Você está na página 1de 26

Os verbos ter e haver em construções existenciais em textos produzidos no ensino médio:

uma análise sob a ótica da Linguística Funcional Clássica

Cristina Batista Caldas1

Resumo:Esta pesquisa constitui-se em uma análise de natureza qualitativa e quantitativa com base nos
pressupostos teóricos do funcionalismo linguístico de vertente norte-americana, a fim de se verificar o
processo de gramaticalização dos verbos Ter e Haver existenciais em produções textuais escritas de
alunos do Ensino Médio. A pesquisa centra-se nos seguintes objetivos: apontar possíveis motivações
que levam os usuários à escolha de determinadas estruturas com Ter em vez de Haver com base nas
mudanças linguísticas em produções textuais argumentativas e narrativas; analisar, com base nos
princípios de iconicidade, marcação e prototipicidade o que leva o falante a escolha de determinadas
estruturas em vez de outras e, assim, observar as implicações pragmático-discursivo-funcionais desses
elementos nas produções textuais analisadas. A pesquisa sustenta-se em aportes teóricos de Brito
(2016), Viotti (1998), Rocha Lima (2011), Castilho (c2022) e Oliveira (2014). A partir da análise das
produções textuais com base na teoria selecionada, verificou-se a maior ocorrência e frequência de Ter
existencial na produção de relato pessoal e Haver existencial no texto dissertativo-argumentativo.
Pode-se apontar, também, a partir dos resultados encontrados, que a maior frequência de Ter
existencial nas duas produções deveu-se ao uso corriqueiro deste verbo na fala e por consequência na
escrita dos estudantes do Ensino Médio, fato comum em diversas situações de uso do português
brasileiro.

Palavras-Chave: Ter e Haver existenciais; Funcionalismo linguístico; gramaticalização; produções


textuais; implicações pragmático-discursivo-funcionais.

1
Graduanda do curso de Letras Campus Santana, da Universidade federal do Amapá- UNIFAP. E-mail:
Cris_batistta@hotmail.com
1
Introdução

O uso dos verbos Ter e Haver em contextos existenciais seja na fala ou na escrita do
português brasileiro tem gerado discussões entre variados pesquisadores a partir de categorias
de análise e perspectivas linguísticas distintas. Esta pesquisa, baseia-se no funcionalismo
linguístico de vertente norte-americana e se propõe à reflexão sobre possíveis motivações que
levam usuários a escolher determinadas estruturas com a variável categórica Ter em vez de
Haver no sentido existencial, prototípico, uma vez que, para alguns estudiosos deste estudo, a
variável Ter é vista como uma forma inovadora devido ao seu uso corriqueiro em diversos
contextos de comunicação. Por outro lado, o uso de haver existencial é apontado como uma
variável de prestígio e preferível em contextos mais formais de escrita, além disso, como será
visto mais a frente, alguns autores apontam que o sistema educacional motiva o emprego na
escrita da variável Haver em vez de Ter no sentido de existência.

Com isso, para nortear esta pesquisa, surge o seguinte questionamento: Sabendo-se
que Ter é uma variável muito recorrente na fala para indicar posse e existência, assim como
na escrita a depender do grau de escolaridade e motivação do falante, quais as possíveis
motivações que levam usuários em fase escolar a escolher a variável Ter por Haver em
construções existenciais em produções escritas?

Este trabalho de conclusão de curso baseia-se nos seguintes objetivos que norteiam a
pesquisa. i-) apontar possíveis motivações que levam os usuários à escolha de determinadas
estruturas com Ter em vez de Haver prototípico com base nas mudanças linguísticas em
produções textuais argumentativas e narrativas; ii-) identificar qual a estrutura mais marcada
entre Ter e Haver com base nos subprincípios de marcação (complexidade estrutural,
distribuição de frequência e complexidade cognitiva) a partir de textos argumentativos e
narrativos produzidos no Ensino Médio.
Esta pesquisa baseia-se no funcionalismo linguístico de vertente norte-americana e sua
abordagem é de natureza quantitativa e qualitativa. Empreendeu-se uma pesquisa
bibliográfica cujas fontes, primordialmente, se encontram em Brito (2016), Viotti (1998),
Rocha Lima (2011), Castilho (2022) e Oliveira (2014). Foram aplicadas, em turmas do Ensino
Médio da Escola Militar Antônio Messias da Silva, localizada no bairro Zerão, em Macapá-
AP, propostas de produção de texto argumentativo e narrativo (artigo de opinião e relato
pessoal) a fim de coletar dados do uso dos verbos existenciais Ter e Haver.

2
Quanto aos procedimentos, empreendeu-se uma bibliográfica e documental, com uma
base de dados a partir de produções escritas pelos alunos, um total de 61 redações. A coleta
foi feita nos 3 anos do ensino médio (1°, 2° e 3°), cada turma possuía entre 25 e 28 alunos.
Porém, alguns não quiseram produzir e outros não entregaram o texto.

Este estudo está dividido em alguns tópicos, além da introdução e das considerações
finais. Assim, no primeiro tópico e em seus subtópicos, discorremos sobre o funcionalismo
linguístico-norte americano e alguns de seus princípios clássicos. No Segundo tópico,
discorremos sobre a visão gramatical e linguística do uso dos verbos Ter e Haver existenciais.
No terceiro, apresentamos a contextualização da pesquisa. No quarto, aprofundamos as
discussões e resultados frente aos objetivos a partir dos dados coletados.

1 O funcionalismo linguístico norte-americano

O funcionalismo linguístico norte-americano surgiu na Costa- Oeste dos Estados


Unidos e, segundo Martelotta e Kenedy (2003), foi denominado como uma tendência em
oposição ao polo de cunho formalista que se fixou com Leonard Bloomfield e se mantém até
os dias atuais com a linguística gerativa.

Furtado da Cunha (2011, p. 163) afirma que, paralelamente à tendência formalista, surge
outra de caráter funcionalista com os trabalhos de autores como Franz Boas, Edward Sapir e
Benjamin Lee Whorf, sendo Dwight Bolinger o precursor desta vertente uma vez que, já no
período da tendência formalista chamava a atenção para fatores pragmáticos que operavam
em determinados fenômenos linguísticos. Contudo, só em 1975 que as análises linguísticas
foram de fato denominadas de funcionalistas e se proliferam na literatura norte-americana.
(FURTADO DA CUNHA, 2011, p. 163).

A autora acima referida assinala que, para os funcionalistas norte-americanos, uma


dada estrutura da língua não pode ser concebida, estudada ou descrita sem referência a sua
função comunicacional e ressalta que, diferente dos formalistas, para os funcionalistas a
língua é explicada e concebida a partir do seu contexto de comunicação e pelos fatores
extralinguísticos. E isso faz com que a sintaxe se torne mutável a depender das situações
discursivas, uma vez que se adapta às pressões do uso. Logo, para os funcionalistas, é muito
cara a noção de gramática emergente, uma vez que se adapta de acordo com as necessidades
comunicativas de seus falantes. Assim, pelo processo de gramaticalização, itens lexicais

3
passam a assumir funções gramaticais e termos que desempenham alguma função gramatical
passam a desenvolver outras funções gramaticais, sendo, portanto, elemento mais gramatical.
Nesse sentido, os processos de variação e mudança linguística são áreas privilegiadas na
linguística funcional. (FURTADO DA CUNHA, 2011, p.164).

