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O que não se pode p erder de vista é a imensa signi ficação q ue

essas expressões desempenham no curso de uma interação. Afi-


na I> ns pa lavras não têm apenas um significado descritivo. Elas
assumem no percurso do texto um outro valor, p elo fato de pode-
rem ser vir de apoio a uma determinada intenção argumenta t iva .
Para ilustrar esse ponto, posso dar um exemplo: há dias, na porta Práticas de análises de textos
de um teatro, um vendedor nos oferecia bombons, chicletes e ou-
t ras cois inh as doces e fin a lizava sua ofer ta com a informação: "O
quanto a aspectos de
show <lura duas horas'>. Pensei: ele nã o está a penas nos in forma n-
do a duração ci o show. Está, com essa a firma ção, a rgumcnrando
sua construção
a favo r da co nveniência de comprarmos os bombo ns, e mbora de
uma fo rm<i sutil, à espera de que capte.mos o teor argumentativo
de sua .inform ação: 'se o show d ura tanto tempo> vocês de ve m ter
à mã o a lgum docinho'.
Em suma, no â mbi.to do discurso é que as pa lavras c umprem,
integra lm e nte, s ua função de s ignificar, de mediar a com unicaç5o om base nos fundam enros teóricos que aborda111os no
e ntre dois ou ma i.s interlocutores . Fora d isso, o traba lho co1~1 a
linguagem se reduz a uma especulação que corre o risco ele se
tornar simplista, falseada e ineficaz.
Não percamos tempo. Não podemos.
No ca pítu lo segu inte, vamos empreen<ler a an á lise ele a lguns
e capítu.lo a nte ri o r>vamos empreender agora atividades
de a nál ise de textos, na perspectiva dos recursos e dos
aspectos que foram rc.lev;:rntes para sua construção.
É importanre fri sar que seria impossível dar conta de todos
os recursos. Na verdade, esses são quase inumerâtJeis. Vamos,
textos, centra ndo-nos nesses aspectos de sua const r ução. assim, concede r prioridade àqueles que assumem, em cada texto
escolhido para aná lise, uma fu nção mais salien te, no sentid o de
fazer subir as fJaredes de sun sustelltaçcio, corno disse no início do
capítulo anterior.
Apesa r de nos fi xarm os cm pontos locais dessa sustentação,
nã o vamos perder de vista n totalidade cio texto, sua unidade
sem ântica e pragmá tica; ou seja, não vamos perder de vista a
ativ idade de li nguagem que ocorre sob a mediação do texto que
a nalisamos.
Não separan1os, assim, o linguístico - quer na sua dimensão
gramatical quer na sua dii:ncnsã o l.exical - dos outros consti -
tuintes do ato verba.\. Temos em m ente que> pela linguagem> o
fun damental é a interação que se produz entre dois ou ma is inte r-
locutores, numa situação socia l de m útua cooperação> para que a
,,.
'!

r
.1 Tenho

ll
insi~cido em ponruar q ue
ll r1jlungem não é ape nas a cx-
r>rtsNilo de um sc nriclo. Q uer dizer,
n co mpreens.io de um texro não se
expressão de um sentido e de uma intenção'
aconteça com sucesso.
A seguir, tomamos outra vez como base
1 - Não. assim não pode ser. Ca ntar sem a tilulação devida é um desres-
peito à ordem.
E os urubus, em uníssono. expu lsara m da tl oresta os passarinhos que can-
l''íl"t.1 11.1 idcntificaçiio apenas de de nossa análise a fábula de Rubem Al- tavam sem alvarás...
'''"' <.Ontc1ídos. É prci.:iso ir ,1lém, ves, detendo-nos agora em questões de s ua
p.ir.1 reconhecer também a i11te11- 1 MORAL: Em terra de urubus diplomados não se ouve canto de sabiá.
r1>••. pmpúsito co1111111icatil'<>
o
construção.
1.om que esse sentido é expresso. (Rubem Alves. Estórias de quem gost.a de escrever.
l l.1hiwalme11re, os objcrivos das Co1tez Edilora: SCio Paulo. 1984, pp. 61-62).
.11 1vidJdes de comprcensiio de texto
1 rm-~c concentrado em Jescohrir
"o que o amor disse"; "qun l a s ua
7.1 Análise da fábula
Como referi no cap.ítul o ::interio r, diante da ev idente dificul-
111,·n ~agem ''. Convém a 11,1 lisar flor "Os urubus e os sabiás"
</li<' ()li COI// que /Jl'f!/ Cl/S[fo u /Ili · dade de se esgotar a tota lidade dos elementos analisá veis, vamos
for disse o que rlisse. Apoi:ido
...
,-,_ -,- -·--··-·-·--·--..... .... ........,:
_ - .,,_ ................, ... '''"
110
fixar-nos n aqueles que m ais dirern mcnte estilo vinculados à s ua
M·nrido (lo que diic nrns. ...sr:111 as
ÜS URUBUS E OS SA1311\S coesão e à sua coerência.
i11h'11ç<!es. e
aí que 1110 1':1 () pcri~o ...

Tudo aconteceu numa Lerra clistante. no Lempo cm


que os bicl1 os ICJ lavani... Os uru!Jus. aves por natu rnza becaclas . mas sem
A seleção vocabular como recurso da coesão do texto
"O s uru bus e os sao1as
L. , "
grandes t1oLes pa ra o ca nto. dec idiram que. mesmo conLra a nalu reza. eles .... --· ... ,. i'
haveriam de se torna r grancles can Lores. (:
(a) Ql)servemos a concentração de iLens lexicais vinculados aos mundos ~
E para islo rundararn escolas e importa ram prolessores. gargarejaram em que o Lexlo nos coloca: ~
dó-ré-mi-lá. rnanclaram imµrimir diplomas, e lizeram compelições eulrc si, o mundo do acontecimento narrado: Tudo aconteceu rwma trna clistallle (ce- 1
para ver quais dclt~s seriam os mais imporla11les e teriam a permissão de nário). no 1.emoo em aue.. Tudo ia muito bem a..t.é iwf_(localizacão temporal):
mandar nos ouLros. o mundo da liccào: bictws falantes. urubus cantores, urubus professo- ,i
Foi assim que eles organi zaram concursos e se deram nomes pomposos, eo res. aves perplexas. aves que decidf m. que expulsam... J
sonho de cada urul.Juzinho. instrutor em início de carreira. era se tornar um o munclo das aves: floreslcJ. aves. u1ub11s. bandos. passarinhos. sabiás.
respeitável urubu l.ilular. a quem LOclos chamavam por Vossa E:xcelência. pintassilgos. canários. bico...
Tudo ia muito bematé que a cloce tranquilidade da t1ierarquia dos uru bus o mundo da música: canto, ca11Lo1 . gargarejar ctó-ré-mi·fá. tagarela.
~ foi estremecida. A íloresla loj inva(lida por bandos de pinLassilçios Lagare- serena la...
l Jas. que brincavam com os ca nários e raziam serenaLas com os sa biás. o mundo da atuação pedagóg ica: escola, professores. instrutor. tor-
nar-se. concurso. compeUções. documenLO. diploma. lilulação, convo-
. Os velt10s urubus enLorLararn o bico. o ra ncor encrespou a testa e elos con-
car, inquél1Lo, caLTeira. /Jíerarquia. ULUiar. expulsar..
vocaram pi nLassi lgos. sabiás e cana rios para um inquérito.
• o mundo da inLransiçiência e da arrogâ ncia da burocracia: mesmo con-
' - Onde eslão os (1ocu1m:nLos dos seus concursos?
tra a natureza, nomes pomposos. respeitável urubu tiwlar. desrespeito.
E as pobres aves se olharam perplexas. porque nunca haviam imag ina· Vossa Excelência, ordem. em uníssono. rancor. convocar, /JÍerarquia,
cio que Lais coisas houvesse. Não haviam passado por escolas de ca nLo, inquérito. alvarás...
porque o ca nto nascera com elas. E nunca apresenLaram um diploma para (b) Como se pode observar. a seleção vocabu lar feita para o texto já lun·
provar que salJiam ca ntar. mas cantavam, simplesmente.. cioria como um dos 1ecursos ele sua coesão e de sua coerência, pois cada
,...,,

sedent os de poder. arroqantes. prepotentes e dominadores: (examinemos


núcleo ~ e ilcns é convergenle e susLenta uma perspectiva de conlinuidade.
os sentidos dos verbos em: E para isco fundaram escolas e i111oortaram
Além disso. os vários núcleos interagem (os urubus queriam ser como as
professores, (..) mandaram imprimir diplomas. e fizeram compelições (.)
o11lras aves: a escola era de canlo. os urubus reieilavam a compelência ina-
lei das aves cant.oras; os urubus as proibiram de cantar sem o diploma dado 1
organizaram concursos e se deram nomes oomoosos... A seleção de verbos
desse Lrecho. é claro, remete para agentes munidos de auLoridade. perten-
pelas .es_ colas ele.). Essa inleração tios vários nú cleos Lemátlcos do texto cenles a um lugar de mando e de decisões Essa coerência na represenLa·
~o nst1t~ 1 uma ~o nd icâo de sua uniclaôe global. lslo é. esses nlicleos em ção da figura do urubu é sustentada Lambém pela oposição com o outro
.: mteraçao compoem um quadro de referência . onde as coisas so articulam grnpo de personagens: os passa rinhos ou as outras aves que. 1agarelas.
~ convergern entre si e ganlrnrn coerência. Ern suma, pode-se perceber nã~ brincavam e faziam serenai.as, cumprindo as deLerminações que ll1es foram
~ apenas os lugares do mundo socloculllual para onde o Lexto nos remete outorgadas pela naLUreza. Não pretendem tornar-se outra coisa: porque o ~
~ {os ·~spaços naturais. esponláneos· o os ·espaços insti tucionalizaclos arLi- .f caJJ/o nascera com elas. nem prelendem provar que sabiéWJ canlar. pois 1
f 11c1a1s e arrogantes'). como ainda a interação pretendida para esses vários ~
~

ca111.avam. simplesmelll.e.. '


