Você está na página 1de 8

/

Capítulo 3 As duas grandes correntes


do pensamento lingüístico:
funcionalismo e formalismo

A consideração da existência de um modelo com vi-


são funciona lista da linguagem, isto é, com uma visão
da linguagem como entidade não suficiente em si, leva,
em primeiro lugar, à contraposição com outro modelo
que, diferentemente, examina a linguagem como um obje-
to autônomo, investigando a estrutura lingüística indepen-
dentemente do uso. O próprio Halliday (parret, 1974) dis-
tingue as duas tradições, a chamada "funcional", na qual
ele se coloca e coloca a Escola de Praga, além de Firth,
Lamb e a Escola de Londres, e a "formal", representa-
da especialmente por Bloomfield e por Chomsky.
Na verdade, pode-se distinguir dois pólos de aten-
ção opostos no pensamento lingüístico, o funcionalis-
mo, no qual a função das formas lingüísticas parece de-
sempenhar um papel predominante, e oformalismo, no
qual a análise da forma lingüística parece ser primária,
enquanto os interesses funcionais são apenas secundá-
rios. Nessa oposição, Dirven e Fried (1987, p. xi) colocam
no pólo funcionalista a Escola de Genebra (com Saus-

capítulo 3 • 39

l
sure e, a seguir, Bally e Tesniére, este influenciando Hel-
bige Martinet), a Escola de Praga (com Mathesius e, a vistas -. estudam a língua como objeto descontextuali-
seguir, Trubetskoy, Jakobson, Danes, Firbas, Vachek, zado, preocupando-se com suas características internas
Sgall, etc.), a Escola de Londres (com Firth, e, a seguir, - seus constituintes e as relações entre eles - mas não
Halliday), e o Grupo da Holanda (com Reichlinz b e , a com as relações entre os constituintes e seus significa-
seguir, Dik). Com efeito, segundo os autores, éna Es- dos, ou entre a língua e seu meio; chegam, desse modo,
cola de Praga, bem como nos modelos de gramática à concepção de língua como "uni conjunto de frases",
funcional de Halliday e de Dik, que está mais represen- "um sistema de sons", "um sistema de signos", equipa-
tado o funcionalismo, que, menos sistematicamente, está rando, desse modo, a língua à sua gramática. Os fun-
na Escola de Londres e em Reichling, e que apenas cionalistas, por seu lado, se preocupam com as rela-
implicitamente está em Saussure. O pólo formalista, ções (ou funções) entre a língua como um todo e as di-
por outro lado, tem seus maiores expoentes no estrutu- versas modalidades de interação social, e não tanto com as
ralismo americano (com Bloomfield, Traaer D'
Bloch , Bar- características internas da língua; frisam, assim, a impor-
ris, Fries) e, num sentido menos rigoroso, está também tância do papel do contexto, em particular do contexto so-
nos sucessivos modelos de gerativismo, culminando na cial, na compreensão da natureza das línguas.
teoria padrão de Chomsky, embora em Dik estejam pre- Nas chamadas "gramáticas formais", diz de Beau-
sentes traços do gerativismo (semântica gerativa). No grande (1993, capo Ill, p. 5), as especificações funcio-
próprio Chomsky, ainda (fato também apontado por nais são esparsas e dificilmente ligadas às formas, ten-
Danes, 1987, p. 25), estariam alguns elementos da pers- dendo-sc a deixar as especificações mais ricas para o
pectiva funcional da frase, como, por exemplo, as no- domínio fluido da semântica, da pragmática, da estilís-
ções de tópico/comentário (ou tema/rema), e, especial- tica; as gramáticas explicitamente "funcionais", em con-
mente, na semântica gerativa de McCawley, e na gra- traste, abrigam especificações funcionais ricas e empe-
mática de casos de Fillmore, podem ver-se, dentro de nham-se em acomodá-las no esquema, de modo que
um paradigma formalista, tentativas de questionamen- uma "descrição gramatical" de lU11 discurso contenha da-
to de proposições básicas da teoria, sob um ângulo se-
dos amplos para auxiliar uma descrição semântica, prag-
mântico- funcionalista.
mática e estilística.
Uma gramática formalmente orientada, diz Hoffrnan
De fato, como aponta de Beaugrande (1993, capo l,
(1987, p. 114), trata da estrutura sistemática das for-
p. 19), a decisão estruturalista de estudar a "língua em
mas de uma língua, enquanto urna gramática funcio-
si mesma e por si mesma" (Zangue) e de descrever cada
nalmente orientada analisa a relação sistemática entre
subdomínio ("nível", "componente", etc.) por critérios
as formas e as funções em uma língua. Nas palavras de
internos levou a uma ênfase nos dados formais, enquan-
Dillinger (1991), os formalistas - entre eles os t»zerati-
to os dados funcionais eram atribuídos ao uso da língua

