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Teorias Lingüísticas II

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ABORDAGENS DA LINGÜÍSTICA CONTEMPORÂNEA
DA ESTRUTURA AO USO
Jan Edson Rodrigues
Maria Leonor Maia dos Santos

Introdução

Nesta disciplina, vamos estudar algumas áreas de pesquisa lingüística atuais:


Sociolingüística, Lingüística Interacional, Lingüística Funcional e Lingüística
Cognitiva. Cada uma será apresentada por alguns princípios básicos, aspectos
metodológicos, e um panorama do que é feito atualmente na área. Para iniciarmos
o estudo, é interessante tomar conhecimento da distinção entre o formalismo e o
funcionalismo em Lingüística.

Forma e função

Em lingüística, várias correntes são ditas formalistas, e várias outras são ditas
funcionalistas. Algumas vezes elas são apresentadas como inconciliáveis por aqueles
autores que optaram por alguma das duas denominações. Vamos tentar aqui apresentar
uma caracterização geral dessas atitudes de pesquisa, a formalista e a funcionalista,
para entender suas diferenças, e, ao final, gostaríamos de defender que, apesar de
diferentes, ambas são úteis e corretas em Lingüística.
Podemos nos aproximar inicialmente da oposição entre o formalismo e o
funcionalismo em Lingüística pensando no papel central atribuído à forma ou à função
da linguagem. Será que as línguas humanas têm uma certa forma, uma natureza
intrínseca, e por isso servem para fazer certas coisas, ou será que as línguas têm certas
funções, e por isso ganham determinada forma? Pense numa faca: ela tem uma forma
de faca e por isso serve para cortar (a forma veio antes e determina o uso) ou ela tem
a função de cortar e por isso foi feita com essa forma (o uso veio antes e determina a
forma)? No caso da faca, que é um objeto fabricado e não da natureza, parece óbvio
que foi o uso pretendido que motivou a forma. Mas imagine que você está num lugar
onde não há facas, e sim muitas pedras, e precisa cortar com cuidado alguma coisa.
Uma fruta bem grande e madura, como uma jaca, por exemplo, ou uma fruta-pão.
Que tipo de pedra será melhor? Podemos pensar que as pedras que tiverem uma borda
comprida e afiada serão a melhor escolha. A forma da pedra já está lá, e por isso ela
serve para cortar a fruta. A forma, nesse caso, foi o que permitiu o uso.
Isso se parece, é claro, como lembra José Borges Neto (BORGES NETO
2004:83) com o popular dilema do ovo e da galinha. O que veio primeiro? A forma,
e então podemos usar algo para certo propósito, ou a função, e então modificamos as
coisas para fazer o que queremos?
Como o dilema do ovo e da galinha, essa é uma questão difícil de decidir, talvez
impossível. No caso aqui, primeiro precisamos conhecer um pouco o que motiva as
decisões dos formalistas e dos funcionalistas em Lingüística, a história dessas posições
e o tipo de pesquisa que se faz em cada uma delas.
Vamos começar pelo formalismo. Na verdade, há várias concepções de
formalismo, o que é importante para entendermos as diversas reações funcionalistas.
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Se caracterizarmos o formalismo de uma maneira bem ampla como a atitude de dar
mais importância à forma da linguagem, vemos que essa é uma posição muito antiga.

O estoicismo foi uma escola filosófica antiga, iniciada em Atenas por Zenon (ou
Zenão) de Cítia, no início do século III a.C.

Podemos citar como exemplo o trabalho dos filósofos estóicos, que nos séculos
III e II a.C. se ocupavam, entre outras coisas, com o que há de comum em exemplos
como os abaixo:

1. Se não temos a última aula, os alunos podem ir pra casa mais cedo. De fato, não
temos a última aula. Então, os alunos podem ir pra casa mais cedo.
2. Se o salário não foi depositado, minha conta está sem fundos. De fato, meu
salário não foi depositado. Então a minha conta está sem fundos.

É claro que os exemplos dos filósofos estóicos eram outros, mas a idéia era
encontrar uma forma comum a esses conjuntos de frases, alguma coisa como:

Se acontece ISSO, acontece AQUILO. De fato, acontece ISSO. Então acontece AQUILO.

Eles consideravam que era a forma comum que permitia que exemplos assim
fossem usados de maneira eficiente numa argumentação. Não importa o assunto, se
você construir frases seguindo o esquema, vai sempre ter o que ficou conhecido como
um argumento válido, que deveria servir para convencer alguém.

Numa definição informal, um argumento válido é um conjunto de afirmações


seguido de uma conclusão, que tem a seguinte característica: se todas as afirmações
fossem verdadeiras, a conclusão seria obrigatoriamente verdadeira.
O silogismo é um tipo de argumento válido.

Claro que você percebeu: a forma é o que permite certo uso, certa função, que
nesse caso era uma argumentação. Aristóteles, que viveu entre 384-322 A.C e ficou
conhecido, entre outros feitos, como o criador da lógica, também estudou formas
semelhantes de argumentos válidos, como os seus famosos silogismos:

3. Todos os professores de Letras da UFPB virtual são brasileiros. Jan e Leonor são
professores de Letras da UFPB virtual. Portanto, Jan e Leonor são brasileiros.

