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Sidney Washington de Lima Melquiades

Organizador

entre teorias e práticas


ENSAIOS EDUCACIONAIS
ENTRE TEORIAS E PRÁTICAS
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Bibliotecária responsável: Aline Graziele Benitez CRB-1/3129

E26 Ensaios educacionais: entre teorias e práticas


1.ed. [recurso eletrônico] / [org.] Sidney Washington de Lima
Melquiades– 1.ed. – Curitiba-PR, Editora Bagai, 2022.
Recurso digital.

Formato: e-book

Acesso em www.editorabagai.com.br

ISBN: 978-65-5368-116-3

1. Educação. 2. Teorias e Práticas. 3. Ensino e aprendizagem.


I. Melquiades, Sidney Washington de Lima.

CDD 370
10-2022/20 CDU 37.01

Índice para catálogo sistemático:


1. Educação: Teorias e Práticas.

https://doi.org/10.37008/978-65-5368-116-3.23.09.22
R

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Sidney Washington de Lima Melquiades
Organizador

ENSAIOS EDUCACIONAIS
ENTRE TEORIAS E PRÁTICAS
1.ª Edição - Copyright© 2022 dos autores
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Dr. Tomás Raúl Gómez Hernández – UCLV e CUM - CUBA
Dr. Willian Douglas Guilherme – UFT
Dr. Yoisell López Bestard- SEDUCRS
SUMÁRIO

CONTEXTO HISTÓRICO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO


ESPECIAL E INCLUSIVA NO BRASIL. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
Dinéia Ghizzo Neto Fellini | Elsa Midori Shimazaki | Raquel Franco Ferronato

PROCESSO FORMATIVO NA PERSPECTIVA DA TEORIA CRÍTICA


DA SOCIEDADE: UMA ANÁLISE DA POLÍTICA NACIONAL DE
ALFABETIZAÇÃO (PNA). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
Vanessa Freitag de Araújo | Gabriely Silveira Nogueira

PRODUÇÃO DE TEXTO ESCRITA MULTIMODAL NOS ANOS FINAIS


DO ENSINO FUNDAMENTAL: UMA DISCUSSÃO A PARTIR DA BASE
NACIONAL COMUM CURRICULAR. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
Eurico Rosa da Silva Júnior | Tiago de Aguiar Rodrigues

A ESCOLARIZAÇÃO DOS ALUNOS(AS)SURDOS-NEGROS(AS) . . . . . . 59


Helleni Priscille de Souza Ferreira Oliveira | Élida Soares de Santana Alves |
Fernanda Marcelo Souza | Leia Silva Santos | André Luiz de Alcântara Brandão |
Alan dos Santos Andrade Ferreira | Roselin Angelita Dantas Reis | Damaris Oliveira Souto

UMA REVISÃO SISTEMÁTICA DE LITERATURA SOBRE O CONCEITO


DE FUNÇÃO USANDO A LENTE DA TEORIA ANTROPOLÓGICA
DO DIDÁTICO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
Jefferson Dagmar Pessoa Brandão | Iracema Campos Cusati

UMA PROPOSTA TEÓRICO-METODOLÓGICO DE ENSINO DE LÍNGUA


INGLESA COM BASE NA LINGUÍSTICA GERATIVA E NA ABORDAGEM
DA APRENDIZAGEM ATIVA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83
Glaucyenne Cavalcante dos Santos | Jessé de Sousa Mourão

COMO SURGIU O MODERNO ESTUDO DOS SEMICONDUTORES E


QUAIS FORAM SUAS PRIMEIRAS APLICAÇÕES TECNOLÓGICAS?. 99
Francisco Vadimar Bezerra Alves | João Erineudo Cavalcante | Marlene Francisca de Andrade

A INTERNET NA SALA DE AULA E A SALA DE AULA NA INTERNET:


AS NOVAS TECNOLOGIAS COMUNICACIONAIS E SUA INTERFACE
EDUCADORA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117
Leonardo Freire Marino

O FENÔMENO DA MONOTONGAÇÃO NAS AULAS DE LÍNGUA


PORTUGUESA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL . . . 131
Julieta Vilar Medeiros | Marleide Maria Arruda Linhares Isaias |
Samara Cornélio Fernandes dos Santos

5
CURRÍCULO ESCOLAR: REFERECIAL NA TRANSMISSÃO DA
CULTURA E COMO PONTO DE PARTIDA PARA UMA APRENDIZAGEM
CONSTRUCIONISTA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145
Moacir de Souza Júnior | Leila Melo Cajazeira | Maria do Socorro Furtado Silva Silveira |
Maria do Carmo da Silva Souza | Maria Cristiane Raimundo da Costa |
Maria Ivanilda Cassimiro de Brito | Célia Maria da Silva

A PRODUÇÃO TEXTUAL ESCRITA EM LIVROS DIDÁTICOS DO ENSINO


FUNDAMENTAL ANOS FINAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 159
Benigna Soares Lessa Neta | Mônica de Souza Serafim

PROPOSTA DE ENSINO DO CONJUNTO DOS RACIONAIS COM


BASE NA TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL COM ABORDAGEM
GEOMÉTRICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 175
Sarah Galatto Cancillier | Mateus Bitencourt | Maxwel Fernandes Bernardes |
Eloir Fátima Mondardo Cardoso

LETRAMENTO LITERÁRIO: RELATO DE EXPERIÊNCIA DE LEITURA


EM SALA DE AULA VIRTUAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 189
Adilma Gomes da Silva Machado | Antônia Caroline Alves da Silva
Sidney Washington de Lima Melquiades

AS TECNOLOGIAS DIGITAIS E O ENSINO DE QUÍMICA: QUAIS


SÃO AS FERRAMENTAS GRATUITAS DISPONÍVEIS PARA O
DESENVOLVIMENTO UMA PRÁTICA DOCENTE INOVADORA?. . . . 203
Maria Stella Nunes de Oliveira Nogueira

O REFLEXO DO MOVIMENTO MIGRATÓRIO NA REDE MUNICIPAL DE


ENSINO DE CUIABÁ: A PRÁTICA DO PROFESSOR E SUA FORMAÇÃO
CONTINUADA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 217
Taysa Paganotto Lemes | Caique dos Santos Silva

MEMÓRIAS DE VERÃO: O LUGAR DA AUSÊNCIA NO ROMANCE AO


FAROL, DE VIRGINIA WOOLF . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 231
Francielle Aparecida Garuti de Andrade

DOCUMENTÁRIO “NOSSO SAGRADO” NO COMBATE AO RACISMO


RELIGIOSO NO ESPAÇO ESCOLAR. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 245
Jorge Santana

RELATO DE EXPERIÊNCIA: REFLEXÕES SOBRE O PRODUTIVISMO


ACADÊMICO, AVANÇOS E DESAFIOS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 259
Tânia Aparecida Soares

SOBRE O ORGANIZADOR. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 294


ÍNDICE REMISSIVO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 295

6
APRESENTAÇÃO

As práticas educativas estão em constante processo de avaliação,


adaptando-se as demandas e características da sociedade no decorrer
do tempo. Desta forma, diversas práticas educacionais perpetuadas
como tradicionais estão tornando-se gradualmente obsoletas, abrindo
passagem para a inserção de novas metodologias de ensino mais bem
adaptadas as características dos estudantes da atualidade. A obra
“ENSAIOS EDUCACIONAIS: entre teorias e práticas” advem de
pesquisas que envolvem teorias, inovações ou aperfeiçoamento de prá-
ticas educativas tradicionais, com a finalidade de proporcionar melhores
condições para o processo de ensino-aprendizagem em relação a tríade
escolar: professores(as), estudantes e construção de conhecimento.
No primeiro capítulo, intitulado Contexto Histórico das Políticas
Públicas de Educação Especial e Inclusiva no Brasil, das autoras Dinéia
Ghizzo Neto Fellini, Elsa Midori Shimazaki e Raquel Franco Fer-
ronato, que objetivam fazer um giro histórico e epistemológico a
respeito da educação especial e os encaminhamentos que resultaram
na oficialização da educação inclusiva no Brasil.
No segundo capítulo, Processo Formativo na Perspectiva da Teoria
Crítica da Sociedade: uma análise da Política Nacional de Alfabetização
(PNA), produzido pelas autoras Vanessa Freitag de Araújo e Gabriely
Silveira Nogueira, que tem como objetivo analisar da Política Nacional
de Alfabetização (PNA) lançada em 2019 pelo Ministério da Educação
à luz da perspectiva da Teoria Crítica da Sociedade.
No terceiro capítulo, cujo título é Produção de Texto Escrita
Multimodal nos Anos Finais do Ensino Fundamental: uma discussão a
partir da Base Nacional Comum Curricular, dos pesquisadores Eurico
Rosa da Silva Júnior e Tiago de Aguiar Rodrigues, a pesquisa tem por
objetivo investigar como tem sido colocada em prática a produção de
textos multimodais para o ensino fundamental conforme prevista na
Base Nacional Comum Curricular.

7
No quarto capítulo, A Escolarização dos Alunos(as) Surdos-ne-
gros(as), escrito por Helleni Priscille de Souza Ferreira Oliveira, Élida
Soares de Santana Alves, Fernanda Marcelo Souza, Leia Silva San-
tos, André Luiz de Alcântara Brandão, Alan dos Santos Andrade
Ferreira, Roselin Angelita Dantas Reis e Damaris Oliveira Souto,
onde objetivam discutir a pauta da educação de pessoas com sur-
dez para a educação brasileira.
No quinto capítulo, intitulado Uma Revisão Sistemática de Lite-
ratura Sobre o Conceito de Função Usando a Lente da Teoria Antropológica
do Didático, dos escritores Jefferson Dagmar Pessoa Brandão e Iracema
Campos Cusati, que tem como objetivo identificar as contribuições
da Teoria Antropológica do Didático nas investigações que adotaram
o conceito de função como objeto de pesquisa.
No sexto capítulo, com título Uma Proposta Teórico-Metodológico
de Ensino de Língua Inglesa com Base na Linguística Gerativa e na Abor-
dagem da Aprendizagem Ativa, escrito por Glaucyenne Cavalcante dos
Santos e Jessé de Sousa Mourão, tem como objetivo apresentar uma
proposta teórico-metodológica baseada no modelo de Pilati (2017)
e adaptada para o contexto de ensino e aprendizagem de segunda
língua, particularmente de língua inglesa.
No sétimo capítulo, designado Como Surgiu o Moderno Estudo
dos Semicondutores e Quais Foram Suas Primeiras Aplicações Tecno-
lógicas?, produzido por Francisco Vadimar Bezerra Alves, João Eri-
neudo Cavalcante, Marlene Francisca de Andrade, em que o objetivo
do trabalho foi fazer um levantamento bibliográfico de como surgiu
o moderno estudo dos semicondutores, como também as suas pri-
meiras aplicações tecnológicas.
No oitavo capítulo, nominado A Internet na Sala de Aula e a
Sala De Aula na Internet: as novas tecnologias comunicacionais e sua
interface educadora, escrito por Leonardo Freire Marino, com objetivo
de apontar de que forma as tecnologias digitais e as redes infor-
macionais têm contribuído para a construção de um novo arranjo
pedagógico e, consequentemente, possibilitado o soerguimento de
um novo arcabouço metodológico.
8
No nono capítulo, sob o título O Fenômeno da Monotongação nas
Aulas de Língua Portuguesa nos Anos Finais do Ensino Fundamental,
escrito por Julieta Vilar Medeiros, Marleide Maria Arruda Linha-
res Isaias e Samara Cornélio Fernandes dos Santos, onde objetiva-
ram apresentar um percurso possível de reflexão sobre o fenômeno
de monotongação com alunos do 6º ano do ensino fundamental
nas aulas de língua portuguesa.
No décimo capítulo, Currículo Escolar: referecial na transmissão
da cultura e como ponto de partida para uma aprendizagem construcio-
nista, os pesquisadores Moacir de Souza Júnior, Leila Melo Caja-
zeira, Maria do Socorro Furtado Silva Silveira, Maria do Carmo da
Silva Souza, Maria Cristiane Raimundo da Costa, Maria Ivanilda
Cassimiro de Brito e Célia Maria da Silva, objetivaram apresentar
um levantamento sobre currículo e tem a intenção de provocar uma
reflexão, a partir de debates que acontecem frequentemente entre os
profissionais da área educacional.
No décimo primeiro capítulo, A Produção Textual Escrita em Livros
Didáticos do Ensino Fundamental Anos Finais, escrito por Benigna Soares
Lessa Neta e Mônica de Souza Serafim, com objetivo de analisar as
propostas de produção textual escrita presentes em livros didáticos de
Língua Portuguesa da primeira e da última série do ensino Ginasial,
atual Ensino Fundamental Anos Finais.
No décimo segundo capítulo, nominado Proposta de Ensino do
Conjunto dos Racionais com Base na Teoria Histórico-Cultural com Abor-
dagem Geométrica, produzido pelo autores Sarah Galatto Cancillier,
Mateus Bitencourt, Maxwel Fernandes Bernardes e Eloir Fátima
Mondardo Cardoso, que objetivou-se desenvolver, aplicar e avaliar
uma proposta de ensino dos conjuntos dos racionais com base na
Teoria Histórico-Cultural - THC.
No décimo terceiro capítulo, intitulado Letramento Literário:
relato de experiência de leitura em sala de aula virtual, dos pesquisadores
Adilma Gomes da Silva Machado, Antônia Caroline Alves da Silva e
Sidney Washington de Lima Melquiades, com objetivo de trabalhar o

9
eixo de leitura e oralidade a partir do gênero conto, visando as práticas
de leitura: antes, durante e depois da leitura.
No décimo quarto capítulo, As Tecnologias Digitais e o Ensino de
Química: quais são as ferramentas gratuitas disponíveis para o desenvolvi-
mento uma prática docente inovadora?, escrito por Maria Stella Nunes
de Oliveira Nogueira, tem como objetivo disponibilizar algumas
tecnologias digitais importantes para o ensino de Química.
No décimo quinto capítulo, designado O Reflexo do Movimento
Migratório na Rede Municipal de Ensino de Cuiabá: a prática do pro-
fessor e sua formação continuada, os autores Taysa Paganotto Lemes
e Caique dos Santos Silva, objetivaram abordar os aspectos legais
que asseguram aos imigrantes e refugiados, os direitos fundamentais
que permeiam sua formação educacional dentro do Brasil e em seus
estados e municípios, nos quais se encontra, e quais políticas educa-
cionais estão propostas e eles.
No décimo sexto capítulo, Memórias de Verão: o lugar da ausência
no romance ao Farol, de Virginia Woolf, da pesquisadora Francielle Apa-
recida Garuti de Andrade, que tem como objetivo analisar o lugar da
ausência no romance Ao Farol de Virginia Woolf à luz dos conceitos
de memória coletiva e individual.
No décimo sétimo capítulo, intitulado Documentário “Nosso
Sagrado” no Combate ao Racismo Religioso no Espaço Escolar, do pes-
quisador Jorge Santana, objetivou trazer as experiências das exibições
e rodas de conversas do documentário “Nosso Sagrado” em diversas
escolas privadas e públicas no estado do Rio de Janeiro.
No décimo oitavo capítulo, Relato de Experiência: reflexões sobre
o produtivismo acadêmico, avanços e desafios, da autora Tânia Aparecida
Soares, com objetivo de apresentar análises e reflexões sobre o produ-
tivismo acadêmico, seus avanços e desafios postos pela quantificação
de produções, amparada pela política de avaliação.
Diante do exposto, esperamos que as leituras sejam alvo de
boas reflexões e de transformação da realidade educacional brasileira.
Organizador

10
CONTEXTO HISTÓRICO DAS POLÍTICAS
PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO ESPECIAL E
INCLUSIVA NO BRASIL

Dinéia Ghizzo Neto Fellini1


Elsa Midori Shimazaki2
Raquel Franco Ferronato3

INTRODUÇÃO

A defesa pelo acesso de todos ao ensino, tornou-se bandeira dos


organismos internacionais a partir da década de 1990, quando ganhou
ênfase com a Declaração de Jomtien. A educação inclusiva passou
a ser o centro das discussões, a partir da Declaração de Salamanca
(1994) estando, posteriormente nos discursos e documentos de âmbito
internacional, e leis e decretos de âmbito nacional, sendo preconizada
como nova proposta de escolarização. Diante disso, as pessoas com
deficiência, TGD e AH/SD, passaram a receber uma atenção maior,
embora, os ideais que circundam tal proposta, nem sempre vão de
encontro com a formação humana desejada e necessária defendidas
pela Teoria Histórico-Cultural e pela Pedagogia Histórico-Crítica.
Diante do cenário atual e fazendo uma comparação com o con-
texto histórico da educação ofertada a esses sujeitos em tempos remotos,
constata-se, evidentemente que melhorias ocorreram, inclusive no
caráter de aceitação e acolhimento. Mas apenas isso, não é o suficiente,
é a formação ofertada que devemos abordar como ponto de estudo. Para
Orso (2008), atualmente defrontamo-nos com uma educação formal

1
Doutora em Educação (UEM). Professora Adjunta (UNILA).
CV: http://lattes.cnpq.br/2603261007140303
2
Doutora em Educação (USP). Professora aposentada do Programa de Pós-Graduação em Educação
(UEM). Professora (UNOESTE). CV: http://lattes.cnpq.br/9372609347074339
3
Doutora em Educação (UEM). Professora colaboradora (UENP).
CV: http://lattes.cnpq.br/0978100384431802
11
voltada para a característica de adestramento, treinando os indivíduos,
ofertando conteúdos abstratos e conformismo, ignorando a sua ver-
dadeira função, a de promover uma transformação e revolução social.
Diante dessa realidade pontuada pelo autor e reconhecendo a
concepção de função da escola defendida por Saviani, logo, confron-
tamo-nos com um problema maior, que não se remete apenas ao ato
de incluir, mas reserva-se a formação que está sendo ofertada nestes
espaços inclusivos de educação. Nesta perspectiva, o estudo aqui se
propõe, a princípio, fazer um giro histórico e epistemológico a res-
peito da educação especial e os encaminhamentos que resultaram na
oficialização da educação inclusiva no Brasil. Logo, nosso foco será
observar na região nordeste do Brasil, quais encaminhamentos as
políticas do estado têm aplicado quanto ao processo inclusivo e seu
caráter substancial de formação dos alunos, considerando a priori, os
investimentos na área e as práticas pedagógicas de ensino

DESENVOLVIMENTO

A discriminação, a exclusão e o preconceito contra as pessoas


com deficiência, são atitudes verificadas em diferentes civilizações
no decorrer da história, sendo retratadas nas obras de Silva (1986),
Mazzotta (2001), Bueno (1993), Bianchetti (1998), dentre outros
autores. Cabe considerar nestas circunstâncias, duas questões principais,
a adaptação social e a capacidade de produção, pois, a visão de inca-
pacidade e anormalidade diante do socialmente “correto” e “normal”,
foram motivos preconizados em muitas civilizações inóspitas.
Em relação aos quatro estágios da Educação Especial, Miranda
(2003) destaca que o primeiro, apresenta-se na era pré-cristã, cuja visão
estereotipada das pessoas em relação a deficiência, desencadeava o
abandono ou a eliminação desses sujeitos. Na era cristã, existiam duas
concepções a respeito, uma considerada como castigo, a outra, pelo
caráter de piedade, lhes garantiam a existência. O segundo estágio surge
entre os séculos XVIII e XIX, período descrito pela segregação dessas
12
pessoas em instituições residenciais. O terceiro estágio, período que
compreende o final do século XIX e meados do século XX, onde escolas
especiais de caráter público passam a atender essas pessoas, e por fim, o
quarto e último estágio, a integração social nas escolas por volta de 1970.
É importante, de acordo com Bianchetti (1998), compreender
sob a visão do materialismo dialético, como as sociedades primitivas
e as atuais abordaram e abordam esse tema. Nas antigas civilizações,
se manter vivo e colaborar com o grupo nas funções da caça e da
pesca era inevitável, sendo assim, algumas tribos abandonavam
aqueles integrantes que não apresentassem condições para tal função
(BIANCHETTI, 1998). Embora o homem tenha adquirido ao longo
do tempo, maior conhecimento sobre o assunto, para Fonseca (1995),
o julgamento que distingue pessoas com deficiência das demais, está
implícito na relatividade cultural que afasta ou exclui aqueles cuja
presença, perturba ou ameaça a ordem social vigente.
Com a expansão do Cristianismo, aos poucos, hospitais cristãos
foram sendo criados para atender os doentes e as pessoas com defi-
ciência. O enclausuramento ao qual eram submetidos, os impedia do
convívio social (CARVALHO, 2009). A fundação de novas institui-
ções específicas para o atendimento de cegos, paralíticos, deficientes
mentais, em sua maioria mutilados pelas guerras, foram surgindo. O
modelo místico perde aos poucos suas características e questiona-
mentos em torno do teocentrismo surgem (CARVALHO, ROCHA
e SILVA, 2006). O Humanismo trouxe novas concepções no período
Renascentista e foi neste período que a atenção com as pessoas com
deficiência repercute e o poder público passa a prestar ajuda aos mos-
teiros, paróquias e hospitais (SILVA, 1986).
No Brasil, esse trabalho inicialmente era desenvolvido pelos
Jesuítas, paralelamente a catequização e o ensino das primeiras letras,
além da cura de enfermidades. A primeira instituição fundada no Bra-
sil foi a Casa da Misericórdia, entre 1545 a 1567, logo, outras foram
sendo criadas (Bahia – 1549; Rio de Janeiro – 1570; Recife – 1590;
13
Espírito Santo – 1595) (SILVA, 1986). Na área da surdez, destaca-se
a criação do Instituto Nacional de Surdos-Mudos em Paris em 1770.
No Brasil destaca-se dois períodos importantes. O primeiro
período vai de 1854 a 1956 com iniciativas oficiais e particulares isoladas
e o segundo período, de 1957 a 1993 com iniciativas oficiais de âmbito
nacional (MAZZOTTA, 2001). O primeiro instituto criado em 1854
foi o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, atual Instituto Benjamin
Constant. O segundo foi o Instituto dos Surdos-Mudos, atualmente,
ou seja, Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), criado em
1857 (BUENO, 1993; MAZZOTTA, 2001). Na metade do século
XIX, devido a dualidade na educação dos surdos, o uso de gestos e a
oralidade, foi realizado um congresso em Milão, em 1880, cuja votação,
optou-se pelo oralismo como método de trabalho nas instituições.
É importante frisar que na segunda metade do século XIX,
preocupações em torno do potencial das pessoas com deficiência no
sistema de produção visando suprir suas necessidades de sobrevivência
repercutiram (SILVA, 1986), a exemplo, fábricas Ford registravam em
1908, um total de 7.882 tarefas especializadas. Desse total, enfatizava
que “670 tarefas podiam ser preenchidas por homens sem pernas, 2.637
por homens com uma perna só, duas por homens sem braços, 715
por homens com um braço só e 10 por homens cegos” (TOFFLER,
1980, p. 62 apud BIANCHETTI, 1998, p. 38-9).
A institucionalização passou a ser contrariada, pois seus objetivos
estavam distantes de desenvolverem uma vida independente a essas
pessoas, destaca-se ainda, que esse modelo de atendimento não priori-
zava a educação, que gerou muitos adeptos a concepção de integração
que estava “[...] alicerçado na oferta de serviços, com a finalidade de
“normalizar” as pessoas com deficiência” (CARVALHO, 2008, p. 110).
Sendo assim, a integração, tida como novo paradigma, surge com a
possibilidade de assemelhamento entre “normais” e “anormais”. A
Educação Especial voltada ao desenvolvimento educacional dessas
pessoas, passa a ser considerada e difundida.
14
Pesquisas em torno das pessoas com deficiência desencadearam
múltiplas facetas. No Brasil, em 1883, ocorreu o 1º Congresso de
Instrução Pública, tendo como pressupostos, a educação das pessoas
cegas e surdas. A criação de um currículo, bem como, a formação
de professores na área, estava entre as prioridades (MAZZOTTA,
2001). Esse movimento já não se caracterizava como reabilitação, mas
apresentava outro viés, mais educacional.
No aspecto produtivo, esse período se sobressaiu, muitas pes-
quisas realizadas pela escola vygotskiana, iniciados em 1917 e, por
conseguinte, nos anos seguintes, vieram a contribuir para as pessoas
com e sem deficiência. A Teoria Histórico-Cultural foi construída num
cenário de insatisfação da classe operária na Rússia, dos quais, visavam
à socialização dos meios de produção e da propriedade privada. Vygot-
sky procurou aprofundar seus conhecimentos no desenvolvimento da
linguagem e do pensamento humano, mas seus estudos não se restrin-
giam apenas ao contexto geral da educação, mas também, a educação
das pessoas com deficiência. O objetivo é que a educação permita o
desenvolvimento das funções psíquica superiores, por conseguinte, a
compensação da deficiência (TULESKI, 2008).
Para Ross, é importantíssimo refletir sobre as transformações
que ocorreram e ocorrem na sociedade, principalmente na questão
econômica, porém, “[...] não podemos dar primazia às interpretações
de cunho econômico, sob o risco de negligenciar mudanças de men-
talidade e de comportamento que também ajudam a compreender o
papel da educação no processo de integração do portador de deficiência”
(1998, p. 64). A marginalização das pessoas com deficiência ocorreu
no mundo do trabalho nos diferentes períodos históricos, contudo
houve, iniciativas para atender essas pessoas, devido ao processo de
urbanização e industrialização, e nas áreas da saúde e da educação, foram
introduzidas pela sociedade civil, criando assim, novas organizações
com objetivos de trabalhos diferenciados (LANNA JUNIOR, 2010).

15
A partir de 1954, organizações filantrópicas foram sendo implan-
tadas, como o das pessoas com Deficiência Física, devido ao surto de
poliomielite que se desencadeou nesse período, entre elas, a Associação
de Assistência à Criança Defeituosa (AACD) de São Paulo (LANNA
JUNIOR, 2010). O Brasil superou os demais países quanto ao aten-
dimento, enquanto os demais países priorizavam os mutilados das
guerras, no Brasil, atendia-se independente da causa de sua deficiência.
Bueno (1993) adverte que enquanto essas entidades se formalizavam
em instituições especializadas, atendendo às diferentes deficiências,
o poder público inseria seus investimentos nas classes especiais em
escolas regulares, restringindo-se à deficiência mental.
Na década de 50, o Brasil continha inúmeras instituições públi-
cas, filantrópicas e privadas na área. No período que segue até 1959,
aumentou-se o número de estabelecimentos, em sua grande maio-
ria de caráter público (MIRANDA, 2003). Outros movimentos a
partir da década de 1960 foram surgindo, expansão de instituições
privadas de caráter filantrópico sem fins lucrativos, isentando assim,
o governo da obrigatoriedade na oferta desse atendimento na rede
pública de ensino (MIRANDA, 2003).
A primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBEN), nº 4.024/61, criada em 1961, apresenta nas suas alíneas nos
artigos 88 e 89, as pessoas com deficiência. Destaca-se que a educação
dos excepcionais passa a ser enquadrada no sistema geral de educação,
tendo como princípio a integração desses sujeitos a sociedade. A lei veio
garantir tratamento especial por meio de empréstimos, subvenções e
bolsas de estudo para as iniciativas privadas que tinham atendimentos
eficientes na questão educacional dessas pessoas.
Na LDBEN nº 5.692 de 1971, aparece em seu Art. 9º, com base
nas normas fixadas pelos Conselhos de Educação, considerações acerca
da educação de alunos com deficiência, principalmente os alunos com
Deficiência Física e Intelectual. De acordo com Ferreira (2006), a lei
veio atribuir definições para a educação das pessoas com deficiência,
16
entre elas, a efetivação de carreiras dos professores para atuarem com
esses alunos e, por fim, a organização de equipes que trabalhem na
reabilitação dessas pessoas, bem como, na educação formal.
A influência da Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes,
aprovada pelas Nações Unidas em 1975 foi decisiva nas reformas de
esfera educacional. Miranda (2003) aponta que a prática de inte-
gração social ocorrida a partir da década de 80, teve repercussão no
mundo todo, abrangendo também, a Constituição Federal (CF/88,
artigo 208), estabelecia o direito de todos pela educação e o atendi-
mento de pessoas com deficiência.
Consolidaram-se, assim, até a década de 1990, as classes especiais
nas escolas de ensino comum, e as salas de recursos para alunos com
deficiência sensorial. Na constituição brasileira destaca-se a Educação
Especial como modalidade educativa de abrangência desde a infância
até o Ensino Médio. Esse período representou a disseminação de inú-
meros documentos, propostos por organismos internacionais em defesa
do direito de todos a educação, inclusive das pessoas com deficiência,
fortalecendo assim, o processo da inclusão. A interferência constante
de outros setores na esfera educacional como a política e a economia
tornaram-se notórias. Os financiamentos no sistema educacional vão
permitindo a participação do Fundo Monetário Internacional (FMI),
o Banco Mundial (BM), o Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BIRD), além da Unesco, que aparece após a Segunda Guerra Mundial
com o intuito de promover a paz e criar condições de acesso à educação.
Entre as conferências realizadas, a de Jomtien na Tailândia,
em 1990, representaria a proposta mais complementar para a reso-
lução dos problemas sociais e, consequentemente, educacionais, mas
a reunião entre os países latino-americanos e o Caribe, que ocor-
reria no final de 1989 e início de 1990, no Equador, representou a
possibilidade de reverter as condições dos países desestabilizados
economicamente pela dívida externa em benefícios posteriores para
a área educacional (GADOTTI, 1999).
17
A partir da década de 1990, observa-se um pacote de reformas
do BIRD no que tange à descentralização dos estados. Trata-se de uma
nova configuração nas políticas educacionais e na Reforma Estatal.
Entre essas reformas, constavam aos governos em âmbito educacional:
“(1) fixar padrões, (2) facilitar os insumos que influenciam o rendimento
escolar, (3) adotar estratégias flexíveis para a aquisição e uso de tais insu-
mos; e (4) monitorar o desempenho escolar” (ALTMANN, 2002, p. 80).
No Brasil, a escola torna-se o espaço de mudanças e as políticas
versam para a superação do déficit escolar. Paralelamente a esse discurso,
dá-se ênfase a educação inclusiva e o acesso das pessoas com deficiência
a escolarização. Na Lei nº 8.069/90 no Art. 54, no inciso III, preconiza
o “atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino” (BRASIL, 1990).
Em 1994, à Declaração de Salamanca, reafirma e reconhece
a necessidade urgente de providências na área educacional, além do
compromisso com a educação de crianças, jovens e adultos com defi-
ciência no sistema regular de ensino (UNESCO, 1994).
Em janeiro de 1995, Fernando Henrique Cardoso assume a
presidência da República, seu mandato reforçou algumas normatiza-
ções e instrumentalizou novas, como “modalidade de educação escolar,
oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos
portadores de necessidades especiais” (BRASIL, 1996). Além disso,
atribuem serviços e apoios especiais para o atendimento a esses alunos
na rede regular, considerando as peculiaridades de cada um, e o AEE é
necessário quando a deficiência impede a frequência na classe comum.
Em 2001, a Declaração Internacional de Montreal sobre Inclu-
são foi aprovada no Canadá pelo Congresso Internacional “Socie-
dade Inclusiva”, cujo objetivo maior é a parceira de todos os estados,
buscando soluções quanto aos estilos de vida que sejam sustentáveis,
além de serem seguros, acessíveis, adquiríveis e úteis, destacando
que “o desenho acessível e inclusivo de ambientes, produtos e servi-
ços aumenta a eficiência, reduz a sobreposição, resulta em economia
18
financeira e contribui para o desenvolvimento do capital cultural,
econômico e social” (CANADÁ, 2001).
Em 2004, foi aprovado o Decreto nº 5.626, que enfatiza que o
professor e instrutor de LIBRAS precisam ter formação em Letras/
Libras ou Pós-Graduação em LIBRAS, tanto para surdos quanto para
ouvintes, porém dar-se-á prioridade para professores surdos (BRASIL,
2005). Em 2005, cria-se os Núcleos de Atividades de Altas Habilidades/
Superdotação (NAAH/S) em todos os estados e no Distrito Federal,
cujo objetivo era orientar os pais, capacitar profissionais, além de
destacar o atendimento especializado desses alunos (BRASIL, 2010).
De acordo com Solano e Rodrigues (2010), no ano de 2007, foi
lançado pelo MEC o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE),
mais conhecido como “O PAC da Educação” e aprovado o Decreto
nº 6.094/07 que dispõe sobre a implementação do Plano de Metas
Compromisso Todos pela Educação, um regime colaborativo entre a
União Federal, estados e municípios (BRASIL, 2007).
Em 2008, foi aprovada a “Política Nacional de Educação Inclu-
siva”, a qual se refere à distribuição de recursos do Fundo de Manuten-
ção e Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB). Seguindo os
objetivos dessa política, as escolas têm a obrigação de ofertar o AEE,
ou seja, a organização dos serviços e recursos da Educação Especial
de forma complementar ao ensino regular. Com base na Constitui-
ção Nacional, a oferta busca superar a visão do caráter substitutivo
da Educação Especial ao ensino comum, ofertado no turno inverso,
garantindo ao aluno o acesso à educação comum. 0a forma, com vistas
a apresentar orientações que devem nortear os sistemas de ensino para
a efetivação do direito ao AEE, fica proposto na Resolução CNE/
CEB nº 4/2009 o financiamento via Fundeb.
Diante dessas perspectivas, a inclusão comporta um novo modelo
de atendimento que almeja reconhecer esses alunos como parte consti-
tutiva histórica da sociedade. Da exclusão para a inclusão social foi um
longo período, porém muito se tem a fazer, e oportunidades a oferecer.
19
A escola especial é necessária como suporte de atendimento às neces-
sidades desses alunos, mas a inclusão de fato se dá pela possibilidade
de serem reconhecidos como pessoas, de promover a interação entre
seus pares e de se desenvolverem humanamente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O contexto de construção histórica da Educação Especial nunca


esteve desassociado das relações de poder econômico, social e religioso
que afetaram a formação das pessoas com deficiência. As formas de
discriminação ou tolerância, antes vivenciadas por essas pessoas nos
grupos sociais ao qual pertenciam, denotam para paradigmas que
hoje já foram desmistificados, demonstrando que independente da
deficiência, cada sujeito com sua peculiaridade, apresenta capaci-
dade de conviver em sociedade, e na maioria dos casos, apresentam
condições de estudar e trabalhar.
Entende-se, que o processo adotado como inclusão não se refere
apenas a inserção desses sujeitos no meio social, é necessário reconhecer
e respeitar a diferença do outro, a sua condição, limitações e potencia-
lidades. O formato precedente a inclusão se efetivava pela reabilitação,
e em sua grande maioria, tinham acesso, apenas os mais abastados
financeiramente. Do período de abandono e eliminação dessas pes-
soas até a segregação, poucas mudanças atitudinais foram observadas.
Mudavam-se os termos, mas não se modificavam as práticas e atitudes.
O assistencialismo que predominou por certo período, delimitava
as pessoas com deficiência, tirando-lhes a autonomia e privando-os
de demonstrar suas potencialidades na educação e no trabalho. O
reconhecimento e a valorização decorreram da credibilidade de profis-
sionais que reconheceram a capacidade desses sujeitos de participarem
ativamente da sua própria formação cultural, social e linguística. Esse
reconhecimento permitiu que amparos legais oportunizassem o acesso
ao mercado de trabalho, a escolarização e a participação social

20
Embora se reconhece a influência política e econômica na tra-
jetória das escolas públicas de um modo geral, e na Educação Espe-
cial não seria diferente, cujo os propósitos, ocorrerão também no
caráter profissionalizante de formação, assim como a transferência
da Educação Especial para o setor privado, mas é relevante pontuar
que todos esses encaminhamentos, também foram positivos, permi-
tiram que muitos sujeitos antes ignorados e esquecidos, tivessem o
direito ao trabalho e a escola.
O retorno não foi tão imediato, mas foi o suficiente para que
novas propostas fossem aprovadas e leis fossem promulgadas. Mesmo
com uma abordagem voltada para atender ao mercado de trabalho, a
Declaração de Salamanca, cujo princípio era a equalização de oportu-
nidades para as pessoas com deficiência, reforçou o direito a educação.
Posteriormente, as leis e normatizações oportunizaram o acesso, bem
como, a escolha pela modalidade de ensino, oportunizando as pessoas
com deficiência, o direito e a autonomia de escolha.
O que deve ser primordial em ambas as modalidades, Educação
Especial e Educação Inclusiva, é o acesso aos conteúdos sistematiza-
dos e a formação ofertada. Nos três estados analisados, fica evidente
que os documentos norteadores da educação inclusiva nos estados,
seguem as normativas propostas na federação. Os estados do Ceará
e Bahia reforçam o atendimento escolar desses alunos desde na edu-
cação infantil, creches e pré-escolas, sempre que houver necessidade,
mediante avaliação, o atendimento no AEE também. Essa atenção
desde a educação infantil apresenta-se necessária, principalmente no
caso dos surdos em cidades que não tenham escolas de surdos.
Quanto a organização curricular, Pernambuco assegura enca-
minhamentos para uma ação interdisciplinar adequada, com proce-
dimentos e instrumentos que orientem melhor o atendimento desse
alunado. Esta é uma preocupação necessária e determinante para a
formação desses alunos. No Ceará, destacou-se além de currículos,
também métodos, técnicas e recursos educativos visando uma orga-
nização específica. Essa ênfase ao currículo, embora seja contemplada
nos documentos, na sala de aula da rede regular, se apresenta como um
21
desafio aos docentes, devido ao número de alunos e as peculiaridades
que apresentam. No estado da Bahia, ressalta o documento norteador,
a organização dos currículos escolares e em seus projetos pedagógicos
as disposições necessárias para o atendimento desses alunos.
O que se observa é que os projetos políticos pedagógicos das
escolas nem sempre atendem as exigências que compreendem as nor-
mativas na área do AEE, na maioria dos casos, esses documentos estão
descontextualizados da realidade objetiva de suas escolas. Ademais,
no quesito de serviços, materiais e recursos humanos, os documentos
seguem à risca o que determina as leis federais, mas na prática, o desafio
maior está em oferecer profissionais habilitados para atuarem na área.
Segundo a Teoria Histórico-Cultural, a inclusão tem entre seus
pontos positivos, a interação social e a mediação. Para Vygotski, a
compensação da deficiência caracteriza-se pelas condições que o meio
social propicia ao sujeito, e a educação intencional e dirigida corrobora
positivamente para o desenvolvimento das funções psíquicas superiores,
que no caso das pessoas com deficiência podem ser estimuladas por
meio de instrumentos mediadores como os conhecimentos científicos.
Dessa forma, os avanços adquiridos até então na Educação
Especial e na Educação Inclusiva devem ser analisados pelo caráter
educativo que cada modalidade tem oportunizado e é na prática
escolar que se pode compreender, se realmente as lacunas de práticas
excludentes estrão sendo sanadas com um ensino que oportunize
a hominização desses sujeitos.

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22
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23
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24
PROCESSO FORMATIVO NA PERSPECTIVA
DA TEORIA CRÍTICA DA SOCIEDADE: UMA
ANÁLISE DA POLÍTICA NACIONAL DE
ALFABETIZAÇÃO (PNA)

Vanessa Freitag de Araújo4


Gabriely Silveira Nogueira5

INTRODUÇÃO

Trata-se de uma análise da Política Nacional de Alfabetiza-


ção (PNA) lançada em 2019 pelo Ministério da Educação à luz da
perspectiva da Teoria Crítica da Sociedade. O debate sobre a alfa-
betização e as limitações do processo é uma questão presente desde
o final do século XIX, quando o Brasil fazia os primeiros ensaios
na busca de soluções para consolidar a estrutura educativa e aten-
der a demanda social do período.
Falar sobre o processo de alfabetização implica, necessariamente,
situá-lo no quadro social, político e econômico mais amplo, a fim
de promover uma reflexão crítica sobre as condições históricas que
interferem em sua produção. É preciso enfatizar que a alfabetização,
vincula-se a compreensão da educação na condição de movimento
geral, presente na sociedade com a tarefa de moldar os indivíduos aos
estágios históricos em desenvolvimento ou em manutenção.
A história da alfabetização no Brasil conecta-se aos métodos de
ensino. A disputa entre métodos, que objetivavam garantir a inserção
dos educandos no mundo da cultura letrada, produziu uma variedade
4
Doutorado em Educação (UEM). Professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação (UEM).
CV: http://lattes.cnpq.br/8491095222648301
5
Pós-graduanda em Arteterapia, Musicalização e Contação de Histórias no Ambiente Escolar (Instituto
Rhema). Pedagoga (UEM). CV: http://lattes.cnpq.br/9028291345523180
25
de teorizações apresentadas em estudos dedicados à investigação dessa
problemática. Na primeira década republicana utilizou-se o método
analítico, a partir da segunda metade da década de 1920, passou-se
a empregar o método analítico-sintético. No início da década de
1980, observa-se no Brasil, “[...] a mudança conceitual a respeito da
aprendizagem da língua escrita” (SOARES, 2004, p. 9), grande parte
das escolas aderiram ao construtivismo, fruto das pesquisas de Emília
Ferreiro e Ana Teberosky a respeito da Psicogênese da Língua Escrita.
Na época citada, constatou-se um grave problema no processo
de alfabetização, o elevado índice de pessoas consideradas “analfabetos
funcionais”, ou seja, que decodificam os signos linguísticos, mas não
conseguem fazer o uso social da linguagem escrita. Os estudos da área
passam a discutir e promover reflexões que indicam ser fundamental
a compreensão entre o processo de alfabetização e letramento.
Soares (2004) aponta que o construtivismo, ao congregar o uso
social da linguagem escrita, priorizando o processo de letramento em
detrimento da alfabetização, trouxe outro problema à tona para o pro-
cesso de aquisição da língua escrita no país. O processo de alfabetização
dissociou-se do processo de letramento, gerando uma nova forma de
fracasso escolar, alunos não alfabetizados ou semi alfabetizados que
estão matriculados no ensino fundamental.
O hiato proveniente das falhas acumuladas durante o processo de
alfabetização impacta na dimensão formativa dos indivíduos, levando
a escola na contramão de sua função social de promoção do homem,
uma vez que é função da educação tornar o indivíduo “[...] cada vez
mais capaz de conhecer os elementos de sua situação a fim de poder
intervir nela transformando-a no sentido da ampliação da liberdade,
comunicação e colaboração entre os homens” (SAVIANI, 1980, p. 52).
Tal temática não é inédita, contudo, ao realizar um levantamento
bibliográfico conciso para conhecer a área de estudo e as produções
26
relativas ao tema, sinalizou-se a possibilidade de uma análise alicerçada
nos pressupostos da Teoria Crítica da Sociedade, por constituir-se,
“enquanto uma vertente metodológica fundamental para se com-
preender as implicações da razão moderna e o contexto cultural da
sociedade de massas no capitalismo tardio” (FABIANO, 2014, p. 126).

HISTÓRIA DA ALFABETIZAÇÃO NO BRASIL:


QUESTÃO DOS MÉTODOS

Ao tomar a PNA como objeto de estudo pretende-se realizar


uma reflexão crítica a respeito do conceito de alfabetização apresen-
tado pelo documento. A relevância do estudo vincula-se ao alicerce
teórico-metodológico, que será observado no sentido de assunção da
dimensão crítica, que permitirá identificar os princípios e objetivos
propostos para condução do processo de alfabetização nas escolas
públicas. Objetiva-se então apresentar reflexões sobre a temática da
alfabetização, com o intuito de responder a seguinte questão: por que
o processo de alfabetização ainda é uma tarefa complexa para alunos
e professores? Algumas hipóteses podem auxiliar na resposta a este
questionamento. De acordo com estudos de Smolka (2003) a tarefa
pedagógica de alfabetização nas escolas, tem favorecido o elevado índice
de crianças que não consegue aprender a ler e escrever, colocando-as
à margem de uma sociedade letrada, globalizada e dominada pela
indústria cultural. Nessas perspectivas, a alfabetização atua enquanto:
[...] instrumento e veículo de uma política educacional
que ultrapassa amplamente o âmbito meramente escolar
e acadêmico. A ideologia da ‘democratização do ensino’
anuncia o acesso à alfabetização pela escolarização, mas,
efetivamente, inviabiliza a alfabetização pelas próprias
condições da escolarização: oculta e se esconde nessa
ideologia a ilusão e o disfarce da produção do maior
número de alfabetizados no menor tempo possível.

27
Nesse processo da produção do ensino em massa [...], as
práticas pedagógicas não apenas discriminam e excluem
como emudecem e calam (SMOLKA, 2003, p. 16).

Ao reconhecer os limites impostos pelo paradigma contem-


porâneo constituído sob a lógica do capitalismo tardio, almeja-se
estabelecer relações para compreender a importância do processo de
alfabetização, como auxiliar na formação da autonomia social dos
indivíduos. Portanto, precisa ser concebido como “uma prática social
e cultural em que se desenvolvem a formação da consciência crítica
[...]” (GONTIJO, 2008, p. 198).
Ao abordar sobre métodos de alfabetização, refere-se, em uma
perspectiva histórica, a um processo cognitivo e social de aquisição
inicial da leitura e da escrita que se respalda em conceitos metodoló-
gicos. Para Soares (2016), é esse conjunto de procedimentos pautados
em teorias e em princípios que encaminha a aprendizagem inicial
da leitura e da escrita designada como alfabetização. Nesse sentido,
quando pergunta-se qual a razão para o processo de alfabetização
ainda ser uma tarefa complexa para alunos e professores, podemos nos
assentar no entendimento de que, quando transformamos os métodos
em questões a serem respondidas sobre diversas concepções, sempre
priorizamos um determinado objeto:
Uma reflexão sobre a questão dos métodos de alfabeti-
zação evidencia que as causas de que métodos tenham
sido, e continuem sendo, uma questão é que cada um
deles privilegia determinada função, determinada faceta,
determinados pressupostos teóricos ignorando ou mar-
ginalizando os demais (SOARES, 2016, p. 32).

É possível observar que perduram questionamentos sobre o que


se ensina, sendo que a escolha do conteúdo, além da questão técnica,
envolve uma questão política imbricada a interesses que ultrapassam
a esfera pedagógica. Ela se relaciona a um projeto educativo amplo e
28
permeado por disputas e por interesse alinhados ao capital, portanto,
marca-se a cada tempo uma espécie de tendência a ser adotada pelas
escolas públicas na área da alfabetização. Tal conduta política, antes
mesmo de ser pedagógica, apadrinha um só método deixando os
outros isolados. Nessa perspectiva, a história da alfabetização conec-
ta-se aos métodos ao longo dos períodos, para melhor entendermos
de que forma a polêmica acerca da questão do método explicada por
Soares (2016) permanece até hoje.
A necessidade de um sistema público de ensino no início do Brasil
República carregava junto a carência de um novo homem com valores
republicanos, que resultaria, posteriormente, em um ensino público
centrado na moral civil. O fim do Brasil Império deixou lacunas em
sua organização com as poucas escolas que restavam. Nesse período,
para ensinar a leitura era utilizado o método sintético. De acordo com
Mortatti (2016), 1876 foi um marco na história da alfabetização, pois
coincide com a publicação, em Portugal, da Cartilha Maternal ou Arte
a Leitura, escrita por João de Deus. A partir de 1880, esse material
didático passou a ser divulgado, ordenadamente, nas províncias de
São Paulo e do Espírito Santo:
Esse 1º. momento se estende até o início da década de
1890 e nele tem início uma disputa entre os defensores
do ‘método João de Deus’ e aqueles que continuavam a
defender e utilizar os métodos sintéticos: da soletração,
fônico e da silabação. Com essa disputa, funda-se uma
nova tradição: o ensino da leitura envolve necessaria-
mente uma questão de método, ou seja, enfatiza-se o
como ensinar metodicamente, relacionado com o que
ensinar; o ensino da leitura e escrita é tratado, então,
como uma questão de ordem didática subordinada às
questões de ordem lingüística (da época) (MORTA-
TTI, 2016, p. 6).

29
Mortatti (2016, p. 1) explica que a face mais visível da alfabeti-
zação se relaciona aos métodos de alfabetização e a suas alternâncias,
que desde o século XIX geram “[...] tensas disputas relacionadas com
‘antigas’ e ‘novas’ explicações para um mesmo problema: a dificuldade
de nossas crianças em aprender a ler e escrever, especialmente na
escola pública.” Nesse sentido, podemos compreender esse período
da história da alfabetização em uma perspectiva de transformações
sociais, econômicas, políticas e educacionais.
Mendonça (2011) organiza, de maneira cronológica, a histó-
ria da alfabetização em quatro períodos: o primeiro ocorreu entre
a antiguidade e a idade média; o segundo, entre os séculos XVI e
XVIII; o terceiro período teve início em meados da década de 1980 e,
finalmente, o quarto período, denominado pela autora de “reinvenção
da alfabetização”, que apresenta discussões sobre o contexto atual.
Os denominados métodos sintéticos priorizavam a menor unidade
existente, sucessivamente em direção à maior unidade, ou seja, dava-se
maior importância ao valor sonoro das letras e sílabas, fazendo com
que, da soletração, prosseguisse para os métodos fônicos e silábicos:
Assim, os métodos da soletração, o fônico e o silábico
são de origem sintética, pois partem da unidade menor
rumo à maior, isto é, apresentam a letra, depois unindo
letras se obtém a sílaba, unindo sílabas compõem-se
palavras, unindo palavras formam-se sentenças e jun-
tando sentenças formam-se textos. Há um percurso
que caminha da menor unidade (letra) para a maior
(texto) (MENDONÇA, 2011, p. 28).

Surgem também os chamados métodos analíticos que, segundo


Soares (2016, p. 24), “[...] passou-se a considerar a realidade psicoló-
gica da criança”, no qual o percurso traçado agora é da maior unidade
sonora para a menor, isto é, parte-se da palavra escrita, segmentando-a
até chegar ao menor valor sonoro: sílabas e grafemas. Soares (2016)
afirma que dessas duas tendências nasceu a tão polêmica e controversa
questão, a que predominou até a década de 1980, com o chamado
30
movimento pendular, pois ao longo do período ambas as concepções
predominaram, em momentos distintos, durante quase todo o século.
Apesar de serem consideradas distintas e antagônicas, elas estão inse-
ridas nos mesmos moldes pedagógicos e psicológicos.
A primeira transformação no paradigma do estudo da alfabetiza-
ção ocorreu no final do século XIX. De acordo com Soares (2016), essa
foi a primeira ruptura metodológica que ocorreria ao longo dos séculos;
posteriormente, na década de 1980, temos uma segunda e decisiva
mudança no paradigma da alfabetização, com a chamada psicogênese
da língua escrita, difundida no Brasil pelo estudo de Emília Ferreira:
A partir do início da década de 1980, essa tradição pas-
sou a ser sistematicamente questionada, em decorrência
de novas urgências políticas e sociais que se fizeram
acompanhar de propostas de mudança na educação,
a fim de se enfrentar, particularmente, o fracasso da
escola na alfabetização de crianças. Como correlato
teórico- metodológico da busca de soluções para esse
problema, introduziu-se no Brasil o pensamento cons-
trutivista sobre alfabetização, resultante das pesquisas
sobre a psicogênese da língua escrita desenvolvidas pela
pesquisadora argentina Emília Ferreiro e colaboradores
(MORTATTI, 2016, p. 10).

O novo paradigma que buscava evitar o fracasso escolar contras-


tava com os métodos sintéticos e com os analíticos, trazendo consigo
uma nova perspectiva a respeito da alfabetização: o centro da apren-
dizagem agora é deslocado do professor para o aluno. Questionando
os métodos e as cartilhas, o construtivismo buscava afastar-se das
práticas tradicionais em que ambos se pautavam. Apesar do cons-
trutivismo, o fracasso escolar persistia, trazendo em evidência outro
problema que agora não mais atinge os anos iniciais, mas se alastra
por todo o ensino fundamental. Mendonça (2011, p. 24), aponta que
esse impasse consistia em priorizar o processo de letramento, consi-
derando o uso social da linguagem escrita “[...] em detrimento dos
31
conhecimentos específicos, indispensáveis ao domínio da leitura e da
escrita, que ficam diluídos no processo”.
A controversa questão que acompanha o processo de alfabetização
até os dias atuais com seus altos índices de reprovação escolar e de
baixo desempenho estudantil nos exames nacionais e internacionais de
proficiência na Língua Portuguesa. Para responder o questionamento
essencial dessa pesquisa, Mendonça (2011) enfoca o quarto período da
história da alfabetização, denominado “reinvenção da alfabetização”:
Sabe-se, por meio de pesquisas institucionais que, hoje,
no Brasil, apenas 15% dos alunos concluem a Educação
Básica sabendo ler e escrever. Deste modo, se o fracasso
até meados da década de 1980, quando se usava car-
tilha era da ordem de 50% na 1ª série, hoje, é de 85%
na 8ª série. Nesse contexto, uma nova metodologia,
fundamentada na sociolinguística e na psicolinguística,
propõe a organização do trabalho docente e a sistema-
tização da alfabetização cujo objetivo é o de alfabetizar
letrando. Sugere um trabalho que partindo da realidade
do aluno desenvolva e valorize sua oralidade por meio
do diálogo, que trabalhe conteúdos específicos da alfa-
betização e utilize estratégias adequadas às hipóteses
dos níveis descritos na psicogênese da língua escrita.
Recomenda, também, a leitura de textos de qualidade,
de diferentes gêneros, interpretação e produção tex-
tual, estratégias indispensáveis ao desenvolvimento
de aspectos específicos da alfabetização aliados a sua
função social (MENDONÇA, 2011, p. 24).

Tais informações referem-se aos dias atuais que, devido ao


contexto histórico, pautam-se nas políticas voltadas à alfabetização,
investigando uma resposta para tal fracasso. Fica evidente em ava-
liações realizadas, sobretudo na Avaliação Nacional de Alfabetização
(ANA), que o Brasil enfrenta uma dificuldade em alfabetizar os alu-
nos. As lacunas de aprendizagem podem ser observadas desde muito
cedo no processo de escolarização das crianças. A partir das últimas
32
edições da ANA (2014 e 2016), é possível perceber que a maioria das
crianças terminam a primeira etapa do ensino fundamental sem que
estejam alfabetizadas, já que “em 2016, menos da metade dos alunos
do 3º ano do Ensino Fundamental atingiram níveis de proficiên-
cia suficientes em Leitura e Matemática: 45,3% e 45,5%, respecti-
vamente” (BRASIL, 2019, p. 52).
É importante ressaltar as desigualdades presentes no sistema
escolar brasileiro. Segundo o documento, 14,1% das crianças que
estão abaixo do nível socioeconômico possuem uma alfabetização
aceitável no quesito leitura. No entanto, crianças com alto índice
socioeconômico alcançam 83,5% nas competências de leitura. Em
2016, os resultados da ANA mostraram que 54,73 % dos 2 milhões
de alunos que concluíram o 3° ano do ensino fundamental tiveram
um desempenho insatisfatório em relação à compreensão da leitura.
No quesito escrita, 33,95% apresentaram estar em níveis insufi-
cientes (1, 2 ou 3), ou seja, entre as crianças de 8 anos, estimativamente
680 mil alunos identificados no nível 1 e 2 não conseguem produzir um
texto coerentemente; já em relação às competências em matemática,
54,46% apresentaram estar em uma posição abaixo do esperado. Tais
resultados demonstram que o objetivo de alfabetizar todas as crian-
ças, no máximo, até o final do 3º ano do ensino fundamental não foi
alcançado como propõe a meta 5.
O Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes (Pisa)
tem como alvo os estudantes entre 15 anos e 2 meses e 16 anos e 3
meses. No ano de 2015, o Brasil ficou em 59° lugar em leitura e em
65° lugar em matemática nessa avaliação externa:
Dos estudantes brasileiros, 51% ficaram abaixo do
nível 2 em leitura, patamar mínimo necessário para
o pleno exercício da cidadania, segundo a OCDE.
Em matemática, 70,3% situaram-se abaixo do nível
2, sendo a pontuação média de 377 pontos, ao passo
33
que a média dos estudantes dos países membros da
OCDE alcançou 490 pontos (BRASIL, 2019, p. 11).

Com os dados expostos, é possível perceber que aquele percalço


em relação à dificuldade de se alfabetizar observado nos textos que
perduram por décadas, ainda é uma problemática presente. Segundo os
resultados do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf ), do Instituto
Paulo Montenegro, 3 a 10 brasileiros com idades entre 15 e 64 anos
são considerados analfabetos funcionais.

POLÍTICA NACIONAL DE ALFABETIZAÇÃO À LUZ DA


TEORIA CRÍTICA DA SOCIEDADE

Os conceitos da Teoria Crítica da Sociedade possibilitam uma


análise sobre a crise da formação e nos dirigem a fatores contem-
porâneos convergentes com uma educação pautada em princípios
que se adequam ao capital e que perpetuam a semiformação. Nos
termos de Adorno (1995, p. 21), a semiformação é um mecanismo
da Indústria Cultural que ameaça a subjetividade, pois “ocorre uma
interferência na apreensão da sociedade pelos seus ‘sujeitos’ pelo meca-
nismo da ‘semiformação’: seja com conteúdos irracionais, seja com
conteúdos conformistas”. Considerando o princípio contraditório
que rege a sociedade burguesa, as classes sociais, Adorno (2005, p.
2, grifos nossos) afirma que a:
[...] crise da formação cultural não é um simples objeto
da pedagogia, que teria que se ocupar diretamente desse
fato, mas também não pode se restringir a uma sociolo-
gia que apenas justaponha conhecimentos a respeito da
formação. Os sintomas de colapso da formação cultural
que se fazem observar por toda parte, mesmo no estrato
das pessoas cultas, não se esgotam com as insuficiências
do sistema e dos métodos da educação, sob a crítica de
sucessivas gerações. Reformas pedagógicas isoladas,
indispensáveis, não trazem contribuições substan-
34
ciais. Poderiam até, em certas ocasiões, reforçar a
crise, porque abrandam as necessárias exigências a
serem feitas aos que devem ser educados e porque
revelam uma inocente despreocupação frente ao poder
que a realidade extrapedagógica exerce sobre eles [...].

Assim, ao analisar as políticas educacionais que estão expressas


nos programas e nas ações que devem ser executadas pela escola, verifi-
ca-se a presença do dualismo presente na própria sociedade reproduzido
via conteúdos curriculares e sob a forma de conhecimento relacionado
à semiformação. Para Adorno (1996, p. 1), a semiformação é o reverso
da formação; está relacionada ao “colapso da formação cultural que se
fazem observar por toda parte, mesmo no estrato das pessoas cultas,
não se esgotam com as insuficiências do sistema e dos métodos da
educação, sob a crítica de sucessivas gerações”. Ao contrário disso, a
formação deveria dizer respeito:
[...] ao indivíduo livre e radicado em sua própria consciência,
ainda que não tivesse deixado de atuar na sociedade e sublimasse
seus impulsos. A formação era tida como condição implícita a uma
sociedade autônoma [...]. Se na idéia de formação ressoam momentos
de finalidade, esses deveriam, em consequência, tornar os indiví-
duos aptos a se afirmarem como racionais numa sociedade racio-
nal, como livres numa sociedade livre (ADORNO, 1996, p. 389).
Em relação às políticas educacionais, a BNCC (BRASIL, 2017)
representa uma forma de padronização do currículo escolar; inclusive,
em seu contexto encontra-se a alfabetização. Ela parte de uma Política
Educacional sincronizada com as demandas internacionais com vistas
à “[...] lógica da mensuração de resultados e padronização mundial
da educação”; sendo assim, o documento é “[...] ferramenta fulcral
nessa edificação” (VENCO; CARNEIRO, 2018, p. 7). Nesse processo
de elaboração da referida política de currículo estiveram envolvidos
aspectos de ordem econômica e política que, por vezes, aparecem
antes daqueles relacionados aos processos cognitivos de ensino e de
35
aprendizagem da língua escrita, sem que sejam relacionados à cultura
como possibilidade de formação dos sujeitos.
A PNA foi elaborada em consonância com a Base Nacional
Comum Curricular que prevê os objetivos para a alfabetização que
se desdobram em ações, em programas e em orientações para guiar
a organização do trabalho pedagógico. No subtítulo denominado Os
fundamentos pedagógicos da BNCC, a referência inicial está dire-
cionada para o desenvolvimento de competências, com amparo no
Art. 32 da Lei n.º 9.394/96 que define o ensino fundamental como
“formação básica do cidadão”. Para isso, prevê:
I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo
como meios básicos o pleno domínio da leitura, da
escrita e do cálculo; II - a compreensão do ambiente
natural e social, do sistema político, da tecnologia, das
artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade;
III - o desenvolvimento da capacidade de aprendiza-
gem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e
habilidades e a formação de atitudes e valores; IV - o
fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de
solidariedade humana e de tolerância recíproca em
que se assenta a vida social (BRASIL, 1996, p. 12).

É importante considerar que das orientações contidas na BNCC


(BRASIL, 2017) para o ensino da linguagem e da escrita nos anos
iniciais do ensino fundamental desdobram-se políticas e programas
para a alfabetização, como é o caso da PNA, foco desta pesquisa,
instituída pelo Decreto n.º 9.765, de 11 de abril de 2019. A referida
política faz referência a conceitos, a princípios e objetivos, e diretrizes,
ao público-alvo, à avaliação e ao monitoramento seguido das disposições
finais. Por se tratar de normativa oficial, destaca-se o conceito adotado
para orientar o processo de alfabetização, que deve se pautar “[...] em
evidências científicas, com a finalidade de melhorar a qualidade da
alfabetização no território nacional e combater o analfabetismo abso-

36
luto e o analfabetismo funcional [...]” (BRASIL, 2019, p. 1). Dentre
os princípios, destacam-se os seguintes:
III - fundamentação de programas e ações em evidên-
cias provenientes das ciências cognitivas; IV - ênfase
no ensino de seis componentes essenciais para a alfa-
betização: a) consciência fonêmica; b) instrução fônica
sistemática; c) fluência em leitura oral; d) desenvolvi-
mento de vocabulário; e) compreensão de textos; f )
produção de escrita (BRASIL, 2019, p. 2).