Para Brito (2016, p. 16-17), o funcionalismo trata a língua em seu processo de


interação, com foco na função, sem desprezar a forma. E tenta vislumbrar entre o discurso e a
gramática, pautando-se na união entre estrutura e função, contemplando assim, aspectos
internos e externos à língua, ou seja, o linguístico e o extralinguístico. Logo, esse processo
busca no contexto a motivação para fatos da língua. Nesse sentido, antes de adentrar na
gramática da língua, o funcionalismo busca explicar como essa língua se organiza e como os
usuários fazem escolhas de determinadas estruturas em vez de outras. Passemos, nos
subtópicos seguintes, a discutir alguns princípios caros ao funcionalismo norte-americano,
entendido como funcionalismo clássico

1.1 Gramaticalização

No funcionalismo linguístico, a gramática é vista como uma estrutura passível de


mudanças e adaptações. Logo, para Furtado da Cunha (2011, p.173) a gramaticalização está
relacionada à mudança por que passa estruturas linguísticas, de modo apresenta uma única
direção na qual itens lexicais e determinadas construções sintáticas passam a assumir funções
gramaticais e continuam, nesse processo, desenvolvendo novas funções gramaticais. Esse
processo tende a ocorrer com elementos mais frequentes e esses, consequentemente, tornam-
se menos expressivos em determinadas construções frasais, isto pode ser visto em verbos,
substantivos e adjetivos. Neste processo, itens lexicais são transformados em gramaticais
como preposições, conjunções, artigos, morfemas derivacionais e flexionais. Como exemplo,
note-se o processo de mudança de morfemas para verbos. Isso pode ser visto em "amar hei".
Nesta construção, a forma do verbo "haver" se integra ao verbo amar e passa a funcionar
como desinência de futuro "amarei". (FURTADO DA CUNHA, 2011, p. 173-174).

Ferrari (2009, p.26) explica sobre a mudança sintática do processo de


gramaticalização, destacando que essa ocorre de forma unidirecional por categorias de verbos
e nomes e por categorias intermediárias que são os adjetivos e advérbios. (BRITO, 2016, p. 26
apud MARTELOTTA, 2011, p 92].

4
Essa autora também afirma que o processo de gramaticalização está em constante
mudança devido ao uso da língua pelo falante. E essa mudança linguística vem de um
domínio do léxico, passando ao nível gramatical. Com isso, pode-se analisar e comparar o uso
dos verbos Ter e Haver existenciais. O uso do Ter existencial é recorrente na fala, no léxico
dos usuários da língua e está passando por um processo de mudança e se tornando gramatical.
Devido a isso, faz parte da estrutura sintática dos enunciados na escrita concorrendo com o
verbo Haver. Já o Haver existencial é uma forma de prestígio que já é gramatical, porém,
devido a sua estrutura sintática ser mais complexa, está se tornando cada vez menos frequente
pelo usuário da língua. Além disso, o Ter existencial tende a ser mais automatizado na fala e
consequentemente na escrita.

Viotti (1998, p.42) aponta que a gramaticalização ocorre à medida em que um


elemento lexical pleno se esvazia de seu conteúdo temático, tornando-se incapaz de
estabelecer relações predicativas com seus argumentos. Com isso, ela afirma que a relação
entre elemento e argumentos deixa de possuir conteúdo temático e é devido a isso que um
elemento muda de categoria, passando de uma categoria lexical plena com conteúdo
semântico à uma categoria puramente gramatical vazia. Nisso, a autora afirma que o
esvaziamento semântico é a causa da gramaticalização. Por fim, ressalta no fato de que um
fenômeno semântico retira de uma categoria lexical a sua capacidade de estabelecer relações
temáticas. (VIOTTI, 1998, p. 42).

Com relação aos verbos Ter e Haver, Viotti (1998, p. 42) aponta que o Haver já se tornou
uma categoria funcional e o Ter também está passando por esse processo de mudança de
categoria, uma vez que há apagamento de suas capacidades semânticas, tornando-se
puramente gramaticais.

A autora acima assinala o processo histórico desses verbos no latim clássico. Assim,
afirma que nesse período o verbo habere era um verbo estativo e tinha vários empregos, como
habitar, estar-com/ estar-em e, ao longo do tempo, passou a designar o sentido de posse dentro
de construções frasais. Além disso, segundo a autora esse verbo começou a ser empregado no
português com as seguintes caraterísticas: com uma rede temática vazia; realizando
construções existenciais, com a posição de sujeito desprovido de qualquer conteúdo
semântico em construções curtas com um menor número de palavras que indicassem tempo.

No que diz respeito ao verbo Ter, Viotti (1998, p. 43-44) afirma que inicialmente este
era um verbo transitivo-ativo e tinha como significado mais próximo os verbos (manter e
5
obter) e aos poucos foi adquirindo a função de posse. No latim, o verbo Haver era preferível
para indicar a função de posse referente à qualidade inerente ao possuidor, já o verbo Ter
indicava posse referente a bens materiais e com função exterior ao possuidor. A autora
conclui que o verbo Ter entrou no português com uma estrutura argumental e conteúdo
temático enfraquecida, porém, foi adquirindo lugar e passou a concorrer com Haver em
construções existenciais.

1.2 Iconicidade

Furtado da Cunha (2011) define a iconicidade como recurso que corresponde à relação
natural e motivada entre forma e função. Ou seja, a correlação entre uma expressão e seu
significado. A autora aponta que os funcionalistas defendem a ideia de que a estrutura da
língua reflete a da experiência. Isso diz respeito a uma faculdade da linguagem humana em
que a estrutura linguística revela o funcionamento da mente e de como a esta constrói
conceitos do mundo. (FURTADO DA CUNHA, 2011, p. 167).

Continua a autora afirmando que há relação semelhante entre forma e função. Ou seja,
podem existir duas ou mais formas de dizer a mesma, de definição do significado e que em
muitos casos não há uma relação precisa entre expressão e conteúdo. A autora aponta que,
nesses casos, existe uma relação arbitrária, pois, algumas vezes o significado oriundo de uma
estrutura não reflete a sua real significação, pois, há uma perca total ou parcial de sua
definição.

