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Semântica da Língua Portuguesa AULA 1

Joseli Maria da Silva


Magdiel Medeiros Aragão Neto
Maria do Socorro Burity Dialectaquiz

INSTITUTO FEDERAL DE
EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA
PARAÍBA

A Origem da Ciência
dos Significados e sua
evolução histórica

1 OBJETIVOS DA APRENDIZAGEM

„„ Conhecer a ciência que trata das relações de sentido


e de significação na Língua Portuguesa;
„„ Identificar o percurso do significado a partir dos princípios
teóricos da Semântica em suas várias acepções.
A Origem da Ciência dos Significados e sua evolução histórica

2 COMEÇANDO A HISTÓRIA

Aqui estamos nós, mais uma vez, juntos, animados e curiosos, para conhecer
com maior acuidade, maior profundidade, a ciência que não se cansa de buscar
sentido nas significações das palavras, dos enunciados, do discurso enfim.

Já iniciamos essa discussão inserida em uma aula da disciplina Línguística II.


Naquela ocasião, nossa leitura foi apenas uma apresentação da Semântica,
um passeio breve por algumas teorias, de forma a nos dar a conhecer outros
caminhos da leitura e da aplicação do signo linguístico.

Agora vamos um pouco mais longe. Começaremos nossa aula a partir de


uma breve releitura dos estudos de Ferdinand de Saussure, seguiremos pelos
caminhos do Plano da Expressão até chegarmos ao Plano do Conteúdo. Esse
assunto também não será novidade para nós, pois estará sendo também visto,
embora superficialmente, na disciplina Morfossintaxe.

Vamos perscrutar a origem dessa ciência, seguindo seus passos até as atuais
teorias que, embora tracejem novos rumos, não eliminam nem desprezam os
caminhos da tradição semântica.

Veremos também que essa área de estudos não se autointitula independente,


autônoma; pelo contrário, envolve-se com a fonologia, com a morfologia, com
a sintaxe, às vezes, harmonicamente, às vezes, provocativa, instigando novas
pesquisas, novos olhares e conceitos complementares.

Com essa primeira explanação, queremos chamar sua atenção para um traço
marcante em nosso curso: a interligação, a conexão que procuramos realizar
entre as disciplinas. Observemos que desde os estudos do latim clássico, do
latim vulgar, da história da língua portuguesa, da morfologia, da linguística, das
teorias literárias, entre outros assuntos, estamos construindo um material que
tenta reproduzir ou expor a trajetória da construção, da análise e da evolução
dos fenômenos do significado em nosso idioma.

Ao trabalharmos com a Semântica, de forma mais específica, estamos abrindo


um espaço importante para tratarmos de particularidades que ora agem sobre
a estrutura de núcleo duro da Língua Portuguesa, e aqui consideremos a
materialidade do signo, em sua versão mais cartesiana – o significado por si só
(se é que isso é possível) –, ora agem, parcial ou totalmente, sobre o conteúdo
da proposição, considerando-se nessa perspectiva as relações argumentativas
ativadas pelo sentido expresso ou sugerido nos e pelos enunciados.

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AULA 1

Enfim, será um excelente exercício pelas trilhas do conhecimento da palavra,


seja como uma guerreira aparentemente solitária – como as interjeições –, seja
como um componente a mais no grupo da dialética e da comunicação interativa.

3 TECENDO CONHECIMENTO

Onde nasceu a Semântica? Como? A partir de que preocupações? Estas são


as primeiras perguntas que fazemos em torno de uma ciência que, ao longo
dos anos, muito tem explicado como as palavras e as construções complexas
(como frases e períodos) facilitam ou dificultam nossa prática elocutiva, nossos
diálogos do dia a dia, nossa produção dos diversos gêneros que fazem parte
de nossa rotina, seja no trato familiar, com nossos amigos, na vida acadêmica
ou profissional.

Tudo começou pelo sentido. Você já reparou como essa palavra sempre aparece
em nossas leituras? E não é à toa que isso acontece. Segundo Tamba-Mecz (2006,
p. 7), “o sentido é um dado tão imediato e fundamental em nossa experiência
cotidiana da linguagem que não é de admirar reações de espanto diante do
surgimento tardio e do estatuto controverso e ainda incerto da “ciência” chamada
semântica, que faz do sentido seu campo de estudos”.

E daqui já podemos extrair um primeiro conceito de Semântica: ciência que faz


do sentido seu campo de estudos, que também podemos parafrasear com ciência
que estuda os sentidos.