Também nesse caso, a idéia era encontrar a forma subjacente que faz com que o
argumento seja válido, não importando qual assunto abordado (compare com “Todos os
mamíferos têm coração. As girafas são mamíferos. Portanto as girafas têm coração”).
Tanto os estóicos como Aristóteles estavam interessados em caracterizar, nesse caso, a
forma da linguagem usada na argumentação.
Um exemplo diferente de formalismo muito antigo nos estudos da linguagem
– ainda definindo o formalismo de uma maneira bastante frouxa – é a descrição
gramatical tradicional. A preocupação em descrever paradigmas de flexão e unidades
da oração são bons exemplos de preocupações formais. De algum modo, na descrição
250 gramatical tradicional, supõe-se que há uma forma inerente à língua, e que essa forma
pode ser descrita de maneira independente das situações de uso. A forma, nesse caso,
pode ser o padrão de flexão de um verbo (amava, amavas, amava, etc.), ou as partes
da oração (sujeito, predicado, complementos, adjuntos, etc.). O que está em jogo é
encontrar uma regularidade que já estava na língua e que não depende de estarmos
conversando sobre futebol, preenchendo o requerimento de matrícula ou reclamando
porque o vizinho deixou a calçada suja. Novamente, nesse caso, o que é importante é
a forma, que existe antes da função e não é modificada pelo uso.
Na Lingüística no século XX a situação é bastante complexa, porque nem
todos concordam com o que é formalista e o que não é. Em primeiro lugar, vamos
mencionar a preocupação de Ferdinand de Saussure, no Curso de Lingüística Geral,
com a oposição entre língua e fala. A língua é geral, comum aos indivíduos de uma
comunidade falante, em oposição à fala, que é individual e heteróclita, ou seja,
composta por elementos variados e não homogêneos. O objeto da Lingüística, diz
Saussure no Curso, é a língua, que não varia de uma situação de comunicação para
outra, nem de um falante para outro. Vejamos o que diz Rodolfo Ilari acerca dessa
opção saussureana:

“Saussure opôs claramente o sistema, entendido como


entidade abstrata, e os episódios comunicativos historicamente
realizados. Além disso, estabeleceu com toda clareza que o
objeto específico da pesquisa lingüística teria que ser a “regra
do jogo”, isto é, o sistema, e não as mensagens a que ele serve
de suporte.” (ILARI 2004: 57-58)

É claro que a posição de Saussure é muito mais complexa do que a simples


definição do par língua/fala, mas a caracterização da Lingüística como o estudo
da língua (e não da fala) pode coexistir com uma postura formalista, ou pode ser
interpretada como favorecendo uma postura assim. Aqui, não estamos mais pensando
no formalismo da maneira ampla que utilizamos nos parágrafos anteriores. Formalismo
aqui já não é simplesmente a atitude de valorizar e descrever a forma lingüística, mas
vai além disso. A forma, nesse caso, além de importante, existe fora do uso e não
depende dele, sendo mais estável do que a diversidade de enunciados possíveis, e é
escolhida como objeto de estudo justamente por essa relativa estabilidade.

É curioso observar, por outro lado, que o surgimento do funcionalismo também está
muitas vezes associado às propostas saussureanas e aos seus seguidores, mas não
vamos tratar disso nesta introdução.

Como um segundo exemplo de formalismo mais próximo de nós, podemos


lembrar o esforço dos lingüistas norte-americanos da primeira metade do século XX
em descrever uma grande quantidade de línguas indígenas da América do Norte (como
navajo, cherokee, choctaw, chickasaw, creek e seminole). Essas línguas eram ágrafas
(não tinham escrita) e nunca haviam sido descritas, ou não havia descrições conhecidas.
Um grande esforço foi feito então para elaborar métodos que permitissem aos lingüistas
coletar grandes quantidades de dados, gravando ou anotando o que os falantes
diziam, e depois “descobrir” a gramática da língua que estivesse sendo estudada. Por
motivos que não vamos discutir aqui, alguns dos principais autores da época, como
Leonard Bloomfield (1887-1949) e Zellig Harris (1909-1992), consideraram que toda
descrição devia ser feita exclusivamente a partir dos dados, ou seja, o lingüista que 251
estava estudando uma certa língua indígena não devia usar seu conhecimento de outras
línguas para fazer nenhuma hipótese acerca das palavras, sons ou sintaxe da língua
estudada.

Se você sabia, por exemplo, que muitas línguas têm uma distinção entre adjetivos e
verbos, ou uma ordem básica sujeito-predicado, mesmo assim não podia usar isso na
descrição, a não ser que esses padrões aparecessem nas falas que você tinha gravado
ou anotado.

Além disso, esses autores consideravam que o significado das palavras, frases
e textos não devia ser levado em conta para se fazer a descrição. O lingüista deveria
observar quais partes da língua combinavam com quais outras partes, sem precisar
saber o significado dos enunciados, de maneira que a tarefa era perceber regularidades
formais, sem se preocupar com a interpretação. As formas (fonéticas, morfológicas,
sintáticas) já estavam todas nos dados coletados, era preciso descobri-las. Nem mesmo
a significação das palavras e frases devia ser levada em conta, e portanto nada podia
ser dito acerca do texto completo, ou de uma conversação. Mais uma vez, temos uma
preocupação com extrair uma forma que já está na língua, e que independe do uso, da
função.
Você certamente notou que aqui há um aspecto do formalismo que é diferente, por
exemplo, da gramática tradicional, ou da proposta saussureana. Nem a gramática nem
Saussure propunham que o significado fosse deixado de lado para se fazer a descrição
da língua. É claro que os estruturalistas norte-americanos que seguiam os métodos
propostos por Bloomfield ou Harris sabiam que as palavras e frases têm significado,
mas – talvez motivados pela necessidade de descrever tantas línguas diferentes –
propunham que o estudo fosse feito sem levar isso em conta. Se o estudo devia ser
feito sem levar em conta o significado (e muito menos as situações de uso, as intenções
das pessoas, etc.) é claro que eles deviam pensar que a organização da língua não é
influenciada pelo significado. Esse é um tipo de formalismo um pouco mais radical,
porque o significado está sendo excluído do estudo.

Entretanto, isso que estamos chamando de estruturalismo americano não era um


grupo tão homogêneo. Aqueles que seguiam Edward Sapir (1884-1939) – e entre eles
o brasileiro Mattoso Câmara Jr. (1904-1970) – não tentavam excluir o significado das
descrições. Além disso, tanto os seguidores de Sapir, como de Bloomfield ou Harris,
concordavam em considerar as línguas como intrinsecamente ligadas às culturas dos
povos.