40 • capítulo 3
capítulo 3 • 41
(parole) ou à interação entre os subdomínios. O funcio- mas do fluxo ou "melodia" do texto enunciado. A "gra-
nalismo rejeitou essa atribuição e defendeu uma pers- mática" não inclui somente os morfemas e as estrutu-
pectiva mais integrativa na qual todas as unidades e os ras sintagmáticas, mas o seu embasamento cognitivo no
padrões da língua seriam compreendidos em termos de conhecimento que a comunidade tem de como os pro-
funções. Surgiu um contraste entre dois esquemas, como cessos e seus participantes são organizados (por exem-
se sugere no quadro 1, abaixo. O esquema formalista, plo, se uma Ação tem um Iniciador). E o "discurso" é a
desde Bloomfield, teve seus subdomínios ou "níveis" rede total de eventos comunicativos relevantes, incluindo
definidos pelas unidades da langue - fonemas, morfe- gestos, expressões faciais, manifestações emocionais e
mas, palavras ou lexemas, e sintagrnas ou "sintagme- outros. Estes subdomínios estão relacionados não pelo
mas" -, sendo que os fonemas compõem a parte que o tamanho e pela constituição, mas por funções mutua-
investigador encontra mais diretamente "nos" dados lin- mente controladoras, como as curvas de entonação que
güísticos. Os subdomínios ou "níveis" foram relaciona- são típicas de certos padrões gramaticais em certos do-
dos entre si, ao menos implicitamente, em termos de com- mínios do discurso (por exemplo, discursos políticos).
ponentes, com os fonemas constituindo-se em morfernas, Dik (1978: 4-5; retomado e explicitado em 1989a:
os morfemas em palavras, as palavras em sintagmas: 2-7) analisa as duas grandes correntes, contrapondo o
paradigma formal (PFO) ao paradigma funcional (PFU).

Formalismo Funcionalismo
° termo paradigma é proposto para designar cada con-
junto de crenças e hipóteses em interação. Nessa contra-
posição, a obra de 1978 especifica oito tópicos de con-
fonemas entonação - prosódia
fronto, e a de 1989 transforma sete desses tópicos em
morfemas gramática
sete questões, que são:
palavras -lexemas
sintagmas - sintagmemas
discurso
°
1) que é uma língua natural?
No PFO, a língua é vista como um objeto formal
- 't'
abstrato, isto é, um conjunto de oraçoes, e a gramanca
(R. de Beaugrande, 1993, capo I, p. 19. Adaptação de M. H. M.
é concebida primariamente como uma tentativa para
Neves)
caracterizar esse objeto formal em termos de regras de
Diz de Beaugrande iloc. cft) que "prosódia" ou "en- sintaxe formal.
tonação" (incluindo pontuação) é a parte que se encon- No PFU, a língua é um instrumento de interação
tra mais diretamente em dados lingüísticos: não se trata social. Não existe, em si e por si, como uma estrutura arbi-
da seqüência de unidades abstratas (como os fonemas) trária de alguma espécie, mas existe em virtude de seu uso
para o propósito de interação entre seres humanos.

