexicografia, ou seja, a elaboração
ou compilação de dicionários, que é uma técnica especial, mais do que um ramo da
lingüística. (ULMANN, 1973: 64).

379 Do grego lexis<palavra>, léxicos<de ou para as palavras>.


380 Parafraseando Augusto Comte: Do mais simples para o mais complexo...

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1 – Hiponímia

(...) levar-nos à noção de INCLUSÃO no sentido em que tulipa e rosa estão incluídas
em flor, e leão e elefante em mamífero, (ou talvez animal). (...) A inclusão tem
portanto a ver com a inserção numa determinada classe. (PALMER, 1979: 91).

Para que haja esta relação hiponímia, faz-se mister algumas condições
necessárias: os termos inclusos devem pertencer à mesma classificação; e, o
critério da classificação é aquilo que têm em comum, tornando assim a
multiplicidade organizada (conjuntivamente) numa unidade. A unidade é
conjunto assim como a multiplicidade é subconjunto daquela.
Se tulipa e rosa são casos de flor, então tulipa e rosa pertencem ou estão
contidos – agrupados – num conjunto maior que lhes é característico: se por um
lado, tulipa e rosa sejam reconhecidos, discriminados ou diferenciados em sua
singularidade; por outro, são identificadas, unificadas por sua particularidade:
ambas são espécies dum gênero a que se submetem a serem classificadas.
Por que classificamos? Para organizar os dados sensíveis de modo em que
gêneros e espécies estejam hierarquizados em formas conjuntivas que pressupõem
ou implicam relações hiponímicas: conjuntos/subconjuntos. O trâmite da
Lógica381 das combinações dependem desse extrato lingüístico, pois o pensamento
(movimento) está subordinado aos elementos da língua ou tipo de linguagem
(formato e conteúdo).
Em suma, a relação hiponímica é uma relação de dependência lógica entre
subordinados e sobre-ordenadores. Detalhe, como categoria de relação, o que é
gênero numa relação com seus elementos agrupados será espécie para um
conjunto ou classe maior de que faz parte. Por exemplo: se ‘flor’ é gênero de suas
espécies ‘tulipa’ e ‘rosa’, por sua vez, ‘flor’ é espécie ou aspecto de vegetal. Flor,
folha, caule, frutos e raiz são hipônimos de vegetal, uma vez que vegetal é um

381Tanto a Lógica Formal (Silogismos) como a Lógica Transcendental (Categorias) são


amplamente estudadas por Edmund Husserl e Nicolai Hartmann, desenvolvendo a tradição
Kantiana. Ambos estudos lógicos dependem-se mutuamente, pois são momentos
constituintes do processo maior de compreensão: identificação, dedução, conclusão,
comparação, diferenciação etc.

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gênero que abarca, engloba em seu bojo os aspectos constituintes: flor, folha,
caule, frutos e raiz.

O termo usado por Lyons para referir esta relação é Hiponímia. O termo
<superior> é o SUPERORDENADO e o <inferior> o HIPÔNIMO. (PALMER, 1979:
91).

Como seria de esperar, as relações de hiponímia variam de língua para língua.


(...) exemplo é o termo alemão Kartoffel (batata) que não se insere em Gemüse
(vegetais).
A hiponímia contém implícita uma relação lógica de CONSEQÜÊNCIA. (...)
Diz-se que uma frase pressupõe outra quando, se a primeira é verdadeira, a segunda
também o é (com base no raciocínio lógico). Dizer Isto é uma tulipa pressupõe isto é
uma flor,e Isto é escarlate pressupõe isto é vermelho. (...). Em todos os exemplos deste
tipo, a frase que contém o hipônimo pressupõe a que contém o termo superordenado.
(PALMER, 1979: 93).

A noção de necessidade comunicativa advém do respeito, da aplicação


dessas regras conjuntivas. Ao ferirmos esta regra – o que equivale a não aplicá-la
– incorremos em desvio normativo de linguagem/pensamento. É quanto às
implicações disso que Paul Grice prescreve suas Máximas Conversacionais, na
qual discorrerei explicando sua importância para a Ética do Discurso e as relações
de dominação/opressão no âmbito interpessoal.
Se as palavras que pertencem à mesma classe sugerem uma derivação
necessária, ao testarmos o caminho oposto detectaremos que a recíproca é falsa,
ou seja: não permutativo. Se afirmo que Todas as flores são belas, então decorre
necessariamente daqui que: tulipa, rosa, azaléia etc são belas, pois se alguma delas
eu não considerar como bela, deveria então usar o quantificador ‘algumas’ e não
‘todas’, ou mesmo o dêixis: esta, essa, aquela. É uma questão de coerência entre
enunciado ou premissa e derivação por hiponímia. Se afirmarmos apenas tulipa e
rosa são belas, nada nos autorizará afirmar que é necessário que as flores sejam
belas, pois partir de alguns casos (algumas espécies) para afirmar a sua classe
correspondente (o gênero) é algo contingente e, portanto, não necessário.
Incorreríamos aqui em concluirmos mais do que o enunciado sugere: sendo
denominado de Generalização Apressada na Lógica. Por outro lado, se fizermos
isso, também incorreremos numa erro categorial: tomaremos aquilo que é

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contingente (duas flores serem belas) como algo necessário estendido ao seu
gênero (as flores são belas).
Se no primeiro momento temos uma contradição lógica – de caráter
predominantemente sintagmático –; no segundo momento temos uma confusão
categorial (a tomada de um pelo outro), sendo tal fenômeno um desdobramento
semântico da noção necessário/contingente – de caráter predominantemente
paradigmático III382 –. Para sintetizar o conteúdo citarei Luciano Amaral Oliveira:

Lyons (1996) lembra, ainda, que os lexemas de um campo lexical estabelecem


um outro tipo importante de relação: a hiponímia, que é a relação hierárquica
existente entre o significado de um termo específico e o significado do termo mais
genérico de um campo. Pode-se dar o exemplo de futebol e natação em relação a
esporte, ou ainda rosa e tulipa em relação a flor. Observe-se que, nessa relação, há
uma implicação unilateral: natação implica esporte, mas exporte não implica natação.
Dessa forma, futebol e natação são ambos hipônimos de esporte e, portanto, co-
hipônimos em relação um ao outro. (...). Para se referirem à relação entre esporte e os
lexemas futebol e natação, alguns lingüistas usam o termo hiperonímia, mas Lyons
prefere o termo superordenação, já que hiperonímia e hiponímia são muito parecidos.
Dessa forma, esporte é o hiperônimo de futebol e natação. (OLIVEIRA, 2008: 82-83).

2 – Pressuposição

(...) Podemos fazer contrastar É significativo que o João chegasse cedo com É
provável que o João chegasse cedo e, da mesma maneira, Lamento que ela o dissesse
com Suponho que ela o dissesse. Na primeira frase de cada par a afirmação contida na
oração subordinada é pressuposta (...); na segunda não é.

382 Chamo de Paradigma I, o mesmo significado atribuído por Sausurre: um campo de


seleção de palavras (por verossimilhança por exemplo). Denomino Paradigma II, uma
operação de sentido que permite associar um significado ao significante. Batizo de
Paradigma III, a uma operação de sentido mais abstrato, que incide sobre categorias mais
amplas que os gêneros: essencial/acidental; necessário/contingente; causa/efeito etc. Um
desvio do primeiro aspecto do eixo paradigmático é uma contradição de seleção conjuntivo-
classificatória, é um caso a Elipse; um desvio do segundo aspecto do eixo paradigmático é
uma contradição semântica (a que denomino de destituição semântica); e, por fim, um desvio
do terceiro aspecto do eixo paradigmático é um erro categorial. Este último termo é
explicado por MARILENA CHAUÍ e GILBERT RYLE.

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(...) aquilo que é pressuposto pode ser identificado pelo facto de as pressuposições não
serem afectadas pela negativa, isto é, logicamente implícitas tanto na frase afirmativa
como na negativa correspondente. Assim, (...) não lamento que ela o dissesse continua
a implicar que ela o disse. Assim, a pressuposição é aquilo que está implícito numa
frase positiva e na negativa correspondente. (PALMER, 1979: 167).

Interessantemente, se na hiponímia, a relação está no âmbito das palavras


(lexical); a pressuposição, por sua vez, encontra-se no âmbito frasal (oracional).
Outro detalhe: na pressuposição temos uma condição, ou seja, uma oração
subordinada. Afirmar “cortei o cabelo” pressupõe que tenho cabelo, ou melhor,
que pelo menos antes de cortar tive. Afirmar “continuo ou não continuo a comer”,
pressupõe que é verdadeiro que comi antes de ou continuar ou parar. Vejamos
outros exemplos:

(...) O João casou / não casou com a irmã de Fred implica que Fred tinha uma irmã;
(...) Ele bebeu / não bebeu outro copo de cerveja implica que ele já tinha bebido pelo
menos um copo. (...). O João estava / não estava preocupado com a infidelidade da
mulher sugere-se que o que é pressuposto é que a mulher do João era infiel. Mas em
relação à negativa isso não é necessariamente verdade, podendo a frase negativa
significar ou que ela era infiel mas ele não se preocupava com isso, ou que ele não se
preocupava porque ela não era fiel. Por outras palavras, a negativa pode negar aquilo
que se alega ser ao mesmo tempo pressuposição e asserção, e nesse caso o teste pela
negativa tem de falhar. (PALMER, 1979: 167 e 168).

Ao examinarmos o critério do teste negativo, no último caso apontado por


PALMER, a oração somente não pode ser interpretada na negativa também como
uma pressuposição porque a construção sintática é ambígua: permitindo duas
interpretações quanto ao que João não se preocupava: ou com a presença da
infidelidade da mulher ou com a possibilidade da infidelidade da mesma. Em
português, o verbo preocupar, na negativa, não infere a presença ou a
possibilidade de algo, pois deixa em aberto os dois sentidos. Já quando
afirmamos: João não se preocupava com a atitude infiel da mulher temos
pressuposição tanto na afirmativa como na negativa, pois “a atitude infiel” é uma
expressão que denota a atualidade do ser infiel, não deixando margem para uma
possibilidade ou hipótese. Obs.:veremos em Karl Manheimm a aplicação deste estudo
quando ele comentar sobre análise dos pressupostos das ideias de grupos!

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3 – Acarretamento e Pressuposição

Aqui reveremos hiponímia e pressuposição para diferenciarmos o conceito


de acarretamento.

Para entendermos a noção de acarretamento, precisamos, antes, entender a noção de


HIPONÍMIA. A hiponímia é uma relação de sentido entre palavras tal que o significado
de uma está incluído no significado de outra. Vejam os exemplos em (27).

a. escarlate é hipônimo de vermelho


b. gato é hipônimo de animal
c. liquidificador é hipônimo de eletrodoméstico

A noção de hiponímia pode ser estendida para sentenças. Assim chegamos à noção de
ACARRETAMENTO. Observemos as sentenças:

(28) Suzana continua a amar seu primeiro namorado.


(29) Suzana amava seu primeiro namorado.

A situação descrita em (29) está incluída na situação descrita em (28). Portanto, (29) é
hipônima de (28). Uma outra maneira de expressar essa relação é dizer que (28)
ACARRETA (29). (FIORIN Vol. II, 2007: 145).

A noção de hiponímia é uma implicação necessária entre palavras, mas


não entre sentenças. Quando as autoras afirmam que a noção de hiponímia pode
ser estendida para sentenças, não atentam para a peculiaridade da hiponímia =
uma relação conjuntiva unilateral e necessária entre o hiperônimo para os
hipônimos. Temos na noção de acarretamento uma implicação necessária e não
uma noção de hipônimo. Elas cometeram elipse aqui: tomaram a noção de
hipônimo pela sua generalidade e não pela sua especificação. Logo, faltou precisar
da seguinte maneira: a noção de implicatura que há nos hipônimos pode ser
estendida nas sentenças.
A peculiaridade das sentenças é a relação de implicação pela relação entre
tempos verbais: se continuo a fazer... então, implica necessariamente que fazia.
Não há aqui relações conjuntivas, mas temporais. Então o critério que define um
acarretamento é ter uma implicação – mas não pelo mesmo critério da hiponímia

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= conjuntos/subconjuntos – mas como especificamente sentencial, afirmando o
passado pelo tempo verbal empregado como extensão do mesmo ato. Então, (29)
não é hipônima de (28), pois falta-lhes a classificação – apesar de serem
implicativas – mas (28) acarreta (29) por condições morfológicas (no caso aqui é
o verbo em seu aspecto temporal) de modo a derivar outra sentença como
condição necessária de (29) = (28). Voltemos à explicação das autoras383:

Entretanto, enquanto a relação de hiponímia é uma relação que pode se


estabelecer também entre sentidos, acarretamento é uma relação que se estabelece
exclusivamente entre referências. Define-se formalmente a noção de acarretamento,
fazendo-se uso do conceito de verdade, que é a referência de uma sentença. Uma
sentença acarreta uma outra sentença se a verdade a primeira garante,
necessariamente, a verdade da segunda, e a falsidade da primeira garante,
necessariamente, a falsidade da segunda. (FIORIN Vol. II, 2007: 145).

Segunda a definição das autoras, se na hiponímia temos relações de


sentido, no acarretamento temos relações correspondentes entre discurso e
realidade externa (referência). Uma sentença acarreta outra na condição de
implicar um acontecimento antecedente para a atual sentença (tida como
conseqüente).

Ducrot (1972) fala de três tipos de implícitos. O primeiro tipo é aquele baseado
no enunciado, o qual deixa “não-expressa uma afirmação necessária para a
completude ou para a concorrência do enunciado, afirmação à qual a sua própria
ausência confere uma presença de um tipo particular: a proposição implícita é
assinalada – e apenas assinalada – por uma lacuna no encadeamento das proposições
explícitas”. Um exemplo (...): “Zé ta muito educado e solícito, logo ele ta querendo
pedir alguma coisa”. Nesse exemplo, fica implícito que Zé não costuma ser educado
nem solícito a não ser quando quer pedir alguma coisa. (OLIVEIRA, 2008: 131-132).

Por uma questão de hábito verbal, habituamo-nos a comentar a


irregularidade das pessoas quando contrastamos com a regularidade delas.
Partimos da premissa (critério para aplicarmos um significado, intenção) que
quando alguém quebra uma regularidade; ou seja, quando alguém varia algo que

383São elas: Ana Lúcia de Paula Müller e Evani de Carvalho Viotti. Elas escreveram o texto do
capítulo sobre Semântica Formal.