Para essa conceituação, é necessário que digamos sob que ponto de vista
consideramos o sentido. Segundo a autora acima, o sentido foi visto e reconhecido
por M. Bréal, em 1883, como um elemento especificamente linguístico, assim
como as formas sonoras. Visto dessa forma, o sentido deve ser analisado como
elemento que, linguisticamente, exerce pressão sobre a compreensão dos fatos
registrados na e pela linguagem. Partindo dessas primeiras reflexões, Tamba-
Mecz (idem, p. 8), nos apresenta uma primeira definição de semântica: “uma
disciplina lingüística (sic)1 que tem por objeto a descrição das significações próprias
às línguas e sua organização teórica (grifos da autora).

1 Expressão latina que significa “tal”, com valor de “tal qual o original”; conforme o autor”; “conforme
texto original”. Na ocorrência que destacamos, é necessário que assim coloquemos porque
atualmente o termo linguística não comporta o trema, porém não podemos suprimi-lo do
texto transcrito, já que, quando de sua publicação o trema ainda era uma acentuação vigente,
adequada à norma gramatical daquele período.
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A Origem da Ciência dos Significados e sua evolução histórica

Tendo uma primeira definição como ponto de partida, já podemos visualizar outras
formas de se ver a Semântica, apresentadas pela mesma autora, transcrevendo
a conceituação dos autores a seguir:

a) John Lyons diz que “A Semântica é o estudo dos sentidos”;


b) P. Guiraud assume a ideia de “A Semântica é o estudo do sentido
das palavras”;
c) P. Lerat, por sua vez diz que “A semântica é o estudo do sentido das
palavras, das frases e dos enunciados”.

A primeira ideia nos permite constatar que se concentra apenas nas características
linguísticas das significações, ignorando aspectos filosóficos ou psicológicos.
Observe que não se trata do estudo “dos sentidos”, das diversas formas de
compreensão de uma palavra, mas sim do que se evoca intelectivamente. Nessa
posição, é preciso, mais que tudo, definir o que seria sentido, e como há muitas
ideias controversas sobre o assunto, não se tem, nessa teoria uma conceituação
que lhe assegure o objeto de estudo. Desse lugar de compreensão, a significação
seria ativada unicamente pela ideia conceitual que a palavra estaria evocando.

A perspectiva de Guiraud guia nossa compreensão para a semântica lexical,


limitando o sentido ao sentido das palavras, ou seja, a relação entre a matéria
linguística (a forma) e sua compreensão depende muito fortemente da significação
posta nos dicionários, por exemplo.

A última concepção, também chamada de semântica global, busca atingir todos


os fenômenos ligados aos sistemas e usos da língua. Essa linha de aplicação se
coaduna com facilidade aos preceitos da Pragmática, por exemplo, que parte
dos usos, das situações interlocutivas e da argumentação, por excelência, em
direção aos interesses dos envolvidos em um processo comunicativo.

Ainda que apresentemos essas especificidades dos estudos semânticos, não há


qualquer pretensão de lhes dizer que uma ou outra perspectiva é a que deve ser
considerada como perfeita, satisfatória e ou capaz de resolver todas as questões
que envolvem seu campo de pesquisa.

Há sempre uma tendência para se analisarem certos fenômenos à luz de uma


ou de outra teoria semântica. Por conta disso, alguns linguistas e semanticistas
defendem também a ideia de que não há uma semântica adequada, tampouco
uma semântica global que consiga dar conta de todos os fenômenos da língua.

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AULA 1

Pensa-se, assim, em várias semânticas. Essa noção mais holística, digamos


assim, nos convida a um recuo no tempo, em busca de se recuperarem algumas
informações importantes sobre os primeiros trabalhos que batizaram a Semântica,
com esse nome e com seu objeto de estudo.

3.1 A Origem da Semântica

Os estudos semânticos começaram a partir de três correntes teóricas, a saber:

„„ A da linguística comparada, de orientação evolucionista; nesta domina a


semântica histórica;

„„ A da linguística estrutural, de tendências sistemática, funcional e sincrônica,


correspondendo a um período em que surge a semântica lexical, em um
misto de semântica histórica e estrutural ao mesmo tempo;

„„ E a da modelização das línguas, correspondendo a estudos que focam a


semântica da frase e da enunciação.