O princípio da iconicidade subdivide-se em três subprincípios: quantidade de


informação, grau de integração entre os constituintes da expressão e do conteúdo, a ordenação
sequencial dos segmentos. O primeiro subprincípio da quantidade diz respeito à quantidade de
informação e quanto maior ela for, maior será sua forma e mais complexa será sua estrutura.
Logo, quanto mais informação, mais forma será necessária. No subprincípio da integração, o
que está mais próximo cognitivamente tende a ser mais fácil de ser compreendido, ou seja,
quanto mais próximo uma estrutura está de outra, maior será sua integração e entendimento.
O terceiro subprincípio é o da ordenação sequencial entre os segmentos. Neste subprincípio,
os eventos ocorrem de forma ordenada, em uma ordem sequencial e cita um exemplo que
explica essa sequência temporal "sabe como é feito um bom Strogonof…. compra o camarão::
limpa o camarão…. põe o camarão…. boto cebola… pimentão… tomate… cozinho ele…
deixo ele cozinhar um pouquinho assim..". Neste trecho há um passo a passo de como

6
cozinhar o camarão, a cozinheira mostra a sua receita completa de como prepará-lo e isto é
visto na ordem em que os eventos ocorrem. (FURTADO DA CUNHA, 2011, pág. 168-169).

1.3 Marcação

A Marcação, segundo Furtado da Cunha (2011, p.170), está relacionada à ausência de


uma característica entre um ou dois membros. O que marca um elemento como mais marcado
ou menos marcado é a ausência de alguma propriedade entre esses dois elementos. A autora
aponta que a marcação apresenta algumas características como: a-) Maior frequência de
ocorrências na língua ou em uma língua particular; b-) Contexto de ocorrência mais amplo; c).
Forma mais simples ou menor; d-). Maior aquisição pelas crianças. E isso pode ser visto em
frases simples que usamos no dia a dia, em que o singular prevalece sobre o plural e algumas
vezes o substitui. A autora cita o seguinte exemplo: "Vou ao mercado comprar cenoura".
(FURTADO DA CUNHA, 2011, pág. 170). Em seguida, ela afirma que quando vamos ao
mercado comprar cenoura, a maioria das vezes não compramos só uma, mas várias. Logo,
neste exemplo o singular substitui o plural e isso ocorre devido a usarmos mais palavras no
singular do que no plural, pois, não empregamos a desinência "s" e isso torna a oração menos
complexa.

A autora também afirma que a importância do conceito de marcação está no uso que
fazemos da língua, pois, quando o falante quer ser mais expressivo este se utiliza de formas
mais marcadas e pouco usuais na comunicação oral, já quando querem ser menos expressivos
se utilizam de formas mais recorrentes e que não mostram tanta expressividade no uso
recorrente. Além disso, ela destaca que a marcação é relativa, depende do contexto e do
emprego que o falante faz desta, pois, em alguns contextos uma forma pode ser mais marcada
enquanto em outros não. (FURTADO DA CUNHA, 2011, p. 171).

O princípio da marcação está relacionado a uma distinção entre categorias marcadas e


não marcadas de elementos de uma mesma categoria. Exemplo: o discurso formal e não
formal. Isso pode ser ilustrado com o seguinte exemplo: “De futebol, Pedro gosta, mas não
suporta vôlei.”. (PREZI, 2023, pág.01). Neste exemplo, as palavras em destaque mostram um
discurso formal e apontam o que Pedro gosta e o que não gosta, possui uma estrutura mais
complexa para marcar o que o sujeito gosta e é menos frequente na oralidade devido ao uso de

7
pausas indicadas pelo uso das vírgulas. E outro exemplo não formal pode ser visto a seguir “O
guarda não pediu nem sequer para eu parar.”. (PREZI, 2023, pág.01). Este segundo exemplo
mostra uma fala em que a estrutura em destaque é menos marcada e mais frequente que as
palavras em destaque no primeiro exemplo. Logo, para se chegar à conclusão de estruturas
marcadas, convém levar em consideração as seguintes condições:

i- Complexidade estrutural;
ii- Distribuição de frequência;
iii- Complexidade cognitiva.

Estruturas mais marcadas apresentam maior complexidade estrutural, ou seja, tendem


a apresentar maior forma. Além disso, seu uso é menos frequente e, por fim, demandam maior
esforço cognitivo dos usuários.

1.4 Prototipicidade

Para Furtado da Cunha e Bispo (2013, p.53-59), a prototipicidade diz respeito a uma
categoria que possui como representante um protótipo, que reúne os traços recorrentes que
fazem parte de uma determinada categoria, uma vez que reúne traços característicos de
determinado elemento linguístico. Os autores acima referidos afirmam que a prototipicidade
é uma propriedade inerente à percepção humana e cada protótipo nos permite realizar um
conjunto de tarefas que podem ser inferidas ou imaginadas sobre uma dada categoria. Além
disso, uma categoria pode ser de mais fácil identificação do que outra. Na agenda dos estudos
linguísticos contemporâneos, a noção de prototipicidade é ampliada, uma vez que, além de
reunir traços característicos de determinada categoria linguística, a frequência de uso é
também um indicativo de prototipicidade

Como exemplo linguístico do princípio da prototipicidade, podemos destacar o uso do


verbo TER como principal membro da categoria indicativa de posse. Isso, inclusive, se
comparado ao próprio verbo POSSUIR. Há uma tendência de maior frequência de uso do
verbo TER possuidor, sendo, portanto, pela noção de frequência, o prototípico da categoria.

2 Verbos Ter e Haver: o que dizem as gramáticas e a visão da linguística.

8
O foco dessa pesquisa é analisar, a partir de princípios do funcionalismo linguístico
norte-americano, possíveis motivações que levam usuários a escolher, em construções
existenciais, o verbo Ter em vez de Haver. De início, recorremos a algumas gramáticas do
português a fim de observar as considerações de gramáticos acerca desses verbos. gramático
Rocha Lima (2011, p. 224), faz algumas abordagens sobre os verbos Ter e Haver. Ao
conjugar o verbo Ter, ele afirma que os verbos aceitar, eleger, matar, etc são empregados
junto do verbo Ter para formar o particípio regular e irregular ao lado do verbo Ser. E com
outros verbos, usa-se somente o verbo Ter para formar o particípio regular, a exemplo de
acender, entregar, expressar, expulsar, prender, etc. Já na contemporaneidade o auxiliar Ter e
o verbo Ser são usados para formar o particípio irregular. Ex: Ganho (ganhar), gasto (gastar),
etc. E cita um exemplo para ilustrar esse particípio acompanhado do verbo Ter. Ex: "Jamais
tinha pegado um passarinho na arapuca". (Rocha Lima).

Já com relação ao verbo Haver, o autor enquadra este verbo como impessoal e afirma
que, nas orações sem sujeito, ele é seguido de um objeto direto, significando existência de
uma pessoa ou coisa. "Se não houvesse ingratidões, como haveria finezas?". (Manuel
Bernardes). Além disso, o autor afirma que a impessoalidade deste verbo se estende a
auxiliares que formam perífrases. E cita uma frase de Antônio Feliciano "Então convosco
também, senhores meus, pode haver pactos?". (Antônio Feliciano de Castilho). (ROCHA
LIMA, 2011, pág. 488).