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não é de seu feitio, inclinamo-nos a afirmar: há algum interesse diferenciado para
que haja uma ação diferenciada. É um modo analógico de pensar: “Conduta
regular, intenção costumeira; conduta irregular, intenção ou motivo diferente do
habitual”. Um comportamento costumeiro deve estar motivado para tal, pois todo
ato humano é motivado. Uma atitude incomum requer por analogia à sua
motivação um desejo ou meta também incomum. Interpretamos atos por uma
questão de freqüência: conduta usual, motivo relacionado ao temperamento
próprio da pessoa; conduta inusitada, motivo interpretado como um intento (um
meio) para atingir um objetivo (finalidade). O meio de que nos servimos para
atingir a finalidade almejada é calculada ou avaliada mediante ao contexto interno
do motivo perante o ato incomum: “quem age para agradar (mais do que de
costume) pretende pedir algo: um favor”. Este estudo que proponho adicionado às
citações de S. Freud sobre apraxia e de K. Manheimm sobre função dos
pensamentos e práticas por implicação envolve uma interdisciplinaridade entre
tais autores e o Ato Ilocutório de J. L. Austin: meu contributo é explicitar por
quais critérios predicamos a intencionalidade do agente informacional =
Teleologia. Tal resultado da interpretação já não seria possível caso a pessoa em
questão tivesse o hábito de ser assim – independentemente do resultado; ou
mesmo se a pessoa estivesse habituada a agir assim quando recebesse um favor: aí
o motivo da ação seria para retribuir o favor feito. Contudo, para alguém que com
freqüência age querendo ajudar somente na condição de “pedir algo em troca” fica
estigmatizado como interesseiro, ou seja, alguém incapaz de dar algo por
gratuidade (no sentido de estar satisfeito por dar). Aqui está um exemplo de ação
instrumental (que faz das pessoas como meios: uma ação extrinsecamente
motivada) da ação social (que age para atingir a pessoa, uma ação
intrinsecamente motivado).

O segundo tipo de implícito é o baseado na enunciação, o chamado subentendido


do discurso, que não está no conteúdo do enunciado, como no caso anterior. Um
exemplo encontra-se na seguinte situação: uma mulher diz ao seu marido “O dia está
lindo”, num dia de sábado, no terceiro ano de um casamento que caiu numa rotina que
os levou a ficar sempre em casa nos fins de semana assistindo a algum programa de
auditório na TV. O que está subentendido no enunciado é um pedido da mulher para
que ela e o marido saiam de casa para fazer algo divertido. Contudo, é importante
ressaltar que esse implícito não se encontra no enunciado. Ele se deriva do próprio ato
de enunciação a partir de quem diz o que para quem e em que circunstâncias. Por isso,

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o contexto é o que permite ao locutor descobrir o que está subentendido, o que é
exterior ao significado literal. (OLIVEIRA, 2008: 132).

Esta espécie de implicitação – ou mensagem subliminar como prefiro


chamar – ocorre de maneira parecida com o caso anterior. Se na citação anterior
temos uma interpretação intencional da pessoa de quem falamos (avaliamos os
motivos de alguém), nesta citação é a pessoa que fala que sugere, que pede, que
insinua seu desejo. Se no outro caso é significar qual é motivo alheio por uma
rede de associações interno-externo, motivo-ação comum x motivo-ação
incomum; aqui temos uma rede associativa: o dia estar lindo durante uma
caminhada não seria um pedido para sair de casa, pois já estaríamos fora de casa;
logo, para que seja interpretado como um pedido ou sugestão é necessário haver
contraste entre a situação atual e a situação possível desejada. Outro ponto
importante a salientar: um casamento que não cede à mesmice ou à rotina (no caso
a atitude costumeira do esposo) também não configuraria uma interpretação para
sair de casa. O desejo da pessoa que enunciou só pode ser inferido na apreciação
comparativa do estado ou costume da pessoa para quem ela se dirige
comunicativamente, como também da situação (estar ou dentro ou fora de casa).
Assim, dois estados serão fatores configuradores do sistema interpretativo
em questão: o estado interno ou temperamento do esposo que é a segunda pessoa
da comunicação (com quem se fala); e o estado externo ou situação atual em que
ambos se encontram. A partir e somente a partir desses dois fatores é que a
finalidade da esposa que é a primeira pessoa (quem fala) pode ser inferido por
dedução comparativa:
Assim como é prazeroso olhar para o dia tão belo lá fora, melhor ainda
será estarmos lá (e sairmos dessa casa monótona) para sentirmos mais
intensamente! Ou ainda por estes termos: assim como um belo dia merece ser
festejado, o belo dia de lá fora é um convite para irmos até lá. É óbvio que a
musicalidade da fala384 contribuiria para significarmos a pretensão da esposa.

O terceiro tipo de implícito, que não está baseado na enunciação, é o que Ducrot
chama de pressuposição lingüística ou simplesmente de pressuposição, em que há

384Um dos aspectos da eloqüência. Esta é uma sub-área da Retórica: corresponde ao como
se diz, à maneira de expressar algo. Também é conhecida – pelo menos este aspecto – como
Estilística.

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presença de dois elementos: o posto e o pressuposto. (...) No enunciado “O Brasil não
está mais na Copa do Mundo”, o pressuposto é o Brasil esteve na Copa do mundo e o
posto é “o Brasil não está na Copa do Mundo”. (...).
Vogt lembra que “o posto constitui a significação explícita do enunciado e o
pressuposto, a sua significação implícita”. (OLIVEIRA, 2008: 132).

Vimos as duas espécies de implicitações como fatores de inferência


intencional. No primeiro caso relevamos o histórico da pessoa em comparação
com a conduta atual e inferimos seu propósito pelo contraste de comportamento e
pelas conseqüências plausíveis de se agir assim. No segundo caso relevamos os
fatores de estados interno da segunda pessoa e o estado externo em que a primeira
e segunda pessoa se encontram; para, a partir daí, analisarmos o discurso da
primeira pessoa: a conclusão será uma inferência da motivação, da sugestão a que
a pessoa se utiliza. Temos aqui um eufemismo385. Outro critério para também
diferenciarmos o primeiro e o segundo tipo de implicitação está aqui: no primeiro
caso temos algo necessário, porém de não tão fácil inferência como o terceiro
caso. Uma ação para ser modificada carregará em seu bojo a vontade específica
que a engendra, escolhe e atua. No segundo caso temos algo hipotético – ainda
que plausível e que não deriva dos códigos empregados: a mensagem subliminar
ou subentendida não decorre da frase emitida, mas do enunciado enquanto
considerações pragmáticas (com quem em qual estado e em qual circunstância).
Se na primeira é necessário, na segunda só será quando as condições dos dois
fatores já mencionados estiverem combinados com a frase emitida, tornando-a
uma enunciação.
Neste terceiro e último caso, também é necessário (como no primeiro),
porém, é uma relação lógica entre tempos verbais: antecedente-conseqüente duma
ação. Se nos outros foi inferência intencional, neste é uma necessidade lógica
entre eventos ou ações. A pressuposição guarda relações similares com a primeira
implicitação, pois ambas são comparações temporais: a primeira por comparação
do contraste; a terceira por reconhecimento da sucessão de ocorrências. À
primeira, motivações correspondentes a diferentes ações; à terceira, reprodução

385 Figura de linguagem a revelar uma maneira dócil de nos reportarmos a alguém:
geralmente empregado para diminuir o impacto duma emoção já esperada por parte da
segunda pessoa (para quem se fala).

556
implicativa entre antecessor-sucessor, sendo a dependência necessária do sucessor
em relação ao antecessor.

4 - Implicaturas

As implicitações ou tecnicamente mais conhecido como implicaturas são


discriminadas ou classificadas em duas: implicatura convencional e implicatura
conversacional.
Comentarei apenas sobre a implicatura convencional, pois para fins
relacionados à interpretação intencional apenas esta auxiliar-nos-á a
aprofundarmos um pouco os recursos expressivos empregados pelos agentes
comunicativos.

(...) Um dos raros exemplos de Grice diz respeito à implicatura que resulta do uso de
“mas” em vez de “e” em uma frase como “O João é dirigente desportivo, mas é
honesto” – que tem não só o significado explícito de que o João é um dirigente
desportivo, mas também o implícito (por implicatura convencional), de que a
combinação dessas duas características em uma mesma pessoa é inesperada. Uma vez
que a versão “mas” induz a implicatura e a versão “e” (“o João é dirigente desportivo
e honesto”) não induz, então, dado que ambas têm exatamente as mesmas
CONDIÇÕES DE VERDADE, conclui-se que as implicaturas convencionais não
derivam das condições de verdade da frase que as induzem e, logo, que não são
identificáveis com IMPLICAÇÕES. (MURCHO, GOMES e BRANQUINHO Org.
ANTÔNIO HORTA BRANCO e PEDRO SANTOS, 2006: 398 e 399).

Comparando este exemplo com o primeiro tipo de implicitação temos


similaridades. Aqui temos um conectivo entre as orações coordenadas “mas”386. É
tal conectivo que permite – a despeito de qualquer conteúdo veiculado –
significarmos o que o falante pensa ou imagina sobre a classe de desportistas. No
primeiro tipo de implicitação temos um conjunto de operações dedutivas que
conferem à pessoa pelo qual estamos interpretando. Porém, aqui no caso de
“João”, é o locutor que deixa implícito que ele (o locutor) qualifica de maneira
geral João por ser um dirigente desportista. Se no primeiro tipo de implicitação

386 Advérbio de intensidade. Outros exemplos: todavia, porém, contudo e entretanto.

557
temos uma interpretação intencional de quem se fala; aqui em relação a “João”,
temos uma interpretação, um predicado que não se atribui a João propriamente
dito, mas ao juízo de valor que o locutor tem da classe de dirigentes desportistas e
– que por ventura – João faz parte (é um caso).
Para resumir: no primeiro tipo temos uma interpretação psíquica da
volição da pessoa de quem falamos – e para isso temos uma conjuntura
pragmática como base! –; na implicatura convencional temos o critério do
conectivo como base (critério) para interpretamos o predicado adversativo entre
dirigente desportista e honestidade: mas que não está necessariamente nos atos de
“João”, mas na mente do elocutor. A diferença crucial entre ambas é que se a
primeira guarda uma necessidade interpretativa psico-pragmático-volitivo-social;
na segunda, temos apenas uma visão geral – predominantemente indutiva e,
portanto, contingente – duma classe ou grupo de pessoas. Aquele versa sobre a
ação; este, sobre o conceito indutivo que versa sobre uma classe temos (o locutor)
da pessoa em questão.
Os autores Antônio Horta Branco e Pedro Santos afirmam que a
implicatura convencional não é uma implicação. Compreendamos o seguinte: em
qual aspecto? No aspecto de algo necessário a ser implicado a “João” não é uma
implicação; contudo, no aspecto de que quem se utiliza do termo adversativo –
como o caso de “mas” – revela a qualificação que o locutor imagina de “João” que
pertence à classe de dirigentes desportivos já predicada como incompatível (ou
pelo menos com contrário à expectativa que se têm dele) ao atributo ou adjetivo
“honesto”.

(...) (“mas” transporta sempre a mesma implicatura convencional qualquer que seja o
contexto de elocução de frases em que ocorram) e são separáveis (uma vez que, como
seu viu, é possível que, quando o item que as induz é substituído por outro idêntico no
contributo que faz para as condições de verdade das frases em que ocorrem, a
implicatura não seja preservada). (MURCHO, GOMES e BRANQUINHO Org. ANTÔNIO
HORTA BRANCO e PEDRO SANTOS, 2006: 398-399).

O critério empregado para identificarmos a implicatura convencional não


está num critério pragmático, mas num termo específico (função de advérbio de
adversidade).

558
Vejamos o conceito de valor e sistema, pois eles são antecedentes
cronomicamente em relação à formação daquilo que se convencionou chamar:
teoria dos campos.
A noção de CAMPO também aparece na escola psicológica denominada de
387
Gestalt . Esta noção será deduzida da atividade de atribuir significado
(significação) e das associações ou os critérios pelos quais elas se dão. Discorrerei
na seguinte seqüência os temas: valor, sistema, associações de campo e,
finalmente, campos semânticos. Este último será valiosíssimo como técnica ou
método de explicitação do significado através de determinadas operações
associativas para, depois, abrir campo de investigação na e para a Pragmática.

5. Valor/Sistema/Associações

Como atribuímos um significado a um símbolo? É através de específicas


associações. Tais ocorrem numa relação estímulo-resposta. O significante é um
estímulo para a associação ou vinculação entre este e um significado “qualquer”.
Mas como um significado vincula-se a um significante? É necessário um
histórico, ou seja, um outro evento (percepção sensorial ou evento interno)
pareado com o significante. Parear significa ou simultaneamente ou em sucessão
em relação ao significante. O termo ‘árvore’ só suscitará a imagem ou conceito de
árvore após um pareamento entre o significante árvore (geralmente, primeiro pela
fala, e depois pela escrita) e a percepção sensorial da árvore.
Qualquer relação duma espécie de árvore com nossa família ou parentes;
ou seja, qualquer vínculo afetivo resultante dum contato com uma árvore em
específico será conteúdo para ser significado na presença da palavra ‘árvore’ + o
tipo de árvore. Após ouvirmos tal fala, por retro-cognição associaremos o
conteúdo afetivo à noção de árvore que estamos acostumados a um contato direto.

387 Ou Psicologia da Forma (Configuração). Dos principais autores iniciadores temos:


Christian EHRENFELS e Max WERTHEIMER. Um pouco depois dele – e ainda contemporâneos a
ele – temos: Paul GUILLAUME (francês), Kurt KOFFKA (estadunidense) e Wolfgang KÖHLER
(russo, radicado na Alemanha). Eles e Edmund Husserl sofreram influência recíproca, que
por sua vez foram estudados e divulgados na França por Maurice Merleau-Ponty: numa
aproximação entre: Fenomenologia, Gestalt e Psicanálise. Outro autor de destaque foi o
Psicólogo Kurt Lewin que estabeleceu uma Teoria dos Campos, aplicável à Psicologia Social.