Vamos apresentar, embora superficialmente, o traço característico de cada


uma delas.

3.1.1 Período Evolucionista

O Período Evolucionista, marcado nos anos de 1883 a 1931. Seu precursor é,


como já dito, M. Bréal, que, relatado por Tamba-Mecz (2006, p. 14), assim expõe
sobre a origem dessa ciência:
O estudo no qual convidamos o leitor a nos seguir é tão
recente que nem mesmo recebeu um nome. Com efeito,
é sobre o corpo e a forma das palavras que a maioria dos
lingüistas (sic) exerceu sua sagacidade: as leis que presidem a
transformação dos sentidos, a escolha das expressões novas,
o nascimento e a morte das locuções foram deixados na
sombra ou indicados apenas de passagem. Dado que esse
estudo, tanto quanto a fonética e a morfologia, merece ter um
nome, vamos chamá-lo de semântica (do verbo σημαίνειν),
ou seja, a ciência das significações.

Em 1931 começa a influência da corrente estrutural, com os estudos de Ferdinand


de Saussure, por meio de seu Curso de Linguística Geral. Suas ideias, entretanto,
ainda vão esperar mais uns quinze anos para chamarem a atenção dos estudiosos

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A Origem da Ciência dos Significados e sua evolução histórica

da época. Por enquanto, os semanticistas da época concentram seus esforços em


explicar as teorias semânticas com base na teoria darwinista do evolucionismo, e,
segundo a autora acima (idem, p. 17), baseiam suas pesquisas em três pontos fixos:

a) A Semântica tem por objeto o estudo da “evolução” das significações


nas línguas;
b) Essa evolução é comandada por “leis” gerais;
c) Essas leis, próprias dos “fenômenos” semânticos devem ser extraídas
da “observação” dos “fatos” de sentido.

O conceito de evolução proposto por H. Spencer e por C. Darwin foi retomado


por Bréal, aproximando a antiga noção retórico-lógica da mudança de sentido
a esse conceito. O que isso significa? Significa que a análise dos fatos linguísticos
deixa de ser feita em uma perspectiva estática, lógico-racionalista, oriunda da
gênese filosófica, e passa a ser feita a partir de uma concepção mais dinâmica,
evolucionista. O curioso nesse processo é que, embora Michel Bréal tenha
percebido que o caráter mutável da significação tenha alguma correspondência
com a corrente naturalista de Darwin, ele não cede totalmente a essa perspectiva,
guardando alguma restrição em seu apoio analítico.

Caminhando em direção oposta à Bréal, Darmesteter ([1886], in Tamba-Mecz,


2006, p. 22) convencido de que assim se deve promover a análise dos “mistérios”
semânticos, defende a ideia de que, seguindo a ideia evolucionista de Darwin,
as palavras se assemelham a organismos vivos, “elas nascem, se modificam e
morrem sob a ação contraditória de uma força conservadora e de uma força
revolucionária, da concorrência vital e da seleção natural, por isso a Semântica
estaria vinculada às ciências naturais” Atenção: Você se recorda da Teoria proposta
por Charles Darwin? Que tal dar uma olhada nos estudos desse cientista e ver
qual é a relação possível entre sua teoria e os estudos semânticos?.

Atenção: Você se recorda da Teoria proposta por Charles Darwin? Que tal
dar uma olhada nos estudos desse cientista e ver qual é a relação possível
entre sua teoria e os estudos semânticos? Acesse o link abaixo e confira:
ààhttp://maniadehistoria.wordpress.com/teoria-da-evolucao-charles-darwin/?

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AULA 1

Figura 1

Para Bréal, entretanto, a vinculação da


semântica às leis naturais não parece ser
convincente. Para ele os fatos linguísticos,
entre eles o da significação, estão regulados
por condições constantes, ou seja, não se
trata de algo que, influenciado pelas leis
naturais nascem e, em algum momento,
podem simplesmente desaparecer. Desse
ponto de vista, defende o argumento de que
a linguagem “não possui realidade fora da
atividade humana”, esta regida pela vontade
Figura 2 Charles Darwin
humana, pelo desejo de compreender e
de ser compreendido. Em outras palavras, a compreensão do que dizemos, do
que ouvimos tem a ver com esse esforço que empreendemos para encontrar o
sentido que determinada expressão significa para nós.