O gramático e linguista de formação Castilho (2000) aborda os verbos Ter e Haver no


sentido existencial e classifica-os como verbos apresentacionais em que esses estão
correlacionados às necessidades discursivas dos falantes, estas formas verbais apontam para
quem é o X ou o que ele é. E a estrutura das sentenças se apresentam da seguinte forma [ V
SN]. Ele diz também que quando as sentenças são monoargumentais, o verbo só pede um
argumento e dependendo da natureza desse argumento, as sentenças simples
monoargumentais podem ser apresentacionais, por introduzirem no discurso um tópico novo.
Em seguida o gramático subdivide esses verbos em existenciais e ergativo 2s. E cita algumas
sentenças apresentacionais com os verbos Ter e Haver no sentido de existência:

"26. Em São Paulo tem um problema específico de ter-se tornado um centro industrial.".

2
Verbos ergativos: esses verbos na Língua Portuguesa estão relacionados a ação que o sujeito recebe
em vez de as praticar e estão relacionados normalmente a sujeitos e objetos inanimados. Exemplo: “A
empresa da minha família caiu faliu”. (Clube da língua portuguesa) neste exemplo o sujeito “empresa”
não praticou a ação mas a recebeu.
9
"27. Tinha um gato preto perto dela.".

"28. Ali havia uns eucaliptos sendo plantados lá, não ?".

"30-b. -Bem, há eu aqui, não serve?". (CASTILHO, c2022, pág. 42).

Castilho (2020) afirma que a função textual dessas sentenças acima está em introduzir
um tópico novo à conversação. E o papel semântico delas está em declarar que o referente do
substantivo ou do pronome que vem depois está presente ali, ou seja, existe.

Oliveira (2014, p.22) afirma que esses verbos sempre se constituíram de maneira geral
como formas concorrentes com usos e significados variando no decorrer do tempo. Aponta
que o verbo haver no século XVI era altamente usado no sentido de posse concreta de pessoa
física e acabou adquirindo o sentido de existência. E o Ter acabou ocupando o lugar de Haver
em construções de posse e também em construções de sentido abstrato de existência.

A autora também discorre sobre a análise feita de alguns trabalhos para se verificar a
estrutura dessas formas existenciais na escrita e afirma que é possível perceber uma tendência
inversa em que o uso de Ter na fala predomina sobre o uso de Haver. E explica que isso se dá
devido ao período de letramento formal dos educandos, enfatizando o caráter normativo da
gramática nesse período e isso exprime uma seleção e certo grau de prestígio ao uso de Haver
existencial em contextos mais formais e praticamente ausente no registro falado. Aponta que
nesse contexto o aluno aprenderia uma nova forma linguística para usar em contextos formais.
Com esses apontamentos feitos pela autora, pode-se perceber a predominância de Haver por
Ter existencial na escrita em contextos mais formais de comunicação e de Ter por Haver em
situações informais de comunicação. (OLIVEIRA, 2014, pág. 23).

Por outro lado, Oliveira (2014) também afirma que essas formas verbais entraram em
processo de franca competição em que uma vez completada a mudança linguística de Ter
existencial esta variável está se sobrepondo a Haver existencial na escrita, além disso, Ter
existencial é considerada uma forma inovadora, já a forma Haver é vista como conservadora.
Ela também supõe que a variável Haver existencial ainda permanece em textos escritos por
estudantes em processo de letramento formal que estariam em seu processo de aprendizagem
dessas formas no período de escolarização.

Outra autora que faz alguns levantamentos de como funciona a língua e as motivações
que fazem com que os falantes se utilizem de determinadas estruturas e não de outras é Brito
(2016, p.18). A autora faz apontamentos sobre os princípios de iconicidade, marcação e
10
prototipicidade. A pesquisadora supramencionada ressalta que o signo linguístico não é
motivado, mas sim, convencional, resultado de um acordo implícito entre indivíduos de
determinado grupo social. Nisso, pode-se comparar o uso dos verbos Ter e Haver no sentido
de existência, pois o que leva alguns falantes a se utilizarem de Ter existencial em vez de
Haver na escrita é motivado pelo o que acreditam ser (o significante) o significado semântico
de determinada estrutura frasal, mas não significa que seja exatamente o objeto ou o conceito
apontado por eles (o significado).

Outro princípio em que se pode analisar e comparar o grau de marcação entre duas
estruturas, nesse caso, o emprego dos verbos Ter e Haver com sentido existencial é a
marcação. Segundo Brito (2016, pág.21) a marcação só pode ser analisada mediante dois ou
mais membros de uma categoria. Além disso, a autora cita três subprincípios do processo de
marcação que são: a complexidade estrutural, distribuição de frequência e a complexidade
cognitiva. Na complexidade estrutural do princípio de marcação, a categoria mais marcada
tende a ser a mais complexa estruturalmente e maior que a estrutura não marcada. Já com
relação a distribuição de frequência, a categoria marcada tende a ser menos frequente que a
não marcada. E com relação a complexidade cognitiva a categoria mais marcada tende a ter
uma estrutura maior e mais complexa, por isso, exige maior esforço cognitivo e leva mais
tempo para ser processada que a não marcada.

Procedendo a uma análise dos verbos Ter e Haver existenciais na escrita e tendo como
base os subprincípios de marcação citados por Brito (2016) e pelos outros autores, pode-se
perceber que o verbo Ter existencial está se tornando a estrutura mais frequente na escrita, em
detrimento de Haver existencial que é a estrutura mais marcada. Além disso, o Ter existencial
é uma variável inovadora, empregada principalmente no uso corriqueiro da comunicação oral.
Já o Haver existencial ainda é considerada uma variável de prestígio e mais preferível pelos
falantes em contextos formais de comunicação seja oral ou escrita e por já possuir o sentido
de existência, ou seja, ser um protótipo. Logo, com relação à complexidade estrutural, o Ter
existencial possui uma estrutura menos complexa e mais fácil de ser compreendida
cognitivamente pelo usuário da língua, com isso, tende a ser a categoria menos marcada do
que Haver existencial, porém, possui um maior grau de frequência na escrita. E por possuir
um menor grau de complexidade e de ser entendida mais facilmente, tende a ser a estrutura
mais frequente na fala e dependendo dos contextos de comunicação, tende a ser mais
automatizada pelos sujeitos da interação, tornando-se mais frequente na escrita.

11
Furtado da Cunha (2012, pág. 171) afirma que "[...] uma forma linguística mais
corriqueira, que apresenta alta frequência de uso, tende a ser mais conceptualizada de modo
mais automatizado pelo usuário da língua e isso significa que essa forma tem pouca
expressividade. Assim, quando querem ser expressivos, os falantes usam formas marcadas."
Com base nesses apontamentos feitos pelas autoras, pode-se dizer que, dependendo dos
contextos de comunicação, a frequência de Ter existencial pode ser mais ou menos frequente,
pois, dependendo do grau de escolaridade do falante essa frequência pode variar ou ser a
mesma no contexto de fala e de escrita, assim como da variável Haver existencial.