559
Se observarmos diversas árvores e estudarmos seus elementos, relações entre as
partes e funções desempenhadas = sistema, expandiremos o conceito de ‘árvore’.
Tanto os aspectos sensoriais, como os afetivos e os cognitivos sintetizaremos no
significante ‘árvore’.
Embora haja quase total assentimento de que qualquer árvore em nossa
frente será nominada de ‘árvore’, haverá diferenças apreciativo-semânticas: tanto
quanto ao conteúdo afetivo (conotação) como ao conteúdo cognitivo (denotação).
Bem, para alguém com grande variedade de contato com árvores poderá haver
diferença também na denominação se o que vejo ou é ou não é uma árvore.
Quanto maior o número de contato com as espécies, mais elementos teremos para
distinguir, para atingir aquilo que há de comum a todas as árvores. Tanto as
espécies dependem da classificação para serem reconhecidas e comparadas, como
o gênero depende da variedade das espécies para ser conceituado de modo
preciso. Filosoficamente, atingir o que tem de essencial num objeto é
considerarmos aquilo que se repete, aquilo que há de comum em todas as
variedades ou tipos de árvores (em contraposição ao que cada uma tem de
acidental, variável).

(...) Todo o pensamento , toda a referência, foi sustentado, é uma adaptação de vida
aos contextos psicológicos que interligam os elementos em contextos externos. Por
mais “universal” ou mais “abstrato” que seja a nossa adaptação, a explicação geral do
que está acontecendo é a mesma. Desta maneira, chegamos a um sentido claro e
definido de “significado”. De acordo com isto, o significado de A é aquilo que o
processo mental interpretando A esta adaptado. É este o mais importante sentido em
que as palavras têm significado. (OGDEN-RICHARDS, 1972: 206).

Há noções que sofrem gradação como aspectos sensoriais e afetivos como:


intensidade duma cor e afetos como: carinho, desejo, ternura, meiguice, paixão
etc. Fiquemos por enquanto nas cores: laranja, rosa, vermelho, magenta e vinho
diferem entre si por saturação. Como assim? Saturação é a quantidade que uma
cor está misturada a outra. Amarelo com um pouco de vermelho resulta na cor
denominada ‘laranja’. A diferença cromática entre intensidade do matiz laranja
será apreciada com grau comparativo: laranja fraco, médio e forte, por exemplo. O
mesmo ocorrerá com rosa: é uma mistura de branco com vermelho, e para ser

560
diferenciada, usaremos termos com noção gradativa entre diferentes espécies de
cor-de-rosa.
Ao empregarmos a palavra azul céu, azul-royal e azul-marinho traremos a
noção conjunto de que reconhecemos pertencerem à matiz azul (gênero) e,
simultaneamente, como sendo diferentes entre si (espécies).
A ocorrência do objeto que estimula nossa percepção sensorial mais os
termos empregados bastam para associarmos o estímulo sonoro-visual (fala-
escrita) à correspondente percepção sensorial: tanto ao vermos quanto a vermos
alguém apontar e dizer: esta flor é vermelha. Associar é comparar situações
regulares e extrair-lhes um vínculo associativo: uma espécie de reação entre fala e
imagem, entre fala e conceito.
Se alguém afirmar: “Gosto da pessoa x”, e outra afirmar “Sinto carinho
pela pessoa x”, e outra afirmar “Sinto ternura pela pessoa x” e outro afirmar
“Desejo a pessoa x” e ainda, “Estou apaixonado pela pessoa x”. A cada um destes
termos ocorrerão duas etapas:

1º Ao significante ‘gosto’, por exemplo, associaremos um conteúdo, uma


intensidade com certa qualidade de afeto perante todas as situações presenciadas
por nós que foram classificadas com o verbo ‘gostar’.

2º Ao significante ‘gosto’, associaremos os diferentes modos de expressar (pela


fala) o verbo gostar, comparando a outros modos de dizer. Com isso obteremos
comparações entre a qualidade e a intensidade desse verbo: tanto na comparação
com casos similares, com na comparação de modos diferentes. Os casos são as
situações em comum que podem e devem ser batizadas de ‘gostar’; os modos de
expressão complementarão os casos (gêneros) com as peculiaridades pragmáticas
(de outros modos já ouvidos) e o modo presente pelo qual avalia comparando com
os outros modos.

No 1º caso temos condições genéticas (formativas) entre evento e


nominação: um conteúdo relacionado a um significante. ‘Gostar’ representará por
associação mnêmica os eventos pareados entre o termo ‘gostar’ e as situações
experienciadas correspondentes. No 2º caso, teremos duas modalidades em jogo:
as maneiras que presenciamos de outras pessoas se expressarem com o termo
‘gostar’ e, após isso ser assimilado, compararemos a situação singular de neste

561
exato momento ouvirmos alguém proferir – duma determinada maneira – “Gosto
da pessoa X”. Nessa comparação entre outras pessoas e a pessoa singular que nos
fala, inferiremos uma certa qualidade, um certo modo de ser, um certo grau de
intensidade para este ‘gostar’.
Tanto o caso formativo (1º caso) como o caso modal (2º caso) denominá-
lo-emos de pragmáticos (classificatórios e modais)! Pois o fenômeno complexo de
apreendermos significados a um significante = significação primária =
assimilação de gênero; e o segundo fenômeno complexo de inferirmos
significados a um significante = significação secundária = aplicação do gênero ao
caso singular e comparação de outros modos com o respectivo modo presente na
pessoa que fala. No 2º caso temos o reconhecimento classificatório (gostar
significa tal situação pela pessoa X) e, também, um inferimento ou predicação
(gostar da maneira como esta pessoa fala comparado ao que outras pessoas falam
representa uma qualidade tal de intensidade tal à pessoa X).
Acabou? Não! Pois o processo de significar contém uma terceira etapa:
visa aos comportamentos, às atitudes que as pessoas que dizem “gostar” têm com
a pessoa X. Então,

3º Ao significante ‘gosto’ associaremos um conjunto de comportamentos para os


casos em que as pessoas que dizem “Gosto da pessoa X”.

4º Ao significante ‘gosto’ associaremos – quando presenciamos – as ações da


pessoa (como agiram) que nos disse “Gosto da pessoa X” com o fulano X.

No 3º caso temos condições genéticas (formativas) entre comportamentos


e intenções: ao significado já classificável e modalizado na expressão (1º e 2º
casos), associaremos as condições necessárias para classificarmos quais são os
comportamentos que comportam a classificação de quem ‘gosta’, ou seja, um
pareamento (relação) entre o comportamento de quem diz ‘gostar’ da pessoa X.
No 4º caso teremos duas modalidades em jogo: o como as pessoas que
dizem ‘gostar’ se comportam com aqueles que os correspondem para
compararmos com a presente pessoa que diz “Gosto da pessoa X”. Assim,
inferiremos uma certa qualidade e intensidade do ‘gostar’ da pessoa que diz
“Gosto da pessoa X”, só que agora tal modalidade incide sobre a intensidade e

562
qualidade da intenção ou sentimento da pessoa em face do comportamento que ela
tem em comparação com mais pessoas que afirmam o mesmo em casos similares.

Sintetizando:

1º e 3º casos são comuns quanto ao processo de formação que capacita-os a


reconhecerem o significado ao significante quanto à classificação de ‘gostar’ em
relação ao evento – situação externa de conjuntura – do (1º caso); e em relação ao
comportamento – situação externa de ação do (3º caso). Formação = subsídios
para o sujeito associar a classe, reconhecer o evento à fala (1º caso) e classificar,
reconhecer o comportamento à intenção (3º caso).

2º e 4º casos são comuns quanto à comparação entre os modos de dizer (2º caso)
e os modos de agir (4º caso). Aos modos de dizer inferiremos qualidade e
intensidade: pela maneira como se expressa na fala (2º caso); aos modos de se
comportar (atitudes para com a pessoa X) na relação entre ação e intenção (4º
caso). Comparar = avaliar a qualidade e intensidade para apreciar a
ação/comportamento em relação à pessoa X inferir o grau da intenção (ou afeto)
em relação à pessoa X.

1º e 2º casos têm de incomum a classificação e a comparação. Têm em comum


que ambas as operações (classificação e comparação) incidem sobre falas ‘Gosto
da pessoa X’. Ambos são casos pragmáticos de constituição e comparação
expressiva da fala.

3º e 4º casos têm de incomum a classificação e a comparação. Têm em comum


que ambas as operações incidem sobre os comportamentos em relação às
intenções. Ambos são casos pragmáticos de constituição e comparação expressiva
da ação com a intenção.

Uma contradição pragmática ocorrerá quando afirmarmos “Gosto da


pessoa X” sem o correspondente tratamento da pessoa que afirma à pessoa X.
Teremos uma contradição performática no âmbito pragmático de ações que não
correspondem com a fala. A intenção está do lado (equivalente) à ação, mas não à
fala. O critério para reconhecermos tal fenômeno é o comportamento em relação –
mas em detrimento – à fala.

563
Uma contrariedade pragmática ocorrerá quando afirmarmos “Não gosto da
pessoa X” quando o tratamento da pessoa para com X for do de “Gosto da pessoa
X”. Teremos uma contrariedade performática: o fenômeno da Negação. É
quando a boca nega o que o sujeito afirma em seus atos. A intenção está do lado
(equivalente) à ação, mas não à fala. O critério para reconhecermos tal fenômeno
é o comportamento – mas em detrimento – à fala.

Uma subcontrariedade semântica ocorrerá quando afirmarmos “Gosto da


pessoa X” de maneira pouco expressiva à pessoa X. Teremos uma contrariedade
performática no âmbito estilístico: quando a maneira de dizer nega parcialmente
a afirmação literal. A intenção é insuficiente, mas não contrária. São os casos de
falta de motivação! O critério para reconhecermos tal fenômeno é o como se fala
– mas em detrimento – ao que se comunica literalmente expresso.

Uma contradição semântica ocorrerá quando afirmarmos “Gosto da pessoa


X” quando de maneira integralmente adversa expressivamente quanto à pessoa X.
Teremos uma contradição performativa no âmbito estilístico: quando a maneira
de dizer nega integralmente a afirmação literal. A intenção está do lado
(equivalente) à musicalidade da fala. O critério para reconhecermos tal fenômeno
é o como se fala – mas em detrimento – ao que se comunica literalmente
expresso.
É óbvio que temos formas híbridas, compostas: podemos associar a cada
uma dessas insuficiências afirmativas com o comportamento e a modalidade
expressiva em conjunto. A relevância do estudo da Filosofia da Linguagem como
método interdisciplinar das Ciências Humanas legitima-se pelo fato de que já
aplicamos tais critérios em diversos casos… porém, o meu trabalho é explicitar
tais critérios e extrair valores (ou instrumentais ou cooperativos para cada aspecto
do caso em questão) das conseqüências (Criteriologia e Axiologia).
Suponhamos que em todos esses casos, trocamos o verbo “gosto” por
“sinto carinho”, “ternura”, “afeto”, “desejo”, “estou apaixonado”... De que
maneira apreciaremos semanticamente cada termo se eles são casos de sinonímia?
Apesar da proximidade semântica, cada um deles – mesmo isoladamente –
sugerem – pela consagração a que seus termos estão sujeitos a diferentes situações
afetivas – diferenças que os singularizam. A despeito da noção de campo
sinonímico, é o fenômeno do valor que confere significado preciso em cada um

564
deles. O valor é um conceito – uma categoria explicativa da lingüística a conferir
um significado por oposição que um termo está submetido a uma malha, a um
conjunto de significantes com significados próximos. Somente na comparação
destes termos adquiriremos uma diferença, uma discriminação: seja por
intensidade (gradação), seja por situações (contextos extra-lingüisticos).

(…). o valor que um termo tem em relação aos outros termos do sistema lingüístico é
essencial para o estudo do significado, como demonstra o famoso exemplo dado por
Saussure: “sinônimos como recear, temer, ter medo388 só têm valor próprio pela
oposição; se recear não existisse, todo seu conteúdo iria para seus concorrentes”.
Portanto, cada palavra da língua tem seu conteúdo semântico influenciado pelo
conteúdo semântico das outras palavras dessa língua, e todas as palavras, por se
relacionarem entre si, fazem da língua um sistema estruturado. (OLIVEIRA, 2008: 60).

Se afirmamos “Adoro a pessoa X”, pelo sancionamento tácito de tal termo


como um bom representante de que a intensidade (e mesmo a qualidade) do
sentimento é maior do que o verbo ‘gostar’. Já o termo ‘desejo’ é mais intenso do
que meramente “gostar” e, talvez, indiferente afetivamente – o que já não ocorre
por “ternura”. É óbvio que nestes exemplos desconsidero a modalidade expressiva
da fala e o comportamento. A avaliação aqui incide sobre a escolha, a seleção do
termo dentre a variedade sinonímica virtualmente ou potencialmente possível.

(...) Quando vemos palavras diferentes, supomos que deve haver também alguma
diferença no significado, e, na vasta maioria dos casos, há de facto uma distinção,
muito embora ela possa ser difícil de formular. Muito poucas palavras são
completamente sinônimas no sentido de serem permutáveis em qualquer contexto,
sem a mais leve alteração de significado objectivo, do tom sentimental ou do valor
evocativo. (ULLMANN, 1973: 294).

“Estar apaixonado” carrega consigo – enquanto componente semântico –


desejo, carinho e até mesmo ‘adorar’. Apenas ‘ternura’ não nos qualifica predicar
‘desejo’ em conjunto com tal termo. ‘Gostar’ é vago e carece de
complementação... pelo menos para nossa língua e sob condições coletivas de
sancionamento semântico do termo.

388Se nesta mesma cadeia estivessem os termos ‘sinto pânico’ e ‘apavorado’, certamente eles
estariam no topo da escala enquanto intensidade da emoção.

565
Outro modo ainda de diferenciar os sinônimos é agrupá-los numa série em que os seus
significados e tonalidades distintivas por-se-ão em relevo por contraste (...).
(ULLMANN, 1973: 297).

Em suma, associar é um fenômeno a aproximar, a estabelecer um vínculo


associativo entre um significado a um significante. O significado ocorre em
diversos níveis: 1º como evento externo geral correspondente para classificarmos
com fins de reconhecimento; 2º como apreciação modal da fala; 3º como evento
externo de comportamento específico e, por fim, 4º como apreciação modal do
comportamento.
Um valor é uma determinação – ainda que parcial – do significado dum
dado significante por comparação com os demais termos: por oposição ao que tem
de diferente entre ele próprio e os demais. Mas não apenas enquanto
discriminação gradual (de intensidade)! Temos também uma diferenciação
apreciativa do termo perante todos os outros termos equivalentes (mas não iguais)
enquanto escala de valores: num mundo em que o máximo que sentimos é afeto
ou ternura, ‘gostar’ será menos apreciado perante seus concorrentes. Num mundo
onde o ápice de qualidade/intensidade é ‘amor’, ‘gostar’ será ainda menos
apreciado. A noção de valor guarda eficaz metáfora em comparação monetária: o
preço de um produto só será ou baixo ou médio ou caro perante a comparação de
outros produtos similares e outros produtos distintos: sendo assim, valoramos pela
relação entre um termo ou significante ou preço na oposição entre sua posiçãona
malha em que outros termos, significantes ou preços situam-se abaixo e acima.