Assumindo essa posição, Bréal descobre a capacidade que algumas palavras


têm de representarem vários sentidos. A essa capacidade Bréal dá o nome de
POLIFONIA, termo que permanece em nossa atual seara semântica, hoje defendida
por Oswald Ducrot. Sobre esse linguista-semanticista falaremos mais adiante.

Resumindo essa discussão, podemos dizer que se Bréal conceituou a Semântica


como a ciência das significações e Darmesteter como a ciência das mudanças de
significação nas palavras, essa dualidade divergente de perspectiva não impediu
que se chegasse à conclusão de nenhum objeto de estudo científico tem existência
a priori, ou seja, há toda uma relação de fenômenos que acabam por constituir

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A Origem da Ciência dos Significados e sua evolução histórica

fatos linguísticos os quais, serão, em algum momento, analisados sob alguma


luz teórica, esta sempre passível de reformulações e atualizações.

Enfim, como o sentido linguístico não foi eficientemente definido pelos linguistas
e semanticistas, as pesquisas, nesse período, continuaram a ser feitos à luz do
evolucionismo, embora ainda se pretendesse buscar a origem etimológica das
palavras ou sua determinação pelo pensamento e pelo uso.

Evidentemente isso não pode ser visto como algo negativo, já que se pode ampliar
os estudos semânticos sob outras bases teóricas, libertando-a das correntes
da lógica e da filosofia. Por outro lado, verificou-se que os estudos baseados
no evolucionismo não poderiam ser muito confiáveis, já que se descobriu
também que havia regularidades contínuas na constituição das palavras e de
seus encadeamentos.

3.1.2 Corrente da linguística estrutural

A corrente da linguística estrutural, de tendências sistemática, funcional e


sincrônica ou simplesmente a semântica lexical. Esta compreende o período
misto, ou seja, fase em que coocorrem, simultaneamente, duas linhas de ação:
a evolucionista e a diacrônica (ou história), desenvolvida por Saussure em 1916.

A proposta desse linguista, bastante conhecida no mundo acadêmico, tem


norteado muito dos estudos da Morfologia e da Semântica. Sua abordagem
estruturalista concentra sua atenção no entendimento de que a língua é um
sistema de signos formados pela “união do sentido e da imagem acústica”. Para
melhor compreendermos a teoria de Saussure, vamos a algumas conceituações.

3.1.2.1 Semiologia ou Semiótica

Preocupa-se com o estudo dos sinais, os quais podem ser naturais ou convencionais.
Os primeiros se manifestam em forma a) de indícios, são físicos, como a fumaça, a
trovoada, o cheiro, a luz etc.; b) de sintomas (fisiológicos), como a dor, a pulsação,
a febre, a fome, o suor etc. Já o signo convencional “pressupõe a existência de
uma cultura (antropologicamente falando) já estabelecida. Pode apresentar-se
em forma de ícone, símbolo ou signo” (CARVALHO, 2003).

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AULA 1

Figura 3 Figura 4

E o que particulariza cada um desses três elementos?

„„ O ícone é imagístico (estatuetas, fotos, desenhos etc.);

„„ O signo é a própria palavra;

„„ O símbolo é o intermediário entre os dois anteriores. Assim seria uma


representação coletiva, como a balança é o símbolo da Justiça, a cruz é
símbolo do Cristianismo, as bandeiras são o símbolo das nações etc.

Retornando à ideia de Saussure, já podemos dizer que em sua teoria, o signo é


a “união do sentido e da imagem acústica”, o que nos permite inferir que, para
Saussure, “sentido” é a mesma coisa que conceito ou ideia. Trata-se, portanto, da
representação mental que se faz de um determinado objeto quando a ele somos
“apresentados”, cujo efeito só se realiza plenamente se estivermos inseridos
em uma situação sociocultural familiar a nosso convívio. Assim, para Saussure,

conceito = significado

Por outro lado, segundo Carvalho (2003, p, 30), transcrevendo do Curso de


Linguística Geral (doravante CLG), “a imagem acústica ‘não é o som material, coisa
puramente física, mas a impressão psíquica desse som’”. Logo, para Saussure:

Imagem acústica = significante

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A Origem da Ciência dos Significados e sua evolução histórica

Daí se conclui que o signo linguístico é “uma entidade psíquica de duas faces”
(CLG, in CARVALHO, idem, p. 31), semelhante a uma moeda.