Brito (2016, p. 23) afirma que a noção de protótipo corresponde ao elemento central
de uma categoria em que outros elementos também compõe e estão relacionados a esse núcleo
categórico. Ela cita Casseb-Galvão (2011, p. 319) que afirma ser o protótipo o elemento mais
representativo dentro de uma categoria. A autora também aponta outros itens considerado
mais afastados da categoria, mas que partilham de características em comum. E conclui que,
na gramaticalização, nada é tão rígido devido a esse elemento central e os outros mais
próximos ou mais afastados da categoria central manterem semelhanças entre si. (BRITO,
2016, p. 23 apud CASSEB-GALVÃO, 2011, p. 319).

E com os apontamentos que a autora faz sobre a prototipicidade, pode-se comparar os


verbos Haver e Ter existenciais e a relação de proximidade ou distanciamento das categorias
que compõem esses verbos. Com relação ao verbo Haver este é o elemento central, é um
protótipo e devido a isso, já possui o sentido existencial e na maioria das vezes é escolhido
pelo falante para construção de determinados enunciados mais formais. Já o Ter quando
empregado pelo usuário no sentido existencial possui uma relação de semelhança e
proximidade com o seu núcleo, o verbo Haver existencial.

Pode-se chegar à conclusão de que esses verbos apresentam estruturas marcadas na


escrita com uso do verbo Haver existencial e maior grau de frequência com o uso de Ter
existencial, apresentando uma variação a depender dos contextos de comunicação.

Além disso, as motivações que levam os falantes a escolherem Ter em vez de Haver
existencial para se construir enunciados vai depender da intenção comunicativa desse falante,
da sua formação escolar ser pautada na gramática, pois, foi possível perceber a partir dos
textos dos autores que em certos contextos mais formais o aluno é motivado em seu processo
de aprendizagem a optar pelo uso de Haver em vez de Ter existencial na escrita, pelo fato do
primeiro verbo ser a forma mais preferível e prestigiada dentro da gramática normativa e
12
escolar. Além disso, quando esse falante quer ser mais expressivo este se utiliza de estruturas
mais marcadas, como o verbo Haver existencial.

3 Contexto da pesquisa

A seleção do corpus para análise foi feita em uma escola Militar de Macapá, Escola Estadual
Prof°. Antônio Messias G. da Silva. Quanto aos procedimentos de análise, a pesquisa foi de
cunho bibliográfico e documental, com uma base de dados a partir de produções escritas pelos
alunos, um total de 61 redações. A coleta foi feita nos 3 anos do ensino médio (1°, 2° e 3°),
cada turma possuía entre 25 e 28 alunos. Porém, alguns não quiseram produzir e outros não
entregaram o texto.
A escolha do tema foi devido a uma reflexão para se saber o que motiva estes
estudantes a utilizarem tanto do verbo Ter no sentido de existência e posse e o uso de Haver
prototípico. O Ensino Médio foi escolhido devido aos sujeitos possuírem considerável grau de
escolaridade e idade o que implica com que estes produzam mais redações, devido ao seu
processo de escolarização, pois, a partir do 1° do ensino médio, o aluno já começa a ser
direcionado a estudar com foco no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), com ênfase na
redação. A preferência por produções dissertativo-argumentativas e de relato pessoal em vez
de outros gêneros textuais, foi devido a uma maior possibilidade de se encontrar as
ocorrências dos verbos Ter e Haver existenciais nos gêneros escolhidos. Além disso, a escolha
deveu-se ao aluno construir seus argumentos a partir do tema escolhido e, na redação de relato
pessoal, este poderia escrever livremente sobre algum acontecimento de sua vida, utilizando a
primeira pessoa do singular e isso poderia incentivar neste o interesse pela escrita. Além
disso, o tema proposto foi o uso das tecnologias da informação e comunicação na
contemporaneidade e a escolha deste tema foi com o intuito deste público já possuir
proximidade e vivência com as ferramentas tecnológicas em seu dia a dia, pois a maioria faz
uso de telefones celulares, computador, wi-fi, fone de ouvido, televisão e todas as outras
tecnologias relacionadas ao mundo globalizado.

4 Discussão e resultados

13
Para iniciar a análise dos gráficos, destacamos o número de produções entregues que
foi um total de 61 produções sendo 39 referentes ao relato pessoal e 22 ao texto de cunho
dissertativo-argumentativo. A escolha por cada proposta pelo aluno foi com base no nível de
dificuldade, pois, percebeu-se que os que optaram pela produção de relato pessoal foi devido
a ser um texto com uma estrutura mais simples e mais fácil de ser produzido por ser escrito
em primeira pessoa e ser um relato pessoal que já havia ocorrido com eles. Já a escolha do
segundo gênero foi perceptível pelo fato deles já possuírem familiaridade nas aulas de
redação, pois, é um gênero com estrutura mais formal e exige argumentos dos alunos e os que
optarem por este obtiveram sucesso nos argumentos e respeitaram a estrutura com uma
introdução, desenvolvimento e conclusão.

GRÁFICO 1: Frequência dos verbos TER e HAVER no relato pessoal

Autora: Cristina Batista.

Ao observar o gráfico 01, pode-se perceber que, na produção de relato pessoal, o


número de ocorrências do verbo Ter no sentido de posse, de existência e como verbo auxiliar
está em um total de 45 ocorrências. Já o verbo Haver no sentido de tempo decorrido,
existencial e como verbo auxiliar está em total de apenas 6. Pois, isto ocorre devido ao uso da
variável Ter no relato pessoal ser um gênero de pouca formalidade, com linguagem próxima à
fala, a recorrência do Ter é muito superior comparado ao Haver. Isto já é um indício de que,
em situações cuja linguagem é coloquial, o Ter é largamente mais frequente. Assim, o Ter
14
existencial no relato é mais frequente que o Haver numa ocorrência de 15 para 02 usos
respectivamente.

Na produção textual dissertativo- argumentativa o uso da forma Ter no sentido de


posse, existência e como verbo auxiliar é de 28 ocorrências, enquanto a forma Haver é de
apenas 7 no sentido existencial. Isso pode ser visto no esquema a seguir:

GRÁFICO 02: Frequência dos verbos TER e HAVER no texto dissertativo-argumentativo

Autora: Cristina Batista.

A partir do gráfico 02, pode-se chegar a uma conclusão do que Oliveira (2014) afirma
sobre a variável inovadora Ter está se sobrepondo a Haver no contexto de escrita nos seus
vários sentidos, seja de posse, como verbo auxiliar ou de existência. Pois, devido à variável
haver existencial ser uma forma de prestígio e mais formal no texto escrito, ou seja,
15
representar protótipo de existência, esperava-se que esta fosse mais utilizada pelo aluno, pelo
fato de as duas produções serem escritas. Mas se percebeu o contrário, pois, os estudantes
optaram pelo uso de Ter nos textos produzidos. Com isso, se pode apontar que o uso desta
forma verbal está se espraiando não apenas em textos informais, mas passível de maior
ocorrência em textos formais. Logo, é possível afirmar que o verbo Ter está adquirindo a
função de existência nas estruturas das frases que os alunos construíram e se tornando uma
forma gramatical no seu processo de mudança linguística funcional, pois, devido ao seu uso
frequente, está sendo empregado de forma recorrente também na escrita.