~ lu_gares _(os urubus querem ser como os passa1inhos): i nsli tucionalizar essa ~ {e) Só em análises dessa natureza. voJLo a dizer. se pode entender como o \
~ 1 e l e n_s ao é o recurso de qu e se valem os urubus, mesmo aJeaLoriarnenLe; léxico co11stilUi um recurso da construção do Lexlo. Um recurso não apenas ~
l1cam mterdependentes. assim, os lugares de quem tem o poder e os luga- em relação aos senLi dos expressos. mas. sobreludo. na direção das rela- ~
. çõcs cüadas. para que se garanla a lota lidade em vias ele ser conseguida. ~
\:i

i.
res cJe quem deve obedecer.
(c} Se o que prelendcmos é entender cada vez mais como se dá a conslru-
çao de _um l.exto. podemos concluir que uma exploracão vocal)uJar clessa
·
; Reparemos que a arrogâ ncia dos urubus. no seu empenho por manter a •
~ burocracia, é reiterada. do princípio ao fim (aves beca.Q~ las hecas. em
I
ordem e mais relevante do que simplesmenle apresentar o síqnilicado de '. nossa cullllra. estão ligadas a conlextos de poderl. decidiram \quem pode .
~
<

) ~CJl~v~as supostam ente desconhecidas. ou exerci Lar. em rrases. a sua subs- decidir?!, mesmo conJ.ra a nawreza. rancor. encrespar a lesla. Ululação 1
~ LJlu1c_ao por ~ utras sinônimas ou anlônimas. Nesses Li pos ele exercicío, o ·~ devida. decidir em uníssono. expulsar. mandar nos ouuos...J e é posta em 1
~ i~al ~ que nao se pocle perceber como a simples escoll1a das palavras iá ~ oposicão à serenidade do mundo naLural dos passarinhos.
~ icpresenla um :ecurso ela coesão e ela coerência do lexlO. Quer dizer. o que ~ (0 Podemos perceber ainda o quanLo uma análi se dessa naLureza mobiliza
~ vale ressa~ Lar e que a escolha de cada palavra eslâ prêsa a uma razão de ~ nosso conhecimento de mundo ou traz à tona os esquemas culturais - e
i orde~11 r~ a1or. a uma_ razão de. ordem textual garanlir a sua convergência ~ seus valores simbó.licos - que predomi nam em nossa realidade. Repare-
i mos na intencão do autor dequestionar a inconsistência de certas medidas
~ semanlica. ~sua un1dacle. 1ns1sto: n~o se pode perceber essa reg ularidade
~ pela pwduçao ou análise de lrases sol tas. ~ inslilucionais, o que está. rnetaloricamente. representado pelo conjunto de
~ (d) Co~vé~ observar ainda que não é a uniclade lexiccJI isolada que garanLe \ decisões Lomadas pelos urubus mesmo cont.ra a nawreza: tuclo isso exprns·
li a coeren.c1a do Lexto, mas a convergência de contextos emque um determi-
nado º?l: to ele referência so apresenLa. Por exemplo, não é. simplesmente,
~ so por palavras que se ajustam a conjuntos semanticamente a!ins - em
ordem a uma macrouniclade.
a repet1~ao_ da palavra 'urubu· que garante unidade. mas a permanência. {g) Uma análise assim como esta é consistente ainda pelo rato de se apoiar
a constancia das atitudes aLribuídas no lexLo a esse ·objelo do discurso' no Lexto. nos sinais de sua superficie - que sã.o as palavras que o cons·
ou. noutra.s palavras. a essa classe de personagem: querem tomar-se can· tituem e as relações por elas expressas. Na verdade. dessa forma, esLamos
tores. decidem (mesmo contra a nalureza), querem ter nomes pomposos tentando ver como o texto loi-se Jazendo, como as palavras foram promo-
enLor_ta~ o bico. encrespam a Lesta. convocam os passarinhos. impõe~ vendo a conslrução de uma unidade. Do lado do leitor. lica evidente a trillla
cond1çoes. co_nseguem unanimidade. expulsam as aves que cantam sem que precisa ser [eita para o êxito na compreensão do que é dito.
alva1ás. Ou seia. a seleção lexi.cal vai sustentando uma imagem de ·1m1bus·
-

-- ----
-F'-'""'........
Pi . _ ........ li"•--.. -·-

Quanto à natureza dos nexos coesivos ~ (b) Os nexos de con/.iguidacle ocorreram quando a mesma classe de objetos
~ foi referida. mas não o mesmo membro dessa classe. Por exemplo, entre
1.embramos que esses nexos, tal como fo i apresentado no ~ a referência a ·urubus· e a ouLra a ·cada urubuzinllo' não há equlvalência
capítulo 6, pod em ser nexos de equivalência, nexos de contigui- ~ referencial: LraLa-se de duas unidades diferentes do mesmo conjunto de ob·
dade., nexos de associação e nexos de conexão ou sequenciação . jeLos. Ou seja. não llá equivalência. mas há contiguidade relerencial, pois,
Vejamos como esses nexos se constituíram no texto em análise. como disse. Lrata-se da mesma classe de membros. De qualquer lorm a. vale
No momento, fixo-me nos três primeiros, pois os nexos de cone- salieolar que pela contiguidade referencial. se eslã assegurando também a
xão e sequenciação serão analisados, no tópico seguinte, quando i conti nuidade que a consLrução do texLo requisita.
nos ocuparmos dos recursos grama t icais. (e} Os 11Gxos de associação são os mais rrequenLes em Lodo Upo de texlo.
como decorrência da exigência de conLinuidade da própria c0€rêncla ou
corno rorma de assegurar a inexistência de rupLu ras ou desconLinuidades.
Todo Lexto supõe um fio. que não se pode parlir... Assim. as referências. ,:
• urubus_, eles; as prcclicações. os aLribu Los. as relações vão se associando e criancio urna i1
rede de aproximações Corno já mostrei. ex iste uma associação clara enLre !:
urubus --. si (Jízerw11 compelicões eJ71 re si): 'u rubus· e ·aves·: enlre ·aves becadas · e ·interesse pelo poder': enLre 'es- ~
urubus__. urul)us: cola' e ·prolessor': enlJc 'canários. sa.biás' e ·canto': entre ·interesse pelo }
urubus - > os velllos urubus; poder' e ·exigência ele concursos. de diplomas. de alvarás' ele. Ou seja,
numa oll1ad a ma is cuicJadosa podemos perceber que nada no texlO eslá
' Vai..: , a lieJlla r que •>ll l't'OS 11 c xos de
pi nLassi lgos. canários e sa bifls -> as pobres aves:
dHo por acaso: ou nada está solto: ludo está Fm inlerdependéncia. Nas
''111111'.tlência podem ser encontra- pintassilgos. canários e sabiás-> os passarinhos: 1rases isoladas. a unidade req uisilada é apenas aquela restri La a seu i nte-
dos un texto <:rn ard 1isc. .F111'1';1rru 1-
''"' .11·numcr:i -los cx:1usril';1111cn tc
1 as pobres aves-> elas 2. rior. No texto, a p1imeim lrase se arlicula com a segunda: a seg unda com a
para 11:in alo ngar cin clcn1n si<1 ,,
O recurso à elipse também pode implicar umnexo terceira .. ; loclas sG articulam entre si, e nada pode ser dito som o apoio do 1
1>10..:l'di111ento de an:íli~e . Mas, na
de equivalência relerencial. uma vez que é possiveJ contex Lo preceltenLe ou subsequenLe. Mas a gente só enxerga isso quanclo ~
,,i1.1 de aula, uma an51ise exaustiva
pode aco nrccc r sem pro ble111:1. resga tar. na procura pelo sujeito de cada verbo. a se lança na escrita e na análise de texLOs! ~
.... ,,,, "· '·' '" ' .....
_ "'· ...,.,,,' ·• ' ....... .....
_