42 . capítulo 3 capítulo 3·43

. ,
2) Qual é a principal função de uma língua natural?
No PFU, o sistema deve ser estudado dentro do qua-
No PFO, a função primária de uma língua é a ex-
dro das regras, princípios e estratégias que governam
pressão dos pensamentos.
seu uso comunicativo natural. Desse modo, as expres-
No PFU, a principal função de uma língua natural é
sões lingüísticas só podem ser compreendidas propria-
o estabelecimento de comunicação entre os usuários.
mente quando consideradas no seu funcionamento nos
Comunicação éum padrão interativo dinâmico de ati-
contextos, sendo as propriedades deste co-determina-
vidades através das quais os usuários efetuam certas
das pela informação contextual e situacional.
mudanças na informação pragmática de seus parceiros.
A comunicação, assim, não é restrita à transmissão e à 5) Como as crianças adquirem uma língua natural?
recepção de informação factual. No PFO, a criança constrói uma gramática da língua
3) Qual é o correlato psicológico de uma língua? usando suas propriedades inatas, com base num input
No PFO, o correlato psicológico de uma língua é a restrito e não-estruturado de dados lingüísticos.
"competência", vista como a capacidade de produzir, No PFU, a aquisição da linguagem se desenvolve
interpretar e julgar sentenças. na interação comunicativa entre a criança e seu am-
No PFU, o correlato psicológico de uma língua biente; aos fatores genéticos se atribuem apenas aque-
natural é a "competência comunicativa" do usuário, no les princípios subjacentes que não podem explicar-se
sentido de Hymes (1974): sua habilidade de exercer in- por essa interação. O processo de aquisição da lingua-
teração social por meio da linguagem. Essa interpreta- gem é fortemente co-determinado por um input alta-
ção de "competência" não significa que não se possa mente estruturado de dados lingüísticos, apresentados
distinguir entre "competência" (conhecimento exigido à criança em contextos naturais, e adaptados ao nível
para certa atividade) e "atuação" (implementação real de desenvolvimento de sua competência comunicativa.
desse conhecimento na atividade). Considera-se, pois,
6) Como podem ser explicados os universais lin-
que a capacidade lingüística do falante compreende não
güísticos? .
apenas a habilidade de construir e interpretar expres-
No PFO, os universais lingüísticos devem ser ViS-
sões lingüísticas, mas também a habilidade de usar es-
tos como propriedades inatas do organismo humano.
sas expressões de modo apropriado e efetivo, de acordo
com as convenções da interação verbal que prevalecem No PFU, os universais lingüísticos devem ser expli-
numa comunidade lingüística. cados em termos das restrições inerentes a: a) os fins da
comunicação; b) as propriedades biológicas e psicológi-
4) Qual a relação entre o sistema da língua e seu uso?
cas dos usuários da lingua natural; c) os contextos e Cir-
No PFO, o estudo da competência tem prioridade
cunstâncias nos quais a língua é usada para os propósitos
lógica e psicológica sobre o estudo da atuação.
comunicativos.

44 • capítulo 3
capítulo 3 • 45

IIL....- _
7) Qual a relação entre a pragmática, a semântica e Língua e As orações da língua devem A descrição das expressões II
a sintaxe? contexto/situação descrever-se independente- deve fornecer dados para a
mente do contexto/situação. descrição de seu funciona-
No PFO, a semântica é autônoma com respeito à
mento num dado contexto.
sintaxe; a sintaxe e a semântica são autônomas com
respeito à pragmática; as prioridades vão da sintaxe à Aquisição da Faz-se com uso de proprie- faz-se com a ajuda de um
linguagem dades inalas, com base em input extenso e estruturado
pragmática, via semântica.
um input restrito e não-estru- de dados apresentado no con-
No PFU, a pragmática é vista como o quadro abran- turado de dados. texto natural.
gente no qual a semântica e a sintaxe devem ser estuda-
das. A semântica é instrumental em relação à pragmática Universais Propriedades inatas do erga- Explicados em função de res-
lingüísticos nismo humano. trições: comunicativas: bio-
e a sintaxe é instrumental em relação à semântica. Nessa
lógicas ou psicológicas; con-
visão, não há lugar para uma sintaxe autônoma. textuais.
O que Dik diz pode sintetizar-se no seguinte: no pa-
Relação entre A sintaxe é autônoma em re- A pragmática é o quadro den-
radigma formal, uma linguagem natural é vista como um lação á semântica; as duas tro do qual a semântica e a
a sintaxe,
sistema abstrato autônomo em relação aos modos de uso, a semântica 5.10 autônomas em relação à sintaxe devem ser estudadas;
enquanto, no paradigma funcional, considera-se que as e a pragmática pragmática; as prioridades vão as prioridades vão da prag-
da sintaxe à pragmática, via mática à sintaxe, via se-
expressões lingüísticas não são objetos funcionais arbi-
semánrica, mântica,
trários, mas têm propriedades sensíveis a, e co-deter- I
1