Outro exemplo sempre citado de formalismo no século XX é a posição de Noam


Chomsky (1928) e dos gerativistas. Eles não estão preocupados, como os estruturalistas
da primeira metade do século, em descrever as línguas a partir de grandes quantidades
de dados gravados. Pelo contrário, o trabalho dos lingüistas, no gerativismo, é tentar
propor um padrão abstrato que explique não só as sentenças que já existem, que
alguém já pronunciou, mas também todas as sentenças possíveis na língua. Além
disso, o gerativismo mantém a hipótese de que as línguas são a manifestação de uma
capacidade inata para a linguagem. Essa capacidade é biológica, típica da espécie
humana:

252 “vamos postular que o ser humano possui em seu aparato


genético alguma coisa como uma faculdade de linguagem,
alocada no cérebro humano, uma hipótese plausível que se
presta a marcar a diferença fundamental entre a espécie
humana e todos os outros seres do planeta.” (MIOTO et al.
2007:22)

Temos aqui então um tipo de formalismo diferente dos mencionados


anteriormente: não só as características da linguagem são independentes do uso, da
função, como são originadas na mente e na biologia, e não na cultura. Por outro lado, de
uma maneira que lembra um pouco as preocupações dos estruturalistas com a exclusão
do sentido, os gerativistas propõem a modularidade da descrição, isto é, sustentam que
a descrição da sintaxe da língua é – ao menos na teoria – independente da fonologia e
da semântica.
Como você pode ver, temos grandes preocupações formais nessas três correntes
lingüísticas estudadas. Mas formalismo não significa a mesma coisa em todas
as ocasiões. Às vezes temos apenas uma preocupação com a descrição de formas,
outras vezes se diz que o significado não deve ser utilizado na descrição, e outras
vezes a natureza da língua é explicada a partir de características da mente. Os vários
funcionalismos lingüísticos vão se opor a algumas dessas opções, ou a todas elas.

Formalismo e Funcionalismo em Lingüística

As teorias da linguagem sempre refletem concepções particulares do fenômeno


lingüístico, concebidas em função das posturas científicas da tradição cultural em que
estavam inseridas (o que é a língua, quem é o sujeito da linguagem, o que é lingüístico,
o que é extralingüístico, etc.). Em cada época, as teorias lingüísticas definem, ao seu
modo, a natureza e as características relevantes do fenômeno investigado.
Podemos afirmar que os estudos do fenômeno lingüístico inserem-se em duas
grandes tradições científicas, que correspondem a dois grandes paradigmas: o formalista
e o funcionalista. O primeiro privilegia a estrutura interna da língua e o outro, cada vez
mais forte em nossos dias, busca relacionar o lingüístico e o social.
A Lingüística do século XX teve um papel decisivo na consideração da
relação entre linguagem e sociedade: em um momento exclui do seu método toda
consideração sobre a natureza social, histórica e cultural na observação, descrição,
análise e interpretação do fenômeno lingüístico (referimo-nos, aqui, à constituição da
tradição estruturalista, iniciada por Saussure em seu Curso de Lingüística Geral, em
1916). Em outro momento, traz para o centro dos estudos da linguagem a preocupação
com toda sorte de fenômenos capazes de afetar, em situações comunicativas concretas,
o uso que os falantes fazem da língua, seja a cultura, seja a sociedade, a história, a
ideologia, etc. (esse momento corresponde parcialmente à introdução da Pragmática
no fazer lingüístico).
A relação entre linguagem e sociedade, reconhecida, mas nem sempre assumida
como relevante, encontra-se diretamente ligada à questão da determinação do objeto de
estudo da Lingüística: a língua. Isto é, embora se admita que a relação entre linguagem-
sociedade seja evidente por si só, é possível privilegiar uma determinada óptica (“o
ponto de vista determina o objeto”), e esta decisão repercute na visão que se tem do
fenômeno lingüístico, de sua natureza e caracterização.
Saussure define a língua, por oposição à fala, como objeto central da
Lingüística. Na visão do autor, a língua é o sistema subjacente à atividade da fala, 253
mais concretamente, é o sistema invariante que pode ser abstraído das múltiplas
variações observáveis da fala. Da fala, se ocupará a Estilística, ou, mais amplamente,
a Lingüística Externa. A lingüística, propriamente dita, terá como tarefa descrever
o sistema formal, a língua. Inaugura-se, assim, a chamada abordagem imanente da
língua, que, em termos saussurianos, significa afastar “tudo o que lhe seja estranho ao
organismo, ao seu sistema”.

Saussure privilegia o caráter formal e estrutural do fenômeno lingüístico,


embora reconheça a importância de considerações de natureza etnológica, histórica
e política. Saussure institucionaliza a distinção entre uma Lingüística Interna oposta
a uma Lingüística Externa. É essa dicotomia que dividirá, de maneira permanente, o
campo dos estudos lingüísticos contemporâneos, em que orientações formais se opõem
a orientações contextuais, sendo que estas últimas se encontram fragmentadas sob
o rótulo das muitas disciplinas inter-relacionadas: Sociolingüística, Etnolingüística,
Psicolingüística etc.

Dentro da perspectiva funcionalista, a língua é conceituada como forma de


interação social realizada por meio de enunciações: é um produto sócio-histórico.
A concepção de língua como interação social influenciou os estudos que hoje se
desenvolvem sobre a interação verbal, como a pragmática, a teoria da enunciação e a
análise do discurso, e que adotam o princípio de que linguagem é ação e não meramente
instrumento de comunicação.
Assim, os dois grandes paradigmas da lingüística (formalismo e funcionalismo)
têm diferentes concepções sobre a natureza geral da linguagem (natureza dos dados e
evidências empíricas), os objetivos da lingüística, os métodos de estudo da ciência da
linguagem.
254 Segundo Leech (1983, p.46), os formalistas (como Chomsky), tendem a observar
a linguagem principalmente como fenômeno mental. Já os funcionalistas (como
Halliday) tendem a percebê-la como um fenômeno social. Sobretudo, os formalistas
estudam a linguagem como um sistema autônomo, enquanto os funcionalistas a
estudam na relação com sua função social.
Para Schiffrin, o funcionalismo está baseado em duas concepções básicas:

a) a linguagem tem funções que são externas ao próprio sistema


lingüístico;
b) as funções externas influenciam a organização interna do sistema
lingüístico.