Exemplificando, ao pronunciarmos a palavra carro, imediatamente uma imagem


acústica ou um significante /’kaʀu/ ativa nosso conhecimento cultural e imaginamos
um automóvel, veículo, destinado a transportar pessoas, objetos, animais etc.
Lembremos que o significante, por não ter nenhum sentido se não associado
a uma ideia, se mantém no Plano da Expressão; o significado, por sua vez, por
traduzir a compreensão de um objeto, de um fenômeno ou fato social, se situa
no Plano do Conteúdo.

E o que vêm a ser esses planos?

Você certamente já viu, ou está estudando, esses conceitos, na disciplina


Morfossintaxe. Para facilitar sua compreensão, vamos apresentar sua ideia básica.
Antes de pensarmos nesses planos, é preciso considerar que as palavras, os
enunciados se constroem de forma articulada, ou seja, se constituem de partes que,
ao final representam uma unidade representacional. Quando compartimentamos
essas unidades, o fazemos com o interesse de saber como cada uma delas
funciona, de forma que possamos, em outro momento, as reintegrar. Assim
estaremos fazendo o processo da Análise, promovendo em uma ação reversa,
caso desejemos, o da Síntese, ou recomposição.

Muito bem, se fizermos uma decomposição e chegarmos a elementos que não


sejam portadores de algum significado, estaremos limitados ao Plano da Expressão.
Este plano se refere a elementos linguísticos que, sem qualquer noção de sentido
ou de significado, não “dizem”, não “referem”, não “materializam” nenhuma
informação conceitual. É o caso das partes destacadas em Os espadachins se
posicionaram com a espada em RISTE, por exemplo.

Utilizando esse mesmo fragmento negritado no exemplo anterior, podemos


atribuir-lhe um sentido e o analisar no Plano do Conteúdo. Você deve estar se
perguntando, mas como isso é possível: Separando-se as sílabas da palavra
riste? Vamos ver se isso resolveria nosso problema: RIS-TE. Pelo visto, separar as
sílabas não é a solução para se encontrar a imagem esperada, a informação que
buscamos nesse fragmento, pois a fração que negritamos anteriormente não
constitui uma sílaba, pelo menos não nessa palavra.

Vamos tentar colocar esse grupo linguístico em outro contexto: TIVESTE. Observe
que agora se trata de uma forma verbal, em que o grupo -ste (desinência) tem
significação gramatical na flexão verbal. Observe: tu tiveSTE; tu dormiSTE.
Essa terminação traz em si a informação de que os verbos estão flexionados
no modo indicativo, no tempo do pretérito perfeito (aquele das ações curtas,
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AULA 1

que se iniciaram e se completaram), na 2ª pessoa, do singular. Nessa situação,


não se trata de uma representação no Plano da Expressão, mas sim no Plano
do Conteúdo. Trata-se de um significante que, paralelamente, também traz um
significado.

Considerando que o signo é formado de significante e de significado,


teremos um signo constituído na forma STE, desinência verbal? Vamos
guardar essa discussão para um Fórum Avaliativo.

3.1.2.2 Os princípios do Signo

O signo linguístico é marcado por dois aspectos: o da arbitrariedade e o da


linearidade.

Arbitrariedade

embora pensemos em arbitrariedade como liberdade de ação, de movimento,


ou algo similar, não é nessa perspectiva que Saussure se apoia. Para ele, essa
característica se relaciona com o fato de que o significante é imotivado, isto é,
não tem nenhum laço natural com o significado. Dessa forma, não há nenhuma
obrigatoriedade de uma forma (significante) representar sempre a mesma ideia
ou conceito. Isso pode ser ilustrado por formas como charque (termo usual na
região do nordeste brasileiro) / jabá (termo comum na região norte do Brasil).
Trata-se de dois significantes diferentes para se referirem a um mesmo significado
– carne vermelha salgada. Esse princípio também pode ser visto com um mesmo
significante, porém com significado apenas aproximado pelo campo semântico,
como o que se observa em feijão (grão cozido separado da vagem; especiaria
típica em nosso País) / feijão (grão cozido, porém dentro da vage; especiaria
típica em Lisboa, Portugal).

E quando se diz que o signo é motivado? Embora o estudioso postule a


arbitrariedade do signo, ele não ignora a existência de graus de motivação
entre significante e significado. Assim, o que é arbitrário é imotivado, mas há
também aqueles que só o são relativamente, caracterizados como motivados.