minadas por, determinantes pragmáticos da interação


(S. Dik, 1978: 5, retomado e explicitado em 1989a: 2-7. Adap-
verbal humana (Dik, 1987, pp. 81-82). Resumindo:
tação de M. H. .M. Neves (1994c) )
--
PARADIG~L4.
PARADIGMA FORMAL Para Halliday (1985, pp. xxviii-xxix), as gramáti-
FUNCIONAL
Como definir Conjunto de orações. Instrumento de interação so- cas formais se opõem às funcionais porque, assentadas
a língua cia!. na lógica e na filosofia, têm uma orientação primaria-
Principal função Expressão dos pensamentos. Comunicação. mente sintagmática. As funcionais, por seu lado,
da língua assentadas na retórica e na etnografia, são primaria-
Correlato Competência: capacidade de Competência comunicativa: mente paradigmáticas. As gramáticas formais
psicológico produzir, interpretar e julgar habilidade de interagir social-
I) interpretam a língua como uma lista de estrutu-
I orações. mente com a lingua.
ras entre as quais, num segundo passo, podem ser esta-
I

O sistema e belecidas relações regulares;


O estudo da competência tem O estudo do ststerna deve fa-
seu uso priondade sobre o da atuação. zer-se dentro do quadro do 2) tendem a:
uso.
I • enfatizar os traços universais da língua;

46 • capítulo 3
capitulo 3 • 47
• tomar a sintaxe como base da língua (gramática ar- Referindo-se à "gramática sistêrnica" de Halliday,
bitrária); Christie (1979, p. 257) aponta que a diferença básica
• organizá-la, desse modo, em tomo da frase. entre essa gramática e a gerativa é a consideração de
As gramáticas funcionais que a "gramática profunda", a base de um enunciado,
não é encontrável em uma estrutura profunda abstrata,
1) interpretam a língua como uma rede de rela-
mas nas escolhas que o falante faz quando compõe um
ções, entrando as estruturas como a realização das rela-
enunciado para um propósito específico. A gramática
ções;
sistêmica, assim, não tem nada que ver com a compe-
2) tendem a:
tência abstrata de um falante ou ouvinte ideal em algu-
• enfatizar variações entre línguas diferentes;
ma comunidade homogênea de fala, que é uma ficção
• tomar a semântica como base (gramática natural);
científica; ela diz respeito, sim, às escolhas reais no
• organizá-la, desse modo, em tomo do texto ou dis-
uso da língua, feitas por falantes reais em contextos so-
curso.
ciais reais.
Essas diferenças entre as duas correntes da gramá-
Leech (1983, capo 3) critica a adoção de qualquer
tica, como apontadas por Halliday, assim se resumem:
uma das duas hipóteses, a formalista e a funcionalista,
exclusivamente, considerando que tanto seria tolo ne-
GRAIVLÁTICA FOR\UL GRAMÁTICA FUNCIONAL gar que a linguagem é um fenômeno psicológico como
Orientação primariamente sintag- Orientação primariamente para-
negar que ela é um fenômeno social. Liga as diferenças
mática. digmática. entre as duas abordagens, basicamente, a diferentes mo-
dos de ver a natureza da linguagem. Desse ponto de vista,
Interpretação da língua como um Interpretação da língua como uma
os formalistas (o exemplo é Chomsky) encaram a lin-
conjunto de estruturas entre as quais rede de relações: as estruturas co-
podem ser estabelecidas relações mo interpretação das relações. zuazern
b b
como fenômeno mental, enquanto os funciona-
regulares. listas a vêem como fenômeno primariamente social. Os
universais lingüísticos são explicados, então, pelos for-
Ênfase nos traços universais da Ênfase nas variações entre línguas
malistas, como herança lingüística genética comum da
língua (sintaxe corno base: orga- diferentes (semântica corno base:
nização em torno da frase).
espécie humana, e, pelos funcionalistas, como deri~a-
organização em torno do texto ou
discurso) ção da universalidade dos usos da linguagem nas SOCIe-
dades humanas. Quanto à aquisição da linguagem pela
criança, os formalistas apontam uma capacidade inata
(M. A. K. Halliday, 1985: Introduction. Adaptação de M. H.
M. Neves (1 994c) ) humana para aprender a língua, enquanto os funciona-
listas se inclinam para uma explicação da aquisição em
termos de desenvolvimento das necessidades e habili-