' Oh~rrvem os que o que t·sr<.Í t>m retornada à referência anterior, corno no trecho: E
io1to aq ui não é sim plesmc11tt· iden- para islo 111udaram escolas e imoorlaram protesso- Ainda a propósito de nexos de equivalência referencial, veja-
1il1c,1r as ocorrênc ias d1: elipse,
1111111:1 a ritud c de mcr;1 proc ura po r
res. gargarejaram dó-ré-mi·lá. mandaram imprimir mos o segu inte fragme nto de texto:
diplomas, e fizeram compeUçôes entre si, para ver
~-·õ'"i;p;~;~·; Aô:· p·;d·c~. .Í[;~~;~;:~·,s·;·~;~~~· h~·~'";;··;~~;d~;. ·~-\;;~;~..~;t~;
lllto' do mundo sin r:ítico. O que
,·~ r;\ e111 jogo é reconh ecer cm que ouais cfeles seriam os mais imporlanles e Leriam a
\11lltt·~ 10~ a mesma referência vol-
permissão de ma11dar nos outros o mesmo recurso na do Brasil e em transmiti r ~ (1) "verdadeiro" aspecLo civilizado. Ele
11111 .1 <•Lllrrer, para assim se pod er
rr\.'11pcr.1r a continu idade rderen- da elipse. numa siluação de equivalência referen- (2) visitou pessoalmente a Exposição Universal da Filadéllia (1876). l á (3)
lln l do rexto, q ue é co11diçfo de sua cial. pode ser vislo no Lrecho: E as pobres aves se teri.a conhecido Alexander Graham Bell, IDIB (4) lhe (b) apresentou sua (6)
\'Ol'r(·11ci;1. Volto a insis tir: o que
olharam petplexas, potq11e nunca haviam imaginado mais nova invenção. o Lelefone. Ao Lestá-lQ.. (7) o Imperador (8) teria dito QQ..
1111/1111/,1 11ão é recu11/Jl'cer uni fato
JlT11111111ical , si mples111ente; o que que lais coisas 11ouvesse. Não tiaviam vassado por inventor americano (9) que. (10) estando disponível no mercado. o Brasil
llll(J•llf<1 ,; a11t1/i11r o concurso desse escolas de canto, porquo o canlo nascera com elas seria o 2fill. ( 1J) primeiro comprador.
/11/11 J.ll'olmati,-a/ prir.1 a co11stru ç'10
E nunca apresentaram um diploma para provar crue (Palha de S.Pauto, Mais. 19/ 11/2000).
,{,, .-111•s1111 e dt1 coerê11cia do texlo.
~bja1J1 canlar, mas cantavam. simplesmenLe1...
--·$•(•$"")$-b,. ., __
q_;_; ~T••,1-'.1'"""7'"....;.· ••1••• '" ·~' ' ' "'"l>•,..7•(*""'••" " Cj u:; ti) J.J

~
De saída, podemos dizer que esse fra gmen to apresenta uma nos segmentos anteriores, havia um o utro poss1vel r eferen
grande densidade coesiva, po is, apenas no â mbito da continui- te para o pronome (Alcxander G raharn Be lJ ), a lém de a
da de referenc ia l, se veem onze nexos . Al.guns comentários acerca primeira referência ao Imperador esta r um tanto di.s tante e
d esses nexos podem ser releva ntes; vejamos: terem ocorrido outras retomadas pronominais a ntes;
• Em (1), o pronome 'seu' poderia irnplícar ambiguidade: • em (9) , o inventor americano, verificamos a substituição
'o asp ecto verdadeiramente civilizado' era do Brasil ou do da r eferência a Alexa nder G raha m Bell por uma expres-
Imperador ? Formalmente, o pronome poderia retomar um são que, nesse contex to, o caracteriza (o inventor ame-
o u outro antecedente; a dúvida se desfaz quando apela- ricano); a conveniência de um procedimento como esse
mos, primeiramente, para a proximida de entre a referê ncia não é, simplesmente, ev itar a repetição de uma palavra, é
a Brasil e o pronome e, cm segundo, q ua ndo consideramos possibi litar o acrésci mo de uma informação que torna o
a imprevisibilid ade ele a lguém "se empenhar em transrnitir texto m ais informativo e relevan te;
seu verdadeiro aspecto cívilizado ". Pelo menos nt:sse con- • em (10), podemos ver que o te rmo elíptico aí é 'o telefo -
texto, essa in terpretaç5o não seria muito p rov<1vel; ne', uma vez que não reria coerê nci a aceita r, como 'a lgo
• cm (2 ), (Ele (2) visitou ...), não bá dúvida de q ue o prono- dí spon ívcl no mercado', o utro o bjeto senão o telefone ('o
me retoma a rt:ferência a 'O imperador'; o único referente Imperador', ' Alexa ndt: r Gra banl BcU' ? N ão te ri a sentido);
possível no contexto ;-1 nrcrior ('Brasil ') não era coe rente podemos ve r, por esse viés, como é s ignificativa a inter-
com o n úc leo do pred ic;ido ('visitou') , que, no contex- pretaçã o que se apoia também cm nosso conhecimento de
to 'visita r pessoa lmente', ex igia a refer ência a um agente mu ndo e não apenas nos aspectos forma is do e nunciado;
humano; • en.1 ( L1), igualmente, é clara a conveniênc ia de se apelar
• em (3), é fac ilmente ide ntifi ca da a retomada de uma loca- ' 1• para a coe rência do q ue é d ito: nesse contexto, o telefone
li zação espac ial (Ext>osição Universal da Filadélfia -?Lá); é o único o b jeto comp rável; só nesse sentido se pode esta-
• cm ,gue (4) lhe (5) apresentou sua mais nova inve11çãu(6), belecer um nexo acei tável.
se identifica m facilmente os referentes dos pronomes, o J\ análise qu e empreendo a partir desse fragm ento revela:
que supõe a consíde raçã o não apenas dos pronomes mas .. • ... .. • • ... . ........ <. .~I

também das predicações cm que eles aparecem; por exem - {a) a !unção coesiva que os pronomes e oulrds expressões relcrenciais as-
plo, a c iênc ia de que ' a mais nova invenção' nã o era do sumem na consLruGàO de um Lexto:
Imperador permite que se identifique os referc11 tes do
(IJ) a necessidade ele se extrapolar o formal, ou a mera expressêo linguísti-
'q ue', do 'lhe' e do 'sua ' - Alexander Graham B el/;
ca . para se recuperc:ir a legilimiclílcle de um nexo:
• cm (7), 'ao testá -l o', ta nto a proximidade em relação ao
(e) o predominio da coerência na procura inLerpreLaliva de qualquer nexo.
o bjeto de referência ('telefone' ) quanto o nosso conheci-
Isto é, se empreendemos a ali vidade de esLabelecer os nexos em um texto,
mento de mundo nos 1.e vam a reconhecer o antecedente
ó porque alimenLamos a hipótese ele que oxisle um sen/Jdo prelendido
do pronome e a estabelecer a continuidade requerida para
que jusli!ica a ligacão de dois ou mais elementos. A gramáUca representa
o enunci a do;
um dos cornponenles desse senlido. Atenção: apenas uM dos componenLes
• cm (8 ), (o Imperador), o nexo é da do pela rep etição li teral
Existem ournos. que não podem ser perd idos de vista!
1
d a palavra; nesse caso, esse recurso é o ma is indicado, pois, t .... ~~,.,,,.,,' '". "" . ' ·'"'"·""' ""''"''"'~""""4""'~--~---------