Para o formalismo, a língua é vista enquanto signo, sistema de regras estático,


transparente, determinada, a-histórica, homogênea. Nesse sentido, sua unidade de
análise é a gramatical, notadamente nos níveis fonológico, morfológico e sintático, no
plano descritivo e explicativo das formas. Para o funcionalismo, a língua é tida como
atividade sócio-histórica, opaca, indeterminada, heterogênea e, sua unidade de análise
é a função que a língua exerce em contexto.
Com isso, o objeto de estudo do formalismo é a competência lingüística, o
papel do código na comunicação, as regularidades nas combinações dos constituintes,
a identificação de enunciados bem formados ou não. Já o objeto de estudo do
funcionalismo é a competência sócio-comunicativa, a análise de ações performativas
dos usuários com um objetivo específico, em determinado contexto cultural e social,
tendo em vista os conhecimentos partilhados. A língua, nesse sentido, não é usada
apenas para descrever o mundo, mas para realizar ações dos usuários sobre o mundo
ou mesmo sobre outros usuários. Não se trata apenas de atos de dizer, mas de atos de
fazer no uso da língua.
Ainda que os formalistas não neguem que a língua possua funções sociais
e cognitivas, essas não interferem no sistema, nem constituem objeto de estudo da
Lingüística. Por sua vez, ainda que os funcionalistas não neguem a forma, o discurso
não é percebido apenas como uma seqüência de unidades lingüísticas, mas envolve,
sobretudo, o contexto.
De qualquer modo, os dois paradigmas ratificam uma visão dicotômica na
relação entre forma/função; individual/social; sujeito/objeto; subjetivo/objetivo.
Atualmente, os estudos lingüísticos e das ciências em geral buscam superar essa
dicotomia, pleiteando uma visão holística dos fenômenos.

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Síntese das características dos paradigmas Formalista e Funcionalista

ASPECTO FORMALISTA FUNCIONALISTA

CONTEXTO Texto Texto + informações


extralingüísticas
UNIDADE DE ANALISE Gramatical (morfema, Funcional (atos de
fonema etc). fala)
OBJETO DE ESTUDO Competência lingüística Competência sócio-
comunicativa
AQUISIÇÃO Capacidade inata Inferência a partir do
uso
LÍNGUA Código/sistema Atividade

UNIVERSAIS Decorrentes das Decorrentes dos usos


LINGUÍSTICOS propriedades inatas

OBJETIVO DA ANÁLISE Descrever as Explicar a adequação


regularidades e regras de ou inadequação
boa ou má formação

Hymes (1974) sugere que os aspectos abaixo indicados contrastam a


abordagem estrutural e funcional:

Paradigma estrutural Paradigma funcional


1. Estrutura da linguagem (código) como 1. Estrutura a língua como realização
gramática. da fala
2. Análise do código antecede a análise 2. A análise do uso é prioritária à do
do uso código
3. Função referencial – preenchimento 3. Há um conjunto de funções
dos usos semânticos como norma estilísticas ou sociais
4. Elementos e estruturas são 4. Elementos e estruturas como
analiticamente arbitrários etnograficamente apropriados
5. Equivalência funcional entre 5. Diferenciação funcional entre as
as línguas. Todas as línguas são línguas, variedades, estilos
essencialmente iguais
6. Há relação de homogeneidade entre 6. Comunidade de fala como matriz
código e comunidade do código ou dos estilos de fala
(organização da diversidade)
7. Conceitos fundamentais como: 7. Conceitos básicos são tidos
comunidade de fala, ato de fala, fluência, como problemáticos e merecem ser
funções da língua são dados como investigados
garantidos ou arbitrariamente postulados
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Dik (1978) também faz uma comparação detalhada entre formalismo e
funcionalismo:

PARADIGMA FORMAL PARADIGMA FUNCIONAL


1. Uma língua é um conjunto de sentenças 1. Uma língua é um instrumento de
interação social
2. A função primária de uma língua é a 2. A função primária de uma língua é
expressão de pensamentos comunicação
3. O correlato psicológico de uma 3. O correlato psicológico de uma
língua é a competência: a capacidade de língua é a competência comunicativa:
produzir, interpretar e julgar sentenças a habilidade promover interação social
por meio da linguagem
4. O estudo da competência tem 4. O estudo do sistema da linguagem
prioridade lógica e metodológica sobre o deve estar inserido dentro do seu
estudo do desempenho sistema de uso

5. As sentenças de uma língua devem ser 5. A descrição dos elementos


descritas independentemente do contexto lingüísticos do uso da língua deve
e do funcionamento, dada a situação em apresentar pontos de contato para a
que estão sendo usadas descrição do seu contexto.
6. A aquisição de linguagem é inata 6. A criança descobre o sistema
– a entrada de dados é restrita e não subjacente à língua e ao seu uso,
estruturada (teoria da pobreza de auxiliada por uma entrada de dados
estímulo) lingüísticos extensiva e altamente
estruturada, apresentados em contextos
naturais.
7. Os universais lingüísticos são 7. Os universais lingüísticos são
propriedades inatas ao organismo coerções inerentes aos objetivos da
biológico e psicológico humano comunicação, à constituição dos
usuários da língua e aos contextos onde
a língua é usada.

8. Sintaxe é autônoma com respeito 8. A pragmática é o esquema no qual


à semântica; sintaxe e semântica são a semântica e a sintaxe devem ser
autônomas com relação à pragmática e as estudadas; a semântica é subordinada
prioridades vão da sintaxe via semântica à pragmática e as prioridades vão da
em direção à pragmática. pragmática via semântica para a sintaxe.