De forma articulada e complementar ao Decreto, no dia 15 de


agosto de 2019, o Ministério da Educação (MEC) coordenou outras
duas ações, quais sejam: o lançamento do caderno da PNA ‒ um
guia detalhado ‒ e a Portaria n.º 1.460, de 15 de agosto de 2019, que
institui a Conferência Nacional de Alfabetização Baseada em Evi-
dências (CONABE), realizada de 22 a 25 de outubro de 2019, em
Brasília, com o tema “A Política Nacional de Alfabetização e o estado
da arte das pesquisas sobre alfabetização, literacia e numeracia”. O
Caderno da PNA (BRASIL, 2019) está assim estruturado: Contex-
tualização; Alfabetização, Literacia e Numeracia e Política Nacional
de Alfabetização. A primeira seção aponta a alfabetização como tema
relevante à sociedade brasileira e sinaliza para a “[...] urgência de
mudança na concepção de políticas voltadas à alfabetização, à literacia
e à numeracia” (BRASIL, 2019, p. 10).
Tal proposta de mudança ancora-se nos dados da ANA, os quais
revelam que 2 milhões dos estudantes concluintes do terceiro ano
do ensino fundamental – aproximadamente 54,73% – apresentaram
desempenho insuficiente em leitura (BRASIL, 2019), uma vez que
“cerca de 450 mil alunos foram classificados no nível 1 da escala de
proficiência, o que significa que são incapazes de localizar informação
explícita em texto simples de até cinco linhas [...]” (BRASIL, 2019, p.
10). O Indicador de Analfabetismo Funcional (Inaf ) também é utili-
37
zado para demarcar que o Brasil não corresponde, de forma satisfatória,
aos indicadores de qualidade do ensino e da leitura. Especificamente
no que se refere à leitura, o indicador aponta para o analfabetismo fun-
cional, uma vez que “[...] 3 de 10 brasileiros entre 15 e 64 anos podem
ser considerados analfabetos funcionais [...]” (BRASIL, 2019, p. 13).
Com base nesses índices insatisfatórios, o Caderno da PNA faz
referência, de forma sintética, a estudos sobre alfabetização realizados
no Brasil e em outros países. Quanto aos estudos brasileiros, destaca o
relatório final “Alfabetização infantil: os novos caminhos da Comissão
de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados”, reeditado em 2007,
que aponta o atraso do Brasil em relação às práticas de alfabetização
e à formação de professores (BRASIL, 2019). Em síntese, a defesa
é a de que a alfabetização de qualidade precisa pautar-se em cinco
pilares: consciência fonêmica, instrução fônica sistemática, fluência
em leitura, vocabulário e compreensão de textos. Assim, fica clara a
indicação de que os países que reformularam as suas práticas de alfa-
betização “incorporando instruções fônicas” apresentaram avanço na
aprendizagem da leitura e da escrita (BRASIL, 2019).
No entanto, a identificação dos “pilares” promotores da aprendi-
zagem da leitura e da escrita, ainda que executados com eficiência via
método ou protocolo específico, padronizados para todo o sistema, pode
resolver somente uma parte do problema de aprendizagem, visto que a
padronização do método encobre as condições objetivas de cada escola,
de seus sujeitos e da própria desigualdade inerente à sociedade de classes.
Na segunda seção, o Caderno da PNA apresenta os conceitos
de alfabetização, de literacia e de numeracia. Quanto ao conceito de
alfabetização, “a PNA, com base na ciência cognitiva da leitura, define
alfabetização como o ensino das habilidades de leitura e de escrita em
um sistema alfabético” (BRASIL, 2019, p. 18). A alfabetização baseada
em evidências diz respeito à consulta por parte dos professores e dos

38
gestores da “[...] literatura científica nacional e internacional para
conhecer e avaliar o conhecimento mais recente sobre os processos
de ensino e de aprendizagem” (BRASIL, 2019, p. 20).
Pode-se afirmar que, nesse sentido, desde o século XIX, a alfa-
betização faz parte da produção científica acadêmica, revelando-se
ampla e sempre utilizada para constituir os referenciais e as diretrizes
pedagógicas da área. Destaca-se a dinâmica de cada contexto, ou seja, o
fato de o referencial adotado estar coerente com os interesses daqueles
que conduzem o processo de formulação das políticas para a alfabeti-
zação. No contexto atual, o MEC considera que, “entre os ramos das
ciências que mais contribuíram nas últimas décadas para a compreensão
dos processos de leitura e de escrita, está aquele que se convencionou
chamar ciência cognitiva da leitura” (BRASIL, 2019, p. 20).
O conceito de ciência cognitiva da leitura apresentado na PNA
(BRASIL, 2019) refere-se à utilização das imagens do cérebro para
mapear o seu funcionamento durante o processo de aprendizagem da
leitura e da escrita, cujos dados indicam o ensino explícito e sistemático
como mais exitoso. Esses elementos teóricos não são distintos daqueles
já apresentados na produção científica acadêmica da área, inclusive
aqueles referenciados ao longo do nosso estudo. O avanço da ciência
comprovou a plasticidade cerebral por meio de imagens tomográficas
que permitem mapear as modificações cerebrais que ocorrem quando
a criança aprende a ler e a escrever. De acordo com a PNA:
Aprender a ler e a escrever faz criar no cérebro um
caminho que liga as áreas de processamento fonológico
com as de processamento visual, de modo que uma
palavra, quando é vista, ativa no cérebro as mesmas áreas
que uma palavra quando é ouvida [...]. As pesquisas em
neurociências indicam que existe uma área do cérebro
que passa a especializar-se no reconhecimento das letras
quando se aprende a ler e a escrever. É a chamada Área
da Forma Visual das Palavras (AFVP), situada na região
39
occipitotemporal esquerda, correspondente a uma área
atrás da orelha esquerda, onde se conectam as regiões
de processamento visual com as regiões de processa-
mento fonológico e, por isso, é ideal para responder ao
processo de leitura e de escrita (BRASIL, 2019, p. 26).

Não é objetivo deste trabalho negar ou desconsiderar esses avan-


ços que fundamentaram a elaboração do Caderno da PNA (BRASIL,
2019); não discorda-se da sua relevância e das possibilidades criadas para
a atuação docente. Sabe-se que esta teoria será acompanhada de uma
implementação prática. Nesse aspecto, teoria e prática, na sua relação,
precisam de condições objetivas para serem efetivas e para colaborarem
com os processos de ensino e de aprendizagem, sabendo-se que o
processo de formação dos sujeitos é forjado no limite das contradições
determinadas pelas condições objetivas da produção da vida material.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a década de 1990, com a reforma da educação básica,


a alfabetização passou a ser a questão central dos anos iniciais do
ensino fundamental. Com o intuito de que as crianças sejam alfabe-
tizadas até os 8 anos de idade, a PNA (2019) reafirma a centralidade
e destaca que a alfabetização contribui para a promoção da cida-
dania. Todavia, essa política precisa de meios objetivos e materiais
viáveis para a sua implementação. Assim, quando trata dessa questão,
afirma vagamente que “a implementação da PNA se dará por meio
de programas, ações e instrumentos” (BRASIL, 2019, p. 44). Os ins-
trumentos indicados no documento referem-se apenas a orientações
curriculares e a materiais didáticos pautados em evidências científicas
e na ciência cognitiva da leitura.
A perspectiva da Teoria Crítica, concebida enquanto “[...] a teoria
das relações sociais entre os homens apenas na medida em que também
é a teoria da desumanidade dessas relações” (ADORNO, 1998, p. 32)
40
permite compreender o movimento histórico, bem como permite per-
ceber e interpretar os fenômenos da educação para romper os determi-
nismos e a linearidade que corrompe e conforma, gerando elementos de
cunho ideológico. Tal ideologia permeia a educação que, como reflexo
social fica à mercê de políticas de governo, que podem desconsiderar
todos os avanços e conquistas de momentos históricos anteriores.
Acredita-se que é tarefa da educação veicular estudos para
apreender os conteúdos teóricos, instrumentalizar análises sobre as
formas de manipulação cultural que são transpostas nos conteúdos
escolares. Em virtude dessa compreensão teórica, os educadores pode-
rão reavaliar hábitos alienantes e conformistas e diante dos meios e
materiais de massificação, questionar os conteúdos, intervindo na
reorientação dos seus usos, essa intervenção por vezes não aparece
de forma imediata, mas ao causar pequenas rupturas no processo
educativo, contribui para formação da vida social legítima.

REFERÊNCIAS
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ADORNO, Theodor. Prismas: crítica cultural e sociedade. São Paulo: Ática, 1998.
ADORNO, Theodor. Teoria da Semicultura. In: Educação & Sociedade, Campinas, SP, v.17,
n.56, p.388-441, dez. 1996.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Educação é a Base.
Brasília, DF: MEC; CONSED/ UNDIME, 2017.
BRASIL. Ministério da Educação. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece
as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF,
20 dez. 1996.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Alfabetização. PNA Política Nacional de
Alfabetização/Secretaria de Alfabetização. Brasília: MEC, SEALF, 2019.
FABIANO, Luiz Hermenegildo. Escola de Frankfurt e educação: sociedade de massas e
potencial formativo. In: MACIEL, Lizete Shizue Bomura, VIEIRA, Renata de Almeida,
SOUZA, Fátima Cristina Lucas de. (Orgs). Pesquisas em educação: diferentes abordagens
teórico metodológicas. Maringá, EDUEM, 2014.
GONTIJO, Cláudia Maria. A escrita infantil, São Paulo: Cortez, 2008.
41
MENDONÇA, Onaide Schwartz. Percurso Histórico dos Métodos de Alfabetização. In:
Sônia Maria Coelho. (Org.). Caderno de Formação: Formação de Professores Didática dos
Conteúdos. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2011, p. 23-35.
MORTATTI, Maria do Rosário Longo. História dos métodos de alfabetização no Brasil.
Brasília, 2006.
SAVIANI, Dermeval. Educação: do senso comum à consciência filosófica. São Paulo: Autores
Associados, 1980.
SMOLKA, Ana Luiza Bustamante. A criança na fase inicial da escrita: Alfabetização como
processo discursivo. Ed. São Paulo: Cortez, 2003.
SOARES, Magda. Alfabetização: a questão dos métodos. São Paulo: Contexto, 2016.
SOARES, Magda. Alfabetização e letramento, 2° ed. São Paulo: Contexto, 2004.
VENCO, Selma Borghi; CARNEIRO, Reginaldo. Para quem vai trabalhar na feira... essa
educação está boa demais: a política educacional na sustentação da divisão de classes. Revista
Horizontes, São Paulo, v. 36, n. 1, p. 7-15, jan./abr. 2018.

42
PRODUÇÃO DE TEXTO ESCRITA
MULTIMODAL NOS ANOS FINAIS DO
ENSINO FUNDAMENTAL: UMA DISCUSSÃO
A PARTIR DA BASE NACIONAL COMUM
CURRICULAR

Eurico Rosa da Silva Júnior6


Tiago de Aguiar Rodrigues7

INTRODUÇÃO

A produção escrita na escola por muito tempo foi vista como


obrigação, como cumprimento de uma demanda, algo engessado,
desprovido de significado para o estudante-autor e distante de sua
realidade. Estudos nesse direcionamento apontam que as aulas de língua
portuguesa ainda estão distantes do real papel de língua enquanto um
instrumento que ancore os indivíduos para as práticas reais no meio
social; tais aulas são cansativas e constituem-se em meras repetições,
descontextualizadas, da prescrição da gramática tradicional. Isso nos
assegura Ferrarezi Jr. e Carvalho (2015) ao postular que “o ensino da
escrita no Brasil tem sido assistemático, esparso e tratado como uma
espécie de conteúdo sem prioridade, um segundo plano em relação aos
conteúdos programáticos teóricos, especialmente, em relação às coisas
chamadas gramaticais” (FERRAREZI JR.; CARVALHO, 2015, p.
15) bem como aponta ainda que
Muito infelizmente, podemos constatar que o ensino
da escrita no Brasil, quando acontece, é mesmo um
ensino do tipo “vai escrever”. Com um “vai escrever”

6
Mestre em Linguística e Ensino (UFPB). Professor (SME - São José do Egito – PE).
CV: http://lattes.cnpq.br/1417394158108828
7
Doutor em Linguística (UnB). Professor adjunto do departamento de língua portuguesa e linguística
(UFPB). CV: http://lattes.cnpq.br/6418588531824212
43
ninguém aprender a escrever. As coisas do redigir, ou
seja, as habilidades implicadas na competência do
escrever, têm de ser ensinadas de forma sistemática,
constante, metódica, progressiva (FERRAREZI JR.;
CARVALHO, 2015, p. 15).

Diante disso, surge a necessidade de a escola trabalhar com


textos que propiciem a interação do estudante com seu meio de con-
vívio, mostrando que o texto escrito é a ampliação do registro do dia
a dia. Para tanto, é essencial que o professor perceba a importância
da realização de atividades direcionadas e reais para os momentos
de produção escrita dos gêneros textuais. Nesse prisma, a produção
textual deve partir da ideia de que os textos têm alguma função e que
serão lidos e ouvidos por outras pessoas, partindo ainda de situações
diversificadas e contextualizadas com a vivência do aluno, atrelando
o seu dia a dia ao produto de sua produção.
As exigências da sociedade cada vez mais multimidiática,
demandam da escola e consequentemente do professor sólida for-
mação para lidar com as novas formas dos textos em suas delineações
multimodais, e não é novidade dizer que o professor ainda não está
preparado para lidar com a produção textual embasada nas novas
facetas da mídia (RIBEIRO, 2020). Pensar a produção textual den-
tro do viés multimodal é pensar a inserção do indivíduo dentro de
uma sociedade digital e mutável.
Pensando no papel e nos usos dos textos multimodais dentro
da sala de aula, esta pesquisa tem por objetivos investigar como tem
sido colocada em prática a produção de textos multimodais para o
ensino fundamental conforme prevista na Base Nacional Comum
Curricular – BNCC (BRASIL, 2017); trazer contribuições signifi-
cativas para o campo das pesquisas na área acadêmica concernente à
produção escrita multimodal; destacar a relevância da produção dos
textos multimodais na prática de sala de aula do professor de língua
portuguesa; e por fim apresentar as contribuições trazidas pela BNCC
acerca da produção de textos multimodais.
44
Nossa pesquisa tem demonstrado que grande parte da produção
acadêmica que consta na base de dados Google acadêmico a partir do
tema de pesquisa produção de texto multimodal, com o limite de tempo
do ano de 2018 até o presente momento só consta artigos com maior
ênfase na leitura do texto multimodal ou ainda aqueles que se detém a
produção /leitura de um gênero específico. Apenas dois trabalhos foram
levados em consideração tomando como base a pesquisa realizada. Os
trabalhos com maior relevância para esta pesquisa foram encontrados
no Google acadêmico, sendo uma dissertação de mestrado do Programa
de Pós-graduação em Ensino, Linguagem e Sociedade da UNEB,
publicado no ano de 2021. Neste trabalho intitulado “A Autoria na
Produção de Textos Multimodais: uma proposta para a constituição
do(a) aluno(a)-autor(a) nos anos finais do Ensino Fundamental”, a
autora, por meio do desenvolvimento de oficinas de produção de texto
multimodal procurou compreender o papel da autoria e sua consti-
tuição a partir da produção de textos multimodais com foco em uma
turma do 9º ano do ensino fundamental de uma escola municipal
do estado da Bahia. Nesta pesquisa a autora traz uma metodologia
baseada em estudos bibliográficos com aporte teórico em defesa da
autoria na produção textual, bem como o uso da “Pesquisa Crítica de
Colaboração (PCCol), tendo em vista que essa abordagem contempla
a relação entre os sujeitos e o contexto criado pelos participantes em
uma relação de colaboração, que envolveu em sua ação diagnóstica e
formativa [...]” (LESSA, 2021, p. 23). Toda a metodologia e estudos
realizados nesta pesquisa apontam para a constituição do estudante
durante a produção textual como aluno(a) autor(a).
O segundo trabalho encontrado no repositório de teses e dis-
sertações da UFAL – Universidade Federal de Alagoas é intitu-
lado a “A produção de textos multimodais com foco no cotidiano
de alunos do 9º ano” de autoria de Silva (2019) foi defendido como
dissertação do mestrado em rede nacional – PROFLETRAS pela
Universidade Federal de Alagoas no ano de 2019. Neste trabalho

45
observamos que a ênfase foi dada tanto na produção como na leitura
de textos multimodais partindo do uso das tecnologias digitais para
promoverem o multiletramento.
A pesquisadora utilizou a pesquisa etnográfica para dar vida a seu
trabalho. Durante a pesquisa houve a criação de blogs, roda de conversas
por meio de ferramentas digitais, uso de diário de bordo e produções
multimodais com uso de celulares. Os encaminhamentos da pesquisa
demonstram que grande parte dos alunos mostram-se mais interessados
durante as aulas partindo da ideia de uso de seu contexto sociocultural
e identitário, bem como quando o repertório de leitura e produção
dos textos multimodais pertencem ao centro de interesse do alunado
Na base de dados Scielo com a pesquisa intitulada produção de
textos multimodais a partir do ano 2018 até o presente momento não
houve produção com o título sugerido, há pesquisas apenas no que
diz respeito a leitura do texto multimodal.
Partindo destas contações observamos que as produções aca-
dêmicas no que diz respeito a produção textual multimodal ainda
não está tão amplamente desenvolvida. Assim, tomamos como jus-
tificativa a produção textual multimodal com ênfase na Base Nacio-
nal Comum Curricular tendo em vista se tratar de uma pesquisa
pioneira que conjuga a produção textual multimodal apontada pela
BNCC, bem como traz apontamentos de como tem ocorrido as pro-
duções multimodais em sala de aula.
Nesse sentido, propomos os seguintes questionamentos concer-
nentes a produção de textos escritos, em especial aos textos multimodais
na sala de aula: sobre os textos multimodais, o que está proposto na
BNCC (BRASIL, 2017)? Quais desafios são colocados aos docentes,
frente ao uso dos textos multimodais?
Trazemos à luz os questionamentos propostos acima uma vez que
a BNCC nos coloca frente ao desafio da produção do texto multimo-
dal na sala de aula, e que cada vez mais nossos estudantes entram em

46
contato com as diferentes mídias e nisso a escola não pode ser omissa
com a introdução do estudante frente as multissemioses dos textos.

PRODUÇÃO DE TEXTO ESCRITA MULTIMODAL NOS


ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL E A BASE
NACIONAL COMUM CURRICULAR

A BNCC (BRASIL, 2017) está organizada em cinco tópi-


cos principais, sendo estes: 1-Introdução, apresentando os aspectos
introdutórios e históricos do documento; 2 Estrutura da BNCC, na
qual se elenca a estrutura organizacional de cada etapa da educação
básica contida no documento como campos de atuação e áreas do
currículo; no item 3- Etapa da Educação Infantil, apresenta os campos
de experiências para esta etapa, bem como a organização estrutural
da etapa na educação básica; no item 4-Etapa do Ensino Funda-
mental, contendo todas as áreas do currículo e ainda a subdivisão
entre anos iniciais e anos finais, no qual nos deteremos neste último
mais precisamente no eixo de Produção Textual, nesta seção há um
recorte com as competências básicas para cada etapa e para cada área
do conhecimento; o último item 5-Etapa do Ensino Médio, traz as
competências específicas da etapa e sua organização.
A BNCC aponta uma diversidade de competências a serem
desenvolvidas na educação básica pelos estudantes ao longo dos anos
de estudos, na área de língua portuguesa. Especificamente para o
ensino fundamental, a BNCC apresenta as seguintes competências:
1. Compreender a língua como fenômeno cultural,
histórico, social, variável, heterogêneo e sensível aos
contextos de uso, reconhecendo-a como meio de cons-
trução de identidades de seus usuários e da comunidade
a que pertencem. 2. Apropriar-se da linguagem escrita,
reconhecendo-a como forma de interação nos diferentes
campos de atuação da vida social e utilizando-a para
ampliar suas possibilidades de participar da cultura

47
letrada, de construir conhecimentos (inclusive escolares)
e de se envolver com maior autonomia e protagonismo
na vida social. 3. Ler, escutar e produzir textos orais,
escritos e multissemióticos que circulam em diferentes
campos de atuação e mídias, com compreensão, auto-
nomia, fluência e criticidade, de modo a se expressar
e partilhar informações, experiências, ideias e senti-
mentos, e continuar aprendendo. 4. Compreender o
fenômeno da variação linguística, demonstrando atitude
respeitosa diante de variedades linguísticas e rejeitando
preconceitos linguísticos. 5. Empregar, nas interações
sociais, a variedade e o estilo de linguagem adequados à
situação comunicativa, ao(s) interlocutor(es) e ao gênero
do discurso/gênero textual. 6. Analisar informações,
argumentos e opiniões manifestados em interações
sociais e nos meios de comunicação, posicionando-se
ética e criticamente em relação a conteúdos discrimi-
natórios que ferem direitos humanos e ambientais.
7. Reconhecer o texto como lugar de manifestação e
negociação de sentidos, valores e ideologias. 8. Sele-
cionar textos e livros para leitura integral, de acordo
com objetivos, interesses e projetos pessoais (estudo,
formação pessoal, entretenimento, pesquisa, trabalho
etc.). 9. Envolver-se em práticas de leitura literária que
possibilitem o desenvolvimento do senso estético para
fruição, valorizando a literatura e outras manifestações
artístico-culturais como formas de acesso às dimensões
lúdicas, de imaginário e encantamento, reconhecendo
o potencial transformador e humanizador da experiên-
cia com a literatura. 10. Mobilizar práticas da cultura
digital, diferentes linguagens, mídias e ferramentas
digitais para expandir as formas de produzir sentidos
(nos processos de compreensão e produção), aprender
e refletir sobre o mundo e realizar diferentes projetos
autorais (BRASIL, 2017, p. 87).

Todas as competências elencadas pela BNCC trazem em si


aspectos a serem trabalhados em toda a etapa do ensino fundamental
48
propiciando a base de todo o conhecimento desta etapa e da disciplina
de língua portuguesa a serem construídos pelos alunos. Nas compe-
tências elencadas, o documento traz aspectos com elevada relevância
para a noção do estudante enquanto sujeito participante de todo
o processo de interação, criando situações para que ele possa atuar
conscientemente no meio social, tal como o uso dos textos multimo-
dais e as novas tecnologias (competência 10). Nesse tocante, como
indivíduo, o estudante necessita compreender o papel da autonomia
e da argumentação para expor-se e fazer uso adequados das mídias e
de todas as habilidades que a língua dispõe para atingir os seus obje-
tivos pretendidos (ANTUNES, 2009).
É notável a importância atribuída à produção textual multimodal
no Ensino Fundamental pela BNCC, o que se verifica nas competências
2, 3 e 10. Nelas o texto tem seu lugar privilegiado pelas interações que
estes propiciam através das multissemioses; assim, nessas competências
apresenta-se a importância da produção textual escrita enquanto lugar
de identidade do aluno e de ampliação da participação da cultura letrada.
O documento apresenta a reorganização das práticas de lin-
guagens, dos objetos de conhecimentos e das habilidades em cam-
pos de atuação, nomenclatura não utilizada em documentos nor-
matizadores anteriores à BNCC.
Assim, na BNCC, a organização das práticas de lin-
guagem (leitura de textos, produção de textos, oralidade
e análise linguística/semiótica) por campos de atua-
ção aponta para a importância da contextualização do
conhecimento escolar, para a ideia de que essas práticas
derivam de situações da vida social e, ao mesmo tempo,
precisam ser situadas em contextos significativos para
os estudantes (BRASIL, 2017, p. 84).

A intenção do uso dos campos de atuação é acima de tudo


elencar o trabalho com os gêneros textuais principalmente em seus
contextos de usos, e que o estudante observe a relação entre o texto em

49
uso e o contexto em que se encontra o gênero e que acima de tudo que
esta prática seja significativa para o estudante. Os campos de atuação
inseridos para os anos finais do ensino fundamental são quatro: campo
jornalístico-midiático, campo de atuação na vida pública, campo das
práticas de estudo e pesquisa e campo artístico-literário.
Nesse sentido, Brasil (2017) concernente ao uso dos campos
de atuação afirma que:
Compreende-se, então, que a divisão por campos de
atuação tem também, no componente Língua Por-
tuguesa, uma função didática de possibilitar a com-
preensão de que os textos circulam dinamicamente
na prática escolar e na vida social, contribuindo para
a necessária organização dos saberes sobre a língua e
as outras linguagens, nos tempos e espaços escolares
(BRASIL, 2017, p. 85).

A BNCC aponta que, nos anos finais do ensino fundamental, os


estudantes estão cada vez mais em contato com situações comunicativas
diversas, interagindo de novas formas e olhares com pessoas novas e
com novas situações, nesse sentido a prática docente nas escolas deve
primar pela preparação do aluno para a grande diversidade das novas
experiências comunicativas e interacionais (BRASIL, 2017).
O primeiro campo, jornalístico-midiático, busca incrementar o
repertório dos alunos no tocante às informações e opiniões para que
estes sejam capazes de posicionar-se em relação aos temas de seu
interesse. Assim, neste campo pretende-se ainda:
[...] propiciar experiências que permitam desenvolver
nos adolescentes e jovens a sensibilidade para que se
interessem pelos fatos que acontecem na sua comuni-
dade, na sua cidade e no mundo e afetam as vidas das
pessoas, incorporem em suas vidas a prática de escuta,
leitura e produção de textos pertencentes a gêneros
da esfera jornalística em diferentes fontes, veículos e
mídias, e desenvolvam autonomia e pensamento crítico
50
para se situar em relação a interesses e posicionamentos
diversos e possam produzir textos noticiosos e opinati-
vos e participar de discussões e debates de forma ética
e respeitosa (BRASIL, 2017, p. 140).

O foco principal neste campo é o envolvimento do estudante


dos anos finais do ensino fundamental com práticas reais de convívio
com as mais diversas modalidades dos textos através da mídia e que
este contato seja de forma crítica e autônoma, partindo da produ-
ção escrita, e que o estudante possa posicionar-se frente às opiniões
e discussões colocadas pelos gêneros deste campo. Nesse campo o
eixo de produção de texto apresenta um total de quatro objetos de
conhecimento (relação do texto com o contexto de produção e expe-
rimentação de papéis sociais; textualização; revisão/edição de texto
informativo e opinativo; e planejamento de textos de peças publici-
tárias de campanhas sociais), nos quais se destacam as habilidades do
aluno de publicar textos multimodais nos diversos gêneros textuais
para que ele possa se colocar no papel de ator deste processo de pro-
dução da matéria jornalística, bem como compreender as condições
de produção desta esfera de circulação. Há ainda a habilidade concer-
nente à revisão do texto já produzido, uma habilidade que requer do
escritor a retomada de conceitos linguísticos e inerentes ao contexto
de produção do gênero pretendido, tornando-o mais adequado para
atender ao seu objetivo comunicativo.
Aqui se insere a importância da habilidade da revisão textual
colocada por Passarelli (2012), uma vez que oportuniza ao aluno o
retorno imediato ao seu texto para que possa rever, reescrever e melho-
rá-lo. Uma última habilidade para o eixo de produção neste campo de
atuação é o planejamento prévio de textos a serem produzidos pelos
alunos; assim, pretende-se que o estudante possa aperfeiçoar cada vez
mais suas habilidades de escrita.
O segundo campo de atuação que a BNCC apresenta para os
anos finais é o campo de atuação da vida pública, o qual se destina a

51
“ampliar e qualificar a participação dos jovens nas práticas relativas ao
debate de ideias e à atuação política e social [...]” (BRASIL, 2017, p.
146). Este campo apresenta um objeto de conhecimento (textualiza-
ção, revisão e edição); assim, o trabalho com a produção escrita nesse
campo privilegia as habilidades de produção e revisão de textos com
objetivos reivindicatórios no tocante à resolução de problemas do dia
a dia da escola ou ainda do contexto do estudante.
Tanto as habilidades quanto o objeto de conhecimento desse
campo pretendem levar o estudante a ser sujeito ativo nas mais diversas
situações em que ele se envolve em seu contexto e busca ainda incutir
no aluno habilidades que façam com que ele possa posicionar-se e usar
suas produções textuais para a resolução de problemas reais em situações
reais; para tanto, busca agregar no estudante a ideia de comunidade.
No terceiro campo de atuação, a BNCC apresenta o campo
das práticas de estudo e pesquisa, campo que, assim como os demais,
perpassa desde os anos iniciais. Esse campo pretende “ampliar e qua-
lificar a participação dos jovens nas práticas relativas ao estudo e à
pesquisa” (BRASIL, 2017, p. 150); assim, privilegia-se o trabalho com
três objetos de conhecimento (consideração das condições de produção
de textos de divulgação científica; estratégias de escrita: textualização,
revisão e edição; e estratégias de produção) que colocam o estudante
diante da qualificação e ampliação de sua participação em práticas
de estudo e pesquisa e o desenvolvimento de habilidades inerentes a
esfera científica, pesquisa, estudo e divulgação de conhecimento.
Todas as habilidades a serem desenvolvidas nesse campo propi-
ciam ao estudante a atuação produtiva e crítica na esfera do estudo e
científica em sua vida cotidiana, propiciando ainda que este produza
e compartilhe novos conhecimentos adquiridos com seus pares numa
relação de interação e reciprocidade mútua.
O campo artístico-literário apresenta-se como o quarto e último
campo de atuação referente à organização da Base para os anos finais
do ensino fundamental, neste campo pretende-se possibilitar aos
52
estudantes “o contato com as manifestações artísticas e produções
culturais em geral, e com a arte literária em especial, e oferecer as
condições para que eles possam compreendê-las e fruí-las de maneira
significativa e, gradativamente, crítica” (BRASIL, 2017, p. 156). Assim,
o objetivo da base é encaminhar o estudante a ter contato com as
mais diversas manifestações artísticas, principalmente a literária,
habilidades já desenvolvidas nos anos iniciais, pretendendo que tais
habilidades sejam desenvolvidas de forma crítica e significativa. Esse
campo apresenta três objetos de conhecimento (relação entre textos;
consideração das condições de produção de textos; estratégias de
produção: planejamento, textualização e revisão/edição), nos quais as
habilidades desenvolvidas levam o estudante a adquirir o domínio da
retextualização, transformando um gênero dado em outro, prezando
pelas características de cada gênero, demandando assim habilidades
desenvolvidas em outras etapas da escolarização.
Podemos identificar o destaque do campo de atuação jorna-
lístico-midiático, o que se justifica pelo fato de que nesse campo se
produz uma diversidade de gêneros ainda mais próximas do dia a dia
dos jovens do ensino fundamental, sendo essas informações transmi-
tidas por meios multimodais, seja pelo rádio, televisão ou pela internet.
Dessarte, o ensino de produção textual almejado na BNCC para
os anos finais do ensino fundamental preza pelo trabalho principal-
mente pela dinamicidade dos gêneros textuais e pela sua constante
midiatização, apresentando cada vez mais textos involucrados pelas
multissemioses. Uma constante na BNCC referente à produção textual
é o apego ao trabalho com os textos multimodais, tendo em vista que
“são contempladas habilidades para o trato com o hipertexto e com
ferramentas de edição de textos, áudio e vídeo e produções que podem
prever postagem de novos conteúdos locais [...]” (BRASIL, 2017, p.
137). Destaca-se ainda o trabalho com o planejamento da produção
textual, tendo em vista que tal habilidade tem sido negligenciada na
educação básica, como já afirmamos, sendo tal habilidade colocada em

53
desuso pela prática de um ensino pautado em atividades meramente
gramaticais descontextualizadas (ANTUNES, 2009).
A produção de textos multimodais, segundo a Base
Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017, p. 76),
deve compreender as mais diversas práticas de produção
de usos da linguagem que se relacionam à “interação
e à autoria”, nesse sentido, sua aplicação nas diversas
modalidades do texto, seja ele oral, escrito e multis-
semiótico, deve abranger as mais diversas finalidades,
permitindo ao estudante aproximar-se ainda mais da
noção de autor autônomo de sua produção.

De acordo com a BNCC (BRASIL, 2017, p. 67), as aulas


de língua portuguesa devem assumir a centralidade do texto como
“unidade de trabalho” de forma que a produção textual seja sem-
pre atrelada aos contextos de produção com a utilização da diversi-
dade de mídias e semioses. Assim se assume que as novas práticas
de linguagem nos moldes dos textos multimodais envolvem “novas
formas de produzir, de configurar, de disponibilizar, de replicar e de
interagir” (BRASIL, 2017, p. 68).
Quando o professor traz à sua prática docente as novas tec-
nologias atreladas à produção textual, tende a melhorar a qualidade
dos textos produzidos pelo estudante e, por conseguinte, traz o texto
aos contextos de produção. Se pensarmos em relação à situação de
produção na sala de aula, podemos verificar que a sua qualidade está
efetivamente relacionada com o significado que tais propostas têm
na realidade social do aluno, ou seja, uma atividade sem significados
é então uma produção distante do dia a dia do educando. Quando
o aluno vê na produção textual um objetivo significativo ligado ao
seu entorno social, acaba atingindo resultados positivos. “Em outras
palavras, é importante, [...], que o texto não seja usado como mero
pretexto para o estudo da nomenclatura gramatical desvinculado da
atribuição de sentido” (PORTO, 2009, p. 29).

54
Diante disso, as atividades de produção devem ser ampliadoras
do contexto de atuação que o estudante tem, para que ele compreenda
a prática da escrita como algo ligado a seu dia a dia, levando-o a
questionamentos como: para que escrever? Para quem escrever? O que
escrever? E de que modo escrever? A introdução da escrita enquanto
multimodal e multissemiótica leva o aluno a perceber-se como autor
de um texto que faz relação à sua realidade e que o ato da escrita não
é apenas a materialização do texto, mas também planejamento, revisão
e consequentemente leitura pelo seu público-alvo.
Como reforço a essa discussão, Munhoz e Abreu (2019)
nos apresentam, no tocante à diversidade de metodologias com o
trabalho de produção textual, que
[...] a BNCC propõe que a escola trabalhe com gêneros
textuais mais conhecidos pelos estudantes e, portanto,
que se inserem na internet. Esses gêneros do presente
devem ser aliados às aulas. Como estratégia, o professor
pode trabalhar conteúdos já conhecidos ou familiari-
zados pelos estudantes e debater a linguagem utilizada
por eles, dialogar sobre o modo como estes gêneros do
presente são organizados e quais os princípios éticos
envolvidos. Dependendo do contexto, pode-se também
traçar táticas de possibilidades para que os estudantes,
também, produzam textos desses gêneros do presente
(MUNHOZ; ABREU, 2019, p. 83).

Ribeiro (2020) nos mostra que muito se tem feito em se tratando


de produções acadêmicas na área dos multiletramentos, embora ainda
percebamos que muito precisa avançar no tocante aos investimentos
reais dentro dos espaços escolares para a prática dos multiletramentos,
enquanto o Estado continua com a prática do
[...] não investimento na equipagem e na manutenção
de escolas públicas, subestimação do tema na formação
de professores/as, adiamento de ações mais práticas
voltadas aos usos benéficos das tecnologias, dificuldades

55
de pôr planos em prática, desinformação e preconceito
quanto a tecnologias na escola e ao ensino a distância,
etc. (RIBEIRO, 2020, p. 6).

As ideias trazidas na BNCC nos colocam frente ao desafio dos


textos multimodais e multissemióticos, mostrando ainda o desafio para
a compreensão e produção desses novos textos advindos da evolução
tecnológica também dentro das salas de aula. Isso deixa a escola frente
ao desafio de aprimorar, inovar sua didática. Não cabe mais diante
disso aquela produção engessada, fixa no objetivo de ver se o aluno
sabe escrever “corretamente”, herança de um passado distante. Roza e
Menezes (2019) não nos deixam olvidar que a introdução do uso das
mídias na produção de texto é um enorme desafio, desde a formação
docente – até certo ponto precária –, à alta evolução dos recursos
tecnológicos tendo em vista que a escola não tem acompanhado tal
avanço, bem como a “familiaridade dos estudantes com as mídias
digitais em sua rotina diária fora da escola” (ROZA; MENEZES,
2019, p. 125), o que deixa a prática docente em atraso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nossas discussões aqui levantadas convergem no direcionamento


do que nos assegura Passareli (2012), que a produção de textos nas
escolas continua sendo tomada como uma atividade de exercícios para
desenvolvimento somente da capacidade textual do sujeito, sendo
meramente atribuídas como exercício gramatical. Em contrapartida
a isso, a produção de texto deve ser compreendida como um trabalho
de reflexão que depende de diversas habilidades adquiridas pelo aluno
ao longo de sua vida estudantil, e é papel da escola criar situações pro-
pícias para que ele aprenda a escrever seus textos cada vez melhores.
Nesse sentido, pretende-se que o estudante seja um produtor
de textos que transforme a realidade, tomando posse de seu próprio
texto. Nas palavras de Silva e Luna (2015, p. 23), “sendo a língua

56
tida como lugar de interação, o sujeito é compreendido como agente
ativo na construção do sentido”.
O texto multimodal deve levar em conta a mistura de culturas
nas salas de aulas, bem como a multiplicidade dos textos e como
estes circulam nos diversos meios, seja nas redes sociais, no celular,
no tablet ou no laptop. Ainda para Rojo (2012), os multiletramentos
são estruturas textuais interativas e colaborativas. Eles acontecem
no aqui e no agora e sua produção subentende a ativa participação
de diversos atores nesse processo. Os multiletramentos também são
caracterizados por transgredirem as relações de poder demandadas
pelas configurações textuais convencionais, aqueles não se submetem
à noção de propriedade, de posse. Estes textos são o que Rojo chama
de “híbridos, fronteiriços, mestiços” (ROJO, 2012, p. 23). Nisso dis-
cernimos que os multiletramentos perpassam a noção de texto físico,
indo além das fronteiras das letras; são híbridos pelo seu caráter de
misturas de suas semioses e modalidades; são fronteiriços porque
perpassam as próprias estruturas do texto físico; e são mestiços porque
carregam em si muito da diversidade cultural na qual se propagam.
A Base Nacional Comum Curricular postula que as novas face-
tas dos gêneros textuais e das práticas da cultura digital dentro das
salas de aulas da educação básica contribuem para que o aluno e suas
práticas de linguagens tenham seu lugar na escola bem como permi-
tem que o estudante seja o autor de sua própria produção, passando
de mero usuário da língua a produtor do conhecimento, assim “a
BNCC procura contemplar a cultura digital, as diferentes lingua-
gens e os diferentes letramentos, desde aqueles basicamente lineares,
com baixo nível de hipertextualidade, até aqueles que envolvem a
hipermídia” (BRASIL, 2017, p. 70).

57
REFERÊNCIAS
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Editorial, v. 1, 2009.
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educação básica: o que saber, como fazer. 1 ed. - São Paulo : Parábola Editorial, 2015.
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Multimodais: uma proposta para a constituição do(a) aluno(a)-autor(a) nos anos finais
do Ensino Fundamental. 2021. 159 f. Dissertação (Mestrado Profissional em em Ensino
Linguagem e Sociedade) – Programa de Pós-Graduação em Ensino Linguagem e Socie-
dade - (PPGELS), UNEB – Universidade Estadual da Bahia DCHT - Departamento de
Ciências Humanas e Tecnologias Campus VI – Caetité – Bahia, 2021.
MUNHOZ, Renata ; ABREU, Aline. Os gêneros digitais nas aulas de língua portuguesa
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PORTO, Márcia. Um diálogo entre os gêneros textuais. Curitiba: Aymará, 2009.
RIBEIRO, Ana Elisa. Textos multimodais: leitura e produção. São Paulo: Parábola Edi-
torial, v. 1, 2016.
RIBEIRO, Ana Elisa. Que futuros redesenhamos? Uma releitura do manifesto da Pedagogia
dos Multiletramentos e seus ecos no Brasil para o século XXI. Diálogo das letras, Pau dos
Ferros, v. 9, p. 1-19, e02011, 2020.
ROJO, Roxane; BARBOSA, Jaqueline. Hipermodernidade, multiletramentos e gêneros
discursivos. São Paulo: Parábola Editorial, 2015.
ROJO, Roxane. Pedagogia dos Multiletramentos. in: ROJO, Roxane; MOURA, Eduardo.
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ROZA, Edleide Santos; MENEZES, Ângela Maria de Araújo. Multimodalide: ampliação
e ressignificação dos sentidos - novas conexões em ambiente escolar. In: AZEVEDO, Isabel
Cristina Michelan de; COSTA, Renata Ferreira. Multimodalidade e práticas de multile-
tramentos no ensino de línguas. São Paulo: Blucher, 2019. cap. 6, p. 123-145.
SILVA, Jéssica Pereira da; LUNA, Jéssica Simões e. Ensino de produção textual visando à
autoria: uma proposta para a construção da autonomia na escrita. Revista Prolíngua, João
Pessoa, v. 10, p. 18-34, Nov/dez 2012. ISSN 1983-9979.
SILVA. Karinne Michelle Florêncio da. A Produção de textos multimodais com foco no
cotidiano de alunos do 9º Ano. 2019. 185 f. Dissertação (Mestrado Profissional em Letras
em Rede Nacional) – Faculdade de Letras, Programa de Pós Graduação em Mestrado Pro-
fissional em Letras e em Rede Nacional, Universidade Federal de Alagoas, Maceió, 2019.

58
A ESCOLARIZAÇÃO DOS ALUNOS(AS)
SURDOS-NEGROS(AS)

Helleni Priscille de Souza Ferreira Oliveira8


Élida Soares de Santana Alves9
Fernanda Marcelo Souza10
Leia Silva Santos11
André Luiz de Alcântara Brandão12
Alan dos Santos Andrade Ferreira13
Roselin Angelita Dantas Reis14
Damaris Oliveira Souto15

INTRODUÇÃO

A educação de pessoas com surdez é uma pauta recorrente nas


discussões pedagógicas no Brasil. A Libras por exemplo, é uma abre-
viação relacionada a Língua Brasileira de Sinais, e é reconhecida como
linguagem gestual das pessoas surdas em duplicidade a comunicação
oral de pessoas surdas brasileiras. É utilizada pela comunidade surda
especialmente, como recurso linguístico norteador pedagógico que
garante a educação inclusiva nas escolas brasileiras.

8
Mestra em Ensino e Relações Étnicas-Raciais (UFSB). Tradutora Intérprete de Libras – PROLIBRAS
(IF Baiano). CV: http://lattes.cnpq.br/0170774841922552
9
Mestra em Educação (UFRRJ). Docente EBTT do Atendimento Educacional Especializado (IF
Baiano). CV: http://lattes.cnpq.br/7236854215589810
10
Mestranda em Educação em Ciências e Matemática (UESC). Revisora de Texto Braille (IF Baiano).
CV: http://lattes.cnpq.br/6054329727163854
11
Especialista em Libras (FAMESUL). Proficiente Libras–PROLIBRAS. Tradutora/Interprete de
Libras (IF Baiano). CV: http://lattes.cnpq.br/8873352745367684
12
Especialista em Ética e Filosofia (FINOM). Advogado sob o n° 54365 OAB/BA. Técnico em Assuntos
Educacionais (IF Baiano). CV: http://lattes.cnpq.br/3625323386735668
13
Pós-Graduado em Marketing e Gestão Estratégica (UCAM). Técnico de Tecnologia da Informação
(IF Baiano). CV: http://lattes.cnpq.br/7696482155417900
14
Especialização em Psicopedagogia Clínica e Institucional (FUNIP). Técnico-Pedagógico (IF Baiano).
CV: http://lattes.cnpq.br/6905784327311756
15
Mestranda em Economia Regional e Políticas Públicas (UESC). Coordenação NAPNE (IF Baiano).
CV: http://lattes.cnpq.br/3136114193854328
59
De acordo com esta concepção, a língua de sinais, é uma língua
de representação imagética das experiências de saberes formalizadas
pelos sinais e seus significados. Os estudantes com essas vivências apren-
dem maisfacilmente assim como os estudantes não surdos (ouvintes)
quando essas interpretações dos significados do mundo estão em sua
língua de comunicação, ou seja, Língua de Sinais. (QUADROS, 2013).
Além disso, a educação de pessoas surdas que também são
negras, desafia os muitos educadores nos espaços de sala de aula coti-
dianamente. Contudo, para muitos pesquisadores, a educação a partir
da decolonialidade da comunidade surda-negra, antirracista, inclusiva
e bilíngue - encontra ressonância cada vez mais com a realidade
vivenciada por esses indivíduos nos espaços formais e não formais de
educação na sociedade brasileira.
Portanto, a linguagem é a característica de um ser humano,
que interage com outros sujeitos e implica primordialmente refletir
sobre sua comunicação. Em virtude dos registros históricos e sociais
que esses sujeitos surdos-negros vivenciaram e, muitos ainda viven-
ciam, desde seus primórdios, os registros históricos trazem poucas
compreensões da sociedade acerca da melhor maneira para inclusão
e escolarização das crianças surdas. Como Frantz Fanon (2009, p.
81) sinaliza “Todo o mundo já o disse, para o negro a alteridade
não é o outro negro, é o branco”.

DESENVOLVIMENTO

A epistemologia da decolonialidade e da interculturalidade para


o ensino de crianças surdas negras, com propostas de revisitar as práxis
de ações cotidianas e profissionais, objetiva a reflexão sobre as práticas
pedagógicas e o modo como formaremos os nossos alunos(as) surdos(as)
negros(as). A intenção é observar se esses sujeitos serão apenas copistas
reprodutores de discursos excludentes ou serão atores e atrizes reflexivos,
conscientes, balizados em um ensino democrático laico e inclusivo. A

60
educação brasileira precisa refletir sobre as repetições de práticas no
ensino de surdos, práticas essas que tem deixado de fora essas vozes.
Nesse contexto, Candau (2013, p. 30) aponta duas características,
relacionadas às diferenças da cultura.
[...] a primeira é que ela faz tentando construir uma
nova postura, onde o confronto com diferentes correntes
pedagógicas é fundamental. Então, essa nova postura
vai sendo construída, de alguma forma, em confronto
com o que se costuma chamar pedagogia tradicional.
(CANDAU, 2013, p. 30).

Essa preocupação precisa alcançar todos os indivíduos que ele se


propõe a transformar por intermédio da escolarização. Mendes (2020)
afirma que decolonialidade e interculturalidade são dimensões episte-
mológicas complexas e que não devem atuar apenas no plano ideológico
epistémico. A autora nos diz ainda que decolonialidade e intercultura-
lidade são faces de uma mesma moeda, dimensões e movimentos que
estão sempre se retroalimentando, são epistemologias e modos de ação
que não devem ser balizados em uma estrutura eurocêntrica colonial.
Freitas (1998, p. 91) afirma que:
[...] uma criança interage como mundo através da lin-
guagem, na criança surda essa interação é diferente,
necessitando que o próprio ambiente se adapte a ela
de uma forma compensatória, permitindo-lhe outra
alternativa para o seu desenvolvimento. [...] alunos
surdos devem trabalhar a linguagem como um signifi-
cativo modo de comunicação e interação com os outros,
usando todos os possíveis instrumentos e atividades
sígnicas. (FREITAS 1998, p. 91).

Portanto, a criança surda, em geral, nasce em famílias de


pessoas não surdas que por consequência, utilizam um canal de
comunicação diferente, de modalidade oral-auditivo, assim, essas

61
crianças surdas ficam expostas somente ao português oral e escrito
desde a infância (ALMEIDA, 2009).
De acordo com esta percepção, o conhecimento da trajetória
educacional dos surdos faz com que seja possível depreender mais
sobre o processo de segregação social ao qual muitos ainda são sub-
metidos, sendo duplamente marginalizados: pela sua condição auditiva
e étnica. Por isso, este estudo também se refere às diferenças, onde
essas se tornam uma espécie de marca na vida dos sujeitos que as
possuem; marcas que, na maioria das vezes, os coloca em posição de
desvantagem em relação aos ditos “normais”, fazendo com o que os
diferentes sejam vistos como inferiores
No pensamento de Buzar (2012), ele aborda em sua pesquisa as
adversidades que os surdos negros vivenciam em relação ao preconceito
intrinsecamente ligados à raça e à surdez em variados ambientes, como
na escola, na família, entre amigos, dentre outros espaços.
Portanto, tais proposições estruturais e sociais vêm reforçando,
ao longo dos tempos, a dupla desvantagem que esse alunado enfrenta
no acesso à escola, permanência e conclusão dos estudos no ensino
público, principalmente em cidades interioranas onde a educação é
mais precarizada devido à falta de investimento do poder público.
Por isso, essa a efetivação dessa discussão, tem como premissas refletir
sobre as problemáticas dos alunos(as) surdos(as) negros no tocante
da ausência da usualidade da língua Libras no processo de escola-
rização nos espaços de formação.
Desta forma, como explica Monteiro (2006, p. 279), devido à sua
condição de surdez e de raça, as crianças desde muito novas conhecem
a exclusão nos espaços sociais, ou seja, em suas famílias e também nos
espaços formais de ensino. Podemos destacar algumas dessas pro-
blemáticas enfrentadas por esses indivíduos como, por exemplo, não
compreendem efetivamente a fala dos pais e irmãos, não são estimu-
ladas a todo tempo em uma língua “alfabética” como crianças ouvintes
e serem visualizadas muitas vezes como crianças agressivas, porque, ao
62
tentarem se comunicar, emitem sons altos, que os caracterizam como
“inquietos”, “nervosos” e “doentes” Uma cultura determinada pelo con-
texto sócio-histórico. Dessa forma, desde criança somos empurrados
pelo racismo estrutural, que permeia as nossas relações sociais.
No imaginário coletivo dos educadores o fracasso é produ-
zido, predominantemente, por ‘culpa’ do aluno que, segundo muitos:
é pouco inteligente, com problemas de comportamento, defasado
intelectualmente, é oriundo de famílias muito pobres, desajusta-
das, e sem exemplos domésticos a serem seguidos, como ideais de
vida (CARVALHO, 2007, p. 124).
Dessa maneira e concordando com autor/autora, na maioria dos
casos, quando as crianças surdas ingressam na escola, são desafiados
primeiramente a aprenderem a ler e escrever em português, mesmo sem
nem mesmo terem adquirido sua própria língua considerada materna,
a língua de sinais. Além disso, muitas também não foram ensinadas
sobre igualdade racial e cultural, dessa maneira, têm dificuldades para
defenderem sua identidade enquanto sujeito minoritário em um espaço
excludente. – gerando atrasos na construção de identidade, cultura e
desenvolvimento pois parte-se do princípio que o ser humano aprende
e se desenvolve a partir das interações com o outro que são media-
das pela língua (OLIVEIRA, 2018).
Entretanto, Bruno (2008) pondera que, apesar dos avanços
das políticas públicas, principalmente, das ações afirmativas, que
incluem a implementação das leis n° 10.639/2003 e n° 11.645/2008,
que modificaram a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB), tornando obrigatório o ensino da História da África e Cultura
Afro-Brasileira, além da Lei de Libras n° 10436/02 e do Decreto n°
5626/05, o espaço escolar continua sendo reflexo de uma sociedade
preconceituosa que, guiada por um discurso de inclusão e igualdade,
desconsidera a identidade, a língua e a etnia dos sujeitos envolvi-
dos nos processos de formação .

63
Ora, a maioria dos casos, quando as crianças surdas ingressam
na escola, são desafiados primeiramente a aprenderem a ler e escrever
em português, mesmo sem nem mesmo terem adquirido sua própria
língua considerada materna, a língua de sinais. Além disso, muitas
também não foram ensinadas sobre igualdade racial e cultural, dessa
maneira, têm dificuldades para defenderem sua identidade enquanto
sujeito minoritário em um espaço excludente.
Nesse contexto, acentua-se ainda mais quando esses alunos
surdos-negros chegam à escola com a idade avançada, adolescentes
ou adultos e precisam lidar com situações de preconceitos, bullying e
chacotas. Escolas, predominantemente, de pessoas não surdas e brancas,
ou seja, ouvintes que desconhecem a Libras e geralmente desrespeitam
sua raça, sua cultura e sua identidade, impondo-lhes a uma padroniza-
ção hegemônica que dificulta a escolarização. Por conta disso, muitos
alunos desistem antes de concluírem o ensino básico. Dessa forma,
desde criança somos empurrados pelo racismo estrutural, que permeia
as nossas relações sociais, como assinala Silva (2000).
É importante ratificar que, a educação das relações Étnico-Raciais
tem por alvo a formação de cidadãos, mulheres e homens empenhados
em promover condições de igualdade no exercício de direitos sociais,
políticos, econômicos, dos direitos de ser, viver, pensar, próprios aos
diferentes pertencimentos étnico-raciais e sociais. Em outras palavras,
persegue o objetivo precípuo de desencadear aprendizagens e ensinos
em que se efetive participação no espaço público. Isto é, em que se
formem homens e mulheres comprometidos com e na discussão de
questões de interesse geral, sendo capazes de reconhecer e valorizar
visões de mundo, experiências históricas, contribuições dos diferentes
povos que têm formado a nação, bem como de negociar prioridades,
coordenando diferentes interesses, propósitos, desejos, além de propor
políticas que contemplem efetivamente a todos. (SILVA, 2000, p. 190).
Diante disso, esse processo dificulta a percepção, a construção e
a valorização de uma identidade étnico-racial diversificada, ao mesmo
64
tempo que fortalece a imposição de padrões á preestabelecidos. A
linguagem é a forma do ser humano interagir com outros sujeitos. No
processo de comunicação entre surdo-surdo e surdo-ouvinte é possível
perceber que há diferenças significativas. “A visão dicotômica centra-se
na separação de teoria e da prática “dentro deste esquema, corresponde
aos ‘teóricos’ pensar, elaborar, refletir, planejar e, aos ‘práticos’ executar,
agir, fazer” (CANDAU, 2013, p. 60).
Atualmente, no Brasil, é possível diagnosticar um expressivo quan-
titativo de pessoas surdas-negras e com deficiência auditiva. Segundo o
IBGE (2010), os pretos e pardos representam respectivamente 50,9%
da população. A maior parte da população brasileira é negra e deveria
estar ocupando todas as estruturas da sociedade, o que não acontece
atualmente, visto que a população negra ainda é minoria nas universi-
dades, nos órgãos públicos e nas esferas estatais na sociedade brasileira.
Se pensarmos sobre um indivíduo negro que ainda apresenta algum
tipo de deficiência essa realidade se torna ainda mais cruel/caótica.
Assim, facilmente visualizamos no dia a dia: um expressivo
número de pessoas surdas e negras não só no Brasil. Isso reforça ainda
mais a necessidade de políticas que visibilize essa população. Nas esco-
las, surdos sofrem para além das questões clínicas e de acessibilidade;
pois ainda não encontramos um ensino que seja pautado nas vivências
surdas e nem em suas histórias africanizadas. As disciplinas de histó-
rias não mencionam o contexto de luta de seus(as) alunos surdos(as)
negros(as). Não há sequer interação na comunicação entre professor
e seu aluno surdo. A segregação não é física, mas é, principalmente,
social e linguística. A escola é um espaço que deve garantir os direitos
de acesso e permanência escolar e não somente pautado no AEE.
Ou seja, o AEE, não deve ser o único momento que o aluno é
visibilizado na escola. O serviço precisa ser um complemento da escola
comum, direcionando os atendimentos de acordo com as especificidades
e as necessidades de cada um, retomando atividades que fortalecem
a identidade e cultura do aluno
65
É importante memorarmos que, há aproximadamente 30 anos,
era muito difícil encontrarmos pessoas com deficiência incluídas em
rede regular de ensino. Essa situação é completamente diferente
atualmente. Naquele tempo não se discorria sobre o direito desses
sujeitos serem incluído ou não em rede regular; até porque as pessoas
com deficiência eram segregadas e excluídas da coletividade e de
ambientes que apresentavam “pessoas com normalidade”, ações essas,
que muito contribuía com uma sociedade, os excluíam cada vez mais.
Assim, acreditava-se na ideia de que pessoas que apresentavam qualquer
tipo de limitação não estavam aptas para frequentar o mesmo ambiente
que pessoas “sem deficiências’’
Nesse contexto, ainda que os (a) aluno(a) surdo(a) e negro(a), ao
ser matriculado em uma escola comum, em que não tenha uma política
linguística bilíngue em uso, está sujeito a um processo de exclusão, já
que por não ser compreendido em sua língua de sinais, seja durante as
aulas seja nos espaços comuns da escola, não conseguirá ser atendido
em suas dificuldades ou anseios, ou seja, não terão “voz’’. A falta de for-
mação de profissionais da educação que desconhecem as singularidades
linguísticas da comunidade surda e suas representações étnicas, com os
quais os alunos convivem constantemente, faz com que esses discentes
sejam encarados como sujeitos que devem ser reparados socialmente.
Por isso, os professores acabam aprovando-os independentemente
do rendimento obtido pelos alunos. Além disso, estar matriculado não
deve ser somente uma garantia de que o acesso à educação foi dis-
ponibilizado e de que os alunos serão aprovados; mesmo se questões
sociais importantes de identidade e de cultura não forem fomenta-
das. Como podemos observar nas informações, a maioria dos alunos
surdos acabem sendo aprovados pelo conselho de classe, e ainda não
apresentam fundamentos documentados que justificam esse processo
avaliativo excludente, o que reforça os estigmas históricos exclusivos
e os predestina a uma educação seletiva.

66
CONSIDERAÇÕES

Diante disso, a marca indelével imposta socialmente que é a sua


condição étnica e surda, além de serem nomeados como diferentes
e, em muitos momentos, como incapazes. Esses estigmas reforçam
ainda mais um processo desigual de escolarização e contribuem para
um aprendizado mais precarizado. Dessa maneira, esse público tem
necessidades abrangentes quanto à garantia de seus direitos de inclu-
são, afirmação e fortalecimento de sua identidade. É de necessidade
urgente mais discussões que abordem temáticas surdas decoloniais
que, viabilizem práticas pedagógicas fundamentadas em um currículo
aberto à diversidade humana, e contribuía para uma maior autoestima
dos estudantes, pois todo o processo inclusivo possibilitará, a criação
de pontes facilitadoras que tornam o processo de escolarização mais
diverso, inclusivo e afetivo. Além de, fortalecer a militância bilíngue/
escolar, com a certeza de que toda criança tem o direito de se identificar
com a sua língua materna, seus pares linguísticos e ter esta identificação
aceita e respeitada pelos outros.

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, J. D. Inclusão do aluno com deficiência auditiva: um desafio à família e aos
profissionais da educação. Monografia (Especialização em Desenvolvimento Humano,
Educação e Inclusão Escolar) UAB/UnB-IP, Brasília, 2009.
BUZAR, Francisco José Roma. Interseccionalidade entre raça e surdez: a situação de surdos
(as) negros (as) em São Luís - MA., il. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade
de Brasília, Brasília, 2012, 155 f.
CARVALHO, Rosita Edler; Educação Inclusiva: Com os Pingos nos “IS”. 5. ed. Porto
Alegre: Mediação, 2007.
CANDAU, Vera Maria (Org). Rumo uma Nova Didática. 23. ed. Petrópolis: Vozes, 2013.
FREITAS, M. T. A. Desenvolvimento e linguagem: diferentes perspectivas de um tema
vygotskyano. In: FREITAS, Maria. T de. A. (org.). Vygotsky: um século depois., Juiz de
Fora: EDUFJF, 1998.

67
IBGE. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo
Demográfico: características gerais da população, religião e pessoas com deficiência. Rio de
Janeiro, 2010.
QUADROS, R. M.de. Educação de surdos: A aquisição da linguagem. 1997. Revista de
Ciências e Educação, A americana, ano. xv, v. 02, n. 29, p. 139-148, Porto Alegre, 2013.
MONTEIRO, M. S. História dos movimentos dos surdos e o reconhecimento da Libras no
Brasil. EDT - Educação Temática Digital, v. 7, p. 279-289, 2006.
SILVA, Delma Josefa. AFRODESCENDÊNCIA E EDUCAÇÃO: a concepção identitária
do alunado. Dissertação (Dissertação em Educação) – Universidade Federal de Pernambuco,
Recife, 2000, p. 190.
OLIVEIRA, Helleni Priscille de Souza Ferreira. Pais ouvintes de filhos surdos: perspectivas
entre dois mundos. Revista Virtual de Cultura Surda, n.24, 2018.

68
UMA REVISÃO SISTEMÁTICA DE
LITERATURA SOBRE O CONCEITO DE
FUNÇÃO USANDO A LENTE DA TEORIA
ANTROPOLÓGICA DO DIDÁTICO

Jefferson Dagmar Pessoa Brandão16


Iracema Campos Cusati17

INTRODUÇÃO

A Revisão Sistemática de Literatura (RSL) consiste, para Gal-


vão e Pereira (2014, p. 183), em “[...] um tipo de investigação focada
em questão bem definida, que visa identificar, selecionar, avaliar e
sintetizar as evidências relevantes disponíveis [...]” de determinado
tema de interesse, a fim de auxiliar, segundo Brizola e Fantin (2016),
em duas vertentes, ter clareza das principais questões teórico-me-
todológicas abordadas sobre o tema investigado e compor o cor-
pus que permitirá conhecer o que foi pesquisado sobre o tema nos
anos anteriores a pesquisa atual.
A RSL é uma modalidade de pesquisa científica composta por
objetivos próprios, problematização, metodologia, resultados e con-
clusão, o que significa dizer que vai além de uma revisão de literatura
usual, pois segue protocolos específicos visando apresentar logicidade
a um grande conjunto de pesquisas, segundo Galvão e Ricarte (2019).
Portanto, é um desenho de pesquisa científica ordenada que utiliza
como fonte de dados a literatura sobre tema especifico e de inte-
resse. A RSL é caracterizada por uma análise cuidadosa da literatura
selecionada e se desenvolve por meio de busca fundamentada com
critério de inclusão e exclusão.