A afinidade entre o pensamento de Trier e as idéias saussureanas de sistema, de


estrutura e de valor é clara. Para ele, o léxico de uma língua natural está organizada
em torno dos significados das palavras que a compõem. Os significados das palavras
são determinados a partir dos significados das outras palavras que lhes são vizinhas.
(OLIVEIRA, 2008: 64).

Ora, uma comparação com uma malha equivale a afirmarmos: o valor é o


resultado duma comparação cabal, de um contraste entre um elemento e o
conjunto pelo qual está inserido e é apreciado. Um sistema é uma relação entre as
partes (ou um elemento) e o todo (ou conjunto). Logo, um sistema é o movimento
ou articulação entre seus elementos, de modo a conferir valor a cada um deles
perante a configuração da rede inteira.

566
Vale lembrar que a noção da arquitetura como esqueleto da obra, alicerces (de
ferro que sustentam o cimento); bem como para os biólogos e médicos a
dissecação em partes e as funções de cada órgão, e, por fim, dos lingüistas e
filósofos da linguagem, ao esboçarem a construção das palavras pelas letras, das
frases pelas palavras e do texto pelas frases, revelam os graus de montagem dum
dado fenômeno como graus de complexidade combinatória. Para estes, a idéia de
combinação(assim como para a química) expõe uma sintaxe (o sintagma de
Saussure) pela qual servir-nos-emos para interpretarmos a partir de seus
elementos (morfologia = substantivo, adjetivo, advérbio etc..) e das funções deles
dentro da frase, perante as funções (sintaxe = sujeito, verbo, complemento). Já a
noção de estruturas de parentesco de Strauss, denota o caráter formal, de conjunto
a que nossa conduta está subordinada à classe parental a que o indivíduo se
reporta, e não ao indivíduo singular. Seja a apreciação da posição como sintagma
(função), seja como paradigma (conjunto, classe que o identifica), o efeito
simbólico, representacional deve à posição e à classe as categorias explicativas
que são homólogas entre a Antropologia e a Lingüística, como também entre a
Química (posição) e a Biologia (classe, morfologia, tipos de células). Minha visão
ou valor das relações entre as partes em relação a um todo é complementar e não
dissociativa como nos formalismos estruturalistas vulgares.
O conceito de homologia estabelece uma relação de determinação e
independência relativa entre níveis ou âmbitos de atuações. Tais âmbitos não se
misturam, mas mantêm interações e determinações.

Esta procura das relações constitutivas da totalidade não deve porém ser
concebidas em termos reducionistas, como nivelamento de certas unidades a outras
unidades, mas antes como uma procura de homologias que preserva os níveis de
especificidade e garante – graças uma série de permutações – uma conexão dialética e
não mecânica. (BONOMI, 2001: 125).

A posição dentro da malha é que garantirá o significado, ou seja, o sentido


de cada unidade no conjunto. De maneira análoga, na antropologia funcionalista,
o significado atribuído a um rito ou mesmo a um mito reside na função simbólica
que pode representar e não somente em seu caráter imediato numa consideração

567
pragmática.Então, um sistema é um movimento através do qual os elementos
estão numa rede de relações389.

(...) todas as palavras estão cercadas por uma rede de associações que as ligam com
outros termos. Algumas dessas associações baseiam-se em ligações entre os sentidos,
outras são puramente formais, enquanto que outras, finalmente, envolvem ao mesmo
tempo a forma e o significado. Na fórmula gráfica de Saussure, <Um termo dado é
como que o centro de uma constelação, o ponto onde convergem outros termos
coordenados, cuja soma é indefinida>. (ULLMANN, 1973: 498).

Um juízo sobre um elemento do sistema requer uma assimilação, alcance e


compreensão das relações que se travam neste rede: sua hierarquia, seus contatos
próximos e distantes, suas sobre-determinações e sub-determinações e com quais
elementos ou sub-conjuntos do conjunto.
Há dois critérios operativos pelos quaisassociamos significados aos
significantes: o eixo sintagmático e o paradigmático.

As relações e as diferenças entre termos lingüísticos se desenvolvem em duas


esferas distintas, cada uma das quais é geradora de certa ordem de valores; a oposição
entre essas duas ordens faz compreender melhor a natureza de cada uma.
Correspondem a duas formas de nossa atividade mental, ambas indispensáveis para a
vida da língua. (SAUSSURE, 2006: 142).

Uma parte do significado atribuído deve-se à lexicografia (dicionários com


significados isolados); parte do significado atribuído deve-se à sintaxe (relações
sucessivas das partes com outras e em relação ao todo).

Quando ouvimos ou lemos a frase Comprarei uma casa, por exemplo, o significado de
casa é ativado em nossa mente. Entretanto, esse significado não está relacionado a um
referente específico, a uma coisa específica, mas sim a um referente prototípico que se
plasma em nossa mente ao armazenarmos o significado de casa. E esse significado
suscita imagens distintas na mente de indivíduos distintos: o que eu imagino como
sendo uma casa ao ouvir a palavra casa não é a mesma coisa que Bill Gates imagina e
nem o que um morador pobre de uma favela imagina. (OLIVEIRA, 2008: 63).

389 Tal qual um único fio está interligado numa teia de aranha.

568
Um operação mental de significação por sucessão é um sintagma, sendo a
Sintaxe um grau maior de relações, pois estuda as relações entre morfemas na
frase: sua disposição e os significados interpretados pela relação
antecessor/sucessor.

(...). Tais combinações, que se apóiam na extensão, podem ser chamadas de


sintagmas. O sintagma se compõe sempre de duas ou mais unidades consecutivas (...).
Colocado num sintagma, um termo só adquire seu valor porque se opõe ao que
precede ou ao que o segue, ou a ambos. (SAUSSURE, 2006: 142).

A outra parte da atribuição de sentido deve-se à semântica (com seu eixo


paradigmático). Peço-vos para lerdes meu artigo sobre Paradigma (Apêndice I –
Visada sobre Signos), no qual distinguo diversos tipos de associações, sendo a de
Saussure uma delas (mas não a única possível).

Por outro lado, fora do discurso, as palavras que oferecem algo de comum se
associam na memória e assim formam grupos dentro dos quais imperam relações
muito diversas. Assim, a palavra francesa enseignement ou a portuguesa ensino fará
surgir inconscientemente no espírito uma porção de outras palavras (...); por um lado
ou por outro, todas têm algo de comum entre si. (SAUSSURE, 2006: 143).

O que está em jogo aqui é o critério pelo qual associamos: num temos uma
combinação a ser interpretada em sua sucessão; a outra, a ser interpretada pelo
conjunto ou seleção de termos por determinadas características em comum.

Além da relação muito especial e sui generis que une o nome ao sentido, as
palavras estão também associadas a outras palavras, com as quais têm qualquer coisa
em comum, no som, no sentido, ou em ambos ao mesmo tempo. A palavra light [luz],
por exemplo, estará ligada com darkness [escuridão], day [dia], sun [sol], etc., por
associações entre os sentidos; com o adjectivo light<leve>, porque duas palavras
homônimas; e com o adjectivo light<claro>, o verbo to light [iluminar], o substantivo
lightning [relâmpago], etc., tanto por razões formais como semânticas. (ULLMANN,
1973: 130 e 131).

(...) As palavras do primeiro grupo (ensinamento – ensinar – ensinemos – etc.) se


relacionam por terem o mesmo radical; o segundo grupo (ensinamento – instrução –
aprendizagem – educação etc.) contém palavras que estão relacionadas por causa de
seu conteúdo semântico, compartilhando semelhanças semânticas; o terceiro grupo

569
(ensinamento – desfiguramento – armamento – etc.) é formado por palavras que
possuem o mesmo sufixo; e as palavras do quarto grupo (ensinamento – elemento –
lento etc.) estão relacionadas por razões fonológicas. (OLIVEIRA, 2008: 72).

O campo associativo é um halo que circunda o signo e cujas franjas exteriores se


confundem com o ambiente... A palavra boi faz pensar: 1) em <vaca, touro, vitelo,
chifres, ruminar, mugir>, etc.; 2) em <lavoura, charrua, jugo>, etc.; 3) pode evocar, e
evoca em francês, ideias de força, resistência, de trabalho paciente, mas também de
lentidão, de peso, de passividade. (ULLMANN, 1973: 500).

Se as associações sintagmáticas estão presentes; nas paradigmáticas


dependerá de nossa memória, pois estas são seleções por verossimilhanças (de
algum aspecto). O primeiro é atual e combinatório; o segundo, potencial e
associativo.

A relação sintagmática existe in praesentia; repousa em dois ou mais termos


igualmente presentes numa série efetiva. Ao contrário, a relação associativa une
termos in absentia numa série mnemônica virtual.
Desse duplo ponto de vista, uma unidade lingüística é comparável a uma parte
determinada de um edifício, uma coluna, por exemplo; a coluna se acha, de um lado,
numa certa relação com a arquitrave que a sustém; essa disposição de duas unidades
igualmente presentes no espaço faz pensar na relação sintagmática; de outro lado, se a
coluna é de ordem dórico, ela evoca a comparação mental com outras ordens (jônica,
coríntia etc.), que são elementos não presentes no espaço: a relação é associativa.
(SAUSSURE, 2006: 143).

6 – Componentes Semânticos

Denominamos de componentes morfológicos às divisões dos caracteres


que compõem o lexema390 no qual cada um deles constituem um indicador de
alguma especificação391. Tudo que estiver combinado com o radical da palavra
será um indicador componencial (componente porque constitui o lexema). Tais
considerações versam sobre o significante. 392 Contudo, as considerações de

390 Literalmente: palavra ou vocábulo. A origem é grega lexis.


391 A flexões verbais e nominais e as derivações são exemplos pertinentes.
392 Ou, segundo o lingüista dinamarquês LOUIS HJELMSLEV:plano da expressão.

570
componentes semânticos versam sobre o significado: envolvendo relações entre
gênero e espécie. Para tal, usamos as expressões ‘+’ e ‘–’respectivamente denotar:
presença e ausência do predicado que aparece após estes sinais.

(...) COMPONENTES – o significado total de uma palavra é considerado em termos


de vários elementos ou componentes de significado. A noção de componente não
implica um novo tipo de relação; proporciona, pelo contrário, um enquadramento
teórico que nos permite tratar todas as relações que temos vindo a discutir. (PALMER,
1979: 101).

Sob a ótica da análise componencial, o significado de uma palavra é formado por


um conjunto de elementos significativos, chamados componentes semânticos. (...)
são “constructos teóricos que podem caracterizar o vocabulário de uma língua; cada
item lexical terá seu significado definido em termos dos componentes”. (OLIVEIRA,
2008: 68).

Por exemplo:

Urso: [+mamífero] [+ macho] [+ adulto] [– humano]


Criança: [+ mamífero] [+ macho] [– adulto] [+ humano]
Potro: [+ mamífero] [+ macho] [– adulto] [– humano]
Égua: [+ mamífero] [– macho] [+ adulto] [– humano]

É óbvio que [– adulto] = [+ infância]; [– macho] = [+ fêmea]. Tal pares de


oposição só ocorrem no fenômeno chamado de litotes. Este, significa como a
afirmação de algo pela negação de seu antônimo. Este esquema só funciona para
classificações em que há apenas os dois extremos: ou seja, não há gradações!
Quando há gradações entre os dois predicados, então não haverá o litotes. Sendo
assim, somente usaremos categorias de pares de opostos, nos quais a negação da
antítese é a afirmação da tese.

Entretanto, nem todos os lingüistas consideram a análise componencial


satisfatória. Para Lyons (1996), a análise componencial não atrai muitos adeptos
devido a dois problemas que ela apresenta. Primeiramente Lyons acredita que é
complicado decidir qual o sentido do termo básico, usado para se referir a
determinados componentes semânticos, pois ele pode se referir tanto ao que um

571
falante entende por básico no dia-a-dia quanto à qualidade de ser o mais geral
possível. Em segundo lugar, o processo de análise dos componentes semânticos que
podem ser identificados na maioria das palavras resulta numa análise pouco
sistemática e pouco econômico. (OLIVEIRA, 2008: 69).

Bem, mas onde reside a dificuldade ou falta de consenso quanto ao sentido


do termo básico? É no instrumento da análise componencial? Neste esquema
semântico-decomposicional (analítico)? Não. Então onde? Nas pessoas com seu
raio de alcance e precisão (geralmente estúpidos393).
Voltemos aos termos que não são pares antitéticos.Já nos casos:

[– mamífero] ≠ [+ humano] assim como [− humano] ≠ [−mamífero].

Mas por quê? Porque além de humano, temos vegetal e mineral; e, além de
mamífero, termos anfíbio e réptil. Estas classificações não são pares antitéticos,
pelo simples motivo de terem mais de dois termos em sua classificação.

Quanto ao questionamento acerca do conceito de componente básico, deve-se


esclarecer que o que Lyons chama de componente básico é exatamente o componente
semântico que é essencial para se descrever o significado de um lexema (palavra que
possui um significado lexical mesmo quando isolada). Como a análise componencial
busca contrastar os significados de lexemas para que se possa decidir se eles pertencem a
um mesmo campo lexical ou não, é necessário determinar, em cada lexema contrastado, o
componente, ou os componentes, de significado que os aproxima e que os distancia.
(Vale lembrar que o campo lexical é um conjunto de lexemas que estabelecem relações
de significação entre si e cujos significados se assemelham por compartilharem
componentes semânticos comuns). (OLIVEIRA, 2008: 69).

Estes exemplos são típicos de análise componencial, e versam sobre o


significado394: ou seja, não vem expresso, mas pode ser deduzido na língua pelo

393Ao empregar este adjetivo refiro-me à falta de sensibilidade, interesse e perspicácia, bem
como uso indevido, descomprometido e superficial. E para tanto é desnecessário ter o 3º
grau de instrução (faculdade) ou mesmo mais: depende duma atividade, dum exercício e
cuidado...o que envolve escolha e, portanto, ética. Somos, também, aquilo que fazemos da
comunicação: o que falamos, como falamos e para quais propósitos.
394 Ou, segundo o lingüista dinamarquês LOUIS HJELMSLEV: plano do conteúdo.