- 1

---~ - -
dl ana !Ises de Lextos quanto a aspeotoe de sua coneuuç&o .i

Até aqui an a li.sam os os nexos que se construíram no âmbi- p anffrase, o paralelismo de estruturas, o uso de expressões concc-
to da r eferenciação atualizada , o que implica uma concentração toras e seq uenciadoras.
no levantamento de expressões nominais (com substantivos ou Assim, no texto em análise, como amostra desses recurs os,
p ronomes com o núcleos). Vale salientar, no entanto, que pode merece observar:
ocorrer uma equivalência d e sentido entre d uas expressões com - d.as pa lavras ' fl: oresta ' ; ' uru b u ' ; ' av e'
• a rcpet1·ç;:10 · ; 'pas s·'ar·1·-
va lor de adjetivo ou entre duas predicações, por exemplo, o que nho' ; 'sabiá'; 'canto', 'canta r'; 'escola ', 'concurso'; 'd iplo-
estaria fo ra do âmbito refere ncial, mas não deixaria de consti- ma'; repa remos que a reiteração na escolha dessas pal.a-
tuir um nexo coes ivo. Podíamos lembrar a vrns já é indício dos núcleos tem áticos do texto; portanto,
• Sou rcsremunha da difirnl<Lidc 1
conriguidade de sentido entre os atos de 'en- a repetição de cada uma fu ncio na como marca de que os
dos professores para tr:1r;ir das crespar a testa' e 'entortar o bico' ou entre túpicos centrais do tex to se mantêm;
quesrõcs grnmarica is no e nsinu 'a quebra da tranquilida de dos uru hus' e 'a • a substitu i<,:ão de uma palavra por outra equivalente, como
da língua . É que a tr;uliç:i o lhe~
proporcionou o estudo de 11111:.1
tagare.lice dos passarinhos que brincavam e aconteceu no nexo entre ' pintassilgos, ca nários e sab.iás'
gram:11ica à p :1rtc, fora do texto. faz iam se renatas'. É muito significati vJ tam - e 'as pobres mies'; entre ' documentos de seus concursos'
Esrnmos vendo, pdas amí lises fci bém a associação entre as difer entes atribui-
tas, q ue rnda :1 g ran1:í1i..::1 ocorre
e 't~is coisas' (substituições pelo uso de um h iperônimo);
nos r.:xros . E é, :1í, no tl·xro, qu e ções de sentido, corno já temos sublin hado . entre 'pintassilgos, canários e s:lbiás' e 'elas'; entre ' os ve-
po de mo, ver <:omo essa grn m:ítica Examinemos, por exem pl o, a p roximidade lhos urubus' e 'eles' (substituições por pronomes); n1ere-
se efo 1iva e que /i111ções tli sc11rsiv:1s
semântica entr e as predicações ' fu ndar esco- ce destat:ar o uso do pronome •Tudo', no i.nício do texto
cada L1111 n de sua' <><.:orrên.:ins cum -
pn:. ü que imporr.i não é a valiar las de ca nro' e 'importar professores, garga- (Tu do aconteceu ... ), numa espécie de a núncio de tudo que
os valores d as 1111idades isolnd<1s; rejar cló-r é-m i-fü, i1nprim ir di.plomas, fazer vai ser n:1 rrado (uma substitu ição de n;Hurez;1 catafó rica,
mas .:0 1110 es~n s 11nid:u lcs cu1nprt'111
no r<.:xto as fu nçõe s de :is~cgu r:i r a
competiçôes' etc. Ou seja, a continu idade que apon ta para os trechos seguintes) e, co ntrariamen-
cxpressiio de 11111 sentido e de umn que prom ove a coe rência não se fund a ape- te, o uso do pron ome 'Tudo', no meio do tex to (Tudo ia
i11le11('ãO, o qu<.: 1·x igc cncsri " eco - nas no âmbito das referências que são feitas.
Prê11cia. O cami11lH> não é csruda r mu ito bem) , que resume a narração fei ta até esse ponto
gra 111 ~ rica, isnlad.1111ente. O ca1ni-
Ela se estende a rodas as dimensões do texto (uma substituii;ão, portanto, de natureza a nafórica, que
nhn é ver como :1 g r:i rn fiiica possi- e nlca nça também o âmbito da atribuição e
bilita cm textos o cumprimcnro das
retoma portes anteriores); rep:1remos
da predicação {o que envo lve :1S expressões
funçõ~s comun i..:a tiva s. ainda no uso do demon strativo ' isto' ' 1n; isro na rdcvânci;i de a 11.ílises
predicativas e os prcdicodos verbais) 4 • dàu co nra dessas o perações
no seguinte trecho: lO s urubus 1 deci- qut•
texru ais dr promover '" li gações,
diram que (. . .) haveriam de se tornar a continuidade e a L111idade cio
Quanto aos recursos coesivos utilizados grandes cantores. E para isto ... ; vale r<"xru. Represe nta rnu i i·o pouco se
restl' ing ir à idcnti fic::içiio ela clus•c:
A análise q ue fizemos até este ponto compreendeu os t ipos identifica r aí outro nexo coesivo, que
de palavra a que penem:c o termo
de nexos coesivos estabelecidos no texto: nexos de equiva lência, tem como antecedente uma p redica- ' isro', por exe mplo. É pMnome de·

ele contiguidade, de associação. O estabelecim.enro desses n exos ção inteira e como term o de retomada mo 11H rativo, e daí? Q ue funçtlc1
tem? Para que serve nos tcxtol
envolve a utilização de difer entes recursos, pelos quais a pretendi- um pronome demonstrativo 5; que (Hzem os e receben1os? Como
da Ii.gação entre dois pontos se efetiva. Lemb ramos q ue se situam • merece observar ainda a funçã o coesi- po demos er11prcgá-lo hc111 ? Qur
conscquênci.1s 1eria cm c111rrc:14t\-l11
entre esses recursos a r epet ição d e uma pala vra, a associação va do termo ' assim ', no trecho em que
i11 a dequ :1cl~ 111c11tc?
semântica entre elas, sua substituição por o utra equ ivalente, a os passarinhos declaram que nunca
•p•~-'"'' __.,................. . . ,. .. "~as te~ - tundsmentog eprétloei

apresentaram um diploma para provar que sa/Jiam cantar, ,, os segmentos numa terra distante e Em terra de urubus
\

e os urubus respondem que assim não podesa Cantar sem diplomados, fica deli mitado para o .l eitor o espaço em
a titulação devida é um desrespeito à ordem; vejamos que que as afirmações seguintes valem; da mesma forma, o
o termo 'assím' tanto retoma a predicação anterior corno segm ento no tempo em qite os hichos fa lavam também
pode ser projetado para a afirmação seguinte; em um outro funciona como um delimitador, agora temporal, dos fatos
trecho: Foi assim que eles organizaram concursos, o termo n arra dos; ou seja, a val idade desses fatos é demarca da
'assim' também retoma toda a predicação do parágrafo por esses limites de espaço e tempo; em Tudo ia muito
anterior; bem até que..., a expressão sublinhada também tem wn
• um outro recurso coesivo presente no texto em anál ise é valor temporal: o va lor de um tempo terminal (até que,
o uso de estrutu ras paralelas, ou do paralelismo, como até q ua ndo), o que representa para o leitor uma pista de
se costuma chamar, um expediente que cria uma espé- que vai ter início uma situação nova;
cie de re iteração, provocada pela similaridade expressa
• em: aves por natureza becadas, mas sem grandes dotes
na seleção das fonnas sintáticas; vejamos o pa ralelismo para o canto, o conectivo subl inhado expressa uma oposi-
s in t;hico-scm ântico conseguido no seguinte trecho: 1os
ção: as aves tinham poder (s im bolizado pe.lo uso da beca);
urubus] fundararn escolas e importaram f1rofessores, ~ar­
não t inham o dote do canto;
gare jaram dó-ré-mi-fá, mandaram imprimir dif7lmnas, e
fizeram competições (todos os verbos estão no mesrno
• em decidiram que, mesmo contra a n a tureza, eles have-
riam de se tornar grandes cantores é expresso, ao mesmo
tempo e modo, adota m a mesma regência e rodos têm
tempo, um sentido de oposição e de concessão; ou seja,
como complemento a mesma classe de palavras; igual re-
tornar-se grandes cantores era uma pretensão que con-
cu rso ocorre em relação a outros trechos (por exemplo,
trariai1a a natureza dos urubus (sentido de oposição), o
a doce tranquilidade da hierarquia dos urubus fo i estre-
que não imped iu a tentativa de se conseguir (sentido de
mecida . A floresta fo i invadida; bandos de fJintassilgos
co ncessão); q uer d izer, no nexo q ue comumente chama-
(.. .) brincava m com os canários e faziam serenatas com
mos de concessivo, subjaz também um valor semântico
os sabiâs); como se pode perceber, essa co incidência de
de op osição; a concessão der iva exa -
determinados fatos gra maticais constitui um recurso da
tamente da desconsideração a essa • Vale a pena i:essalta r esse Ycd or
reiteração exigida pela coesão e pela coerência do texto.
oposição estabelecida; a lém disso, a de oposição presente na s co11ccs·
si\•as, comumenre vistas, nos livroN
concessão implica u ma o rie ntação
Quanto aos recursos de conexão sintático-semântica de gramática, bem distinta s (e d is·
argumentativa favon1vel ao objeto rnntes) das adversativas e J e ro dns
A pr.imeira observação que podemos fazer inc ide sobre o nú - da declaração: os urubus, ainda que as locuções que exprimem se11tido
co11td rio.
mero de ocorrência da conjunção aditiva 'e' (11 ve1.es), propi- contrariando a natureza, reali.zaram i.. ···-·----········ ....
ciada pelo caráter narrativo do texto, no qual as referências aos seu projeto6 ;
fatos vão-se somando na sequência e na continuidade do texto. • em: para ver quais deles seriam, a palavra sublinhada
Além d esse tipo de conector, podemos apontar: inicia um segmento em que se declara a finalidad e ou
• o uso de expressões que cumprem a função de indicar o objetivo atribuído aos term os do enuncia do anterior;
a delimitação do espaço onde os fatos ocorrem; assim , essa finalidade poderia ser exp ressa por meio de outras
lllllllllllllJ7""1"'4""'54_......,~.--•'"'·•"-'" '"" "' "