16
Doutorando em Educação Matemática e Tecnológica – EDUMATEC (UFPE). Professor (IFPB).
CV: http://lattes.cnpq.br/6743103980451012
17
Doutora em Educação (FEUSP). Professora Permanente do PPGFPPI (UPE) e do EDUMATE
(UFPE). CV: http://lattes.cnpq.br/2629444811211201
69
A elaboração de uma RSL, sobre determinado objeto de investi-
gação é importante para evidenciar o que vem sendo pesquisado sobre
o tema de interesse (GIL, 2002). No entanto, como afirma Mendes
e Pereira (2020), na área de Ensino e Educação Matemática não se
tem realizado revisões sistemáticas de Literatura que considerem
os critérios próprios dessa modalidade de busca. Se fossem usados
poderiam, segundo os referidos autores, orientar e facilitar o trabalho
do pesquisador como já vem ocorrendo na área de Ciência da Saúde.
Na Revisão apresentada neste capítulo empregamos as cinco
etapas propostas por Galvão e Ricarte (2019) que constituem a RSL
realizada acerca do conceito de Função sob a ótica da Teoria Antro-
pológica do Didático (TAD) como recurso de análise, quais sejam: i)
delimitação da questão a ser tratada na revisão; ii) seleção das bases de
dados; iii) elaboração de estratégias para busca avançada; iv) seleção
de textos e v) sistematização dos resultados.
O objetivo geral desta RSL foi identificar as contribui-
ções da TAD nas investigações que adotaram o conceito de
função como objeto de pesquisa.
Após essas considerações iniciais, a seguir é exposto o percurso
metodológico utilizado para definição, escolha e análise dos textos sele-
cionados em função do objeto de estudo e dos critérios metodológicos
para RSL; bem como um esboço analítico e as conclusões da pesquisa.

CRITÉRIOS METODOLÓGICOS

Para seguir as etapas da RSL, o objetivo da revisão foi iden-


tificar em teses e dissertações quais as contribuições da TAD nas
investigações que adotaram o conceito de função como objeto de
pesquisa, destacando os aspectos da teoria que são utilizados nas
investigações e como são utilizados.
A primeira etapa definida por Galvão e Ricarte (2019) é a
delimitação da questão a ser abordada. Para este estudo buscamos

70
compreender: Quais as contribuições da TAD nas dissertações e
teses defendidas a partir do ano de 2013 que adotaram o conceito de
Função como objeto de pesquisa?
Após a definição da pergunta, seguindo a próxima etapa pro-
posta por Galvão e Ricarte (2019), foi consultado o Catálogo de
Teses e Dissertações da CAPES.
Na terceira etapa, de elaboração de estratégias para busca avan-
çada (GALVÃO e RICARTE, 2019), foram definidos termos de busca
para a base selecionada. Nessa etapa, recorreu-se ao uso de elementos
de restrição, conforme indicado para as pesquisas de revisão do tipo
sistemática, cujos descritores utilizados combinaram as palavras-chave:
“Teoria Antropológica do Didático”, “Transposição Didática” e “Con-
ceito de função”. Para o cruzamento das palavras-chave utilizou-se os
operadores booleanos “AND” e “OR”.
Das dissertações e teses encontradas, foram selecionadas aquelas
que continham o conceito de Função como conteúdo investigado,
combinado com a Transposição Didática e a TAD. Nesta quarta etapa,
como sugerida por Galvão e Ricarte (2019), a seleção de textos pode
ser extensa. Nesta busca, a lista de dissertações e teses encontradas
somou setenta e, portanto, foram submetidas aos critérios de exclusão
de repetições que, por conta do uso dos booleanos e pela permuta das
palavras, restaram vinte e quatro investigações selecionadas.
Outro critério adotado foi retirar os trabalhos que tanto no título
quanto no resumo não identificavam o uso do conceito de Função.
Assim, foram excluídas mais nove pesquisas que abordavam os con-
teúdos ciclo trigonométrico, operações elementares, área de figuras
geométricas, conceito de números, entre outros.
Após a utilização dos critérios de busca e exclusão, realizadas
todas as etapas da pesquisa sistemática no Catálogo da CAPES, foram
elencados treze trabalhos, constituindo quatro teses de doutorado e
as demais dissertações de mestrado.

71
Destaca-se que o ano de 2016 sobressaiu com três dissertações
defendidas e 2019 com duas teses. As instituições cujos trabalhos
foram desenvolvidos são PUC/SP, UFRPE e UFBA, todas com duas
publicações, as demais foram UFJF, UNIAN, UFOPA, UESC, UFPE,
UFPA e UEPB, com uma defesa em cada uma destas instituições.
A figura 01 a seguir resume as cinco etapas propostas por Galvão
e Ricarte (2019) e deixa em destaque os critérios considerados para
o desenvolvimento dessa RSL em cada etapa. Essas etapas não são
desconexas e podem ser reutilizadas em qualquer tempo.

Figura 01: Etapas da RSL definidas nesta pesquisa

Fonte: Adaptação dos autores.

Cumpridas as quatro primeiras etapas para RSL propostas por


Galvão e Ricarte (2019), chega-se à última, de sistematização das
informações encontradas. Foram destacadas, nas leituras, as catego-
rias previamente determinadas: objetivo, metodologia de pesquisa
e resultados alcançados, tomando nota dos aspectos da TAD com
o intuito de responder à questão definida para o artigo, que per-

72
mitirá ordenar e organizar as contribuições da TAD nas pesquisas
no campo da Educação Matemática.

DESCRIÇÃO E APRESENTAÇÃO DOS DADOS DA RSL

Foi realizada uma leitura acurada de três partes dos textos que
compõem essa RSL: o resumo, a introdução e as considerações finais,
além de uma leitura transversal das outras partes da pesquisa. Os
realces considerados para esse capítulo, foram dispostos por meio de
suas semelhanças de abordagens e investigações. Nos textos analisados
e na triagem de análise foram priorizados o uso da TAD em análise
de provas, passando por livros didáticos, opinião dos professores,
até a proposta de um Percurso de Estudo e Pesquisa (PEP), entre
outros, conforme é descrito a seguir:
Sobre a prova do ENEM, mesmo havendo contextualização, foi
percebido por Campos (2014) que nada vale a questão estar relacionada
com o cotidiano do discente se ele não tem compreensão do conceito
e que ao resolver as tarefas os alunos aplicam técnicas que diferem das
técnicas dos professores, geralmente utilizam sensibilidade numérica.
As contextualizações cotidianas, nos livros didáticos, embora
existam um apelo das situações-problema para alguns aspectos da
realidade, tais parâmetros serviram de maquiagem, sem importância na
construção dos saberes matemáticos. O que ocorre também com uma
suposta interdisciplinaridade e a contextualização com outros conteúdos
da matemática. Chaves (2016) afirma que a diversidade de contexto
envolvendo o objeto estudado não garante que proporcionará condições
para a apropriação de conhecimento do objeto em jogo pelo aluno.
A partir do estudo das dissertações e teses percebemos que
os aprendizes fazem o uso mecânico, via de regra, das técnicas para
solucionar as tarefas. As investigações asseguram que isso ocorre já
que em sala de aula é anteposto esse recurso pelos professores, onde
é dado destaque no bloco prático-técnico. Até mesmo a proposi-
ção de questões das avaliações segue um cuidado para que as tarefas
73
sejam parecidas com as que foram executadas em sala de aula pelos
docentes, como afirma por Maduro (2015), quando destaca uma orga-
nização didática tecnicista. Os livros didáticos também privilegiam
as tarefas e como executá-las, não dando ênfase sobre a reflexão na
utilização de determinada técnica.
A apresentação dos livros didáticos, sobretudo os exercícios
resolvidos, destacados por Santana (2016) e Teixeira (2016), em sua
maior parte, utilizam uma técnica e em seguida propõem outra tarefa
similar àquela resolvida, confirmando que a apresentação do conteúdo
no livro didático geralmente apresenta a teoria referente aos conceitos
do objeto, seguido de exemplos resolvidos e no final surgem as tare-
fas propostas, dando ênfase às tarefas de fixação e memorização de
fórmulas. Quando algum livro explora o trabalho da técnica, os pro-
fessores tendem a enfatizar apenas o seu uso para resolver as questões
(MADURO, 2015). Segundo ele, os docentes afirmam que é impor-
tante a demonstração de fórmulas e teoremas nas aulas, porém não o
fazem porque os alunos não sinalizam interesse por essa abordagem
e o tempo disposto para aula é insuficiente para outras explorações.
Na maioria das organizações matemáticas predomina-se o uso
da aplicação repetitiva de uma mesma técnica ou procedimento, pre-
valecendo a praxeologia pontual, segundo Santos (2017). O autor
afirma que em determinadas tarefas, a praxeologia é expandida, tendo
um discurso tecnológico de justificação e percepção de regularidades
na aplicação de algumas técnicas, nessas foi identificada a praxeologia
regional, entretanto ocorre pouco.
Sobre o uso de materiais didáticos, o estudo de Gouvêa (2014)
aponta que, apesar da orientação dos documentos oficiais e de
outros materiais de apoio indicarem um caminho alternativo para
o ensino de função, por meio do entendimento de proporcionali-
dade, os professores priorizam o que é proposto nos livros didáticos
e introduz função por meio de conjuntos, apesar de reconhecer a
importância do material de apoio.
74
Dessa forma, o livro didático é posto como um organizador do
saber matemático que deve ser ensinado como afirma Santos (2017).
Chaves (2016) constata que a escolha do livro que vai ser ofertado
e usados pelos alunos não passam por uma seleção e análise criteriosa,
geralmente essa escolha é feita em reunião rápida em que um dos
professores apontava sua opção baseada no autor mais conhecido e
os outros o seguiam, isso ocorre apesar da importância que os livros
didáticos têm para o cotidiano da sala de aula.
Segundo Freitas (2015), a TAD dispõe de um suporte relevante
para que se tenha uma noção do que os livros didáticos oferecem,
pois faz evidenciar como é abordado o conceito, identificando tanto
o bloco prático-técnico como o tecnológico-teórico. Ou seja, a TAD
permite ter uma visão ampla dos livros didáticos, sendo a noção de
praxeologia ferramenta indispensável para as análises das atividades
propostas nos livros didáticos e nas atividades.
Pantoja (2017) verificou que as organizações matemáticas e
didáticas dos professores diferem das propostas pelo livro didático,
isso foi detectado através da transposição didática realizada pelo pro-
fessor em situações quando selecionou o conteúdo a ser ensinado de
acordo com o que considerava relevante; quando alguns aspectos ou
parte do conteúdo eram mais ou menos enfatizados do que outros;
quando determinou uma forma de apresentar e organizar o conteúdo
por meio da apresentação e da resolução de tarefas. Em contrapartida,
Santos (2017) afirma que os professores guiam suas aulas conforme a
sequência apresentada no livro didático e que o mesmo exerce grande
influência na prática da sala de aula.
Outro ponto de destaque é o uso de tecnologias digitais nas
atividades matemáticas, a partir das praxeologias desenvolvidas sem
a presença da tecnologia digital ou quando ela foi simplesmente jus-
taposta à prática, estavam ligadas a técnicas sem muita complexidade,
através de fórmulas e a algoritmos de cálculos. Já as praxeologias das
atividades com o uso de tecnologias digitais ganham, além da otimiza-
75
ção de tempo nas construções gráficas, uma dinamicidade, aponta Sousa
(2020). As ferramentas tecnológicas, nas situações didáticas, são os
objetos ostensivos que, por meio da exploração e do manuseio na expe-
riência empírica, possibilitam compreender os objetos não-ostensivos
O uso das ferramentas digitais integrado ao processo de ensino e
aprendizagem, ajudam segundo Sousa (2020) na comunicação de saberes,
na construção de novas praxeologias e na dialética da ostensividade dos
objetos, abrindo um leque para novas análises dos fenômenos didáticos.
Uma alternativa de uso da TAD para melhor qualidade do ensino
e da aprendizagem é a utilização do Percurso de Estudo e Pesquisa
(PEP). O PEP promove alterações nas Organizações Matemática e
Didática dos professores; oportuniza mudanças na praxeologia dos alu-
nos e do professor, ao mesmo tempo que influencia as práticas de ensino
do professor, proporciona formação profissional; permite a utilização e
articulação de técnicas, fazendo com que o professor e seus alunos as
justifiquem com uma discussão tecnológica fundamentada por uma teo-
ria (CARVALHO, 2019; RODRIGUES, 2019; CARNEIRO, 2020).

CONEXÕES ESTABELECIDAS ENTRES AS PESQUISAS

Durante a realização da RSL foram registrados os temas con-


siderados nas pesquisas selecionadas e percebemos quais conteú-
dos são mais estudados e as possíveis lacunas ainda existentes. Das
treze dissertações e teses analisadas a maioria dos textos, abordava
o estudo da Função Quadrática.
Sobre as modalidades de ensino verificamos que existem pesqui-
sas da TAD com o objeto Função, no ensino fundamental 2; no ensino
médio, com predomínio da primeiro série, sendo apenas uma pesquisa
realizada na terceira série, que investigou questões do ENEM e de
vestibular, nenhuma na segunda série; no primeiro ano de curso supe-
rior, encontramos uma investigação, entretanto não foi na licenciatura
76
em Matemática, quatro pesquisas foram realizadas na Licenciatura,
uma no último ano de uma turma de estágio supervisionado, outra
pela experimentação de um PEP, a terceira e quarta, respectivamente
nas disciplinas de “Função I” e “Cálculo Diferencial e Integral”, na
primeira também foi experimentado o PEP; uma pesquisa, a partir
do critério de busca retornou a modalidade EJA e uma nos anos ini-
ciais. Diagnosticamos a abrangência da utilização da TAD em várias
modalidades de ensino, também notamos que existe grande tendência
de realização de pesquisas com o conceito de Função usando a TAD
no primeiro ano do ensino médio.
Os recursos mais utilizados foram, o livro didático, que é o mais
frequente, quase todas as pesquisas reservaram um capítulo para análise
de livros didáticos, sobretudo utilizando e identificando a praxeologia
matemática (tarefa, técnica, tecnologia e teoria). Os outros recursos
identificados foram: questões do vestibular tradicional e as questões
do ENEM, propostas curriculares, caderno do professor e caderno do
aluno, uma sequência didática, software GeoGebra, documentos oficiais,
recursos tecnológicos, planejamentos de aulas e tarefas matemáticas.
Nas pesquisas estudadas os pesquisadores utilizaram sete tipos
diferentes de metodologias de pesquisa: Engenharia Didática, Pes-
quisa Documental, Observação de aulas, Entrevista Semiestruturada,
Análise Institucional, Pesquisa Exploratória e Percurso de Estudo e
Pesquisa. A seguir são apresentadas aquelas que se destacaram pela
maior quantidade de uso e de que forma foram abordadas.
Tiveram investigações que utilizaram a Engenharia Didática de
Artigüe, todos os trabalhos que usam, como metodologia de pesquisa, a
Engenharia Didática faz considera a de primeira geração como suporte
para o desenvolvimento de toda a pesquisa. A Pesquisa Documental
foi utilizada como subsídio para análise de currículo, de materiais de
apoio e de livros didáticos. A Observação de aulas buscou identificar

77
as organizações matemáticas e didáticas feitas pelos professores em
sala de aula, a transformação do saber em jogo, se o planejamento da
aula corresponde a organização matemática efetivamente ensinada
e as praxeologia efetiva em sala de aula. Entrevista semiestruturada
buscou entender o que o professor narra a respeito do uso da pra-
xeologia matemática, tarefa, técnica, tecnologia e teoria. Já o PEP
apareceu em pesquisas dos anos de 2019 e 2020, revelando que seu
uso é recente nas investigações, elas propunham a construção de um
modelo praxeológico alternativo para o estudo do conceito em jogo.
Na figura 02 apresentamos um quadro que esboça uma síntese
do que foi considerado como conexões percebidas na leitura das
investigações, destacando a quarta coluna que são os aportes teóricos
da TAD que foram utilizados pelos pesquisados, levando a perceber
a amplitude que essa teoria é capaz de atingir.

Figura 02: Conexões advindas das pesquisas.

Fonte: Criada pelos autores.

78
CONSIDERAÇÕES FINAIS

O direcionamento da RSL feita buscou responder: Quais as


contribuições da TAD nas dissertações e teses defendidas a partir
do ano de 2013 que adotaram o conceito de Função como objeto
de pesquisa? Com esta pergunta, a intenção foi identificar as con-
tribuições da TAD nas investigações que adotaram o conceito de
função como objeto de pesquisa e mostrar que as pesquisas de revisão
sistemática possibilitam condições de compreensão da contribuição
da TAD nos estudos da Educação Matemática, sobretudo na análise
praxeológica do conceito de Função.
Identificamos e explanamos a importância que a TAD possui nas
pesquisas, tanto para análise de livros didáticos, como para documentos
escolares, soma-se as relações institucionais entre professor e material
de apoio. Constatamos que o livro didático continua sendo o mais
utilizado, sua proposta curricular é seguida pela maioria dos professores,
existem convergências entre as praxeologias a serem ensinadas, propos-
tas pelos livros didáticos e as praxeologias efetivamente ensinadas pelos
docentes, não obstante, as investigações indicam que os professores se
utilizam de outros recursos para complementação de seu planejamento.
Nas análises de livros didáticos, com informações das pesquisas,
foi possível verificar que, mesmo os problemas envolvendo contextua-
lizações diferentes, as técnicas e tecnologias utilizadas eram sempre
as mesmas, a diversificação de contextos, no caso especifico analisado,
não ajuda na apropriação do conhecimento.
Os livros didáticos priorizam as tarefas e como executá-las,
não dando ênfase na explicação da utilização de determinada técnica.
Geralmente a técnica usada nos exercícios resolvidos são as mesmas
cobradas nas atividades propostas, existe uma excessiva preocupação
com a fixação e memorização de fórmulas, levando a prevalência, nas

79
tarefas propostas nos livros didáticos, pela praxeologia pontual, são
poucos os casos que expandem para a praxeologia regional.
Nas pesquisas em que houveram observação das aulas, há uma
valorização da técnica, tanto pelos professores como pelos alunos,
refletindo uma tendência tecnicista. Existe um distanciamento entre o
que é realmente ensinado pelos professores e a organização matemá-
tica de referência, ou seja, o saber sábio sofre diversas transformações
e chegam até o aluno de maneira que distorce o conceito e geram
dificuldades no entendimento, pelos alunos.
O PEP favorece a mudança de praxeologia do aluno e do pro-
fessor e influencia as práticas de ensino utilizadas. Outra perspectiva
que beneficia o ensino e aprendizagem é o foco na Transposição
Didática Reflexiva, junção das perspectivas da Transposição Didática
e da Educação Matemática Crítica.
As pesquisas que usaram tecnologias e são analisadas por meio
da TAD, mostram que os recursos tecnológicos favorecem a otimização
do tempo e uma dinamicidade na utilização da técnica.
Por dispor de leque grande de elementos, a TAD se mostra, a
partir de todos os trabalhos aqui catalogados, como uma teoria que
consegue ser base de avaliação de diversos fenômenos no processo
de ensino e aprendizagem, mesmo nosso olhar sendo voltado para o
conceito de Função, destacamos que TAD pode contribuir da mesma
forma para outros conceitos matemáticos.
De maneira geral, acreditamos que a questão norteadora dessa
RSL foi respondida, principalmente a relação da TAD com as diversas
modalidades de ensino e sua aplicação em diversos ambientes, como
o material didático e prática do professor.

80
REFERÊNCIAS
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Partir Da Teoria Antropológica Do Didático. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências
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82
UMA PROPOSTA TEÓRICO-
METODOLÓGICO DE ENSINO DE LÍNGUA
INGLESA COM BASE NA LINGUÍSTICA
GERATIVA E NA ABORDAGEM DA
APRENDIZAGEM ATIVA

Glaucyenne Cavalcante dos Santos18


Jessé de Sousa Mourão19

INTRODUÇÃO

Em geral, o ensino de segunda língua nas escolas brasileiras


consiste em uma aprendizagem fragmentada não focada no aprendiz
como centro do processo de aprendizagem. Nesse contexto, não se
considera que o aluno traga para a sala de aula suas experiências e
conhecimentos prévios. Ele é tido como uma folha em branco. Con-
forme Del Ré et al. (2012, p. 86),
O ensino/aprendizagem de uma língua é assim consi-
derado como um processo mecânico de formação de
hábitos com a ajuda de estímulos e de respostas visuais
e sonoras (como, por exemplo, as frases de um diálogo
e as imagens correspondentes em um manual ou tela).

Nesse sentido, essa perspectiva behaviorista tem focado prioritaria-


mente nos elementos externos do processo de aquisição de linguagem e
aprendizado de línguas naturais, não levando em conta o próprio aprendiz.
Uma concepção e um modelo mais atualizados de ensino de lín-
guas têm sido proposto por Pilati (2017). A autora lança mão dos pres-
supostos teóricos da Linguística Gerativa e da Abordagem da Apren-
dizagem Ativa para elaborar uma proposta teórico-metodológica que

18
Especialista em Neurociência e Aprendizagem (IBRA). CV: http://lattes.cnpq.br/7215155649772302
19
Doutor em Linguística (UFC). Professor adjunto (UVA). CV: http://lattes.cnpq.br/3551885027852388
83
enfatiza a capacidade inata do ser humano para adquirir línguas e a par-
ticipação ativa do aprendiz no processo de aprendizagem de uma língua.
Este capítulo objetiva apresentar uma proposta teórico-meto-
dológica baseada no modelo de Pilati (2017) e adaptada para o con-
texto de ensino e aprendizagem de segunda língua20, particularmente
de língua inglesa. A proposta de Pilati é desenvolvida tendo em vista
o ensino de gramática no contexto de aprendizagem de Português
como língua materna. Pretendemos mostrar que a proposta de Pilati
apresenta elementos e concepções teórico-metodológicas que também
podem ser aplicados no contexto de aprendizagem de segunda língua.

O ENSINO DE GRAMÁTICA PELA PERSPECTIVA DA


LINGUÍSTICA GERATIVA E DA ABORDAGEM DA
APRENDIZAGEM ATIVA

A proposta de Pilati (2017) foi motivada pela constatação de


alguns problemas comuns no contexto do ensino de gramática de
língua portuguesa no âmbito da educação básica brasileira. Um des-
ses problemas é a dificuldade que professores, mesmo já formados e
experientes, têm em estabelecer uma relação adequada entre as con-
tribuições dos estudos linguísticos e sua prática docente. Sabemos que
apesar da quantidade substancial de conhecimento sobre a linguagem
humana advindo das pesquisas linguísticas, pouco desse conhecimento
é convertido e efetivamente utilizado nas práticas docentes.
Outro problema observado é a abordagem pouco reflexiva que
é empregada no ensino e aprendizagem de gramática na educação
básica. Nesse contexto, é muito comum a prática de ensino e estudo
de gramática baseada na memorização de listas de regras gramaticais.
A autora também aponta que há uma distância entre as concepções de
línguas e linguagem empregadas nos livros didáticos e as concepções
trazidas pelos estudos linguísticos.
20
O termo “segunda língua” é empregado aqui em referência a qualquer língua que é adquirida ou
aprendida após uma primeira língua/língua materna do aprendiz.
84
A partir dessas percepções, a autora propõe uma abordagem que
busca articular os conhecimentos atuais dos estudos linguísticos e a
metodologia da aprendizagem ativa (PILATI, 2016).
O principal modelo teórico que fundamenta a proposta de Pilati
é o da Linguística Gerativa, também chamada de Gramática Gerativa.
Essa proposta teórica se estabelece nos estudos linguísticos a partir
dos trabalhos de Noam Chomsky, por volta dos anos 50.
Chomsky situa sua teoria da linguagem humana no mesmo campo
dos estudos cognitivos, mas se contrapondo aos modelos cognitivos de
aprendizagem de linguagem vigentes na época, como as teorias compor-
tamentalistas, que tinham como principal nome Skinner. É com as obras
Syntactic Structures (CHOMSKY, 1957), Current issues in linguistic
theory (CHOMSKY, 1964), Aspects of the theory of syntax (CHOMSKY,
1965) e Lectures on Government and Binding (CHOMSKY, 1981), que
as ideias de Chomsky ganham mais notoriedade.
A partir desses trabalhos, novas concepções sobre a linguagem
humana são propostas. As principais são: a) a linguagem é uma facul-
dade inata do ser humano e b) o sistema linguístico é criativo. A noção
de que a linguagem é uma faculdade inata propõe que o ser humano
já nasce predisposto a aprender uma língua. É essa capacidade que
Chomsky denomina de Gramática Universal (GU). Isso significa que
o conhecimento que os seres humanos têm com respeito à linguagem
é formado por dois componentes: um conjunto de conhecimentos
que é adquirido quando o indivíduo entra em contato com uma lín-
gua particular e um conhecimento que não é adquirido a partir da
experiência, mas que é apenas ativado na experiência, pois já existe na
mente/cérebro do indivíduo como uma dotação genética.
O outro fator atribuído à linguagem humana é a criatividade.
Chomsky (1965, p. 6) afirma que “uma propriedade essencial da lin-
guagem é que ela fornece os meios para expressar indefinidamente
muitos pensamentos e para reagir apropriadamente em uma variedade
indefinida de novas situações”. A noção de criatividade linguística, por-
85
tanto, tem a ver com o potencial da língua para expressar ideias novas
por meio de estruturas linguísticas que nunca foram utilizadas antes.
Com base nessas concepções teóricas, Pilati (2017) propõe que,
no contexto de ensino de Português como língua materna, é importante
considerar que nenhum aprendiz inicia os estudos formais da língua
sem nenhum conhecimento. Geralmente quando a criança inicia sua
vida escolar, ela já chega à escola com uma carga grande e significativa
de conhecimento de sua língua. Primeiro, ela já possui uma carga de
conhecimento inata, uma competência linguística (a GU), mesmo
antes de ter aprendido qualquer língua. Segundo, ela já desenvolveu
uma competência linguística particular (sua língua materna) sem
qualquer instrução, isto é, apenas como resultado de sua inserção em
um contexto familiar/social de uso de uma língua particular. Pilati
argumenta que, no contexto de ensino de Português, “a ideia não é
ensinar Português para os alunos, mas sim torná-los mais conscientes
do seu saber linguístico’’ (2017, p. 87).

A ABORDAGEM DA APRENDIZAGEM ATIVA

Pilati assume uma concepção da abordagem da aprendizagem


ativa a partir das ideias de Cagliari (2009) e Bransford et al. (2007).
Cagliari trata de duas perspectivas metodológicas que podem orientar
as práticas de ensino/aprendizagem. Uma é o que ele chama de método
do ensino e a outra é o método do aprendizado. Modelos baseados no
método do ensino tipicamente assumem a perspectiva do professor. Esse
é tido como o responsável pela aprendizagem, aquele que se encarrega
de transferir o seu conhecimento para o aprendiz, que por sua vez está
em um estado de conhecimento zero sobre um determinado assunto,
e que após a aula terá dominado aquele conteúdo e deverá ser capaz
de reproduzi-lo da forma como aprendeu.
No campo da aprendizagem de línguas, essa abordagem se efetiva
por meio de exercícios que exigem a mera memorização de palavras
ou conceitos gramaticais metalinguístico, a rotulação e classificação de
86
elementos e estruturas linguísticas, sem nenhuma reflexão aprofun-
dada sobre essas estruturas ou poucas oportunidades de uso criativo
desse conhecimento linguístico.
Já o método do aprendizado, conforme os autores, é um modelo
que parte do pressuposto de que o aprendiz possui conhecimentos
prévios e capacidade crítico-reflexiva sobre as informações a que é
exposto. O método do aprendizado, portanto, é uma abordagem que
coloca o aprendiz em perspectiva. A responsabilidade de construção
do conhecimento sai do domínio do professor e é compartilhada
também com o aprendiz, que passa a assumir um papel ativo nesse
processo, mas sem dispensar o auxílio do professor. Nesse sentido, o
professor deveria criar situações em que o aluno participasse de forma
proativa, reflexiva e autônoma da exploração dos conteúdos das aulas.
No contexto do ensino e aprendizagem de línguas, essa perspectiva
também é totalmente coerente com a teoria gerativa, pois reconhece os
saberes prévios dos alunos (nesse caso, os saberes linguísticos) que preci-
sam ser ativados, reconhecidos ou relacionados a conhecimentos novos.
Para a formulação de uma metodologia de aprendizagem ativa,
Pilati assume particularmente os princípios de aprendizagem de
Bransford et al (2007). Conforme esses autores, a aprendizagem deve
ser orientada por três princípios: a consideração do conhecimento
prévio, o aprofundamento do conhecimento e o desenvolvimento de
habilidades metacognitivas. Com base nesses princípios, Pilati estrutura
sua proposta metodológica, que será mais detalhada a seguir.

ELEMENTOS DA PROPOSTA METODOLÓGICA DE


PILATI (2017)

A partir dos princípios de aprendizagem de Bransford et al


(2007), Pilati (2017) elabora sua proposta aplicando-a para o campo
de ensino/aprendizagem de gramática. O princípio do conhecimento
prévio, por exemplo, é embasado na perspectiva teórica da gramática
gerativa, principalmente no entendimento de que os aprendizes já pos-
87
suem uma carga de conhecimento inato (sua competência linguística)
antes mesmo de iniciarem sua vida escolar. Mas o conhecimento prévio
também contempla conhecimentos não inatos, que foram aprendidos
em momentos anteriores, como o conhecimento sobre as propriedades
particulares de sua língua. Todo esse conjunto de conhecimentos é muito
rico, deve ser considerado e recuperado no estudo formal da língua.
O princípio do aprofundamento do conhecimento sobre os
fenômenos estudados diz respeito à construção do conhecimento em
um nível que vai além da simples retenção ou reconhecimento de
um conjunto de fatos. Nas palavras de Bransford et al (2007, apud
PILATI, 2017, p. 104), a compreensão profunda envolve a transfor-
mação de “conhecimento factual em conhecimento utilizável”. No
contexto do ensino/aprendizagem de línguas, não basta, portanto,
apenas memorizar listas de palavras, expressões ou regras. É pre-
ciso conseguir aplicar esse conhecimento e usar a língua eficiente-
mente em contextos comunicativos.
Conforme Pilati (2007, p. 105), para que os alunos desenvolvam
uma compreensão profunda é necessário que eles consigam “entender
os fatos e as ideias no contexto do arcabouço conceitual e organizar
o conhecimento a fim de facilitar sua recuperação e aplicação”. Para
possibilitar esse entendimento e organização do conhecimento é
preciso elaborar atividades de aprendizagem que levem os alunos a:
a. aprender a identificar padrões;

b. desenvolver uma compreensão profunda do assunto;

c. aprender quanto, onde e por que usar tal conhecimento,


levando em conta as condições (PILATI, 2007, p. 105).
A identificação de padrões, no campo da aprendizagem de lín-
guas, é muito importante, pois sabemos que as línguas são formadas
por sistemas bem estruturados. A estrutura linguística é constituída por

88
padrões, isto é, ela não consiste em um encadeamento ou combinação
aleatória de itens linguísticos.
Em relação ao desenvolvimento do conhecimento profundo
do objeto de estudo, nesse caso a gramática da língua, Pilati dis-
cute a importância de criar oportunidades de compreensão apro-
fundada. Isso deve ser garantido por meio de atividades que valori-
zem a reflexão sobre os fatos linguísticos e não apenas a identifica-
ção e memorização desses fatos.
É fundamental também, conforme Pilati, que todo esse conhe-
cimento refletido e aprofundado seja posto em uso, e isso pode ser
feito, por exemplo, por meio de “elaboração de textos, leitura crítica,
revisão e análise de textos” (PILATI, 2017, p. 108).
Quanto ao princípio do desenvolvimento de habilidades meta-
cognitivas, de Bransford et al. (2007), Pilati argumenta que o aprendiz
deve ser capaz de avaliar seu próprio processo de aprendizagem. Para
isso, a autora propõe que “haja momentos para a criação do sentido, para
a autoavaliação e para a reflexão sobre o que funciona e o que precisa
ser melhorado no processo de aprendizagem” (PILATI, 2017, p. 108).
Para o desenvolvimento dessas habilidades metacognitivas, a
autora faz uma sugestão bem interessante: utilizar materiais con-
cretos nas aulas. Esses materiais concretos são objetos físicos (como
brinquedos, materiais reciclados, tabelas etc) associados aos conceitos,
funcionamento e propriedades da língua, e que podem ser manipulados
pelos alunos. É nesse processo de uso e manipulação desses materiais
que os alunos poderão transformar os conceitos abstratos em elementos
concretos, e assim alcançar uma maior compreensão e consciência da
estrutura sintática e dos fenômenos gramaticais da língua em estudo.
Para orientar a ação prática do professor na promoção de uma
aprendizagem ativa, Pilati propõe uma sequência didática que pode
ser utilizada para estruturar uma aula com essa abordagem. Essa
sequência é apresentada no quadro abaixo:

89
Quadro 1 - Sequência didática da aprendizagem ativa
Atividade Explicação dos objetivos da atividade
1. Avaliação do conheci- No primeiro momento da aula, é importante que se investiguem os conhecimentos
mento prévio dos alunos prévios dos alunos acerca do fenômeno a ser estudado.
2. Experiência linguística O momento da “experiência linguística” está diretamente relacionado ao conhecimento
factual. O professor deve selecionar conjuntos de dados relevantes, orações ou textos,
em que os aspectos linguísticos a serem estudados estejam presentes e possam ser
objeto de análise pelos alunos.
3.Reflexões linguísticas Os alunos devem ser incentivados a refletir sobre os fenômenos linguísticos e a expor suas
intuições sobre os aspectos linguísticos relacionados ao tema que está sendo investigado.
4. Organização das ideias Nessa etapa, devem ser sistematizadas as descobertas dos alunos.
5. Apresentação das ideias Para que os conhecimentos linguísticos adquiridos sejam utilizados de forma consciente,
os alunos devem ser incentivados a produzir textos e a expressar suas ideias nas formas
oral e escrita e também por meio do uso de materiais concretos.
6. Aplicação dos conheci- Para desenvolver o conhecimento factual dos alunos, é recomendável que o professor
mentos em textos apresente para eles textos em que o fenômeno estudado ocorra. Dessa forma, o aluno
poderá entender como determinado fenômeno ocorre em situações reais de uso e poderá
desenvolver seu conhecimento linguístico explícito em situações complexas, parecidas
com as que enfrentará em situações reais de leitura, análise ou produção de textos.
SOBRE A
METACOGNIÇÃO:
Devemos incentivar os estu-
dantes a usar a metacogni-
ção em todos os momentos
da aula, ou seja, ensinar os
estudantes a aprender o
controle da sua própria
aprendizagem por meio da
definição dos objetivos da
aprendizagem e do moni-
toramento do seu progresso
em alcançá-lo.

Fonte: Pilati (2017, p. 118-119)

Conforme podemos observar no quadro, essa sequência didática


compreende os vários aspectos levantados e discutidos no quadro
teórico que fundamenta a proposta. Vai desde o momento inicial de
avaliação do conhecimento prévio do aluno, passando pelos momen-
tos de experiência, reflexão e organização dos fatos linguísticos, até o
momento de aplicação dos conhecimentos adquiridos. A metacognição,
como é destacada no quadro, é um elemento que perpassa todos esses
momentos, pois é importante que todo o processo de aprendizagem
seja acompanhado por essa tomada de consciência e avaliação dos
conhecimentos desenvolvidos. Essa proposta de sequência didática

90
também é incluída na proposta elaborada neste trabalho e será arti-
culada e contextualizada nas seções seguintes.

ADAPTAÇÃO DA PROPOSTA DE PILATI PARA O


CONTEXTO DE ENSINO/APRENDIZAGEM DE
SEGUNDA LÍNGUA

De todo o quadro teórico da gramática gerativa, o que Pilati


(2017) destaca para compor sua proposta é a concepção de uma capa-
cidade ou conhecimento inato que habilita o ser humano para o
desenvolvimento de uma língua. Uma vez que a criança já é dotada
desse conhecimento, tal conhecimento não precisa ser aprendido.
Quando tratamos de ensino e aprendizagem de segunda língua,
no entanto, precisamos repensar esse ponto de vista. Normalmente, as
crianças, adolescentes e adultos que são submetidos à aprendizagem de
uma segunda língua, como a língua inglesa no contexto educacional
brasileiro, têm muito pouco conhecimento específico dessa língua.
Grande parte do sistema lexicogramatical, bem como as habilidades
de uso dessa língua, ainda precisam ser desenvolvidos. Nesse ponto, há
uma grande distinção entre o ensino da língua materna e o ensino de
segunda língua. Enquanto que no contexto da primeira língua, o ensino
deve proporcionar uma complementação (isto é, a aprendizagem da
modalidade escrita da língua e da metalinguagem linguística) sobre o
conhecimento que o aprendiz já tem; no contexto de segunda língua, o
ensino deve proporcionar praticamente todo o conhecimento necessário
para domínio da língua, não apenas conhecimento sobre a modalidade
escrita e a metalinguagem, mas principalmente as competências orais
e comunicativas necessárias. Desse modo, o ensino de língua inglesa
na educação básica não pode se limitar apenas à promoção de uma
maior consciência sobre os fatos linguísticos, como é enfatizado para
o ensino de língua materna na proposta de Pilati (2017).
A outra distinção que precisa ser feita diz respeito ao conhe-
cimento prévio que o aprendiz já carrega antes de iniciar o processo
91
de aprendizagem da língua. No contexto da língua materna, esse
conhecimento prévio inclui, além da GU, o conhecimento do sistema
linguístico particular de sua língua materna, e por isso, o papel das
aulas de português seria apenas complementar esse conhecimento
com a modalidade escrita e compreensão mais consciente do sistema
linguístico já desenvolvido. Já no contexto de segunda língua, o conhe-
cimento prévio inclui esse mesmo conhecimento da língua materna,
e possivelmente o conhecimento inato universal (a GU), mas pouco
conhecimento específico da língua-alvo já está disponível.
Considerando o ensino de língua inglesa, por exemplo, pode-
mos dizer que há uma grande quantidade de conhecimento de língua
portuguesa que poderá ser aproveitado na língua inglesa. Essas duas
línguas compartilham de um conjunto de propriedades tanto no nível
lexical quanto no nível sintático e gramatical.
Com base nessa discussão, os elementos da proposta de Pilati
(2017) que podem ser incluídos numa proposta de ensino e apren-
dizagem de segunda língua são: a capacidade inata do indivíduo
para adquirir uma ou mais línguas e o conhecimento prévio linguís-
tico que o aprendiz já carrega.

PROPOSTA DE APLICAÇÃO

Para exemplificar a proposta aqui apresentada, que é uma adap-


tação da proposta de Pilati (2017), escolhemos como tópico de estudo
a estrutura de sentenças simples em língua inglesa. A estrutura de
sentenças é um conhecimento que qualquer falante de qualquer língua
precisa desenvolver. Na aprendizagem da língua inglesa, o desenvol-
vimento de conhecimento sobre a estrutura das orações mobiliza
diversos tipos de conhecimentos, como os diversos tipos de verbos
e seus padrões de seleção argumental, os tipos e formas dos argu-
mentos/complementos, os tipos e formas de adjuntos, bem como a
estrutura sintática de uma sentença.

92
O exemplo de aplicação será apresentado seguindo a sequên-
cia didática de Pilati (2017) dada no quadro 1, que inclui as etapas:
avaliação do conhecimento prévio dos alunos, experiência linguística,
reflexões linguísticas, organização das ideias, apresentação das ideias,
aplicação dos conhecimentos em textos, além do exercício da meta-
cognição que deve perpassar todas as etapas.

a) A avaliação do conhecimento prévio


A avaliação do conhecimento prévio consiste em checar quanto
de conhecimento sobre um determinado assunto o aprendiz já possui.
Em relação ao estudo da língua inglesa, e particularmente da estru-
tura de sentenças simples nessa língua, é importante que o professor
verifique o quanto já conhecem da estrutura linguística de sentenças
do inglês e das palavras que serão objeto de estudo. O professor pode,
por exemplo, pedir que os alunos expressem oralmente ou por escrito
algumas possíveis sentenças em inglês que eles já conheçam.
Em relação ao conhecimento lexical, é provável que boa parte
das palavras que serão exploradas na aula ainda seja desconhecida dos
alunos, e são essas palavras que eles começarão a incorporar ao seu
conhecimento da língua. Antes disso, é necessário que o professor
verifique as palavras que já são conhecidas pelos alunos e as que ainda
não são. A partir dessa avaliação do conhecimento prévio, o profes-
sor ajustará sua aula de modo a focar mais nos elementos que ainda
são pouco conhecidos da maioria.

b) A experiência e reflexão linguística


O momento da experiência linguística é aquele em que o apren-
diz entrará em contato com os fatos linguísticos, é nesse ponto que
os aprendizes serão expostos a palavras, sentenças e textos em língua
inglesa. Uma das fontes de dados linguísticos são os gêneros textuais.
Os gêneros textuais são muitos e variados e sua adequação vai depender
do conteúdo que será objeto de estudo e do público alvo. Para esse
93
exemplo de aplicação, escolhemos o texto da música Every breath you
take de Gordon Sumner / The Police.
O objetivo dessa atividade é apresentar o texto da música aos
alunos e pedir que eles mesmos procurem explorar a linguagem, e
principalmente as palavras, desse texto de modo a compreenderem as
ideias e mensagem do texto. Para isso, eles podem utilizar tanto o conhe-
cimento prévio que eles têm quanto outros recursos, como dicionários.
Após um momento de experiência e descoberta pelos próprios alunos, o
professor pode fechar esse momento discutindo com eles a compreen-
são que tiveram da música, ajustando os sentidos com eles. A música
também deve ser tocada para apreciação e exposição à língua oral.

c) Organização das ideias


A fase de organização das ideias consiste na sistematização do
conhecimento que foi explorado, experimentado e descoberto na fase
anterior. Uma maneira de fazer isso, como sugerido em Pilati (2017) é
usar tabelas linguísticas. O professor pode disponibilizar tabelas com
duas colunas, uma para os substantivos e outra para os verbos e pedir
que os alunos preencham essa tabela com as palavras retiradas do texto
da música. Pode ser necessário discutir com os alunos as noções de
substantivos e verbos. E outras categorias lexicais podem ser incluídas
também se for o objetivo da aula. O quaddro abaixo exemplifica as
palavras que podem ser identificadas a partir da música explorada:

Quadro 2 - Modelo de tabela para organização dos elementos linguísticos


Substantivos Verbos
breath take
bond make
step break
day watching
word say
game play
night stay
see
Fonte: elaborado pelos autores.

94
Uma continuação dessa etapa pode ser pedir aos alunos que
formulem frases simples com essas palavras. Uma outra tabela pode
ser disponibilizada para a formulação das frases, e os verbos podem ser
incluídos numa coluna central, deixando em branco os espaços para
os argumentos desses verbos, como demonstrado no quadro abaixo.

Quadro 3 - Modelo de tabela para elaboração de estruturas


make
brake
watch
play
Fonte: elaborado pelos autores.

Nessa segunda atividade, os alunos colocarão em prática os


conhecimentos prévios e novos conhecimentos sobre a estrutura de
uma sentença em língua, além da estrutura argumental desses verbos.

d) Apresentação das ideias

A etapa de apresentação das ideias consiste na exposição e


exteriorização consciente que os alunos devem fazer do conhecimento
adquirido e explorado. É nesse momento que Pilati (2017) sugere o
uso de materiais concretos para instigar o uso ativo do conhecimento
e também o aprofundamento e conscientização dos fatos linguísticos
estudados. Uma forma de fazer isso, no estudo da estrutura de sen-
tenças simples do inglês, é confeccionar (o professor e/ou os alunos)
figuras, ou coletar objetos, que representem os substantivos explorados
nos textos já vistos, além de outros que sejam necessários. Os verbos, e
outras palavras, como artigos e preposições, particularmente, podem ser
representados pela própria palavra escrita em cartões. Essas figuras e/
ou objetos então podem ser manipulados pelos alunos como forma de
representar sentenças simples, simplesmente pela disposição e ordena-
ção desses objetos em uma mesa, no quadro ou no chão da sala de aula.

95
Outra possibilidade seria o inverso: o professor coloca apenas
as figuras no quadro (sem figuras com palavras) e os alunos devem
formar as frases apenas com cartões de texto.

e) Aplicação dos conhecimentos em textos


A etapa final é a de aplicação dos conhecimentos estudados. É
uma etapa que deve permitir a consolidação dos fenômenos e fatos
linguísticos explorados na aula. Pilati sugere o uso da análise e revisão
textual. Considerando o contexto de estudo da estrutura das sentenças
simples em inglês, e os exemplos de aplicação dados anteriormente,
uma sugestão é solicitar que os alunos anotem todas as frases elaboradas
pelos outros grupos, e depois haja um momento de leitura e revisão
dessas sentenças, para que possam apontar os problemas encontradas
e os ajustes necessários a serem feitos.
Por fim, é necessário destacar a importância do uso da meta-
cognição que pode estar presente em todas essas etapas. É papel
do professor, portanto, levar os alunos em todos esses momentos a
refletirem sobre suas escolhas linguísticas realizadas durantes as ativi-
dades, de modo que eles consigam explicar essas escolhas e se tornar
mais conscientes dos conhecimentos que já possuem e daqueles que
adquiriram a partir das atividades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse trabalho teve como finalidade apresentar uma alternativa


metodológica para o ensino tradicional de segunda língua, historicamente
marcado por uma abordagem behaviorista-estruturalista. Propomos
uma abordagem teórico-metodológica baseada na proposta da Apren-
dizagem Ativa e da Gramática Gerativa desenvolvida por Pilati (2017).
Conforme discutido, essa proposta se mostra mais adequada e
promissora para o estudo da gramática das línguas por ser ancorada
em uma teoria linguística, a Gramática Gerativa, que tem como prin-
96
cipal hipótese a ideia de que o ser humano já nasce dotado de uma
predisposição para a aquisição e desenvolvimento de uma língua; e
também por assumir a abordagem da aprendizagem ativa, que deve
possibilitar uma experiência de aprendizagem em que o aprendiz
não é apenas um sujeito passivo, receptor de informações, mas sim
um participante ativo e atuante no desenvolvimento da sua própria
aprendizagem. A combinação desses elementos na proposta da autora,
se consolida em um modelo que deve guiar a aprendizagem dos fatos
gramaticais linguísticos a partir de três princípios: a consideração
do conhecimento prévio, o aprofundamento do conhecimento e o
desenvolvimento de habilidades metacognitivas.
Como vimos, embora a proposta de Pilati (2017) tenha sido
originalmente elaborada visando o ensino/aprendizagem da gramática
da língua portuguesa (enquanto língua materna), a proposta também
se mostrou adequada e promissora para o campo do ensino/apren-
dizagem de segunda língua. Os dois aspectos dessa abordagem que
podem ser mantidos nesse contexto de ensino/aprendizagem são: i)
o reconhecimento de conhecimentos prévios (inatos ou aprendidos)
trazidos pelos aprendizes para sua experiência formal escolar, e que
devem ser considerados no estudo da segunda língua, pois formam
uma base inicial para o desenvolvimento de conhecimentos novos e
ii) o emprego de uma metodologia ativa de aprendizagem, que tanto
no ensino de primeira língua quanto no ensino de segunda língua será
muito válido, uma vez que torna os aprendizes participantes ativos,
engajados e responsáveis, em parte, por sua própria aprendizagem.
Com base nessas discussões, a proposta apresentada de aplicação
desse modelo ajustada para o ensino de segunda língua é uma sugestão
didática modelo que pode ser expandida para variados contextos e
realidades de ensino formal de língua inglesa e variados tópicos linguís-
ticos. Cabe ao professor de segunda língua/língua inglesa se apropriar
desse quadro teórico-metodológico de forma crítica e reflexiva, levar
em consideração sua realidade de atuação docente e reestruturar suas

97
aulas a partir dessa proposta. É somente a aplicação dessa proposta em
situações e contextos reais de ensino de segunda língua/língua inglesa
que mostrará sua adequação, pertinência e viabilidade, bem como pos-
síveis lacunas, inconsistências e necessidades de ajuste ou ampliação.

REFERÊNCIAS
BRANSFORD et al. (orgs.). Como as pessoas aprendem: cérebro, mente, experiência e
escola. São Paulo: Editora Senac, 2007.
CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetizando sem o Ba - Be - Bi - Bo - Bu. São Paulo: Sci-
pione, 2009.
CHOMSKY, N. Lectures on government and binding. Dordrecht: Foris, 1981.
CHOMSKY, N. Aspects of the theory of syntax. Cambridge: The MIT Press, 1965.
CHOMSKY, N. Current issues in linguistic theory. The Hague: Mouton, 1964.
CHOMSKY, N. Syntactic structures. The Hague: Mouton, 1957.
DEL RÉ, Alessandra et al. (Orgs.) Aquisição da linguagem: uma abordagem psicolinguística.
2. ed., São Paulo: Contexto, 2012.
PILATI, Eloisa. Linguística, gramática e aprendizagem ativa. 2 ed. São Paulo: Pontes, 2017.

98
COMO SURGIU O MODERNO ESTUDO DOS
SEMICONDUTORES E QUAIS FORAM SUAS
PRIMEIRAS APLICAÇÕES TECNOLÓGICAS?

Francisco Vadimar Bezerra Alves21


João Erineudo Cavalcante22
Marlene Francisca de Andrade23

INTRODUÇÃO

Os semicondutores são elementos que desempenham uma fun-


ção seletivamente condutora ou isolante dependendo das condições
externas a que estãoexpostos, como temperatura, pressão, radiação e
campos elétricos ou magnéticos. Os semicondutores são sólidos cris-
talinos tem uma certa condutividade elétrica, de modo que podem
funcionar como condutores e isolantes.
O objetivo desse trabalho é fazer um levantamento bibliográfico
de como surgiu o moderno estudo dos semicondutores, como também
as suas primeiras aplicações tecnológicas, uma vez que, possa contribuir
para a aprendizagem, permitindo assim, a compreensão de assuntos de
forma esclarecedora, também, relatar sobre a importância do surgimento
do moderno estudo dos semicondutores, contando com referências
conceituais analisadas durante a pesquisa bibliográfica.
O presente trabalho está estruturado em seis tópicos, no primeiro
tópico discutirá a introdução no qual serão apresentados os procedi-
mentos que serãoutilizados para a execução da pesquisa.
O segundo tópico será apresentado um breve histórico dos
semicondutores, também serão apresentadas as primeiras aplicações
tecnológicas. O terceiro tópico será trabalhado os tipos de semicondu-
21
Mestrando em Física (UFERSA). CV: http://lattes.cnpq.br/0767978937985302
22
Mestrando em Física (UFERSA). CV: http://lattes.cnpq.br/5308017948875229
23
Mestranda em Física (UFERSA). CV: http://lattes.cnpq.br/6039002341455819
99
tores. O quarto tópico apresentará os procedimentos metodológicos que
serão utilizados para a execução da pesquisa e caracterizando a mesma.
No quinto tópico serão expostos de maneira organizada os
resultados encontrados durante a pesquisa, assim, como serão dis-
cutidos através de mapas conceituas durante a pesquisa bibliográfica
consultada. No sexto tópico, serão expostas as considerações finais, a
partir da presente pesquisa, e logo mais as referências bibliográficas
que foram utilizadas para a consecução desta pesquisa.
Portanto, a finalidade desta pesquisa é demonstrar como surgiu
o moderno estudo dos semicondutores e quais foram as suas primeiras
aplicações tecnológicas para o mundo moderno.

UM BREVE HISTÓRICO DOS SEMICONDUTORES

A história dos semicondutores começou em 1833, quando o


físico e químico inglês Michael Faraday descobriu que o sulfeto de
prata apresentava um coeficiente de resistência a temperatura. Este fato,
provavelmente foi a primeira descoberta significativa no campo dos
semicondutores (REVISTAS ANTIGAS DE ELETRÔNICA, 2017).
Faraday ao aquecer o Ag2S percebeu que sua resistência elétrica
diminuiu àmedida que sua temperatura era aumentada até determi-
nado valor. Fato totalmente inesperado e em completo desacordo com
outras substâncias metálicas já estudadas. Na época não foi apresentado
explicação sobre o ocorrido, assim como todas as outras observações
iniciais sobre os semicondutores.
Seis anos após a descoberta de Faraday, o físico francês Alexandre
EdmundBecquerel, conhecido na sociedade científica por seus trabalhos
iniciais no campo radioatividade, que tinha uma importante contri-
buição nos estudos dos semicondutores ao observar em uma solução
de selênio, o aparecimento de uma diferença de potencial entre os ele-
trodos de solução condutora, quando submetido a iluminação solar, uma
corrente elétrica era criada, seu neto Antoine Becquerel que tambem

100
atuou em trabalhos mais recentes sobre radiotividade. Portanto, estava
aí mais uma descoberta ao estudo dos semicondutores, a fotovoltagem.
Mais tarde, por volta do ano de 1870, o efeito fotovoltaico foi
estudado em sólido por um engenheiro eletricista de nome, Willoughby
Smith, que durante suas pesquisas com cabos submarinos precisava
de um material que demostrasse uma alta qualidade e resistência, a
haste de selênio material escolhido por Smith, parecia desenvolver
com satisfação o propósito almejado, porém, quando levado a prática,
mostrou muitas inconsistências (TEICHHOLTZ, 1967).
Após investigações, descobriu que a condutividade das hastes
de selênio aumentou significativamente quando exposta à uma forte
luz. Sem explicação, foi preciso averiguar as possíveis causas para o
fenômeno e, em 1873 W. Smith, descobriu a fotocondutividade ao
perceber que a resistência do selênio (material quenão conduz eletrici-
dade), poderia ser reduzida com a incidência de luz sobre ele, passando
de isolante para condutor. Três anos depois, foi verificado pelo próprio
Smith que o selênio também gerava energia a partir dos raios solares.
No ano seguinte (1874) veio a descoberta de uma quarta pro-
priedade semicondutora, a retificação. Karl Ferdinand Braun, observou
que o sulfeto de chumboem contato com uma ponta metálica causava
uma não linearidade, ou seja, permitia a passagem de corrente elétrica
em uma direção e sentido, mas o mesmo não era possível com mesma
intensidade na direção e sentido contrários. “Na verdade, a corrente da
direção é tão pequena, que quando aplicada diz-se que gira em uma
direção” (SANTOS, 2013). O retificador galena como é conhecido o
sulfeto dechumbo, foi o primeiro detector de estado sólido para ondas
de rádio, e ficou popularmente conhecido como bigode de gato.
Arthur Schuster, estudou a retificação entre não manchados
(elementos de natureza pura), e manchados (elementos com algum
nível de impureza). Muitos pesquisadores da época acreditavam que
o foco dos trabalhos de Schuster sobre a retificação era voltado para o
óxido de cobre, talvez por ser possível controlar o tipo de portadores
101
majoritário de cargas devido a adição de dopantes. É valido salien-
tar que, por muito tempo o fenômeno da retificação acreditava-se
tratar de um efeito térmico, e o cobre apresenta uma resistência ao
calor e durabilidade considerável.
Em 1876, W.G. Adams e R.E. Day criaram o primeiro elemento
fotovoltaico do tipo moderno de camada de barreira, sua base foi feita
com selênio. Eles observaram que a presença de luz podia mudar a
direção da corrente, fluindo atravésdo selênio conectado a uma bateria.
Continuando o trabalho de W.G. Adams e R.E. Day sobre o selênio,
C.E. Fritts produziu o primeiro retificador seco de grande área em
1883, que foi a primeira célula fotovoltaica.
Com isso, Fritts sintetizou o selênio em filmes muito finos no
substrato metálico e pressionou uma pequena folha de ouro em cima
para fazer um segundo contato, o filme de ouro era fino o suficiente
para deixar a luz passar. Em 1885, quatro das principais propriedades
dos semicondutores foram observados, embora em materiais distintos.
Ainda em 1885, foi conhecido as propriedades básicas dos semi-
condutores,alguns dispositivos foram criados, mas sem grande apreciação
uma vez que, ninguémsabia ao certo o que era um semicondutor, nem
sua finalidade. Em 1925 a resposta para o que seria semicondutor veio
com a equação de Schrödinger, a partir desse ponto, a física do estado
sólido deu um grande passo rumo ao desenvolvimento da microele-
trônica. A equação fundamental da mecânica quântica de Schrödinger
resultou na invenção do diodo.
Nos anos seguintes o aumento por conhecimentos dos semicon-
dutores foi notório devido a comercialização do mesmo. “A propriedade
fotocondutor desses materiais foi explorada comercialmente para
fotocélulas e sua propriedade de retificação foi usada para elementos
não lineares em circuitos eletrônicos” (TEICHHOLTZ, 1967, p. 11).

102
Figura 1: Mapa conceitual com noções básicas sobre a história dos semicondutores.

Fonte: Autores, 2022.

AS PRIMEIRAS APLICAÇÕES TECNOLÓGICA

Os Semicondutores na Industria Eletrônica

Uma das primeiras funcionalidades de um semicondutor acon-


teceu em 1883, quando Charles Edgar Fritts produziu a primeira célula
solar, que contia emsua estrutura física uma placa metálica, uma fina
camada de selénio revestida com uma fina camada de ouro. Diferente dos
dias atuais, a eficiência dessa célulasolar ficou abaixou de um por cento.
Em 1904, J. C. Bose, foi convencido a patentear seu retificador
de ponto de contato PBS, mesmo sendo contra o patenteamento
por acreditar que o conhecimento não deve ser restrito e sim, dis-
ponível a todos. Dois anos depois G. Pickarde demonstrou que os
retificadores de contato ponto-contato feito com silício eram úteis
na detecção de ondas de rádio.
Russell Ohl pesquisando sobre possíveis problemas com os
detectores de onda de rádio que utiliza bigode de gato, constatou uma
uniformidade na união do silício com quartzo. Ohl acidentalmente
descobriu a junção p-n que culminou na criação do primeiro transístor.
103
Praticamente a invenção do transistor foi idealizada e concre-
tizada peloslaboratórios de pesquisa da empresa Bell Telephone, nos
Estados Uinidos, denominada Bell Labs, no início do século XX,
pouco antes da 2ª guerra mundial.Devido o estudo e aplicação da
lei de Shoringer em 1925, o estudo Ja havia sidoiniciado por George
Clarke Southworth, que trabalhou com guias para microondase usando
detectores de ondas de rádio ou chamados rádio-galena desenvolveu
oradar, usado na segunda guerra mundial.
Em 1931 Allan Wilson, formulou a teoria de bandas e Russel
ohl,descobriu um melhor material semicondutor o Silício, em 1935
Willian Shockley começa a trabalha nos laboratórios Bell em 1936, onde
em 1939 aprimorou uma maneira de converter os cristais retificadores
em dispositivos de amplificação de sinais elétricos. Juntamente com
Russel Ohl em 1940 que foi integrado a trabalharnos laboratórios Bell,
aprimoram o uso de cristais de germânio que controlam acorrente
elétrica, no entanto pararam os estudos por conta da 2ª guerra mundial.
Durante o início da década de 30, o período que antecede a
2ª guerra mundial e o período pós-guerra, teve um grande avanço da
utilização de materiais semicondutores, como no caso da descoberta
do Germânio (Ge) como primeiro díodo. Possibilitando a criação
do transístor em 1947 por Bardeen, Shockley e Bratain, através dos
laboratórios Bell, ganharam o prêmio Nobel de 1956. Portanto, sendo
usado com grande importância, como transístor de rádio e outros ins-
trumentos na 2ª guerra mundial.
Continuando a crescente evolução dos transístores, John
Shive de monstrou em 1948 um transístor de contato pontual fun-
cionando com perfeiçãocom o coletor e emissor colocado nos estre-
mos de uma fina tira de germânio.
Depois da invenção do transístor, o físico japonês Leo Esaki
alcançou o díodo de túnel Esaki em 1957, ao estudar o germânio e
silício fortemente dopados. Após engenheiros da Sony descobrirem
um defeito no transístor 2T7, Leo e seus estagiários notaram que,
104
quando o nível de dopagem ultrapassava umcerto valor, o transístor de
junção PN parava de funcionar. A solução para o problema veio após
a descoberta de uma resistência negativa gerada com o auto teor de
impurezas. Esse díodo foi o primeiro dispositivo de elétron quânticos.
Depois da invenção do transístor, o físico japonês Leo Esaki
descobriu o díodo de túnel Esaki em 1957, ao estudar o germâ-
nio e silício fortementedopados.
O primeiro circuito integrado (circuito eletrônico minia-
turizado), surgiu um ano depois da criação do díodo de túnel. Jack
Kilby apresentou vários dispositivos fabricados em um substrato
de silício conectados por fios.
Frank Wanlass inventou circuitos lógicos CMOS (semiconduto-
res deóxido metálico complementar), no ano de 1963, essa tecnologia
é utilizada na maioria dos microchips modernos.

Figura 2: Mapa conceitual sobre as primeiras aplicações.

Fonte: Autores, 2022.

Devido aos seus poderosos recursos de processamento e armaze-


namento dedados, a tecnologia de semicondutores se expandiu para a
105
eletrônica, substituindo muitos dispositivos analógicos, como válvulas
termiônicas. A gama de componentes eletrônicos é definida pela famosa
Lei de Moore, dita que o poder de processamentodos dispositivos semi-
condutores dobra a cada 18 meses. Mesmo após 4 anos, tal previsão ainda
é justa para a situação atual (CAMPANÁRIO; SILVA; COSTA, 2009).

