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1. Introdução
No ensino-aprendizagem de língua materna em nosso país, um dos desafios tem sido o
do tratamento dos advérbios. Situado no contexto do que os PCN (2000, p. 38-39)
chamam de atividades metalingüísticas, a abordagem dessa categoria, como das demais,
deve pautar-se pelas regularidades, pelos traços de seu uso sistemático ou padrão.
Segundo os PCN, espera-se que o olhar sobre os aspectos gramaticais, nas aulas de
língua portuguesa, seja suporte para a análise e reflexão lingüística, em termos de
aprimoramento ou maior eficiência comunicativa, tanto na produção como na recepção
de textos, sejam eles falados ou escritos.
Uma alternativa para dar conta dessa perspectiva, que retira do ensino-aprendizagem da
morfossintaxe do português seu caráter finalista tradicional, é a consideração dos
advérbios numa perspectiva funcional (Bybee, 2003), como um continuum categorial,
cujos componentes localizam-se em pontos mais ou menos distintos do padrão adverbial
básico, conforme propõe Taylor (1995).
Nessa perspectiva, os pressupostos teóricos do funcionalismo norte-americano dariam
conta da derivação polissêmica espaço > tempo > texto e do processo de
gramaticalização advérbio > conector > operador, conforme propõem Givón (2001) e
Traugott (1995).
Como corpora para este trabalho, utilizamos textos escritos na sincronia atual, de três
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tipos distintos: a) religioso: em tom didático, procura levar ao leitor o meio de sua
salvação, da libertação dos pecados; b) biográfico: com alta freqüência de narrativas,
conta trajetórias da vida; c) carta de leitor: com base em fatos do cotidiano e num estilo
mais próximo da informalidade, defende pontos de vista. Esses materiais foram
levantados, classificados e analisados, num primeiro momento, pelos bolsistas Evelyn
Mendonça de Melo (Pibic/UFF), André Radomski (Pibic/UFF) e Luciana Pomponet
(Faperj), respectivamente.
Com base no suporte teórico referido e nas fontes citadas, nossa pesquisa toma como
objetos específicos os quatro itens pronominais locativos mais freqüentes no português
do Brasil: aí, ali, aqui e lá.
3.1. Usos de aí
Dos quatro locativos em análise, aí apresenta-se como o segundo constituinte mais
recorrente. Em termos de ordenação, este item tende a situar-se em posição pré-verbal,
imediatamente antes do verbo ou com interseção de outro constituinte.
Como motivação para a maior incidência da posição pré-verbal de aí nos corpora,
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identificamos a tendência deste locativo, hoje, situar-se mais à margem da categoria
adverbial, em processo de migração para a classe dos conectores e operadores. A
freqüência com que é usado e a tendência à função conectiva, aliados à redução
fonológica, fazem de aí um constituinte articulado preferencialmente antes do termo
verbal, em local destinado à informação dada, mais familiar e acessível, segundo Fenk-
Oczlon (2001). Com o trecho a seguir, ilustramos esse comentário:
(1) Quando conseguem entender que fazer sexo é uma coisa e fazer amor é outra, a
primeira coisa de que se descartam é das suas idéias de amor livre. Aí vem a burocracia.
(Um coração que seja puro).
(2) Foi chocante assistir ao vivo e a cores nossos senadores da CPI terem que chamar
comprovados larápios do dinheiro público de ''Vossa Excelência''. Aí é cinismo demais e
não dá para agüentar tanta afronta. (Jornal do Brasil)
Uma outra motivação para essa tendência pré-verbal de aí fica por conta de sua
ocorrência em certas estruturas mais ou menos fixas, na composição de unidades pré-
fabricadas (UPF), conforme Erman e Warren (2000). Segundo os autores, as UPF
caracterizam-se pela forte vinculação semântico-sintática de seus constituintes, na
formação de um só arranjo, indivisível, em que cada um dos itens perde em autonomia
para que haja ganho no conjunto; as UPF representam formas de dizer ritualizadas pela
comunidade lingüística, estruturas prontas e acessíveis, colocas à disposição dos
usuários para a produção de textos. A seleção e freqüência das UPF depende das
condições pragmático-discursivas envolvidas na interação. Em geral, as UPF integradas
por aí articulam informações de fundo, como a exposição de argumentos:
(5) E porque está em pé, confiando sempre, pode receber ali a missão de ser a mãe dos
irmãos de Jesus. (Tocar o Senhor)
(6) Havia uma porta fechada que dava para a antiga sala de Mário Filho. Ninguém sabia
onde estava a chave ou o que havia ali dentro. (Anjo pornográfico)
Por conta das tendências de uso apontadas para ali, consideramos ser este o pronome
locativo prototípico. Ele reúne os traços que o fazem mais se aproximar do eixo central
da classe dos advérbios: posiciona-se imediatamente após o verbo, em referência a
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espaço concreto, em função acessória.