Carvalho (2003, p. 39) apresenta essa característica defendida por Saussure: “Em
coerência com seu ponto de vista dicotômico, Saussure propõe a existência de um
21
A Origem da Ciência dos Significados e sua evolução histórica

“arbitrário absoluto” e de um “arbitrário relativo”. O primeiro seria representado


pelas formas derivacionais, construídas como sufixos, por exemplo. Desse ponto
de vista, pera, sendo palavra primitiva, seria um signo de arbitrariedade absoluta,
ou seja, imotivado – nada há que imponha que essa forma signifique exatamente
o que significa. Por sua vez, a derivada pereira representaria o arbitrário relativo
(signo motivado), devido à relação sintagmática pera (morfema lexical) + -eira
(morfema sufixal, com a noção de “árvore”).

Em conclusão, informa o CLG (in. CARVALHO, idem, p. 40): “a noção de relativamente


motivado implica: 1º, a análise do termo dado, portanto uma relação sintagmática;
2ª, a evocação de um ou vários termos, portanto uma relação associativa”.

A linearidade do significante

Essa característica está ligada à condição de discrição do signo linguístico.


Isso nos remete à produção de unidades discretas, isto é, os elementos de um
enunciado linguístico se posicionam com certa independência, sem variações,
o que impulsiona a escolha de um registro em lugar de outro, já que não há
meio termo entre as interpretações de um fenômeno ou realização linguística.

A linearidade reside na propriedade de se emitir as unidades discretas


sucessivamente, sem interrupções, sem direito a superposições. Elas não são
coexistentes, não são simultâneas, por isso só se emite um fonema de cada vez,
ou seja, linearmente.

Lembremos que essa característica é inerente ao significante, a parte material


do signo, e não ao significado. Este estaria representando o pensamento, o qual
não tem partes, não é sucessivo. Para finalizarmos essa parte de nossos estudos,
vamos ler o que nos diz as anotações do CLG, extraído de Carvalho (2006, p. 45):

[...] os significantes acústicos dispõem apenas da linha do


tempo; seus elementos se apresentam um após outro;
formam uma cadeia. Esse caráter aparece imediatamente
quando os representamos pela escrita e substituímos a
sucessão do tempo pela linha espacial dos signos gráficos.

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AULA 1

Enfim, enquanto o significante se organiza linearmente, obedecendo a uma


sucessão linear, o significado se realiza como blocos, unidade que só pode ser
compartimentada quando realizado pela fala ou pela escrita.

Exercitando

Responda ao que se pede.

1) Relacionando as colunas:

FF Imagem psíquica, conceito ou


A – Signo epresentação mental que a imagem
acústica evoca no falante.

B – Significante FF É semiarbitrário.

FF Imagem acústica, representação sonora


C – Símbolo
(de natureza psicofísica) do vocábulo.

FF Combinação arbitrária (ou imotivada) de um


D – Significado
ste (significante) ou de um sdo (significado).

2) Como você justificaria a afirmativa, extraída do CLG, registrada em Carvalho


(2006, p. 52): “Apenas uma parte dos signos é absolutamente arbitrária;
em outras, intervém um fenômeno que permite reconhecer graus no
arbitrário sem suprimi-lo; o signo pode ser relativamente motivado”, como,
por exemplo, em desleal e cerejeira?

4 APROFUNDANDO SEU CONHECIMENTO

A essa altura de nosso curso, você já deve ter se convencido de que é necessário
buscar apoio em outras leituras para aprimorar seu conhecimento. Com esse
propósito, indicamos a leitura do artigo científico produzido por Raquel Basílio,
alocado no endereço eletrônico a seguir:

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A Origem da Ciência dos Significados e sua evolução histórica

àà http://www.revel.inf.br/files/artigos/revel_esp_2_a_relacao_
significante_e_significado_em_saussure.pdf

Leia também, sobre a arbitrariedade do signo, o texto que se encontra em:


àà http://www.edtl.com.pt/index.
php?option=com_mtree&link_id=796:arbitrariedade-do-signo&task=viewlink

Sugerimos ainda os livros selecionados em nossas referências, entre eles:

De autoria de Irène Tamba-Mecz, este livro percorre


o curso breve, mas sinuoso, da semântica, mostrando
os limites e as modalidades possíveis de uma análise
do sentido linguístico e apresentando as unidades e
as estruturas semânticas próprias às línguas.