Oliveira (2014) afirma que a variável Ter está sendo empregada de forma mais
recorrente pelos usuários da língua no contexto de escrita e afirma que essa variável está
substituindo Haver existencial na escrita, isto será explicado com alguns exemplos das
produções realizadas pelos alunos do ensino médio. Além disso, os resultados apontam que o
verbo Ter existencial na redação de relato pessoal foi empregado 15 vezes, já o Haver foi
empregado 2 vezes. Enquanto na redação dissertativa- argumentativa o primeiro verbo foi
utilizado 10 vezes no sentido de existência e o segundo apenas 7.

Abaixo, apontamos possíveis motivações que fizeram com que os escritores optassem
por determinadas estruturas com Ter em vez de Haver existencial, esses motivos podem ser
vistos com os seguintes exemplos a seguir:

(01) "(..) pois ainda tinha certas dificuldades com a área da computação, sem contar com os
avanços que a tecnologia está proporcionando ao longo dos anos". (Relato pessoal,
transcrição).

Em 01, pode-se notar o sentido existencial do verbo Ter no passado. Pois, o aluno
afirma que teve dificuldades com a área computacional no seu primeiro contato com a
tecnologia, pode-se notar que o uso deste verbo, na frase acima, explica a existência de uma
dificuldade por parte do falante. Isto pode ser motivado pelo princípio da iconicidade, pois o
escritor aponta que possui dificuldades, estas existem e poderia se utilizar do verbo Haver
para apontar a existência das mesmas, porém, ele utiliza o Ter (tinha) como representação de
um signo linguístico mais próximo ao verbo Haver existencial que é a forma verbal Ter.

Outro exemplo indicativo de existência com o verbo Haver pode ser visto no seguinte
exemplo de um relato de um aluno:

(2) "Há alguns anos, houve uma fatalidade na minha família, perdi uma tia a distância.".
(Relato pessoal, transcrição).
16
Neste exemplo, o escritor utiliza o verbo Haver para indicar tempo decorrido, um
intervalo de tempo em que algo aconteceu em sua família. E faz um segundo emprego desse
verbo para indicar existência de um acontecimento, que foi a morte de sua tia. Assim, em (2),
percebe-se a relação ao subprincípio de iconicidade da ordenação sequencial dos segmentos.
Logo, o escritor achou que o significante de "há alguns anos", exigiu o uso da forma Haver no
passado "houve" para completar seu sentido.

Outro exemplo que ilustra o sentido existencial da forma Ter pode ser visto no
seguinte trecho de um relato:

(3) "(...) Existem dentre elas as pessoas que usam para uma melhora de vida, usando para
investimentos e dentre outras coisas, mas também tem aqueles que usam para atrasar o lado
das pessoas". (Relato pessoal, transcrição).

Neste exemplo extraído de um relato, é possível notar que o verbo Ter foi empregado
pelo escritor para indicar a existência de pessoas que usam a tecnologia para causar males na
vida de outras. Ou seja, o aluno poderia repetir o uso do verbo "existir" que está no começo
do parágrafo, porém, utilizou o verbo Ter para indicar este sentido. Isso pode ser explicado
pelo uso recorrente do verbo Ter na oralidade, pois, nos variados contextos de comunicação o
usuário da língua tende a criar formas de se comunicar mais facilmente com seu interlocutor.
Essa escolha da variável Ter pode ter sido motivada também devido a este verbo representar o
elemento mais próximo do protótipo Haver ou de existir que representa o sentido de
existência. Assim, um elemento pode ser classificado pelo grau de distância e quanto mais
próximo de seu protótipo, maior será o seu grau de afinidade com o representante da
categoria. Logo, o verbo Ter é o elemento mais próximo de haver e do verbo existir dentro da
categoria existencial.

Um outro exemplo do verbo Haver existencial pode ser visto no trecho extraído de
um dos textos argumentativos a seguir:
(4) "O uso das tecnologias da informação e comunicação pode ser essencial na
conscientização de certo problema que pode haver na sociedade". (Redação dissertativa-
argumentativa, transcrição".

Em 04, o escritor, ao utilizar o verbo Haver para indicar a existência de certos


problemas que podem existir na sociedade, faz o emprego desta forma verbal prototípica para
indicar não só o sentido de existência, mas também como forma de apontar que na sociedade
indicada por ele, há problemas. Logo, o motivo que faz com que o aluno empregue o verbo
Haver em vez de Ter, pode ser justificado pela imagem do que ele percebe como problemas e
de quais são estes, pois, não se pode afirmar quais são, mas que existem. Outro motivo que
17
leva o escritor a escolha de Haver por Ter existencial pode ser devido ao seu processo de
escolarização e familiaridade com essa forma verbal na produção de caráter dissertativa
argumentativa que este possui na produção desse tipo de gênero em sala de aula.

Um outro exemplo de existência do verbo Ter em redação argumentativa pode ser


visto no trecho a seguir:
(5) "(...) Exemplo, software mal produzido ser distribuído para uma empresa de banco ou
super mercado e esse software der problemas. Têm (sic) o ponto positivo desse, se o
software como o Windows, por exemplo, e hardware como um processador de celular,
notebook for bem trabalhado e desenvolvido bem iria ter menos problemas". (Redação
dissertativa, transcrição).

Em (5), pode-se notar que o escritor faz o emprego do verbo Ter para indicar a
existência de um ponto positivo no software apontado por ele. Ao utilizar este verbo, o
estudante foi motivado ao uso devido ao que julga ser algo positivo, este não aponta
exatamente ao que seja, mas sabe o que é positivo ou benéfico para ele. Além disso, o uso de
ter é devido a esta forma ser uma variável inovadora, recorrente na fala, pois, o estudante
poderia fazer uso de outro verbo como, existir ou haver. Poderia também fazer ajustes na
estrutura da frase para melhor ser entendida pelo interlocutor. Porém, isso mostra que mesmo
em contexto de escrita de uma produção dissertativa argumentativa, o aluno faz uso de
estruturas argumentais recorrentes no contexto de comunicação oral. Logo, pode-se concluir
que o uso de Ter presente no enunciado acima, é motivado também pelo uso corriqueiro na
oralidade.

Com base no gráfico abaixo e com os resultados apontados nos esquemas. Pode-se
concluir, segundo a categoria prototipicidade que o elemento central que representa o sentido
existencial é o verbo Haver, porém, foi empregado apenas 2 vezes no relato pessoal e 7 vezes
na dissertação. Logo, concluímos que o elemento mais representativo por um viés conceptual
esquemático dessa categoria existencial é o verbo Ter, pois, seu uso foi mais recorrente nas
duas redações. Nesse sentido, o verbo Ter passa a representar o protótipo dessa categoria de
existência nesses dois exemplos de textos, por ser o elemento mais frequente e representativo
na categoria.