Mais especificamen te, das ações de linguagem - concretizadas


expressões como: a fim de, com o fim de, com a fina lidade
<lc, com o objetivo de, com a pretensão de etc.
.'
1
em gêneros tex tuais - às r egula ridades gramatica is. Por essa ó ti -
• cm: E as pobres aves se olharam perplexas, porgue nunca ca, as questões sclec.ionadas nos programas devem ser questões do
haviarn imaginado que tais coisas houvesse, a con junção texto; a parti r delas é que se deve fazer a programação com vistas
sublinhada expressa um sentido de causa em a exp licitar, s istematizar, amplia r os conteúdos gramaticais impli -
Pode-se explorar ou1ra~ cxpres-
' õeo; que têm o mesmo va lor d e relação ao segm ento an terior do enunciado, cados na cons rrução e na compreensão desses textos em estudo.
c.111~:i lidadc, inclusivamenrc, o uso que é, assim, a sua consequência 7 • Por exemplo, se o q ue está progra mado é o estudo de gêneros
,Jc v..:rbos que impli.:am esse va lor,
do tipo narrati.vo, será pertinenre explorar os fotos gramatica is
c011H> us verbos prouoçar, rrs1t!ta r,
..:c111sor, produz ir etc.
Uma últ ima observJ<;ão pode ser fe ita implicados na descr ição de cená rios, os recursos referenciais para
em relação às intenções pretend idas para esse a presentação e retomada d as personagens, as di ferentes fu nções
texto . Embora ele tenha as determin ações tipo lógicas p róprias d e dos tempos e modos verbais, certas Jocuções (de qualquer natu -
urna narrativa, o que sobressa i em suas linhas é um claro propó- reza} q ue in d ican1 sequência de fatos, ou sucessão de episódios,
sito de denúncia, de crítica a uma situação comum no m undo das as diferen ças entre a sintaxe <lo discurso direto e a do discurso
avaliações inst itucionais, no cálculo dos v::i lo rcs das q u::d ificações indireto, pa rn citar apenas estes itens. Se o que esrá programado
profiss iona is, contrariando, por vezes, poderes e capacidodes de- é o estudo de um gênero do t ipo inj untivo (como as in struções
correntes da própria condição natural de sermos o q uc somos. de uso de um apa relho, por exemplo}, será pertinente estudar
Na verdade, a h isrorinha cri ada q uer promover a reflexão sobre o modo im perativo dos verbos, as características g ram aticais de
a artificia lidade e a ilegitim idade da atribuição de valores às pes- uma formula ção cen trada numa sequ ência de procedimentos ob-
soas com ba se, simplesmente, cm elementos externos à sua con- " jctivos. Se se trata, ainda, de um texto expositivo, sob a voz de
dição de existir como humanos. um enunciador im pessoal, pode-se explorar os modos de deixar
a enunciação acim a de qua lq uc.r circunstâncio de lugar e tempo
7.1.1. Observações sobre o esLudo da gramálica ern relação à labula o u, ain da, os recursos de genera lização e de indeterminação do
··os urubus e os sabiás·· sujeito, caso isso convenh a ao teor g lo bal do tex to.
Como se pode ver na seção precedente, muitos c..los faros gra- Ist0 é, a exp licitação da g ra mática vai chega ndo qua ndo a
maticnis presentes no tex to cm análise fo rn m o bj eto d e comentá- construção do texto vai exigindo. Dessa fo rma, vê-se a gramá-
r ios, so bretudo aqueles ma is d iretamente ligados à coesão. Voltar tica como , de fato, não te11do fina lidade em si mesma . Vai-se à
a com end -los aqui m e parece pouco relevante. gramática p a ra explicitar melh o r como se deve usa r, nos textos
Ocorreu-me, em vez disso, fazer com os p rofesso res algu mas q ue fazemos e recebemos, essa ou aquela categoria gramatica l em
reflexões a partir das qua is eles podem cri ar suas experiências de vistas aos efeitos de sentido que se pretende obter.
análises e de estudo d as q uestões gra mm ica is. Vamos Já . Nessa p erspectiva, a gr;:imática sai do foco. É o texto que
Urna primeira reflexão - bem geral - me parece mu ito im- assw ne esse lugar. A primazia será a exploração d as estratég ias
portante e tem a ver com o que ensinar: não devem ser os progra- e dos recu rsos (gramaticais e não gramaticais) que podemos uti-
mas de gramática que vão ditar o que estudar e o que analisar nos lizar nas mais variadas circunstâ ncias de nossas interações so-
textos. Essa opção imp lica um m ovimento q ue vai da gram ática ciais. A primazia será explicita r os modos de se conseguir que um
ao texro. O caminho deve ser o inverso: do texto à gramática. conjunto de pa lavras funcione como um texto, com o uma ação
anâllses de textos quaol.O easpectos de sue conslruç!lo

relevante de linguagem , em função de um determinado propósito Recife. e os espanhóis. no imenso terriLório. t1oielbrasileiro j que Iica a leste
comunicativo, em um determinado context o social. do meridiano de Tordesilhas. (__) A partir do século XIX , preocupadas em
Em suma , explicitação e análise das categorias gramaticais, '·branqu~ª!.'.' ~IP?Pu lação brasiJeüale em substituir a mão de-obra escra~a,
dentro de um /Jarâmetro de utilidade; ou seja, para que possamos as elites tdo país ~ co meçaram a lançar projetos de colonização,' desti nados a
nos comunicar melhor. alrair imigrantes europeus e asiáticos.
~ Diante de Ludo isso. Hca evidente qu e. clesde 1b00 até o linal do Império, o
~: lsrasiil loi um espacolmullilinguele um enorme laboratóriollinguístico.I
7.2 Análise do texto expositivo "Quinhentos anos de (Rodollo llari. Re n a ~o Basso. OPorwguês da genle- a língua que estudamos a
história linguística'' Unnua que talamos. São Paulo: ContcxLo, 2006, pp. 60-61. Adaptado}.
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Í QUINHENTOS f1 NOS DE 1-!ISTÓHIA LJNGU]STfCA ' Q uanto à seleção vocabular como elem ento da coesão do texto
~ <