É um excelente companheiro para esclarecer


dúvidas e organizar a sequência de fatos que
acompanharam e contribuíram para a origem da
Semântica como ciência. Figura 5

Manual de Semântica traz para os leitores


informações, provocações e reflexões acerca dos
estudos do significado. Diferentes concepções
teóricas são abordadas aqui, como, por exemplo,
a Semântica Histórica, a Semântica Formal, a
Semântica Cognitiva, a Semântica Estruturalista e
a relação entre Semântica, Filosofia e Linguística. A
abordagem pragmática dos fenômenos semânticos
não poderia deixar de ocupar uma grande parte
deste livro, que também trata da semântica na
Figura 6
prática docente e do status teórico do significado
literal no processo de interpretação textual.

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AULA 1

A Semântica é o ramo da Linguística voltado


para a investigação do significado das
sentenças. Este livro conduz o leitor iniciante
aos temas centrais da Semântica e às ideias de
alguns dos mais importantes autores da área.
Utilizando-se de linguagem clara, objetiva,
de fácil compreensão, a autora, professora
Márcia Cançado, trata dos principais conceitos
teóricos e traz exemplos do português brasileiro
acessíveis aos falantes da língua. Apresenta,
ainda, exercícios (e suas respostas) para que
o estudante possa praticar e fixar o conteúdo.
Figura 7
Obra especialmente concebida para auxiliar o
professor e os estudantes na prática em sala de
aula e para todos os interessados nas ciências
da linguagem. 

5 TROCANDO EM MIÚDOS

Neste nosso encontro, lemos sobre a origem da Semântica e as interferências da


Filosofia e da Lógica em seu arcabouço teórico. Sendo uma ciência “jovem”, as
pesquisas que giram em torno de seu objeto de estudo ainda não o definiram,
de forma que há muitos estudiosos que consideram como tal o significado, o
sentido, o sentido das palavras, o sentido das palavras, das frases e dos enunciados.

Ainda pudemos circunscrever sua construção teórica com base em outras ciências,
como a Biologia, por exemplo, valendo-se os simpatizantes dessa perspectiva da
possibilidade de as línguas se manifestarem como as ciências naturais. Assim, as
palavras seriam analisadas a partir de suas propriedades biológicas como nascer,
modificar-se e desparecer. Essa perspectiva vai de encontro a uma outra teoria,
que persiste no aspecto histórico, numa abordagem diacrônica.

Em uma segunda fase de estudos, a Semântica abre espaços para a Teoria Lexical,
mesclando aspectos da corrente evolucionista, galgada nas pesquisas de Darwin,
a novos conceitos defendidos por Ferdinand de Saussure.

Esses últimos estudos tinham por base, em sua predominância estruturalista,


a concepção da palavra como signo linguístico, composto de duas partes
indispensáveis: o significante (plano da expressão) e o significado (plano do
25
A Origem da Ciência dos Significados e sua evolução histórica

conteúdo). O signo, assim constituído, estaria sedimentado em dois princípios:


o da arbitrariedade – que promove a autonomia do significante em relação ao
significado, ou seja, esse não tem poder sobre aquele – e o da linearidade. Essa
propriedade diz respeito à produção sucessiva, linear, do significante, já que
o significado não se compartimentaliza, já que se trata de algo resultante do
significante, este, sim, realizando em uma determinada direção, assim como
acontece com nosso processo de leitura: em língua portuguesa nossa leitura
é feita da esquerda para a direita. E com isso comprovamos a linearidade dos
significantes. O resultado é, então, o texto completo, compactado.

6 AUTOAVALIANDO

Após a leitura dessa aula, considere os seguintes pontos em relação ao que


você aprendeu:

a) Eu seria capaz de explicar o que é Semântica equal seu objeto


de estudo?
b) Consigo associar a contribuição de Darwin para a formação
dessa ciência?
c) Estou seguro para falar sobre quem foi Ferdinand de Saussure e
qual sua contribuição para a linguística quando propôs a Teoria
do Signo Linguístico?

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AULA 1

REFERÊNCIAS

CÂMARA JR. Joaquim Mattoso. Estrutura da Língua Portuguesa. 34. ed.


Petrópolis: Editora Vozes, 2001.

CARONE, Flávia de B. Morfossintaxe. São Paulo: Editora Ática, 1986.

CARVALHO, Castelar de. Para Compreender Saussure: fundamentos e visão


crítica. 14. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2005.

TAMBA-MECZ, Irène. A Semântica. trad. Marcos Marcionilo. São Paulo: Parábola


Editorial, 2006.

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