572
sistema lógico-categorial395 das classes de palavras que são
organizaçõesintelectivas de nosso entorno em conjunto e sub-conjuntos (formas
conjuntivas)396.

7 – Campos

Afinal, o que são Campos?


São grupos, conjuntos pelos quais elencamos, levantamos ou selecionamos
elementos que os constituem – sempre a partir dum determinado critério. A
sinonímia e a antonímia são critérios de significados (plano do conteúdo); a
paronomásia e as flexões ou derivações são critérios de significante (plano da
expressão). Todos eles pertencem ao âmbito intra-lingüístico: significado e
significante.

(...) a teoria dos campos teve uma importância fundamental para os destinos dos
estudos do significado. (...). A teoria dos campos incorpora a orientação estruturalista
saussureana à semântica, abandonando o caráter atomístico dos estudos do significado
que seguem uma orientação historicista, já que a semântica histórica analisa elementos
isolados enquanto a semântica estrutural analisa elementos dentro de um sistema.
(OLIVEIRA, 2008: 67).

Porém, há seleção de termos que não dizem respeito aos critérios acima
expostos: eles pertencem a uma outra ordem ou âmbito: são os casos de
associações entre termos por fatores externos (sensoriais): ao relacionarmos ou
selecionarmos: terra, plantação, enxada, semente referimo-nos a um conjunto de
atos ou movimentos com específicos elementos: no plantio, está em questão todos
esses materiais ou utensílios. Logo, são agrupados por questões pragmáticas pelos

395 Lógico porque estabelece relações necessárias entre os conjuntos; categoriais porque
alguns deles são pares antitéticos. Numa combinação entre os dois temos aquilo que me
referi sobre E. Husserl, G. Ryle, I. Kant e N. Hartmann: o estudo de suas relações na Teoria do
Conhecimento. Também denominada por Husserl e Kant por: Lógica Transcendental. Ryle, e
em menor medida Hartmann, parece ser os únicos a estabelecerem uma conexão Ética entre
a maneira que empregamos estas relações lógico-categoriais.
396Formando um sistema classificatório responsável pelo articulação: pelo trâmite do
pensamento dedutivo (inferencial).

573
quais executamos alguma ação.Há também seleção de elementos por estarem
dispostos em proximidade: nalgum tipo de sucessão: se for estática denominá-lo-
emos de sucessão espacial (chão, parede, coluna, teto, calha etc.); se for
dinâmico chamá-lo-emos de sucessão temporal (início, meio e fim de um
movimento). O primeiro corresponde a uma determinada disposição das partes de
um todo (conjunto); já o segundo, corresponde a um determinado processo dos
momentos de algo em movimento. Ambos pertencem ao eixo sintagmático-
metonímico de nosso entorno. Será uma seleção por contigüidade. Entretanto, se
agruparmos os seguintes elementos: borboleta, avião, águia e morcego; qual será
então o critério de tal agrupamento? Será um seleção por verossimilhança: todos
eles voam e têm asas. Seja na ação equivalente, seja no formato similar, ambos os
aspectos pertencem ao eixo paradigmático-metafórico de nosso entorno. Cabe
ressaltar uma diferença entre dois tipos de Campos: os lexicais e os associativos.

Fica claro, portanto, que os campos associativos e campos lexicais não são a
mesma coisa. Enquanto os campos lexicais se estruturam de forma exclusivamente
lingüística, os campos associativos se organizam a partir de fatores extra-lingüísticos.
(OLIVEIRA, 2008: 73).

O estudo os campos devem proceder ao estudo dos componentes


semânticos, pois estes servirão como instrumento analítico para o campo lexical.
Já o campo associativo – devido a seu caráter exterior de disposição e
verossimilhança dos elementos e as ações – requer um instrumental analítico
prático-utilitário (funcional) do que é necessário para atingirmos certos resultados;
um instrumento sintético inferencial (intencional) dos agentes e um método
comparativo entre o acervo de hábitos, intenções e comportamentos.

(...) Quando se diz aqui que os campos lexicais se estruturam de forma exclusivamente
lingüística, quer-se dizer que os itens que compõem um campo lexical estão
relacionados por componentes de significação. Por exemplo, as palavras livro,revista e
jornal fazem parte do mesmo campo lexical pelo fato de compartilharem os
componentes [ENTIDADE INANIMADA] e [PARA SER LIDO]; as palavras professor e
professora, por sua vez, fazem parte de um outro campo lexical e compartilham os
componentes [HUMANO] e [QUE LECIONA]. Entretanto, as palavras professor,
professora, livro e aula não pertencem ao mesmo campo lexical, embora sejam

574
facilmente associadas uma às outras por quem tiver tido a experiência de estudar numa
escola, formando um campo associativo. (OLIVEIRA, 2008: 73).

1) O instrumental analítico de caráter prático-utilitário (funcional) é um cálculo de


ação; por isso chamá-lo-emos de Ação Estratégica = adequação dos meios
empregados para atingir resultados específicos. Palavra-chave: mecanismo de
meios e fins.

2) O instrumento sintético inferencial é uma predicação da intenção do agente


comunicativo (ação e discurso) pelo qual deduzimos a qualidade e intensidade do
discurso e ação; por isso denominá-lo-emos de Correspondência Teleológica =
aplicação de critérios semânticos-pragmáticos de inferência pelas implicações
(intra-lingüísticas e extra-lingüísticas). Palavra-chave: inferência intencional por
apreciação conceitual (discurso) - implicativa (ação) ou reconhecimento telésico
da conduta singular.

3) O método associativo é necessário antes da avaliação do repertório adquirido e


sancionado e hábitos, etiquetas (disposições estéticas da conduta e aparência),
intencionais sociais de cargos, postos e títulos e práticas sociais ou mesmo hábitos
de pensamento associados a estas práticas. Através do eixo sintagmático-
metonímico teremos as expectativas sociais, ou seja, as deduções de pensamentos,
sentimentos e ações, por exemplo; através do eixo sintagmático-metafórico
teremos as induções ou formas indiciais de pensamento, de correlações de
amplitude articulativa dos pensamentos e desejos por semelhanças. Por isso
nomeá-lo-emos de Dossiê do Fundo Comum Sócio-Cultural.

4) Esta última e quarta etapa está para além do escopo deste volume; contudo,
proponho uma axiologia como um exame valorativo dos efeitos de todo o
conjunto das três etapas ou formas de atuação. Se o significado total 397 é uma
intrincada rede de associações das formas de vida comum (3), dos atos e discursos
singulares (2) e plano de ação instrumental (1) e se – conforme minha Tese – há
uma homologia entre Discurso, Comportamento e Intenção (pelos efeitos destes
dois últimos a ativarem os desvios comunicativos), então, os expedientes
falaciosos e destituidores intersubjetivos serão empregados em cada caso de

397 Holismo Semântico-Pragmático.

575
Intenção/Comportamento (quando estes foram avaliados pelas conseqüências). Os
fatores associativos e lexicais, mais as regras de seleção combinação (sintaxe), as
de sentido (semântico) e a de significado global (pragmático) são uma
complexíssima montagem de significado e, como tal, necessita de diversos
âmbitos pelos quais uma visão de mundo ou juízo totalizante398 seja proferido
com precisão.
O campo lexical na citação de Luciano Amaral Oliveira equivale aos
instrumentos culturais e aos cargos sociais agrupados por classificação quanto ao
que tem de comum (critério metafórico399). Já, o campo associativo relaciona-se
com o aspecto institucional (pessoas e objetos), mas poderiam ser também juízos
de valor: adjetivos, implicações dos comportamentos (de algum setor institucional
específico). Corresponde a algum tipo de sucessão (critério metonímico400).

(...) Um bom exemplo de campo associativo é o seguinte, que provavelmente vem à


cabeça de muitos brasileiros quando pensam na palavra político: político, congresso,
partido, ladrão, corrupto e propina. (OLIVEIRA, 2008: 73).
Propomo-nos a considerar a palavra, já não como um objeto isolado, mas como
um elemento no interior de conjuntos mais importantes, que classificamos
hieràrquicamente, partindo de uma análise das estruturas sociais. (ULMANN, 1973:
526).

Todos estes predicados associados numa cadeia são reflexos da forma de


vida, ou melhor, do estilo de vida de um setor ou grupo social específico. Um
exame complementar a este, será a 2º etapa, na qual os agentes singulares (e não
genéricos como no caso dos setores ou grupos) serão avaliados numa comparação
entre características gerais (coletivas) e peculiaridades singulares (individuais). A
noção de valor será aplicada em cada comparação entre mundo da vida social e
mundo da vida individual. A 1º etapa corresponde a aspectos naturais, pois um
cálculo de efeitos desejados pelos meios empregados referem-se às condições
naturais do âmbito sensorial: causa-efeito.

398 Seria isso uma pretensão de significado absoluto? Não, pois a significação é contínua;
porém, é totalizante no aspecto de incluir todos os setores suscetíveis de serem associados
para, em conjunto, significarem, inferirem ou predicarem algum fenômeno na malha sócio-
cultural.
399 Pertence ao eixo paradigmático: campo de associações = critério de similitude.
400 Pertence ao eixo sintagmático: campo de combinações = critério de contigüidade.

576
Este acervo mnêmico dos fenômenos sociais pelos quais os indivíduos
estão imersos nas mesmas águas correspondem a um topos, ou seja, são
armazenados no Pré-Consciente e podem facilmente serem resgatados. É o
elemento comum dessas formas de vida pelos indivíduos neles inseridos que
trazem o sentimento de pertença de gregário.

É partindo do estudo do vocabulário que tentaremos explicar uma sociedade.


Poderemos, assim, definir a Lexicologia como uma disciplina sociológica que utiliza o
material lingüístico que são as palavras. (ULMANN, 1973: 526).

Contudo – como o estudo deste autor é Crítico – após tal levantamento ou


prognóstico, necessitamos do diagnóstico: avaliar as condutas individuais,
instituições, práticas sociais e discursos para apontarmos quando, o quanto e como
tal agente chega a ser anti-social, anti-ético. Se há homologias entre as formas de
expressão e se o ser humano age por conjunto, por gestalt 401, então
necessariamente haverá correspondência e determinação recíproca entre as formas
de expressão – que sempre comunicam e são passíveis de interpretação, pois são
signos – e um desvio normativo no plano discursivo que implicará uma apreciação
e uma inferência intencional que por sua vez será ou reforçado ou atenuado pelos
comportamentos subjacentes.
Vejamos agora – a título de comparação com meu método axiomático de
acervo sócio-cultural: produtos, produções institucionais, cargos, convenções e
ações peculiares de grupos – o método de S.Freud empregado na clínica
psicanalítica. A saber, o método de associação livre:

“A semelhança também pode causar um desvio quando outra palavra semelhante


está pouco abaixo do limiar da consciência, sem que se destinasse a ser pronunciado.
Isso é o que acontece nas substituições. Assim, espero que minhas regras venham a
confirmar-se quando forem testadas”. (...). É bastante óbvio que o exame das imagens
lingüísticas “errantes” que estão abaixo do limiar da consciência sem que se tencione
dizê-las, bem como o pedido de informação sobre tudo o que estaria na mente do

401 O significado é sistêmico; tanto quanto o é nossas ações e, valemo-nos dos três âmbitos:
cenário sócio cultural, ações e discursos em relação à pragmática, aos cálculos estratégicos e
à semântica. É óbvio que a semântica não se isola, nem a pragmática, mas ambas
interpenetram-se como jogo dialético entre: dimensão sensorial, dimensão dos sentidos do
discurso e dimensão ético-prático das implicações ou efeitos.

577
falante, são procedimentos que se aproximam muito das condições de nossas
“análises”. (FREUD - Vol. VI, 2006: 71).

Se na clínica os pacientes discursam sobre suas ações e visão de mundo é


porque tais associações não são tão “livres” assim. São livres no sentido ou
aspecto de não serem forçados ou coagidos por outra pessoa; mas guarda relações
entre seu psiquismo e as formas de vida que interagem com ele e ele vive a partir
(mas não somente) delas. A lição que podemos tirar daqui é que a fala é
reflexo402das condições internas e das situações externas e do resultado de ambas
interagindo. Se aqui buscamos vencer a censura que inibe o material inconsciente
(e sua intenção) para o consciente; nas conversas e práticas cotidianas – quando
não estão sob forças desviantes ou patogênicas – são um meio de obtermos dados,
conteúdos gerais sobre o extrato sócio-cultural: via campos associativos. Eles
podem ser empregados numa Sócio-análise.
Mesmo assim, na conversa cotidiana, temos exemplos de deturpações
comunicativas e práticas incoerentes com discursos: é aqui que podemos relutar
em afirmar os conteúdos individuais e coletivos envolvidos em nossos propósitos
e estilo de vida. Então teríamos uma segunda censura: o material do Pré-
Consciente impedido (ou total, mas geralmente parcialmente, pois é preciso
extrema vigilância para não entregarmos os conteúdos) para o campo consciente.
Noutros casos de hipocrisia tácita, podemos voluntariamente encobrir tais
conteúdos ou atenuar seus efeitos ou mesmo “legitimá-los” por algum desvio de

402 Pensemos na avaliação da Indústria Cinematográfica e também nas Literaturas Ficcionais:


todos eles reproduzem meios de vida, estilos específicos que são projetados – mesmo em sua
criatividade – e, por isso, são condicioniados por eles nalgum grau. Como verificar tal grau?
Basta reconhecermos quais e o quanto são variações sobre o mesmo tema: funcionais e
constantes em seus efeitos duradouros e similares, variados em seus meios. Projetar um
conteúdo é reproduzir valores, práticas, conclusões; primar por determinados temas, evitar
outros. Haveria coerência ou função no Mito judaico de Nascimento Virginal numa cultura em
que festeja a sexualidade? Haveria coerência ou função no Mito judaico de “anjos”
andrógenos, mas com rosto de homens, se eles vivessem num sistema social
predominantemente matriarcal? Haveria tantas Deusas Cretenses num grupo social onde
impera a atuação/valoração masculina? Uma “divindade” bélica só nasce no seio sócio-
cultural afim; assim como uma ficção (livros e filmes) em que um robô é cultuado só pode
advir duma sociedade com valores cibernético-tecnocráticos em detrimento do ser humano
(Robocop, Eu Robô e Guerra nas Estrelas, este último com o personagem Darth Vaider):
porque as máquinas já tomaram o lugar humano no tocante à escala de valores. Isso indica o
quanto a produção humana é determinada pelo que fazemos da natureza, de nós e com
outros: gerar algo novo é recriar sobre a mesma base! Somos sistêmicos...