48 • capítulo 3 capítulo 3 • 49

I
dades comunicativas da criança. Acima de tudo, então,
se na explicação da interação entre as representações men-
os formalistas estudam a língua como um sistema autô-
tais e o processamento lingüístico.
nomo, enquanto os funcionalistas a estudam em relação
Apresentando as bases do funcionalismo de Cose-
com sua função social.
riu, Bechara (1991) contrasta a "gramática estrutural e
Nascimento (1990), a propósito da afirmação de Vo-
funcional" desse teórico, que, como a de Gabelentz, é
tre e Naro (1987) de que a perspectiva funcionalista é analítica (parte da frase para chegar aos elementos mí-
preferível à formalista, afirma que não cabe considerar nimos da língua), com a "gramática transformacional",
uma ou outra como melhor opção: a comparação não tem que é "sintética" (ensina "de que maneira se utilizam os
sentido, pelo simples fato de que formalismo e funcio- meios bzramaticais para a estruturação do discurso"). . A
nalismo têm diferentes objetos de estudo, e, a partir daí, divergência fundamental entre elas é que a gramática
diferentes pressupostos, objetivos e metodologia. Para transformacional tem ignorado e às vezes até negado as
Dillinger (1991), tanto Votre e Naro como Nascimento funções idiomáticas, enquanto a gramática estrutural e
deixam de distinguir "fenômeno" de "objeto", e por aí funcional parte do pressuposto de que é impossível in-
acabam chegando a conclusões opostas. Votre e Naro co- vestigar o funcionamento efetivo de uma língua sem pre-
locam as duas abordagens como alternativas, mas isso viamente haver estabelecido as funções dessa língua.
requereria que as duas tratassem os mesmos fenômenos, Para Bechara, Coseriu não privilegia a gramática estru-
o que não é o caso, já que o funcionalismo se preocupa tural e funcional em relação à gramática transformacio-
com o contexto social, e o formalismo, não. Nascimen- nal, mas assinala que, "se pretende descrever a lingua co-
to, por sua vez, considerando que funcionalismo e for- mo estruturação de conteúdos, como sistema de funções,
malismo estudam objetos diferentes, não os coloca como a investigação lingüística deve partir do significado es-
alternativas, mas o que, na verdade, é diferente é ape- trutural para a designação - corno faz a primeira - e
nas a maneira de estudar o objeto. Sendo assim, segun- não, ao contrário, da designação para o significado es-
do Dillinger, funcionalismo e formalismo não podem, trutural - corno faz a segunda". Também Gabelentz,
mesmo, ser vistos como alternativas, exatamente porque diz Bechara, era de opinião que, "embora as duas for-
estudam o mesmo objeto de maneiras diferentes, isto é, mas da gramática se complementem, é necessário con-
siderar as línguas em forma sinótica, atendendo primeiro
porque estudam um mesmo objeto e fenômenos diferen-
a seus meios e depois às suas possibilidades [isto é, ao
tes; assim, um estudo não exclui o outro, sendo ambos
que se pode fazer com tais meios]" (p. 3). E isso ocorre
complementares e Igualmente necessários. Essa conclu-
"porque a língua não é somente um conjunto de regras
são é, aliás, a mesma de Nascimento, que afirma que cada
de constituição sintagrnática, imediata ou mediata, mas
um dos dois modelos de análise lingüística pode contri-
também - e principalmente - um conjunto de paradig-
buir para o progresso do outro, e ambos podem articular-
mas funcionais, já que no eixo paradigmático da língua