Díodo

Um diodo é o tipo mais simples de semicondutor. É um com-


ponente eletrônico que permite que a corrente flua apenas em uma
direção. Amplamente utilizado na retificação de sinal AC, retificação
de sinal de áudio, detecção de sinal de rádio, etc. A figura abaixo mos-
tra representação de diodos usados em dispositivos e componentes
eletrônicos reais. Portanto, o mecanismo de diodo mostrado na Figura
3, é semelhante a uma célula fotovoltaica.
Mas há trabalhos diferentes, uma delas é a correção, ou seja, con-
trolar a corrente no circuito em apenas um sentido. O princípio usado
para fazer um diodo é conectar dois semicondutores, um tipo p e um
tipo n. Quando esta conexão ocorre, oselétrons preenchem rapidamente
os buracos na área de montagem. Não há portadores de carga neste
componente porque elétrons e buracos são conectados para formar
uma barreira que não permite a entrada de corrente no dispositivo.
Essa barreira é chamada de camada de depleção (MALVINO, 1997).

Figura 3: Díodo.

Fonte: Do site Achei Componentes.


106
Quando ddp é aplicado ao terminal de diodo do lado n (cátodo),
a força eletromotriz quebra a camada de desaceleração, permitindo
que a corrente flua através do fio. No entanto, quando a corrente entra
pelo terminal p do diodo (ânodo),os elétrons conectam buracos no
semicondutor, aumentam a camada de redução, interrompem o fluxo.

Transistores

A principal função de um transistor é atuar como uma chave ana-


lógica. Possuitrês camadas de materiais semicondutores polarizados tipo
p e tipo n. Portanto, temosa combinação pnp e npn, conforme mostrado
na Figura 4. Cada uma dessas camadastem uma taxa de dopagem dife-
rente para se descrever como coletor, base e emissor.Como resultado, a
junção semicondutora produz um fluxo e amplifica o sinal dentro do
elemento e retorna ao circuito usando um emissor (MALVINO, 1997)

Figura 4: Transistores em arranjos NPN e PNP.

Fonte: Do site Portal Eletricistas.

Os transistores são, sem dúvidas, os componentes eletrônicos


baseados em semicondutores mais utilizados e importantes, e essa fle-
xibilidade possibilitou o desenvolvimento de computadores moderno.
Essa tecnologia se aplica ao processamento e armazenamento de
informações. Eles foram desenvolvidos nos laboratórios de Bell em
1947, utilizando o germânio como matéria-prima, a partir da necessi-
dade de umas eletrônicas mais eficientes do que as espaçosas e frágeis
válvulas termiônicas (CAMPANÁRIO; SILVA; COSTA, 2009).

107
TEORIA DE BANDAS

A teoria de bandas foi desenvolvida em 1931 por Alan Wilson,


essa teoria define com precisão a estrutura eletrônica do sólido em
toda sua extensão, o mesmo mostrou a diferença existente entre um
material condutor e um isolante, usando o conceito de condutividade
elétrica, consistindo na migração de elétrons de uma barra de maior
concentração de energia para uma de menor concentração.
Portanto, teremos um sólido isolante, se a diferença entre as
duas bandas de energia for bastante extensa. Em contrapartida, o
sólido será condutor quando o espaço entre as bandas for inexistente.
Mostrando na figura 5, representação esquemática de diagramas
sobre os materiais semicondutores, o espaçamento entre as bandas
de valência (maior energia), e a banda de condução (menor energia),
são consideravelmente pequenos.

Figura 5: Comportamento de corrente no metal

Fonte: Imagem adaptada do material de SANTOS, 2016.

108
Este modo, emprega átomos formados a partir de núcleos (com-
postos de prótons e nêutrons) e esferas elétricas (compostas de elétrons).
Os elétrons percorrem órbitas horizontais determinadas pela distância
do núcleo. À medida que essa distância aumenta, a atração entre o núcleo
e o elétron se torna menor, e a carga negativa é facilmente removida
quando o corpo está sob energia eletromotriz. No nívelmacroscópico,
o fluxo de elétrons é equivalente à corrente elétrica.

CONDUTIVIDADE ELÉTRICA

Elétrons com órbitas fixas, segundo a conjectura clássica, só são


possíveis devido ao equilíbrio entre a gravidade do núcleo e a força
centrífuga criada pelo seu movimento de transporte. Deve-se notar
também que quando a órbita é grande, ela puxa levemente e, portanto,
o elétron distante deve girar levemente, caso contrário sua força central
o afastará do alcance do núcleo atômico (MALVINO, 1997).
Para objetos de estudo de condutividade, as camadas subjacen-
tes da camada elétrica não são muito importantes. De fato, apenas o
último orbital é de interesse parao estudo da condutividade, pois nele
se encontra o número de elétrons que podem ou não converter um
elemento em potencial condutor.
Ao observar a estrutura de bons condutores como cobre, ouro e
prata, verifica-se que cada um desses elementos possui apenas um elétron
na camada de valência.A ideia é que, devido à sua distância do núcleo,
esse único elétron seja suscetível à voltagem, puxando-o facilmente
para fora da bola elétrica, transformando-o em um elétron livre.

PROCESSO DE DOPAGEM

Dopagem de semicondutores consiste em adicionar ao cristal


puro, pequenasquantidades de impurezas para modificar as caracte-
rísticas elétricas de forma controlada, tornando-o mais condutor. A
dopagem de um material semicondutor paralhe conferir propriedades
109
condutoras envolve basicamente a aplicação de impurezas em sua
estrutura cristalina. Esta concentração deve ser controlada para obter
um material com uma condutividade especificada de acordo com
sua aplicação. Este é um processo minucioso em que as impurezas
devem estar presentes em quantidadesde 1 átomo por 104 átomos de
elementos elementares (SCHIMIDT, 2010).
Como mencionado anteriormente, materiais semicondutores
puros se comportam como isolantes. Se uma pequena diferença de
potencial de ordem (ddp) for aplicada a ele à temperatura ambiente,
não haverá fluxo de corrente. A condutividade elétrica é ativada por
portadores de carga na estrutura cristalina deste material.

CÉLULAS FOTOVOLTAÍCA

As células fotovoltaicas são dispositivos semicondutores que tem


como função converter energia proveniente do sol em energia elétrica.
A confecção dessas placas solares pode utilizar diferentes materiais
semicondutores, entre eles o principalelemento é o silício cristalino.
Há dois tipos de painéis fotovoltaicos com grande utilização
atualmente, os painéis monocristalinos e policristalinos; cada tipo
atende uma necessidade específica.
Os Monocristalinos: Um tipo de silício usado em quase todos os
dispositivos eletrônicos. Hoje, tem uma forte capacidade de aceitar
a radiação, devido à sua pureza, a eficiência energética é entre 14%
e 21% superior ao polissilício.
Os Policristalino: Consiste em pequenos cristais de silício,
também conhecidos como polissilício. O material é produzido em
vidro de sílica desalinhado, entre silício amorfo sem ordem de longo
alcance e silício monocristalinos;
As Células Solares ou Células fotovoltaicas, usadas para produzir
energia elétrica a partir da radiação solar.

110
Figura 3: Placas solares feitas com cristais de silício ultra puro.

Fonte: Do site Geocities.

TIPOS DE SEMICONDUTORES

Existem diferentes tipos de materiais semicondutores, depen-


dendo das impurezas que apresentam e de sua resposta física a
diferentes estímulos ambientais.
Os Semicondutores intrínseca: sua estrutura molecular inclui ape-
nas um tipo de átomo. Entre esses tipos de semicondutores internos
estão o sílico e o germânio, cujas bandas eletrônicas produzem um
gap de baixa potência, ou seja, o espaço entre a banda de valência e a
banda de acionamento é pequeno,dando preferência ao fluxo elétrico.
A ocorrência da semicondução depende de dois dispositivos de
carga que se distribuem por todos os defeitos da rede cristalina: elé-
trons e buracos (que pode ser entendido como a ausência de elétrons
produzidos ao passar pela banda de valência). Portanto, um buraco
pode ser considerado como uma partícula bem carregada com
o mesmo tamanho, mas um sinal oposto, como um elétron.

111
Desta forma, os semicondutores internos possuem o mesmo
número decondutores positivos e negativos, pois a cada elétron desen-
volvido na banda de valência, é produzida uma lacuna na banda condu-
tora. Portanto, a condutividade elétrica do semicondutor intrínseco é
definida pelo produto do número de elétrons e lacunas, seu custo e fluxo.
A estrutura molecular de um semicondutor intrínseco é tetra
ética, ou seja, tem fortes ligações entre os quatro átomos ao seu redor.
Cada átomo semicondutor intrínseco contém elétrons de valência, isto
é, os elétrons giram em torno da camada externa de cada átomo. Cada
um desses elétrons forma ligações com elétrons vizinhos.
Já os Semicondutores extrínseca: atendem ao incluir impurezas nos
condutores internos, isto é, combinação de elementos trivalentes ou pen-
tavalentes. Introduz um comportamento de semicondução que depende
muito do foco material no assunto, que pode ser de dois tipos: n ou p.
Os semicondutores externos são aqueles que possuem menos
impurezas eletrônicas, ou seja, as impurezas possuem uma banda de
valência com valores de gap de energia mais baixos que o material puro.
Portanto, são capazes de fornecer elétrons para a banda. Por outro lado,
os semicondutores do tipo p externos possuem impurezas receptoras
de elétrons, ou seja, possuem bandas flexíveis, possuem um elemento
de bandade valência, um gap de energia menor que o próprio objeto.
Desta forma, os átomos de impurezas atuam como receptores
de elétrons na banda de valência do material. Com isso em mente, é
possível fazer um semicondutordopado adicionando impurezas do tipo
n ou p para melhorar as propriedades elétricasdesses materiais.
Esse processo é chamado de dopagem e visa aumentar a con-
dutividade elétrica dos materiais de construção, melhorando suas
propriedades físicas e elétricas. Ao substituir o átomo semicondu-
tor interno por outro átomo atômico, dois tipos de semiconduto-
res externos podem ser obtidos.
• Semicondutor do tipo P.

112
Neste caso, a impureza é um elemento semicondutor triva-
lente; ou seja, com três (3) elétrons em sua camada de valência.
Os elementos que penetram no interior da estrutura são
chamados deelementos dopados.
Exemplos de tais elementos para um semicondutor do tipo P
são boro (B), gálio (Ga) ou índio (In).
• Na ausência de elétrons de valência para formar quatro ligações
semicondutoras interconectadas, o semicondutor do tipo P
tem um buraco na ligação ausente.

• Semicondutor tipo N.
O elemento intrusivo na configuração é dado pelos elementos pen-
tagonais; ou seja, substâncias com cinco (5) elétrons na banda de valência.
Neste caso, as impurezas embutidas no semicondutor interno
sãoelementos como fósforo (P), antimônio (Sb) ou arsênico (As).
Dopantes com mais um elétron de valência sem ligações
covalentes para se unir, se moverão automaticamente pela rede.

METODOLOGIA

A metodologia empregada é a pesquisa bibliográfica, onde será


utilizada trabalhos publicados relacionados as contribuições do sur-
gimento do moderno estudo dos semicondutores e também as pri-
meiras aplicações tecnológicas.
Quando a exposição de dados e por ser bibliográfica se define
como qualitativa, por fazer exposição de pesquisas publicadas, dis-
cutindo os resultados de uma determinada metodologia, no caso é a
importância dos semicondutores para compreensão de conhecimento
referentes à Física no ensino Médio regular.
Em outras palavras, a pesquisa qualitativa não foca em dados
quantitativos,e sim na interpretação de fatos ou acontecimento. Silveira
e Córdova (2009, p. 31) afirma: “A pesquisa qualitativa preocupa-se,
113
portanto, com aspecto não qualificáveis da realidade, focalizando a
compreensão e a explicação da dinâmica das relações sociais”.
Logo, por mais que nos trabalhos publicados hajam dados qua-
lificados, esta é classificada como bibliográfica e qualitativa por não
objetivar a discussão dos dadoscoletados por uma percentagem ou qual-
quer outro dado numérico, do contrário, expõepontos positivos sobre
a inserção das primeiras aplicações tecnológicas como metodologia.
Por esse motivo, esta pesquisa se enquadra como descritiva,
pois considerando os objetivos, procurar descrever o que os artigos ou
monografias pesquisadas apontam de benefício ao processo de ensino
e de aprendizagem da Física no ensino médio. Colaborando com a tal
afirmação, Gil (2002, p. 42) ressalta que um dos objetivos primordiais
das pesquisas descritivas é caracterização de um fenômeno. Ou seja,
analisar e discorrer sobre o tema se faz relevante.

RESULTADOS

Para a avaliação dos resultados da pesquisa devidamente aplicada,


a abordagem empregada, conforme descrito anteriormente, é por meio
da análise de pesquisa bibliográfica e qualitativa, a fim de selecionar
temas com base em estudos previamente definidos e aprovados.
Os resultados deste projeto nos mostram um breve histórico de
como surgiu a pesquisa moderna de semicondutores. Em forma geral,
um material é classificado como semicondutor quando sua resistividade
à temperatura ambiente está na faixa de 10-2 e 109 Ω•cm, referindo-se
a um valor intermediário entre um bom condutor e um bom isolante.
Portanto, as propriedades elétricas únicas desses materiais se
tornam particularmente úteis na construção de dispositivos eletrônicos
(diodos, transistores, células fotovoltaicas, etc.) e aplicações envolvendo
processos fotocatalíticos. Semicondutores são sólidos que podem facil-
mente mudar seu estado de isolante paracondutor. Isso ocorre porque
os semicondutores têm intervalos de banda intermediários.

114
A banda proibida é a região que fica entre a banda de valência
ou camada devalência de um átomo e a banda de condução (a região
onde a corrente flui sob a ação de um campo elétrico). Quando os
elétrons ganham uma certa quantidade de energia, eles se tornam
livres e movem-se da camada de valência para a camada decondução.
A condutividade de um semicondutor pode ser alterada a tem-
peratura para atingir uma condutividade semelhante à de um metal, ou
pode vir da excitação térmica,conhecida como condutividade intrínseca.
Os semicondutores podem ser feitos de silício ou germânio e são usados
para fazer componentes eletrônicos, como transistores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dispositivos semicondutores são base da eletrônica moderna,


embora os avanços científicos em materiais que possuam uma mudança
para outros tipos de tecnologia, como a spintrônica. A questão é que
as estruturas de semicondutores ainda são úteis em muitas indústrias,
principalmente na fabricação de microprocessadores e células solares.
As demandas futuras de energia exigirão fontes de energia reno-
váveis, e as células fotovoltaicas, que usam propriedades semicondu-
toras na produção de energia, desempenhando um papel importante.
Embora o silício seja um elemento abundante na crosta terrestre, novos
materiais estão sendo pesquisados para substituí-lo, ou pelo menos
rivalizá-lo, devido ao valor agregado de seu processo de purificação,
que é muito caro em relação à matéria-prima.
Além disso, há um grande paradoxo na questão das células sola-
res, pois a obtenção do silício metalúrgico que produzirá o silício solar
requer muita energia a sergastada por meio de um processo de cabo
térmico, que também utiliza o carbono como agente redutor presente
em substâncias como petróleo, minerais e carvão vegetal.

115
REFERÊNCIAS
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TEICHHOLTZ, Nathan Alan. A History of Semiconductor Research. MASS. INST. OF
TECHNOLOGY. Jun 1967.

116
A INTERNET NA SALA DE AULA E A SALA
DE AULA NA INTERNET: AS NOVAS
TECNOLOGIAS COMUNICACIONAIS E SUA
INTERFACE EDUCADORA

Leonardo Freire Marino24

INTRODUÇÃO
O analfabeto do século XXI não será aquele que não consegue ler e escrever, mas
aquele que não consegue aprender, desaprender e reaprender.

Alvin Toffler (1928-2016)

Quando analisamos o entorno em estamos inseridos, percebemos


as marcas de um mundo em permanente transformação. Passamos a
conviver intensamente com artefatos tecnológicos, que contribuem
para a concreção para um cotidiano marcado pela intensificação do
fluxo de comunicação e por instantâneas conexões virtuais. Entretanto,
quando observamos o interior de uma instituição escolar, a realidade
é muito diferente, na maior parte dos casos, presenciamos a existência
de um ambiente marcadamente analógico, pouco integrado as novas
tecnológicas e caracterizado, majoritariamente, pela utilização de
metodologias de ensino estabelecidas há alguns séculos. É como se as
escolas estivessem congeladas no tempo, servindo como testemunhas do
passado, de uma realidade social que não existe mais fora de seus muros.
O contraste, entre o interior e o exterior das instituições de ensino,
expõe um descompasso, um desacerto temporal, entre um mundo em
permanente transformação e o conservadorismo metodológico presente
no ambiente escolar. Mas, será possível que as escolas permaneçam desta

Doutorado em Geografia (UFF). Professor Adjunto (UERJ) e no Mestrado Profissional de Ensino em


24

Educação Básica (PPGEB) e Mestrado Profissional em Ensino de Geografia (PROFGEO).


ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4492-1023
117
forma? Acredito que a resposta para esse questionamento é não. Não é
possível que as escolas continuem realizando suas práticas por meio de
um modelo de ensino tradicional e analógico, criado nos primórdios
do processo de industrialização. No entanto, para que o modelo escolar
seja modificado não é preciso apenas a incorporação de novos recursos
tecnológicos, mas, sobretudo, a construção de novos métodos, a revisão
de suas relações com o mundo atual e o reconhecimento de que as
novas tecnologias interferem no estabelecimento de subjetividades.
Buscando contribuir para a superação do distanciamento entre
o ambiente escolar e as novas tecnologias proponho o presente ensaio.
Seu objetivo reside em apontar de que forma as tecnologias digitais
e as redes informacionais têm contribuído para a construção de um
novo arranjo pedagógico e, consequentemente, possibilitado o soer-
guimento de um novo arcabouço metodológico. Para atingir este
objetivo, o trabalho foi dividido em duas partes. A primeira, nomeada
como ‘A internet na sala de aula e a sala de aula na internet’, discute
de que forma a rede mundial de computadores impacta os processos
de ensino-aprendizagem e de como ela deve balizar a concreção de
novos processos formativos. A segunda, intitulada como ‘A constru-
ção de uma educação curiosa, criativa e colaborativa’, apresenta uma
possibilidade metodológica, considerada como capaz de auxiliar o
estabelecimento de novas práticas docentes e, consequentemente, de
um modelo escolar que se apoie na produção de sujeitos emancipados,
curiosos, criativos e colaborativos.

A INTERNET NA SALA DE AULA E A SALA DE AULA NA


INTERNET

É inegável a importância que a internet adquiriu. Atualmente,


parte considerável das atividades que realizamos cotidianamente se
apoiam em artefatos tecnológicos conectados as redes digitais. O
uso de aparelhos eletrônicos constitui um aspecto fundamental de
nosso tempo, uma consequência direta do ambiente comunicacional-
118
cultural que emergiu no final do século XX e que se expandiu
consideravelmente neste século. Frente a este cenário, a presença
de artefatos tecnológicos e, consequentemente, as manifestações
culturais estabelecidas por meio deles, se tornou natural e ordinária,
ultrapassando os muros escolares. Apesar de serem, majoritariamente,
marcadas por procedimentos metodológicos tradicionais e analógicos,
as instituições de ensino não se encontram apartadas da influência das
redes informacionais. A relação dos sujeitos com a cultura estabelecida
e disseminada pela internet impõem novos hábitos e formas de acessar
os conhecimentos historicamente produzidos.
Ao passo que presenciamos sujeitos-escolares cada vez mais
conectados, observamos uma alteração na forma como os saberes
tradicionais são acessados. Em nossos dias, parte considerável dos
conteúdos escolares se encontra disponível em plataformas digitais.
Tal fato retirou das aulas, do encontro presencial com docentes, em
instantes temporalmente estabelecidos, a exclusividade pela exposi-
ção de informações e conteúdos escolares. Este por exemplo, é o caso
das inúmeras vídeos-aulas disponibilizadas na plataforma de vídeos
Youtube ou de Empresas que atuam na oferta de ‘aulas online’. De
acordo com reportagem publicada na Revista Pequenas Empresas e
Grandes Negócios, publicada no dia 10 de março de 2020, a plata-
forma de ensino online Descomplica, contava a época com mais de
300 mil assinantes e 27.500 vídeos.
Caracterizados por uma linguagem que integra imagens, sons
e movimentos, atributos imanentes dos ambientes virtuais, o acesso
a informações por meio das plataformas digitais aponta para o soer-
guimento de procedimentos que se apresentam como mais atraentes,
quiçá mais eficientes, para parte considerável dos estudantes. Esse novo
arranjo informacional determina a ampliação do acesso aos conteúdos
escolares e, consequentemente, a diversidade de formas de apresentação.
No entanto, uma observação mais atenta a respeito do que é veiculado
e, consequentemente, acessado nas redes, aponta a necessidade de

119
uma análise substancial, pois, em muitos casos, existem incorreções,
imprecisões, ambiguidades e, em páginas especificas, a manipulação de
informações essenciais. Aspectos que tornam a avaliação constante dos
conteúdos digitais uma prática docente fundamental em nossos dias.
Não resta dúvida que o contato com um universo maior de
informações representa um aspecto positivo da disseminação do uso
da rede mundial de computadores. Contudo, ao contrário do que ocor-
reu nas primeiras décadas de existência da internet, onde o acesso às
informações ocorria de maneira descentralizada e independente. Hoje,
como consequência direta dos avanços tecnológicos, do marketing
digital e do estabelecimento de interesses econômicos e políticos nos
ambientes virtuais, convivemos com o soerguimento de sistemas de
direcionamento de conteúdos por meio de mecanismos de inteligência
artificial – IA (LEE, 2019). Contraditoriamente, a ampliação do uso da
internet possibilitou a multiplicação da produção de conteúdos digitais,
mas o acesso a eles, ao longo dos últimos anos, tem sido cada vez mais
restrito, sendo direcionado pelos algoritmos de inteligência artificial.
Para o pleno funcionamento dos algoritmos de IA é necessário
um intenso processo de coleta e armazenamento de dados. A partir
dos dados coletados, são traçados padrões de acesso e construídos os
perfis dos usuários. É por meio desses perfis que as informações são
disponibilizadas em nossos feeds, são os algoritmos que determinam
o que será apresentado, as notícias e os links que serão disponibiliza-
dos nas primeiras posições em um site de busca. Foi pensando nestes
mecanismos que o pesquisador norte-americano Eli Pariser (2012),
denunciou que o direito de escolha dos usuários da rede mundial de
computadores foi subtraído pelos algoritmos de inteligência artificial.
De acordo com suas formulações, se dois indivíduos acessarem o mesmo
buscador comercial e pesquisarem o mesmo assunto, os resultados
apresentados serão diferentes. Isso ocorrerá devido à ‘personalização’
realizada pelos algoritmos, que direcionarão os resultados com base
no histórico de navegação, cliques e curtidas dos usuários. É a inte-

120
ligência artificial quem direciona o que tem sido exposto e que tipos
de informações serão disponibilizados (CANCLINI, 2016).
A crítica a personalização não reside em sua existência, mas
na forma arbitrária e velada, quase imperceptível, que os perfis são
estruturados. Os usuários não decidem o que será disponibilizado,
não têm ideia do que não será exibido, ou seja, informações que pode-
riam ser interessantes não estarão acessíveis, serão desprezadas pelos
algoritmos (MOROZOV, 2018). A consequência mais perceptível
desse processo reside na criação das chamadas ‘bolhas digitais’ que,
entre outros aspectos, impedem o contato com opiniões contrárias e
divergentes. As bolhas digitais constroem uma ilusão, uma miragem
da realidade, cujo desdobramento determina uma falsa percepção do
mundo, como, por exemplo, na ideia de que a posição política pessoal
de um indivíduo é a única possível e existente. Em diversos momentos,
os fatos e a complexidade que caracterizam os aspectos sociais, eco-
nômicos e políticos são desprezados em razão de convicções pessoais
alimentadas pela inteligência artificial. É por meio da personalização
estabelecida pelos algoritmos que as bolhas ampliam a disseminação
de diversos conteúdos, incluindo notícias falsas ou servindo aos pro-
cessos de desinformação (HUI, 2020).
Com base nessa realidade, torna-se essencial que docentes e dis-
centes tenham um comportamento mais ativo em relação ao ambiente
digital e, especialmente, que percebam os direcionamentos estabele-
cidos pelos algoritmos. É preciso que as informações e os conteúdos
disponibilizados na internet sejam, permanentemente, discutidos,
confrontados e submetidos a uma análise crítica. Além disso, se o que
recebemos como informação tem origem em algoritmos, precisamos
questionar se de fato possuímos liberdade de escolha e se a internet
democratizou, verdadeiramente, o acesso à informação.
Vivemos um momento da era digital diferente daquele que existiu
em seu início. Passamos de uma ‘sociedade em rede’, como descreveu
o sociólogo espanhol Manuel Castells (2006), para uma ‘sociedade
121
de dados’. Se o advento da cultura digital, em seus primeiros anos,
foi associado a democratização da informação, com a ampliação do
acesso e da produção de conteúdos digitais, de saberes e de expressões
culturais, atualmente, este processo tem sido solapado. Na sociedade de
dados, ao passo que acontece a ampliação do número de usuários e de
acesso aos serviços digitais, ocorre a redução da liberdade de escolha
e do contato com o contraditório, com o diferente. A livre escolha foi
subtraída dos indivíduos nos ambientes virtuais (MOROZOV, 2018).
A incorporação da cultura digital nas práticas escolares não
pode envolver apenas a disponibilização de artefatos tecnológicos
ou o acesso às novas mídias, mas, fundamentalmente, a garantia de
que os estudantes consigam perceber suas ‘bolhas’ e compreendam os
fatores envolvidos no direcionamento de informações e conteúdos
digitais. As redes informacionais precisam ser percebidas conforme
o seu potencial, a cultura digital deve ser incorporada nas práticas de
ensino, mas esses processos devem envolver análises criteriosas dos
limites inerentes a sua utilização em nossos dias. Portanto, é preciso
construir projetos pedagógicos que contemplem, simultaneamente, o
potencial formativo presente nas redes e o estabelecimento de análi-
ses críticas do que é acessado.
Informação e conhecimento não são sinônimos. A informação
tem sido facilitada por meio das redes virtuais, mas o conhecimento
é uma construção mental, estabelecida através do processamento,
da interpretação e da compreensão das informações recebidas. O
conhecimento é o significado que atribuímos as informações que
acessamos ao longo do tempo. Nesse sentido, podemos afirmar que
a Internet criou uma geração de aprendizes mais informados, porém
os algoritmos da inteligência artificial limitam as possibilidades de
escolha e, consequentemente, interferem na produção de conhecimen-
tos. Desta forma, é preciso que as informações acessadas não sejam
entendidas como verdades absolutas, os conteúdos digitais precisam

122
ser confrontados, analisados e validados com base nos conhecimen-
tos historicamente produzidos.
É por esta condição que defendo que devemos levar a internet para
o interior das salas de aula, mas, igualmente, precisamos levar as salas de
aula para a internet. Aqui reside a importância das instituições de ensino
e das práticas docentes, uma vez que os instantes de ensino devem ser
transformados em momentos de reflexão a respeito das informações,
cotidianamente, acessadas e de curiosidade para correlacionar diferentes
visões de mundo. Existe um elevado potencial educativo nos ambientes
virtuais, mas sua utilização depende de como esse recurso é apropriado
pelos sujeitos. É preciso que as novas tecnologias sejam encaradas
como um instrumental favorável a construção de novos processos de
aprendizagem, porém esses recursos não substituem os momentos de
formação, o contato com os docentes e a construção de processos de
reflexão e aprendizagem (MORAN, 2018).
A seguir apresentaremos uma possibilidade metodológica que
pode subsidiar as ações docentes. Neste ponto uma ressalva deve
ser feita, uma vez que não apontaremos um procedimento defini-
tivo e acabado ou o relato de uma experiência pedagógica exitosa, o
que busco é elencar uma possibilidade, um caminho metodológico
que pode contribuir para a incorporação dos recursos digitais nos
ambientes escolares e que, simultaneamente, favorecerá a formação
de estudantes curiosos, criativos e colaborativos, competências atitu-
dinais que considero como essenciais para a concreção de processos
educativos adaptados ao momento atual.

A CONSTRUÇÃO DE UMA EDUCAÇÃO CURIOSA,


CRIATIVA E COLABORATIVA

Historicamente, a escola apresenta seu foco no ato de ensinar.


Em seu interior, os docentes possuem a centralidade dos processos
formativos, selecionando de que forma as informações são expostas
aos discentes. Em um contexto como o atual, marcado pela ampliação
123
do acesso à informação, parte do que é ensinado se encontra dispo-
nível nas plataformas digitais. Por esta condição, não podemos negar
que a rede mundial de computadores passou a interferir na escola-
rização dos indivíduos. Frente a este cenário, defendo que as escolas
objetivem a construção de reflexões, de análises e de correlações a
respeito do emaranhado de informações que acessamos diariamente,
procurando fomentar a curiosidade, a criatividade e a colaboração
na construção de conhecimentos.
O estabelecimento desses processos no interior das escolas,
mesmo que ainda seja incipiente, está em curso, dado que compreende
um percurso inevitável para a construção de um novo modelo educa-
cional (RIFKIN, 2016). As escolas estão mudando suas arquiteturas
metodológicas, transformando-se em espaços de fomento aos proces-
sos de aprendizagens, contribuindo para a concreção de indivíduos
autorregulados, corresponsáveis pelos seus itinerários formativos e pela
seleção dos instrumentos mais adequados para a construção de seus
conhecimentos. Porém, esse processo tem ocorrido de forma lenta,
sendo marcado por idas e vindas e, curiosamente, resistências por parte
de docentes e discentes. Acredito que a resistência ao novo decorre,
sobretudo, do desconhecimento do potencial formativo presente nos
novos arranjos pedagógicos e, principalmente, pela incompreensão
do papel que será desempenhado pelos docentes neste novo cenário.
Defendo que, neste novo arranjo pedagógico, os docentes assu-
mam uma dimensão que ultrapassa a simples exposição de conteúdos,
cabendo-lhes a função de confrontação de informações e, consequen-
temente, de estabelecimento de momentos de construção coletiva de
análises e correlações a respeito das informações disponibilizadas pelas
redes digitais. Frente a este novo papel, o professor não abandona inte-
gralmente o papel de expositor de conteúdos, mas, agora, é essencial
que ele ultrapasse esta função, assumindo o papel de formulador de
atividades e de promotor de experiências educadoras.

124
Apesar de estarmos sempre aprendendo, a construção sistemática
do conhecimento não é um procedimento facilmente estabelecido.
Hoje, com base nos inúmeros avanços da neurociência associados a
educação, sabemos que a consolidação do conhecimento demanda uma
combinação mental complexa, onde as informações adquiridas precisam
ser confrontadas, analisadas e, quando necessário, reconstruídas por ava-
liações e combinações (COSENZA, 2011). Portanto, a complexidade
dos processos mentais relacionados a consolidação de conhecimentos,
requer mais do que o acesso a informações e a apresentação de con-
ceitos no interior de uma sala de aula. É cada vez mais necessário que
os procedimentos escolares se apoiem em experimentações, vivências,
inferências e pelo compartilhamento de saberes. Procedimentos que
entendo que devam balizar todas as atividades escolares.
Em um mundo marcado pela virtualidade, pela ampliação
do acesso às informações e pela existência de filtros de inteligên-
cia artificial, o papel desempenhado por docentes na construção de
conhecimentos é ampliado. As redes informacionais têm produzido
processos de alienação, reduzindo o direito a escolha e limitando o
contato com o contraditório e o diverso. Por isso, é vital que as prá-
ticas docentes passem a promover uma análise crítica a respeito das
informações acessadas pelos estudantes por meio das redes digitais.
O fomento a autonomia dos estudantes precisa ser entendido como
uma questão central, que direcionará a seleção das metodologias
empregadas no interior das escolas.
Sobre esse prisma, Mitchel Resnick (2020) defende que deve-
mos estimular os estudantes para se transformarem em pensadores
criativos. De acordo com suas formulações, a criatividade constitui
uma habilidade fundamental, devendo ser ambicionada em todas
as atividades escolares. Para que esse processo ocorra, os ambientes
escolares precisam ser reestruturados, as salas de aula estanques e
desconectadas, marcadas pela presença de estudantes dedicados a
tarefas disciplinares, devem ser abandonadas; em seu lugar precisam

125
ser estabelecidos ambientes que estimulem uma postura ativa, criativa
e colaborativa. Resnick (2020) propõe que os processos de aprendi-
zagem sejam estruturados por meio de atividades práticas, projetos,
compondo o que ele denominou como ‘aprendizagem mão na massa’.
A metodologia de aprendizagem proposta por Resnick (2020)
estimula os estudantes a assumirem o protagonismo dos itinerários
formativos, sendo corresponsáveis pela construção dos processos de
aprendizagem. Ao passo que vivenciam a construção do conheci-
mento, ocorrem estímulos para o desenvolvimento da autonomia, da
capacidade argumentativa e da avaliação e contraposição de infor-
mações e conceitos, levando os discentes a selecionarem os recursos
mais adequados para a execução dos projetos propostos. A proposta
metodológica de Resnick (2020), apoiada na criatividade, deve ser
considerada, igualmente, como essencial no fomento a curiosidade
e a colaboração entre os estudantes, visto que ela provoca um pro-
cesso permanente de autoavaliação, de percepção de erros e acertos,
de reconhecimento da necessidade de ajustes e de estímulo a troca
de informações entre os envolvidos. Considero que a metodologia
proposta por Resnick (2020) compõem uma estratégia didática que
pode ser empregada na elaboração de processos de aprendizagem mais
adaptados ao cenário atual, uma vez que compreendo como necessária
a horizontalização das práticas docentes, aspecto que possui a capa-
cidade de tornar menos exaustivos os momentos de permanência dos
sujeitos no interior das escolas.
Em um mundo marcado pelo direcionamento de informações
por algoritmos de inteligência artificial, acredito que o fomento a
curiosidade, a criatividade e a colaboração devem ocupar uma posição
central nas práticas escolares. A emancipação dos sujeitos em um mundo
marcado por transformações permanentes, pelo acréscimo de novas
tecnologias, por interconexões virtuais e pela cultura digital dever se
considerada como uma atividade fundamental nas práticas docentes.

126
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É impossível progredir sem mudança, e aqueles que não
mudam suas mentes não podem mudar nada.

George Bernard Shaw

Até recentemente, predominava a visão de que as novas tec-


nologias e as redes informacionais contribuíam para a ampliar nossa
capacidade de agir coletivamente, determinando avanços na demo-
cracia, na política, no pensamento científico e no acesso à cultura.
Hoje, essa visão tem sido objeto de questionamentos. Contudo, não
acredito que o potencial transformador presente na internet se esvaiu.
Devemos reconhecer que nos últimos anos, as redes informacionais
têm se apresentando como uma força de individualização, empregada
para dissolver o coletivo e servindo para alienar os sujeitos. A forma
como os algoritmos colonizaram a internet solapou nossa liberdade
de escolha e criou mecanismos de manipulação cada vez mais amplos
e efetivos. Porém, o potencial transformador das redes digitais não
desapareceu, ele continua presente.
Com base nessa realidade, cabe a todos os profissionais de
educação, não apenas aos docentes, compreender a importância das
redes digitais e da cibercultura no ambiente escolar, reconhecendo
o potencial transformador presente nelas, mas, igualmente, desve-
lando os desafios que envolvem a sua utilização. O emprego das
novas tecnologias de informação e da cultura digital nas práticas
docentes aponta para a seleção e utilização de metodologias adequa-
das, capazes de fomentarem a compreensão de que vivemos em um
mundo em permanente transformação.
Na sala de aula tradicional a construção do conhecimento é
tratada como um processo individual, o saber é visto como um bem
exclusivo e intransferível. No arranjo pedagógico que proponho, os
discentes são estimulados a compartilharem os saberes, a dialogarem
com os diferentes sujeitos e a integrarem as diversas áreas de conheci-
127
mento. A escola deve objetivar a formação de sujeitos que apresentem a
capacidade de se adaptar as mudanças, que consigam perseguir objetivos
em meio a um ambiente em constante transformação e compreendam
o conhecimento como um bem que deve ser compartilhado. Para
atender estes objetivos, as escolas não podem permanecer buscando
disciplinar os indivíduos com base em metodologias envelhecidas,
assentadas, quase exclusivamente, na memorização de informações
e conteúdos afastados da realidade vivenciada pelos estudantes. Na
construção deste novo arranjo pedagógico, uma nova concepção do
processo de escolarização deve ser estabelecida e nela as novas tecnolo-
gias e a cultura digital devem ser percebidas como recursos essenciais.
Portanto, é preciso que estejamos dispostos a caminhar, que
tenhamos a consciência do caminho que estamos percorrendo, dos
movimentos que precisamos estabelecer e dos atalhos disponíveis.
Todavia, independentemente da velocidade de consolidação deste
processo, existe uma certeza, este é um fluxo permanente, as mudan-
ças estão em curso, e nos levarão a um novo arranjo educacional. O
que fará a diferença no ritmo que utilizaremos para percorrer esse
percurso dependerá de nossa capacidade de aprender a aprender e,
especialmente, da pré-disposição dos sujeitos-escolares em construir
ambientes de aprendizagens que rompam o individualismo, a passi-
vidade e a memorização de conteúdos escolares. Portanto, sejamos
todos curiosos, criativos e colaborativos.

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130
O FENÔMENO DA MONOTONGAÇÃO NAS
AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA NOS ANOS
FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Julieta Vilar Medeiros25


Marleide Maria Arruda Linhares Isaias26
Samara Cornélio Fernandes dos Santos27

INTRODUÇÃO

Pesquisas no meio acadêmico sobre a importância do ensino da


gramática para proporcionar aos estudantes a competência comuni-
cativa é bem extensa. Entretanto, é essencial compreendermos a que
tipo de gramática estamos vinculados.
Desde muito cedo os estudantes são apresentados ao ensino da
gramática, embora esse ensino não apareça como elemento facilitador
para o avanço da competência comunicativa. Acredita-se que isso ocorra
porque o ensino da gramática aconteça de forma descontextualizada,
priorizando os conceitos e classificações, além de considerar apenas
a norma padrão como a linguagem “certa” a ser usada nas interações
comunicativas sejam elas orais ou escritas.
Nessa perspectiva compreendemos que para o ensino da gra-
mática contribuir de forma efetiva é primordial que os estudantes
analisem a funcionalidade da língua nos diversos contextos de usos.
Segundo Neves
[...] a competência lingüística dos sujeitos é enten-
dida, numa teoria funcionalista da linguagem, como a
capacidade que os falantes têm não apenas de acionar a
produtividade da língua (jogar com as restrições), mas
também - e primordialmente - de proceder a escolhas
25
Mestranda em Linguística e Ensino (UFPB). CV: http://lattes.cnpq.br/8935727995752600
26
Mestranda em Linguística e Ensino (UFPB). CV: http://lattes.cnpq.br/5047479674415940
27
Mestranda em Linguística e Ensino (UFPB). CV: http://lattes.cnpq.br/0827503690978561
131
comunicativamente adequadas (operar as variáveis den-
tro do condicionamento ditado pelo próprio processo
de produção). (NEVES 1997, p. 19).

Logo, este estudo tem por objetivo apresentar um percurso pos-


sível de reflexão sobre o fenômeno de monotongação com alunos do 6º
ano do ensino fundamental nas aulas de língua portuguesa, no intuito
que eles construam paulatinamente essa competência comunicativa
por meio das reflexões sobre os usos da língua nas diversas interações.
O ponto de partida do tema “Monotongação nas aulas de língua
portuguesa nos anos finais do Ensino Fundamental” foi escolhido
por ser um fenômeno recorrente nas turmas de 6º ano, visto que os
alunos escrevem palavras com ditongos registrando o apagamento da
semivogal sem perceber a influência direta da fala na escrita. Diante
desse fato fomos instigados a pensar num percurso metodológico
que levasse os estudantes a refletirem sobre a escrita das palavras nas
diversas situações de produção e leitura de textos, embora não fosse
um conteúdo listado no livro didático.
É lícito frisar que por meio de um ensino reflexivo e sistemático,
o fenômeno da monotongação tende a reduzir ou a desaparecer quando
os estudantes produzem ou leem textos. Sob esta perspectiva, estabe-
lece-se, neste ensaio, um diálogo com autores como Barbosa (2016),
Cagliari (2002), Travaglia (2002), Marcuschi e Dionísio (2007),
Aragão (2014), Mollica (1998), dentre outros que nos auxiliará a
ratificar nossa tese citada acima.

PERCURSO TEÓRICO

No cenário acadêmico muito se tem discutido a necessidade do


ensino da gramática na educação básica com o intuito de desenvolver a
competência comunicativa dos estudantes. Entretanto, é fundamental
que tenhamos claro de qual gramática estamos falando.
Segundo Cunha e Tavares (2016) a gramática tradicional se
propõe a estudar o conjunto de conceitos e categorias dos estudos

132
gramaticais greco-latina de forma fragmentada, dogmática, prescritiva
e sem nenhuma reflexão sobre as regras.
Vieira (2020) contribui com esse diálogo afirmando que a gra-
mática tradicional apresenta dois eixos principais: o da norma-padrão e
o da análise metalinguística. O primeiro eixo foi utilizado por especia-
listas para nomear a gramática tradicional como gramática normativa
e tem a sua prioridade nas regras da escrita e falas corretas e que “[...]
esse eixo idealiza um padrão gramatical homogêneo e estável, mas
distantes dos usos linguísticos […]” (VIEIRA, 2020, p. 88).
O eixo da análise metalinguística aborda uma conceituação e cate-
gorização amparada pela Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB).
Ainda segundo o autor, esses dois eixos são articulados como uma engre-
nagem, que dão a estrutura de funcionamento da gramática tradicional.
Esse entendimento reforça um conceito de gramática tradicional
como sendo uma gramática regida por regras uniformes e invariáveis,
focada na norma padrão como a única maneira correta de escrita, preo-
cupada apenas com a conceituação e classificação das nomenclaturas,
desconsiderando os usos reais da língua.
Entretanto, esse estudo procura abordar uma outra concepção
de gramática que é utilizada diariamente pelos falantes nas diversas
interações, sempre voltada para as situações de uso, oportunizando aos
estudantes a reflexão sobre o contexto em que estão inseridos.
Antes de adentrarmos na discussão da monotongação nas aulas
de língua portuguesa gostaríamos de enfatizar que na gramática tra-
dicional o fenômeno da monotongação pouco ou quase não aparece
nas aulas, possivelmente por não estarem presentes nos livros didá-
ticos que se limitam a apresentar apenas o conceito de ditongo e sua
classificação em crescente, decrescente, nasal, oral, desconsiderando
a reflexão sobre a relação direta da fala e da escrita.
Frente a isso temos que levar em consideração também as contri-
buições da fonologia para compreendermos melhor os fenômenos da
monotongação. Inicialmente precisamos entender que não existe uma
supremacia entre a fala e a escrita como nos alerta Marcuschi e Dionísio

133
[...] não se pode afirmar que a fala é superior à escrita ou
vice-versa. Em primeiro lugar, deve-se ter em mente o
aspecto que se está comparando e, em segundo, deve-se
considerar que essa relação não é nem homogênea nem
constante. (MARCUSCHI e DIONÍSIO, 2007, p. 26)

Portanto não podemos dizer que a fala é informal e não pla-


nejada sendo tudo aceito e nem que somente a escrita seja plane-
jada e estruturada, as duas são importantes e devemos evitar atitudes
estigmatizadas para certas formas orais, principalmente direcionadas
a estudantes com menor instrução escolar. Barbosa nos orienta que
[...] devemos dar subsídios linguísticos, principal-
mente os de conhecimentos fonético-fonológicos, aos
professores para que acompanhem, identifiquem e
compreendam o desenvolvimento da escrita do aluno,
sanando crenças linguísticas - como as que dicotomi-
zam fala e escrita - e que lhes permitam desenvolver
uma consciência linguística (ou, mais uma consciência
fonológica). (BARBOSA, 2016, p. 36).

Diante desse contexto apresentamos o fenômeno fonético-fono-


lógico da monotongação, fenômeno esse que deflagra a interferência
da fala nas produções escritas dos estudantes sendo perceptível os
desvios de escrita como marca da oralidade.
Cagliari (2002) corrobora com as discussões quando afirma que
os fenômenos fonético-fonológico são “[...] as alterações sonoras que
ocorrem nas formas básicas dos morfemas, ao se realizarem fonetica-
mente [...]” (CAGLIARI, 2002, p. 99), são explicadas por regras que
caracterizam processos fonológicos, isto é, quando o estudante fala ou
escreve determinada palavra, e um som é acrescido ou perdido devido a
articulação no momento da fala. Portanto, é essencial que a consciência
fonológica seja sistematizada tornando estes sons parte do cotidiano
dos estudantes e desta forma incorporados em sua consciência.
Segundo Aragão (2014) a monotongação é “[...] uma redução
do ditongo à vogal simples ou pura, por um processo de assimilação
completa”. (ARAGÃO, 2014, p. 112) Ou seja, é o apagamento da
134
semivogal tanto na fala quanto na escrita em palavras como peixe -
pexe, beijo - bejo, roupa - ropa, entre outras.
Essas interferências tanto ocorrem na língua falada quanto na
produção escrita das crianças que se encontram no processo de aquisição
da escrita, entretanto percebe-se que esse apagamento permanece por
todo o ensino fundamental, necessitando do professor um trabalho
de reflexão sobre esse fenômeno.
Barbosa afirma que
[...] precisamos compreender os motivos que levam
o aluno a optar por determinadas formas quando vai
escrever, ou seja, fazer a representação gráfica das pala-
vras. Ao optar por uma forma e não outra, o aluno está
fazendo tentativas de possíveis adequações que tornem
a sua escrita o mais próximo da fala do seu dia a dia,
sua única referência. (BARBOSA, 2016, p. 37).

Logo, o professor necessita conhecer o caminho que o aluno


percorre para propor atividades de intervenção que o auxilie na refle-
xão desse fenômeno e consequentemente a superar esse apagamento.
Mollica (1998) reforça essa discussão quando apresenta o resul-
tado de sua pesquisa sobre a monotongação relacionado com a influência
da linguagem oral sobre a escrita na aquisição da linguagem escrita.
Os sujeitos foram divididos em dois grupos, sendo que um recebeu
instruções explícitas sobre a escrita das palavras e o outro não. A autora
constatou que à medida que os estudantes avançam em sua escolarização
diminuem o índice de monotongação desde que recebem orientações
explícitas de seu professor acerca da fala e escrita.
Segundo Neves (1997) a “[...] gramática funcional visa expli-
car regularidades dentro das línguas e através delas, em termos de
aspectos recorrentes das circunstâncias sob as quais as pessoas usam
a língua”. (NEVES, 1997, p. 20).
Neste sentido, é oportuno frisar que quando os alunos participam
de momentos de interações reflexivas sobre a língua em uso, tendem a
reduzir o fenômeno de monotongação tanto na fala quanto na escrita.
135
A Base Nacional Comum Curricular - BNCC, documento nor-
mativo que determina as aprendizagens essenciais na educação básica
traz em seu arcabouço pressupostos importantes como: o desenvol-
vimento das competências e habilidades, o desenvolvimento integral
do estudante focando no seu protagonismo e uma maior inserção da
tecnologia no processo de ensino aprendizagem.
A BNCC propõe para a área da linguagem
[...] a centralidade do texto como unidade de trabalho
e as perspectivas enunciativo-discursivas na abordagem,
de forma a sempre relacionar os textos a seus contex-
tos de produção e o desenvolvimento de habilidades
ao uso significativo da linguagem em atividades de
leitura, escuta e produção de textos em várias mídias e
semioses. (BNCC, 2017, p. 69).

Analisando a BNCC observa-se que a perspectiva pedagógica


difere e muito da proposta defendida pela gramática tradicional. As
práticas de linguagem enfocam a leitura e escuta, oralidade, produção
de texto e análise linguística e semiótica. A terminologia gramática
foi substituída por análise linguística/semiótica,
[...] que envolve o conhecimento sobre a língua, sobre a
norma-padrão e sobre as outras semioses, que se desenvolve
transversalmente aos dois eixos – leitura/escuta e produção
oral, escrita e multissemiótica – e que envolve análise
textual, gramatical, lexical, fonológica e das materialidades
das outras semioses.” (BNCC, 2017, p. 82).

Nesse contexto fica evidente que embora na BNCC não venha


expresso o trabalho do fenômeno da monotongação ela apresenta oportu-
nidades para o desenvolvimento desse fenômeno por meio da habilidade
(EF67LP32) que é o de escrever palavras com correção
ortográfica, obedecendo às convenções da língua escrita
oportunizando aos estudantes uma reflexão sobre os
usos reais da língua nas diversas interações. (BNCC,
2017, p. 171).

136
É importante ressaltar que a monotongação é considerada um
“erro” na gramática tradicional, mas na concepção linguística não se
apresenta como erro e sim como um fenômeno linguístico apoiado
na variação da fala. Partindo dessa premissa, apresentamos uma pro-
posta, embasada na reflexão dos fenômenos fonético-fonológico da
monotongação que pretende contribuir com o professor na mediação
de automonitoramento do estudante com relação a diferença existente
entre fala e escrita dos usuários da língua.
Os estudos da linguagem a partir de uma perspectiva funciona-
lista podem contribuir para uma abordagem mais descritiva e menos
prescritiva no fenômeno da monotongação, uma vez que difere de
outras abordagens como afirmam Cunha, Costa e Cezario
O Funcionalismo Linguístico contemporâneo difere
das abordagens formalistas - estruturalismo e gera-
tivismo - primeiro por conceber a linguagem como
um instrumento de interação social e segundo porque
seu interesse de investigação linguística vai além da
estrutura gramatical, buscando no contexto discursivo
a motivação para os fatos da língua. A abordagem fun-
cionalista procura explicar as regularidades observadas
no uso interativo da língua analisando as condições
discursivas em que se verifica esse uso. (CUNHA,
COSTA e CEZARIO, 2015, p. 21)

Cunha e Tavares (2016) também dialogam com essa perspec-


tiva ao afirmarem que “[...] o funcionalismo explica a organização
da gramática e a codificação lingüística das estratégias gramaticais
com base em princípios de natureza cognitiva e comunicativa.”
(CUNHA e TAVARES, 2016, p. 18 e 19)
Na abordagem funcionalista a gramática é observada a partir
de situações reais de uso, como um sistema aberto, sujeito a variações
e interferências de contextos linguísticos e extralinguísticos.
A gramática funcionalista por meio da linguística Cognitiva pro-
cura explicar os atratores linguísticos. Abreu (2013) afirma que as “Alte-
rações fonéticas, muitas vezes, dependem da manutenção do sentido.”
137
(ABREU, 2013, p. 233), diante disto o atrator de sentido e economia
pode ser usado também para explicar a ocorrência da monotongação.
Vejamos então o que Abreu afirma sobre os atratores de sen-
tido e economia.
O sentido é o principal atrator. Afinal, a função básica da lin-
guagem humana é a comunicação, e isso não se faz na ausência de
sentido. Em tensão dialética com o sentido, encontra-se o atrator geral
da economia, também chamado de lei de Zipf, segundo a qual, em
todas as línguas do mundo, as palavras de uso mais frequente serão
sempre as menores. Alterações fonéticas, muitas vezes, dependem da
manutenção do sentido. (ABREU, 2013, p. 232).
Diante desse conceito, podemos perceber que quando o usuário
da língua apaga a semivogal tanto na fala quanto na escrita ele está
utilizando o atrator de sentido e economia, pois ele reduz retirando a
semivogal não modificando o significado da palavra.

A BNCC E A MONOTONGAÇÃO

A BNCC estrutura seu eixo de análise linguística/semiótica em


consonância com a gramática funcionalista, articulando as diversas
habilidades que envolvem a língua em uso nas práticas de leitura e
produção de texto oral e escrito. O documento contempla todos os
campos de conhecimentos linguísticos como a fono-ortografia, mor-
fologia, sintaxe, semântica, variação linguística e outros.
Na BNCC a terminologia monotongação não aparece expressa,
entretanto é possível ser abordada tanto no objeto de conhecimento da
fono-ortografia, como também na variação linguística. De acordo com
o documento, a fono-ortografia está presente em todos os campos de
atuação, seja jornalístico-midiático, atuação na vida pública, práticas
de estudo e pesquisa e artístico-literário. Dessa forma ampliando a
perspectiva de trabalho reflexivo nos diversos usos da língua.
O nosso percurso metodológico teve como ponto de partida a
fono-ortografia por meio da habilidade “(EF67LP32) Escrever palavras
com correção ortográfica, obedecendo às convenções da língua escrita.”
138
(BNCC, 2018, p. 170), uma vez que formar usuários competentes da
língua tornando-os capazes de desenvolver habilidades de leitura,
compreensão e de produção textual, significa trabalhar a competência
comunicativa do falante que é objetivo indispensável, junto a outros,
em que o professor deve considerar na sua prática pedagógica.
Para Travaglia (2002, p. 163), o ensino da gramática traz noções
conceituais e/ou práticas de análise sobre determinados elementos da
língua, oferecendo a possibilidade de usar esse conhecimento como
recurso auxiliar no seu ensino. Como por exemplo, ao trabalharmos
com o fenômeno monotongação, o aluno precisa ter o conhecimento
dos conceitos gramaticais sobre o ditongo, tritongo e hiato.
O ensino da gramática também faz com que os estudantes
possam desenvolver o raciocínio e a capacidade de pensar, fazendo
com que eles percebam a dinâmica da língua e compreendam que as
normas sociais de seu uso são escolhas da sociedade. Segundo Travaglia
[...] teremos como resultado o fato de termos pessoas
mais capazes intelectualmente, cientes e confiantes de
que não só podem aprender teorias científicas (gra-
mática), mas também podem descartá-las, modifi-
cá-las e, melhor ainda, construí-las. (TRAVAGLIA,
2002, p. 167).

Isso posto, compreendemos que o ensino da gramática na escola


não deve ser eliminado, e sim apresentar uma abordagem mais refle-
xiva que proporcione ao estudante desenvolver a capacidade de cons-
truir criticamente o conhecimento.

EXPERIÊNCIA DIDÁTICA

Partindo do tema “Monotongação”, escolhido por ser um fenô-


meno recorrente entre os estudantes em seus registros na escrita de
ditongos com o apagamento da semivogal, pensou-se em um percurso
metodológico que levasse os alunos a refletirem sobre a escrita das
palavras nas diversas situações de produção e leitura de textos, consi-
derando esse fenômeno fonológico.
139
Apresentamos uma proposta de análise linguística/semiótica
com objeto de estudo fono-ortografia, que tem como foco a habilidade
“(EF67LP32) Escrever palavras com correção ortográfica, obedecendo
às convenções da língua escrita.” (BNCC, 2018, p. 170), para alunos
do 6º ano do ensino fundamental em contexto de ensino remoto.
Como estratégia pedagógica, o ponto de partida foi a apresen-
tação da música “Amei te ver” do compositor e intérprete Tiago Iorc.
A escolha pela canção se deu primeiramente por ser uma música da
atualidade bastante tocada nas plataformas de streaming e nas estações
das rádios brasileiras e, provavelmente, conhecida por boa parte da
turma. Em segundo, porque ela apresenta palavras com ditongo em que
ocorrem a monotongação, como por exemplo: cheiro - “chero”, inteiro
- intero e beijo - bejo. Observamos nos trechos a seguir da composição
em que aparecem essas palavras:
“O coração dispara
Tropeça, quase para
Me encaixo no teu cheiro
E ali me deixo inteiro
[...]
O coração dispara
Tropeça, quase para
Me enlaço no teu beijo
Abraço teu desejo”

Após apreciação da música foi realizada a observação do texto


escrito em comparação com o texto oral, levando-os a percepção da
ocorrência de variação nessas palavras, percebendo assim o apagamento
da semivogal em alguns ditongos e compreendendo que essas inter-
ferências tanto ocorrem na língua falada quanto na produção escrita.
Em seguida, foi solicitado que os alunos registrassem na
lousa digital Jamboard outras palavras com ditongo, no qual ocor-
rem esse mesmo fenômeno, para com isso construir coletiva-
mente o conceito de monotongação.

140
Com as discussões levantadas a partir dos registros dos estudantes
também foi possível trazer a reflexão do porquê desse fenômeno aconte-
cer com alguns ditongos e outros não. A língua sofre mudanças a partir
de elementos externos que mexem no sistema linguístico, denominados
como atratores, entre eles temos o sentido e economia que ocorre na
linguagem humana, durante a comunicação o atrator da economia
ocorre sem prejuízo, portanto não interfere no sentido comunicativo
(ABREU, 2013, p. 231-232). No fenômeno em estudo ocorre a alteração
fonética apenas nos ditongos que permitem a manutenção do sentido.
Na sequência foi apresentado outro gênero, o meme, muito
comum e compartilhado por eles nas redes sociais e no qual a presença
do fenômeno da monotongação é recorrente. Trabalhamos com os
alunos dois exemplos. Na figura 1 com a palavra dinheiro - dinhêro e
na figura 2 com a palavra apresentou - apresentô.

Figura 1

<https://www.facebook.com/BodeGaiato/photos/a.463935863669678/356687259
6709307/>

141
Figura 2

<https://www.facebook.com/BodeGaiato/photos/a.463935863669678/35581459309
15307>

No caso dos memes, observamos que os textos escritos repre-


sentam tal qual a fala dos personagens, uma representação escrita da
oralidade, essa é uma compreensão que deve ficar clara para os alunos,
reconhecendo assim, o fenômeno fonético no texto em estudo.
Para finalizar, solicitamos o preenchimento de palavras cruzadas
através da plataforma Crosswordlabs como atividade interativa, possibi-
litando ao estudante perceber na escrita a falta da semivogal, devido
ao espaço em branco, caso ocorresse a monotongação em seu registro.
A proposta didática proporcionou novas reflexões sobre a mono-
tongação diante de situações cotidianas, através da análise e discussão
dos textos, como também a identificação e comparação de palavras,
tanto na escrita quanto na fala. Desse modo facilitará o avanço dos estu-
dantes na redução da ocorrência desse fenômeno em seus textos escritos.

142
CONSIDERAÇÕES

A monotongação vai muito além do período da aquisição da


linguagem escrita, pois é nítido esse fenômeno nas produções orais e
escritas dos estudantes do 6º ano.
Diante dessa constatação e por compreendermos que quando
é oportunizado aos estudantes momentos reflexivos sobre a mono-
tongação, esse fenômeno tende a reduzir ou desaparecer na fala e
na escrita. Por isso propomos apresentar um percurso metodoló-
gico de ensino reflexivo e sistemático onde os alunos possam obser-
var tanto a pronúncia quanto a escrita das palavras refletindo sobre
os atratores, como também, a análise da comparação de pares de
palavras percebendo em que casos acontece o monotongo e em que
casos não ocorre de forma alguma.
Sabemos que os progressos são lentos, entretanto as pesquisas
nos revelam que devemos abandonar o ensino da gramática tradi-
cional voltada apenas para a conceituação e classificação dos termos,
precisamos sim, promover um ensino da gramática funcional que tem
como objeto de estudo a língua em funcionamento.
Por conseguinte, consideramos profícuo o percurso metodológico
sobre o ensino sistemático reflexivo que vivenciamos. Esperamos con-
tribuir com os docentes que se propõem a aventurar-se num caminho
mais audacioso do estudo da língua em funcionamento.
Vale ressaltar que esse ensaio não pretende encerrar o debate
sobre o ensino sistemático e reflexivo da monotongação, mas abrir
caminhos para novas discussões.

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144
CURRÍCULO ESCOLAR: REFERECIAL
NA TRANSMISSÃO DA CULTURA E
COMO PONTO DE PARTIDA PARA UMA
APRENDIZAGEM CONSTRUCIONISTA

Moacir de Souza Júnior28


Leila Melo Cajazeira29
Maria do Socorro Furtado Silva Silveira30
Maria do Carmo da Silva Souza31
Maria Cristiane Raimundo da Costa32
Maria Ivanilda Cassimiro de Brito33
Célia Maria da Silva34

INTRODUÇÃO

Este capítulo apresenta um levantamento sobre currículo e tem a


intenção de provocar uma reflexão, a partir de debates que acontecem
frequentemente entre os profissionais da área educacional. Nesse sen-
tido, os docentes questionam sobre as maneiras de atender os desafios
envolvidos nas diretrizes institucionalizadas, em consonância com a
estrutura escolar limitada e a realidade social complexa do alunado.