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UNIDADE I

SOCIOLINGÜÍSTICA

1. A sociolingüística e o paradigma funcionalista

A Sociolingüística se posiciona no paradigma lingüístico representado pelo


modelo teórico funcionalista. As várias definições de Sociolingüística como “o estudo
da linguagem em relação à sociedade”; como uma “tentativa de construir um discurso
coerente sobre o relacionamento entre uso da linguagem e os modelos sociais de
vários tipos”; como “parte da lingüística que se interessa pela linguagem enquanto um
fenômeno social e cultural”; como “o estudo da linguagem como fenômeno social”;
como “o estudo das características das variedades da linguagem, as características de
suas funções e as características de seus falantes, como estes três elementos interagem
constantemente, mudam, e mudam um ao outro dentro de uma comunidade de discurso”;
ou como o “estudo das várias realizações lingüísticas dos significados socioculturais
em que a ocorrência de interações sociais cotidianas é relativa a culturas particulares,
a sociedades, a grupos sociais, a comunidades lingüísticas, línguas, dialetos, variações,
estilos” (Figueroa, 1994, p. 25) confirmam o objeto da Sociolingüística como sendo o
mesmo do paradigma mencionado.
Desta forma, levando-se em conta a natureza social da linguagem, as áreas
de interesse da Sociolingüística incluem alguns fenômenos sociais e culturais, tais
como as estruturas e padrões sociais; as variedades lingüísticas, como os dialetos e
estilos; os grupos sociais, como as comunidades lingüísticas; as funções da linguagem
na sociedade; a mudança lingüística; o sentido sociocultural e a interação social.
O tema da Sociolingüística é definido por Aracil (1978) como sendo o “uso
da língua – o enfoque sociolingüístico obviamente difere daquele da lingüística
propriamente dita, centralizado nas condições existenciais. Enquanto a lingüística
separa a língua das estruturas socioculturais não-lingüísticas, a sociolingüística a
relaciona com elas”.
Do mesmo modo, Romaine (1982) escreve: “O contraste entre lingüística
propriamente dita e sociolingüística repousa no fato de que a estrutura da língua constitui
o tema da lingüística, enquanto o uso da língua é deixado para a sociolingüística.
Uma teoria sociolingüística, entretanto, pressupõe uma teoria lingüística; se é para ser
verdadeiramente interativa, deve-se relacionar estrutura e uso.”
Ao afirmar que “o tema da sociolingüística é o uso da linguagem” Figueroa
(1994, p. 26) ressalta também que, em sendo a sociolingüística o estudo da enunciação
(falada, escrita, simbolizada), várias questões precisam ser levadas em consideração:
uma enunciação é a realização da língua em um contexto particular e não pode haver
uma descrição adequadamente contextualizada de enunciação que exclua os agentes
que produzem a enunciação, bem como os contextos em que a enunciação ocorre.
A Sociolingüística moderna tem base nas teorias desenvolvidas por William
Labov, na década de 1960, no contexto cultural dos Estados Unidos da América. A
teoria de Labov, conhecida como Sociolingüística Variacionista – porque estuda os
processos de variação e mudança lingüística segundo uma metodologia quantitativa,
a partir de variáveis sociais e lingüísticas – é apenas um desdobramento da 259
preocupação dos estudos da linguagem a partir da realidade social. Outros teóricos,
simultaneamente a Labov, desenvolveram disciplinas sociolingüísticas, abordando
dimensões diferentes da relação linguagem-sociedade. Um deles é Dell Hymes, que
adota a dimensão interdisciplinar da linguagem, ocupando-se de aspectos culturais e
etnográficos relativos aos usos lingüísticos de uma comunidade, sob forte influência da
antropologia lingüística. Outro é John Gumperz, que se ocupa da dimensão interacional
dos usos da linguagem, em eventos lingüísticos face a face. Essa teoria é denominada
Sociolingüística Interacional.

2. Premissas da Sociolingüística:

1. Relativismo Princípio que prega que uma crença e/


cultural ou atividade humana individual deva ser
interpretada em termos de sua própria cultura.
Defende a validade e a riqueza de qualquer
sistema cultural e nega qualquer valorização
moral e ética dos mesmos
2. Equivalência A equivalência funcional entre línguas ou
funcional de todas variedades significa que essas se equivalem,
as línguas tanto em sua estrutura quanto em seu uso, ou
seja, todas as línguas têm igual complexidade

3. Heterogeneidade Diferentemente do que sugerem as gramáticas


lingüística regular pedagógicas, a língua não é um fenômeno
homogêneo. A regra é a variação, a mudança, a
heterogeneidade.

4. Igualdade essencial Não apenas as línguas são funcionalmente


entre as variedades equivalentes. Dentro de uma comunidade
lingüísticas lingüística, as variedades empregadas
por grupos sócio-culturais diferentes são
equivalentes, não podendo ser descritas como
melhores, mais complexas ou mais bonitas do
que outras variedades.

Stella Bortoni aponta que o relativismo cultural é uma postura adotada nas
Ciências Sociais, inclusive na Lingüística, segundo a qual uma manifestação de cultura
prestigiada na sociedade não é intrinsecamente superior a outras. Quando consideramos
que as variedades da língua portuguesa, empregadas na escrita ou usadas por pessoas
letradas quando estão prestando atenção à fala, não são intrinsecamente superiores
às variedades usadas por pessoas com pouca escolarização, estamos adotando uma
posição culturalmente relativa e combatendo o preconceito baseado em mitos que
perduram há muito tempo em nossa sociedade.
Ainda no dizer de Bortoni (1997, p. 2), desde os anos sessenta a Sociolingüística
vem lutando em favor do que chama de igualdade essencial das variedades lingüísticas
e teve que lidar com as correlações entre os dialetos das crianças e seu sucesso
educacional. Como exemplo, cita a pesquisa realizada por Kelmer Pringle e associados
260 (Stubbs, 1980), que trata do desempenho na leitura, abaixo da média nacional, de
crianças consideradas de classes sociais inferiores ou de minorias étnicas. Essa pesquisa
agrupou 11.000 alunos na faixa de sete anos em três grupos: leitores bons, médios e
pobres, usando como parâmetro, sua performance no Teste de Reconhecimento de
Palavras Southgate. A porcentagem de leitores fracos na classe alta foi de 7,1%; na
classe média, 18,9% e na classe baixa, mais que 26,9%. O esforço da Sociolingüística
tem sido o de tratar os conflitos dialetais como apenas diferenças e não deficiências.
Para William Labov (1987, p. 10), no entanto, “a causa primária do fracasso escolar
não é a diferença entre as linguagens, mas o racismo institucional”.