578
foco. Tais casos, serão explícitos casos de falácias argumentativas de auto-defesa.
Aqui a auto-defesa não é de conteúdos latentes – oriundos de atividade
inconsciente – mas do próprio ego a favor de alguma forma de desapropriação do
ser humano, de exploração ou abuso instrumental.

8 – O Contexto como Significado

Ao comentarmos sobre “contexto como significado” vem à nossa mente


uma ideia de contexto de situação; – como aquele explicitado por Malinowski –
porém, a acepção que desejo trabalhar por enquanto restringe-se ao contexto intra-
lingüístico. Além disso, há outra especificidade: se na teoria dos campos o eixo
paradigmático é o critério; aqui, no contexto intra-lingüístico, o eixo sintagmático
é o critério de significação.

Discutimos (…) a possibilidade de o significado poder ser determinado em


termos de ocorrência de elementos lingüísticos em certos contextos extra-lingüísticos.
Mas pode também defender-se a hipótese de o significado, ou pelo menos parte do
significado de alguns elementos, principalmente as palavras, poder ser definido em
termos do seu contexto lingüístico. (PALMER, 1979: 107).

Ao descrever a significação (ou processo de significar) dos exemplos de S.


Freud sobre as associações com eventos externos passíveis de serem relacionados
enfoquei a montagem semântico dos aspectos intersubjetivos e de situações
externas (sensoriais). Agora, exploraremos as combinações dos lexemas, ou seja,
da produção de significado a partir da disposição das palavras. Um conjunto de
palavras – a que denominamos tecnicamente de expressões – receberá um
significado sui generis devido a um contexto ou um conjunto combinado (plano
da expressão) a um contexto de situação correspondente que sirva de relação pela
qual o significado da expressão como um todo será condicionado pelo contexto de
situação: sendo que a combinação das palavras perderão seu aspecto unitário, para
se tornarem um único significante em toda expressão.

Esta visão tem por base a perspectiva que dá uma importância primordial, na
análise lingüística, à DISTRIBUIÇÃO dos elementos lingüísticos, perspectiva está

579
intimamente ligada ao nome de Zeiling Harris. (…). refere especificamente que para o
linguista o significado de uma unidade é o conjunto de probabilidades sujeitas a
determinadas condições e deixa para o sociólogo o significado <externo> ou
<práticos>. (PALMER, 1979: 107 e 108).

Contudo, se uma palavra é significada também pela freqüência, pela


repetição de um som relacionado ou baseado a um evento externo, então admito a
atribuição de sentido de um termo ou um conjunto deles – que é o caso aqui da
frase idiomática – como fruto da repetição entre som e sensorialidade, entre
palavra e evento externo pelo qual a unidade ou conjunto de palavras adquirem
significado por associação a um fenômeno que não é ela, mas fará parte dela. Uma
palavra ou conjunto delas será como uma âncora sensorial para uma associação
psíquica com a capacidade de evocar aspectos do fenômeno pelo qual representa.
De qualquer modo, seja o significado unitário, seja um conjunto de palavras
dispostas ou vizinhas (sintagmas), ambos dependem da associação a um
determinado evento pelo qual adquirirão sentido.

Revertendo, uma vez mais, à nossa locução nativa, não será preciso sublinhar
especialmente que, numa linguagem primitiva, o significado de qualquer palavra
isolada depende, num elevado grau, do seu contexto. As palavras “madeira”, “remo”,
“lugar” tiveram de ser retraduzidas em livre interpretação para mostrar qual é o seu
verdadeiro significado, transmitido a um nativo pelo contexto em que eles aparecem.
Também é igualmente claro que o significado da expressão “chegamos perto da aldeia
(de nosso destino), literalmente “remamos em lugar”, só é determinado tomando-o no
contexto da frase toda. Esta, por sua vez, só se torna intelegível quando colocada no
seu contexto de situação, se me permitirem criar uma expressão que indica, por um
lado, que a concepção de contexto tem de ser ampliada e, por outro lado, que a
situação em que as palavras são proferidas nunca pode ser tida como irrelevante para a
expressão lingüística. Vemos como a concepção de de contexto deve ser
substancialmente ampliada se quisermos que ela nos forneça toda a sua utilidade. De
fato, deve romper os limites da mera lingüística e ser transportada para uma análise
das condições gerais em que uma linguagem é falada. (…), o estudo de qualquer
linguagem, falada por um povo que vivem em condições diferentes das nossas e
possuidor de uma cultura diferente, deve ser realizado em conjunção com o estudo da
sua cultura e do seu meio.
(…). Uma declaração, falada na vida real, jamais está desligada da situação em
que ela foi proferida. Pois cada declaração verbal, por um ser humano, tem a

580
finalidade e a função de expressar algum pensamento ou sentimento real, nesse
momento e nessa situação, e que, por um outro motivo, é necessário tornar conhecido
de um outra pessoa ou pessoas – a fim de que sirva ou aos propósitos de ação comum,
ou ao estabelecimento de vínculos de comunhão puramente social ou, ainda, para
livrar o elocutor de sentimentos ou paixões violentos. (…).
Estará agora perfeitamente claro que o ponto de vista do Filólogo, que se ocupa
tão-só dos remanescentes de línguas mortas, deve diferir do do Etnógrafo que, privado
dos dados fixos e ossificados das inscrições, tem de valer-se da realidade viva da
línguagem falada in fluxu. (MALINOWSKI, em Ogden/Richards: 303 a 305).

Um outro termo a designar tal fenômeno em que as palavras perdem seu


sentido unitário para adquirirem um sentido fusional: na qual as partes perdem sua
autonomia na construção de sentido sendo fundidas umas às outras como se a
frase inteira fosse um único significante ou lexema: o termo empregado na
Lingüística é Frases Idiomáticas.

As frases idiomáticas estão relacionadas com um determinado tipo de co-


ocorrência. Consideremos, por exemplo, (…) (perder a cabeça) (…) nada tem a ver
com o significado individual das palavras, mas o seu significado global aproxima-se
por vezes (não sempre) do significado de uma só palavra. (PALMER, 1979: 113).

O termo 'perder a cabeça', literalmente seria impossível, pois seria


necessário cortarmos o pescoço para que a cabeça se desprendesse do restante.
Entretanto, este estilo semi-poético funciona como uma metáfora analógica: assim
como perder algo e não ter controle sobre o objeto perdido, ‘perder a cabeça’
equivale a perder o controle dos atos pela qual a cabeça é responsável. É uma
maneira curiosa de expressarmos por analogia entre um evento sensorial (perder a
cabeça) em sentido figurado (perder controle). O sensorial (significado
denotativo) serve como significante para o sentido figurado (significado
metafórico).

Uma frase idiomática é uma seqüência de palavras cujo significado global não
pode ser determinado a partir do significado das palavras que a constituem. (…). As
frases idiomáticas constituem, semanticamente, unidades singulares. Mas não são
unidades gramaticais como as palavras, pois não existe forma de passado. (…). As
frases idiomáticas chamam a atenção apenas porque, sendo formadas por várias
palavras, funcionam como uma só, ao passo que ao discutirmos os morfemas, as

581
palavras transparentes, (…), estivemos quase sempre a comparar palavras com
palavras. (PALMER, 1979: 55).

Esse ‘perder’ significado unitário de autonomia relativa (parcial) e ganhar


um outro significado – na condição de uma situação em que seu emprego se
justifica – revela a maleabilidade da significação, pois mesmo quando as unidades
já contêm significados, elas podem adquirir outros: seja pela situação em que são
empregados,

(…).O estudo do contexto lingüístico tem interesse para a semântica por duas
razões.
Primeiro, porque podemos distinguir muitas vezes significados diferentes a partir
dos contextos lingüísticos das palavras. Nida, por exemplo, estudou o uso de cadeira
em:

(1) sentou-se numa cadeira


(2) a cadeira do bebê
(3) a cadeira de filosofias
(4) aceitou um lugar na universidades
(5) o presidente da sessão
(6) presidirá a sessão
(7) a cadeira elétrica
(8) condenado à cadeira elétrica

Estas frases estão claramente agrupadas duas a duas, proporcionando quatro


signficados diferentes para cadeira. (…).
Em segundo lugar, e embora por vezes possa parecer que a distribuição das
palavras é determinada de uma maneira geral pelo seu significado (e não o contrário),
isso não é inteiramente verdade.(PALMER, 1979: 110).

seja pela combinação específica de termos em determinada situação:

(…). Tem-se feito extensas investigações sobre a co-ocorrência em textos e os


resultados parecem indicar que a co-ocorrência é determinada tanto pelo significado
de cada uma das palavras individualmente, como (embora com muito menos
intensidade) pelas convenções sobre a «a companhia em que se encontram». Por essa
razão não podemos restringir o termo a um sentido bem definido, embora isso não nos

582
impeça mecessariamente de concordar com Firth e investigar apenas os casos de co-
ocorrência que nos pareçam mais interessantes.(PALMER, 1979: 111).

Se por um lado, necessitamos de algum aspecto do significado individual


das palavras – como é o caso do pensamento analógico com a expressão 'perder a
cabeça'; tal não é o caso do pensamento fusional em que pouco importa o
significado das unidades, mas sim apenas a diferença enquanto significantes, para
adquirirem significado quase integralmente pela situação em que são empregados.
Assim, perder o significado enquanto unidade para fazer parte de um todo como
se a expressão toda fosse um único significante é um fenômeno que chamo de
Fusão Significante com implicação semântica.

(…) a palavra toalha pode ser entendida literalmente como sendo uma peça de tecido
usada para enxugar uma parte molhada do corpo. Nesse caso, uma pessoa estaria
pedindo a Eddie para que ele jogasse esse objeto para ela. A interpretação de jogue a
toalha é feita palavra por palavra, composicionalmente. Uma uma outra interpretação
é feita no contexto das lutas de boxe: o ato de jogar uma toalha significa desistir da
luta. Eddie, treinador ao lado do ringue, ouviria essa sentença de seu assistente, pois
seu lutador estaria sendo massacrado pelo adversário. (…). Observe-se que jogar a
toalha é uma expressão idiomática, que não se limita ao verbo jogar ou ao substantivo
toalha apenas. (…). Afinal, jogar a toalha, significando “desistir”, é uma expressão
idiomática. Portanto, não se constitui um caso de ambigüidade lexical, embora pareça
à primeira vista. (OLIVEIRA, 2008: 112).

Obs.: Seria um caso de ambigüidade se num texto não houvesse menção


das situações, ou seja: se estivesse omitido o fato da situação ser ou de alguém
que toma banho e pede a toalha ou de alguém numa luta de boxe que pede para
“jogar a toalha”.Vale a pena frisarmos as incursões de Chomsky com a teoria
sintáctica a determinar (parcialmente) o sentido da frase:

Uma vez que o termo semântica se especializou como o nome da ciência do


significado das palavras, o estudo do significado na sintaxe deveria ser referido como
<semântica sintáctica>. Cf. N. Chomsky, Syntactic Structures, Haia, 1957, cap. 9.
(ULMANN, 1973: 70).

583
9 – Semântica: Generalização e Restrição

Analisaremos neste capítulo a chamada Mudança Semânticas. O fulcro


investigativo da mudança de significados são os critérios pelos quais motivam uma
determinada mudança.

A respeito das causas históricas para as mudanças semânticas, Ullmann (1964:


412-413) faz o seguinte comentário: “Objetos, instituições, ideias, conceitos
científicos mudam no decurso do tempo; no entanto, em muitos casos, o nome
conserva-se e contribui assim para assegurar um sentido de tradição e continuidade”.
(OLIVEIRA, 2008: 51).

(…). Até princípios dos anos de 1930, os trabalhos neste campo concentraram-se
quase exclusivamente em torno de dois problemas: a classificação das mudanças de
significado, e a descoberta das leis semânticas. (ULLMANN, 1973: 407).

Se a semântica estrutural foca seu objeto de estudo no aspecto Sincrônico;


ou seja, nas operações que se travam na mudança semântica – como os tipos,
classes de mudanças recorrentes e sistemáticas – a semântica histórica privilegia
seu objeto de estudo no aspecto Diacrônico; ou seja, no conteúdo específico dum
contexto de situacional que se baseiam (motivam) as mudanças semânticas. A
primeira é de natureza interna por depender de operações mentais comuns ao
gênero humano; já, a segunda, de natureza externa, por depender de contextos
específicos e singulares aos indivíduos inseridos nos mesmos.

As mudanças de significado podem ser provocadas por uma infinita


multiplicidade de causas. (…). Muitas mudanças, incluindo algumas que parecem
enganadoramente simples, devem-se a causas excepcionais que só podem ser
estabelecidas pela reconstrução do fundo histórico completo. (ULLMANN, 1973: 409
e 410).

Então, a Semântica Estrutural é o momento Formal/Estático; enquanto que


a Semântica Histórica é o momento Conteudístico/Dinâmico. Estas
discriminações são importantíssimas, pois já vimos o quanto é pernicioso a
unilateralidade dos momentos – pois pecam pela redução, concebendo os
momentos como partes = destituição categorial.

584
A polissemia é um traço fundamental da fala humana, que pode surgir de maneiras
múltiplas. (…).
1) Mudanças de aplicação. - Como vimos ao analisar as várias formas de imprecisão
no significado, as palavras têm um certo número de aspectos diferentes, de acordo
com o contexto em que são usadas. (…). As mudanças de emprego são
particularmente observáveis no uso dos adjectivos, uma vez que eles têm a
possibilidade de variar o seu significado de acordo com o substantivo que qualificam.
(ULLMANN, 1973: 331).

Um pertinente exemplo de polissemia por aplicação específica é o caso da


palavra devagar. É um adjetivo e, como tal, expressa qualidade. Contudo, adquire
especificidade ao ser aplicado aos substantivos:

“Vá mais devagar”, neste caso, sem complementação, ficará ambíguo. Pois o
termo devagar significa genericamente 'diminuir algo em movimento' e
dependendo com qual substantivo, adquirirá ou a especificação 'diminuição de
velocidade' ou a de 'diminuição de força empregada'.

1) “Para quê a pressa? Vá devagar” = diminuição de velocidade de deslocamento


= Lentamente.