18
GRÁFICO 03: Frequência do verbo HAVER existencial nas duas produções (elemento menos protítpico )

Autora: Cristina Batista.

O uso dessa forma verbal como o elemento mais representativo para indicar existência
pode ter sido motivada pela representação da forma e conteúdo, pois, para os usuários, o
sentido existencial que os verbos Ter e Haver exprimem podem ser semelhantes, mas muitas
vezes não exprimem o mesmo significado, pois, um determinado termo construído com o
verbo Ter existencial para o aluno é comparado ao sentido existencial que Haver é o
protótipo, mas seu conteúdo e função são diferentes quanto a mensagem repassada em alguns
casos. Logo, o uso de Ter com certa frequência nas produções realizadas pelos alunos eram
apontadas para substituir o uso de Haver com o sentido existencial. Esta constante repetição
da variável ter prototípica pode ser vista no gráfico a seguir:

19
Gráfico 04: frequência do verbo ter existencial nas duas produções (elemento mais prototípico):

Autora: Cristina Batista

Na iconicidade, o falante escolhe a forma em vez da função a depender da relação com


o conteúdo, ou seja, este faz escolhas de acordo com que está mais próximo a ele. E isso, pode
ser percebido na escolha dos alunos pelo verbo Ter em vez de Haver existencial, pois, o verbo
Ter está mais próximo do falante na oralidade e este faz uso constante da variável. Além
disso, segundo Brito (2016), pelo subprincípio da linearidade, o falante privilegia as
informações que lhe parecem mais relevantes, assim, o conteúdo determina a forma de
maneira intencional. Para apontar este grau de proximidade e representação dos elementos Ter
e Haver existenciais, pode-se avaliar essas formas verbais pela marcação e seus subprincípios
de complexidade estrutural, distribuição de frequência e complexidade cognitiva. Este
princípio, segundo Brito (2016), diferencia estruturas marcadas de não marcadas. E na
complexidade estrutural que diz respeito ao tamanho da estrutura, percebeu-se que a variável
Haver é mais marcada no texto dissertativo argumentativo que foi um total de 7 ocorrências,
contra 2 ocorrências presentes no relato pessoal. O motivo dessa forma verbal possuir maior
marcação em textos dissertativos argumentativos é devido a sua complexidade estrutural e
menor uso pelo escritor nesse tipo de texto.

Além disso, esta variável teve pouca frequência nos dois textos, isso pode ter sido
motivado pelo uso frequente de Ter na oralidade e seu aumento na escrita, além disso, o verbo

20
Haver está se tornando uma variável arcaica devido às novas mudanças na língua e na geração
atual. Outro motivo que pode justificar a maior frequência de Ter por Haver foi o tema
proposto para produção, pois as tecnologias da informação e comunicação na
contemporaneidade é um tema atual e foi possível perceber na escrita dos alunos o uso
coloquial e consequentemente o uso de Ter repetidas vezes no relato pessoal. Além disso, o
relato foi também uma possível causa da menor frequência de Haver existencial, pois, na
redação dissertativa argumentativa, isto ocorreu com maior frequência devido à complexidade
estrutural de haver. Essa menor frequência foi deveu-se, também, a esse gênero textual exigir
do aluno uma estrutura mais elaborada, coesão, argumentos plausíveis e maior vocabulário.
Logo, constatou-se que a variável com maior complexidade estrutural que é Haver existencial
foi a mais marcada e menos frequente. Já a variável Ter com menor complexidade estrutural
foi a mais frequente e menos marcada.

Além disso, foi possível perceber pelo princípio de marcação da complexidade


cognitiva que a variável mais difícil de ser decodificada no uso de itens para compor a
estrutura das frases foi Haver, pois esta variável foi menos frequente pelos estudantes e, no
texto dissertativo argumentativo que teve um maior uso, foi possível perceber a formação de
estruturas mais densas e exigiu do aluno um esforço mental para compor a oração. Isso pode
ser visto no seguinte exemplo de uma redação dissertativa argumentativa:

(6)"Porém, há um lado negativo, as ferramentas que a tecnologia da informação e


comunicação também podem ser usadas de forma inadequada. Como durante a postagem de
vários vídeos, textos, "influencers", utilizam as ferramentas para espalhar o negacionismo
com a pseudociência.". (Redação dissertativa argumentativa, transcrição).

Em (6), pode-se perceber o uso da linguagem padrão com o uso do verbo "espalhar"
que mostra um traço da oralidade, porém, o uso do verbo Haver neste trecho mostra a
complexidade estrutural e faz com que o aluno pense antes de escrever, pois, demonstra um
esforço mental ao colocar palavras como "negacionismo", "pseudociência", pois, são palavras
não tão frequentes em um contexto de comunicação oral ou em um relato pessoal. O que
aponta para a intenção do falante ao querer mostrar seus argumentos contra as tecnologias da
informação. Além disso,mostra a complexidade cognitiva na construção do enunciado por
parte do enunciador.

Já com relação ao uso da variável Ter no relato pessoal é possível perceber a


espontaneidade do aluno ao compor a oração e isso mostra que não houve um grande esforço
por parte do estudante em sua composição, além disso, a estrutura da oração ficou mais

21
simples, mostrando, assim, traços da oralidade e do contexto de comunicação oral. Isto nos
faz concluir que mais um dos motivos que fazem com que o aluno faça escolhas de
determinadas estruturas com Ter em vez de Haver existencial é a sua intenção comunicativa,
levando a escolhas de estrutura menos densas ao escrever o que está pensando. Um exemplo
que mostra essa complexidade estrutural menos densa com o uso do verbo Ter existencial,
pode ser visto a seguir:

(7)"Com o avanço da tecnologia tem a melhora na saúde no mundo, uma coisa que só tem a
avançar algo bom demais para a humanidade claro que tem pessoas que não sabem ver o
lado positivo disso tudo ficando atrasadas no tempo.". (Redação relato pessoal, transcrição).

Neste exemplo, pode-se perceber marcas da oralidade como "algo bom demais" e
"claro que tem pessoas" que nos remetem para um contexto informal da linguagem coloquial,
além da repetição no uso da variável Ter e falta no uso de vírgula para separar os períodos.
Pode-se notar também a presença do uso do verbo Ter existencial. No primeiro uso "tem a
melhora na saúde", o estudante afirma existir uma melhora na saúde advinda de uma
contribuição da tecnologia na área da saúde. No exemplo seguinte, o uso do verbo Ter "só tem
a avançar" o aluno aponta para o avanço de que as tecnologias podem ajudar a humanidade no
futuro. Já no último exemplo "claro que tem pessoas", o aluno aponta que existem pessoas
que não sabem ver os benefícios que as tecnologias trazem para as várias áreas da vida e isto
faz com que estas desconheçam muitas coisas que poderiam lhes ajudar.