[ Ao longo de 500 anos de história. a si luação linguíslica do !Brasilj foi 1 M esmo nu ma pri meira leitura , já é possível perceber, entre os
I supercomplexa, pela presença das linguas indígenas (desde sempre), do ~ dois últ imos tex ros, grandes d ife renças, em relaçã o à con strução
!Põrtug·~ ~dos ·Colonizador~s.: das Hnguas !aladas pelos[SSêravõSãiiTCãnõSJ 1 e às estratégias de sequenciaçã o e de rn nstitui.ção da un id ade re-
(a partir de 1532) e, depms. das Hnguas europeias e asiáticas !aladas querida. Tais d iferenças têm a ver, antes de tudo, com determina-
.1~.~1.?;~}~~H~.~~~es. No processo de implantação do~~ no contia.ente ções do tipo e do gênero dos do.is textos: um. narrativo , do gênero
'SU)fi;1rtt~J.\lt1~·~sr~; enconlramos praLicamenLe todas as situações ele conlaLO fá bula; o o utro, expositivo, do gênero 'lição d.id ácica', 'trecho de
linguístico possíveis. Ou seja. ª.~ist.?.!~ª da implantação do ~Ôrl~9uêsJ no .., um Ji vro de divu lgação científica'. Uma das diferenças fla grantes
Brasil foi urna histó1ia de§ulL~i· ~-~~sm~1 é o número bem red uzido de retomad as pronomina is oo segund o
Por ocasião do[~.§~cobrimen0.ldizem os especialisLas, vivia nolBrasilluma texto. No ent anto, são evidentes ta mbém as marcas lexica is de
i população nativa esLimada em seis milhões de ·ndigenas. Sempresegundo u ma densa concentração temática, como passamos a con siderar
~ os especialistas, essoslindigenaslfaiavam cerca de 340 Línguas que eram cm segu id a .
~ obviamente não indo-europeias e pertenciam a troncos linguíslicos mui Lo Para a anál ise deste texto, me ocorreu pô r em destaque ter-
dilerenles entre si. Portanto. o multiJinguismo já existia no continente mos que se repetiam. Dá para perceber, então, que deter.mi.nados
.sul-americano, antes da ·colonização' portuguesa. Os j'PõrLu~ preci-·
termos reincidem n uma frequência ma.i or, com o 'língua', 'por-
saram aprender e usar essas línguas indígenas por razões ele sobrevi-
t uguês', ' Brasil' (e derivados), e, ern me11or número, ' indígena',
vência e pa ra impor seu domínio aos 1iativos. Por sua vez. o Lráíico de
'escravo' , 'colon ização'; na verd ade, um a seleção de termos que
scravos que Lerrnina olicialmenLe em 18!:>0, mas que na prá lica durou até
j á apo n ta para uma uni<la de temática relacion ada à h istória da
o linal do século XIX. trouxe para o!Brasil lalguns milhões de frícanos,
falantes dellin guasJpertencenLes ao tronco niger-congo. Por mui Lo tempo, o língua portuguesa no Brasil. O número de ocorrência do vocá-
elemenLO lindíge.najloi predominante na população rural. e o elemento ·e~ bu lo ' língua' e derivados é uma pista confiável de q ue, p or esse
na população dos cenlros urbanos. Para complicar o quadro. lembre-se de campo , transita o desen volvimento do tem a cent ra l do texto.
queos~Ôrlug ueses ncio !oram os únicos europeus que Lentaramestabelecer Podemos confirmar, assim, um dos princípios q ue regem a
:COiônias no aluai terrilório brasileiro: por perlodos mais OU menos extensos. construção coerente de um texto: as palavras selecionadas devem
os írance.ses estiveram no Rio de Janeiro e no Maranhão. os holandeses. no guardar entre si contiguidade sem ântica. Umas, mais que OLl tras,
constituem centro desse núcleo temático (por isso mesmo a pare- conceito de m ulti lin gu ismo é reiterado ainda • Por isso é que - insisto Cnr.ot p
cem mais vezes). O utras, se fi cam nas adjacências, nem por isso q uando se faz referência a troncos linguísti- lcninramento d.is pnlnvros de um
texto, parn reconhecer, puro e 1lm•
deixam de ter algu m tipo de vinculação com, pelo menos, uma cos muito diferentes entre si. Ou seja, as pa- ple,~mcnrc, a que classe s mmatlcal
outra presente no texto. lavras vão acontecendo na dependência de elas pertencem, é deixa r de perce•
ber os laços que das ..:riam no texro
Observemos, por exemplo, a associação implicada nas ex- outras, atadas a outras, em vista a uma uni-
e a coerênc ia qu e d isso rcs ulrn .
pressões 'população ru ral' e 'populaçã.o dos centros urbanos' dade semântico-pragmática esperada 9 •
com a reiterada referência à 'população brasileira', também re- Merece destaca r o fra gmento 'DIANTE DE TUDO isso', que apa -
ferida como 'popub ção nativa' ou ' nativos' . Da mesma forma, rece no fina l do texto e que tem, evidentemente, urna funç ão de
podíamos reconh ecer a associação entre a referência a 'coloniza- retomada resumitiva; o pronome indefinido ' isso' presta-se m uito
ção' e as outras a 'escravos' e a 'indígenas', uma associação que bem a essa fu nção.
se deve mais ao nosso conhecimento da história do que ao nosso Como tenho in sistido, resulta artificia l separar o lexical do
conhecimento linguístico. Ig ualm ente, a refe rência a 'imigrantes gramatical, até porq ue certos valores semânticos expressos se de-
europeus' dá acesso a que se fale na p resen- vem, ao mesmo tempo, à gramática e ao léx ico. Na verdade, am-
" l'od l· ser (1fil, ue~sc mom en to,
c h a 111~1r a •i rcnç:\o p:i rn ~qu i lo que ça de ' portugueses', ' fra nceses', ' hol.andeses', bos estão a se rv iço dos sen tidos e dos propósitos comunica tivos
é "for:i do 11on11:i l" em um t<'X W . 'espa nhóis' no territóri.o bras il eiro, o que, do texto e, ass im , tomam a mesma direção se mântico-pragmática
Ou scj•l , vcj~nH>S que, cm um rexw
conw o que <.:~t:imos a na li sando,
cm cadeia, já conduz à rcfcrênci.<l a 'o conti- esperada. Reparemos, por exemplo, na coe-
11iio :ich:1 111os mu iw prodvd 4ut: nente su l-americano'. A alusão ao projeto de rência lexica l entre as a lusões à história da "' Vou prefe rir n:io :.1:guir ra1-11do·
apa (CÇ<I 111 p :1 lavr.1s .:omo: ·e~rrcla s •• "bnmq uea r" o Brasil reitera, por oposição, mt"ntc a o rd em em que , no rc~ro
'pen itêucia ·, ·nu:rrt1·.. "conl:ession;.\-
colonização brasileira e o fragmento ' Po r
~111n:rior, os difrrcntcs asp1·cws de
ria ', 't:ncri.:i:i' <'tC. O n1ícleo tc1mí ri- ns referências ao elemento negro presente ocasião do descohri111e11to', um frag mento sua construção foram .1nali~:tdoA
co do 1cx 10 não kva a :l$Soci~ções no Bras il pela presença de alguns milhões de qLte poderia ser enquadrado, também , no Ess;~ preferência aponta para n
com o s domínios onde essas pala-
a1.{,ncanos'.
• X
â mbito da conexilo temporal, um contexto cmwcniência de niio se fnn a lccer
vr~s se l1hcrevcrn. ro ri 11as rígidas de a n:í lisc, 11 qu e
O termo 'multi.J ingui smo', não por pura mais cornumente vi sto como gramatical. a.:aba, às vezes, por '·cnp,cssnr" n
co incidência, está presente no primeiro e no último parágrafos, Mesmo ass im, isto é, sem perder de vista a ri vid ad e e criar um a csp<!cie de
fó rmula mecanic,1mcntc rcpcti clu.
sina liza ndo qu e o tema perpassa exaustiva rnentc o texto. As vá- essa conjunção entre o lexical e o gra mati- Vou me deixar levar, um pouco,
rias alusões a dat;:is ta mbém constituem um sin a 1 da convergência cal, vejamos ::1lguns nexos criados no texto, pelo que o texto vai s ugcri 11do, s~m
tem:üica do texto, no q ue se refere à sua local ização temporal: deixar, conrudo, de con~idcra r 01
mais especifica mente, no âm bito das relações
aspectos de sua c1J11S lrtl(•'''·
Ao longo de SOO anos de história; (a partir de J 5.32); A partir . . 'º.
gramaticais
do século X IX; oficialmente em 185 O; até o fi1ZaÍ do século X IX;
desde 1500 até o final do Império. Essas a lusões já corroboram Quanto à natureza dos nexos estabelecidos
a particularidade de que o tex to aborda aspectos da história do
Brasil. Sumariamente, podemos afirmar que predominam nexos de
Por sua vez, defin ir a situação linguística do Brasil como su- contiguidade, sobretudo em relação à cadeia de expressões re-
percomplexa ganha respa ldo na dedaração posterior do 'multi- ferenciais. Na verdade, as referências aos mesmos objetos não
/inguismo' {não por acaso, as duas palavras são formadas com acontecem em grande número, como ocorreu cm relação à fá-
prefixos que se aproximam semanticamente - supe1~ multi). O bula Os urubus e os sabiás. Podemos recon hecer um nexo de
equiva lência, por exen1plo, nas ocorrências da expressão ' o Bra-
sil', que, por sua vez, aparece, mais no final, substituída por 'o
r seg mentos que reafirmam essa orientaçao do texLo para a dimensao hls·
Lórica do tema LraLaclo: além clisso, cumprem a !unção de demarcar um
país'. Va le o bservar que, com a expressão 'o português' (no sin-
gul a r), se está referindo à 'Jfngua '; com a expressão 'os portugue-
'1 determinado período de tempo em relação ao qual o tema é pertinente;
(e} no seguinte trecho: PorLanlo. o mullilinguismo já existia no continente
ses' (no plural ), se está referindo ao 'povo de Portugal'. sul-americano ames da colonizacão po1Lt1guesa. pode-se reconbecer tam-
1
Foram mais frequentes os riexos por conriguidade ('línguas bém. pelo termo destacado, uma alusão temporal; uma outra observação
indígena s' e 'línguas europeias e asiáricas') e aq ueles por associa - perlinenLe tem a ver com o uso da expressão ·portanto', que se jusUiica.
ção, como já mostrei no tópico anterior {ver, por exemplo, 'tráfi- como conclusão. às afirmações dos segmentos imedialamente anteriores:
co de escravos' e ' mão de obra escrava'; 'milhões de a fri canos' e vivia no Brasil uma população nalíva estimada em seis mil/Jões de indíge-
'elemento negro', para ficar apenas nesses casos). nas(...) que falavam cerca de 340 línguas(...) pertencenles a lloncos linguis-
O que é pertinente, nessas análises, é ressaltar essa prox im i- Ucos muilo diferentes enlre si:
dade de refcrênci.a ou de sentido que acontece nos textos coesos e (d) o segmento Para complicar o quadro. sobretudo pelo valor semântico
coe rentes, seja por identidade, seja por contíguidade ou, a penas, da palavra ·complicar', avanca. para o leitor. a expectativa ele que outros
por associação . No texto, as palavras não são autônomas, no ~ argumentos. ma.is sérios ainda, vão ser apresenLados;
sentido de que cada un:ia se basta. Elas estão em rede, um a ligada ~ (e) merece sa observada a correlriç~o semânU.ca enlre o fragmento 'A partir
à outra e às outras. O texto é um grande terreno de grandes vi - ij do século XJX· (com destaque para a expressão 'a parllr de'} e o outro ·co-
zinhanças. Esse senti.do da co-textualização mais amp la perde-se 1 meçaram a lança r projetos'; isto é, a expressão 'a pari.ir de· indica o ponto
nas atividades de formar frases soltas. 1 inicial de alguma coisa. o qu e cslâ e m. coe rê ~cia com a consLrução ~sp~c­
: Lual seguinte ·começar a'; oulra vez, J1 ca ev1denle. nessas convergenc1as
Quanto aos recursos da conexão sintático-semântica •. ! ponLuais. a reiteração que dá unidade ao texto;
i (l} uma observação semelhanle poderia ser leila em relação à correlação
Como já adiantei um pouco no item precedente, ocorrem nes-
te texto muita s expressões de va lor temporal - sob a forma sin-
! entre ·desde J!JOO a/€ o final do Império· e o tempo verbal no passado em ·o
Brasil for: ou seja. o vertJo com valor de Lempo concluído (o Brasil !01) en-
tática de adjuntos adverbiais tempora is - o que, como vimos, en- l contra apoio na expressão ·até'. indicadora. por isso mesmo. de um limite.
contra pleno apoio na temática central desenvolvida, que explora 1 de um Lempo linal:
elementos históricos da língua portuguesa no Brasil. Tais adjuntos (g} pode-se consLalar um senlido de Cdusalidade no segmento sublinhado
merecem se r destaca dos, portanto, pela sua vinculação a aspectos em: A parUr do século XIX, oreocupadas em "branauear" a oopulação bra-
do tema tra tado, ou seja, pela coerência que empreendem . . sileira e em subslíluir a mâo-de-obra escrava. as elites do país começaram
Ass im , vejamos: a lançar proieLOs de colonização:
.........,..,.,,:....,.,.,..,,,.._:•~~l.....__~.---............._..__,_..,,.,~""'"-"~-,,.,.
~'-•"1• ..--.·...... ~ ........... .,.,,,, _,..."'---·~-~":'<.
(h) o segmento com que o texto linali za - DIANTE DE TUDO ISSO - ao
(a) Ao longo de 500 anos de história e Por ocasião do descobrimenlo sã o mesmo Lempo que retoma e sinLetiza o conteúdo dos trechos anteriores
dois íragmenLos com valor Lemporal. que, não por mera coincidênc.ia. ini- ('tudo isso '). situa o espaço frente ao qual se pode dize[ que o Brasil foi um
ciam o primeiro e o segundo parágralos. reiteranclo. ass.im. a delimilação espaço multílíngue e um enorme laboralório Iiaguistico.
do Lema na direção de suas circunstâncjas llistórjcas;
(b) desde sempre: Por muito tempo; por períoclos maís ou .menos exten- Enfim, podemo-nos debruçar so bre o texto e procurar per-
sos: A parlir do século XIX: desde 1500 até o final do Jmpél?o são outros ceber nele rodos esses elos, que, lexical o u gramaticalmente,
"llJ\...~"·*""·""""'Y-~3f<,-