28
Doutor em Ciências da Educação. Universidade da Madeira (UMa). Portugal.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7612-2034
29
Mestre em Ciências da Educação. Universidade da Madeira (UMa). Portugal.
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0098-2473
30
Mestre em Ciências da Educação. Universidade da Madeira (UMa). Portugal.
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4302-4312
31
Doutora em Ciências da Educação. Universidade da Madeira (UMa). Portugal.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6217-2305
32
Doutoranda em Educação. Universidad Columbia del Paraguay. Paraguai.
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1924-5158
33
Doutoranda em Educação. Universidad Columbia del Paraguay. Paraguai.
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6149-1323
34
Doutoranda em Educação. Universidad Columbia del Paraguay. Paraguai.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8093-772X
145
É bom considerar que, na atualidade, a escola tem sua autonomia
pedagógica atrelada às políticas públicas vigentes e orientações dos
sistemas de ensino. Nessa perspectiva, ações de caráter inovador, bem
como intervenções revolucionárias, são delimitadas pelas normas
oficiais que quase sempre expressam a ideologia dominante.
Em busca de apontar o sentido da palavra currículo, Sousa
(2007, p. 16) afirma que, “ainda no século XVI, quando a palavra
currículo foi, pela primeira vez, utilizada, foi-lhe conferida a ideia de
organização lógica do conhecimento”.
Na atualidade, o currículo permanece disposto de forma sequen-
cial detalhando as diferentes disciplinas escolares, como um roteiro
pormenorizado a seguir dentro de prazos pré-estabelecidos. A sociedade
moderna tem, na racionalidade, na ciência e na tecnologia, sua base de
sustentação, daí que novas formas curriculares seguem com caracte-
rísticas fabris antigas. “Ora, as concepções modernas de currículo não
podiam deixar de estar imbuídas desta lógica de obsessão com a pro-
dutividade e eficácia, oriunda do mundo fabril” (SOUSA, 2007, p. 19).
Entende-se que essa busca atual pela produtividade e eficácia,
antes decorrente do mundo fabril, deriva de objetivos característicos
da economia neoliberal, que continua a formar na escola, a mão-de-
-obra necessária à realização de suas metas. Fala-se da necessidade de
mudanças profundas no currículo, entretanto a escola, como instituição,
continua preservando e assegurando a estrutura social e econômica
vigente, servindo aos propósitos hegemônicos.
Nesse sentido, discute-se sobre a necessidade da escola definir
o seu currículo de forma a atender à realidade dos alunos e às especi-
ficidades locais de origem desses alunos.

146
METODOLOGIA

O processo de curiosidade é próprio do ser humano. Estamos


sempre em busca de satisfazer nossa busca por informações. Tentar
entender o porquê das coisas e como elas acontecem.
Para respaldar o estudo, a metodologia utilizada tem nos conceitos
de Minayo (1999) a base para a elaboração de um projeto de pesquisa,
artigo, dissertação e/ou mesmo uma tese, na qual o pesquisador está a
trabalhar com três eventos que são a técnica, na qual as regras devem
ser seguidas para a elaboração do trabalho em si; ideológica, onde o
que prevalece são os desejos e/ou escolhas do pesquisador, seguindo
tempo uma cronologia histórica; e, por fim, a científica, em que o
método cientfíco se sobrepõe ao senso comum.
Diante do acima descrito Minayo (2007) ainda assevera que o uso
da metodologia traz em seu interior certa organização nos caminhos
que se deve trilhar ao longo da jornada de pesquisa, com o intuito de
se fazer uma ciência responsável e ética.
Pesquisa essa que Gil (2007, p. 17) caracteriza como sendo
um “[...] procedimento racional e sistemático que tem como obetivo
proporcionar respostas aos problemas que são propostos. A pesquisa
desenvolve-se por um processo constituído de várias fases, desde a
formulação do problema até a apresentação e discussão dos resultados”.
Dialogando com a citação de Gil (2007) entende-se que para
existir a pesquisa é necessário que a dúvida esteja presente. Que a
pergunta para responder determinada indagação possa obter a resposta
necessária. É como certifica Selltiz (1965, p. 5), “descobrir respostas
para questões, mediante a aplicação de métodos científicos”.
O artigo em si traz em seu interior uma pesquisa bibliográfica
como ponto de partida da investigação, na qual a leitura de todo material
se fez mais do que necessário, onde o uso de revistas, livros, monografias,
dissertações e teses foram essenciais, bem como a utilização de sites que
sejam de confiança. É necessário estar em consonância com os teóricos
147
que tratam do assunto em questão, ao mesmo tempo em que se faz
preciso se utilizar de materiais atuais (MARCONI, LAKATOS, 2003).
A pesquisa em questão pode ser considerada como sendo de
caráter exploratório e bibliográfico, no qual o referencial teórico fez
uso de autores como Apple (2006), Freire (2011, 1987), Gil (2007),
Sacristán (2000, 1999) entre outros.

CONSIDERAÇÕES SOBRE CURRÍCULO, IDEOLOGIA


E PODER

O termo ‘currículo’ emerge associado à organização


escolar e infiltra-se cada vez mais noutras organizações
ligadas à formação. Seja reconhecido ou não, o currículo
é algo que transportamos sobre o nosso dorso, desde que
iniciámos a escolarização e nos tornámos cidadãos de
uma cultura tão intersectada pela instrução e profissão.
O currículo define-nos, de forma progressiva e oculta,
relativamente aos itinerários educativos que fazem parte
do nosso quotidiano (PACHECO, 2007, p. 45-46).

A ideia principal inserida nessa citação é de que o currículo, ao


qual os indivíduos são submetidos desde o início da nossa escolarização,
irá definir a maneira como estes deverão interagir com a coletividade,
trabalho e poderes constituídos. Dessa forma, sua essência ficará
incorporada, fazendo parte da nossa educação.
Sendo a escola um lugar onde se constrói o conhecimento, os
conteúdos curriculares a serem ministrados aos estudantes farão parte
do acervo cultural desses indivíduos, transferindo seus fundamentos
essenciais para a vida adulta, norteando e delimitando, inclusive, e
principalmente, a vida profissional de acordo com a instrução recebida.
Acontece, porém, que os currículos escolares estão molda-
dos numa base com características conservadoras, uma vez que os
adultos pretendem ensinar para as crianças, num modelo de edu-
cação que se distancia da práxis libertadora e democrática, uma
148
forma de educação que traduz a expressão da ‘educação bancária’,
definida por Freire (2011) como um modelo de educação conserva-
dora, tradicional incapaz de tornar o jovem um indivíduo autônomo,
sujeito e partícipe da sua própria aprendizagem.
Conforme enfatiza Apple (2006, p. 125) “a hegemonia é criada
e recriada pelo corpus formal do conhecimento escolar e também pelo
ensino oculto que vem acontecendo”.
Se os conteúdos e textos escolares são vistos com os olhos da
classe dominante, a escola enquanto instituição confirma a estrutura
social vigente e assegura a sua perpetuação. Isso pode acontecer quando
o professor utiliza o ‘currículo oculto’ para contestar uma ou outra
situação, proferindo normas e valores ao alunado que ficam omissos
nos planos de aula expressos dos documentos oficiais.
Segundo Apple (2006) a educação não é um empreendimento
neutro, uma vez que na escola são repassados “significados” pré-fa-
bricados, intencionalmente preparados para garantir os objetivos das
classes dominantes das sociedades. O autor (2006, p. 68) ainda argu-
menta que as escolas ‘produzem’ ou ‘processam’, tanto o conhecimento
quanto as pessoas. Diz, ainda, que o conhecimento formal ou informal
é filtrado na formação de diversas classes sociais e que diferentes apti-
dões e valores são ensinados a diferentes populações. Dessa forma, as
escolas constroem disparidades culturais e econômicas, embora não
tenha intenção ou mesmo a consciência dessa prática.
Ademais, as políticas curriculares, em geral, resultam de com-
plexas decisões derivadas do poder político vigente oficialmente ins-
tituído, bem como de outros agentes com capacidade para intervir
direta ou indiretamente, em virtude de estarem inseridos em fun-
ções dessas esferas decisórias.
Nesse contexto, não se pode esquecer que o social e o econô-
mico seguem direções opostas com o advento do neoliberalismo já
globalizado, o qual busca a maximização do lucro, com consequente
abandono dos anseios humanos de uma sociedade mais justa e igua-
149
litária, que fica, cada vez mais, distante do modelo caracterizado pela
crescente desigualdade entre ricos e pobres.
Assim qualquer sociedade que aumenta a lacuna entre,
digamos, ricos e pobres, no que diz respeito ao controle
do “capital” cultural e econômico (como relatos econô-
micos recentes demonstram, nossa sociedade de fato faz
isso) precisa ser questionada (APPLE, 2006, p. 66-67).

Assim, a economia, que domina os demais setores das sociedades,


com o poderio da moeda, decide a criação ou extinção de empregos
no cenário mundial, objetivando atender às necessidades de mão-de-
-obra, interferindo, face ao exposto, decisoriamente na alteração dos
currículos, quando estabelece quantas e quais vagas no mercado de
trabalho estarão disponíveis.
Segundo Sousa (2007, p. 17), a escola, através de um currí-
culo ordenado, sequencializado e territorializado, preparou mão-de-
-obra destinada aos fins fabris.
Atualmente, o ensino é organizado em torno de disciplinas como
português, matemática, biologia, física e outras, mas poderia ter seu
foco em outros assuntos que refletissem, sobretudo, as necessidades
humanas contemporâneas, não objetivando, apenas, o ingresso nas
universidades, ou a entrada no mercado de trabalho.
As escolas recebem alunos de culturas diversas, que trazem
consigo suas linguagens, seus valores, seus costumes, com maneiras
diferentes de viver e de ver a vida. Dentro de sua cultura própria, cada
um se desenvolve de maneira peculiar, com facilidade naquilo que lhe
é familiar, ou dificuldade frente ao desconhecido.
Entretanto, a escola não consegue adequar seus currículos aos
educandos, pois eles estão configurados e sedimentados em contextos
cultural, político, social e escolar, historicamente constituídos, quase
sempre, a serviço das classes dominantes.

150
O currículo, em seu conteúdo e nas formas através das
quais se nos apresenta e se apresenta aos professores e
aos alunos, é uma opção historicamente configurada,
que se sedimentou dentro de uma determinada trama
cultural, política, social e escolar: está carregado, por-
tanto, de valores e pressupostos que é preciso decifrar
(SACRISTAN, 2000, p. 17).

Observa-se que os conteúdos propostos ao alunado vêm através


de programas com temas pré-definidos a serem desenvolvidos em
cada série. São transmitidos sem verificar se eles ajudam a explicar
a realidade individual de cada aluno, ou se levantam e solucionam
problemas, de maneira crítica, dentro do contexto vivenciado, ou
ainda, se continuam a contribuir para tornar os estudantes mais alie-
nados no contexto em que vivem.
Com o intuito de atualizar a educação, ocorrem episódios de
revisão dos currículos. Os desafios contemporâneos pretendem refletir
as políticas públicas curriculares com base em princípios políticos e
filosóficos coerentes com a realidade do corpo docente e alunado.
Entretanto, as reformas resultam disso, por vezes, temporárias e
ineficazes. O Estado centraliza a autoridade e o faz através da legislação,
cuja aplicação é orientada no sentido de cima para baixo. Na ponta,
a escola fica incumbida de implementar a mudança, sem entender
claramente a ‘engenharia’ utilizada na confecção da reforma, nem ter
feito uma análise crítica e ponderada do caso.
Assim, a escola passa a cumprir essa nova metodologia imposta,
sem estudar o conflito gerado, perdendo a oportunidade de chegar ao
cerne dessa orientação educacional. Assim, ela cria um consenso falso
ante o conflito, confirmando essa preferência quando acata aquilo que é
decretado sob a forma de lei, permitindo a manutenção da hegemonia
ideológica das classes dominantes.
[...] o modelo constitutivo da maioria dos currículos
das escolas gira em torno do consenso. Há poucas

151
tentativas sérias de lidar com o conflito (conflito de
classes, conflito científico, ou outros). Em vez disso,
fazemos nossas “investigações” dentro de uma ideologia
consensual que tem pouca semelhança para com as
relações e contradições complexas que cercam o controle
e a organização da vida social (APPLE, 2006, p. 41).

Como afirma Althusser (1983), a escola é um Aparelho Ideo-


lógico do Estado (AIE), sendo, assim, um forte aliado do poder polí-
tico, transmitindo através de seus currículos, conteúdos e valores
destinados à dominação e submissão.
Ainda, segundo Althusser (op. cit.), tudo isso acontece natural-
mente. O professor não questiona as práticas de ensino ou métodos
novos e tenta acatá-los fazendo o melhor de si, sem perceber que está
executando um trabalho dirigido pelo sistema, sem entender que acaba
contribuindo para manter essa representação ideológica do Estado.
Apple (2006, p. 66) enfatiza a importância da escola na
reprodução cultural e econômica.
A escola, como agente bastante significativo da repro-
dução cultural e econômica, se torna, obviamente, uma
instituição importante (afinal de contas, toda criança
frequenta a escola, e a escola tem efeitos importantes
como instituição de referência e socialização).

As crianças que frequentam a pré-escola aprendem ‘significados’


que são incorporados durante a sua socialização, enquanto são prepa-
radas para os anos subsequentes que permanecerão como educandos.
Essa cultura é transportada para a vida adulta, confirmando a escola
como um veículo eficaz na reprodução cultural e econômica.
Fatores como o tempo de permanência na escola, número expres-
sivo de crianças a frequentá-la, redução ou inexistência de educação
familiar, aumentam, mais ainda, a influência escolar na construção
social, tornando-a um espaço estratégico e viável de disseminação

152
da ideologia vigente. Segundo Apple (2006, p. 35) “o educador está
envolvido em um ato político, esteja ciente ou não disso”.
Diante disso, o educador precisa localizar e contextualizar o
conhecimento transmitido aos alunos, para formar indivíduos inde-
pendentes, dispostos a questionar a ordem social e política. Precisa
ensinar à criança a recepcionar, de maneira séria e crítica, as informações
recebidas e, principalmente, tomar consciência, de que seus ensinamen-
tos farão parte da vida dos alunos e que, agindo de modo diferente,
permitirá que a situação de opressão se mantenha por mais tempo.
A escola não se pode esquecer de que ensina modos
de pensar que, uma vez interiorizados, não podem ser
isolados da vida e da cultura dos alunos. A educação
existe na cultura que é poder e, por isso mesmo, ela não
está acima da política. Ela está na política (RODRI-
GUES, 2007, p. 171).

Entende-se, portanto, que o autor anteriormente citado vê que a


educação e a política caminham lado a lado, devendo a escola formar
pessoas questionadoras e éticas, cientes do seu papel transformador
na sociedade em que vivem. O currículo é uma das características
mais marcantes da sua importância para um ensino de qualidade e
que engloba em si uma aprendizagem visando sempre uma aprendi-
zagem na construção de conhecimento. O mesmo em si não deve ser
visto como um plano de aula, mas, sim, como algo além dos muros da
escola, mas sim, ser visto como um conceito que contempla o contexto
escolar e todos os fatores que contribuem para o seu enriquecimento.
Silva (1996, p. 23) conceitua currículo como:
[...] um dos locais privilegiados onde se entrecruzam
saber e poder, representação e domínio, discurso e regu-
lação. É também no currículo que se condensam relações
de poder que são cruciais para o processo de formação
de subjetividades sociais. Em suma, currículo, poder e
identidades sociais estão mutuamente implicados. O
currículo corporifica relações sociais.
153
Moreira e Silva (1997, p. 28) indicam que “o currículo é um
terreno de produção e de política cultural, no qual os materiais
existentes funcionam como matéria-prima de criação e recriação
e, sobretudo, de contestação e transgressão”. Sacristán (1999, p.
61) analisa o currículo como uma:
[...] ligação entre a cultura e a sociedade exterior à
escola e à educação; entre o conhecimento e cultura
herdados e a aprendizagem dos alunos; entre a teoria
(idéias, suposições e aspirações) e a prática possível,
dadas determinadas condições.

Cada autor conceitua currículo de uma forma particular. Silva


entende que o currículo carrega consigo uma relação de poder, de ideo-
logia; já para Moreira e Silva, o currículo é visto como uma produção
do mundo social, onde o aparelho ideológico é o ponto de partida na
construção do currículo. Sacristán destaca que o currículo é o ponto
de partida para o processo de ensino e de aprendizagem.
Ao partir da ideologia e do aparelhamento ideológico do Estado,
Althusser (1983) indica que as relações de poder estão intimamente
ligadas dentro da educação. Podemos indicar que o processo cultural
é um processo inseparável do currículo. Ele deve ser visto como algo
que pode mudar uma situação, como algo inovador, que pode trans-
formar o ensino e a aprendizagem que temos no presente momento.

CURRÍCULO E A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO


NA ABORDAGEM CONSTRUCIONISTA

O construcionismo é uma abordagem teórica que tem suas raízes


no trabalho exposto pelo pesquisador sul-africano Seymour Papert,
afirma que a construção do conhecimento acontece quando o mesmo
se sente plenamente comprometido na busca pelo novo.
Ao trabalharmos com um currículo inovador em que a aborda-
gem construcionista seja a tônica principal, devemos ver o processo

154
de aprendizagem de uma nova maneira, onde o papel do profes-
sor muda completamente. Ele deixa de ser um mero repassador de
ensino, para criar novos ambientes mais adequados para a aprendiza-
gem. Ele se coloca à disposição como um facilitador, um orientador
da aprendizagem (VALENTE, 1993).
Moran (1998) afirma que o perfil do professor na abordagem
construcionista é ser um profissional mais aberto, que busca na humani-
zação a sua prática pedagógica, que motiva e estimula seu alunado, onde
as relações de poder entre professor e aluno sejam democráticas e éticas.
Ao trabalhar dessa forma o professor insere um currículo muito
mais participativo, um currículo que valoriza as relações interpessoais,
bem como cria um ambiente propício para que a aprendizagem seja
efetiva. Um currículo que acolhe a diversidade, que é interativo em sua
essência e acima de tudo transcende a sala de aula permanentemente.
O currículo na abordagem construcionista deve acompanhar as
mudanças constantes por quais passam a sociedade mundial. Como
indica Toffler (1970) em sua obra “O Choque do Futuro”, a educação
precisa se ver livre de suas amarras do passado. Ele ainda afirma que
currículos obsoletos geram seres humanos padronizados e homogêneos.
É necessário revê-los com a maior urgência, pois assim como o processo
de ensino e de aprendizagem, queremos uma sociedade heterogênea.
Ao se abordar um currículo construcionista, acenamos que é
preciso “aprender a aprender” (TOFFLER, 1970, p. 332), onde os
valores, os relacionamentos e as escolhas não podem ser transmiti-
dos sem nenhum sentido. Nesse sentido, o currículo deve perceber a
potencialidade de cada aluno. Devemos prever no currículo a cons-
trução do conhecimento com o objetivo de atingir a elevação do
pensamento lógico dos nossos alunos.
[...] o conhecimento não procede, em suas origens,
nem de um sujeito consciente de si mesmo, nem dos
objetos já constituídos (do ponto de vista do sujeito)
que se lhe imporiam: resultaria de interações que se
155
produzem a meio caminho entre sujeito e objeto, e que
dependem, portanto, dos dois ao mesmo tempo, mas
em virtude de uma indiferenciação completa e não de
trocas entre formas distintas (PIAGET, 1990, p. 8).

De acordo com a concepção acima, ao elaborar um currículo


flexível, que busca no seu âmago um estudante que construa seu próprio
conhecimento, que tente resolver as situações problemas, produzimos
assim seres humanos mais questionadores, que são conscientes de
suas ações e que se veem mais preparadas para enfrentarem o mundo.
O currículo, em seu conteúdo e nas formas através das
quais se nos apresenta e se apresenta aos professores e
aos alunos, é uma opção historicamente configurada,
que se sedimentou dentro de uma determinada trama
cultural, política, social e escolar: está carregado, por-
tanto, de valores e pressupostos que é preciso decifrar
(SACRISTAN, 2000, p. 17)

Devemos ver s conteúdos que são propostos aos estudantes como


política pública educacional que deve refletir e oferecer uma educação
de qualidade e que seja para todos.
Embora a tecnologia desempenhe um papel essencial
na realização de minha visão sobre o futuro da educa-
ção, meu foco central não é a máquina, mas a mente e,
particularmente, a forma em que movimentos intelec-
tuais e culturais se autodefinem e crescem (PAPERT,
1988, p. 23).

Em um currículo com abordagem construcionista se faz neces-


sário a busca por uma aprendizagem que valorize a organização das
estruturas cognitivas de cada aluno que se encontra dentro da escola.
Na citação acima o autor indica que o uso da máquina em um cur-
rículo construcionista serve apenas para compor o cenário para o
desenvolvimento da autonomia do alunado. Onde é possível sempre
favorecer um currículo justo, solidário e acima de tudo responsável
por todos que fazem parte da escola.
156
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final deste estudo, pode-se dizer que, para se entender a


coletividade social da qual se faz parte, precisa-se estudar a relação das
ideologias vigentes e os currículos escolares. É importante, também,
saber de que forma a sociedade reproduz a si mesma, por meio da
escola, que sendo um dos aparelhos ideológicos do Estado, assegura
a reprodução social e econômica das classes dominantes.
Pela revisão da literatura, alcançou-se o objetivo geral deste
estudo, que foi investigar as práticas curriculares da escola e discutir
sobre a necessidade da escola, por meio de seu currículo atender à
realidade dos alunos e às especificidades locais.
Nessa perspectiva, pôde-se compreender as relações de domi-
nação e desigualdade que tem vitimado, historicamente, a sociedade,
através da educação, que deveria ser democrática e socialmente justa
e, na perspectiva da modernização historicocultural, deve favorecer a
formação plena de cidadãos autônomos e livres.
Viu-se que a elaboração dos currículos escolares sempre esteve
condicionada ao poder e às políticas do grupo dominante, reafirmando
suas ideias, sua cultura, seus valores, prevalecendo sua essência em
prejuízo daqueles que pertencem às classes menos favorecidas.
Diante dessa realidade, é preciso questionar criticamente o ensino
institucionalizado, analisando as concepções políticas que estão por
trás da educação imposta à sociedade. Enfim, a escola precisa formar o
pensamento crítico dos educandos no sentido de torná-los construtores
de suas vidas e da sociedade em que vivem.
Um currículo voltado para uma abordagem construcionista não
impõe uma redução do ensino. O fato de estimular o conhecimento
através do ato de pensar, de fazer com que o aluno encontre soluções
para os problemas dá um novo significado no papel formativo da
educação. Ou seja, ao invés de só inserir conteúdos, os professores
passam a serem mediadores, contribuindo de forma efetiva para que os
157
próprios educandos se sintam confiantes para buscar as mais diversas
possibilidades de construírem o seu próprio aprendizado.
A pedagogia do oprimido é a pedagogia dos homens empenhan-
do-se na luta por sua liberdade. “A liberdade, que é uma conquista, e
não uma ação, exige uma permanente busca” (FREIRE, 2011, p. 46).

REFERÊNCIAS
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APPLE, M.W. Ideologia e Currículo. 3.ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 50.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.
_________. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2007.
MARCONI, M. A; LAKATOS, E. M. Fundamentos da metodologia científica. 5. ed. São
Paulo: Atlas, 2003.
MINAYO, Mª. C. de S. O desafio do conhecimento. 10. ed. São Paulo: HUCITEC, 2007.
MINAYO, Mª. C. de S. [et al]. (Org.) Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 2. ed.
Rio de Janeiro: Vozes, 1999.
MORAN, J. M. Internet no ensino universitário: pesquisa e comunicação na sala de aula.
Interface – Comunicação, Saúde, Educação, n. 3, ago. 1998.
MOREIRA, A. F. B.; SILVA, T. T. da (Org.). Currículo, cultura e sociedade. 2. ed. São
Paulo: Cortez, 1997.
PACHECO, J. Ao. Estudos Curriculares. Para a compreensão Crítica da Educação. In:
SOUSA, J. Mª.; FINO, C. N. (Org.). A Escola Sob Suspeita. 1ª ed. Porto: Edições ASA, 2007.
PAPERT, Seymour. Logo: computadores e educação. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1988.
RODRIGUES, L. A Secundarização do Ensino Profissional. In: SOUSA, J. Mª.; FINO, C.
N. (Org.). A Escola Sob Suspeita. 1ª. ed. Porto: Edições ASA, 2007.
SACRISTÁN, J. G. O Currículo: uma reflexão sobre a prática. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2000.
SELLTIZ, C. et al. Métodos de pesquisa nas relações sociais. São Paulo: Herder, 1965.
SOUSA, J. Mª. A Inadequação da Escola num Cenário de Transição Paradigmática. In:
SOUSA, J. Mª.; FINO, C. N. (Org.) A Escola Sob Suspeita. 1. ed. Porto: Edições ASA, 2007.
TOFFLER, A. O Choque do Futuro. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 1970.
VALENTE, J. A. Diferentes usos do computador na Educação. Em Aberto, Brasília, 12, n.
57, p. 3-16, jan/mar. 1993.

158
A PRODUÇÃO TEXTUAL ESCRITA
EM LIVROS DIDÁTICOS DO ENSINO
FUNDAMENTAL ANOS FINAIS

Benigna Soares Lessa Neta35


Mônica de Souza Serafim36

INTRODUÇÃO

Com o advento das teorias linguísticas voltadas para os aspectos


sociais e cognitivos dos seres humanos, várias críticas passaram a ser
feitas ao ensino de Língua Portuguesa, desde o fato de o seu ensino
não considerar a realidade dos estudantes nem seus interesses, o uso
do texto como mero pretexto para explorar aspectos gramaticais, a
valorização da gramática normativa e, consequentemente, o preconceito
a determinadas variedades linguísticas utilizadas pelos estudantes,
até a adoção de um ensino descontextualizado, com o emprego de
exercícios mecânicos, voltados simplesmente para a identificação de
aspectos linguísticos em frases isoladas.
Diante de tais constatações, começamos a nos fazer as seguintes
perguntas: 1) Essas críticas ao ensino também poderiam ser empregadas
ao principal instrumento de trabalho de grande parte dos professores,
o livro didático? No caso de uma resposta afirmativa, em que medida
essas críticas poderiam ser empregadas e quais seriam elas? 2) As
produções textuais escritas cobradas nesses livros didáticos e elabo-
radas pelos estudantes: em que consistiam, como eram apresentadas
e a partir de quais critérios de análise eram avaliadas?
Foi pensando nesses questionamentos e, especialmente, nas suas
possíveis respostas, assim como também considerando a importância
Doutorado em Linguística (UFC). Professora (IFCE). CV: http://lattes.cnpq.br/4075144210695334
35

Pós-Doutorado em Linguística (UFMG). Pós-Doutorado em Educação (UnB). Doutorado em


36

Linguística (UFC). Professora (UFC). CV: http://lattes.cnpq.br/3137228410037896


159
do ensino de produção textual escrita, que apresentamos essa pesquisa
sobre o ensino de produção textual, mais especificamente sobre as
propostas de produção textual escrita presentes em livros didáticos de
Língua Portuguesa da primeira e da última série do ensino Ginasial,
atual Ensino Fundamental Anos Finais.
A investigação justifica-se pelo fato de, não obstante as propostas
de produção textual escrita nos livros didáticos de Língua Portu-
guesa (LDLP), tanto do atual Ensino Fundamental Anos Finais, foco
deste estudo, quanto do Ensino Médio, terem passado por profundas
mudanças terminológicas, conceituais, estruturais e metodológicas
ao longo do tempo, o ensino da escrita é um fenômeno recente, uma
vez que histórica e tradicionalmente o ato de escrever sempre esteve
em desvantagem ao de decodificar e memorizar regras gramaticais.
No que diz respeito à organização do trabalho, ele está dividido
em cinco partes: após esta introdução, será exposto um panorama da
situação da produção textual escrita no Ensino Fundamental Anos
Finais em livros didáticos de Língua Portuguesa a partir dos conceitos
de língua e de linguagem subjacentes a eles, posteriormente, serão
discutidos os procedimentos metodológicos adotados na investigação;
depois, serão feitas as análises e as discussões; em seguida, apresenta-
remos as conclusões e as referências.

PRODUÇÃO TEXTUAL: DO PRODUTO AO PROCESSO

Desde a década de 80, começaram a surgir trabalhos, em dife-


rentes lugares do mundo e sob diferentes perspectivas teóricas, que
defendiam o ato de escrever não mais como um produto, a ser ela-
borado mecanicamente pelos estudantes e sem qualquer interven-
ção do professor, cabendo a este apenas a correção – também esta
improdutiva – mas como um processo complexo, composto por várias
etapas, todas elas importantes no difícil exercício de tornar o ato de
escrever mais fácil e eficaz.

160
Fayol (1984) constata que os estudantes escrevem mal porque
não lhes foi ensinado escrever bem, por isso, a partir de uma abordagem
cognitiva da escrita, ele defende a necessidade de se priorizar o pro-
cesso, denominado por ele de composição, em detrimento do produto.
Essa constatação acerca do despreparo dos estudantes é plenamente
compreensível se considerarmos que eles, muitas vezes, são obrigados
a redigir textos sem propósitos definidos, prática infelizmente ainda
adotada por muitos professores, como se pode ler em Albuquerque
(2006, p. 26) que, ao analisar a Proposta Pedagógica de Língua Por-
tuguesa da Prefeitura da Cidade de Recife, questionou à didática dos
professores em relação ao ensino da escrita: “A prática de ensino da
escrita na escola é criticada do ponto de vista didático, uma vez que
sua dimensão pragmática não é considerada”.
Tantos os professores quanto os estudantes precisam compreen-
der que, como diz Marcuschi (2008, p. 218), “o trabalho de escrita é
também um trabalho de reescrita. O processo de produção deve ser de
algum modo distinguido da produção final do texto, pois o produto
final é o resultado de um processo de muitas revisões”, e o livro didá-
tico pode funcionar como um guia nesse processo, pois ele continua
sendo o principal referencial teórico utilizado pelos professores e
manuseado pelos estudantes, de modo que, quanto mais abrangente
for a sua abordagem sobre o processo da escrita, mais eficaz será o
resultado da atividade pelos estudantes.
É importante lembrarmos que, quando falamos de produção
textual enquanto processo, estamos recuperando uma proposta de
escrita que foi discutida, pela primeira vez, ainda nos anos 80, por J. R.
Hayes e L.S. Flower, quando estes, inspirados por uma série de protoco-
los verbais de redatores proficientes, propuseram que a escrita consistisse
em três grandes processos: Planejamento, Textualização e Revisão.

161
METODOLOGIA

A pesquisa teve como contexto 6 livros didáticos de Língua Por-


tuguesa, com base nos seguintes critérios: livros utilizados na primeira
ou última série do Ensino Fundamental Anos Finais nas últimas sete
décadas, compreendendo o período de 1960 a 2020.
Quanto ao corpus, foram selecionadas 6 propostas de produção
textual para o desenvolvimento da pesquisa, retiradas dos livros didáticos
coletados, sendo três propostas anteriores aos PCN, correspondendo
respectivamente às décadas de 60, 70, 80, uma do período de transição,
correspondendo à década de 90, e duas posteriores à publicação dos
PCN, mais especificamente às décadas de 2010 e 2020, correspon-
dendo a uma proposta do atual sexto ano do Ensino Fundamental
Anos Finais e a uma referente ao atual 9º ano.
A seleção dos livros de onde foram retiradas as propostas seguiu
os seguintes parâmetros: 1) livros didáticos utilizados em escolas
públicas ou particulares; 2) livros que apresentavam ou não propos-
tas de produção textuais, uma vez que a ausência de atividades dessa
natureza também poderia receber tratamento analítico, podendo ser
identificado o atendimento ou o não atendimento aos Documentos
Oficiais de base e 3) livros de uma mesma década, um do ano inicial
e um do ano final do Ensino Fundamental Anos Finais.
As propostas de produção textual escrita foram coletadas
diretamente de livros didáticos destinados ao Ensino Fundamental
Anos Finais, pertencentes ao acervo da Biblioteca do Livro Didático,
localizada na Faculdade de Educação, da Universidade de São Paulo
(USP). Após a realização da coleta e do estudo desses documentos, foi
realizado o levantamento da quantidade de propostas de produções
textuais presentes em cada um dos livros didáticos de Língua Por-
tuguesa do Ensino Fundamental Anos Finais, ao longo das últimas
sete décadas, que compuseram o corpus, pois, ainda que a pesquisa
se caracterizasse como qualitativo-interpretativa, foi considerado

162
relevante contabilizar a quantidade de vezes em que o livro didático
fornecia oportunidades de escrita aos estudantes.
No que diz respeito à análise das propostas de produção textual
escrita que compuseram o corpus, fizemos um recorte, necessário
quando se estuda determinado objeto, e apresentaremos os achados
no tocante ao aspecto da concepção de ensino de produção textual
escrita que vigorava em cada período destacado, a saber, as décadas
de 60, 70, 80, 90, 2010 e 2020.

O QUE OS DADOS NOS REVELAM?

No que diz respeito aos elementos analisados, o aspecto obser-


vado aqui será o da concepção de ensino de produção textual escrita
subjacente às propostas, ou seja, investigamos se a produção textual
escrita era abordada como um produto ou como um processo.
As propostas de produção textual escrita dos livros da década
de 60 coletados consistem na apresentação de quatro temas a serem
desenvolvidos pelos estudantes, mas, pelo laconismo das estruturas dos
enunciados, não é possível inferir se este teria de escolher um desses
temas ou se teria, necessariamente, de escrever sobre todos.

Figura 1 –Temas para redação – década de 60 (1ª série)

Fonte: (CEGALLA, 1964, p. 31)

163
O ensino de produção textual escrita partia da noção de que
os estudantes deveriam redigir um produto, pois não havia qualquer
preocupação com a estrutura dos enunciados objetivando orientar os
estudantes quanto ao tipo de texto a ser elaborado (narrativo, descri-
tivo ou dissertativo), ou quanto às etapas de seu planejamento, de sua
execução ou de sua avaliação (MARCUSHI, 2008). Acerca dos temas
sugeridos pelo LD, podemos dizer que eram superficiais e que não
instigavam os estudantes a elaborarem textos autônomos.
Sobre as propostas de produção textual escrita na década de 70,
notamos uma ligeira diferença na concepção de ensino de produção
textual, uma vez que, apesar de não ser possível perceber etapas de
um processo, há uma preocupação em determinar e explicar o tipo
textual e propor um plano modelo.

Figura 2 – Temas para redação – década de 70 (4ª série)

Fonte: (MAROTE, 1972, p. 149).

Nessa proposta, o estudante não é mais um sujeito inteiramente


passivo, pois a proposta, apesar de orientá-lo a seguir um modelo
(ALBUQUERQUE, 2006), permite que ele escolha o tema que desejar
para escrever, ou seja, vislumbra-se aí, já no início da década de 70, um
processo de interação discursiva, ou, de modo menos otimista, uma
intensificação do ensino tecnicista, que também vigorava na época, e
almejava resultados imediatos, o que pode ser conseguido de muitas
formas, inclusive se apresentando um modelo a ser seguido: “se preferir,
mude de assunto, mas conserve o plano” (MAROTE, 1972, p. 149).
164
Nos anos 80, tivemos o fim da Ditadura Militar, a consolidação
da democratização do ensino, e uma maior divulgação da Linguística
no Brasil, inclusive aproximando-a da realidade do professor, com os
conhecimentos advindos dessa ciência, por exemplo as concepções da
Sociolinguística, da Pragmática e da Linguística Textual, chegando
até as salas de aulas, uma vez que os concludentes dos cursos de
Letras já estavam inseridos nas escolas, produziam material didático
e participavam de debates em torno do ensino de Língua Portuguesa.
A concepção de ensino depreendida da proposta analisada ainda
é a de produto, apesar de, como se observou na década de 70, haver
uma preocupação em trazer temas mais próximos da realidade dos
estudantes, na tentativa de atender aos documentos oficiais da época,
que recomendavam: “o tema pode incluir certos acontecimentos,
cenários, aspectos da realidade para os quais os estudantes possuem
não só experiências vividas, mas também um sistema satisfatório de
representação (SÃO PAULO, 1988, p. 38-41).

Figura 3 – Tema para redação – década de 80 (5ª série)

Fonte: (FARACO, C; MOURA, 1984, p. 190)

Nos anos 90, a concepção de ensino de produção textual escrita


permanece sendo essencialmente a de produto contudo, alguns livros
didáticos, como vemos na figura 4, termos uma noção de processo mais
explícita apesar de ainda não muito aprofundada, pois percebe-se a
etapa de geração de ideias, quando o autor solicita que o estudante vá
à janela de sua casa ou de sua escola e observe as coisas que ocorrem
do lado de fora; a de execução, fase de escrita propriamente dita; a

165
de avaliação do texto elaborado, quando é solicitado que o estudante
releia sua produção e imagine a recepção dele pelo interlocutor e a de
refacção, quando, após reler o texto e pensar se ele está suficientemente
claro para o leitor, é sugerido que ele faça uma revisão do texto e, só
depois, passe-o a limpo e o mostre ao colega; é importante notar que
essas etapas de avaliação e de revisão seguem a orientação dos PCN,
quando estes sugerem que o estudante analise e revise o próprio texto
em função dos objetivos estabelecidos, da intenção comunicativa e do
leitor a que se destina, redigindo tantas quantas forem as versões neces-
sárias para considerar o texto produzido bem escrito. (BRASIL, 1998).

Figura 4 – Hora de escrever – década de 90 (5ª série)

Fonte: (DISCINI, N; TEIXEIRA, L, 1999, p. 20)

Podemos dizer, portanto, que na proposta elaborada durante a


década de 90, período de transição em que ocorreu a idealização, o
planejamento, a elaboração, a aprovação e a implantação dos PCN,
tivemos, em meio a uma crise política e econômica, uma série de

166
reformas educacionais, que, pelo menos na teoria, buscaram melhorar
o sistema educacional brasileiro.
Na figura 5, referente aos anos 2010, temos, de modo bem mais
acentuado, a concepção de produção textual escrita como processo,
sendo discriminadas, ainda que de forma não detalhada, as etapas de
planejamento, de produção, de revisão e de publicação.

Figura 5 – Produção escrita – década de 2010 (6º ano)

Fonte: (DELMANTO; CARVALHO, 2012, p. 305-306)

167
No planejamento, especifica-se o que deve ser feito e como o
texto deve ser elaborado: os estudantes deverão elaborar um verbete
e, para isso, devem, primeiro, pesquisar a respeito em enciclopédias,
jornais, revistas e, se os estudantes puderem, na internet; deverão,
também, planejar os espaços entre os parágrafos, a disposição das
ilustrações e dos boxes etc.; diferentemente das propostas analisadas
anteriormente, nesta, além de o professor ou de os colegas de sala,
o próprio estudante, a partir de uma série de critérios, avaliará seu
texto quanto aos aspectos textuais, visuais e relacionados ao conteúdo;
depois da fase de revisão, temos a fase de publicação, quando, depois
de os estudantes terem realizado as correções propostas pelo profes-
sor e inserido suas sugestões, o texto irá compor uma enciclopédia e,
também, no projeto do final do ano, um almanaque.
A escolha do tema da proposta de 2010 fica, em parte, a cargo
do estudante, uma vez que é solicitada a elaboração de um verbete
enciclopédico sobre um animal, sem que seja especificado qual. Esse
tema, caso estivesse desassociado das motivações apresentadas para
a escrita, poderia ser considerado distante da realidade do estudante
ou genérico, mas é o contrário disso, a unidade inteira do livro didá-
tico, intitulada “Definindo o mundo que nos cerca”, traz como tema
transversal o meio ambiente e como tema associado a exploração de
animais, a extinção de espécies e a preservação da natureza, forne-
cendo, com isso, inspiração para a escrita e despertando a consciência
crítica do estudante. A estrutura do enunciado, por sua vez, apresenta
o que deve ser feito e como deve ser feito, atendendo às condições de
produção: finalidade, publicação na enciclopédia e no almanaque; o
gênero, verbete de enciclopédia; suporte, a enciclopédia e o almanaque;
interlocutor, os colegas de sala, possíveis leitores da enciclopédia e do
almanaque; e, assim como nas propostas anteriores, não são apresen-
tadas restrições quanto aos lugares de circulação.
Por fim, a partir de 2020, a concepção de produção textual
escrita da figura 6 é a de processo, sendo apresentadas diferentes etapas

168
(apresentação da proposta, planejamento, revisão e reescrita e publi-
cação) e coaduna-se com a da BNCC, uma vez que está relacionada
à interação e a autoria (BRASIL, 2017), pois não apenas sugere a
elaboração de uma resenha a partir do acesso a um site, como também
há um investimento no processo de interação entre os estudantes,
sendo isso enfatizado tanto no momento da revisão e reescrita quanto
durante a etapa de publicação.

Figura 6 – Língua Viva – década de 2020 (6º ano)

SANTA BARBARA, M.G. Língua Portuguesa. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 39.

169
O tema abordado, uma das telas da pintora modernista Tarsila
do Amaral, possibilita o cumprimento de algumas competências dis-
criminadas na BNCC, como o conhecimento e a exploração de uma
prática de linguagem artística, democratizando, assim, por meio do
uso de tecnologias digitais, o acesso a esse tipo de expressão artística;
e o desenvolvimento do senso estético, com o intuito de os estudantes
reconhecerem, fruírem e respeitarem esse tipo de arte, apesar de não
os inserirem em um contexto totalmente real de interação.
A motivação para a escrita também se concentra em textos de
apoio, cujo gênero textual é o mesmo solicitado na proposta de produção
textual escrita da unidade, o que é interessante, pois auxilia o aluno no
processo de elaboração do gênero, contudo, o fato de ser apresentada
apenas uma resenha e com organização retórica não convencional, pois
é apresentada em forma de tópicos, pode comprometer o processo de
criação do estudante, cabendo ao docente apresentar um material extra
a fim de ilustrar melhor a forma composicional do gênero. Contudo, o
tipo de atividade proposta, tour virtual, pode funcionar como elemento
motivacional, apesar de, considerando a multiplicidade de gêneros
sugeridos pela BNCC (vlogs, vídeos, podcasts variados e produções e
gêneros próprios das culturas juvenis, como fanzines, fanclipes, e-zines,
gameplay, detonado etc.), além da resenha, que também é apresentada
como gênero textual possível, não há um investimento na abordagem
dessa multiplicidade de gêneros nem no acesso dos alunos às demais
produções e eventos culturais apontados pela Base (produções culturais:
livro, filme, série, game, canção, disco, videoclipe etc.; ou evento: show,
sarau, slam etc.), ou seja, a proposta não apresenta avanços no que diz
respeito aos gêneros solicitados nas décadas anteriores.
Quanto às condições de produção, que se assemelham bastante
às dos PCN, todas são disponibilizadas na proposta: os enunciadores
são os próprios estudantes e o papel assumido por eles é o de elabo-

170
radores de resenhas; o objetivo está explícito “auxiliar seus colegas nas
suas escolhas para leitura, apreciação e compartilhamento de impres-
sões sobre obras de arte, como as pinturas em tela”, o gênero textual
é apresentado desde o início da unidade e há um quadro explicando
sua estrutura, o lugar de circulação também fica bastante claro no
enunciado da proposta, será o blog da turma, site da escola, ou em
outro lugar definido com o auxílio do professor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo por base as análises realizadas e os resultados alcan-


çados, seguem as respostas a que chegamos para as três indagações
feitas no início desta pesquisa:

1. As críticas feitas ao ensino podem ser empregadas ao principal


instrumento de trabalho de grande parte dos professores, o
livro didático? Analisando especificamente a parte de produ-
ção textual escrita presente nos livros didáticos das últimas
sete décadas, a resposta é “não mais”, algumas críticas ainda
podem, e devem, ser feitas, mas dos anos 90 para cá houve
uma visível melhora dessas propostas.

2. As produções textuais escritas cobradas nesses livros didáti-


cos e elaboradas pelos estudantes: em que consistiam, como
eram apresentadas e a partir de quais critérios de análise eram
avaliadas? Nas propostas anteriores aos PCN, mais especifica-
mente nas décadas de 60 e 70, que viam o ensino de produção
textual essencialmente como um produto, tínhamos apenas
títulos no espaço reservado para a produção textual, nessa
época denominada de “Composição”; nas décadas seguintes,
com uma visão inicialmente parcial de produção textual como
processo, passamos a encontrar diferentes e recorrentes etapas,
171
inclusive um momento específico para revisão e reescrita, a
partir de um roteiro de avaliação.

3. Quanto aos documentos oficiais de ensino anteriores aos


Parâmetros Curriculares Nacionais: o que eles diziam? Trata-
vam de produção textual escrita? Adotando qual perspectiva
teórica? Os PCN trouxeram uma nova perspectiva de se
pensar o ensino de Língua Portuguesa e, por participação,
o ensino de produção textual escrita, antes havia uma série
de documentos oficiais (pareceres, decretos e cartilhas), que
abordavam a questão da produção textual escrita, mas de
uma maneira muito superficial, ou seja, não havia nada tão
completo nem tão claro quanto os Parâmetros, tanto que a
BNCC, reconhecendo seu valor, aproveitou muito de seus
princípios, inclusive seu percurso pedagógico baseado no
usoreflexão-uso.
Essas respostas puderam ser formuladas a partir da análise de
nossos resultados, pois eles revelaram que nas propostas de produção
textual escrita elaboradas antes da publicação dos PCN, especificamente
nas décadas de 60, 70 e 80, adotava-se uma concepção de ensino vertical,
em que a língua era tida ora como código ora como representação do
pensamento, e as produções textuais eram vistas essencialmente como
produto; já nas propostas produzidas durante o período de transição,
década de 90, foi possível perceber mudanças incipientes na concep-
ção de ensino de produção textual escrita e, consequentemente, nas
estruturas dos enunciados, sendo apresentada, aos estudantes, uma
proposta mais rica de conteúdo e a elaboração de um planejamento,
de uma avaliação e, até, de uma reescrita; por fim, nas propostas ela-
boradas após a publicação dos PCN, período em que passou a vigorar
uma concepção de língua como instrumento de interação humana, as
propostas, de uma maneira geral, apresentaram-se numa perspectiva
172
de processo, atendendo às etapas de planejamento, elaboração, revisão,
avaliação, refacção e publicação, assim como, também, às suas condições
de produção (finalidade, especificidade do gênero, suporte, lugares
preferenciais de circulação e interlocutor).
Finalmente, gostaríamos de ratificar o descompasso entre o que
se propõe nos livros didáticos, especialmente naqueles elaborados nas
três últimas décadas, que obedecem às orientações dos documentos
oficiais e propõem atividades de produção textual escritas pautadas
na concepção de processo, abordagem que, em tese, deveria promover
uma maior qualidade nas produções textuais elaboradas pelos estu-
dantes, e o que demonstram as avaliações de larga escala lançadas por
programas federais, ficando, assim, a reflexão sobre onde de fato está
o problema que impede o sucesso dos estudantes no que diz respeito
à plena realização dessa habilidade.

REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE, E.B.C. de. Mudanças didáticas e pedagógicas no ensino de Língua
Portuguesa: apropriações de professores. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais – terceiro e quarto ciclos do Ensino Funda-
mental: Língua Portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular (2017). Disponível em:
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_20dez_site.pdf. Acesso em: 14 fev. 2018.
CEGALLA, D. P. Português: gramática, antologia, exercícios (1ª série ginasial). 13. ed. São
Paulo: Companhia Editoria Nacional, 1964, p. 31.
DELMANTO, D; CARVALHO, L.B. de. Jornadas.port: língua portuguesa, 6º ano. 1. ed.
São Paulo: Saraiva, 2012, p. 305-306.
DISCINI, N; TEIXEIRA, L. Leitura do mundo. São Paulo: Editora do Brasil, 1999, p. 20.
FARACO, C; MOURA, F. Comunicação em Língua Portuguesa (Primeiro Grau – 5ª série).
São Paulo: Editora Ática, 1984, p. 190.
FAYOL, M. L’approche cognitive de la rédaction: uma persective nowvelle. Repères, nº 63,
maio de 1984. Disponível em: http://www.persee.fr/docAsPDF/reper_0755-7817_1984_num_
63_1_1783.pdf. Acesso em: 6 mar. 2018.

173
MARCUSCHI, L.A. Produção Textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo:
Parábola Editorial, 2008.
MAROTE, J.T.D. PortuguêsFuncional (8ª série do novo ensino de 1º grau – antiga 4ª série
ginasial). São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1972, p. 149.
SANTA BARBARA, M.G. Língua Portuguesa. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2020.

174
PROPOSTA DE ENSINO DO CONJUNTO
DOS RACIONAIS COM BASE NA TEORIA
HISTÓRICO-CULTURAL COM ABORDAGEM
GEOMÉTRICA

Sarah Galatto Cancillier37


Mateus Bitencourt38
Maxwel Fernandes Bernardes39
Eloir Fátima Mondardo Cardoso40

INTRODUÇÃO

De acordo com a Teoria Histórico-Cultural (THC), por meio


da atividade humana se possibilitam o desenvolvimento e as transfor-
mações sociais. A matemática não é uma exceção, podemos defini-la
como uma ciência humana, produzida pelo ser humano durante a
história, sendo assim variável e com incertezas (PERES; FREITAS,
2014). Ademais, faz-se o estudo da educação matemática de forma a
possibilitar as melhores condições de ensino e aprendizado matemá-
tico. Esta tem como principal estudo o contexto social das relações
matemáticas (DAMAZIO; ROSA, 2013).
Com isso, a seguinte proposta utiliza como base a THC,
a qual é referência para o Currículo Base de Santa Catarina. Os
pressupostos desta teoria objetivam superar o conhecimento empí-
rico e almejam desenvolver o pensamento teórico dos estudantes.
Além disso, esse estudo propõe a organização do ensino dos núme-
ros racionais, de modo a relacionar: geometria, álgebra e aritmética,

37
Graduanda em Matemática (UNESC). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9720-5245
38
Graduando em Matemática (UNESC). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0322-0725
39
Graduando em Matemática (UNESC). CV: http://lattes.cnpq.br/0592073531179886
40
Doutoranda em Educação (UNESC). ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3489-8771
175
com o intuito de promover a inter-relação desses conceitos mate-
máticos (SANTA CATARINA, 2019).
Na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) também consta a
necessidade dessa inter-relação entre os diversos campos da matemática,
além da estatística e da probabilidade. Em vista disso, esta proposta
desenvolve os conceitos e propriedades do conjunto dos racionais asso-
ciados com os polígonos regulares (triângulo equilátero, quadrado, hexá-
gono regular), tanto seu perímetro quanto equivalência de suas áreas, os
quais constam como objetos de conhecimentos previstos pela BNCC
para o ensino do sétimo ano do Ensino Fundamental (BRASIL, 2018).
Então, objetivou-se neste estudo desenvolver, aplicar e avaliar
uma proposta de ensino dos conjuntos dos racionais com base na
THC em estágio obrigatório com estudantes do sétimo ano de uma
escola estadual de Santa Catarina, de modo a verificar a necessidade
da subdivisão da unidade de medida; realizar o processo de medição,
relacionado com o perímetro de polígonos regulares; desenvolver o
conjunto dos racionais interligado à geometria, álgebra e aritmé-
tica; avaliar a apropriação do conhecimento sobre os conjuntos dos
racionais por parte dos alunos.
Os alunos foram desenvolvendo os conceitos durante as tarefas.
Algumas tarefas foram desafiadoras para eles, bem como o processo de
síntese, com o qual não estavam acostumados. Eles se apropriaram de
muitos conceitos, principalmente da geometria, e apresentaram dificul-
dade no processo de divisibilidade e subdivisão da unidade de medida.

DESENVOLVIMENTO DAS AULA E ATIVIDADES


DE ENSINO

Ao se pensar e elaborar uma situação de ensino possível, leva-


-se em consideração os sujeitos envolvidos no processo, dentre eles
as escolas, os professores e os alunos. No percurso formativo, estes
sujeitos se relacionam a partir da atividade humana, especificamente,
atividade de aprendizagem. Rosa (2012) diz que a atividade humana
176
tem como característica o direcionamento à criação de um objeto.
Baseada em Leontiev, a autora aponta que a atividade é estruturada
por elementos que se interligam e se transformam, surgindo de uma
necessidade a fim de um objetivo. Isto é, “Estabelecer uma tarefa para
um indivíduo é determinar uma meta a ser atingida em condições
específicas” (ROSA, 2012, p. 40).
O estudo foi aplicado em uma turma do sétimo ano do Ensino
Fundamental II, de uma escola estadual de Santa Catarina. A elabo-
ração do referencial teórico foi realizada durante o primeiro semestre
do ano de 2021, com pesquisa sobre a abordagem teórica adotada e
desenvolvimento da metodologia das aulas e dos materiais. Durante
o segundo semestre de 2021, por conta da pandemia (Covid-19) e
por consequência a necessidade de distanciamento social, a turma foi
dividida em A e B, com aulas presenciais intercaladas com atividades
para casa. Foram realizadas 16 aulas de observação, divididas em 8
aulas para A e 8 para B. Ademais, foi realizada a regência durante 25
aulas (A = 12, B = 13). As aulas de tarefas práticas foram realizadas
no laboratório de matemática, em mesas redondas e em grupo.
Deste modo, a abordagem escolhida foi a THC e partiu de uma
situação problema com base no ladrilhamento presente em colmeias das
abelhas. A partir dessa situação foram desenvolvidas tarefas. O modo
de avaliação foi dividido em três trabalhos, para acompanhar o desen-
volvimento dos alunos durante as 3 semanas de aula. Os dois primeiros
foram por meio de sínteses das discussões das aulas da semana, com peso
três, foram propostas questões bases para cada síntese como modo de
orientar o aluno no desenvolvimento da atividade. A última avaliação
foi a representação dos polígonos e áreas no papel, com peso quatro.
As abelhas constroem os alvéolos nas colmeias para depositar o
mel que fabricam. O formato dos alvéolos apresenta relações matemá-
ticas que possibilitam um armazenamento maior com menos gastos na
construção das paredes dos alvéolos, produzidas com matéria orgânica
dos corpos das abelhas (TAHAN, 1987; SILVA; XAVIER; BENTO,
177
2012). Este é um dos casos da natureza em que a matemática está
inserida formando um padrão harmonioso, o que pode ter decorrido
do acaso ou da seleção natural (SILVA; XAVIER; BENTO, 2012).
Uma das relações matemáticas presentes nos alvéolos da colmeia
para o maior armazenamento, é a utilização de formas que se encaixam,
de forma a utilizar a mesma parede do alvéolo para o adjacente, as
únicas formas planas regulares que possibilitam isso são o triângulo
equilátero, o quadrado e o hexágono regular. Isto ocorre devido ao
valor dos seus ângulos internos que são divisores de 360º graus, uma
circunferência. Contudo, as abelhas utilizam o formato hexagonal,
porque quando construídos prismas triangulares, quadrangulares
e hexagonais, com a mesma altura e perímetro, o único fator que
influencia nos seus volumes é a área da base, e a do prisma hexagonal
possui a maior área (TAHAN, 1987).
Com esses dados foi apresentado aos alunos o que são os alvéolos,
seus possíveis formatos (baseado no ladrilhamento) e sua função na
colmeia das abelhas – armazenamento – e relatada a necessidade de
armazenar a maior quantidade com uma determinada quantidade de
cera. Após explicar o que são os alvéolos, foi questionado: “Quais os
padrões que podem ser observados nos alvéolos”, “Quais seus possíveis
formatos?” e “Será que eles poderiam ser circulares? De que forma
isso influenciaria na colmeia?”. Com isso, objetiva-se que os alunos
investiguem as propriedades geométricas do objeto estudado.
Na primeira pergunta, devem observar alguns padrões, como
o formato do hexágono, o encaixe perfeito entre os polígonos, a
repetição do mesmo formato e tamanhos. Após verificar essas pro-
priedades geométricas, deve-se verificar o que elas influenciam
na colmeia e no armazenamento.
Para a segunda e a terceira pergunta, faz-se a ligação com as
respostas da pergunta anterior, principalmente sobre como os polí-
gonos se encaixam perfeitamente para que se aproveite todo o espaço
e não haja um gasto a mais de cera, já que nos encaixes perfeitos
178
as paredes dos alvéolos coincidem. Durante os questionamentos e
investigação com os alunos, objetiva-se concluir que formatos circu-
lares não formariam um ladrilhamento, apesar de terem maior área,
sobraria espaço entre os alvéolos, assim os únicos polígonos regulares
que possibilitariam, seriam o triângulo equilátero, o quadrado e o
hexágono regular. Com os possíveis polígonos definidos, chega-se ao
questionamento: “Mas por que o hexágono é um o formato melhor
do que o triangular e o quadrangular?”.
Definido que o formato deve armazenar a maior quantidade de
mel, para a menor quantidade de cera, deve ser identificado por meio
de questionamentos, a qual parte dos polígonos equivalem à cera e ao
mel. O primeiro reveste as paredes do alvéolo, então, em uma figura
plana, equivale ao seu contorno (perímetro), já o segundo preenche o
formato equivalendo a sua superfície (área). Posteriormente à dedução
dessas informações, chega-se na pergunta principal: “Qual polígono
tem maior área, caso todos apresentem o mesmo perímetro?
Com o desenho de um hexágono regular como ponto de par-
tida, desafia-se os alunos a comprovarem se este é o melhor formato,
por meio da construção dos outros polígonos e dimensionamento de
todos eles. Para isso, é estabelecida uma característica comum entre
eles, o mesmo perímetro. Tomando o hexágono como base, os alunos
devem verificar qual a medida do lado e de seu perímetro. Após isso,
devem verificar qual lado do quadrado e do triângulo possibilitariam
o mesmo perímetro para os polígonos.
Com isso chega-se ao problema de medição, deve-se orientar
os alunos a pensarem alguma forma de medir o perímetro do hexá-
gono, o primeiro pensamento provável seria a utilização da régua. No
entanto, será orientado utilizar outra forma e questionar: “E se não
tivéssemos régua, o que poderíamos utilizar para medição?”. Deste
modo, objetiva-se chegar ao processo histórico de medição.

179
Para a atividade, foi proposto o uso de cordas para a medição,
por poder se modelar aos segmentos dos polígonos e ainda ser padrão
para todos, e não variante, como medidas baseadas em partes do corpo.
Inicialmente foi medido o perímetro ( ) e com a sua divisão o lado do
hexágono ( ), após isso, utilizando outras cordas do mesmo tamanho
de , e dividindo em 3 e 4 foram formados os segmentos dos lados
do quadrado ( ) e do triângulo ( )(Figura 1).

Figura 1. Representação dos segmentos , e em relação ao perímetro

Fonte: Elaboração dos autores, 2021.

Com todos os segmentos medidos com as cordas, foram ana-


lisadas as propriedades das cordas e suas equações, como: “Qual
segmento é maior que o outro?”, “Qual segmento é menor que o
outro?”, “Existe algum segmento igual ao outro?” e “Quantas vezes
os segmentos dos lados são menores que o perímetro?”. Com esses
questionamentos podemos definir:

Deste modo, observa-se também que um segmento tem dife-


rentes resultados numéricos, se consideradas unidades de medida
diferentes. Após essas análises, foi definido um dos segmentos para ser
utilizado como unidade de medida, para realizar as medições. O lado
180
do hexágono (, por ser o menor, seria o mais indicado para a situação.
Quando comparadas as cordas, pode-se concluir que:

Porém, quando utilizado como unidade de medida para a medição


do lado do quadrado, surge uma nova necessidade, não cabe vezes
inteiras no comprimento . Surge a reflexão: “será que não há um valor
para esse segmento ou só não o conhecemos?”. As discussões permi-
tiram concluir que existe, mas não pode ser expresso por um número
inteiro. Além disso, também foi verificado que é um número entre
um e dois, porque a unidade cabe uma vez inteira e mais uma parte
dela em , ou seja, a unidade cabe mais de uma vez e menos de duas
vezes em . Pode-se representar o novo número como:

Mas de que modo podemos medir com exatidão esse novo


número? Deste modo, chega-se à necessidade da subdivisão da unidade
de medida , em dois, formando , a nova unidade de medida (medida inter-
mediária). Realizando novamente o processo de medição, encontra-se:

Figura 2. Medição do lado do hexágono regular e do quadrado com a unidade de


medida intermediária

Fonte: Elaboração dos autores, 2021.


181
Conforme a representação do número m, a medição com a unidade
de medida intermediária , temos e , conclui-se que:

Assim, o segmento medido com , resulta em uma fração. Pos-


teriormente a medição e quantificação do perímetro e dos segmentos,
os alunos são orientados a representarem em uma reta numérica, par-
tindo da origem (O), para possibilitar o movimento do pensamento
do concreto ao abstrato. Para finalizar a situação dos alvéolos, já que
os valores dos lados estão definidos, deve-se orientar a construção
do triângulo equilátero e do quadrado, posteriormente analisando o
tamanho das áreas por meio da divisão e sobreposição das formas.
O estágio foi iniciado com a fase de observação. Neste período os
alunos estavam aprendendo multiplicação e divisão com números intei-
ros e foi observada a dificuldade dos estudantes em relação aos cálculos
com as operações básicas. A maior parte das aulas foi destinada à reso-
lução de exercícios com auxílio da professora supervisora e da estagiária.
Ainda no período de observação, foi percebido, pela professora
supervisora, que os alunos ficavam um período muito longo sem
estudar matemática, as aulas eram realizadas em um dia da semana e
a próxima aula ocorria somente após duas semanas.
Durante a primeira aula da regência, cada grupo recebeu um
polígono diferente e precisavam verificar quais formavam um ladri-
lhamento. A maioria dos alunos desconhecia muitos dos conceitos de
geometria vistos, na turma A, associaram inicialmente o ladrilhamento
com o quadrado e somente após a tarefa perceberam que nem todos os
polígonos poderiam se encaixar sem sobrar espaços. Em continuidade,
foi realizada a síntese no dia seguinte, em que os alunos não lembravam
de alguns tópicos da aula anterior, porém a maioria marcou no círculo
(360°) formado pela soma dos ângulos no encaixe dos polígonos.
182
Na sequência, foi realizada a tarefa com a turma B, a qual conse-
guiu associar o ladrilhamento com outros polígonos, além do quadrado.
Durante a realização da síntese, apresentaram autonomia (Figura 3).
Todas as propostas da primeira semana foram desenvolvidas no mesmo
dia e, com as respostas, foi verificado que compreenderam os conceitos.

Figura 3 – Tarefa de ladrilhamento com polígonos regulares.

Fonte: Dados dos autores, 2021.