2) “Para quê essa força? Vá devagar” = diminuição de intensidade do


deslocamento = Fracamente/Brandamente.

Neste exemplo, o termo 'devagar' permanece com o significado geral, mas


varia em sua especificidade. A mudança de sentido depende de determinação do
tipo, do modo em que tal diminuição se expressa. Temos uma mudança parcial,
pois apenas um componente semântico soma-se ao geral.

Vejamos a segunda fonte (fator) de mudança de sentido:

2) Especialização num meio social. – a Michel Bréal chamou a atenção para o facto de
que a polissemia surge frequentes vezes como uma espécie de taquigrafia verbal. <Em
todas as situações, em todos os ofícios e profissões>, escreve ele, <há uma certa ideia
que está tão presente na mente de cada um, tão claramente implicada, que parece
desnecessário declará-la quando se fala> (Essai de Sémantique, p. 154). Para um
advogado action [acção], significará naturalmente <acção legal>; para o soldado
significará uma operação militar, sem qualquer necessidade de um epíteto

585
qualificativo. Deste modo, a mesma palavra pode adquirir um certo número de
sentidos especializados, dos quais um só será aplicável em determinado meio.
(ULLMANN, 1973: 334).

Esta fonte de mudança é um caso específico da mudanças de aplicação. A


diferença reside na especificidade num meio social. Tomemos a palavra 'papel'. Se
usada no contexto de escolas ou universidade no âmbito de cópias ou livros ou
cadernos, todos admitirão ser o substantivo 'folha de papel'. Se estivermos numa
aula de Sociologia, 'papel' será interpretado como função social a desempenhar.
Neste sentido, equivale a papéis dos atores e atrizes sociais no mundo da vida
cotidiana. Caso estejamos num ambiente artístico de Artes Cênicas o significado
será de um personagem singular com um temperamento e tipo social específico
que deverá ser representado pela ou atriz ou ator. Detalhe, se o texto for escrito,
algo deverá sinalizar – ainda que indiretamente se se trara de folha, função ou
personagem a representar –; neste caso será contexto intra-textual. Se for falado, o
próprio ambiente coletivo, a própria instituição social será suficiente para
interpretarmos uma das três possibilidades de significados: neste caso será um
contexto extra-textual. Obs.: é óbvio que se estou no Teatro discutindo sobre a
textura do papel de um livro, então o significado será 'folha de papel'; assim como
se estivermos numa livraria debatendo sociologia, o significado de 'papel' será o
de função (expectativa) social desempenhada… os ‘tipos ideais’ de Max Weber.
Em suma, na ausência de sinalizador textual, o ambiente coletivo bastará
para a interpretação precisa. Na presença de sinalizador textual, valerá a temática
em relevância.Vejamos a importância da linguagem figurada na polissemia:

3) Linguagem figurada. – Já vimos a metáfora e outras figuras como um factor


importante na motivação e nas tonalidades emotivas; agora temos de considerar outra
faceta do mesmo artifício. Uma palavra pode adquirir um ou mais sentidos figurados
sem perder seu significado original: o velho e o novo viverão lado a lado, desde que
não haja possibilidades de confusão entre eles. Deste modo, um certo número de
metáforas pode, como afirmou um pioneiro da semântica moderna, <irradiar> do
sentido central. (ULLMANN, 1973: 334).

Tomemos o exemplo do lexema 'boca' e 'pé'. Primariamente significa um


órgão de nossa constituição. Mas pode ser aplicado em casos de semelhanças
(como critério de conexão associativa).

586
1) Boca do Forno
2) Pé da mesa
* Este dois primeiros são tipos de métaforas com o significado de semelhança
sensorial e funcional: um forno abre como uma boca, embora não pareça uma
boca = semelhança funcional ; uma mesa tem um suporte em baixo para sustentá-
la = semelhança por contigüidade espacial estática.
3) Boca de Lobo
4) Pé de alface

** No caso de 'boca de lobo', pode se referir a um cofre (como é o caso das


bilheterias do metrô) ou também como um problema. Este último é um
significado advindo de analogia de caráter adjetívico: assim como a boca de um
lobo é perigosa para um ser humano, a situação pela qual me refiro e me expresso
por 'entrei numa boca de lobo' é uma maneira de afirmar que a intensidade do
problema é tão intensa quanto o perigo duma boca de lobo. Aqui o significado é
uma metáfora por semelhança metonímia (implicações comparadas). O mesmo
vale para a expressão: “Entrei numa arapuca”. A semelhança aqui não é sensorial,
mas funcional: sinto-me preso como se estivesse numa arapuca.

A metáfora não é a única figura que pode dar origem à polissemia. A metonímia,
que não se baseia na semelhança, mas noutras relações entre os dois termos, pode agir
do mesmo modo. (ULLMANN, 1973: 339).

Já, o 'pé de alface', ou mesmo 'pé de manga', 'pé de laranja-lima' não se


refere a metáfora sensorial nem funcional: pois é uma frase idiomática, na qual o
significado pé perder integralmente seu núcleo significador individual para
adquirir sentido perante o conjunto inteiro.
Quando dizemos: “o umbigo do mundo” é uma metáfora, ou seja, uma
semelhança tal qual o raio está eqüidistante em relação à circunferência. É uma
analogia funcional, pois torna-se sinônimo de núcleo ou centro. Agora, quando
afirmamos que um ovo frito é um “olho”, fica óbvio que este é uma semelhança
sensorial; porém, quando ouvimos a frase popular: “ela é carioca da gema”, então
o significado é equivalente ao 'umbigo do mundo', não nos referimos à uma
semelhança sensorial, mas a uma semelhança funcional: assim como a gema está
para a clara (ou seja, no centro), o “carioca da gema” é uma pessoa que mora no

587
centro da cidade (provavelmente no centro da cidade = metrópole, em
contraposição a um bairro (periferia) ou cidade interiorana).

O facto de um signo poder designar uma coisa sem deixar de designar outra, o
facto de que, por ser um signo expressivo da segunda tenha também de o ser para a
primeira, é precisamente o que faz da linguagem um instrumento de conhecimento.
Esta <tensão acumulada> das palavras é a origem fecunda da ambiguidade, mas é
também a origem dessa predicação analógica, causa única do poder simbólico da
linguagem. (ULLMANN, 1973: 338).

Veremos a quarta fonte de polissemia:

4) Homônimos reinterpretados. – A polissemia pode também surgir através de uma


forma especial de etimologia popular. Quando duas palavras têm som idêntico e a
diferença de significado não é muito grande, temos uma certa tendência a considerá-
las como uma única palavra com dois sentidos. Històricamente são casos de
homonímia uma vez que os dois termos provêm de origens diferentes; mas o locutor
moderno, desconhecedor de etimologias, estabelecerá uma relação entre eles sobre
bases puramente psicológicas. (ULLMANN, 1973: 340).

Por último, a quinta fonte polissêmica e mais rara:

5) Influência estrangeira.– Um dos muito processos pelos quais uma língua pode
influir noutra é peça mudança de significado de uma palavra já existente. Algumas
vezes, o sentido importado abolirá completamente o antigo: assim o francês
parlement, que significa originariamente <fala, discurso> (do verbo parler <falar>) e
que depois veio a designar um <tribunal judicial>, adquiriu em data mais recente, sob
a influência do inglês parliament, o seu sentido moderno de <assembleia legislativa>,
único significado no qual presentemente se usa. (…). Em muitos casos, contudo, o
sentido antigo sobreviverá ao lado do novo, dando assim origem a um estado de
polissemia.
O <empréstimo semântico>, como é vulgarmente designado, será particularmente
frequente quando houver um contato íntimo entre duas línguas, das quais uma sirva de
modelo á outra. (ULLMANN, 1973: 341 e 342).
Há um interessantíssimo exemplo citado por Stephen Ullmann sobre
<empréstimo semântico>, pelo qual descreverei o processo de sua formação com
base em termos teóricos já estudados neste apêndice.

588
Muitos conceitos importantes da fé cristã devem o seu nome a empréstimos
semânticos do hebreu ou do grego. Na Bíblia, a palavra hebraica ml'k <mensageiro>
era muitas vezes usada no sentido de <anjos>. Como não havia em grego uma palavra
para designar <anjo>, os tradutores da Bíblia copiaram a polissemia do termo hebraico
usando o grego  . Do grego a palavra
passou para o latim e acabou por se tornar um termo internacional: inglês angel,
francês ange, alemão engel, russo ângel, húngaro angyal, etc. (ULLMANN, 1973: 343).

Mensageiro é um substantivo. Em hebraico é um termo geral (não


especificado qual tipo de mensageiro). Em grego, não há uma palavra que
corresponda ao significa da imagem mítica (anjo), proveniente do hebraico. Pelo
fato do panteão grego conter imagens míticas diferentes da do hebraico, então, no
grego, carece de termo equivalente ou sinônimo. O que aconteceu aqui? Os
hebreus (judeus), ao tomarem nota do termo grego – que somente equivale
semanticamente ao aspecto geral – incorreram em elipse: significam “o
mensageiro = aggelos” como algo específico: ou seja, como um tipo de
mensageiro como o termo hebraico… típico caso de etnocentrismo semântico.
Com a elipse, interpretamos algo não emitido: a especificação está ausente
enquanto significante, mas é significada como se estivesse ali. Ao interpretar o
termo grego, os hebreus projetaram seu conteúdo mítico no termo grego: sendo
que este último nada teve em seu significado que permitisse esta interpretação.
Estamos diante de um fenômeno próximo ao etnocentrismo: neste projetamos
valores e juízos de valor que na maioria das vezes não pertencem a eles. De modo
análogo: podemos projetar nossos conteúdos – adquiridos no processo
sociabilizatório – cultural – onde não tem. A simples coincidência do significado
geral é suficiente para que uma tendência cultural seja projetada (neste caso por
elipse):

Dentre as mudanças de significado ocorridas por causas sociais, pode-se pensar


em dois tipos: a generalização semântica e a restrição semântica. Generalização é o
processo pelo qual o significado de uma palavra deixa de ser aplicado a um referente
específico e passa a ser aplicado a um referente genérico. Um exemplo interessante
oferecido por Willem Hollmann (2005) é o significado da palavra inglesa dog, a qual
era originariamente usada para se referir a uma raça específica de cachorro e agora é
usada por falantes do inglês para se referirem a qualquer raça de cachorro.
(OLIVEIRA, 2008: 52 e 53).

589
10 – Significados e Precisão: Semântica e Pragmática

A importância da Definição

Antes de iniciarmos este capítulo, tratarei detalhadamente do tema:


Filosofia Regressiva e Filosofia Progressiva sobre o condicionamento dos
conceitos perante as transformações (derivações inferenciais). Considero que
elencar os significados e retrocedermos em suas formações é importantíssima para
compreendermos o sentido das palavras e combinações delas.

(…), no início de qualquer exame sério desses assuntos, devemos nos munir de uma
lista tão completa quanto possível dos diferentes usos das principais palavras.
(OGDEN-RICHARDS, 1972: 143).

(…). É querendo chegar depressa demais às coisas, é desprezando as palavras sem


inventariar o seu sentido, que corremos o risco de cometer alguns enganos
desagradáveis. (LEBRUN, 1999: 9).

Uma pessoa inteiramente familiarizada com o seu assunto e com a técnica de


Definição deve ser capaz, como o homem que domine de cima todo um labirinto, de
orientar os viajantes de todos os quadrantes para qualquer ponto desejado; e podemos
acrescentar que subir uma escada e olhar o labirinto do alto é, de longe, o melhor
método para dominar o assunto. (OGDEN-RICHARDS, 1972: 129).

Uma investigação sobre o que está em jogo no interpretação = processo


associativo de predicado(s) a um significante é condição necessária para um uso
responsável de nossos discursos. Tais associações são oriundas da aplicação de
determinadas (específicas) regras.

(…) Aristóteles enumera várias regras relativas à equivocação e outros recursos


concebidos com o objetivo de empurrar um adversário para alguma forma de
incoerência verbal, em seus Tópicos. (OGDEN-RICHARDS, 1972: 129).

(…), um termo é analisado preciosamente quando compreendemos o que autoriza sua


aplicação e que conseqüências podem ser extraídas dele.

590
(TSUI-JAMES- BUNNIN Org. BLACKBURN, 2002: 78).

(…). Uma explicação do processo de Interpretação é, pois, a chave para a


compreensão da situação significante e, por conseguinte, o início da sabedoria.
(OGDEN-RICHARDS, 1972: 69).

Interpretarmos algo sobre nosso entorno é dispormos significantes


específicos numa certa combinação (seqüência) e com específicas associações a
eles (predicados). Um falar sobre a realidade externa (sensorial) é uma montagem,
e visa representar – como todo signo – algo que não é o próprio significante, e
que é fruto de convergência de diversos significados atribuídos a ele: o referente.

(…). A verdadeira referência é referência a um conjunto de referentes e, quando estão


mutuamente ligados. A falsa referência é referência a eles quando estão dispostos de
algum outro modo, diferente daquele em que estão realmente ligados. O progresso no
conhecimento é o aumento do nosso poder de referirmo-nos aos referentes tal como
eles estão realmente ligados. Isso é tudo o que podemos fazer. (OGDEN-RICHARDS,
1972: 98 e 99).

(…), podemos dizer que, numa falsa asserção, acreditamos que um referente está num
“lugar” em que ele não está, ou que acreditamos estar-nos referindo a um referente
diferente daquele a que estamos realmente nos referindo. Podemos, por exemplo, dizer
que em duas asserções contraditórias nos referimos ao mesmo referente mas
atribuímos-lhe “lugares” diferentes; ou podemos dizer que estamos nos referindo a
dois referentes diferentes e lhes atribuímos o mesmo “lugar”. (OGDEN-RICHARDS,
1972: 121).

Aqui, os Mestres Charles Key Ogden e Ivor Richards aproximam-se


nitidamente de L. Wittgenstein…
Vimos o significado ser condicionado, formado e montado por e a partir de
relações de combinações (eixo sintagmático) e relações de associações (eixo
sintagmático). Estas duas atividades fornecem os subsídios operativos para que
um determinado significado (ou unitário ou um conjunto de informações) seja
atribuído a cada vez que tal significante manifestar-se. A mensagem atribuída a
um código – ou sinal – é causada por uma miríade de fatores e associações.