3. Dimensões da Variação/Mudança Lingüística:

Uma concepção idealizada de norma nega qualquer tipo de validação às


variedades lingüísticas. Estas, ao contrário da norma ideal, dizem respeito aos
parâmetros lingüísticos que cada comunidade adota em função não apenas nas
necessidades comunicativas, sociais e contextuais, mas em respeito a regras lingüísticas
de mudanças, que operaram no decorrer do tempo sobre os princípios gerais daquela
língua.
Por exemplo, a língua portuguesa falada no Brasil sofreu, ao longo dos
quinhentos anos de seu uso em nosso território, inúmeras transformações, seja pelo
contato com outras línguas da colonização (as línguas indígenas, as línguas africanas,
as línguas dos invasores), seja pelo convívio com as línguas dos imigrantes (japoneses,
italianos, alemães), seja pela distância geográfica em relação aos centros onde as
mudanças sociais eram mais freqüentes (os sertões em relação às capitais do Império,
por exemplo), seja pelas necessidades de cada lugar (a instalação das indústrias no
sudeste, a agricultura de subsistência no norte-nordeste, a produção canavieira nos
litorais).
Essas transformações são observadas com muita clareza no Brasil, basta que
constatemos os contrastes entre as diversas regiões. O resultado é que temos um país
em que a língua utilizada pela maioria dos falantes é o Português, e que no entanto,
não se pode considerar essa língua como homogênea, já que apresenta variações que a
tornam muito particular em relação às comunidades que as adotam. Essas variedades
têm normas diferentes umas das outras, e essas normas são consensualmente utilizadas
pelos falantes. Não se pode dizer, portanto, que uma variedade do português seja mais
bem empregada do que outra, visto que seu uso é sempre coerente com a norma.
Variedade lingüística não é erro ou desvio. É uma forma legitima de uso de uma
língua que sofreu processos naturais de variação e mudança no seu desenvolvimento.
A variação lingüística não ocorre apenas no Brasil, todas as línguas do mundo passam
por esse processo, mas é mais fácil de notá-la em um país com a dimensão do nosso,
pois o processo de mudança não é homogêneo, ou seja, não ocorre ao mesmo tempo
em todas as regiões em que a língua é falada.
As variações lingüísticas são, pois, as diferentes realizações de uma dada
língua, que resultam de fatores de natureza histórica, regional, social ou contextual.
Essas variações podem ocorrer nos níveis fonético e fonológico (a realização efetiva
de um determinado som na língua, por exemplo o R retroflexo, utilizado no interior
de São Paulo, para indicar pejorativamente a fala caipira), morfológico (a realização
de uma concordância de número, em que apenas um termo recebe a marca do plural,
como em as meninaØ), sintático (como a colocação pronominal, amplamente usada no
Brasil, em orações do tipo “me dá um cigarro”) e semântico (encontrada na diferença
lexical de diversas regiões, como os adjetivos doce e melado). 261
O estudo da variação lingüística pode ser feito a partir da observação das
mudanças sob vários aspectos: a) o aspecto diacrônico (do grego dia+kronos = ao
longo do tempo), que explica as manifestações diferentes de uma língua através dos
tempos. No português brasileiro, é possível observar a mudança do português colonial
com relação ao português moderno, especialmente pela presença de dados escritos
daquela variedade, como também pelo uso de formas típicas do português colonial,
preservadas nas variedades de algumas regiões do Brasil. b) o aspecto sincrônico
(do grego sy’n = simultaneidade), que explica as variações num mesmo período de
tempo, como os usos de uma variedade da atualidade em relação a outra, a exemplo
do português falado no sul e no nordeste. Os demais aspectos, por sua relevância na
explicação do Português Brasileiro, serão analisados em seção própria.