linguística ou pragmaticamente, o deixam com sentido e capaz 9. Escri tora brasileira? Ué, mas no B1asil ex istem editoras?
de constüuir urna in terloc ução relevante. 10. A culminância lo.i a ob~ervação d~ uma c1llica berlinense. num ~rtigo
A an :.í lise desta ú ltima seção contém a exploração dos recur- sobre umromance meu editado por 1a, acrescenLando. a alguns elogios. a
sos gra matica is mais salientes em função da coesão e da coerên -
1~ grave re.strição: "porém não pa rece li vro brasileiro. pols não faJa nem de
cia . A par t ir da s categoria s analisadas, o professor pode progra - \ plantas. nem de índios. nem de bichos."
m ar a exp loração e sistem atização d e um outro po nto m a is per- , 1LDiante dos três poemas sobre o Brasil, esquisitos para qualquer brasi-
tinente. Po uco a pouco , os alunos vão p erce bendo q ue não ex iste leiro, pensei mais uma vez que esse uesconhecimenlo não se deve apenas
gram ática fora do tex to . , à natural (ou inalural} alienação estrangeira quanlo ao geogralicamente
fora de seus interesses, mas também é culpa nossa. Pois o Que mais expor·
lamos de nós é o exótico e o rolclórico.
7.3. Análise da crônica "Nós, os brasileiros" 12. Em uma feira elo livro de F'ra nkfurL. no espaço brasileiro. o que se via
,.:: .. . .... . . .
''•. ~·· ' '
eram livros (não mu ito bern arrumados), mu ita ca ipirinl1a na mesa. e tele-
~ visões mostra ndo carnaval, luLebol, 11raias e. . maLos.
~ Nos. os BHf\SI LE1flos
13. E eu , mu lher essencia 1menLe urbana, escritora das geografias interiores
~
~
L Uma ecliLora europeia me pede que traduza poemas ele autores eSlran· de meus personagens neuróli cos. me sonLi lão clcslocada quanto um maca-
geiros solJro o IJrosil. co em uma loja de crista is.
2. Corno sempre, elos falam ela li ores ta amazônica, uma floresLa mu i Lo pou- 14. Mesmo que LenLasse explicar. ninguém clCredilarla que eu era Lão brasi·
co rea l. aliás. Um bosque poético, com ··mulheres de corpos aJvíssi mos ~ leira quanLo qualquer neg ra de origem alrica na vendendo acarajé nas ruas
~
esnreilando enlre os Lroncos das árvores e 0J11os de serpeflles l1ir1.as aca ri- ,~ de Salvador. Porqu e o Brasil é Ludo isso.
cia ndo esses corpos como dedos amorosos ". Não Ja ltam llores azuis. 1ios i J[) E nem a cor rle meu cal)elo e ol hos. nem 1neu sobrenome, nem os livros
cristalinos e liqres mágicos. que li na inlância. nem o iclioma que lalei naquele tempo, além do porLu·
3. Traduzo os poomas por dever de ofício. mas com uma secreta e nunca guês. me lazem menos nascicla e vivicld nesta Lerrc1 ele tão surpreenclenLes
realizada - vonlade de inserir ali um grãozinho ele realidade. misturas: imensa, clesaproveilacla. instigante e (por que Ler medo da palavra?)
maravilhosa.
4. Nas minhas idas (nem tantas) ao Exterior. onde convivi sobreLuclo com
escri Lores ou professores e esLudanLes universilários - porLanto, gente (Lya Lu!L. Prnsat r transgreclit: Rio CIG laneiro: Recorei, 2009, 49-~1).
razodvelmenLo culla , lui invariavelmente surpreendicla com a profunda
ignorência a rcspeilo ele quem. como e o que somos.
Tra ta-se de uma crôni ca, sob a fo rm a de um relato pessoal,
5. /\ sonhom é bras ileira? ComcnLaram espanLados alunos de uma Univer- entrerrieado, no entanto, de comentários acerca da questão en-
sidacfe america na lamosa - Mas a senhora é loira i volvida nesse relato: a imap;enz que os estrangeiros têm do Brasil
6. Depois de ler nurn Congresso de escriLores em Amsterdã um Lrecho de é irreal e fantasiosa. Na verdad e, a crôn ica n ão deix a d e apresen-
um de meus romances traduzidos em inglês, ouvi de um sent1or eleganLe, tar um teor argumentativo, uma vez que a estratégia de relatar
clono de um anliquário Jamoso. que segurou comov ido minhas duas mãos: e comentar os episódios preencheu a função de, tal como argu-
7. Que maravi lha! Nunca imaginei que no Brasil houvesse pessoas cullas! mentos, comprovar o ponto de vista defendido pela a utora já no
8. Pio1ainda, no Canadá, alguém exclamou incrédulo: parágcafo introdutório.
•fiP-....-....- ...... ~,... ....... _. . ..... ..