Além disso, ambas as turmas inicialmente demonstraram não


conhecer o uso do transferidor, porém, no decorrer das aulas passaram
a utilizá-lo. Ademais, foi colocada uma pergunta optativa na síntese
I (Figura 4), os alunos poderiam colocar o que eles aprenderam nas
aulas, nas respostas, relatavam ter aprendido o conceito dos polígonos
regulares, o ladrilhamento e a medição de ângulos.

183
Figura 4 – Respostas dos alunos sobre seus aprendizados na aula.

Fonte: Dados dos autores, 2021.

Durante a segunda semana, foram introduzidos os números


racionais com a medição dos polígonos. Nesta aula, alguns conceitos
eram conhecidos pelos alunos: procedimento de medição, relação
universal de multiplicidade e divisibilidade. Mas também surgem
novos, como: ampliação do processo de medição e subdivisão da
unidade de medida (FREITAS, 2016).
A turma A apresentou, inicialmente, dificuldades para encon-
trar o lado de um polígono a partir do perímetro, o qual representa
a relação da divisibilidade, para esta atividade utilizaram o desenho
do polígono e o contornaram com o barbante. Em contrapartida,
foram muito participativos na discussão dos resultados do processo
de medição e subdivisão da unidade de medida.
Novamente, a síntese foi realizada, em sua maioria, no dia
seguinte, e houve uma descontinuidade do aprendizado, os alunos
não lembravam mais da tarefa realizada, por isso a aula foi dedicada
184
para a sua realização com o auxílio da professora, para retomar o que
haviam aprendido. No entanto, foi necessária a continuação em casa,
muitos alunos não fizeram ou entregaram somente o realizado em sala,
prejudicando a análise do conhecimento apropriado pelos alunos sobre
este conceito e o tornando incerto, por isso sugere-se uma retomada
dos tópicos fora do período de regência.
Contudo, a turma B realizou com mais facilidade a tarefa, mesmo
ainda necessitando do recurso visual da construção do polígono com o
barbante para encontrar seus lados. Com a síntese e comentários em
sala de aula, foi verificada a compreensão da relação dos segmentos
(maior, menor ou igual) e representação na reta numérica (Figura 5).
No entanto, a maior dificuldade foi entender a subdivisão de medidas
com exemplos fora de situações problema ou práticas com os polígonos.

Figura 5 – Representação do perímetro com o lado do hexágono e representação


do polígono para obtenção do segmento referente ao lado.

Fonte: Dados dos autores, 2021.

185
Para concluir, foi realizada na última aula a tarefa de construção
dos polígonos, sendo necessária a apropriação dos conceitos anterio-
res, como os conceitos de ângulos, polígonos regulares e medição de
comprimento. Além disso, foi complementada com o conceito de
medição de áreas de retângulos e decomposição de áreas (Figura 6).

Figura 6 – Cálculo das áreas e decomposições dos polígonos

Fonte: Dados dos autores, 2021.

As duas turmas conseguiram entender a medição de áreas com


unidades quadradas e como se calcula, verificando as linhas e as colunas
de um retângulo. Além disso, apresentaram diferentes soluções para a
decomposição dos polígonos e transformação em quadriláteros. Durante
a tarefa foi necessário o auxílio do questionamento da professora para
os alunos relembrarem alguns conceitos das aulas anteriores.

186
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assim, foi composta uma proposta de ensino segundo a THC,


a qual foi aplicada em uma turma do sétimo ano e com o obje-
tivo de proporcionar a apropriação dos conceitos no campo teó-
rico, interligando as áreas da matemática e abordando o desenvol-
vimento histórico do conceito.
A proposta abordou os conceitos do conjunto dos números
racionais, por meio do processo de medição, em uma situação geomé-
trica. Desta forma, os alunos estudaram com a interligação dos dois
campos da matemática, aprenderam a utilizar novos instrumentos e
se apropriaram de novos conceitos. As tarefas foram organizadas de
forma que o aluno descobria os conceitos durante as tarefas, o que se
mostrou desafiante para alguns. Além disso, os alunos também não
estavam acostumados com a realização da síntese, a qual foi de extrema
importância para a apropriação dos conceitos e avaliação.
Os alunos conseguiram se apropriar de muitos conceitos, prin-
cipalmente da geometria. No campo dos números racionais, desta-
cam-se os primeiros conceitos e o do processo de medição. Contudo,
sugere-se para trabalhos futuros, destinar mais aulas para o estudo dos
números racionais, a fim de desenvolver os conceitos de divisibilidade
e operações com os números racionais.

REFERÊNCIAS
BRASIL/MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Base Nacional Comum Curricular. Brasília:
MEC, 2017. 472p.
DAMAZIO, A.; ROSA, J. E. Educação Matemática: possibilidades de uma tendência his-
tórico-cultural. Espaço pedagógico, Passo Fundo, v.20, n. 1, p. 33-53, jan/jun, 2013.
PERES, T. C.; FREITAS, R. A. M. M. Ensino Desenvolvimental: uma alternativa para a
educação matemática. Poiésis, Tubarão, Volume Especial, p. 10 - 28, Jan/Jun, 2014.
ROSA, Josélia Euzébio da. Proposições de Davydov para o ensino de matemática no primeiro
ano escolar: inter-relações dos sistemas de significações numéricas. 2012. 244 f. Tese (Douto-

187
rado) - Curso de Educação, Ufpr, Curitiba, 2012. Disponível em: http://www.ppge.ufpr.br/
teses%20d2012/d2012_Joselia%20Euzebio%20da%20Rosa.pdf. Acesso em: 27 maio 2021.
SANTA CATARINA. Currículo Base da Educação Infantil e do Ensino Fundamental do
Território Catarinense. Florianópolis-SC. Secretaria do Estado da Educação, 2019. 492p.
Disponível em: http://uaw.com.br/pagflip/pdf.php?pag=portifolio&cod=35.
SILVA, R. A.; XAVIER, C. S. F.; BENTO, A. N. S. Explorando o formato hexagonal dos
favos de mel das abelhas na sala de aula de matemática. In: Encontro Paraibano de Educação
Matemática – EPBEM, nº 7, 2012, João Pessoa, Paraíba.
TAHAN, M. As maravilhas matemáticas. 2ª ed. brasileira, Rio de Janeiro: Bloch Editores, 1973.

188
LETRAMENTO LITERÁRIO: RELATO DE
EXPERIÊNCIA DE LEITURA EM SALA DE
AULA VIRTUAL

Adilma Gomes da Silva Machado41


Antônia Caroline Alves da Silva42
Sidney Washington de Lima Melquiades43

INTRODUÇÃO

[...] uma comunidade de leitores é definida pelos leitores


enquanto indivíduos que, reunidos em um conjunto,
interagem entre si e se identificam em seus interesses
e objetivos em torno da leitura, assim como por um
repertório que permite a esses indivíduos comparti-
lharem objetos, tradições culturais, regras e modos de
ler. (COSSON, 2014, p. 138-139)

O domínio da leitura ainda é bastante preocupante para nós


educadores, e isso mostra-se nos resultados de pesquisas nacionais
e internacionais, como o Programa Internacional de Avaliação de
Estudantes – PISA, que avalia os conhecimentos dos alunos em ciên-
cias, matemática e leitura. Em 2018 o principal componente avaliado
foi a leitura, composto de uma escala de proficiência distribuída em
oito níveis – 1c, 1b, 1a, 2, 3, 4, 5 e 6. O nível 1 é considerado de baixa
proficiência; os níveis 2, 3 e 4 medianos e os níveis 5 e 6 considerados
mais elevados dentro dessa escala, onde o Brasil ficou 74 pontos abaixo
da média mundial e classificado no nível de proficiência 2.
Diante disso, entendemos ser fundamental incorporar nas práticas
pedagógicas de leitura, atividades que aperfeiçoem o contato direto

41
Mestranda em Linguística e Ensino (UFPB). CV: http://lattes.cnpq.br/6698663075218742
42
Mestranda em Linguística e Ensino (UFPB). CV: http://lattes.cnpq.br/3875671872212548
43
Mestrando em Linguística e Ensino (UFPB). CV: http://lattes.cnpq.br/7129040181714788
189
dos estudantes com a leitura, com o livro e com narrativas, atividades
que possibilitem a eles momentos de interação leitor-texto-leitor, mas
também interação entre os educandos por meio de socialização das
histórias lidas, narradas, vividas.
Infelizmente a grande maioria dos estudantes ainda não têm
consciência da importância e da necessidade da leitura em seu percurso
de desenvolvimento e aprendizagem, ou melhor, na maioria das vezes
leem por obrigação, leem apenas o que lhes foi solicitado, sem dar à
leitura o seu real valor. A escola tem função essencial de ensinar aos
alunos a importância de se praticar a leitura, pois a prática da leitura
contribui para a formação intelectual, moral e cultural.
Solé (2014) assevera que a leitura decorrente de processo de
ensino não é apostar em um método único, fechado, que pode ser
aplicado a qualquer caso, contexto ou aluno. Muito pelo contrário, as
práticas pedagógicas e metodologias devem levar em consideração o
indivíduo, seus conhecimentos prévios, seus objetivos e suas condições.
Desse modo, a disciplina Leitura e Ensino, ministrada pelas
professoras Eliana Esvael e Josete Marinho, no Mestrado Profissional
em Linguística e Ensino da Universidade Federal da Paraíba - UFPB,
no segundo semestre de 2021, nos proporcionou refletir sobre vários
olhares do nosso cotidiano docente e entender a leitura como uma
prática social importante para o desenvolvimento dos educandos, mas
que ainda temos muitos desafios a enfrentar.
Para a culminância da disciplina, as professoras solicitaram que
criássemos e desenvolvêssemos uma vivência, adaptada para o meio
virtual, envolvendo de forma dinâmica e significativa uma metodologia
para o ensino de leitura, na qual pudéssemos não só discutir as teorias,
mas também colocá-las em prática. Dessa forma, realizamos as vivên-
cias com nossa própria turma de mestrado por meio da plataforma
Google Meet. Com esse capítulo, pretende-se refletir sobre o que foi
vivenciado e compartilhar os saberes, pois a construção coletiva em
nosso meio é muito relevante para nossa prática enquanto docente.
190
Nesse sentido, foram realizadas diversas discussões teóricas
sobre leitura e suas definições, bem como os procedimentos de leitura:
antes, durante e depois. Para este fim, nos ancoramos em Leffa (1996),
Kleiman (2005), Martins (2006), Solé (2014) e Cosson (2014) que
propõem um trabalho com leitura, visando à interação nas práticas
sociais de letramento. Os resultados foram obtidos a partir das leituras
e discussões na disciplina Leitura e Ensino, bem como da aplicação
de uma aula, que nos proporcionou refletir sobre as várias situações do
nosso cotidiano docente e a entender a leitura como uma prática social
importante para o desenvolvimento dos educandos, em que as estra-
tégias de leitura contribuem positivamente para a formação do leitor.
Nossa vivência utilizou o livro “A colcha de retalhos” de Con-
ceil Corrêa e Nye Ribeiro que aborda a descoberta de sentimentos
e descobertas de novas sensações que influenciam no nosso jeito de
ver o mundo. Esta vivência foi pensada para alunos do 6º ano do
ensino fundamental II, mas dependendo da abordagem é aplicável em
qualquer segmento de ensino, tendo duas horas de duração. O nosso
objetivo foi trabalhar o eixo de leitura e oralidade a partir do gênero
conto, visando as práticas de leitura: antes, durante e depois da leitura.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A leitura, parte fundamental do saber, alicerça nossas interpreta-


ções e conhecimento de mundo e concretizar esse processo para com
a linguagem necessitamos do domínio da palavra, pois é através dela
que nos posicionamos socialmente.
Para tentar compreender a questão da leitura, podemos nos
ancorar em Martins (2006, p. 30) quando a autora define a leitura
como “um processo de compreensão de expressões formais e sim-
bólicas, não importando por meio de que linguagem”. Nessa pers-
pectiva, podemos perceber que o processo de desenvolvimento da
leitura no indivíduo perpassa por experiências individuais, com a
decodificação de signos linguísticos e, além disso, o leitor dá sentido
191
ao que lê, fazendo um diálogo entre objeto lido e leitor. Comungando
dessa ideia Cosson (2014) enfatiza:
[...] ler consiste em produzir sentidos por meio de
um diálogo, um diálogo que travamos com o passado
enquanto experiência do outro, experiência que com-
partilhamos e pela qual nos inserimos em determinada
comunidade de leitores. Entendida dessa forma, a leitura
é uma competência individual e social, um processo
de produção de sentidos que envolve quatro elemen-
tos: o leitor, o autor, o texto e o contexto. (COSSON,
2014, p. 36)

Aqui, o ato de ler ganha uma compreensão mais ampla no qual


texto, autor e leitor interagem, sendo assim, o processo de leitura
mobiliza o leitor, ativando seus conhecimentos prévios, dialogando
com o texto e construindo sentidos.
Segundo Leffa (1996a, p. 10) “ler é, portanto, reconhecer o
mundo através de espelhos. Como esses espelhos oferecem imagens
fragmentadas do mundo, a verdadeira leitura só é possível quando se
tem um conhecimento prévio desse mundo”. Dessa forma, a leitura
não se limita ao encontro do leitor e texto, apenas, e sim, há muitos
processos e elementos que permeiam essa relação para dar sentido,
alcançando o objetivo da leitura que é a compreensão.
Para os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (1998, p.
71), formar leitores “é algo que requer condições favoráveis, não só em
relação aos recursos materiais disponíveis, mas, principalmente, em
relação ao uso que se faz deles nas práticas de leitura”. Essas práticas
sociais também podemos chamar de práticas de letramento.
O letramento é um termo relativamente recente, tendo con-
ceituações diversas. Kleiman (2005), em seu livro intitulado “Preciso
ensinar o letramento?”, aborda inicialmente o que o letramento não
é, para em seguida, apontar o que é. Dentre os vários conceitos apre-
sentados pela autora, talvez o mais comumente usado seja o de que

192
essa nomenclatura se refira aos usos que se faz da escrita nas diversas
instâncias da vida em sociedade.
Nesse sentido, o letramento literário torna-se membro desse
campo tão abrangente de usos da escrita no meio social. Conforme
Paulino e Cosson (2009, p. 67), o letramento literário é “o processo de
apropriação da literatura enquanto construção literária de sentidos”.
Para que os alunos se apropriem da literatura e possam construir senti-
dos a partir daquilo que lê, é necessário que o processo de ensino da lei-
tura na escola dê condições de o aluno tornar-se letrado literariamente.
É nessa perspectiva que as estratégias de leitura antes, durante e
depois, conforme foram apontadas por Solé (2014) e diversos autores
(Pearson e Johnson, 1978; Raphael, 1982, dentre outros), contribuem
substancialmente para a formação do leitor, incluído aí o leitor de
textos literários. Cabe, nesse momento, apresentar sucintamente a
que se refere cada estratégia.
Solé (2014) apresenta pelo menos cinco estratégias que podem
ser realizadas antes mesmo de a leitura iniciar e que contribuem para
a compreensão do texto: motivar os alunos, indicar o objetivo da lei-
tura, atualizar o conhecimento prévio, ajudar a formular previsões e
incentivar as perguntas dos alunos.
A motivação pode ocorrer mediante a apresentação de textos
desafiadores (não conhecidos pelos alunos), bem como mediante a
contextualização da leitura em uma situação real, como ler para obter
determinada informação ou por prazer, sem que o aluno se sinta pres-
sionado, dentre outras situações. A indicação do objetivo de leitura
se refere ao fato de o professor expor a finalidade daquela leitura.
A atualização do conhecimento prévio, por sua vez, é um elemento
fundamental, dado que se o aluno não sabe de que se trata a história,
isto é, não tem um conhecimento prévio, a construção do sentido é
afetada. Se, por outro lado, o leitor já sabe de tudo que a história vai
tratar, provavelmente essa leitura não será interessante. Dessa maneira,
propor uma leitura que permita que o conhecimento prévio do aluno/
leitor se amplie é fundamental. Segundo Solé (2014):

193
Se ler é um processo de interação entre um leitor e
um texto, antes da leitura (antes de saberem ler e antes
de começarem a fazê-lo quando já sabem) podemos
ensinar estratégias aos alunos para que essa interação
seja o mais produtivo possível. (SOLÉ, 2014, p. 154)

A ajuda do professor para que os alunos formulem previsões


acerca do texto é outra estratégia interessante. Para propormos previ-
sões, podemos nos basear na capa, no título, na tipologia. Podem ser
efetuadas perguntas do tipo: “Pelo título, vocês acham que a história
vai tratar sobre o quê?”, ou “Será que vão aparecer quais personagens
nessa história?”. Por fim, a estratégia de incentivar os alunos a formu-
larem perguntas permite que os educandos atuem de forma ativa no
processo da leitura, visto que muitas vezes quem detém o maior espaço
na sala de aula para a fala é o professor. Dessa forma, os alunos podem
mostrar o que compreenderam e o que ainda não compreenderam do
texto, o que pode orientar o professor na tomada de decisões.
A autora pontua que as estratégias antes da leitura estão rela-
cionadas entre si e podem, portanto, ser utilizadas de forma mesclada,
sem seguir uma linearidade. Mais do que saber quais são essas estraté-
gias, vale compreender que elas têm a finalidade de que o aluno sinta
a necessidade de ler e que posteriormente possa se tornar um leitor
ativo, que sabe o porquê e como ler, tornando-se responsável pelo
seu próprio processo de leitura.
No que se refere às estratégias que podem ocorrer durante a
leitura, Solé (2014) elenca duas: as que favorecem a interpretação do
texto, bem como as que possibilitam a resolução de problemas que
ocorrem nessa etapa da leitura. Quanto às primeiras (as que favorecem
a compreensão), Palincsar e Brown (1984, apud Solé, 2014) apontam
pelo menos quatro estratégias possíveis de serem mobilizadas em
atividades de leitura compartilhada: formular previsões sobre o texto
a ser lido; formular perguntas sobre o que foi lido; esclarecer possíveis
dúvidas sobre o texto; resumir as ideias do texto. Atentamo-nos aqui
que essas estratégias devem ser acionadas, pelo menos num primeiro
194
momento, em tarefas de leitura compartilhada porque como a leitura
é um processo que requer um maior esforço de compreensão, essas
atividades poderão ser realizadas pelo professor e pelo aluno. É válido
mencionar que é necessário que o professor demonstre tais estratégias
primeiro para que o aluno possa apreendê-las e a assumir a responsa-
bilidade pelo processo de leitura e compreensão desta.
Com relação às estratégias que possibilitam resolver problemas
durante a leitura, Solé (2014) fomenta que como os desafios encontrados
nesse processo são distintos, as resoluções também são distintas. Em
geral, a autora aponta que, dentre as várias possibilidades de tentar
encontrar soluções para os desafios encontrados - como ignorar uma
palavra que não se sabe o sentido e continuar lendo, por exemplo, a
última estratégia a ser adotada seja a de interromper a leitura (e ir
consultar um dicionário ou uma fonte especializada), pois para retornar
de onde parou é mais complexo. Além disso, é durante esse processo
que o leitor desenvolve outras estratégias como: ler, resumir, solicitar
esclarecimentos e prever. Sobre esse processo a autora ressalta:
[...] resumir – talvez fosse mais adequado falar aqui
de recapitulação – significa expor sucintamente o que
foi lido. Esclarecer dúvidas refere-se a comprovar se
o texto foi compreendido, fazendo perguntas para si
mesmo. Com o autoquestionamento pretende-se que
os alunos aprendam a formular perguntas pertinentes
para o texto em questão. A previsão consiste em esta-
belecer hipóteses ajustadas e razoáveis sobre o que será
encontrado no texto, baseando-se na interpretação que
está sendo construída sobre o que já se leu e sobre a
bagagem de conhecimentos e experiências do leitor.
(SOLÉ, 2014, p. 161-162).

Por último, as estratégias que ocorrem após a leitura são, na


verdade, uma extensão do que ocorre nas etapas anteriores. São deta-
lhadas por Solé (2014) três estratégias que podem ser realizadas nesse
momento: resumo, identificação das ideias principais e respostas de
195
perguntas. Para a autora, essas estratégias têm em comum o fato de que
todas elas devem ser ensinadas na escola, uma vez que, embora o pro-
fessor acredite que os alunos já as tenham desenvolvido, é bem provável
que não o saibam ou o saibam de uma forma diferente da pretendida
pelo professor. Sendo assim, considerar que, por exemplo, o que um
aluno acredita que é a ideia principal de um texto pode ser diferente
da ideia pretendida pelo próprio autor do texto, já é um bom caminho
para refletir sobre as atitudes frente ao que é solicitado aos alunos.
Desse modo, percebemos que as estratégias antes, durante e
após a leitura dialogam entre si, contribuindo para a formação do
leitor e do leitor de textos literários que progressivamente pode atuar
como sujeito ativo, não somente no processo de leitura, mas também
na comunidade em que está inserido.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

No tocante ao percurso metodológico, podemos classificar esse


estudo como pesquisa bibliográfica. Segundo Macedo (1994, p. 13), a
pesquisa bibliográfica “Trata-se do primeiro passo em qualquer tipo
de pesquisa científica, com o fim de revisar a literatura existente e não
redundar o tema de estudo ou experimentação”. Assim, a pesquisa
bibliográfica busca analisar criticamente textos já publicados com o
mesmo tema, e com isso, desenvolver o conhecimento. Além da pes-
quisa bibliográfica, adotamos a pesquisa-ação enquanto metodologia
de investigação, já que realizaremos a análise e discussão dos resultados
obtidos a partir da própria prática docente.
Utilizamos o livro “A colcha de retalhos” de Conceil Corrêa
e Nye Ribeiro para a realização da atividade de leitura. Trata-se de
uma obra que desperta sentimentos, uma vez que leva as pessoas a
recuperarem em suas memórias, histórias vivenciadas em sua traje-
tória de vida. Vale ressaltar que essa experiência aconteceu em uma
turma de Pós-Graduação, mas ela foi planejada para uma turma de
6º ano do Ensino Fundamental II.
196
Durante a aula utilizamos vários objetos, como: óculos antigo,
carretéis de linha de costura, linhas, tesoura, agulha, pedaços de tecidos,
uma colcha feita com retalhos e uma máquina de costura antiga. Esta
atividade teve como objetivo desenvolver nos alunos a curiosidade e
vontade de poder participar da atividade para sentir a liberdade de
relatar suas experiências a partir da abordagem do livro “A colcha
de retalhos”. Além disso, foi utilizado um jogo na plataforma virtual
WordWall44. Nesse jogo solicitamos que cada aluno entrasse no link
disponibilizado no chat da sala de aula no Google Meet e escolhesse
um número, ao clicar o aluno visualizava uma ilustração da história.
Em seguida foi realizada a leitura da narrativa do livro “A colcha
de retalhos” para os alunos ali presentes, a história foi relatada com
riquezas de detalhes, imagens e entonações diferenciadas para cada
situação da narrativa. Após a história contada, os discentes puderam
participar de forma ativa com relatos de experiências e produção de
uma colcha de retalhos com riquezas de memórias e sentimentos.
Os relatos ali realizados pelos discentes da turma de mestrado
foram descritos a partir das recordações que carregamos durante toda
a nossa vida e, que são em momentos como estes que temos a opor-
tunidade de dividir com pessoas a nossa volta, com cada relato feito
pudemos tecer a nossa colcha de retalhos da nossa turma de mestrado.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Considerando o contexto atual pandêmico, que pressupõe a


adoção de medidas de distanciamento social, esta vivência foi realizada
virtualmente por meio da plataforma Google Meet, durante o segundo
semestre do ano de 2021 com os alunos do curso de Pós-Graduação
em Linguística e Ensino (MPLE) da Universidade Federal da Paraíba
(UFPB), na disciplina de Leitura e Ensino.

44
É uma plataforma projetada para a criação de atividades personalizadas, em modelo gamificado,
utilizando apenas poucas palavras. Disponível em: https://wordwall.net/pt/features.
197
A primeira etapa diz respeito à estratégia: antes da leitura. A
partir dessa estratégia, antes mesmo de mostrar o livro, convidamos os
alunos a fazerem uma viagem, e fomos instigando utilizando perguntas
norteadoras como: “Vocês gostam de viajar?”, “Para onde foram?”,
“Podemos fazer outro tipo de viagem, ou apenas para conhecer luga-
res?”. Após o convite, aguçamos a curiosidade dos alunos utilizando
alguns objetos: óculos antigo, carretéis de linha de costura, linhas,
tesoura, agulha, pedaços de tecidos, uma colcha feita com retalhos e
por último o som de uma máquina de costura bem antiga, aquela com
pedal e correia, para que os alunos descobrissem que som era aquele e
depois mostramos o objeto e questionamos se aqueles objetos teriam
algo a ver com a história, qual assunto o texto trataria, qual seria o
título. Falamos um pouco sobre os autores, mostramos a capa do livro
e fazendo a mediação: “Alguém já ouviu falar no livro A colcha de
retalhos?”, “O título deste livro lembra o quê?”, “Quais os detalhes da
capa que lhe chamaram mais atenção?”, “O que esses retalhos pode-
riam significar para vocês?”, “Esse nome aqui, colcha de retalho, faz
vocês lembrarem de alguma coisa?”.
Com essa exploração inicial, os alunos ficaram curiosos para saber
como é a história e partimos para a estratégia durante a leitura. Para isso,
criamos um jogo na plataforma virtual WordWall, nesse jogo solicitamos
que cada aluno entrasse no link45 disponibilizado no chat e escolhesse
um número, ao clicar o aluno visualizava uma ilustração da história.

45
Disponível em: https://wordwall.net/pt/resource/25854813/escolha-uma-carta-e-observe.
198
Figura 1: Tela inicial do jogo.

Fonte: Autores 2021.

Em seguida, aleatoriamente perguntávamos quem tinha escolhido


o número 1 e descrevesse o que estava vendo, depois quem tinha esco-
lhido o número 2, 3 e 4. Com as descrições, foram surgindo variadas
interpretações visuais e solicitamos que vissem todas as figuras.
Nesse momento da vivência, compartilhamos a tela com um
vídeo animado e sem som, onde houve a contação da história em
sincronia com as animações do vídeo.

Figura 2: Tela inicial da história.

Fonte: É na sala de aula46, 2021. (Adaptação nossa)

46
Adaptação a partir do vídeo disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=yCXYnADbZAo
199
Seguindo com a estratégia depois da leitura, fizemos uma breve
compreensão de texto, munindo-se das seguintes questões norteadoras:
“Vocês gostaram dessa história?”, “Por que gostou?”, “Quem são os
personagens?”, “O que vocês imaginaram que seria essa história, era
assim mesmo?”, “A colcha de retalhos feita pela vovó causa lembranças
em Felipe porquê?”. Para continuar nossa viagem indagamos: “E você
sente saudades de alguma coisa, de sua avó ou de uma situação que
você sente saudade até hoje?”.
Essa abordagem deu margem para o desenvolvimento do eixo
oralidade. Expomos vários retalhos de diversas cores, texturas, e soli-
citamos que o aluno escolhesse um retalho que lhe chamou mais a
atenção e que contasse uma memória vivida que marcou sua vida e
que foi tecida pelas relações familiares e amizades. A cada memória
contada, fomos pegando o retalho e costurando um ao outro. No fim da
vivência, tínhamos uma colcha de retalhos feita com nossas memórias,
que estão interligadas e tecidas por pessoas com as quais convivemos
e que marcam nossa vida, deixando lições, emoções e saudades.
Essas memórias representam a história de cada uma das pessoas
ali presente, que somando todas as histórias formamos uma colcha de
retalhos. Assim é a experiência de cada um, como também as experiên-
cias de todos juntos relatada em um único espaço que foi a sala de aula,
escutamos vários relatos durante a aula, como: passeios na infância na
casa da avó; passeios na praia no verão; lembranças de momentos de
felicidades; como também de momentos de dor, tristezas e angústias;
lembranças dos filhos ainda pequenos; momentos da infância na escola.
Percebemos a importância desde o momento da leitura do conto até
o momento final que foi a construção da colcha de retalhos.

200
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Consideramos que é de suma importância que o professor des-


perte nos discentes o prazer de ler e, que assim o discente desenvolva
o hábito de leitura, assim com o hábito da leitura o leitor irá des-
cobrir o sentido que todo texto tem. Por isso, ao planejar uma aula
com propósito do ensino de leitura, é interessante que o professor
desenvolva estratégias e práticas de letramento que venham desper-
tar no leitor a vontade de ler.
É importante que o professor conheça o seu público, para que, a
partir daí, preparar a aula com ferramentas que venham contribuir com
o desenvolvimento dos futuros leitores. O Livro “A colcha de retalhos”
de Conceil Corrêa e Nye Ribeiro é uma ferramenta de leitura que o pro-
fessor pode explorar vários campos de aprendizado dos discentes, assim,
o professor estará aproximando o texto do leitor, o leitor ao mundo de
imaginação, atribuindo sentidos em todos os campos da vida social.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Brasil no
Pisa 2018 [recurso eletrônico]. – Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Edu-
cacionais Anísio Teixeira, 2020. Disponível em: https://download.inep.gov.br/publicacoes/
institucionais/avaliacoes_e_exames_da_educacao_basica/relatorio_brasil_no_pisa_2018.pdf.
Acesso em: 06 jan. 2021.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro
e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa/Secretaria de Educação Funda-
mental. Brasília: MEC/SEF, 1998.
COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2014, p. 138-139.
KLEIMAN, Ângela B. Preciso “ensinar” o letramento? Cefiel/IEL/ Unicamp, 2005.
LEFFA, Vilson J. Aspectos da leitura: Uma perspectiva psicolinguística. Porto Alegre: Sagra/
DC Luzzatto, 1996a.
MACEDO, N. D. Iniciação à pesquisa bibliográfica: guia do estudante para a fundamentação
do trabalho de pesquisa. São Paulo, SP: Edições Loyola, 1994.

201
MARTINS, Maria Helena. O que é leitura? São Paulo: Brasiliense, 2006 (Coleção Primeiros
Passos; 74).
PAULINO, Graça; COSSON, Rildo. Letramento literário: para viver a literatura dentro e
fora da escola. In: ZILBERMAN, Regina; RÖSING, Tania (Orgs.). Escola e leitura: velha
crise; novas alternativas. São Paulo: Global, 2009.
SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura [recurso eletrônico] / Isabel Solé; tradução: Claudia
Schilling; revisão técnica: Maria da Graça Souza Horn. – 6. ed. – Porto Alegre: Penso, 2014.

202
AS TECNOLOGIAS DIGITAIS E O ENSINO
DE QUÍMICA: QUAIS SÃO AS FERRAMENTAS
GRATUITAS DISPONÍVEIS PARA O
DESENVOLVIMENTO UMA PRÁTICA
DOCENTE INOVADORA?

Maria Stella Nunes de Oliveira Nogueira47

INTRODUÇÃO

A educação e a sociedade têm passado por importantes transfor-


mações nas últimas décadas. Estas transformações são decorrentes dos
grandes avanços observados em diferentes campos sociais, principal-
mente o notório e fundamental desenvolvimento da área de tecnologia.
As Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação
(TDIC) desencadearam significativas transformações em várias áreas
da sociedade e na educação essas mudanças não foram diferentes
(VERASZTO; BAIÃO; SOUZA, 2019).
As TDIC possibilitam novos panoramas e olhares em âmbito
educacional, provocando mudanças importantes na forma de intera-
girmos e nos comunicarmos. Desta forma, as tecnologias digitais têm
transformado as tradicionais e ultrapassadas práticas educacionais
fazendo uso de inovações que podem trazer mais significado e melhor
interpretação dos conteúdos nas unidades curriculares (LEITE, 2020).
Através do uso de tecnologias educacionais há o estabelecimento
de novas perspectivas na relação docente-discente, reforçando o papel
social e humanizador que a prática pedagógica deve fundamentalmente
ser pautada (ARRUDA, 2020). É importante compreender que ao
diversificar os espaços de construção do conhecimento, as tecnologias

Doutoranda em Ensino de Ciências (IFRJ). Docente de Química Geral e Química Inorgânica (IFRJ).
47

CV: http://lattes.cnpq.br/5155222246293976
203
modificam os processos e metodologias de aprendizagem. Ademais,
as TDIC facilitam a relação entre a sociedade e a escola, haja vista
que nos encontramos na era da informação e da cultura digital, sendo
também papel da escola introduzir e promover o letramento digital e
a cidadania digital de seus educandos (PAIVA, 2020).
Desse modo, é de extrema importância o aumento da utilização
das tecnologias educacionais na prática docente na última década, para
que ocorra a integração adequada do educando na sociedade da infor-
mação no qual ele está inserido. É papel da escola formar o educando
para ser cidadão, democratizando o conhecimento, formando pessoas
conscientes, críticas, engajadas e com potencial de transformação de
si mesmas e da sociedade (LEITE, 2020; PAIVA, 2020).
O início do ano de 2020, apresentou-se como um grande marco
na história mundial e certamente será recordado e estudado profunda-
mente ao longo ao longo dos próximos anos (ARRUDA, 2020; FIORI,
2020). A emergência sanitária provocada pelo aparecimento de um
novo vírus, surgido na província de Wuhan, na China, em novembro
de 2019, trouxe uma inquietação sem precedentes na sociedade. A
epidemia resultante do aparecimento do novo coronavírus (SAR-
S-CoV-2) se tornou um dos maiores flagelos da história moderna,
afetando drasticamente vários países e originando, plausivelmente,
a maior política e regime de distanciamento social já observada
(ARRUDA, 2020; PAIVA; GOI, 2020).
Muitas instituições de ensino, a partir do advento do novo
coronavírus, rapidamente introduziram e incorporaram metodologias
diferenciadas de ensino e aprendizagem inteiramente online e atividades
remotas para toda a comunidade acadêmica, como forma de preservar
a saúde dos educandos e dos profissionais da educação, mantendo em
segurança toda a coletividade, além de aderir e seguir às orientações
de saúde pública propostas pelas entidades governamentais (BRASIL,
2020; CARVALHO; CUNHA; QUIALA, 2021).

204
Para o processo de ensino e aprendizagem de disciplinas como
a Química, a Física e a Matemática, tão temida pelos educandos, o
uso de tecnologias educacionais tanto no ensino remoto (durante a
pandemia de coronavírus), quanto no ensino presencial (adaptação
pós-pandemia) pode ser um fator importante para a melhoria do apren-
dizado, podendo atuar, desde maneira, como ferramentas importantes
na superação de barreiras ideológicas que apenas contribuem para a
desentusiasmo em estudar as disciplinas da área de exatas.
Nesse sentido, o seguinte questionamento pode ser evidenciado:
quais ferramentas digitais estão atualmente disponíveis, de forma gra-
tuita, para uso por docentes e discentes, que sejam de fácil manuseio e
que promovam uma melhor aprendizagem dos conceitos de Química?
A Química, enquanto unidade curricular, é parte integrante do
programa do Ensino Médio. Busca-se, de forma geral, o desenvolvi-
mento do conhecimento científico e da compreensão de fenômenos
atrelados a esta ciência. A obtenção dos conhecimentos da Química
visa fundamentalmente preparar os discentes para serem cidadãos
críticos e reflexivos, conscientes de seus deveres e inteirados do papel
desta ciência na sociedade (BRASIL, 2017).
No decorrer do período das atividades remotas, o uso das tecno-
logias digitais foi descrito como uma prática bem-sucedida que coopera
com a busca por um ensino de qualidade, integrado e contextualizado
em diferentes conteúdos da unidade curricular Química (LAMBACH;
LOMAS, 2021). Dentre as muitas possibilidades observadas nas publi-
cações científicas mais recentes, tem-se o uso de vídeos, de softwares
e simuladores, e de plataformas de laboratório, dos jogos e das salas
virtuais, que quando associados a outras metodologias e abordagens,
como a CTS (Ciência-Tecnologia-Sociedade), as práticas investiga-
tivas, a sala de aula invertida e as sequências didáticas, podem induzir
a uma aprendizagem significativa, através de uma prática inovadora
(LEITE, 2020, 2021; YAMAGUCHI, 2021).

205
Nestas circunstâncias, o presente trabalho tem como objetivo
disponibilizar, no contexto de apresentar de forma resumida e não
exaustiva, algumas tecnologias digitais importantes para o ensino de
Química. Busca-se, portanto, na presente pesquisa, a apresentação
das ferramentas disponíveis gratuitamente para uso especialmente
na educação básica. Para alcançar tal objetivo foi realizada revisão
bibliográfica, usando a ferramenta Google Acadêmico, com especial
enfoque a documentos do tipo artigo, publicados durante a pandemia
de Covid-19, que possam contribuir para a melhoria e a inovação no
processo de ensino e aprendizagem de Química, tanto no ensino remoto
quanto no ensino presencial, a partir do uso de tecnologias educacionais.

DESENVOLVIMENTO

A pesquisa, o desenvolvimento e a implementação de novas


metodologias e ferramentas educacionais vêm ocorrendo de modo
sistemático e ostensivo, como forma de adequar a escola e os pro-
cessos educacionais às mudanças e aos avanços tecnológicos perma-
nentes em âmbito global. Esse contexto vem modificando intrin-
secamente a docência e os processos de ensino e aprendizagem
(SILVA; ALVES; FERNANDES, 2021).
Desta forma, as Tecnologias Digitais da Informação e Comunica-
ção (TDICs) são, atualmente, imprescindíveis e fundamentais na socie-
dade moderna. Mais do que simplesmente úteis, as tecnologias digitais
se tornaram indispensáveis nas salas de aula virtuais durante o período de
ensino remoto provocado pela pandemia de coronavírus (PAIVA, 2020).
Há considerável oferta de ferramentas e recursos, no
entanto, a apropriação e assimilação por parte de docentes e dis-
centes depende, dentre muitos outros fatores, do contexto esco-
lar e do ambiente social que a comunidade escolar está inserida
(SOUZA; SILVA; NETO; REZENDE, 2021).
Ademais, é urgente e fundamental apoiar a formação inicial
e continuada de docentes atuantes no período de ensino remoto e,
206
principalmente, no período presencial pós-pandemia, quanto ao debate
sobre o uso das tecnologias digitais na educação, e com isso também
criar alternativas e condições de mudanças no enfadonho e pouco
eficaz modelo tradicional de ensino (PAULETTI, 2017).
A metodologia adotada neste estudo foi a pesquisa descritiva,
de cunho qualitativo, fundamentada em bibliografia digital que pre-
viamente tratou do assunto e contribuiu para uma reflexão sobre as
tecnologias digitais (LAMBACH; LOMAS, 2021). Para a realização
desta pesquisa, foi realizada revisão bibliográfica, usando a ferramenta
Google Acadêmico. Foram selecionados artigos publicados entre
período de 2020 e 2022 (agosto), escritos em língua portuguesa e que
citavam especificamente softwares e plataformas para uso por docentes
e discentes no processo de ensino e aprendizagem de Química.
Realizou-se uma pesquisa por meio da consulta ao banco de
dados da ferramenta Google Acadêmico, utilizando-se as palavras-
-chave “Tecnologias digitais” AND “Ensino de Química” e como
critério a publicação ter ocorrido no período de 2020 e 2022 (agosto).
A escolha pelo repositório Google Acadêmico ocorreu em virtude da
praticidade do acesso à plataforma e da facilidade na busca de artigos,
dissertações, teses e outros instrumentos que pudessem ser importantes
para o embasamento teórico e metodológico da presente pesquisa.
Foram encontrados 2.600 trabalhos publicados que contem-
plam a perspectiva de busca. Os critérios de exclusão foram: os tra-
balhos de conclusão de curso, as dissertações, as teses, os resumos
publicados em anais de congresso, os artigos de revisão, os trabalhos
não disponíveis na íntegra e as publicações duplicadas. Para efeitos
de exclusão foram avaliados, o título, o resumo, as palavras-chave e,
eventualmente, a metodologia.
Tendo sido estabelecidos todos os critérios de inclusão e exclusão
de publicações, foram selecionados 11 (onze) artigos científicos. Tais
produções foram submetidas à criteriosa revisão integrativa (SOUZA;
SILVA; CARVALHO, 2010), na qual foram tratadas e interpretadas
207
todas as informações, explicitadas e sistematizadas a seguir. Foram
selecionados, a partir da análise dos artigos obtidos, e serão explicitados
a seguir, as plataformas, os aplicativos e os softwares mais citados e com
maior potencial de inovação nos relatos de experiência em sala de aula.

AS TECNOLOGIAS DIGITAIS NO ENSINO DE


QUÍMICA E SUAS POSSIBILIDADES

Uma das importantes maneiras de complementar o ensino utili-


zando os aparelhos móveis (smartphones) e sua versatilidade é a partir
da utilização de softwares educacionais e de aplicativos que possam
ser úteis aos processos de ensino e aprendizagem (SOUZA; SILVA;
NETO; REZENDE, 2021). Para o êxito do processo de ensino e
aprendizagem de Química é importante e fundamental tornar menos
abstratos os conceitos, os modelos e as representações-chave para um
melhor e mais significativo desenvolvimento cognitivo dos discentes
no que concerne a aprendizagem de Química.
É justamente nesse cenário que os programas e aplicativos
se propõem a auxiliar os docentes na construção e representação
estrutural de fórmulas químicas e moléculas, entre outras funções
úteis. Desta maneira, tais ferramentas são de fundamental importância
por facilitar a visualização de conceitos químicos, muitas vezes
ensinados de maneira abstrata e puramente representacional,
ilustrando e apresentando de forma gráfica, visualmente facilitada,
os conhecimentos químicos (YAMAGUCHI, 2021).
Dentre os mais variados softwares educacionais disponíveis para
auxílio no processo de ensino e aprendizagem de Química, encon-
tram-se o ChemSketh, o BKChem e o Avogadro. Estes três programas
podem ser obtidos de forma gratuita e podem ser utilizados livremente
no ambiente escolar (SOUZA; SILVA; NETO; REZENDE, 2021).
O ChemSketch, especificamente, se destaca por suas variadas
funções, podendo ser empregado no desenho de estruturas químicas,
de orbitais moleculares, de reações químicas e de objetos importan-
208
tes utilizados em Química, tais como vidrarias e outros materiais de
laboratório. Este software permite inclusive copiar a estrutura criada
e colar no programa Microsoft Word. Com este aplicativo também é
possível converter estruturas planas em moléculas tridimensionais
(SOUZA; SILVA; NETO; REZENDE, 2021).

Quadro 1. Algumas das funcionalidades e aplicações dos softwares de desenho


molecular mais populares

Fonte: SOUZA, Luan. D; SILVA, Bárbara V.; NETO, Waldmir N. Araujo;


REZENDE, Michelle J. C. Tecnologias Digitais no Ensino de Química: Uma
Breve Revisão das Categorias e Ferramentas Disponíveis. Revista Virtual de
Química, v. 13 n. 3, 2021, p. 716.

A utilização de recursos de áudio na Química, pode auxiliar na


aprendizagem significativa de um determinado conteúdo por guiar o
educando através de um segundo caminho, o não visual, despertando
nos estudantes uma sensibilidade mais aguçada na ponderação de
questões e situações gerais desta disciplina, saindo do lugar comum e
da exclusividade da linguagem escrita (LEITE, 2021).
Dentro do cenário dos recursos de áudio, surgem os chamados
podcasts. Esta tecnologia, trata-se, mais simplificadamente, de um modo
de difusão de conteúdo de áudio, de forma online. Os áudios podem
ser disponibilizados através de arquivos para download ou reprodu-
zidos em serviços de streaming. Ainda é modesto no Brasil o uso de
podcasts como ferramenta didática. No entanto, o uso e a aplicação
desta ferramenta são ilimitados haja vista a possibilidade de os dis-
centes complementarem os conteúdos fora do contexto de sala de aula

209
– como, por exemplo, ouvindo-os em seus smartphones durante o seu
transporte até a escola (SOUZA; SILVA; NETO; REZENDE, 2021).
Dentre importantes podcasts disponíveis, citaremos neste traba-
lho o podcast Moléculas, criado com o propósito de divulgar a Química
e sua relação com o cotidiano; e o Deviante, site que reúne diver-
sos podcasts de temáticas científicas, abordados de forma divertida
(SOUZA; SILVA; NETO; REZENDE, 2021).
Os simuladores têm se apresentado como recursos bastante úteis
na aprendizagem de Química. A possibilidade de demonstrar e tra-
balhar de forma lúdica e interativa, conceitos importantes que muitas
vezes são apresentados ao educando de forma puramente abstrata e
desconectada da realidade cotidiana (LEITE, 2020).
Nesse sentido, um simulador que merece destaque é o do projeto
PhET (Universidade de Colorado Boulder). Trata-se de uma plataforma
que cria e disponibiliza simulações interativas de Química e de outras
ciências, possibilitando a visualização de conceitos abstratos e aspectos
microscópicos (SILVA; VASCONCELOS; SILVA, 2022). O docente,
ao empregar o PhET em sua prática, pode utilizar as simulações para
apresentar e ilustrar os conceitos subjetivos e teóricos da Química,
de maneira a reproduzir de forma simulada ambientes laboratoriais
ou ainda melhorar a visualização dos conteúdos abordados por parte
dos discentes (LEITE, 2021; YAMAGUCHI, 2021).
Além dos simuladores, os jogos didáticos virtuais são uma exce-
lente ferramenta para a aprendizagem ativa e significativa, e vêm
sendo amplamente testados e aplicados nas últimas décadas na área
de educação. A gamificação é uma realidade em âmbito escolar e tem
como principal objetivo a introdução das estratégias de variados jogos
nas atividades em sala de aula, com o intuito de aumentar o interesse
e o engajamento dos educandos (FIORI; GOI, 2020).
Para se ter sucesso na aplicação dos jogos educativos, sejam eles
físicos ou virtuais, é necessário definir muito bem as suas funções,
objetivos e estratégias, proporcionando de forma equilibrada a função
210
lúdica e a função educativa, que é o principal objetivo, haja vista a
importância da ampliação e do aprofundamento dos conhecimentos
e saberes (SOUZA; SILVA; NETO; REZENDE, 2021).
Nesse sentido, dentre as muitas possibilidades de criação e
aplicação de jogos didáticos, temos: os jogos de adivinhação, os jogos
de estratégia, as palavras cruzadas, os jogos de perguntas e respostas
(quizzes), entre outros (FERREIRA; GOMES; BRAGA, 2022). Em
relação à aplicação de quizzes, a plataforma de aprendizagem Kahoot!
se apresenta de maneira interessante, sendo ao mesmo tempo lúdica e
didática. São basicamente jogos de aprendizado, denominados “Kah-
oots”, cuja abordagem é de testes online de múltipla escolha. Para a
participação no jogo, cada discente deve gerar um usuário e acessar
o jogo por meio de um navegador da Web ou do próprio aplicativo.
O interessante do Kahoot! é que toda a turma pode participar con-
comitantemente do jogo, provendo a aprendizagem integral sob um
aspecto lúdico e leve (SOUZA; SILVA; NETO; REZENDE, 2021).
Além dos jogos didáticos que podem ser utilizados tanto como
ferramentas do processo de ensino-aprendizagem, quanto no processo
avaliativo, existem importantes aplicativos e softwares para avaliação
dos conteúdos ministrados. Sabe-se que a avaliação é uma etapa
fundamental dos processos educativos e, portanto, merece especial
importância quanto ao uso de TDICs (LIMA; BARROSO, 2020).
Dentre as opções de softwares disponíveis, podemos enfatizar
aqueles que funcionam como questionários e formulários eletrônicos
online, tais como o Google Forms, SurveyMonkey e Socreative (SOUZA;
SILVA; NETO; REZENDE, 2021). O interessante dessas ferramentas
eletrônicas é que seus formulários podem ser aplicados tanto no contexto
escolar (no horário da aula) quanto fora deste (de forma assíncrona).
A personalização dos formulários permite a inclusão de palavras
cruzadas, imagens, vídeos, entre outros arquivos, tornando as ques-
tões da avaliação muito mais dinâmicas, interativas e interessantes.
Os formulários eletrônicos são uma grande e importante ferramenta
211
para tornar o processo avaliativo mais instigante e potencializadora
de uma aprendizagem significativa.
O desenvolvimento de mapas mentais e de mapas conceituais
pelos educandos têm se apresentado como uma importante estra-
tégia no processo de aprendizagem de conceitos da Química. Os
mapas mentais se diferenciam especificamente dos mapas concei-
tuais. Enquanto os mapas mentais articulam e conectam ideias a
partir de um tópico central, interligando conceitos semelhantemente
a estrutura de uma árvore, os mapas conceituais são diagramas que
apresentam conexões em rede, estruturando conceitos e informações
de maneira esquematizada, cujo objetivo principal é classificar e hie-
rarquizar os conteúdos (LEITE, 2020).
Para o desenvolvimento de mapas mentais, têm-se, dentre outros,
os aplicativos gratuitos Coggle e Goconqr. São excelentes ferramentas
para a construção de mapas mentais, inclusive de forma colaborativa,
permitindo a visualização e a organização de ideias, de forma clara
e prática. A construção de mapas conceituais, por sua vez, pode ser
facilitada pelo aplicativo CmapTools. Esta ferramenta permite a ela-
boração de esquemas conceituais, representando-os graficamente.
Desenvolvida por Joseph Novak, ainda na década de 1970, a teoria dos
mapas conceituais se apresenta como uma forma de inter-relacionar
conceitos de maneira a proporcionar uma aprendizagem significativa
(FERREIRA; BRANCHI; SUGAHARA, 2020).
Os memes e as histórias em quadrinho têm se mostrado como
importantes ferramentas didáticas para uma prática de ensino inova-
dora. Podem ser utilizadas tanto para iniciar uma discussão ou uma
sequência didática quanto como método avaliativo, com os discentes
desenvolvendo seus próprios memes e histórias em quadrinho. Essas
ferramentas podem estimular o hábito da leitura e influenciar, inclu-
sive, na observação de signos, desenhos e gestos a partir da importante
leitura não-verbal. Tanto o meme quanto as histórias em quadrinhos

212
trazem o lúdico para a sala de aula, podendo tornar o ensino leve
e interessante para o educando.
Alguns softwares podem ser utilizados com sucesso por docentes
e discentes para a construção personalizada de memes e histórias em
quadrinhos. Dentre eles, pode-se citar o Comica, o Pixton, o HagáQue
e o ToonDoo (CARDOSO, 2022). Tratam-se de aplicativos gratuitos,
de fácil utilização, com excelente visual gráfico e que pode propor-
cionar ao usuário uma vasta gama de recursos e ilustrações para a
construção de memes e histórias de forma lúdica em sala de aula,
melhorando a aprendizagem de Química.
Outras importantes tecnologias digitais são aquelas capazes de
que criar vídeos personalizados, interativos e animados. Os vídeos são
importantes recursos didáticos e podem ser utilizados com as mais
diversas aplicações, inclusive na composição de formulário avaliativos
e como alternativa aos tradicionais slides produzidos no PowerPoint
ou no Canva. As ferramentas Edpuzzle e Powtoon são tecnologias
importantes para esta finalidade.
O Edpuzzle é um criador de vídeos interativos. Esta tecnologia
permite integrar questões aos vídeos e modificar vídeos já disponíveis
em plataformas on-line, como o Youtube, por exemplo, para a criação
de atividades personalizadas. É uma excelente ferramenta para a
criação de conteúdos e vídeos interativos com grande apelo visual
(MONTEIRO; JUNIOR; COSTA, 2020). O Powtoon, por sua vez,
permite a elaboração de apresentações e vídeos animados, de maneira
fácil e intuitiva, constituindo-se um importante recurso didático para
uso pelos educandos quanto pelos docentes para uma prática atual e
inovadora (ROSA; SILVA; SOARES, 2021).
Uma ferramenta que também merece neste texto é o Wordwall.
Trata-se de uma plataforma para a criação de atividades personali-
zadas e de jogos (online e impressos), permitindo que o docente crie
seus próprios recursos didáticos. O Wordwall é mais uma ferramenta
na gameficação do ensino, que pode estimular o raciocínio e o enga-
213
jamento, além de promover a fuga da aprendizagem mecânica e tra-
dicional. Com esta tecnologia digital é possível criar palavras cru-
zadas, questões de verdadeiro ou falso, forca, jogos de correlação,
entre outros, viabilizando uma aula mais dinâmica e atraente para o
educando ( JUNIOR et al, 2022).
Tendo em vista toda a discussão apresentada acima, é funda-
mental conhecer as características técnicas de cada recurso educacional
antes da aplicação em sala de aula, testando previamente cada um deles
e avaliando profundamente a proposta pedagógica da atividade a ser
realizada (YAMAGUCHI, 2021). É igualmente fundamental refletir
sobre as alternativas metodológicas de condução de aulas utilizando
tecnologias educacionais adequadas para cada momento e processo.
Portanto, é imprescindível estar preparado para a utilização de tecno-
logias digitais e recursos educacionais. É justamente nesse sentido que
os cursos de capacitação e atualização para docentes e profissionais
da educação se tornam indispensáveis e urgentes. O docente precisa
estar plenamente capacitado e amparado para a superação dos grandes
desafios que podem ser enfrentados na sala de aula da atualidade.

CONCLUSÃO

Não há dúvidas de que as TDICs possibilitam novas perspectivas


educacionais. As tecnologias digitais podem provocar mudanças signi-
ficativas na forma que interagirmos e nos comunicarmos no contexto
escolar. Nesse sentido, os recursos educacionais têm transformado as
obsoletas e tradicionais práticas da educação fazendo uso de inovações
mais ricas significação, eficácia e interpretação.
O número significativo de publicações durante a pandemia de
Covid-19 que aborda o tema em voga nesta pesquisa, é um demons-
trativo da importância do assunto. O uso de artigos e publicações
na área das TDICs no Ensino de Química pode se pautar como um
importante apoio para docentes em sua prática didática.

214
No entanto, é importante salientar que a tecnologia ou o sistema
por si só não modificará magicamente o desempenho do docente e
nem do discente. As tecnologias educacionais são ferramentas cruciais
na condução do processo de ensino e aprendizagem, mas dependem
de metodologia adequada e de uma excelente proposta pedagógica
para o sucesso em sua aplicação em sala de aula.

REFERÊNCIAS
ARRUDA, Eucidio Pimenta. Educação Remota Emergencial: Elementos para Políticas
Públicas na Educação Brasileira em Tempos de Covid-19. EmRede - Revista de Educação
a Distância, vol. 7, no. 1, pp. 257–275, 2020.
BRASIL. Base Nacional Curricular Comum: área de Ciências da natureza e suas tecnologias.
Brasília, MEC, 2017.
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presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a situação de pandemia do Novo
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216
O REFLEXO DO MOVIMENTO MIGRATÓRIO
NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE
CUIABÁ: A PRÁTICA DO PROFESSOR E SUA
FORMAÇÃO CONTINUADA

Taysa Paganotto Lemes48


Caique dos Santos Silva49

INTRODUÇÃO

O processo de globalização, o desenvolvimento tecnológico, as


guerras e os conflitos em curso nos últimos cinquenta anos ampliaram as
mudanças e influenciaram a mobilidade humana. Esses deslocamentos
humanos ocorrem a décadas e se tornaram um fenômeno histórico
que auxiliou e ainda auxilia no desenvolvimento das sociedades. Na
atualidade, a diversidade e a complexidade que esse movimento apre-
senta exige múltiplos olhares interdisciplinares, pois, “[...] como fato
social total, a imigração está formada por deslocamento de pessoas
no espaço geográfico, mas também em outros espaços, como podem
ser o social, o econômico, o político ou o cultural. (CAVALCANTI;
OLIVEIRA; TONHATI, 2014, p. 47).
Para melhor compreender a importância desse movimento em
termos globais e sociais, retomemos a memória desse processo no Bra-
sil, por exemplo, onde as Grandes Navegações, que tinham atividades
marítimas com objetivos comerciais, realizadas principalmente por
Portugal e Espanha nos séculos XV e XVI, ocasionaram a ocupação do
Brasil pelos europeus a partir de 1500. Mesmo após esse período, nosso
país ainda continuou a receber diversos povos estrangeiros ao longo

48
Pós-graduanda em Administração Escolar e Orientação Escolar (FAVENI).
CV: http://lattes.cnpq.br/1567216853258148
49
Mestrado em Educação (PUC-GO). Professor (SME / Cuiabá - MT).
CV: http://lattes.cnpq.br/8505026449088528
217
do tempo, isso resultou em uma grande miscigenação étnica e cultural
que hoje contribui para a diversidade e pluralidade da nossa sociedade.
Em muitas situações, isso se dá involuntariamente por motivos
de conflitos armados, perseguições políticas, raciais, religiosas e sociais
e/ou graves violações de direitos humanos. Deixando pretensiosamente
de lado os mais variados motivos pelos quais países, como o Brasil,
acolhem/recebem esses imigrantes, tem-se o fato de que a vulnera-
bilidade é um elemento que caracteriza a situação dos envolvidos em
movimentos migratórios interpelando sobre as consequências deste
ato que se aplica as suas dimensões constitutivas, sob uma realidade
que ainda não conhece suficientemente e na qual ainda tem escassas
relações pessoais, sociais e trabalhistas.
De acordo com um estudo da Unesco (2018), sobre apren-
dizagem e educação de refugiados e migrantes no Brasil, uma das
maiores e mais significativas barreiras que incorre na dificuldade de
acolhimento dos refugiados e migrantes é a da comunicação decorrente
do pouco ou nenhum domínio da língua portuguesa a qual, não só
integra o indivíduo socialmente, mas também o possibilita de exercer
o pertencimento a determinado grupo social.
Delineando esta pesquisa, abordaremos os aspectos legais que
asseguram aos imigrantes e refugiados, os direitos fundamentais que
permeiam sua formação educacional dentro do Brasil e em seus estados
e municípios, nos quais se encontra, e quais políticas educacionais estão
propostas e eles. Indicaremos as práticas pedagógicas que instrumen-
talizam os docentes que, apesar de hercúleos esforços, ainda se sentem
despreparados e desarmados para tal enfrentamento. E por último, e
não menos importante, será evidenciado as possibilidades formativas
ofertadas pela Secretaria Municipal de Educação (SME) e pela prá-
tica individual que constitui o elixir para equilibrar os elementos que
envolvem a garantia da educação como direito de todos.

218
ASPECTOS LEGAIS E POLÍTICAS EDUCACIONAIS
QUE INTEGRAM A FORMAÇÃO EDUCACIONAL DO
IMIGRANTE E DO REFUGIADO

Os intensos movimentos migratórios e seus mais variados


motivos acabaram por gerar a necessidade de criar mecanismos de
proteção internacional. Decorrente desta necessidade, os documentos
que orientam as práticas humanitárias foram assinados por diversos
países. Após a Segunda Guerra Mundial, foi adotada a Convenção das
Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados: Alto Comissa-
riado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR, 1951), tratado
que distingue quem pode ser considerado refugiado e que estabelece
direitos e deveres entre este e o país de acolhimento. No Brasil e no
mundo, a agência ACNUR tem como função: coordenar ações que
possam proteger e garantir o deslocamento e alocação de refugiados.
Criada em 1951, ela tem uma longa trajetória de atuação e se coloca
em estreita relação com entidades governamentais ou a sociedade civil
na elaboração e execução das ações, auxiliando os países de acolhimento
na inserção dos refugiados nas comunidades locais. ACNUR define
a pessoa refugiada como aquela que:
[...] em consequência dos acontecimentos ocorridos
antes de 1º de janeiro de 1951, temendo ser perseguida
por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo
social ou opiniões políticas, se encontra fora do seu
país de nacionalidade e que não pode ou, em virtude
desse temor, não quer valer-se da proteção desse país.
(ACNUR, 1951, n. p.)

Em um documento firmado em Nova York em 1967, o Protocolo


Relativo ao Estatuto dos Refugiados, desfaz-se a restrição de tempo, per-
mitindo que “todos os refugiados abrangidos na definição da Conven-
ção, independentemente do prazo de 1 de janeiro de 1951, possam gozar
de igual estatuto.” (Série Tratados da ONU Nº8791, Vol. 606, p. 267).