3.1. Variação diatópica, diafásica e diastrática.

Entre os diversos processos de variação que ocorrem em uma determinada


língua, destacaremos aqueles que dizem respeito aos contextos sociais que impõem
a essa língua, normas de uso específicas, diferentes de outras normas encontradas em
outras variedades.
A variação diatópica (do grego topos = lugar), também reconhecida como
variação geolingüística ou variação dialetal, é o tipo de processo relacionado a fatores
geográficos, como o uso de pronúncia diferente em diferentes regiões, diferentes
palavras para designar os mesmo conceitos, acepções diferentes de um termo de região
para região, expressões ou construções frásticas próprias de uma região, etc.
A variação diatópica diz respeito aos processos de identificação da norma
lingüística com os usos aceitáveis em lugares ou regiões diferentes de onde se fala a
língua padrão. Assim, pode-se perceber que os lugares que se afastam geograficamente
do centro onde se usa a variedade padrão, adotam normas lingüísticas diferentes
daquele. Isso pode acontecer por diversos motivos: as regras lingüísticas que afetaram
a padrão podem não ter afetado essa variedade, os usos sociais da língua nessa região
podem ser diferentes de outra, influências de outras línguas podem ser mais presentes
no centro do que na região onde se fala a variedade não-padrão, etc. O exemplo clássico
da variação diatópica é o falar rural em oposição ao urbano. Nesse exemplo, percebe-
se que a mudança ocorreu com menos freqüência na variedade rural, que preserva
várias formas do português medieval, enquanto que o falar urbano sofreu influências
de diversos tipos, como processos de industrialização, de imigração, etc.
A variação diafásica (do grego phasis = fala) é relacionada às diferentes
situações de comunicação e a fatores de natureza pragmática e discursiva, que são
impostos em função do contexto de uso da língua. Esses fatores levam o falante a
adaptar-se às circunstâncias comunicativas, por meio da variação do registro de língua,
seja para mais formal, ou para mais informal.
Em lingüística, o termo registro designa a variedade da língua definida
de acordo com o seu uso em situações sociais. Assim, registros lingüísticos são os
diversos estilos que um falante pode usar em uma situação comunicativa dada. Em
uma conversa informal com os amigos, por exemplo, utilizará um registro diferente do
que utiliza em família, ou no emprego, ou na Universidade.
A variação diastrática (do grego stratos = camada, nível) refere-se aos modos
de falar que correspondem a códigos de comportamento de determinados grupos
sociais. A variedade diastrática corresponde ao uso lingüístico partilhado por um grupo
262 social, cujos membros mantêm entre si relações de identidade que os diferenciam em
relação a outros grupos (por exemplo, o uso de gírias, de jargão profissional, etc.).
Entre os fatores relacionados à variação social, encontramos a classe social, situação
ou contexto social, idade, sexo, etc.
A classe social é um fator que tem estreita ligação com a escolha de variedades
lingüísticas de uso. Em países como a Índia, em que o sistema de estratificação social
é bastante fechado, a língua utilizada por uma casta superior, não pode ser usada por
uma inferior. No Brasil, alguns membros da elite intelectual insistem em identificar
a variedade padrão da língua com a classe alta. Essa identificação não procede, uma
vez que tal classe se define em termos de poder econômico, e não em função de
escolaridade. Pode-se dizer que num país mais agrícola do que industrializado, como
o Brasil, o poder econômico se concentra mais nas mãos dos grandes produtores e
fazendeiros e dos altos empresários da indústria do que na elite intelectual. Assim, a
variedade lingüística em torno de classes, no Brasil, é mais aberta, não podendo ser
identificada com uma classe apenas. Assim, é importante que se compreenda que um
falante de uma variedade social pode utilizar outra variedade para comunicação, o que
destaca a relevância de todas as variedades e sua adequação às necessidades de uso.
A situação ou contexto social define a variedade lingüística a ser utilizada
a partir da relação mutua entre dois falantes ao discutir um dado assunto, em uma
dada situação. Há contextos que exigem maior formalidade, como os institucionais,
relacionados à escola, ao trabalho, às atividades públicas; e contextos em que a
informalidade é a regra a se seguir, como nos contextos privados. Assim, em relação à
pessoa a quem se dirige, o falante pode utilizar uma variedade mais ou menos formal,
dependendo se o seu interlocutor é mais velho, ou superior hierarquicamente, ou se
trata de um par; dependendo também do lugar onde os falantes se encontram, se em um
bar, uma igreja ou uma escola; bem como do tema sobre o que se conversa, um assunto
sério, amenidades, etc.
No que diz respeito à variação social, segundo os fatores sexo e idade, observa-
se que alguns recursos expressivos, como o alongamento de vogais, o uso freqüente
de diminutivos, entre outros são mais comuns na fala da mulher do que na do homem,
enquanto que o registro social por meio de gírias, palavrões, etc. são mais freqüentes
na variedade usada por esses. Gírias, palavrões e outras marcas do registro informal
são também mais freqüentes nas variedades usadas por jovens (homens e mulheres)
do que na faixa etária de mais idade. O uso de certos pronomes (como o tu) ocorre
com mais freqüência entre jovens, enquanto certas pronúncias (como senhora, com o
fechamento da vogal o) são mais comuns entre os mais velhos.

Variante Identificação de formas usadas


simultaneamente sem alteração de
sentido
Categorias de análise Variável Fator ou grupo de fatores que
da sociolingüística determinam o uso de uma variante
Variação Processo comum e natural às línguas.
Pode ser instável ou estável.

A análise das variantes define:

1. A co-existência estável entre variantes – ocorre assim o fenômeno da


Variação; 263
2. A competição entre variantes com aumento do uso de uma delas – ocorre assim
a Mudança em curso

1. Sexo
2. Idade
3. Nível de Escolaridade
Variáveis sociais 4. Contexto Lingüístico (Região)
(extralingüísticas): 5. Classe Social
6. Etnia
7. Rede social

O peso dos fatores sociais tem sido minimizado, pois reformulações na teoria
variacionista destacam motivações essencialmente lingüísticas para a variação/
mudança.
Diante de duas variantes, por exemplo, /cantandu/ e /catanu/ (ambas referindo-
se ao gerúndio do verbo cantar), o sociolingüista considera:

• Qual o contexto social de uso de uma das variantes pelo mesmo falante
• Em que contextos específicos uma forma tende a ser usada pela comunidade
lingüística
• Há diferença no uso de uma das formas, de acordo com faixa-etária do
falante?
• Há diferença no uso de uma das formas, segundo o nível de escolaridade do
falante?
• Há diferença no uso de uma das formas, de acordo com o nível socioeconômico
do falante?
• Há diferença no uso de uma das formas, de acordo com o nível registro de
linguagem (formal ou informal) empregado pelo falante?