591
Os efeitos sobre o organismo, devidos a qualquer sinal, que pode ser qualquer
estímulo de fora ou qualquer processo ocorrendo dentro, dependem da história passada
do organismo, tanto geralmente como de um modo mais preciso. (…). assim, quando
acendemos um fósforo, os movimentos que fazemos e o som de raspar são estímulos
atuais. Mas a excitação que resulta é diferente da que teria sido se nunca tivéssemos
riscado antes um fósforo. As experiências passadas de riscar fósforos deixaram em
nossa organização engramas, vestígios residuais, que ajudam a determinar o que será
o processo mental. (…). Independentemente de prévias situações semelhantes, nós não
teríamos essa noção. (…). A expectativa é a excitação de parte de um engrama
complexo, que é ativado por um estímulo (o riscar) apenas semelhante a uma parte da
situação de estímulo original.
(…). Um sinal é sempre um estímulo semelhante a alguma parte de um estímulo
original e suficiente para ativar o engrama formado por esse estímulo. (OGDEN-
RICHARDS, 1972: 70 e 71).

Um conceito é uma síntese de experiências associadas a um ponto comum.


Imaginemos que uma discussão seja a respeito do aborto. Antes de qualquer
valoração, deveríamos compreender qual a eficácia403, por meios deles certos
resultados são garantidos. A discussão de: quando um ser humano pode ser
considerado ser humano?

(…). O conceito é a denotação de um predicado. Para Frege um conceito é um critério


por meio do qual podemos distinguir os objetos em: aqueles que estão sob eles e os
que não estão. Um conceito é, pois, um critério de classificação e de diferenciação dos
objetos404. (OLIVEIRA, 1997: 69).

(…) Uma compreensão de tal modo transparente de nossos significados asseguraria o


uso da lógica correta, pois é o significado que confere validade ou invalidade a uma
inferência; ela, portanto, resolveria a discussão, como nas áreas de divergência entre
os realistas e seus oponentes, os anti-realistas. (TSUI-JAMES- BUNNIN Org.
BLACKBURN, 2002: 78).

403A finalidade a ser atingida pelos meios empregados numa cadeia de sucessão, na qual o
resultado – os efeitos esperados – são alcançados = função.
404 Para questões estáticas, os objetos são diferenciados; para questões dinâmicas, os
processos são diferenciados. Como a gestação e o aborto são processos, eventos, então a
diferenciação recai, aplica-se sobre os momentos do processo.

592
Ora, como podemos responder a isso se o conceito de ser humano está
indefinido? E por que está indefinido?

1º Porque não se atingiu um consenso (e nem há o intuito de tal para a maioria);

2º porque um conceito é um ponto de partida, através do qual condicionará


logicamente as inferências derivadas a partir deste conceito;

3º porque os critérios pelos quais discriminamos um ser humano de um não-


humano depende dos aspectos elencados como relevantes;

4º os aspectos considerados relevantes são contingentes, pois na maioria das vezes


não seleciona os aspectos pelos critérios do par categorial: acidental/essencial;

5º os aspectos considerados relevantes – quando necessários ou essenciais para ser


humano – são um critério comum de definição e geraria um consenso pelo que é
condição necessária para todo e qualquer ser humano.

(…) a definição própria de um conceito não é em termos de propriedades, mas em


termos as suas operações efectivas. (ULLMANN, 1972: 134).

Para os que afirmam “Ser humano é quando o bebê sai do ventre”, teremos
como implicação lógica (rede de implicações) que somente cometeremos aborto
(morte do bebê) após a saída dele do ventre, pois se o que está dentro ainda não é
ser humano, logo, não será aborto. Compreendeis?
Se outra pessoa afirmar “Ser humano é quando há o feto”. Um feto é uma
formação de aproximadamente de 2 a 3 semanas. Então, matar o bebê que está
dentro do ventre após este período será um aborto, pois antes disso (por ainda não
ser humano), não será um aborto.
Se uma terceira pessoa afirmar: “Ser humano será quando houver a
concepção”, ou seja, perante esta definição, será após no momento da fecundação
= entrada do gameta masculino = espermatozóide, rompendo a coroa protetora do
gameta feminino = óvulo, e atingindo seu núcleo para compartilharem
geneticamente seus genes e crescerem até formar um adulto. Neste caso, qualquer
morte após a fecundação, qualquer morte no período gestacional será um aborto.

593
(…) a causa mais comum de incompreensão reside, como já foi muito reconhecido, na
ambigüidade de termos e, no entanto, fazemos muito poucos progressos no sentido de
concordarmos a respeito de definições. (OGDEN-RICHARDS, 1972: 146).

Qual deles está certo? Depende! Todos eles só podem ser considerados
dignos de uso se – e somente se – satisfizeram as seguintes condições:

1º for um consenso semântico quanto à sua definição, pois do contrário os


participantes do diálogo ou debate falarão línguas diferentes. Um consenso é
necessário.
2º um consenso é necessário mais não é condição suficiente: pois se há consenso
por um critério que levantam aspectos acidentais então será contingente tal
definição; se for um critério que levanta ou elenca aspectos essenciais, então será
necessária a definição.
3º uma avaliação ética só iniciar-se-á após estas duas etapas resolvidas: daí a
importantíssima consideração semântica do conceito em questão para o
pensamento.
4º uma reflexão ética integra dois aspectos: primeiro, o de evitarmos a morte
quando podemos viver ou cuidar de alguém (princípio geral); segundo, ainda que
tal princípio seja o mais desejado por aqueles que prezam a vida, devemos
considerar as condições situacionais pelas quais uma pessoa deseje abortar.

(…) “É necessário uma maior adesão às definições, se quisermos chegar a um


entendimento. Nomeie-se um comitê para definir os termos fundamentais que são usados
numa discussão” (OGDEN-RICHARDS, 1972: 146).

Explicarei agora o quarto ponto, pois carece de aprofundamento.


Imaginemos que uma mulher seja estuprada (por um desconhecido) e tanto ela e o
esposo desejem intensamente cuidar da criança, ainda que haja ódio do pai (o que
estuprou a mulher). Não vejo problemas aqui, pois ambos desejam cuidar da
criança e atribuem a raiva somente ao causador do violência e não ao produto
(criança).
Continuemos com a mesma estória: a mulher violentada está amargurada,
com ódio, e estende o ódio do seu causador para a criança: como uma mulher

594
assim poderá cuidar? Não poderá. E se cuidar será forçado = por obrigação. Um
criança necessita da vontade, de olhar escópico da mãe e do pai; se não tiver,
crescerá com problemas psíquico-afetivos. O que fazer?!
Antes que eu responda, consideremos pragmaticamente a questão: por
mais que o esposo queira que a criança fique viva, seria hipocrisia e falta de
sensibilidade de nossa parte sancionar: é errado matar, sob qualquer condição!
Pois, não sabemos o que a pessoa está sentindo para afirmarmos isso e, também, o
ventre é dela. Sinceramente, se eu estivesse nesta situação, a ponto de sentir ódio
pela criança: ou eu daria a alguém a criança após que nascesse, ou mataria.
Provavelmente faria a primeira opção. Mas numa situação em que a pessoa não
têm consciência de adoção e não quer a criança em seu ventre: eu, sendo esposo
dela, argumentar-lhe-ia o seguinte: “Ainda que eu deseje e seja contra a morte de
uma criança inocente, entendo teu sofrimento atroz e não tenho o direito de
afirmar teu dever nas condições extremas e traumática que estás; logo, ainda que
eu não deseje, não posso te impedir (e não devo) de abortar, pois o ventre é teu,
assim como teus sentimentos. Melhor será assim do que a criança nascer num solo
materno não-acolhedor”. Sou “a favor” do aborto: no âmbito geral enquanto
preceito; sou contra, sou a favor da vida e, qualquer um com sentimentos intensos
de cuidado e desejo humano, sentirá assim.
Contudo, é inflexível, hipócrita e violento sancionarmos algo válido
independente do contexto de situação, por não refletirmos e pesarmos prós e
contras. É similar ao exemplo de Bertrand Russell: podemos não matar por valor
humano, mas para um assassino prestes a explodir um trem, se o matarmos antes
da explosão, evitaremos um mal ainda maior: a morte de dezenas de pessoas!
Assim, entre dois males, cabe uma reflexão valorativa (ética ou axiologia), pois
se, e somente se, na condição de se evitar um mal maior do que a morte de uma
pessoa (e ainda assassina), então, nestas condições, sou a favor de matar. O que
não significa que admita isso em casos totalmente diferentes, com outras
implicações. Compreendeis?
Viver bem necessita de convívio amoroso, sendo matar, roubar e mentir,
situações que comprometem negativamente quaisquer relações intersubjetivas.
Entretanto, para casos extremos, nos quais há a escolha entre dois males, será
nossa obrigação evitar o dano maior. Bem, se quisermos sermos colaboradores
duma vida em que os atos de efeitos bons prevalecem sobre os maus e, entre ou
dois ou mais males, deliberemos sobre o menor deles e, no limite, no menor

595
número deles (dentre o que for possível). Tais considerações são integradoras e
evita a unilateralidade, nem libertinagem, nem rigidez quanto a algo determinado
como universalmente como um dever. A pragmática requer axiomas gerais e
aplicações deles em casos singulares, sendo que quando estes forem extremos e
atípicos, uma reflexão sobre eles a partir dos efeitos. Outra coisa digna de nota:
segundo estatísticas, o número de abortos em países em que é permitido costuma
ser menor do que nos países que são proibidos? Mas por quê?
Porque, geralmente onde há proibição, há a tendência de desejarmos burlar
a lei. Quando a permissão, por não haver obstáculos, ocorre um aborto de menos
risco (pois na condição de proibição legal, muitas abortam de maneira inadequada
para sua própria saúde). Então, numa estatística desse tipo, seria a favor da
legalização, mas não de sua prática. Numa estatística contrária, seria contra a
legalização do aborto. Seria correto me predicarem de Volúvel? Não. Coerência
entre contexto de situação e ação!
Argumentar sobre as ações a serem tomadas é tão indefinido assim? Meus
exemplos demonstram que não. É óbvio: parto de valores gregários e não-
etnocêntricos.Em seu aspecto formativo (genético) o significado é o resultado de
determinadas operações significadoras; em seu aspecto transformativo
(aplicativo) o significado é uma recorrência mnêmica do que fora formado – tal
aspecto deixa em aberto que outras informações sejam incluídas e outras
excluídas, daí o caráter dinâmico e progressivo do significado: ou seja um
significação = dialética entre o formado e a reatualização dele por meio de novas
combinações/associações.

A superfície da sociedade, como a do mar, pode estar, admite o antropólogo, em


perpétuo movimento, mas as suas profundezas, como as profundezas oceânicas,
permanecem quase imóveis. Só mergulhando diariamente nessas profundidades
podemos entrar em contato com nossos semelhantes; só – no caso particular da
linguagem – abrindo mão das vantagens deste ou daquele sistema especial de símbolos
científicos, bebendo na mesma corrente impura, poderemos compartilhar da vida da
comunidade. Se as nuvens da tradição verbal acumulada rebentarem sobre nossas
cabeças – no esforço de comunicar, na tentativa de interpretação – poucos são os que
desenvolveram até hoje os meios ainda que rudimentares de defesa.
O poder das palavras é a força mais conservadora de nossa vida. Só ontem os
estudiosos de Antropologia começaram admitindo a existência daqueles irresistíveis
turbilhões verbais pelos quais a maior parte do nosso pensamento é envolvida. “O

596
herdado esquema comum de concepção que nos cerca e nos penetra, natural e
irresistivelmente, como o ar que respiramos, nem por isso deixa de nos ser imposto e
limita os nossos movimentos intelectuais de inúmeras maneiras – tanto mais segura e
irresistivelmente porque, sendo inerente na própria linguagem que devemos usar para
expressar o mais simples dos significados, foi adotado e assimilado antes de podermos
começar sequer a pensar por nós próprios”. (OGDEN-RICHARDS, 1972: 46 e 47).

Como assim de defesa? Defendermo-nos dos desvios, dos abusos dos


significados atribuídos de maneira incoerente: já que a subjetividade é sígnica, o
processo de conscientização é o conhecimento (dos mecanismos operativos
envolvidos) e a aplicação (deste critérios para a transformação = derivações).
As combinações versam sobre o plano da expressão (significantes),
enquanto que as associações sobre o plano do conteúdo (significados). O
dinamismo significador é um devir semântico, sendo a subjetividade humana os
atos, as visadas, as operações, os movimentos sígnicos (conscientes, pré-
conscientes e inconscientes); ou mais classicamente conhecido como consciência,
mente ou representações.No âmbito das associações como oriundo da condição
processual estímulo-resposta retomo uma pergunta: O que é um significado?

Todo o pensamento, toda a referência, foi sustentado, é uma adaptação devida aos
contextos psicológicos que interligam os elementos em contextos externos. Por mais
“universal” ou mais “abstrato” que seja a nossa adaptação, a explicação geral do que
está acontecendo é a mesma. Desta maneira, chegamos a um sentido claro e definido
de “significado”. De acordo com isto, o significado de A é aquilo a que o processo
mental interpretando A está adaptado. É este o mais importante sentido em que as
palavras têm significado. (…) “É necessário uma maior adesão às definições, se
quisermos chegar a um entendimento. Nomeie-se um comitê para definir os termos
fundamentais que são usados numa discussão” (OGDEN-RICHARDS, 1972: 206).

O que é perguntar ‘o que é’? É traçar critérios ou condições específicas de


formação e de aplicação quanto aos significados. É explicitar o que evoca
enquanto: pensamento e sentimento um determinado significante. Um significado
é uma reação, uma resposta do sujeito em face do estímulo que lhe serve de base
para associar. Tais associações – que produzem um significado – são geralmente
pré-conscientes, o que equivale a dizer que a atividade significante é expressa,
enquanto o significado é inexpressa, pois eventos internos múltiplos ocorrem para
a formação de alguma noção atribuída ao significante sem o concurso, sem a

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participação voluntária do campo consciente. Tal atividade, em linhas gerais, é
involuntária, sendo apenas o resultado final, a resposta do sujeito frente ou perante
o estímulo [significante(s)].
As afirmações e negações sobre um tema ou conduta específica – como a
morte ou assassinato por exemplo – são em sua maioria o que Erich Fromm frisou
sabiamente: tendemos a carregar, repetir os valores adquiridos no seio de nossas
relações interpessoais… porém, a maturidade para um ser humano melhor
somente atingiremos se e na medida em que questionamos as insuficiências dos
valores sob o critério de tradição e autoridade, para o de valorar pelas
conseqüências menos danosas que se deseja manter ou as mais danosas que se
deseja evitar!

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