50 • capítulo 3
capítulo 3 • 51
é que se estabelecem as oposições funcionais" (pp. 3-4).
seriu é por ele apontada como uma gramática que se pro-
Para demonstrar que a gramática de Coseriu vem "sa-
põe estabelecer os significados gramaticais que uma lín-
nar" uma "lacuna na identificação, descrição e investi-
gua distingue, bem como as oposições que estabelece en-
gação" das "funções idiomáticas", Bechara (1991) apre- tre significados, remetendo para um segundo plano os
senta urna caracterização de alguns tipos de gramáticas, tipos de emprego desses mesmos significados, o que im-
não se limitando à dicotomização entre formalismo e fim- plica o princípio de que, para qualquer expressão, exis-
cionalismo: "As gramáticas estruturais do tipo "bloom- te , numa linzua um determinado significado unitário, e
b' •.....
fieldiano" se atêrn primordialmente na constituição ma- implica, também, como conseqüência, a primazia do sig-
terial, isto é, na descrição "morfológica", podendo tocar nificado sobre a expressão. Para Coseriu, segundo Be-
de leve no problema das funções e fazendo, em geral, chara (1991), "as línguas são essencialmente estrutura-
completa abstração das relações ou, quando muito, não ções semânticas do mundo extralingüístico e, assim, as
as distinguindo das funções. A Escola de Praga também identidades e diferenças na expressão não são mais do
ignora as relações, mas dedica especial interesse aos as- que o meio de manifestação das distinções semânticas,
pectos constitucionais e funcionais; como, todavia, esta das identidades e diferenças no plano do conteúdo. As
corrente se tem pouco dedicado aos níveis superiores da gramáticas do tipo não-funcional, ao contrário, dão pri-
gramática, não temos até agora uma gramática comple- mazia às identidades e diferenças na designação, isto é,
ta orientada pelos postulados desta Escola. Por seu tur- ao conteúdo do pensamento, relegando as identidades e
no, a glossemática dedica particular interesse à identifi- diferenças no significado" (pp. 12-13).
cação e descrição das funções, mas dá pouca atenção ao Halliday (1985, p. xxix), ao chamar a atenção para
aspecto fisico material da estrutura gramatical e ao das a polarização que tem havido entre a abordagem forma-
relações. A gramática transformacional ocupa-se da cons- lista e a funciona1ista, considera que, na verdade, ambas
tituição e das relações, mas ignora - até deliberadamente, se ligam à própria natureza da linguagem, além de se li-
porque não faz delas objeto de descrição e de investiga- garem, pela raiz, ao pensamento ocidental.
ção - o aspecto que Coseriu considera central e determi-
nante de toda a língua: as funções idiomáticas. Diz, afi-
nal, Bechara que, "se as línguas se caracterizam e distin-
guem pelasformas,fimções e relações gramaticais, estes
três aspectos devem ser igualmente contemplados, e se
constitui em aspecto irrelevante o fato de que sejam mais
estudados sob determmado ângulo que de outro" Con
siderada por Bechara (1991) como "a própria paradig-
mática gramatical" (p. 11), a gramática funcional de Co-

52 • capítulo 3
capítulo 3 ·53

Você também pode gostar