219
Em 1984, a Declaração de Cartagena foi adotada em um Coló-
quio sobre Proteção Internacional dos Refugiados da América Cen-
tral, México e Panamá, realizado na Colômbia, e tinha o objetivo de
“promover dentro dos países da região a adoção de normas internas
que facilitem a aplicação da Convenção e do Protocolo” (Declaração
de Cartagena, 1984, p. 2). A Declaração amplia a noção de refugiado,
contemplando pessoas que tenham fugido dos seus países em virtude
de ameaças à vida, segurança e liberdade, pela violência generalizada,
conflitos internos, violação de direitos humanos ou outras circuns-
tâncias que perturbaram gravemente a ordem pública.
Posteriormente, outras reuniões ocorreram na Guatemala em
1989, San Jose em 1994 e na Cidade do México em 2004, nas quais
novos documentos foram redigidos como reforços aos acordos firmados
pelos governos e organizações relacionados à questão do refúgio, forta-
lecendo a cooperação entre os Estados tanto no sentido de erradicar as
condições que originaram o êxodo forçado, como também de alargar
a proteção internacional e encontrar soluções humanitárias para os
problemas oriundos dos deslocamentos em massa. Ancoradas nestes
documentos, agências em âmbitos nacional e internacional atuam em
programas que envolvem o acolhimento a pessoas em deslocamento.
No Brasil, a Lei nº 9.474/1997 define os mecanismos para a
implementação do estatuto, adotando a definição ampliada de refu-
giado, além de estender a concessão para os membros da família. A
lei ainda estabelece direitos e deveres da pessoa reconhecida como
refugiada, pautados tanto no Estatuto de 1951 quanto no Protocolo
de 1967, firmando o compromisso de não deportação daqueles que
se encontram em situação de ameaça à vida ou liberdade, em virtude
de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opinião política. Por
meio desta lei, foi também criado o Comitê Nacional para Refugia-
dos (Conare), órgão responsável por analisar os pedidos e declarar o
reconhecimento, em primeira instância, da condição de refugiado, bem
como orientar e coordenar as ações necessárias à eficácia da proteção,

220
assistência e apoio jurídico aos refugiados, é presidido pelo Ministério
da Justiça e integrado por membros de outros ministérios e de ONGs
dedicadas à assistência. O documento que dispõe sobre as migrações
é a Lei nº 13.445/2017, que estabelece direitos e deveres do migrante,
bem como regula sua entrada e estada no país. Define como imigrante
a pessoa nacional de outro país ou apátrida que trabalha ou reside, e
se estabelece temporária ou definitivamente no Brasil.
Neste sentido, atua a Organização Internacional para as Migra-
ções (OIM) das Organização das Nações Unidas (ONU), que traba-
lha em parceria com governos, outras organizações e sociedade civil,
fornecendo assistência e assessoramento. Em âmbito local, temos o
Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH), uma entidade
filantrópica que visa promover o reconhecimento da cidadania plena
de migrantes e refugiados, atuando na defesa de direitos, na assistência
sociojurídica e humanitária, em sua integração social e inclusão em
políticas públicas com especial atenção às situações de maior vulne-
rabilidade (IMDH, 2014), além das modalidades de intervenção que
têm sido desenhadas, buscando evidenciar dimensões sociopolíticas
que envolvem o campo do trabalho humanitário.
Direcionando uma busca para os aspectos Legais que assistam
os imigrantes e refugiados no Estado de Mato Grosso e Município
de Cuiabá, tem-se que o atual governo Mauro Mendes, a partir do
Decreto nº 845, de 9 de março de 2021, regulamenta a Lei nº 11.162,
de 1º de julho de 2020, instituiu a Política Estadual para a população
migrante, regulamenta a criação de um Núcleo Estadual de Políticas
Públicas para Migrantes, no entanto, ele não aponta para políticas
públicas educacionais que garantam não só o acesso à matricula, o que
em muitos casos já é algo difícil de se concretizar por falta de docu-
mentos exigidos no processo, e que não basta para efetivar e garantir
os mesmos direitos que estudantes brasileiros tem.
Considerando o exposto até aqui, buscou-se na Política da Escola
Cuiabana, a qual trata dos fundamentos teóricos e metodológicos
221
que norteiam a prática educacional da rede de educação municipal
de Cuiabá/MT, subsídios que indiquem uma política educacional
voltada aos imigrantes, refugiados e apátridas. Historicamente, a
concepção educacional da Escola Cuiabana se ancorou em uma filo-
sofia de vida, uma concepção de homem e sociedade de um determi-
nado contexto (FREITAG, 1980).
[...] Trata-se aqui de fundamentos sociológicos, filo-
sóficos, antropológicos e psicológicos pautados em
um entendimento de garantia de direitos imbricados
na proposta de um currículo decorrente da pedagogia
crítica e da abordagem sociocultural de educação. (SME,
2020, p. 49)

De acordo com dados do Sistema de Registros Acadêmicos da


Secretaria Municipal de Educação (Sigeduca/SME), em relação a 2014,
houve um aumento de mais de 154% nas matrículas de estudantes que
se registram como estrangeiros atendidos nas Unidades Educacionais
da Rede Municipal de Ensino de Cuiabá. O grupo de imigrantes que
tem crescido significativamente é o de haitianos, com aumento de
mais de 276%, seguidos pelos venezuelanos, espanhóis, bolivianos,
portugueses, japoneses, entre outros. Apesar de existir vários projetos
que coadunam com a política educacional adotada, não há proposta de
políticas concretas restando apenas fundamentos teóricos que remetem
a reflexões e discussões sobre sistemática de adequação e regulamen-
tação da inclusão de imigrantes, refugiados e apátridas, que cada vez
mais tem buscado acesso à educação na rede de ensino de Cuiabá.

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS QUE


INSTRUMENTALIZAM PROFESSORES SOBRE O
ENSINO-APRENDIZAGEM DE IMIGRANTES E
REFUGIADOS

Desde a educação básica até o ensino superior, a realidade das


salas de aula hoje traz um misto de insegurança e oportunidades
222
quando se trata de estudantes estrangeiros. O primeiro porquê reflete
que o professor é consciente e crítico do papel que assume socialmente,
porém, algumas vezes, ele despreparado para intervir na qualidade de
agente da educação. O segundo reflete na oportunidade de estabelecer
convivências, aprendizagens, trocas, ressignificando as histórias de vida
e compreendendo amplamente o processo da miscigenação étnica
oriunda de processos migratórios que compõem nossa sociedade atual
bem como a cultura cuiabana estabelecida. Sabemos que os professo-
res convivem com um plural de coisas que precisam complexamente
adequar ao mundo real e cada estudante possui suas particularidades
o que exige do professor uma posição de questionamento.
Piaget (1973, p. 85) considera que “pensar é agir sobre o objeto
e transformá-lo”. O pensamento do autor faz uma equivalência com
as características do professor, um ser essencialmente ativo e refle-
xivo que, muitas vezes, adota uma postura quase epistêmica perante
sua prática. São essas práticas pedagógicas que ocorrem de maneira
inconsciente e tornam-se responsáveis por produzir políticas dentro
das escolas buscando assim, por meio dos saberes práticos que ele
adquiriu, resolver os problemas educativos instaurados.
A relação entre teoria e prática é defendida por Libâneo
(2013, p. 38), ao afirmar que:
De fato, não é verdade que basta uma boa teoria para
que um profissional tenha êxito na prática. Mas, tam-
bém, não é verdade que a prática se basta por si mesma.
Nem toda prática pode ser justificada como adequada,
assim como não é possível qualquer reflexão sobre a
prática se não há da parte do professor um domínio
sólido dos saberes profissionais, incluída aí uma boa
cultura geral. (LIBÂNEO, 2013, p. 38)

Sabe-se que existe uma ambiguidade entre a formação do pro-


fessor e sua atuação. No entanto, pensar que as universidades pos-
sam considerar esse distanciamento é complexo pois, de acordo com

223
Mantoan (2008, p. 83) “pensar nas diferenças em sala de aula é uma
coisa muito difícil, porque o aluno continua a ser, para a universidade,
aquele ser ideal, que é fruto do que a teoria nos mostrou a respeito dos
seres humanos”. Mudar essa ideologia instaurada é pensar em longos
prazos, visto que não são mudanças que se possa realizar da noite para
o dia, isso exige que todas as esferas políticas educacionais voltem seus
olhares para a realidade presente em nossas escolas.
É evidente o sentimento e atitude de impotência perante a
situação de ensinar estrangeiros, a incapacidade de dar atendimento
a eles corrobora, junto com outros fatores, para o fracasso e a evasão
escolar. Nesse sentido, percebe-se a urgência em se instaurar políticas
públicas que fortaleça, (re)signifique e (re)construa condições espe-
cíficas que possam servir como suporte a todos os profissionais da
educação que direta ou indiretamente são responsáveis pela formação
integral (no sentido de completude/integralidade) desses estudantes,
bem como a suas famílias que se encontram sob os mesmos direitos
de acolhimento legal. Não se trata aqui apenas de novas propostas
curriculares que possa dar conta da heterogeneidade, mas que as
formações como instrumentos de ressignificação das práticas possam
propiciar um fazer pedagógico singular para esse contexto, e não se
reduzir apenas a receituários.

FORMAÇÃO CONTINUADA COMO ATIVIDADE


PLANEJADA QUE COADUNA COM O MOVIMENTO
MIGRATÓRIO NO MUNICÍPIO DE CUIABÁ

Há uma crença na educação de que ela é a mola propulsora fun-


damental de mudanças sociais, crença essa que pode ser evidenciada
a partir da (re)leitura de estudos no campo educacional, bem como
de documentos nacionais e internacionais que versam sobre o tema.
Esse valor atribuído à educação exige um profissional cada vez mais
qualificado, preparado e apto às mudanças prementes da sociedade atual,
o que faz cada vez mais necessário destacar a relevância da formação
224
continuada. Em geral, os olhares da sociedade estão voltados para os
professores, exigindo que estes se tornem cada vez mais competentes
para atenderem às necessidades daqueles que estão tendo acesso à
educação. Assim, investir na formação deles é indispensável, mas não é
qualquer formação, ela deve ser pautada em uma concepção que supere
à lógica da racionalidade técnica, ou seja, um pensamento e proposta
de formação para que os professores possam refletir e agir sobre e no
seu trabalho pedagógico. Para Mizukami (2002, p. 61):
A premissa básica do ensino reflexivo considera que
as crenças, os valores, as suposições que os professores
têm sobre ensino, matéria, conteúdo curricular, alunos,
aprendizagem, etc. estão na base de sua prática e sala
de aula. A reflexão oferece a eles a oportunidade de
se tornarem conscientes de suas crenças e suposições
subjacentes a essa prática. Possibilita, igualmente, o
exame de validade de suas práticas na obtenção de
metas estabelecidas.

Nóvoa (1992) aponta que, além dos professores, a mudança edu-


cacional também depende da transformação das práticas pedagógicas na
sala de aula. Para tanto é necessário investimento educativo nos projetos
escolares. O autor diz ainda que o desafio da formação de professores
[...] consiste em conceber a escola como um ambiente
educativo, onde trabalhar e formar não sejam ativida-
des distintas, integrado no dia a dia dos professores e
das escolas, e não como uma função que intervém à
margem dos projetos profissionais e organizacionais.
(McBride,1989 apud Nóvoa, 1992, p. 96)

O levantamento de necessidades em favor da formação conti-


nuada constitui instrumento precioso de mudanças qualitativamente
efetivas voltadas ao combate às insuficiências da formação continuada,
aos problemas do sistema e das diretrizes educacionais, bem como ao
estreitamento entre os polos: realidade versus situação ideal.

225
A Secretaria Municipal de Educação de Cuiabá (SME/Cuiabá)
tem como pilar, em sua política educacional, a formação e valorização
dos profissionais da educação, os quais vêm sendo construídos desde
a década de 1990, passando por parcerias e convênios estabelecidos
entre a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e Escola Sarã
(1999). Em 2000, a SME/Cuiabá publicou o primeiro livro contendo
as novas diretrizes político-pedagógicas da rede de ensino cuiabana
que tinha como eixo básico da formação do professor “a reflexão sobre
a ação pedagógicas e a socialização dessa reflexão, possibilitando
a intervenção dialógica e crítica na prática pedagógica através da
teorização.” (SME, 2000, p. 87).
A partir de 2005, a SME retomou o processo formativo da rede
instituindo projetos próprios, especificamente para “professores que
atuam na Sala de Apoio à Aprendizagem (criada em decorrência do
processo de implementação do Ciclo de Formação), Alfabetização,
Educação Física, Sala de Recursos multifuncional, Educação de Jovens
e Adultos.” (SME, 2000, p. 89).
Incorporaram-se a esses projetos federais como o Gestar 2,
Praler, Pró-letramento, entre outros, em parceria com a UFMT, para
formação inicial e continuada dos Técnicos em Desenvolvimento
Infantil (TDI). Além disso, com o objetivo de enfrentar os desafios do
processo educativo, em 2008 foi instituído o Programa Revitalizando
a Formação o qual contemplava dois projetos:
Projeto Roda de Conversa, criado para fortalecer o
processo pedagógico e de gestão escolar e Projeto Ava-
liar, com foco nas ações educacionais desenvolvidas
nas unidades que, por não estarem em consonância
com o objetivo do programa de formação continuada,
em 2010 deu origem a Coordenadora de Avaliação
Institucional. (SME, 2000, p. 259)

A partir de 2013, surgiram ainda projetos como o Implementação


Pedagógica de Ensino (IPE), Trilhas, Pacto Nacional pela Alfabetização

226
na Idade Certa (PNAIC), entre outros. Contudo, somente em 2018,
a SME conseguiu reformular seu programa formativo e elaborar sua
política educacional de formação continuada.
Atualmente, considera-se que:
No âmbito das políticas públicas da educação do muni-
cípio de Cuiabá, é de responsabilidade da Coordenadora
de Formação/DE/SME a elaboração, implementação,
execução e avaliação da Política de Formação dos Pro-
fissionais da Educação da Rede Pública do Município
de Cuiabá, Programas e Projetos de formação, a forma-
ção continuada dos profissionais da Educação Básica,
articular e firmar parcerias com outros municípios,
estados ou a União, para alcançar as metas definidas
pela Política Educacional. (SME, 2020, p. 260)

Partindo da dinâmica de que cabe à Coordenadoria de Formação,


cuja finalidade é o desenvolvimento de estudos formativos, pesquisas,
projetos de intervenção pedagógica e culturais de cunho educativo,
instrumentalizar e subsidiar a Política de Formação Continuada dos
Profissionais da Educação Básica da Rede Municipal de Cuiabá, sendo
as formações continuada ou em serviço dos profissionais da educação
com vistas ao seu aperfeiçoamento e desenvolvimento profissional,
uma necessidade e um direito assegurados pela Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDBEN) nº 9394/96.
Sendo a profissão docente dinâmica e complexa, percebe-se que:
A formação continuada não pode ser concebida como
um meio de acumulação (de cursos, palestras, seminá-
rios, etc., de conhecimentos e técnicas), mas sim através
de um trabalho de reflexividade crítica sobre a prática
e de (re)construção permanente de uma identidade
pessoal e profissional, em interação mútua. E é nessa
perspectiva que a renovação da formação continuada
vem procurando caminhos novos de desenvolvimento.
(CANDAU, 1997, p. 64)

227
O paralelo existente entre interculturalidade e formação de
professores aponta para um caráter monocultural, homogeneizador
e eurocêntrico da educação, sendo necessário repensá-la, tendo em
vista que grupos específicos da sociedade – mulheres, homossexuais,
indígenas, negros e estrangeiros – lutam pela conquista e efetivação
de direitos sociais que lhes são negados dentro de processos históricos,
políticos, ideológicos e sociais.
Sendo a escola, a protagonista desse espaço social marcado pela
diversidade étnico-cultural, pressupõe ser ela democrática e que pre-
cisa privilegiar a equidade, a solidariedade e a alteridade. É necessário
admitir que a diversidade de sujeitos que a compõe irá gerar vivências
diferenciadas, cuja referência de pensamento é peculiar ao que se reflete
em suas ações. Sendo assim, é necessário que o educador (re)conheça
as formas das quais os seus alunos lançam mão para compreender o
mundo e como estas práticas sociais interagem neste espaço social
marcado pela diversidade étnico-cultural.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mesmo sabendo sobre a complexidade que envolve o tema


proposto necessitando de outras investigações e de aprofundamentos,
foi possível fazer uma reflexão quanto a real necessidade de se (re)
construir uma política pública que proponha ações mais efetivas quanto
a formação em exercício dos professores que, em sua grande maioria,
sentem-se desarmados, desqualificados para garantir exitosamente sua
prática em sala de aula. Ouvir declarações como: “eu não me sinto
preparada(o) para...”, evidencia claramente a prática de professores
inseridos em contextos de diversidade e pior, nos leva a considerar o
que é ser um sujeito que está sendo conduzido por alguém que não
possui a formação necessária, o apoio e a segurança do que e como fazer.
É importante ressaltar que o aluno imigrante que chega na sala
de aula como no contexto apresentado aqui, é duplamente excluído.
Primeiramente, isso se dá através do processo de migração, que na
228
maioria das vezes, não ocorre por vontade e sim por necessidade; e a
segunda se dá pela “posição da escola e do professor, que contribuem com
a legitimação da cultura dominante conduzindo os alunos a um processo
de silenciamento cultural e linguístico.” (SOUZA; SENNA, 2016, p. 7).
Apesar de sermos um país étnico-cultural ainda não demos voz
a singularidade que faz com que este seja considerado de muitas faces,
pois é assim que conseguiremos interpretar essa nova realidade a fim
de realizar mudanças no quadro complexo apresentado.

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230
MEMÓRIAS DE VERÃO: O LUGAR DA
AUSÊNCIA NO ROMANCE AO FAROL, DE
VIRGINIA WOOLF

Francielle Aparecida Garuti de Andrade50

INTRODUÇÃO
Mas a saudade é isso mesmo,
é o passar e o repassar de memórias antigas.
(Dom Casmurro).

O objetivo deste texto é analisar o lugar da ausência no romance


Ao Farol de Virginia Woolf à luz dos conceitos de memória coletiva
e individual, tendo como base os pressupostos teóricos de Maurice
Halbwachs, (1990). Questões relacionadas à experiência do sujeito, ao
trauma do vivido, à relação entre memória e história, a interconexão
entre passado e presente no processo de rememoração e a interface
entre o real e o ficcional, são discutidos com base nos seguintes autores:
Beatriz Sarlo (2007); Norbert Elias (1998) e Philippe Lejeune (2008).
O espaço da narrativa é a ilha de Skye, local onde a família
Ramsay e seus amigos passavam férias na Escócia. O lugar também era
frequentado por Virginia Woolf, sua família e amigos nas épocas de
verão. A similitude entre a ficção e o real são ainda observados no tratar
das relações de submissão da mulher e seu lugar na sociedade patriarcal,
situações que correspondiam à história pessoal da escritora. Esse, e
outros detalhes, caracterizam a obra como um romance autobiográfico.
O contexto histórico da obra compreende o período da Primeira
Guerra Mundial e o declínio da Era Vitoriana e está dividido em
três períodos: A janela, que corresponde ao momento pré-guerra, um

Doutoranda em Literatura pelo Programa de Pós-Graduação em Letras (UEM).


50

CV: http://lattes.cnpq.br/9821201632314062
231
tempo de expectativas, anseios e, também, de frustações e inconfor-
mismos. O tempo passa, marca o período de dez anos desde o início
da Primeira Guerra, momento de clímax no romance que antecede
ao desfecho. Nesta parte da obra, a memória coletiva é representada
pela memória de Virginia Woolf ao expor os horrores da guerra, o
dilacerar das relações pessoais e o trauma da experiência. O terceiro
período, O farol, corresponde ao pós-guerra, momento da narrativa
envolto pelo silêncio, pela ausência que impulsiona as lembranças e
também pelo costurar das relações afetivas.
Para fins didáticos, este artigo está dividido em duas partes.
A primeira, ocupa-se em abordar conceitos relativos à memória em
Sobre a memória: diálogos entre Maurice Halbwachs e Beatriz Sarlo. A
segunda parte do trabalho, Passeio ao Farol pelos caminhos da memória: o
rememorar da experiência, dedica-se a discutir aspectos mais específicos
do romance de Virginia Woolf no que diz respeito a rememoração,
em especial no comportamento, pensamentos e experiências de Mrs.
Ramsay projetados na arte de Lily Briscoe por meio das suas memó-
rias que fazem parar o tempo, voltar ao passado e reviver momentos.

SOBRE A MEMÓRIA: DIÁLOGOS ENTRE MAURICE


HALBWACHS E BEATRIZ SARLO

A presença e a categorização da memória individual ou coletiva,


bem como a representação da experiência, do lugar, do tempo, como
também dos traumas, dos processos de perda e dos (re)encontros iden-
titários, possuem matriz social, uma vez que derivam do movimento
da história e das relações sociais.
Maurice Halbwachs, no início do século XX, apresentou aná-
lises sobre o estudo da memória, para o autor, existem dois tipos de
memória: uma interior, que é pessoal, e outra exterior, que é social. Na
memória interior, as lembranças correspondem às situações vivenciadas
em grupos mais próximos, como um grupo familiar, por exemplo. As
lembranças exteriores correspondem às situações mais abrangentes e
232
menos específicas, como os acontecimentos vivenciados por um grupo
social. A partir dos pressupostos teóricos propostos por Maurice,
entendemos que os estudos sobre a memória partem de fenômenos
sociais, que são construídos coletivamente. A memória individual,
portanto, é um ponto de vista sobre a memória coletiva, pois deriva
sempre da vida em comunidade.
A lembrança individual está envolta por valores, traços culturais,
modus vivendi e relações de poder, de um contexto histórico especí-
fico e de uma determinada comunidade, cujas vivências passaram
a ser comuns. São os indivíduos que lembram, mas são os grupos
sociais que autenticam a lembrança.
Consideremos agora a memória individual. Ela não
está inteiramente isolada e fechada. Um homem,
para evocar seu próprio passado, tem frequentemente
necessidade de fazer apelo às lembranças dos outros.
Ele se reporta a pontos de referência que existem fora
dele, e que são fixados pela sociedade. Mais ainda, o
funcionamento da memória individual não é possível
sem esses instrumentos que são as palavras e as ideias,
que o indivíduo não inventou e que emprestou de seu
meio (HALBWACHS, 1990, p. 26).

Em vários momentos de sua obra, Halbwachs apresenta a neces-


sidade da interconexão entre a memória coletiva e as memórias indi-
viduais. Segundo o autor, é preciso que se tenha pontos de contato
entre a memória individual e as outras, de modo que ela possa ser
reconstruída sobre uma base comum. Nesse sentido, a memória resulta
do movimento do sujeito no ato da memorização, que é individual,
como também, da ação dos diversos grupos sociais em suas histórias.
Para Maurice, a memória coletiva é entendida como um elemento
fundante das relações sociais, pois o processo de rememoração propicia
fundamentos para que os homens interpretem e vivenciem o presente,
visualizando e projetando o futuro (HALBWACHS, 1990).

233
A memória está ancorada em um passado que foi vivido e que
permite a construção de uma narrativa sobre a experiência do sujeito. Na
obra Tempo Passado: Cultura da Memória e Guinada Subjetiva, Beatriz
Sarlo analisa as reconstituições da memória a partir da reavaliação do
lugar do testemunho em relação a preservação da memória, da expe-
riência vivida e da associação com a verdade histórica. Para a autora, a
subjetividade, que são as lembranças individuais, marcadas pela expe-
riência, tem lugar privilegiado na contemporaneidade, especialmente
no que se refere à teoria sobre memória e história (SARLO, 2007).
Considerando que as lembranças são as reconstruções do pas-
sado, com a ajuda de dados emprestados do presente, e perpassada por
outras reconstruções feitas em épocas anteriores, de onde a imagem de
outrora manifestou-se já bem alterada, sobretudo, quando em contato
com a memória de outras pessoas, tais lembranças podem apresentar-se
modificadas, de modo a expandir e até mesmo alterar a percepção do
passado, mesmo quando se trata de experiências individuais. Nesse
sentido, o passado é sempre conflituoso, mormente quando se trata
de rememoração (HALBWACHS, 1990; SARLO, 2007).
No processo de compreensão das relações conflituosas entre
memória e história, Sarlo (2007) traz para o debate, discursos tes-
temunhais de crimes de ditaduras e genocídios históricos, com o
objetivo de apresentar a legitimidade de memórias individuais fun-
damentadas na subjetividade da experiência, que nos casos elencados
pela autora, foram traumáticas.
Para Sarlo (2007), muitas vezes as lembranças e os relatos do
sujeito, a partir de suas experiências traumáticas, são colocadas em
dúvida pela história quanto à veracidade e fidedignidade dos fatos
narrados, uma vez que a historiografia considera que todo testemunho,
independentemente de ser de uma vítima ou não, deve ser passado
por uma análise de rigor metodológico. Diante do rigor historiográ-
fico, a memória corre o risco de ser subjetiva, seletiva e carregada de
impressões que podem alterar e/ou modificar os fatos.
234
A partir disso, a autora salienta que: “os combates pela história
também são chamados agora de combates pela identidade. A narração
da experiência está unida ao corpo e a voz, a uma presença real do
sujeito na cena do passado” (SARLO, 2007, p. 23, 24).
Nos estudos da memória, portanto, é estabelecida uma cor-
respondência entre presente e passado. Ela é construída fora do fato
histórico. Quando se está ao lado dos acontecimentos, não há como
narrar, pois o distanciamento é necessário para formar a história.
[...] o presente, quando sustentado pelo passado, torna-
-se mil vezes mais profundo do que o presente quando
está tão próximo que não é possível sentir mais nada.
Mas é preciso paz para sentir o presente deslizando
sobre as profundezas do passado. O presente deve ser
tranquilo, habitual (WOOLF, 2020, p. 67).

Neste processo de rememoração é possível que o sujeito congele


o tempo por instantes, permitindo que uma determinada lembrança
seja revivida. A interconexão entre o momento da lembrança, da
experiência e o presente, quebra o marco de referência do tempo, e
o sujeito é levado a um espaço não demarcado, não cronometrado,
um lugar epifânico. Neste lugar de êxtase, o tempo não existe em si.
Passado e presente se fundem, levando o sujeito a reviver momentos,
traumáticos ou não, de fatos que ficaram na história. Assim, afirmar
Sarlo: “a narração da experiência está unida ao corpo e a voz, a uma
presença real do sujeito na cena do passado” (SARLO, 2007, p. 24).
Norbert Elias, na obra Sobre o tempo, explica o tempo como algo
que não é possível de sentir, de ser tocado, visto e/ou ouvido. O tempo
não é perceptível aos sentidos humanos, mas utilizado como meio de
orientação para organizar a vida social dos homens, todavia, quando
em um momento de rememoração, o homem perde seu referencial
de tempo e de espaço, para reviver suas memórias (ELIAS, 1998).
Como podemos observar na obra de Virginia Woolf, Ao Farol,
o referencial de tempo e de espaço são bloqueados no momento de
235
rememoração das personagens. Na narrativa, a memória individual de
cada personagem, em especial, Lily Briscoe e da família Ramsay, se
intercalam e confluem para uma memória coletiva que paira sobre a ilha
de Skye, local onde a família Ramsay e seus amigos passavam férias na
Escócia. A rememoração individual se faz na tessitura das memórias
dos diferentes grupos com que nos relacionamos, ou seja, construção
de uma memória coletiva (ELIAS, 1998; HALBWACHS, 1990).

PASSEIO AO FAROL PELOS CAMINHOS DA


MEMÓRIA: O REMEMORAR DA EXPERIÊNCIA

A obra de Virgínia Woolf, Ao Farol (To the Lighthouse), foi


publicada no ano de 1927, pela editora Hogarth Press. Trata-se de um
romance que não se define a partir da estrutura literária clássica. As
personagens não foram construídas de maneira sistemática e o narrador
não as introduz ao leitor. O romance narra a história da família Ramsay
e de alguns amigos, entre os anos de 1910 e 1920, na casa de verão da
família. O tempo predominante na narrativa é o fluxo de consciência.
A relação entre a ficção literária e os fatos históricos vividos pela
própria Virginia Woolf, sugere o remembramento das memórias da
autora que frequentava a Ilha com sua família, nos períodos de verão.
A obra aponta para uma narração das percepções do sujeito real e suas
experiências sobre o fictício. Nesta perspectiva, a obra ganha, segundo
Philippe Lejeune (2008), característica de romance autobiográfico:
Chamo assim todos os textos de ficção em que o leitor
pode ter razões de suspeitar, a partir das semelhanças
que acredita ver, que haja identidade entre o autor e
personagem, mas que o autor escolheu negar essa iden-
tidade ou, pelo menos, não afirmá-la. Assim definido,
o romance autobiográfico engloba tanto narrativas em
primeira pessoa (identidade do narrador e do perso-
nagem) quanto narrativas ‘impessoais’ (personagens

236
designados em terceira pessoa); ele se define por seu
conteúdo (LEJEUNE, 2008, p. 25).

O romance é dividido em três partes: A Janela; O tempo passa; O


Farol. As histórias das personagens, como a de Lily Briscoe, do poeta
Augustus Carmichael, do pedante Sr. Tansley, Minta Doyle e Paul Ray-
ley, e outras, intercalam-se ao ponto central do enredo: a família Ramsay.
A personagem central do romance é a Mrs. Ramsay, uma mulher
submissa aos padrões da sociedade patriarcal, todavia, é sutil, intensa
e complexa. Mrs. Ramsay trava uma batalha interna e externa para
manter tudo em ordem. Em nome da harmonia familiar, ela não expõe
suas frustações e indignações para com sua família e seus amigos. Seu
marido, Sr. Ramsay, patriarca da família, é um intelectual introspec-
tivo, mal-humorado e solitário.
Em A Janela, as personagens são apresentadas de modo não
arranjado, mostrando seus deslumbres, angústias e conflitos. A primeira
cena da história acontece na casa de veraneio e próximo ao farol, local
muito almejado por um dos filhos do casal Ramsay, James. O desejo da
criança não pode ser concretizado, pois seu pai considera o mal tempo
e com rispidez descarta o passeio deixando James triste e magoado.
Sim, claro, se o tempo estiver bom amanhã”, disse Mrs.
Ramsay. Mas vocês terão que madrugar, acrescentou.
Essas palavras trouxeram ao seu filho uma extraordinária
alegria, como se tudo estivesse arranjado e a excursão
fosse obrigada a acontecer, e depois da escuridão de
uma noite e do passeio de barco de um dia, o milagre
pelo qual ele vinha esperando ansiosamente – por anos
e anos, parecia-lhe – estava enfim ao seu alcance. [...]
Mas, disse o pai, parando em frente à janela da sala de
visitas, o tempo não vai estar bom.” Se houvesse um
machado, um atiçador, ou qualquer outra arma à mão
que abrisse um buraco no peito do pai e o matasse,
ali na hora, James a teria pego (WOOLF, 2013, p. 1).

237
Ainda neste dia repleto de tristeza para James Ramsay, há no
jardim a artista plástica Lily Briscoe, que pinta um quadro da famí-
lia. A amiga de Mrs. Ramsay, lida com a insegurança do destino dos
seus pincéis. Mesmo com todo o movimento diante da Mrs. Ramsay,
jovens brincando e outros na praia, a monotonia que paira sobre
a casa a incomoda, ao ponto de obrigá-la a quebrar o silêncio. Ao
avistar o farol, ela declara:
[...] quando deram no cais, e a baía inteira estendeu-se
diante deles. Mrs. Ramsay não pôde deixar de exclamar,
“Oh, que lindo!”, pois a vasta extensão de água azul
surgia diante dela; o antigo Farol, distante, austero, no
centro; e à direita, tão longe quanto a vista alcançava,
desvanecendo-se e descendo em dobras suaves, as dunas
de areia verdes, inundadas pela relva selvagem, e que
sempre pareciam estar correndo em direção a algum país
lunar, inabitado pelos homens (WOOLF, 2013, p. 14).

Diante das cenas da primeira parte do romance, o leitor pode


adentrar na obra e perceber as angústias, as incertezas, os devaneios,
a imprevisibilidade, as insatisfações e as epifanias do ser humano,
presentes em cada palavra de Woolf e transmitida ao leitor como
lanternas (faróis) que projetam o interior das personagens.
Apresentando elementos da Primeira Guerra Mundial, o narrador
abre “a janela” para que o leitor entenda o contexto histórico pelo qual
a Europa estava passando: “De repente, um grito alto, como o de um
sonâmbulo meio acordado, algo como assaltados por tiros e bombas
soando com extrema intensidade em seu ouvido” (WOOLF, 2013, p. 17).
Em O tempo passa, segunda parte da obra, um hiato é aberto
no tempo. Passaram-se dez anos, e a partir de um narrador oni-
presente, vê-se a passagem que degrada a casa de veraneio, mudam
as relações, envelhecem as pessoas, seus sentimentos são envol-
tos por desgostos e melancolias.
238
Havia coisas lá em cima apodrecendo nas gavetas – era
uma vergonha deixá-las assim, dizia. O lugar se tornara
uma completa ruína. Só a luz do Farol entrava nos
quartos por um momento, derramando seu olhar fixo
e repentino sobre a cama e a parede, na escuridão do
inverno, olhando com equanimidade para o cardo e a
andorinha, o rato e a palha. Não havia nada que lhes
opusesse resistência, agora; nada os enfrentava com
um não. Que sopre o vento; que a papoula germine e
o cravo se junte ao repolho. Que a andorinha construa
seu ninho na sala de visitas, e o cardo derrube as telhas,
e a borboleta tome sol sobre a chita desbotada das
poltronas (WOOLF, 2013, p. 107).

A tristeza marca essa parte do romance. A família Ramsay


perde sua matriarca e dois de seus filhos. Prue que: “morrera naquele
verão de uma doença ligada ao parto, o que era realmente uma tra-
gédia, diziam as pessoas; parecia que tudo daria tão certo, diziam” e
Andrew Ramsay que estava lutando na guerra: “Uma granada explo-
diu. Vinte ou trinta rapazes foram despedaçados na França, entre eles
Andrew Ramsay, que, misericordiosamente, teve morte instantânea”
(WOOLF, 2013, p. 102; p. 103).
O espaço temporal assemelha-se a um abismo que faz com que
tudo desmorone. A morte da Mrs. Ramsay é marcada pelo vazio que
invade a casa e pelo definhar de tudo, com exceção do farol que con-
tinua com o seu brilho de sempre e constante. Mr. Ramsay, com seus
braços estendidos, espera por resposta, mas, a Mrs. Ramsay, embora
com seus braços estendidos, estava morta.
As noites agora estão repletas de vento e destruição;
as árvores precipitam-se e se curvam, e suas folhas
voam em confusão até que o gramado fique coberto
por elas, e elas se amontoam nas sarjetas, obstruem as
calhas e se espalham pelos caminhos úmidos. Também
o mar se agita e se quebra, e fosse algum ser adorme-

239
cido imaginar que poderia encontrar na praia uma
resposta para suas dúvidas, ou alguém para compartilhar
sua solidão, e, livrando-se das cobertas, descesse para
caminhar na areia, nenhuma imagem com aparência
de servil e divina presteza viria de bom grado ajudá-lo
a trazer a noite à ordem e fazer o mundo refletir a
extensão da alma. A mão desaparece em sua mão; a voz
clama em seu ouvido. Quase pareceria inútil, em meio
a tal confusão, perguntar à noite: o quê? e por quê? e
para quê?; questões que instigam o ser adormecido a
deixar seu leito e buscar uma resposta. [Mr. Ramsay,
andando aos tropeções pelo corredor em certa manhã
sombria, estendeu os braços, mas como Mrs. Ramsay
morrera repentinamente na noite anterior, seus braços,
embora estendidos, permaneceram vazios.] (WOOLF,
2013, p. 99).

Com a partida da matriarca, a família e, sobretudo, Mr. Ramsay,


perde seu norte, “seu farol”. A Mrs. Ramsay vivia cuidando da família,
dos filhos e do marido. Sem questionar suas atribuições e sem exigir
reconhecimento, ela vivia como uma esposa submissa.
Na terceira e última parte, O Farol, a família e os amigos retornam
à casa e acontece o tão esperado passeio ao farol, momento que havia
sido frustrado anos atrás. O dia que sucede o retorno à casa é marcado
por indagações de Lily Briscoe, que não consegue ver sentido em
retornar ao local: “Era tão sem propósito, tão caótico, tão irreal, pensou
ela, olhando para a sua xícara de café vazia. Mrs. Ramsay estava morta;
Andrew fora morto; Prue estava morta, também – por mais que repetisse
isso, não lhe despertava qualquer sentimento” (WOOLF, 2013, p. 112).
Mr. Ramsay se empenhou em retornar ao local para, enfim, reali-
zar o passeio ao Farol com os filhos Cam e James. Cam, apesar de ainda
estar marcado pelo ressentimento em relação ao pai tirano, reconhece
sua autoridade e o admira. James auxilia o pai na expedição. O passeio
ao farol retoma as relações familiares e fortalece os vínculos entre pai e
filhos. Enquanto acontece a caminhada até o farol, Lily Briscoe volta
240
a pintar a tela que havia começado dez anos atrás. Durante o processo
de finalização da pintura, Lily revive as lembranças e os momentos
que passou com a amiga Mrs. Ramsay. A partir da rememoração, ela
evoca a amiga e consegue sentir sua presença no peso da ausência e
do silêncio. Sua memória recupera Mrs. Ramsay sentada nos degraus,
com seu vestido cinza, abraçando os filhos e tricotando meias.
[...] como isso oprimia o coração, massacrando-o sem
dó nem piedade! Oh, Mrs. Ramsay! gritou em silêncio
para aquela essência que se sentava junto ao barco,
aquela abstração que se fez dela, aquela mulher vestida
de cinza, como se para insultá-la por ter partido e,
tendo partido, ter voltado de novo. Tinha parecido tão
seguro pensar nela. Um fantasma, uma brisa, um nada,
alguma coisa com que se podia brincar com facilidade
e segurança, a qualquer hora do dia ou da noite, era o
que ela fora, e de repente estendia a mão e oprimia seu
coração assim. De repente, os degraus vazios da sala
de visitas, as franjas da cadeira no interior, o cachor-
rinho dando cambalhotas no terraço, toda a onda e o
sussurro do jardim transformaram-se em algo como
curvas e arabescos florescendo ao redor de um centro
de completo vazio (WOOLF, 2013, p. 135).

Durante todo o romance é perceptível o resgate da memória,


mas é no processo de criação da arte que o tempo e o espaço podem
ser reexperienciado e o presente entra no passado. A pintura de Lily
Briscoe retrata as memórias das pessoas, dos momentos, do espaço, do
tempo e do contexto, propiciando que a memória coletiva se molde
por meio das memórias individuais, no projetar da vida na arte, con-
forme explica Maurice Halbwachs:
[...] se as imagens se fundem tão intimamente com
as lembranças, e se elas parecem emprestar a estas sua
substância, é que nossa memória não é uma tábula rasa,
e que nos sentimos capazes, por nossas próprias forças,
241
de perceber, como num espelho turvo, alguns traços e
alguns contornos (talvez ilusórios) que nos devolveriam
a imagem do passado. Da mesma maneira que é preciso
introduzir um germe num meio saturado para que ele
cristalize, da mesma forma, dentro desse conjunto de
depoimentos exteriores a nós, é preciso trazer como
que uma semente de rememoração, para que ele se
transforme em uma massa consistente de lembranças
(HALBWACHS, 1990, p. 18).

Lily Briscoe consegue concluir sua tela assim que a família


Ramsay chega ao seu destino, marcando o desfecho do enredo. Todos
os flashs que dão luz ao leitor no decorrer do romance, compreen-
dem sensações, pensamentos, devaneios e lembranças que fazem
reverberar temas importantes sobre o momento histórico da Europa
na primeira década do século XX, além de trazer ao debate o papel
da mulher na sociedade da época. Nesse sentido, a rememoração
apresenta-se como elemento fundamental e constituinte para a cons-
trução de um sentimento coletivo de um determinado modo social,
apropriado por meio do conhecimento da história e da memória,
tanto individual quanto coletiva.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O lugar da ausência no romance Ao Farol, de Virginia Woolf, foi


analisado neste trabalho, tendo como base a teoria sobre memória, a
concepção de experiência, o trauma do vivido, a relação entre memória
e história, a interconexão entre passado e presente no processo de reme-
moração e a interface entre real e ficcional no romance autobiográfico.
Com base nos postulados de Maurice Halbwachs (1990), Bea-
triz Sarlo (2007), Norbert Elias (1998) e Philippe Lejeune (2008),
entendemos que a análise do romance Ao Farol, revela aspectos da
memória individual e coletiva que, embora apresentem definições
242
distintas, cruzam-se, sobrepõem-se e ganham significado no processo
de rememoração, fator fundamental que confere sentido ao passado. O
resgate da memória atribui sentido a narração, favorece a compreen-
são do passado, interrompe o tempo cronológico de modo a fundir o
passado no presente, designando o tempo como psicológico, passando
a ser entendido como um presente/passado e um passado/presente.
Na obra, o entusiasmo e a tristeza, a vida e a morte, a beleza
e a deterioração, a presença e o vazio, aparecem de modo articulado
e entrelaçado. A ausência tem lugar central no romance. Todos os
flashbacks e questões importantes do enredo, tais como: os papeis sociais,
a notoriedade, as divisões de gêneros, os relacionamentos familiares, a
amizade, as loucuras, a arrogância, a beleza, a individualidade, ocorrem
a partir da “não presença”, de modo silencioso, solitário e interior.
As partes do romance revelam importantes aspectos do pro-
cesso de rememoração através de elementos poéticos e metafóri-
cos, que expressam o âmago das personagens. O espaço da casa,
que na primeira parte acolhe e representa expectativa para o passeio
ao farol, perde seu sentido e se transforma em um lugar de ausên-
cias, de tristeza e de degradação.
Virginia Woolf, a partir do fluxo de consciência, quebra a linea-
ridade do tempo, recompõe os laços familiares e faz a catarse de uma
travessia ao farol que havia sido frustrada. O caos é perceptível no
movimento do tempo, tanto do tempo cronológico e real (a Primeira
Guerra Mundial), quanto psicológico e ficcional. Ambos os movimentos
ocorrem de modo simultâneo, como um vendaval que passa, tira as
coisas do lugar, carrega outras e deixa ruínas para serem restauradas.
Desse modo, Woolf ressignifica o real do seu tempo, fundindo o fato
histórico à ficção literária, tendo como instrumento a memória.

243
REFERÊNCIAS
ELIAS, Norbert. Sobre o tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais
Ltda, 1990.
LEJEUNE, Philippe. O pacto autobiográfico: de Rousseau à Internet. Trad. De Jovita Maria
Gerheim Noronha e Maria Inês Coimbra Guedes. Belo Horizonte. Ed. UFMG, 2008.
SARLO, Beatriz. Tempo passado: cultura da memória e guinada subjetiva. Trad. de Rosa
Freire d´Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras; Belo Horizonte: UFMG, 2007.
WOOLF, Virginia. Ao farol. São Paulo: Editora Autêntica, 2013.

244
DOCUMENTÁRIO “NOSSO SAGRADO” NO
COMBATE AO RACISMO RELIGIOSO NO
ESPAÇO ESCOLAR

Jorge Santana51

O presente capítulo tem como objetivo trazer as experiências


das exibições e rodas de conversas do documentário “Nosso Sagrado”
em diversas escolas privadas e públicas no estado do Rio de Janeiro.
A exibição do filme tinha como propósito desenvolver atividades
com os estudantes sobre a valorização das religiões de matrizes afri-
canas, a construção de uma educação antirracista e principalmente
combater o racismo religioso tão arraigado na sociedade brasileira e
fluminense nos últimos 30 anos.
O documentário “Nosso Sagrado”52, foi produzido pela produ-
tora Quiprocó Filmes, dirigido por Fernando Sousa, Gabriel Barbosa
e Jorge Santana, produzido por Mariana Medeiros e Viviane Tava-
res. O filme foi lançado em 2017, no Circo Voador, com expressiva
presença de lideranças religiosas e de praticantes da Umbanda e do
Candomblé. O evento configurou como um importante marco na
agenda de luta contra o racismo religioso na cidade do Rio de Janeiro,
em especial, porque no ano de 2017 diversos terreiros das religiões
de matrizes africanas foram invadidos e vilipendiados por criminosos
do tráfico de drogas ilícitas.

51
Doutorando em Ciências Sociais (UERJ). CV: http://lattes.cnpq.br/1269372465942460
52
Sinopse: O documentário investiga a perseguição e o racismo religioso contra o Candomblé e a
Umbanda, que foram criminalizadas na Primeira República e na Era Vargas. Durante esse período mais
de 200 objetos foram apreendidos pela polícia. As peças sagrados da Umbanda e Candomblé foram
expostas como “Coleção Magia Negra” e ainda hoje encontram-se sob a posse do Museu da Polícia
Civil do Estado do Rio de Janeiro. A partir da fala de religiosos, pesquisadores e militantes, buscamos
entender a importância do acervo sagrado afro-brasileiro, a luta pela sua libertação e os efeitos do
racismo religioso. Atualmente o filme está disponível na plataforma de streaming: < https://www.kweli.
tv/> Acesso em: 24 jul. 2022.
245
O filme é fruto da campanha Liberte Nosso Sagrado53, criada
em 2017 por lideranças religiosas, parlamentares, movimentos
sociais e pesquisadores em defesa da reparação dos objetos sagra-
dos em posse da Polícia Civil do Rio de Janeiro. Os objetos sacros
foram apreendidos no período da Primeira a República (1889-1930)
e na Era Vargas (1930-1945), quando as religiões afro-brasileiras
eram oficialmente criminalizadas.
A existência de três artigos: 156, 157 e 15854 no Código Penal
Brasileiro de 1890 (MAGGIE, 1992), que, de forma racista, crimi-
nalizavam as religiões. A partir de denúncias ou por própria inciativa
das forças policiais os terreiros eram invadidos os religiosos eram
apreendidos assim como os objetos litúrgicos55. Durante todo esse
período, centenas de terreiros foram vitimados por essa política racista,
produzindo um acervo de objetos sacros, armazenados nos depósitos
policiais. Em 1938, esses objetos foram tombados no Instituto do
Patrimônio Histórico e Artísitico Nacional (IPHAN).
Esta ação se constituiu enquanto o primeiro tombamento etno-
gráfico do órgão federal. Contudo, de uma forma racista e desres-
peitosa. A coleção de objetos sagrados da Umbanda e do Candom-
blé foi nomeada com alcunha de “Coleção Magia Negra”56. O que
demonstra como essa coleção era concebida de maneira desabonadora
e negativa pelo Estado brasileiro. Desde então a coleção passou a
53
A campanha Liberte Nosso Sagrado realizou uma série de ações para transferência da coleção sagrada
para um outro museu. Uma das ações foi uma representação ao Ministério Público Federal no ano de
2017. A representação tornou-se um inquérito, em que o órgão decidiu pela transferência dos objetos
sagrados para o Museu da República. A transferência foi realizada com festa no dia 21 de setembro de
2020. Disponível em: < https://extra.globo.com/noticias/objetos-sagrados-transferidos-para-museu-da-
-republica-ganham-exposicao-virtual-25306660.html> Acesso em: 24 jul. 2022.
54
Os artigos 156, 157 e 158 do Código Penal criminalizavam as religiões afro-brasileiras. Esses artigos
criminalizavam práticas nomeadas como baixa feitiçaria, curandeirismo, uso de talismã, xamanismo,
sortilégios, cartomancia e prática ilegal da medicina. Os artigos previam pena de prisão de até 6 meses
e multa que poderia chegar até 500 mil réis.
55
Os objetos religiosos eram apreendidos, pois constituíam provas de crime no inquérito policial contra
os religiosos acusados.
56
A Coleção Magia Negra é composta por mais de 500 objetos sagrados afro-brasileiros apreendidos pelo
Estado brasileiro no final do século XIX e primeira metade do século XX no Rio de Janeiro. Atualmente
um processo tramita no IPHAN a pedido dos religiosos em defesa da alteração da nomenclatura para
“Sagrado afro-brasileira”.
246
ser exibida de maneira também desabonadora e racista pelo Museu
da Polícia Civil do Rio de Janeiro, configurando uma dura agressão
contra o sagrado das religiões.
É importante sinalizar que a perseguição às religiões não ocor-
reu apenas no Rio de Janeiro, mas em diversos estados da nação. Em
outros estados como: Pernambuco, Bahia, Ceará e Alagoas também
foram criados acervos museológicos tal como o do Museu da Polícia
Civil do Rio de Janeiro, com objetos sacros apreendidos em terreiros
(PEREIRA, 2017). Apenas no Rio de Janeiro e na Bahia (SERRA,
2011) os acervos permaneceram em posse das instituições policiais.
Desde a segunda metade do século XX, movimentos de ter-
reiros e negros engajaram-se em busca da reparação histórica em
torno “Coleção Magia Negra”. Os movimentos lutavam pela retirada
dos objetos sagrados e acondicionamento em outro espaço cultural
ou mesmo a devolução aos terreiros de onde foram violentamente
usurpados (ALVES, 2020). Contudo, os valorosos movimentos não
conseguiram o propósito e a coleção permaneceu em posse da insti-
tuição policial até a segunda década do século XXI.
Em busca da realização desta antiga demanda nasceu a campanha
“Liberte Nosso Sagrado”. Ao realizarmos a divulgação da campanha
via internet, nos terreiros e panfletagens nos deparamos com um
grande desconhecimento de religiosos, militantes do movimento negro
e dos direitos humanos. Muitos não sabiam da existência do acervo
e a perseguição institucional das religiões de matrizes africanas no
Brasil República. É nesse desconhecimento e apagamento que nasceu
a ideia da produção de um documentário para contar essa história da
perseguição às religiões e também servir de instrumento de divulgação,
de pressão e de contribuição pela reparação da coleção sagrada.
Desde seu lançamento o filme foi requisitado para diversas
atividades como cine-debates, rodas de conversas, aulas, palestras,
entre outras. Mas, sobretudo atividades em escolas para os seguintes

247
objetivos: atividades para promoção da lei 10639/200357, educação
antirracista, valorização das religiões de matrizes africanas, combate
ao racismo religioso e promoção do pluralismo religioso nas escolas.
Como professor de História e um dos diretores do filme recebi diversos
convites de muitos docentes relatavam sobre os sucessivos casos em
sala de aula de manifestações desabonadoras e preconceituosas contra
as religiões afro-brasileiras.
Nesse presente artigo abordo a minha experiência em ativi-
dades de exibição do filme “Nosso Sagrado” em escolas privadas e
públicas do estado do Rio de Janeiro. A partir da prática pedagógica
da utilização do audiovisual como recurso didático essencial na edu-
cação contemporânea. Iniciarei abordando as concepções acerca do
uso do cinema nas salas de aula como prática de ensino. Em seguida,
analiso as experiências de rodas de conversa nas salas de aula que
foram positivas e engrandecedoras.

CINEMA E EDUCAÇÃO

O cinema ou audiovisual têm sido nos últimos anos um recurso


didático comumente utilizado nas salas de aula de todos os segmentos
educacionais. A cada dia os docentes têm buscado novas metodologias
e recursos didáticos para auxiliar no ato de lecionar. Por meio delas é
possível motivar os estudantes e proporcionar um maior engajamento
com os conteúdos trabalhados na sala de aula além da possibilidade
da perspectiva interdisciplinar. Ainda mais com o novo fenômeno
das plataformas de streaming58.

57
Lei no 10.639 foi aprovada pelo Congresso Nacional em 2002 e sancionada em janeiro de 2003. A
legislação estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede
de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”. A lei busca reparação
para a população negra, que durante anos foi negligenciada nos currículos escolares e nasceu a partir de
uma longa luta dos movimentos negros ao longo do século XX.
58
As plataformas de streamings são sites de transmissão de conteúdo audiovisual ou podcasts que são
acessos por celulares, tablets ou smartphones. Onde o assinante pode assistir filmes, séries, novelas entre
outros conteúdos.
248
Lauro António (1998), o cinema é proprietário de algumas
propriedades que são fundamentais e acessíveis para a utilização como
recurso didático pelos docentes: a) as acessibilidades – são fáceis de ser
transportados e de baixo valor; b) despertar de interesses- a capacidade
de provocar atenção e curiosidade nos estudantes; c) prazer- o cinema
gera nos educandos uma concentração e uma atenção e d) a necessidade
– o cinema atende a uma das necessidades da atualidade do processo
de ensino que é trabalhar como múltiplas fontes de conhecimento
para além do livro didático (ANTÓNIO, 1998).
O autor aborda essas propriedades que fazem do cinema um
instrumento que consegue atrair os alunos pelo prazer que desperta.
O audiovisual também consegue ser de fácil acesso para os docentes e
para escolas e apresentar uma fonte de saber e conhecimento para além
do livro didático. Não é uma superação do livro como recurso didático,
pois o livro é insubstituível. Contudo é a utilização de outros recursos
para além do livro didático contribuem para complementar como outras
fontes de conhecimento tecnológicas e inovadoras do século XXI.
Para Logger (1965), o cinema tem uma capacidade profícua de
produzir interesse e engajamento em todos os envolvidos no processo,
mas principalmente nos jovens e adolescentes, pois é uma manifes-
tação cultural de grande importância e popularidade no mundo con-
temporâneo. A novas gerações estão em um profundo contato com o
audiovisual. É utilizando dessas características de um ativo cultural
de grande adesão dos jovens e adolescentes, que o professor busca ao
trazer para sala de aula o cinema e fazer dele um recurso para educação.
O cinema tem outras características importantes para ade-
são dos educandos, pois é uma manifestação cultural que utiliza de
áudio e imagem. O primeiro contribui para despertar através do
som, das músicas e das múltiplas sensações provocadas pelo som. E
as imagens contribuem não apenas para apresentar cenários, paisa-
gens, lugares, entre outras muitas vezes desconhecidos pelo público.
Quando já de conhecimento os filmes conseguem trazer imagens a
249
partir de distintos prismas e olhares. Dessa forma visão e audição
são estimulados cognitivamente.
Segundo Romagnani (2008), o cinema é um recurso pedagógico
fundamental na contemporaneidade. A autora desenvolve uma proposta
a prática docente pode utilizar esse recurso de uma forma proemi-
nente. O modelo desenvolvido é estruturado em quatro momentos:
a) escolha do filme; b) planejamento; c) exibição e d) debate. Todos
os momentos são importantes para que a interlocução cinema e ensi-
no-aprendizagem sejam frutíferos. Os professores nas atividades em
que participei seguiram esses momentos enunciados para exibição do
“Nosso Sagrado”. A prévia construção contribui para o recurso não seja
apenas um momento isolado, mas parte do planejamento do ano letivo.
O ato de exibição é potente, pois desperta nos estudantes refle-
xão, imaginação e questionamentos. O debate posterior à exibição é
o lugar propício para que todas as sensações, indagações e interações
provocadas pela película possam ser enunciadas pelos estudantes na roda
de conversa. É nesse momento em que os estudantes contribuem de
maneira sólida para um amplo debate sobre a temática. Como aponto
mais a frente às impressões são distintas, mas sempre contribuem para o
enriquecimento. E a partir do docente apontar para os objetivos da aula.
O cinema contribui a partir da escolha do filme para ensejar
temas transversais na sala de aula, como: direitos humanos, intole-
rância religiosa, racismo, xenofobia, entre muitos outros. Ao assistir
ao filme, os alunos reconhecem problemas e questões cotidianas. E se
auto reconhecem ou reconhecem amigos, conhecidos, familiares ou
histórias na rede de proximidades em que partilham de vivências ou
experiências similares (MORIN, 2002).
Edgar Morin (2002) intitula esse processo como projeção/
identificação, pois é quando os estudantes se colocam no lugar do
outro. As narrativas veiculadas pelo filme desperta uma abertura, o
qual Morin (2002) denomina como “abertura subjetiva em relação
ao outro”. Provocando uma sensibilização daqueles que não vivem
250
cotidianamente as questões abordadas no filme. No caso, os estudantes
cristãos não acostumados a passar por situações de intolerância religiosa,
são afetados primeiramente pela história de perseguição as religiões de
matrizes africanas do documentário. No debate pós-filme esse afeto
provocado pelo filme ganha mais camadas a partir dos depoimentos
dos educandos que sofrem no dia a dia o racismo religioso.
Portanto, é nessa identificação que muitos estudantes nas rodas
de conversa apresentam situações vividas e experiências e apresentam
no momento pós-filme, quando se abre um espaço para as interven-
ções. Nas minhas experiências a partir de uma película, que aborda as
religiões afro-brasileiras são os estudantes adeptos da Umbanda e do
Candomblé se identificam de maneira mais profunda e trazem questões
da vivência religiosa do ethos para o centro de debate. Desse modo, os
estudantes alheios a essa vivência entram em contato com distintas
experiências religiosas, mas dessa vez não de pessoas desconhecidas às
quais assistiram no filme, mas dos seus amigos de sala de aula.

EXPERIÊNCIAS NO CHÃO DE SALA

Ao longo dos três anos realizando exibição do documentário


“Nosso Sagrado” procedido por rodas de conversas com os estudantes
inúmeras experiências exitosas. Dessa maneira, quero analisar algumas
delas para refletir sobre como o cinema pode ser um potente instru-
mento de combate ao racismo religioso no contexto escolar.
A diversidade das escolas em que participei das atividades revela
que em diferentes contextos sociais, raciais, de classe, etário e território
os resultados foram no mesmo sentido de produção de um olhar crítico
ao racismo religioso. O universo de instituições educacionais é desde
escolas federais, como Colégio Pedro II59, escolas da rede estadual,
escolas municipais, escolas privadas, entre outros. Em diversas regiões

59
Atividade de exibição do filme “Nosso Sagrado” procedida por uma roda de conversa com os estu-
dantes do Colégio Pedro II, campus São Cristóvão, em 2018. Disponível em: <http://www.cp2.g12.br/
blog/saocristovao2/2018/11/14/neab-exibira-documentario-no-mes-da-consciencia-negra-em-scii/>.
Acesso em: 24 ago. 2022.
251
do estado do Rio de Janeiro passando por Baixada Fluminense e
chegando até na região Centro-Sul. Em escolas técnicas, em turmas
de Educação Para Jovens e Adultos, Ensino Fundamental e Médio.
Na maioria desses contextos a maioria dos estudantes eram
católicos ou evangélicos, portanto, muitos compartilhavam de um
desconhecimento acerca das religiões afro-brasileiras ou mesmo de
traços de intolerância religiosa. Apenas em duas ocasiões estudantes
cristãos se recusaram a assistir, por motivos de preconceito. Após a
exibição do filme eu questionava aos estudantes sobre quais eram suas
religiões. Em todas as atividades estudantes pertencentes as religiões
cristãs eram maioria seguido por alguns alunos kardecistas e poste-
riormente umbandistas e candomblecistas.
Após eu fazer uma fala a respeito do processo histórico de
perseguição as religiões afro-brasileiras e da temática abordada no
filme e abria para as falas dos educandos. Nesse momento as falas
dos estudantes dividiam-se em três linhas: a primeira linha era de
questionamentos que versavam sobre o senso comum envolto em
racismo sobre as religiões afro-brasileiras; a segunda de cristãos ou
ateus indignados com a perseguição e com a intolerância religiosa e a
terceira de indignação e acolhimento para com a perseguição do pas-
sado e atual contra as religiões de matrizes africanas em sua maioria
de estudantes adeptos das religiões afro-brasileiras.
A primeira linha de intervenção evidenciava o processo histórico
de demonização das religiões afro-brasileiras desde a chegada dos pri-
meiros africanos escravizados no Brasil potencializado desde os 1980
pela campanha racista em especial dos evangélicos neopentecostais60
contra as religiões minoritárias e negras. Eram perguntas como: “É
verdade que Exu é demônio?”, “Porque as pessoas dessas religiões
fazem trabalho para desejar o mal para as pessoas”, “Porque matam
os animais?”, entre outros questões no mesmo sentido.