Considerações finais
Após uma abordagem feita a partir da análise realizada com os trabalhos dos teóricos
citados ao longo desta pesquisa para se observar o uso dos verbos Ter e Haver existenciais na
escrita e com base nas produções realizadas com os alunos, pode-se chegar a uma reflexão das
motivações que levaram a escolha dos alunos pelo uso de Ter existencial em vez de Haver
prototípico. Além disso, com base nos dados obtidos, chegou-se à conclusão de que a
variável Ter existencial é mais frequente tanto na produção dissertativo-argumentativa quanto
na de relato pessoal.

Assim, percebeu-se, a partir da análise dos dados, as motivações que levaram os


alunos à escolha de Ter por Haver existencial e uma das motivações foi o uso frequente do
verbo Ter na oralidade, pois, por ser uma forma automatizada pelos estudantes na fala,

22
consequentemente se tornou na escrita. Além do mais, a redação de relato pessoal influenciou
também o uso desta variável pelo fato de ser uma produção escrita em primeira pessoa.

Além disso, o Ter existencial é uma variável inovadora, empregada principalmente no


uso corriqueiro da comunicação oral. Já o Haver existencial ainda é considerada uma variável
de prestígio e mais preferível pelos falantes em contextos formais de comunicação seja oral
ou escrita e por já possuir o sentido de existência, ou seja, ser um protótipo. A autora Casseb-
Galvão (2011, p. 319) citada Brito (2016, p. 23) afirma ser o protótipo o elemento mais
representativo dentro de uma categoria. A autora também aponta outros itens considerado
mais afastados da categoria, mas que partilham de características em comum. (BRITO, 2016,
p. 23 apud CASSEB-GALVÃO, 2011, p. 319). Contudo, percebeu-se que, mesmo em
situações mais formais como em produção de texto argumentativo, há saliência do Ter
existencial em detrimento do haver.

Outro ponto relevante da pesquisa foi a análise do uso desses verbos com base nos
princípios de gramaticalização: iconicidade, marcação e prototipicidade. No subprincípio da
iconicidade, o verbo Ter foi a estrutura mais presente, pois, foi analisado a partir do conceito
de significante e significado, forma e conteúdo. Assim, foi possível perceber que o aluno
apontava a existência de algo com o uso de Ter, porém, poderia se utilizar de Haver para
indicar essa existência. Mas o verbo Ter era a forma verbal mais próxima a ele e mais
recorrente na oralidade, logo, este preferia o uso de Ter como o signo icônico mais próximo
do protótipo Haver.

Além disso, os alunos/escritores construíram frases mais simples com o verbo Ter do
que Haver existencial, logo, não houve uma preocupação por parte do aluno em se construir
enunciados mais complexos nas produções de relato pessoal. Nesse sentido, este verbo
tornou-se o protótipo pelo subprincípio da quantidade na prototipicidade em vez de Haver que
é o elemento central para indicar o protótipo de existência. No que diz respeito à marcação, a
estrutura mais marcada foi o Haver existencial por ser menos frequente, apresentar estrutura
mais complexa e por demandar maior esforço cognitivo. Por outro lado, o Ter foi considerado
menos marcado, uma vez que seu uso é mais frequente, apresentar menor complexidade
estrutural e demandar menor esforço cognitivo.

Por fim, pode-se concluir que as motivações que levaram ao uso de Ter por Haver
existencial são variadas. Pois, como foi possível perceber ao longo da análise das redações, os
alunos fizerem escolhas baseadas no que eles acreditavam ser o significado e emprego do
23
verbo Ter em vez de Haver. Tal constatação aponta para construções de enunciados mais
simples e com períodos curtos nas produções de relato pessoal em que se pode perceber essas
ocorrências. Isto pode ser explicado pelo uso recorrente que os usuários fazem da variável
inovadora Ter na oralidade e por possuir menos complexidade cognitiva e estrutural. Já com
relação ao uso do verbo Haver houve um destaque nas produções dissertativas-argumentativas
e isto pode ser explicado pelo gênero textual requerer um esforço cognitivo maior do que a
produção de relato pessoal, além de ser um gênero que exige do participante argumentos e
defesa ou contrariedade de um ponto de vista.

24
Referências

BRITO, I. P. L. Conectores adversativos em textos jornalísticos sobre futebol: análise


funcionalista em perspectiva histórica. In: O Funcionalismo, seus princípios, sua gramática e
o processo de gramaticalização. Dissertação (mestrado). João Pessoa, 2016.
CASTILHO, A. T. Refletindo sobre a língua portuguesa. In: Seção 8.1 - Escolha do Verbo.
Museu de língua portuguesa. Ed. Estação da Luz. São Paulo, c2022. Disponível
em:<https://www.museudalinguaportuguesa.org.br/tipo-biblioteca/lingua-e-linguagem/
>. Acesso em: 27.07.2022.
FURTADO DA CUNHA, A.; BISPO, E. B. Pressupostos teórico-metodológicos e categorias
analíticas da linguística funcional centrada no uso. Rev. Do Gelne. Natal/RN. vol.15.Número
especial: 53-78, 2013.
FURTADO DA CUNHA, M.A: Funcionalismo (p. 157-176). In: MARTELOTTA, M. E.
Manual de linguística. 2 Ed. São Paulo, contexto, 2011.
KENEDY, E; MARTELOTTA, M. E. T. . A visão funcionalista da linguagem no século
XX. In: Maria Angélica Furtado da Cunha; Mariangela Rios de Oliveira; Mário Eduardo
ToscanoMartelotta. (Org.). Lingüística Funcional: teoria e prática. Rio de Janeiro:
DP&A / Faperj, 2003.
OLIVEIRA, C. S. A variação entre ter e haver em construções existenciais na fala e na escrita
da variedade riopretense. Dissertação (mestrado). São José do Rio Preto, 2014.
OLIVEIRA, C. S. A variação entre ter e haver em construções existenciais na fala e na
escrita da variedade riopretense. Dissertação (mestrado). São José do Rio Preto, 2014.
PREZI, 2023. p.(01-02). Funcionalismo: iconicidade, marcação e gramaticalização by Geoci
da Silva (prezi.com). CLUBE da Língua Portuguesa. 2023. Disponível em: Verbos
ergativos, inacusativos e inergativos – qual a diferença? (clubedoportugues.com.br).
ROCHA, LIMA. Gramática Normativa da Língua Portuguesa. Edição Revista segundo o
novo acordo ortográfico. In: Capítulo 10 - Conceito de verbo e capítulo 27- Concordância
verbal. 49° Ed. Rio de janeiro: José Olympio, 2011.
SILVA, Célia Maria. M. B. A contribuição da linguística funcional para o ensino de
português. Universidade Potiguar - UnP. Natal, 2020.
VIOTTI, Evani. Uma história sobre & quot; Ter & quot; e & quot; Haver & quot;. Cadernos
de estudos linguísticos. Campinas, v. 34. p. (41-50). Jan./Jun. 1998. Disponível em:
<https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cel/article/view/8637050>. Acesso
em: 27.07.2022.

25
26

Você também pode gostar