4. A Sociolingüística Interacional

A Sociolingüística Interacional pode ser considerada como um desenvolvimento


contemporâneo da Sociologia da Linguagem, da Etnografia da Comunicação e da
própria Sociolingüística do tipo variacionista da qual William Labov (1966, 1972) é o
principal representante. Atuantes da área de Sociologia como Goffman (1967, 1974)
e Garfinkel (1967) contribuíram para alguns dos fundamentos da Sociolingüística
Interacional, especialmente no que diz respeito à análise da conversação. Este primeiro
influenciou muitos teóricos da Sociolingüística Interacional através de seus trabalhos
sobre interação social. O último também o fez através de um modo particular de
lidar com a sociologia, ao qual ele denominou Etnometodologia. Os filósofos da
linguagem cotidiana (ou Ordinary Language Philosophers) como Strawson (1950),
Austin (1962) e Grice (1968), estabelecidos principalmente em Oxford e que buscavam
esclarecimento de conceitos à luz do emprego corrente dos termos da linguagem
comum que os designam, também tiveram grande influência na fundamentação da
teoria da Sociolingüística Interacional, no que diz respeito à pragmática e às teorias
sobre atos de fala. As noções de contexto e competência comunicativa desenvolvidas
por Hymes (1962) para sua Etnografia da Comunicação também forneceram subsídios
264 para a análise interacionista proposta pela Sociolingüística Interacional, mas foi John
Gumperz (1971, 1982) quem desenvolveu e definiu o tipo particular de sociolingüística
que é reconhecido atualmente como um paradigma distinto.
Consoante Figueroa (1994) a Sociolingüística Interacional de Gumperz se
diferencia das teorias que a precederam por ocupar-se do comportamento do indivíduo
numa situação de comunicação face a face ao tratar a linguagem enquanto fenômeno
social. Prática que até então não havia sido levada em conta por Labov e outros nomes
da sociolingüística, preocupados especialmente com os “agregados populacionais”.
Os pontos que separam Gumperz de Labov e tornam a Sociolingüística
Interacional uma teoria distinta dos modelos anteriores são, em primeiro lugar, a escolha
deste tipo de comunicação face a face, ou seja, um tipo que elege o indivíduo para
ser o ponto de interesse da análise lingüística. Esta escolha exclui a análise baseada
nas médias obtidas em comunidades de falantes, o que, na maioria das vezes, produz
apenas generalizações estatísticas baseadas em dados coletados segundo métodos de
inquéritos e não dados validados pela análise profunda da competência lingüística. O
segundo ponto de divergência consiste no fato de o interesse de Gumperz concentrar-
se no conhecimento individual e suas problemáticas: o que é partilhado desse
conhecimento, como ele é distribuído e até que ponto ele é significante e generalizável;
esta preocupação não se verifica no nível do discurso da comunidade lingüística.
O terceiro ponto refere-se à aceitação, por Gumperz, da teoria do ‘comportamento
individual’ que vê na interação uma constituinte da realidade social.
Assim, a teoria de Gumperz se situa no terreno das interações humanas onde
os significados, ordens e estruturas não são predeterminados, mas se desenvolvem na
interação e se baseiam num conjunto complexo de fatores materiais, experienciais e
psicológicos (Figueroa, 1994, p.113). Gumperz rejeita a separação de língua do seu
contexto social e se interessa pelo conhecimento de como o comportamento lingüístico
cria interpretações, de como as intenções individuais levam ao comportamento
lingüístico, e de como o sucesso da comunicação está relacionado ao conhecimento
sociolingüístico.
A teoria da Sociolingüística Interacional enfoca diretamente “as estratégias
que governam o uso, por parte do falante, dos conhecimentos lexicais, gramaticais,
sociolingüísticos ou de outra natureza, na produção e interpretação das mensagens em
contexto” (Figueroa, 1994, p.113). Este processo só é possível pelo uso de pistas de
contextualização, ou “qualquer traço de forma lingüística que contribui para assinalar
pressuposições contextuais”, que permitem acessar a forma como a intenção do locutor
está sendo comunicada e interpretada.
De forma um pouco diferente dos etnometodologistas, que ao analisar um
ato conversação, procedem à seqüenciação do ato, à verificação de como este ato é
conseqüência de um anterior, ou como é seguido sistematicamente por outro, Gumperz
se ocupa mais da interpretação da intencionalidade conversacional do que da análise
estrutural de ordem social. Os etnometodologistas desenvolveram unidades de análise,
tais como turnos, pares adjacentes, tópicos, ações de reparo, entre outros, que também
são utilizados por Gumperz ao fazer Sociolingüística Interacional, mas este inclui em
sua análise traços lingüísticos de ordem supra-segmental, como entoação, ritmo, que
são usualmente ignorados pelos analistas da conversação.
A unidade mínima de significação social de que se ocupa a análise da
Sociolingüística Interacional é a atividade ou evento de fala, termo definido como um
“conjunto de relações sociais realizadas segundo um conjunto de esquemas em relação
a algum propósito comunicativo” (Figueroa, 1994, p.13). A atividade de fala pressupõe 265
a análise da interação entre os participantes, porque é através dela que as expectativas
dos participantes sobre as atividades subseqüentes, em relação ao curso de um evento
de interação, são reavaliadas, desenvolvidas e até mudadas. Sendo assim, a interação
produz um processo de interpretação de sentido dinâmico.
A interação produzida através das trocas conversacionais é dotada de algumas
propriedades dialógicas que permitem ao analista chegar a processos de inferência de
sentido. Uma destas propriedades é a possibilidade de negociação das interpretações
entre falante e ouvinte, cujos julgamentos são confirmados ou mudados segundo
as reações que eles produzem no interlocutor. Assim, não é possível que um único
enunciado produzido pelo falante seja suficiente para que o ouvinte faça inferência de
tal ou qual interpretação. A segunda propriedade é a afirmação de que a conversação
contém em si mesma, evidências internas do que será seu resultado. Gumperz dá
como exemplo dessa propriedade a possibilidade de os participantes compartilharem
ou não das convenções interpretativas, ou de serem bem sucedidos ou não em atingir
os fins da teoria comunicativa.
A Sociolingüística Interacional, vista deste modo, é uma teoria fundamentada
no discurso e não no nível da sentença, e se interessa mais pela comunicação de
intencionalidade do que de gramaticalidade. Os traços básicos de uma língua são
classificados por Gumperz como traços nucleares ou centrais e traços marginais
ou periféricos. A Sociolingüística Interacional se concentra no estudo dos traços
considerados marginais, que tratam da função expressiva da linguagem e envolvem
aspectos supra-segmentais como entoação, ritmo, escolha entre opções lexicais,
fonéticas e sintáticas, além de sempre basear sua análise em termos de linguagem
contextualizada, servindo aos propósitos da comunicação. A teoria lingüística vigente,
por outro lado, considera apenas os traços nucleares que carregam informações
referenciais. Estes traços são de cunho segmental e funcionam apenas ao nível da
sentença. São alguns deles os fonemas segmentais, os marcadores gramaticais ou
afixos, as categorias sintáticas básicas e alguns elementos de acentuação, que tratam
da linguagem de forma descontextualizada e idealizada.

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