60
O Bispo e fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, Edir Macedo escreveu um livro intitulado
Orixás, Caboclos e Guias: Deuses ou Demônios? Em que expõem uma série de ataques levianos, racistas e
intolerantes contra as religiões de matrizes africanas e associando com religiões demoníacas. O livro chegou
a ser proibido de circular e ser publicado por uma decisão judicial, que depois foi revertida nos tribunais
superiores. Trago esse livro para ilustrar o duro processo de racismo religioso ainda em voga no Brasil.
252
Em algumas dessas questões eram introduzidas por histórias
do universo pessoal de uma mãe ou um familiar que foi no pretérito
praticante das religiões. Dessa forma, o educando buscava afirmar que
suas informações eram oriundas de alguém de grande proximidade,
portanto não eram invenções ou histórias banais. Nesse momento
buscava responder de maneira didática e a partir de exemplos sobre a
liturgia, os preceitos e os princípios das religiões de matrizes africanas.
Nesse sentido utilizava dos questionamentos para discorrer
sobre as religiões afro-brasileiras de maneira simples, mas efetiva
sobre as questões no campo teológico e histórico. Também aprovei-
tava para dissertar sobre como o desconhecimento é um catalisador
da discriminação e da intolerância religiosa. Utilizava de exemplos
das práticas religiosas cristãs para exemplificar similaridades com as
práticas de matrizes africanas. Aproximando as religiões concebidas
pelo senso comum como “antagônicas”, contudo que partilham de
práticas comuns em diversas religiões.
Nesse momento eu não atuava sozinho os docentes presentes
também contribuíam nessa ação de abordar sobre como as religiões
afro-brasileiras são religiões como as demais e no processo desafiador de
desconstruir o senso comum embebidos em preconceito e intolerância
religiosa. E nesse momento também os estudantes candomblecistas e
umbandistas interviam apresentando a partir dos seus saberes cons-
truídos nos terreiros sobre as informações equivocadas.
Dessa maneira, compreendo esse momento como o mais pro-
fícuo, pois os educandos tornavam-se agentes do processo de ensino-
-aprendizagem. Nesse momento saía de campo a minha figura e dos
professores enquanto os “detentores do saber”, na visão tradicional
da Educação, e entrava em campo os estudantes como emissores de
conhecimento e saberes. Essa inversão dos lugares hierarquizados e
pré-concebidos dos espaços de ensino é transgressora. Era a partir das
experiências e vivências dos estudantes que as informações racistas
acerca das religiões eram desconstruídas a partir dos próprios religiosos.
A tomada de fala pelos estudantes das religiões afro-brasileira
configura em um importante processo de lugar de fala. Nos termos de
253
Djamila Ribeiro (2017) é a defesa de que as narrativas são permea-
das pelas experiências vividas e experimentadas pelos sujeitos. Dessa
forma como a sociedade é hierarquizada e diversos marcadores de raça,
econômicos, de gênero, de orientação sexual, entre outros posicionam
os indivíduos. O lugar de fala determina uma consciência discursiva
sobre esse lugar de vivência dos sujeitos. Portanto a fala dos sujeitos
vítimas de processos sociais como racismo, machismo, intolerância
religiosa têm importância, pois além de serem silenciados. É olhar
para quem é o enunciador do discurso.
Nesse sentido, as atividades capitaneadas a partir da exibição
do documentário desperta nos estudantes pertencentes a uma fé
minoritária e historicamente discriminada tomam o lugar público.
Compreendendo a escola como espaço público em que muitas iden-
tidades podem desabrochar, porém essas identidades só emergem
em contextos favoráveis, harmônicos e sensíveis. É nesse sentido, que
defendo que atividades tais como das rodas de conversas, após a exibição
do filme, produzem esses contextos favoráveis para que identidades
sejam agenciadas no espaço escolar.
Segundo Stela Caputo (2012) em seu livro clássico Educação Nos
Terreiros: E Como A Escola Se Relaciona Com Crianças De Candomblé, no
campo dos estudos das religiões afro-brasileiras versa sobre as crianças
de religiões afro-brasileira e os sucessivos casos de intolerância religiosa
sofridas no espaço escolar. Nesse sentido a pesquisadora Stela Caputo
(2012) aborda como o espaço escolar é em muitos casos um lugar
extremamente opressor para as crianças de axé, que acabam obrigadas
a esconder seu segmento religioso, seus conhecimentos, seus saberes,
para evitar sofrer atos discriminatórios não só por colegas de classe,
como também por professores e demais profissionais da educação61.
Em meio a roda de conversa ou em conversas posteriores estu-
dantes umbandistas ou candomblecistas revelavam para mim ou para

61
Esse caso de um estudante de 12 anos proibido de entrar na escola com as suas guias (colares sagrados
para os praticantes das religiões de matrizes africanas). Esse caso evidencia como em determinados
contextos escolares o racismo religioso produz efeitos deletérios. Disponível em: <https://g1.globo.com/
rio-de-janeiro/noticia/2014/09/aluno-e-barrado-em-escola-municipal-do-rio-por-usar-guias-do-can-
domble.html> Acesso em: 24 ago. 2022.
254
seus docentes que naquela atividade foi a primeira vez em que falaram
sobre a sua fé religiosa nas escolas e que nunca tinham compartilhado
de ambiente confortável em que pudessem falar sobre essas vivências e
experiências religiosas. Pois ao falar temiam ser vítimas de preconceito,
de racismo recreativo, racismo religioso e demais ações no escopo do
bullying que são muito comuns no âmbito do universo escolar.
Essas revelações dos estudantes reforçam o que Favret Saada
(2005), afirma em seu o artigo “Ser afetado”. a situação exposta pela
autora em seu trabalho de campo na África apresenta algumas seme-
lhanças com as rodas de conversas e cine-debates em especial a partir
dos educandos adeptos de religiões afro-brasileiras. foi a partir desse
conceito ser afetado os educandos olhar mais afetuoso e perspicaz
para determinadas questões no trabalho de campo e na observação
participante as quais não conseguia nisso. Portanto, ser afetado permitiu
novos olhares e sentimentos com as minhas interlocutoras.
Como se vê, quando um etnógrafo aceita ser afetado,
isso não implica identificar-se com o ponto de vista
nativo, nem aproveitar-se da experiência de campo
para exercitar seu narcisismo. Aceitar ser afetado supõe,
todavia, que se assuma o risco de ver seu projeto de
conhecimentos e desfazer. Pois se o projeto de conhe-
cimento for onipresente, não acontece nada. Mas se
acontece alguma coisa e se o projeto de conhecimento
não se perde em meio a uma aventura, então uma etno-
grafar é possível. Ela apresenta, creio eu, quatro traços
distintivos: (FAVRET-SAADA, 2005 p. 160)

O afeto e a relação em que a temática das religiões minoritá-


rias e inviabilizadas é abordado nas atividades permitiu um espaço
confortável para que os estudantes pudessem expor questões íntimas,
que nunca antes foram expostas. Contudo, acredito ter seguido em
certa medida o que Favret –Saada (2005) defende em seu artigo, ser
afetado e afetar os educandos não apenas os educandos que falaram
abertamente sobre as suas religiões e experiências, mas os demais

255
adeptos de outras religiões também foram afetados com os relatos
nunca antes ouvidos de seus amigos de turma.
O desabrochar do afeto em atividades como as analisadas nesse
artigo são fruto de um ambiente escolar e também dos currículos que
são eurocêntricos e ancorados na história, na teologia e nas perspectivas
com base judaico-cristã. Dessa forma, excluem a diversidade religiosa
como a diversidade cultural. O que contribui diretamente para que
os estudantes não pertencentes às religiões não pertencentes à matriz
judaico-cristã sintam-se deslocados e excluídos. Ao realizar uma
atividade que contempla suas identidades silenciadas a reposta vem
em forma de afeto e engajamento.
É importante sinalizar que a lei 10639/2003 configurou um
grande avanço para mudança dos currículos escolares que excluíam
a cultura afro-brasileira, a história da África e das culturas africanas
e afro-brasileiras. Entretanto, a lei ainda é pouco aplicada. Uma das
razões para implantação plena da lei é a resistência por parte de funda-
mentalistas religiosos cristãos, com base no racismo religioso. Apenas
para guia de exemplo, a pastora evangélica e ex-ministra da Mulher,
da Família e dos Direitos Humanos Damares Alves em palestras
antes de ocupar o cargo de ministra denunciou que “distribuíam Kit
Macumba”62, nas escolas e associando de maneira leviana as religiões
de matrizes africanas com atividades demoníacas (MOURA, 2019).
Nesse sentido, a experiência têm sido exitosa por produzir uma
atividade pedagógica em que todos os participantes de fato ensinam
e aprendem. O que produz uma prática educação verdadeiramente
polifônica, envolvendo docentes, discentes, palestrantes em uma ação
participativa. Portanto, quero defender que nesse processo educacional
descrito todos os participantes são afetados, principalmente a partir dos
recursos didáticos se sensibiliza a todos e, pelas revelações e declarações,
os estudantes que vivem em seu cotidiano situações de discriminações
similares as narrativas expostas no documentário.

62
Disponívelem:<https://www.reddit.com/r/brasil/comments/aqvrgu/em_v%C3%ADdeo_dama-
res_denuncia_kit_macumba_nas_escolas/>. Acesso em: 24 jul. 2022.
256
CONSIDERAÇÕES FINAIS

O cinema assim como outros recursos didáticos tecnológicos são


instrumentos importantes de auxílio no processo de ensino-aprendi-
zagem. Pois têm possibilitado despertar nos estudantes um interesse
por temas relevantes, como produzir interesses que muitas vezes a aula
tradicional não consegue promover. Ou seja, não há uma clivagem entre
a aula tradicional e aula com um cine-debate ou roda de conversa, elas
são complementares. Contudo, o cinema como afirma Romaganani
(2008) têm características singulares para motivar os educandos.
A realização da exibição procedida por uma roda de conversa
produz um espaço de acolhimento e confortável para os educandos
fazer intervenções e falar sobre temas sensíveis. Especialmente aqueles
pertencentes aos grupos minoritários, que se sentem acolhidos para
falar das suas vivências e experiências, que produz um processo de
identificação com àqueles que não vivem contextos de opressões, dis-
criminação ou intolerância religiosa. A fala dos praticantes das religiões
afro-brasileiros contribui para a produção de uma aula polissêmica e
com participação de diversas vozes e não apenas dos docentes.
E o mais importante nessas mais de quatro dezenas de ativida-
des realizadas ao longo dos 4 anos é o despertar do afeto. Como os
alunos sentem-se em um espaço de conforto para falar sobre questões
íntimas que nunca antes foram compartilhadas no espaço escolar. O
que aponta como é possível construir em conjunto professores e alunos
lugares afetivos de acolhimento e que os alunos podem tomar o lugar
de falar e a conscientização do acerca do racismo religioso.

REFERÊNCIAS
ALVES, Luiz Gustavo Guimarães Aguiar “Liberte Nosso Sagrado”: as disputas de uma
reparação histórica / Luiz Gustavo Guimarães Aguiar Alves; Marina Annie Martine Berthet
Ribeiro, orientadora. Niterói, 2021.
ANTÓNIO, Lauro. O Ensino, O Cinema e O Audiovisual. Porto: Porto Editora, 1998.

257
CAPUTO, Stela Guedes. Educação nos terreiros: e como a escola se relaciona com crianças
de Candomblé. Rio de Janeiro: Pallas, 2012.
FAVRET-SAADA, J. Ser afetado (tradução de Paula de Siqueira Lopes). Cadernos de
Campo, n. 13, p. 155-161, 2005.
LOGGER, Guido. Educar para o cinema. Florianópolis: Vozes, 1965.
MAGGIE, Yvonne. O Medo do Feitiço: Relações entre Magia e Poder no Brasil. Rio de
Janeiro: Arquivo Nacional, 1992.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2002.
MOURA, F. P. de. O Escola Sem Partido contra o país que não está no retrato. ANPUH-
-BRASIL- 30° Simpósio Nacional de História- Recife, 2019.
PEREIRA, Pamela de Oliveira. Novos olhares sobre a coleção de objetos sagrados afro brasi-
leiros sob a guarda do museu da polícia: da repressão à repatriação. (Dissertação de Mestrado
em Memória Social). Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.
RIBEIRO, Djamila. O que é: lugar de fala? Belo Horizonte: Letramento, 2017.
ROMAGNANI, Patricia. Cinema em cena. REVISTA A&E: atividades e experiências,
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Disponível em: <https://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2014/09/aluno-e-barrado-em-
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Disponívelem: <https://www.reddit.com/r/brasil/comments/aqvrgu/em_v%C3%ADdeo_
damares_denuncia_kit_macumba_nas_escolas/>. Acesso em: 24 jul. de 2022.

258
RELATO DE EXPERIÊNCIA: REFLEXÕES
SOBRE O PRODUTIVISMO ACADÊMICO,
AVANÇOS E DESAFIOS

Tânia Aparecida Soares63

INTRODUÇÃO

Como uma supervalorização da intensificação do resultado das


políticas mercantilistas, o produtivismo acadêmico se encontra envolto
pela precariedade identificada na elaboração dos trabalhos acadêmicos,
colocando as instituições de ensino superior (universidades e centro
universitários) e os programas de pós-graduação lato sensu e stricto
sensu à margem da produção do conhecimento científico enquanto
direito social, na esfera nacional.
Ao se propor refletir sobre os avanços e desafios postos pelo
produtivismos (da herança fonética prudutiˈviʒmu)64 acadêmico,
como uma ideologia que considera o aumento da produção, se torna
pertinente contemplar condicionantes com aspectos norteadores que
sustente o tema proposto nesse trabalho, elaborado como um relato
de experiência, com diferentes perspectivas de análise.
O Maratona Doutoral Virtual de responsabilidade do PPGENT
– Programa de Pós-Graduação em Educação e Novas Tecnologias
– UNINTER65, compreende três etapas sendo uma proposta de
Docência Orientada (Edição e Revisão de Revista Científica)66 com

63
Doutora e Mestre em Educação e Novas Tecnologias (UNINTER). Integrante do Banco de Avaliadores
do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (BASis/MEC).
CV: http://lattes.cnpq.br/3766241525353282
64
Informações sobre o produtivismo disponíveis em: produtivismo | Definição ou significado de
produtivismo no Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa (infopedia.pt). Acesso em: 27 set. 2022.
65
Informações disponíveis em: Programa de Pós-Graduação em Educação e Novas Tecnologias – Mes-
trado e Doutorado (uninter.com). Acesso em: 27 set. 2022.
66
As orientações das Maratona Doutoral Virtual estão disponíveis em: disponíveis em: AVA UNIVIR-
TUS (uninter.com). Acesso em: 27 set. 2022.
259
a conclusão de um crédito, uma proposta de Inserção Social opor-
tunizando o (re) conhecimento dos contextos sociais (educacionais)
e uma proposta de vivência no laboratório de tecnologias, possibili-
tando o desenvolvimento de ferramentas e de serviços tecnológicos,
com base em um plano de negócios.
Embora ciente do cumprimento de cada uma das três etapas
como universo da proposta, como amostra, esse relato de experiência
é resultado da realização da prática proposta pela Docência Orientada
(Edição e Revisão de Revista Científica), primeira etapa do Maratona
Doutoral Virtual como requisito parcial e conclusão de um crédito do
Programa de Doutorado Profissional em Educação e Novas Tecnologia
ofertado pelo Centro Universitário Internacional UNINTER, o qual
me encontro vinculada enquanto doutoranda.
A proposta de Docência Orientada (Edição e Revisão de Revista
Científica), programada para acontecer em três etapas no período de
02/04/2021 a 01/05/2021, foi fixada no Ambiente Virtual de Apren-
dizagem (AVA Univirtus), software aplicativo, desenvolvido por uma
equipe própria do Centro Universitário Internacional UNINTER,
procurando se valer dos recursos que o ambiente disponibiliza enquanto
um repositório de conteúdo digital e uma ferramenta virtual.
A proposta de Docência Orientada (Edição e Revisão de Revista
Científica), programada para acontecer em três etapas no período de
02/04/2021 a 01/05/2021, teve por objetivo, experenciar no decorrer
da Docência Orientada os trâmites do processo de análise de um
artigo científico enquanto parecerista de uma Revista.
Ao proporcionar uma visão ampla do tema proposto, o objetivo
geral, sinaliza os pontos principais que a pesquisa pretende contribuir,
ou seja, visa dar resposta ao problema central da pesquisa, se valendo
de algo que careceu ser investigado, tendo por certo ser essa uma pro-
posta que buscou dialogar com teóricos para responder a problemática
identificada na elaboração desse trabalho de relato de experiência. Para
tanto, se fez necessário compreender que todo trabalho científico deve
260
atender as normas quando submetido a publicação. Sendo assim nos
leva a questionar se: a elaboração dos trabalhos científicos, apresentam
em sua estrutura o rigor dos métodos e técnicas de investigação esta-
belecidos pelas normas da ABNT – NBR 6023 de 2002, independente
da abordagem do pesquisador quando publicados?
Essa indagação, possibilitou ampliar a visão acerca dos objeti-
vos propostos, ao percorrer os passos da pesquisa bibliográfica com
o “propósito de proporcionar maior familiaridade com o problema,
com vistas a torná-lo mais explícito” e pelo fato de que essa proposta
metodológica se caracteriza pelo “estudo desenvolvido com base em
material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos”,
proposta por Antônio Carlos Gil (2010, p. 27).
Visando atender o tema apresentado, buscou dialogar com Moysés
Kuhlmann Jr. (2015), Romualdo Portela de Oliveira (2015), Lucídio
Bianchetti e Ana Maria Netto Machado (2007) e Madel Therezinha
Luz. (2005), Bernardete Gatti (2001) Renato Ortiz (1983) e Aparecida
Joly Gouveia (1971), para apresentar uma reflexão acerca do produti-
vismo acadêmico, avanços e desafios. Ao termo, apresentou um relato de
experiências enriquecida pela etapa 1 – roda de conversa, etapa 2 – plano
de ação e a etapa 3 – desenvolvimento da prática, que possibilitaram a
elaboração de um parecer, resultante da análise de um artigo científico
e desse trabalho como um relato de experiência. Os resultados, fruto do
cotejamento das contribuições de cada etapa, levaram as considerações
finais e as referências, utilizadas na estrutura do trabalho.

O PRODUTIVISMO ACADÊMICOS: CAMINHOS


E DESAFIOS

O autor Moysés Kuhlmann Jr.67 ao tratar do produtivismo aca-


dêmico como causa primordial dos males que afetam a produção da
pesquisa, considera que esse termo “produtivismo, valoriza apenas a

Pesquisador da Fundação Carlos Chagas – FCC, São Paulo, Brasil; Professor da Universidade Católica
67

de Santos - Unisantos, Santos, São Paulo, Brasil; mkj@fcc.org.br. Acesso em: 27 set. 2022.
261
quantificação de produtos” (2015, p.839)68, servindo-se aqui um certo
descaso para com a formação dos futuros pesquisadores e em relação
a qualidade das possíveis pesquisas geradas, dentro de uma proposta
metodológica para avaliação dos periódicos científicos, onde a perio-
dicidade e/ou atualização, internacionalização, origem e distribuição
geográfica dos autores, se apresente como fator de impacto.
O autor Renato Ortiz (1983) foi preciso em suas argumenta-
ções sustentadas pelo francês Pierre Bourdieu (1979), que nas teorias
pedagógicas (apresentadas na década de 1970 a 1980), trazidas por
um viés sociológico do conhecimento, identificou a existência do
domínio em relação a reprodução de valores, imersos nas amarras
do “jogo da pesquisa”, como um monopólio da pesquisa científica,
orientados por uma política de avaliação, ao se referir que o “campo
científico, é um campo social como outro qualquer, cheio de relações de
força, disputas e estratégias que visam beneficiar interesses específicos
dos participantes deste campo”.
Segundo Ortiz (1983), as teorias de Bourdieu (1979) são
exemplificadas pelo resgate, pelas mudanças e por uma constante
adaptação do indivíduo na sociedade envolto em um campo ético-
-político “que permite passar por científica uma forma neutralizada
e eufêmica, particularmente eficaz simbolicamente porque parti-
cularmente irreconhecível da representação dominante do mundo
social” (Ortiz, 1983, p. 148).
Moysés Kuhlmann Jr, não se refere diretamente a questões éticas
em suas considerações, mas sim, fala sobre política de avaliação da
pesquisa que valoriza apenas a quantificação de produtos, atentando-se
aos cuidados para evitar o seu emprego de forma genérica e imprecisa.
Segundo o autor Moysés Kuhlmann Jr, o termo produtivismo,
“referir-se-ia a uma dada política de avaliação e não à prática dos
avaliados”, e ainda, que estaria diretamente relacionado a “política

Informaçõesdisponíveisem:CadernosdePesquisa-PrintversionISSN0100-1574On-lineversionISSN198
68

0-5314. Acesso em: 27 set. 2022.


262
de avaliação que contabiliza a produção apenas pelos seus números”,
ou seja, segundo o autor seria apenas “um modelo de avaliação que
considera somente a quantificação de dados de produção, relacionada
a escalas dos veículos em que se publica nas Revistas Qualis Capes
A1, B2, B3” (2015, p. 841), dentre outras como a que apresenta menor
pontuação como é o caso da classificação “C”69, mesmo que essa clas-
sificação esteja dentro do padrão Qualis Capes.
Em atenção as publicações em periódicos estrangeiros, a Capes
adota indicadores bibliométricos, como forma de viabilizar compara-
ções com periódicos nacionais. O termo “Qualis”, considerado como
um conjunto de procedimentos utilizados pela CAPES, utilizados na
avaliação de oferta dos programas de pós-graduação e para atender o
padrão de qualidade da produção intelectual, atribui-se um “estrato”
a cada periódico que representa um somatório de pontos para cada
artigo nele publicado (CAPES, 2021)70.
O autor Moysés Kuhlmann Jr. fala do chamado “movimento do
acesso aberto, que conta, nos países latinos, com a importante iniciativa
da Scientific Electronic Library Online – SciELO”71 (Idem, p. 846).
Segundo o autor esse movimento que envolveu várias editoras com
uma promessa lucrativa e uma proposta de alavancar as publicações,
tentou ganhar espaço junto a Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior - Capes72, porém sem sucesso.
É do autor Romualdo Portela de Oliveira (2015), como repre-
sentante da área de educação na Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior – Capes, apresentou reflexões, afirmando que:
Uma das críticas mais disseminadas à avaliação da
Capes é que ela estimula o chamado produtivismo
acadêmico. Isso me parece equivocado, pois o contrário

69
Os padrões de qualidade Qualis Capes estão disponíveis em: Qualis Capes: entenda o que é, como
funciona e como consultá-lo (even3.com.br). Acesso em: 27 set. 2022.
70
O Portal Sucupira fornece informações detalhadas sobre os periódicos CAPES, disponível em: Pla-
taforma Sucupira (capes.gov.br). Acesso em: 27 set. 2022.
71
Scientific Electronic Library Online – SciELO estão disponíveis: SciELO.org. Acesso em: 27 set. 2022.
72
Informações disponíveis em: CAPES-Português (Brasil) (www.gov.br). Acesso em: 27 set. 2022.
263
do produtivismo é o improdutivismo e nós na área
de educação não defendemos isso. Mais apropriado
seria dizer que o modelo de avaliação atual estimula a
produção em quantidade.

Sobre o “produtivismo acadêmico” mencionado por Romualdo


Portela de Oliveira (2015), Moysés Kuhlmann Jr, fala sobre a possibi-
lidade de separar a “política de avaliação, da [...] adesão indiscriminada
aos critérios dessa política”, o que não desconsidera a simultaneidade,
a cumplicidade dessa política produtivista que se por um lado existe
uma ascendente pressão por publicações em larga escala, por outro
lado a “publicação indiscriminada” assume seu papel tirando de cena, os
merecidos “resultados” trazidos pela seriedade de “estudos e pesquisas”
(2015, p. 841-842). A autora Bernardeti Gatti (2001), acentua essas
colocações ao afirmar que “os problemas não são poucos, tanto de um
lado como de outro, o que nos leva a pensar na precária formação que
tivemos e temos, para uso e crítica tanto dos métodos ditos quantita-
tivos como dos qualitativos” (p. 75-76).
O autor Moysés Kuhlmann Jr. (2015) em seu artigo Produtivismo
acadêmico, publicação em periódicos e qualidade das pesquisas73, faz
uma breve reflexão sobre a prática da publicação em periódicos pelas
editoras comerciais. Vai além ao enfocar que sobre a “existência de
chamadas para a publicação de trabalhos em decorrências de grandes e
consideradas organizações dos congressos nacionais e internacionais e
que toda publicação requer um investimento financeiro” (p. 843-848).
Moysés Kuhlmann Jr. argumenta sobre o os interesses econômicos
das editoras, que essa prática de publicação “transformou-se em fonte
de lucros cada vez maiores”. Vai mais além ao afirmar que essa prática
atribuída as editoras, “sugerem a prática de um cartel internacionali-
zado, que constrange a comunidade científica”. Explica Kuhlmann Jr.
(2015), que as companhias e/ou editoras, ao aderir a essa prática,
além de adotar “padrões homogeneizados”, passa a determinar que as
A íntegra do artigo está disponível em: Produtivismo acadêmico, publicação em periódicos e qualidade
73

das pesquisas (scielo.br). Acesso em: 27 set. 2022.


264
bibliotecas se submetam a desproporcionalidade de valores impostos
“aos quais as bibliotecas universitárias e as agências governamentais
precisam se submeter” (p. 845).
Moysés Kuhlmann Jr. apresenta também ponderações sobre o
aumento dos custos de produção e na autonomia dos periódicos. Ele
até menciona que uma publicação requer gastos, requer orçamento
elaborado pelas instituições sérias que prezem por publicar o avanço
da ciência, conquistas engendradas pelo conhecimento.
No entanto, Kuhlmann Jr. explica que para a publicação de tra-
balhos as instituições precisam de alguma forma resolver esse empasse
financeiro, ou “seja nas associações, em que as anuidades se direcionam
em grande parte para a manutenção desses custos, seja nas instituições,
que destinam verbas do seu orçamento” (Idem, p. 845).
O autor Moysés Kuhlmann Jr. (Idem, p. 847) vai mais além,
ao questionar quando de uma publicação quem vai arcar com cus-
tos de revisão e/ou tradução. E até chega a mencionai como exem-
plo que o “portal SciELO, agora, incorre em custos para o envio da
revista em nova linguagem XML”74.
Moysés Kuhlmann Jr, apresenta sua indignação sobre a emissão,
de “um DOI”, que ao solicitar sua emissão “implica custos”. E ainda,
acrescenta que ao “utilizar o programa antiplágio X ou Y, recomendado,
custa”, que essa dinâmica de publicação, se constrange a “circulação
do conhecimento científico” (Idem, p. 847).
A cada nova etapa, segundo autor Moysés Kuhlmann Jr. se faz
necessário questionar os limites, a autonomia desse processo coercitivo
no “estabelecimento de políticas editoriais, com a ingerência externa”
(Idem, p. 848). Moysés Kuhlmann Jr. conclui, com enfoque visando e
ao mesmo tempo questionando a qualidade das pesquisas, pontuando
fatos históricos, pontuando também os obstáculos encontrados em

As informações estão disponíveis em: http://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/?item=%2bf7e9Ji2W-


74

wuN2JfBe94fNVmx4GoBF9kHEgDBxpzTxACsLhu0GLnWqouj3Rus6NYhb1xF7cqsoS1WuRknr-
99KMN%2fn17Rog3I2RdFgSYlFh%2fDD57HGk%2fVtwpPPLPF3Ddmkd9siYfqYjGUob3zpLE-
5Z0pxb9bmiaRVE3J0GohmlSH0%3d&id=4770258. Acesso em: 27 set. 2022.
265
processos de avaliação no cerne dos programas de pós-graduação. Para
os autores Lucídio Bianchetti e Ana Maria N. Machado (2007, p. 1):
A temporalidade com que ele era executado não tinha
muita importância. E hoje eu acho que tem uma inver-
são absoluta. A gente é prisioneira de uma temporali-
dade, prisioneira de uma produtividade, prisioneira de
um fluxo, e aquilo que é o próprio exercício da cons-
trução teórica, da construção do pensamento, que tem
totalmente outro tempo, porque é o tempo da criação,
hoje em dia isso não existe.

Sem julgamentos aparentes, Kuhlmann Jr. menciona que se ainda


por um lado “sobressai o alto índice de artigos submetidos aos perió-
dicos em que ocorre a rejeição”, por outro lado é muito preocupante
a quantidade de “artigos publicados em que se identificam problemas
quanto a questões teóricas e metodológicas, bem como com implica-
ções que ferem os procedimentos éticos” e até certo ponto questiona “a
confiabilidade das pesquisas realizadas nos programas de pós-gradua-
ção” (Idem, p. 848). A autora Bernardete Gatti (2001) acrescenta que:
No exame dos trabalhos constatamos algumas fragi-
lidades sob esta ótica que merecem ser apontadas. É
fundamental o conhecimento dos meandros filosóficos,
teóricos, técnicos e metodológicos da abordagem esco-
lhida. Sob esse ponto, há também alguns problemas
nos trabalhos de pesquisa na área educacional, tanto
nos que usaram quantificação quanto nos que usaram
metodologias alternativas. (GATTI, 2001, p. 75-76)

Moysés Kuhlmann Jr. ressalta em suas reflexões, que “a discussão


sobre a qualidade da pós-graduação e da pesquisa educacional é mais
antiga do que a existente hoje sobre o produtivismo acadêmico”, e
ao mesmo tempo justifica que essa não seria justificativa “da baixa
qualidade e da produção aligeirada” (Idem, p. 849).
A discussão sobre a qualidade dos programas de pós-gradua-
ções lato sensu stricto sensu e da pesquisa educacional é apresenta
pelas colocações de Bernardeti Gatti (2001), em que os problemas
266
arrolados em relação à qualidade, quando se é possível identificar na
produção a “[...], incapacidade de reconstrução do dado e de per-
cepção crítica de vieses situacionais, do desconhecimento no trato
da história e de estórias, precariedade na documentação e na análise
documental”. (GATTI, 2001, p. 75-76)
Ao questionar a qualidade e a seriedade dos programas de pós-
-graduação, Moysés Kuhlmann Jr. (2015) coloca em dúvida a qualidade
dos produtos resultantes de teses e de dissertações. Bernardete Gatti
(2001), provoca um questionamento ao perguntar se ao examinar cui-
dadosamente “as vertentes de pesquisa, a partir do que está produzido
na pesquisa educacional no Brasil, se há um domínio consistente de
métodos e técnicas de investigação, qualquer que seja a abordagem
em que o pesquisador se situa”. (GATTI, 2001, p. 75-76).
Pelas narrativas apresentadas por Bernardeti Gatti, nesse processo
se torna perceptível “ausência de consciência dos limites impostos
pelos dados, pelo modo de coleta, as possíveis interpretações. E, ainda,
interpretações empobrecidas pelo não domínio dos fundamentos do
método de análise empregado”. (GATTI, 2001, p. 75-76)
No artigo de Aparecida Joly Gouveia (1971), publicado no perió-
dico Cadernos de Pesquisa, apresenta de forma pontual a precariedade
estrutural trazida pelo avanço das pesquisas educacionais, onde a autora
comenta que “é pouco provável, porém, que a competência adquirida
nesses cursos se aplique à pesquisa educacional, caso as condições
institucionais, em que está se realiza, não forem modificadas”. (p. 16).
Enquanto Moysés Kuhlmann Jr., (2015), tece frustrações ao
relatar com indignação sobre as orientações descomprometidas nos
cursos de graduação e de Pós-graduação lato sensu e stricto sensu
“no qual o candidato à formação em pesquisa define sozinho o seu
objeto ou problema de investigação, e o trabalho de orientação quase
inexiste”, onde os resultados se revelam na péssima produção, na
baixa qualidade, “bem como o desgaste do trabalho de orientação,
que se desvia da consolidação de avanços na direção de um pro-
grama de pesquisas” (Idem, p. 849).

267
O diálogo com os autores como Moysés Kuhlmann Jr. (2015),
Romualdo Portela de Oliveira (2015), Lucídio Bianchetti e Ana Maria
Netto Machado (2007) e Madel Therezinha Luz. (2005), Bernardete
Gatti (2001) Renato Ortiz (1983) e Aparecida Joly Gouveia (1971), se
fizeram necessário para refletir sobre o produtivismo acadêmico, avan-
ços e desafios e contracenar com a experiência vivenciada na Docência
Orientada (Edição e Revisão de Revista Científica)75, do Maratona
Doutoral Virtual, que por meio da roda de conversa, da elaboração do
plano de ação e do desenvolvimento da prática que resultou em dois
produtos: a elaboração de um parecer, resultante da análise de um artigo
científico e desse trabalho como um relato de experiência.
Os traços narrados a seguir, permitem descrever passo a passo a
cada sessão, a participação na Maratona Doutoral Virtual, 1ª Etapa -
Docência Orientada, enquanto doutoranda do PPGENT – Programa
de Pós-Graduação em Educação e Novas Tecnologias – UNINTER.

PRIMEIRA SESSÃO DO RELATO – MÓDULO 1


(Leituras Prévias)

No decorrer dessa sessão, Módulo 1 (leituras prévias período de


01/04/2021 até 04/04/2021), inicialmente foi direcionada para a prática
de leituras de textos disponibilizados no formato de artigo científico
no Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA Univirtus), que trouxe
como tema: Produtivismo acadêmico, publicação em periódicos e qua-
lidade das pesquisas de Moysés Kuhlmann Jr. (2015)76; A perspectiva
dos pesquisadores sobre os desafios da pesquisa no Brasil de Donizeti
Leandro de Souza; et. al. (2020)77; O fórum de editores de periódicos
da área de educação – FEAPE e o processo de avaliação de Leila
Cristina Silveira de Moraes e Joana Paulin Romanowski (2018)78 e
75
Orientações da Maratona Doutoral Virtual estão disponíveis em: AVA (uninter.com). Acesso em:
27 set. 2022.
76
O artigo está disponível em: 55B517060297C6F48F33DC3C48BDE056.pdf (uninter.com). Acesso
em: 27 set. 2022.
77
Trabalho disponível em: 4074590A5BFBB1E463974B3E420DAF51.pdf (uninter.com). Acesso em:
27 set. 2022.
78
Artigo disponível em: 48BF8A54FECB10CFCF2FEFD6F6346917.pdf (uninter.com). Acesso em:
27 set. 2022.
268
Qualis: a construção de um indicador para os periódicos na área da
Educação de Ângelo Ricardo de Souza et. al. (2018)79.
Nessa etapa da Docência Orientada (Edição e Revisão de Revista
Científica)80 Maratona Doutoral Virtual, foi proposto no MÓDULO
1 (como um módulo introdutório), Prática prevista para ocorrer no
período de 1/04/2021 a 4/04/202181, que cada aluno (individual-
mente) deveria escolher apenas um artigo dentre os quatro artigos
(material didático) disponibilizados no Ambiente Virtual de Apren-
dizagem (AVA Univirtus), para a realização da leitura e posterior-
mente, inserir apontamentos (opiniões pessoais) sobre a leitura do
texto analisado no AVA Univirtus.
Essa atividade fixada para acontecer no período de 07/04/2021
até 20/04/2021, oportunizou no mínimo três interações no fórum de
discussão (no Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA Univirtus),
como forma de provocar o compartilhamento de informações trazidas
pelos autores nos artigos disponibilizados, assim como a mediação
entre aluno e aluno, aluno e professor, para a promoção de debate e a
troca de informações e conhecimentos.
Em atendimento a essa etapa, ao optar pela escolha do artigo que
trazia como título o produtivismo acadêmico, publicação em periódi-
cos e qualidade das pesquisas de Moysés Kuhlmann Jr. (2015)82, não
imaginava que o autor contribuiria com as etapas finais da Docência
Orientada. Momento em que oportunizou a avaliação e emissão de
parecer de um artigo científico para uma Revista Intersaberes83.

79
O artigo está disponível em: F9CE17039493A09A7FB11EB0A527F06E.pdf (uninter.com). Acesso
em: 27 set. 2022.
80
Orientações disponíveis em: AVA UNIVIRTUS (uninter.com). Acesso em: 27 set. 2022.
81
Orientações disponível: Roteiro de Estudo - AVA UNIVIRTUS (uninter.com). Acesso em: 27 set. 2022.
82
O artigo disponível em: 55B517060297C6F48F33DC3C48BDE056.pdf (uninter.com). Acesso em:
27 set. 2022.
83
Disponível em https://www.revistasuninter.com/intersaberes/index.php/revista/submissions. Acesso
em: 27 set. 2022.
269
SEGUNDA SESSÃO DO RELATO – ETAPA 1 – MÓDULO
2 (Roda de Conversas)

No decorrer dessa sessão do Relato – ETAPA 1 – MÓDULO


2 (Roda de Conversas), que ocorreu no dia 05/04/2021 no horário da
19h00min até as 20h02min, a professora Dr.ª Alboni Dudeque Vieira,
docente da Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR
(como convidada), a professora Dr.ª Joana Romanowski e a professora
Dr.ª Sueli Pereira Donato, como docente do PPGENT – Programa
de Pós-Graduação em Educação e Novas Tecnologias – UNINTER,
trouxeram para a fala orientações e práticas enriquecedoras, sobre a
avaliação de um artigo científico, emissão de um parecer para editora e/
ou revista, bem como acentuaram o comprometimento e a importância
atender as normas da ABNT – NBR 6023 de 2002, na elaboração
textual de um trabalho científico.

TERCEIRA SESSÃO DO RELATO – ETAPA 2 – MÓDULO


3 (Plano de Ação)

Nessa terceira sessão do relato, apresentamos a Etapa 2 proposta


para a elaboração de um plano ação para ser atendido no período de
06/04/2021 até 09/04/2021. Inicialmente foi solicitado o cadastramento
e a leitura das normas de avaliação de artigos no site da Revista, envol-
vendo a criação de um protocolo de avaliação de um artigo científico.
Finalizada essa solicitação do plano de ação, no dia 12/04/2021, a
professora Dr.ª Joana Paulin Romanowski84 e a professora Dr.ª Sueli
Pereira Donato85, como docente do PPGENT – Programa de Pós-
-Graduação em Educação e Novas Tecnologias – UNINTER86, em
uma reunião virtual, possibilitaram um feedback das possíveis dúvidas
em relação ao processo de avaliação.
84
Informações disponíveis em: Plataforma Lattes (Joana Paulin Romanowski) (cnpq.br). Acesso em: 27 set. 2022.
85
Informações disponíveis em: Plataforma Lattes (Sueli Pereira Donato) (cnpq.br). Acesso em: 27 set. 2022.
86
Informações sobre o PPGENT estão disponíveis em: – detalhes curso doutorado Educacao-Programa
de Pós-Graduação em Educação e Novas Tecnologias – Mestrado e Doutorado (uninter.com). Acesso em:
27 set. 2022.
270
Nesse encontro foi apresentada a plataforma da revista e res-
pectivas normas de avaliação dos artigos, espaço que posteriormente
serviria para a emissão do parecer do artigo avaliado e fixado o período
de 10/04/2021 a 20/02/2021, com orientações no Ambiente Vir-
tual de Aprendizagem (AVA Univirtus), para o desenvolvimento de
todas as etapas da atividade.
Cada aluno (individualmente), recebeu por meio de e-mail o
convite com link, para acessar a plataforma da revista e realizar a análise
e/ou avaliação do artigo científico disponibilizado com orientações
para (ao término) proceder a postagem (preenchimentos de cada
etapa) apenas na plataforma da revista, individualmente, pertinente ao
parecer do artigo que foi avaliado com prazo para o envio do parecer
na plataforma da Revista até 20/04/2021.
Ao concluir essa etapa, a atividade que foi proposta oportunizou
a relembrar as reflexões de Luz (2005), sobre o produtivismo acadê-
mico. Ele se refere ao volume de produções “desenvolvida num espaço
de tempo específico, crescente de acordo com a qualificação acadêmica
(titulação) do professor/pesquisador” (p. 43). Pensar que essa prática se
tornou norma ao concluir um curso e/ou uma disciplina em programas
de pós-graduações lato sensu stricto sensu.

QUARTA SESSÃO DO RELATO – ETAPA 3 – MÓDULO 4


(Prática)

Essa etapa da Maratona Doutoral Virtual (3ª etapa com atribui-


ção de 8 horas), como uma proposta de Docência Orientada (Edição
e Revisão de Revista Científica) de responsabilidade do PPGENT
Programa de Pós-Graduação em Educação e Novas Tecnologias –
UNINTER87, proposta no Módulo 4 – Prática prevista para ocorrer no
período de 12/04/2021 a 20/04/202188, possibilitou compreender por
meio de práticas enriquecedoras, o comprometimento e a importância
87
Informações PPGENT estão disponíveis em: Mestrado e Doutorado (uninter.com). Acesso em: 27
set. 2022.
88
MÓDULO 4 disponível em: Roteiro de Estudo - AVA UNIVIRTUS (uninter.com). Acesso em:
27 set. 2022.
271
atender nas normas da ABNT – NBR 6023 de 200289, na elaboração
textual de um trabalho científico.
Foi fixado o período de 10/04/2021 a 20/02/2021, com orienta-
ções no Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA Univirtus), para o
desenvolvimento de todas as etapas da atividade. Cada aluno (indivi-
dualmente), recebeu por meio de e-mail o convite com link, para acessar
a plataforma da revista e realizar a análise e/ou avaliação do artigo
científico. As orientações necessárias foram disponibilizadas para que
ao término da avaliação, fosse realizada a postagem (preenchimentos
de cada etapa) apenas na plataforma da revista, individualmente, per-
tinente ao parecer do artigo que foi avaliado com prazo para o envio
do parecer na plataforma da Revista, até 20/04/2021.
Em face das orientações e da responsabilidade assumida junto
a Revista para avaliar um artigo científico, se tornou possível com-
preender a importância do processo de publicação de trabalhos da
comunidade acadêmica. E ainda, se tornou perceptível o comprome-
timento no processo de avaliação, não permitindo a emissão de um
parecer sem coerência, descontextualizado e descomprometido, que
posteriormente seria enviado ao autor (a) do manuscrito, anterior-
mente submetido a minha avaliação.
Assim, ao proceder a avaliação do artigo sugerido nessa etapa
de Docência Orientada, no Maratona Doutoral Virtual e procurando
ao mesmo tempo atender as orientações disponibilizadas, indicadas
pela Revista Intersaberes, a análise foi sendo realizada passo a passo,
experenciando cuidadosamente o discurso presente em cada parágrafo,
cada citação que estruturavam o manuscrito.
Como consequência, se fez legítimo retomar o diálogo com
Moysés Kuhlmann Jr. (2015) sobre “produtivismo acadêmico”, pelo fato
de que no decorrer da avaliação, o manuscrito apresentou ao indicar
os caminhos que se propôs a seguir, “argumentos frágeis”, que soaram

As normas da ABNT – NBR 6023 de 2002, estão disponíveis em: mhtml:file://S:\Documentos\


89

Secretaria\CURSOS\Mestrado\Dissertaç (uff.br). Acesso em: 27 set. 2022.


272
como “plausíveis”, ao mencionar “questões que [...] ferem e que inter-
ferem na atividade da pesquisa”, permitindo que “as inconsistências”
viessem a “enfraquecer e diluir” (p. 842), o que se propôs a pesquisar.
O aporte teórico do manuscrito, evidenciou o produtivismo
acadêmico mencionado por Moysés Kuhlmann Jr. (2015), ao identi-
ficar o alcance da pesquisa a “diversos níveis de ensino, boas práticas
com o uso das tecnologias digitais, analisando diversas situações de
ensino” (MANUSCRITO, 2020, p. 2). A ausência de explicação sobre
as “boas práticas” e o detalhamento das “diversas situações de ensino”,
careciam da indicação das “tecnologias educacionais” (Idem, p. 1 e
8), que se propôs para a ação.
A dedicação de um tópico especial para tratar sobre as “tecno-
logias digitais e a avaliação da aprendizagem” (Idem, p. 12), na elabo-
ração do manuscrito, trouxe consigo ser pertinente a descrições das
“tecnologias digitais” que seriam utilizadas no processo da “avaliação
de aprendizagem”, o que remete as reflexões de Moysés Kuhlmann
Jr. (2015), ao explicar que a ausência da explicação, sinaliza a “baixa
qualidade e a produção aligeirada” do manuscrito (p. 849).
O manuscrito (2020), ao se valer de “produções acadêmicas
relacionadas as temáticas investigadas, utilizando-se de descritores
como avaliação da aprendizagem e tecnologias digitais na educação,
coletadas em artigos, dissertações de Mestrado e teses de Doutorado”
(p.16), tornou a proposta subjetiva, tirando de cena, o que Moysés
Kuhlmann Jr. (2015), afirma ser os merecidos “resultados” trazidos
pela seriedade de “estudos e pesquisas” (Idem, p. 841-842), e por
perceber que a falta de objetividade na apresentação dos resultados
indicaram “o manejo amadorístico dos complexos procedimentos nelas
implicados com a derivação de resultados científicos e sociais pouco
relevantes”. (GATTI, 2001, p. 75-76).
Esses aspectos evidenciados na estruturação do manuscrito,
remetem a Moysés Kuhlmann Jr. (2015), quando afirma que “problemas
quanto a questões teóricas e metodológicas, voltadas a implicações que
ferem os procedimentos éticos” e por certo, questiona “a confiabili-
dade” (p. 848) do trabalho, evidencia o produtivismo acadêmico, uma
273
vez que “há que se ponderar”, ser necessário o estímulo dessa prática
de produção ainda que, “sem implicar necessariamente a ação de se
produzir indiscriminadamente”. (Idem, p. 848).

QUINTA SESSÃO DO RELATO – ETAPA 4 – MÓDULO 5


(Relatório Final)

Ao concluir todos os módulos propostos pela Docência Orien-


tada (Edição e Revisão de Revista Científica), ETAPA 1 da Maratona
Doutoral Virtual, as leituras, orientações e rodas de conversas (virtuais)
e as práticas orientadas, corroboraram para a elaboração desse relato de
experiência que ao mesmo tempo oportunizou apresentar os resultados
advindos do processo e por assim concluir o módulo 5 (relatório final)
proposto para o período de 21/04/2021 até 30/04/2001. Cada uma
das três etapas, apresentaram resultados enriquecedores. Vejamos:
ETAPA 1 – Rodas de Conversa com o tema avaliação de um
artigo científico, que ocorreu no dia 05/04/2021, com a Dr.ª Alboni
Dudeque Vieira (PUCPR como convidada), a Dr.ª Joana Romanowski
e a Dr.ª Sueli Pereira Donato, como docente do PPGENT – UNIN-
TER. Nessa etapa, em face das orientações das palestrantes e das refle-
xões trazidas por Moysés Kuhlmann Jr. (2015) no artigo Produtivismo
acadêmico, publicação em periódicos e qualidade das pesquisas de, resul-
tou na compreensão da prática do “produtivismo acadêmico” (p.839)90.
ETAPA 2 – Plano de Ação, período fixado de 06/04/2021 até
09/04/2021 para a criação de protocolo de avaliação de artigo científico.
Resultou na primeira experiência de realizar um cadastro enquanto
avaliadora e parecerista de artigo científico para uma Revista acadêmica.
ETAPA 3 – Prática. Para o desenvolvimento dessa etapa, foi
fixado o período de 13/04/2021 até 20/04/2021, para a avalição de
um artigo científico e emissão de um parecer. Essa prática resultou
na avaliação de um artigo científico para Revista. E ainda, resultou na
emissão de um relatório postado no AVA Univirtus, na elaboração de

90
Informações disponíveis em: Cadernos de Pesquisa - Print version ISSN 0100-1574 On-line ver-
sion ISSN 1980-5314. Acesso em: 27 set. 2022.
274
um parecer preenchido diretamente na plataforma da Revista acadê-
mica e a oportunidade ímpar de elaborar esse relato de experiência.
Resultados esses, que somente se concretizaram devido
a oportunidade de participar enquanto doutoranda da Docên-
cia Orientada (Edição e Revisão de Revista Científica)91, ETAPA
1 da Maratona Doutoral Virtual.

METODOLOGIA DO ESTUDO

A motivação metodológica na elaboração desse relato de expe-


riência, se pautou em duas etapas distintas e complementares: pesquisa
bibliográfica apoiada em contribuições de autores, amparados por um
com conceituado instrumental analítico e pesquisa documental, por
compreender que cada uma das etapas estaria contextualizada a um
“conjunto de procedimentos intelectuais e técnicos utilizados para
atingir o conhecimento.” (GIL, 1999, p. 26), alinhados ao tema, ao
problema, ao objetivo, considerações e/ou impressões a experiência
vivenciada e o aporte teórico nesse trabalho.
A primeira etapa, pesquisa bibliográfica, permitiu compreender
que os “[...] materiais, constituído por autores”, para dar conta da
proposta abordada, foram pertinentes, necessários e assertivos, pois
revelaram o compromisso da qualidade da pesquisa, para “analisar
em profundidade cada informação” obtida como forma de “descobrir
possíveis incoerências ou contradições” (GIL, 2010, p. 51), sobre o
que se propôs a analisar, de forma a encontrar a melhor definição para
consolidar a proposta da elaboração de um relatório avaliativo, de um
parecer para periódicos científicos e desse relato de experiência.
A segunda etapa da motivação metodológica, se valeu da pesquisa
documental que, pelo fato de que a proposta visava elaborar, “materiais
que não receberam, ainda, um tratamento analítico, podendo ser reela-
boradas de acordo com os objetos da pesquisa”, no entanto se faz neces-
sário se atentar à “qualidade das fontes utilizadas” (GIL, 1999, p. 26).
91
As orientações sobre as etapas da Maratona Doutoral Virtual estão disponíveis em: AVA UNIVIRTUS
(uninter.com). Acesso em: 27 set. 2022.
275
Ao atender todas as etapas propostas pela Docência Orien-
tada (Edição e Revisão de Revista Científica), tornou-se perceptí-
vel a compreensão de que se fez necessário um “planejamento das
ações desenvolvidas durante o processo” (GIL, 2010, p. 19), por
meio de encontros virtuais e interações no Ambiente Virtual de
Aprendizagem (AVA Univirtus).
Para tanto, como corpus, procurou ao avaliar o manuscrito e
emitir o parecer, se valer de postura ética, crítica e critérios de análise
disponibilizados pela Revista, oportunizando por meio dessas ações,
uma possível publicação em periódico científico e o reconhecimento
de resultados, considerados relevantes pelas ações experenciadas e
pelas contribuições trazidas no diálogo estabelecido com os autores
que possibilitaram o aporte teórico nesse relato de experiência.

CONCLUSÃO DO RELATO

Chegar ao término da elaboração de um relato de experiência,


com responsabilidade e a convicção de ter concluído com êxito cada uma
das três etapas da Docência Orientada (Edição e Revisão de Revista
Científica)92, ETAPA 1 da Maratona Doutoral Virtual, somente se
tornou possível devido a orientação de docentes comprometidos, que
com sabedoria conduziram com dedicação, carinho e compreensão os
caminhos que foram percorridos.
Foram encontros virtuais, e-mails, mensagens no grupo do
WhatsApp, links, vídeos, materiais didáticos no Ambiente Virtual
de Aprendizagem (AVA Univirtus), que possibilitaram dialogar com
autores que teorizam com maestria sobre o tema proposto e com os
docentes, como pesquisados do PPGENT – Programa de Pós-Gra-
duação em Educação e Novas Tecnologias – UNINTER e responsáveis
pelo êxito da proposta do encontro com o conhecimento.

92
As orientações sobre as etapas da Maratona Doutoral Virtual estão disponíveis em: AVA UNIVIRTUS
(uninter.com). Acesso em: 27 set. 2022.
276
Cada etapa da Docência Orientada (Edição e Revisão de Revista
Científica) concluída, se tornou uma conquista. Os desafios planeja-
dos pelas professoras para provocar o desejo do “aprender a apren-
der fazendo” 93, foram superados por atitudes proativas e senso
crítico, características necessárias no atual cenário da educação.
A oportunidade de avaliar um artigo científico e ao final emitir
um parecer diretamente na plataforma de da Revista Intersaberes94,
foi ímpar, por se tratar de um processo pedagógico, ético e cauteloso,
que enquanto avaliadora, profissional, educadora e responsável pela
emissão do parecer, se faz necessário uma orientação precisa, contri-
buindo assim com a publicação do manuscrito no periódico científico.
A elaboração do relato de experiência, foi mais do que uma
simples descrição de uma situação para a área de estudo abordado. Foi
a melhor experiência e o melhor resultado alcançado na elaboração do
trabalho. Esse resultado, reafirma a relevância, e o comprometimento
de ter apresentado com riqueza as contribuições advindas do palco da
Docência Orientada (Edição e Revisão de Revista Científica).

REFERÊNCIAS
BIANCHETTI, Lucídio; MACHADO, Ana Maria Netto. “Reféns da produtividade”
sobre produção do conhecimento, saúde dos pesquisadores e intensificação do trabalho na
pós-graduação. 2007. Disponível em: http://30reuniao.anped.org.br/trabalhos/GT09-3503-
-Int.pdf. Acesso em: 27 set. 2022.
DELORS, Jacques. (Org.) Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez, 1998.
GATTI, Bernardete A. Implicações e perspectivas da pesquisa educacional no Brasil con-
temporâneo. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 113, p. 65-81, jul. 2001.
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
_____. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5.ed. São Paulo: Atlas, 1999.
GOUVEIA, Aparecida Joly. A pesquisa educacional no Brasil. Nº 1. Cadernos de Pesquisa,
São Paulo, 1971, p. 1-48, jul.

93
Jacques Delors. Relatório para a UNESCO, 1998. Disponível em: Educação: um tesouro a descobrir.
(DELORS et al., 1998). (slideshare.net). Acesso em: 27 set. 2022.
94
Informações disponíveis em: REVISTA INTERSABERES - ISSN 1809-7286 (revistasuninter.com).
Acesso em: 27 set. 2022.
277
KUHLMANN JR., Moysés. Produtivismo acadêmico, publicação em periódicos e qua-
lidade das pesquisas. Cad. Pesqui. [online]. 2015, vol.45, n.158, pp.838-855. ISSN 1980-
5314. https://doi.org/10.1590/198053143597. Acesso em: 27 set. 2022.
LUZ, Madel Therezinha. Prometeu acorrentado: análise sociológica da categoria produtivi-
dade e as condições atuais da vida acadêmica. PHYSIS: Revista de Saúde Coletiva, Rio de
Janeiro, v. 15, n. 1, p. 39-57, jun. 2005.
MANUSCRITO. In: REVISTA INTERSABERES. 2020. Disponível em https://www.
revistasuninter.com/intersaberes/index.php/revista/submissions. Acesso em: 27 set. 2022.
OLIVEIRA, Romualdo Portela. Entrevista. Portal da ANPEd, 11 mar. 2015. Disponível
em: ANPEd | Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação. Acesso
em: 27 set. 2022.
ORTIZ, Renato (org.). Bourdieu – Sociologia. São Paulo: Ática, 1983. Coleção Grandes
Cientistas Sociais, vol.39. p. 122-155. Disponível em: BOURDIEU, Pierre - O Campo
Científico PDF | PDF | Sociologia | Science (scribd.com). Acesso em: 27 set. 2022.

278
SOBRE O ORGANIZADOR

Sidney Washington de Lima Melquiades


Mestrando em Linguística e Ensino pela
Universidade Federal da Paraíba - UFPB.
Possui Pós-graduação em Metodologias do
Ensino de Língua Portuguesa e Literatura
Brasileira pela Universidade Estadual do
Ceará – UECE (2008); Gestão Educacional
e Prática Pedagógicas pelo Instituto Superior
de Educação Ibituruna (2018). Graduado em
Letras - Português/Inglês pela Universidade
Estadual Vale do Acaraú (2008). Atualmente é
professor, técnico pedagógico da Secretaria da Educação Básica do Município
de Morada Nova, formador de professores e professor extensionista da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.

279
ÍNDICE culturais 53, 119, 122, 149, 156, 171,
189, 227, 229, 233
202, 204, 206, 210, 221, 222, 225, 226,
228, 229, 230
REMISSIVO currículo 9, 14, 21, 35, 47, 67, 77, 129, estrangeiros 217, 222, 223, 224, 228
145, 146, 147, 148, 150, 153, 154, 155,
estratégias 18, 32, 52, 53, 70, 71,
156, 157, 158, 175, 188, 222
138, 191, 193, 194, 195, 196, 201,
Alfabetização 7, 25, 26, 27, 28, 29, 30, DIDÁTICA 29, 42, 50, 56, 67, 71, 202, 210, 215
31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 74, 75, 76, 77, 80, 81, 90, 91, 93, 98,
41, 42, 144, 226 experiência 10, 48, 76, 85, 90, 93, 94,
126, 140, 143, 161, 209, 211, 212,
97, 98, 123, 140, 189, 192, 196, 201,
214, 215, 216
alunos 8, 9, 12, 16, 17, 18, 19, 21, 23, 208, 231, 232, 234, 235, 236, 242
26, 27, 28, 32, 33, 37, 45, 46, 49, 50, docentes 21, 46, 74, 79, 84, 118, 119,
51, 58, 59, 60, 61, 62, 64, 65, 66, 73, ficcional 231, 242, 243
121, 123, 124, 125, 126, 127, 144,
74, 75, 76, 80, 86, 87, 88, 89, 93, 94, 145, 205, 206, 207, 208, 213, 214, 218 formação 10, 11, 12, 14, 18, 20, 21,
95, 96, 132, 136, 140, 141, 143, 146, 24, 28, 34, 35, 36, 38, 40, 41, 42, 44,
150, 152, 153, 155, 156, 171, 176, 177, educacionais 7, 10, 17, 30, 35, 59, 167,
48, 55, 56, 62, 63, 64, 66, 76, 81, 83,
178, 179, 182, 183, 184, 185, 186, 187, 202, 203, 204, 205, 206, 208, 214, 215,
123, 128, 130, 147, 149, 153, 157, 190,
189, 190, 191, 193, 194, 195, 196, 197, 216, 218, 219, 221, 222, 224, 225, 226
191, 193, 196, 206, 217, 218, 219, 223,
198, 216, 225, 228, 229 EDUCAÇÃO 2, 7, 8, 11, 12, 14, 15, 224, 225, 226, 227, 228, 230
aprendizagem 8, 9, 24, 26, 28, 31, 32, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25,
FREIRE 8, 22, 23, 117, 129, 147,
35, 36, 38, 39, 40, 76, 80, 81, 82, 83, 26, 31, 32, 34, 35, 37, 38, 40, 41, 42,
148, 157, 243
84, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 91, 92, 97, 47, 53, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64,
98, 99, 114, 123, 125, 126, 129, 136, 66, 67, 68, 69, 70, 73, 79, 80, 81, 82, função 8, 11, 13, 26, 28, 32, 44, 50,
145, 148, 153, 154, 155, 156, 176, 190, 84, 91, 118, 123, 125, 127, 128, 129, 69, 70, 71, 74, 75, 76, 77, 79, 80, 81,
204, 205, 206, 207, 208, 209, 210, 211, 132, 136, 148, 151, 152, 153, 154, 155, 82, 99, 107, 110, 124, 138, 166, 178,
212, 213, 214, 215, 218, 225, 226, 230 156, 157, 158, 162, 174, 175, 187, 188, 190, 210, 211, 219, 225
202, 203, 204, 206, 207, 210, 214, 215,
Brasil 7, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 216, 217, 218, 222, 223, 224, 225, 226, Física 15, 16, 65, 81, 102, 103, 111,
18, 19, 22, 23, 25, 26, 27, 29, 31, 32, 227, 228, 229, 230 113, 114, 150, 205, 226
33, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43,
ensino 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 16, 17, gêneros 32, 44, 49, 50, 51, 53, 55, 57,
44, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54,
18, 19, 21, 22, 24, 25, 26, 27, 29, 31, 58, 94, 171, 174, 243
57, 58, 59, 65, 68, 80, 116, 128, 130,
144, 165, 166, 169, 174, 176, 187, 189, 32, 33, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 43, 44, ideologia 27, 41, 145, 147, 151, 152,
202, 204, 205, 209, 215, 217, 218, 219, 45, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 56, 153, 154, 157, 224
220, 221, 229 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 70,
74, 76, 77, 80, 81, 82, 83, 84, 86, 87, imigrantes 10, 218, 221, 222, 229, 230
compreensão 22, 25, 26, 33, 36, 37, 88, 91, 92, 97, 98, 113, 114, 117, 119,
interação 19, 22, 23, 44, 47, 49, 52, 54,
38, 39, 41, 48, 50, 56, 73, 79, 88, 89, 122, 123, 129, 131, 132, 135, 136, 139,
57, 61, 65, 137, 164, 169, 170, 173,
92, 94, 99, 113, 114, 122, 127, 139, 140, 143, 144, 145, 148, 150, 151, 153,
190, 191, 194, 227
143, 158, 174, 185, 191, 192, 193, 194, 154, 155, 157, 158, 159, 160, 161, 162,
195, 200, 205, 234, 242 163, 164, 165, 172, 173, 174, 175, 176, internet 8, 53, 55, 117, 118, 119,
177, 187, 188, 189, 190, 191, 193, 196, 120, 121, 122, 123, 127, 129, 158,
concepção 11, 14, 37, 60, 68, 83, 86,
197, 201, 202, 203, 204, 205, 206, 207, 168, 216, 243
91, 128, 133, 137, 155, 163, 164, 165,
208, 209, 212, 213, 214, 215, 216, 217,
167, 169, 173, 222, 225, 242 Lei 2, 16, 18, 22, 36, 41, 63, 104, 106,
222, 225, 226, 230
138, 151, 220, 221, 227, 229
Covid-19 177, 206, 214, 215
escola 11, 15, 18, 19, 21, 26, 30, 31,
leitor 166, 191, 192, 193, 194, 195,
CULTURA 9, 23, 25, 35, 38, 42, 47, 35, 38, 41, 43, 44, 45, 47, 52, 55, 56,
196, 201, 236, 238, 242
48, 49, 57, 61, 63, 64, 65, 66, 68, 119, 57, 58, 62, 63, 64, 65, 66, 86, 98, 123,
121, 122, 126, 127, 128, 145, 147, 150, 127, 128, 129, 130, 140, 145, 146, 148, leitura 10, 28, 29, 31, 32, 33, 36, 37,
152, 153, 157, 158, 204, 216, 223, 229, 150, 151, 152, 153, 156, 157, 158, 161, 38, 39, 40, 45, 46, 48, 49, 50, 55, 58,
230, 234, 243 166, 171, 176, 177, 190, 193, 196, 201, 73, 78, 89, 96, 132, 136, 138, 139, 140,
147, 171, 174, 189, 190, 191, 192, 193,

280
194, 195, 196, 197, 198, 200, 201, 202, ONU 219, 221 Tecnologias 8, 10, 46, 49, 54, 55, 56,
212, 224 58, 75, 76, 79, 80, 82, 117, 118, 123,
papel 15, 43, 44, 45, 49, 51, 56, 87, 92,
126, 127, 128, 130, 170, 203, 204, 205,
literária 48, 53, 193, 236, 243 96, 115, 124, 125, 153, 154, 156, 157,
206, 207, 208, 209, 213, 214, 215, 216
171, 177, 203, 204, 205, 216, 223, 242
língua portuguesa 9, 32, 43, 44, 47,
trabalho 8, 13, 14, 15, 20, 21, 22, 23,
49, 50, 54, 58, 84, 92, 97, 131, 132, prática docente 10, 50, 54, 56, 81, 84,
32, 36, 40, 45, 46, 48, 49, 52, 53, 54,
133, 159, 160, 161, 162, 165, 170, 172, 120, 196, 203, 204, 216
55, 56, 70, 74, 81, 91, 97, 99, 102, 118,
174, 202, 207, 218
Química 10, 81, 203, 205, 206, 207, 135, 136, 137, 139, 146, 148, 149, 150,
Matemática 33, 59, 69, 70, 73, 76, 77, 208, 209, 210, 212, 213, 214, 215, 216 152, 154, 159, 160, 161, 172, 191, 202,
78, 79, 80, 81, 82, 150, 175, 177, 182, 206, 210, 221, 225, 227, 229, 232, 242
reflexões 10, 23, 26, 27, 93, 124, 132,
187, 188, 189, 205, 216
143, 222 Wordwall 197, 198, 213, 215
memória 10, 200, 217, 231, 232, 233,
refugiado 219, 220
234, 235, 236, 241, 242, 243
romance 10, 231, 232, 236, 237, 238,
metodologia 32, 45, 69, 72, 77, 85, 87,
239, 241, 242, 243
97, 113, 114, 126, 146, 151, 158, 162,
177, 190, 196, 207, 215 sujeito 20, 22, 49, 52, 56, 57, 63, 64,
66, 97, 138, 148, 155, 164, 196, 228,
objetivo 7, 8, 9, 10, 15, 18, 19, 32, 33,
231, 233, 234, 235, 236
40, 51, 53, 54, 56, 64, 70, 72, 94, 99,
118, 132, 139, 155, 156, 171, 176, 187, suporte 19, 75, 77, 169, 173, 224
191, 192, 193, 197, 206, 210, 211, 212,
220, 226, 231, 234

ISBN 978-65-5368-116-3

9 786553 681163 >

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