(7) Aqui na Terra a felicidade não é plena nem perfeita porque tudo que é humano traz a
marca da imperfeição. (Amor é vida)
(8) Se parássemos aqui nossa reflexão, poderíamos supor que Pedro já está
completamente convertido. (Tocar o Senhor)
(10) O ministro Palloci parece estar vivendo em outra terra. Aqui em Pindorama, o
desemprego grassa e o emprego, triste, escassa. Juros sobem, a inflação, silenciosa,
desliza pelas gôndolas dos supermercados. (O Globo)
3.4. Usos de lá
Dos quatro locativos em análise, lá aparece como o menos freqüente em textos
religiosos, o segundo mais recorrente em biografias e o mais usado nas cartas
de leitores. Essa distribuição desequilibrada, tal como apontado para a
polissemia de aqui, tratada anteriormente, também parece motivada por
questões de ordem discursiva.
Em relação a seu uso em textos religiosos, apontamos as seguintes
tendências: o locativo, em suas poucas aparições, ocupa preferencialmente
posição pós-verbal, com referência física, tal como a seguir:
(13) O fato é que Jesus fica lá conversando na sala com Maria, que não estava nem aí
com os problemas da casa! Simplesmente sentou-se aos pés de Jesus e ficou lá
escutando o Mestre falar. (Um coração que seja puro)
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Em (13), o locativo insere-se, por duas ocasiões, entre o verbo ficar e os gerúndios
conversando e escutando, respectivamente. Trata-se de uma localização que
compromete a vinculação dos constituintes verbais, em prol da maior autonomia de
ambos, que passam a funcionar com maior plenitude – o primeiro, como verbo, o
segundo, como circunstanciador de modo.
Possivelmente, a baixa ocorrência de lá nos textos religiosos deva-se à motivação dos
contextos articulados pelo referido locativo; trata-se, via de regra, de seqüências de
maior grau de informalidade, de usos lingüísticos menos comprometidos com a norma
escrita padrão. Portanto, como as fontes pesquisadas constituem exemplares da
modalidade escrita, num registro mais formal, justifica-se a menor ocorrência de lá
nesse tipo de material.
Por outro lado, nas demais fontes, lá tem maior incidência. No texto biográfico, os
trechos narrativos, combinados com o tom mais informal, propiciam o maior uso do
locativo, como em:
(14) No dia seguinte, D’Arcy apresentou-se ao Itamaraty e foi preso lá dentro, nas
barbas dos cisnes. (Anjo pornográfico)
Mas é nas cartas de leitores que se levanta, em maior grau, a ocorrência de lá. Nesse
tipo de texto, o tom mais informal, num tipo de procedimento lingüístico em que leitor
escreve e, de certa forma, dialoga com outros leitores, seus interlocutores, além da
temática do cotidiano, mais prosaica, motivam a alta freqüência do locativo, superando,
inclusive, os demais em termos numéricos. Trata-se de contextos como:
(15) Vão fazer festas para angariar fundos, com música alta, e, talvez, no meio da festa,
lá pelas 2 da manhã, soltem fogos de artifícios. (Época)
(16) Colocar a culpa do interrogatório – que ele mesmo fez – nos homens que comanda,
vá lá! Mas querer ser irônico e irresponsável perante uma situação que ele próprio
ajudou a construir com o governo desastrado e populista... (Jornal do Brasil)
4. Considerações finais
Na pesquisa da ordenação de pronomes adverbiais locativos, e seus aspectos de
polissemia e gramaticalização, em termos de ensino-aprendizagem de língua
portuguesa, chegamos, até agora, aos seguintes resultados: a) os quatro itens mais
recorrentes da categoria não possuem um padrão de ordenação e funcionalidade geral,
antes, constituem uma classe prototípica, em que cada constituinte situa-se mais ou
menos no conjunto dos advérbios; b) ali constitui o locativo mais prototípico, dado que
costuma se ordenar imediatamente após o verbo, com referência a espaço físico, em
função adjuntiva; c) aqui surge num ponto mais afastado do eixo central da classe dos
advérbios, seguido por lá e, mais afastado ainda, na migração para a classe dos
conectores e operadores, encontra-se aí; d) fatores de ordem discursiva afetam usos
gramaticais, assim: narrativas tendem a se articular por ali, aqui e lá, enquanto trechos
expositivos motivam a ocorrência de aí; usos mais informais privilegiam o surgimento
de lá, em expressões cristalizadas no trato popular; e) o “espaço” da referência locativa
tende a cumprir uma trajetória de derivação, que vai da referência física mais básica,
passando a outra de caráter virtual, migrando para a temporal e daí para a textual, em
que o locativo passa a articular sentidos lógicos, como os de conseqüência ou
conclusão.
5. Referências bibliográficas