Os comentá rios q ue preenchem a crônica se apoiam em ex- as palavras: poemas, romance. escriLores. auLores, 12 M io se 1ra ta, porrnnro, de rcduilf l
periências vivid as pela autora, que assume, assim, em primeira professores, universidades. estudantes, livros, edito- o lcvanrnmcnto do voc:ibulá no do
· - ·' rrxto ao critério d e dar o sig ni fica ·
pessoa, o papel de narradora parri.cip::itiva. Aliás, o fato de todo 1'~ ra. traduzir. inglês. enLre ouLras: essas assoc1açoes 1a do desconhecido de cenas palavras.
o relato acontecer em primeira pessoa já constitui um recurso ~ seriam suficientes para nos aponLar em que direção TrMn -se de rom•ll" o l~xico do rexm
~ vai a unidade semântica do textd 2: como pism par;1 rcconbccimcmo de
reiterativo, um meio de marcar a coesão e a coerência do texto. ~- s11as informações. suas ideias. seus
1\tlas vamos a mais d etalhes ace rca da construção da crônica (c) um outro tipo de repelição pode ser visLO na re- argumenros principais. sua unidade
Nós os brasileiros. corrência de estruturas sinl.áLicas - o paralelismo - scma:11iq, sua cocrêpd:l, enfim.
, COffiO já detinimOS; O paralelismo, de fato. COnSlilUi Uffi Por esse vi~s, fica cvidenrc ,1indo

As funções textuais decorrentes de aspectos da seleção


1 recurso de reiteração, uma vez que urna deLerrninada que não tem S(.'tltido solicitar a es
~ lorma de consLru c,ão sintática - ou uma estrutura de criia de um rexro a partir de um con
vocabular ~ junto de palavras com que se pode
~ consLrução dos segmentos - se repele: esse lipo de ·rrcim1r' sua complic<.1da ortugrafin.
Tomemos como referência, p ara este texto, as palav ras q ue ~ repelicãO é reileraLivO e, portanlO. CO€SÍVO; Observe- Nesse caso, a associação pel;1 qu<d

se repetem . Partindo do pressuposto de que a ocorrência de re- mos o paralelismo presenLe na sequência de segmen- se itinrou esse grnpo de palanas não
fo i scm;\11tica; foi gráfica. E ni:1gué11:
petições, mesmo em um texto da .r xosa literária não é a leatória LOS coordenados a seguir: E nem a COI de meu cabelo fob Oll es~revc 3 parti r da prt•rensâo
' ' e Ol}IOS, nem meu SOIJ!BlJOfll e, nem OS livros C(U8 li na 1 de junta r p:davras que apresentam os
podemos descobrir, nessas repetições, fu nções d iscurs ivas sign ifi-
,: iJJfâiJCi8, 11em 0 idi0/n8 (}LJ8 fafei J18QUefGleJnpO; lllCSlllOS sons ou as mesmas lcrrns. l\
cativas. Vejamos, por exemplo: ~ . g<.:11te fa la ou escreve para dizer coi·

,~,:· ... ,,., '• .·~~····· . . .- . . ....~.. ••• ,,,..,.., ')li..... _. '· ~ - ..........._ "''"" ~·.• W'. ......
•l'I•~
~ (d) igualrnenle. Lern uma composição reilmatJva o sas que cêm sentido. coisas scmami

1(a) a repetiç5o da palavra 'Brasil' e de seus derivados ('ürasileiro '/"bra- ~ segmento: Não faltam flores 8?.IÚS, rios cristalinos 1 cn mcnt~ a fins t:, pnrtal11 r~'. coerente\.
i sileira·) - conslil.ui para o leitor urna insliuçãoacerca de um dos Lópicos i e /.igres mágicos (expressões referen ciais !armadas . .
1. Lratados, possivelmenLe o principal. já Que é a pa- 1 por substantivos no plural 1sem delerrninanlel sequidos ele um ad1et1vo): o
~. outro segrnenLo com que a au~ora , no linal, leclla suas considerações lam-
I
" Po r si11af, a ocorrência dc an-
l<J vra que se repele o ma ior número ele vezes: essa
1ti11i111os, 11;1 sequência cio tex to, conclusão pode ser respaldada pela constalação de bém apresenta paralelismo em sua conslrução (uma sucessão de atri bu-
t111Hi>l- 111 é sinal de arricu l;1ção ent re que palavras que expressamseu contrârio. corno ·es- LOs): nesta terra de Lão surpreendenLes mislmas: ime11sa, desaproveitada,
p.trllº~ cio rcxto ou ele su:i coesão. O inslíganle e (por que Ler medo da palavra ?) maravílliosa:
q11l precisa ser ex plorado é :1 re la-
0
trangeiro", e 'fxLerior". também ocorreram mais de
~· .lo de co111inuiclade criada no rex- uma vezl!: corrobora ainda essa conclusão a relerên· (e) a a!irmaçâo de que a imagem do Brasil é. para os estrangeiros. muito
111 pc J.1s dois ou 111ais anttmi:nos. É eia reiLcrada a 011Lros países ou a cidades de outros oouco real encontra coerência. na sequência do Lexlo. com out~as expres~
11111ito po11co significarivo apcnas
países: ou seja, uma pista que regularrnenle pode sões. tais como: bosque JJoéUco. tigres m~. seroenles /?1rlas acan·
H11 hcr que tal pal;wra correspondt"
"º .111rônit11<) de uma ourra. ser dada como indicaçao da trilha por onde vai o ! ciando cwos como dedos amorosos:
terna central do Lexto é a evidênci a das repelições: i (0 no final , o segmenLO Porque o Brasil é wdo issaé claramente resumilivo:
(b) se tomarmos a repetição como reileração - num sentido bem amplo lo pronome indefinido 'isso' presta-se rnuiLo bem a essa retomada, que. pr~-
- podemos consLatac que. se as palavras nao se repetem literalmente. se ticamenle. reilera Lodas as a1irmações que foraJn feitas antes sobre o Brasil;
repetem seus valores semânticos nas associações que são feitas. até mesmo (g) o segmento Mesmo que tentasse explicar estabelece com o Lrecl10 ante-
quando há oposição entre tais valores: observemos, por exemplo. em relação rior uma relação de concessão, Lanto assim que. em seu lugar, poderiamo8
a ·Brasi I' (e a tudo que delese /ala e se con llece). as associações perceptívejs usar um outro conectivo concessivo como ·ainda que', ·ernbora· etc.; vale
entre itens corno floresta. plantas. rios, bichos. ílores. carnaval. caipirinha. a pena considerar a correlação entre os tempos verbais em Mesmo que
lutebol. praias, matos; igualmente, podemos reconhecer as associações entre ~~atasse expUca1, ninguém g,~redilaria: o primeiro verbo exprimindo uma

-
hipólese requer. na orac<Jo seguinle. um outro verbo que também exprima
uma possibilidade Jutura;
Quanto a outros aspectos da construção do texto
(!1) com o Lrecho nesta terra de Ião surpreenclences misturas. podemos res- Nem sem pre a continuida de depende da presença exp lícita de
gatar. além da referência a 'Brasil' ('nesta Lerra'). a ide.ia de que o país é conectivos ou de exp ressões que denotem a lgum tipo de sequê n-
o resultado de diferentes expressões culturais. como está explicitado no cia. É o caso da crônica em a11é:1lise, como veremo s a seguir.
lrecbo imediaLamente anLerior (eu era Lãa b1asilei1a quanto qualquer negra D e fo to, a contin uidade da c rô n ica é perce bida pela sucessão
de Oiigem africana vendendo acarajé nas ruas de Salvadoi).

Em suma, outra vez comprova mos que a seleção vocabuLu de


.. . ' de fatos da mesma naturez.a, que, por s ua vez, corroboram o p on -
to cen tral comentado: a imagem que se te111 do Brasil no Exterior
é irreal. Da í que:
um tex to é reg ida pelo impe ra tivo d e em p rest;.1r-Jhe contjnuid adc ,•• '' •h'•··.......,,.,.,., ..................,......~ ... ,,.•.• "'"'' ........, ........, ...........,. .•.,..~ ......."' ...... ' • , ...... ~··· ,.......... •-.,. ...,,,. .... _._. ••.•••• ' ........:l
<'l,11•".'•'-.'Y;,..,.............

e unida de. Qua lq ue r ruptur a com essa reg ul a r idade é justificá ve l: ~ (a) nos dois primeiros pa rágralos, o Lema é posLo. assim como a disposição
o bser ve-se q ue a ocorrê ncia d as palavras marncu, loja, cristais - ela auLora frenle a ele (vonlade de inserir ali lnos poemas que traduzi um
que foge tota l~11ente a os eixos semânticos do rexto - se explica aràozin/10 de reali.f!.M!fl):
pelo fato de ta is pa lavras p erte ncerem a um rrfr 5o popular (" T ifo
(IJ) o 3º. parág raro prepara o leiLor para a série ele episM ios (Nas min /1as
est ranho ~ua n to u~n macaco cm uma loja de c rista is" .), esse, s.im ,
como refra o, rclacrnn ado ao aspecto temático tra ta do n a crônica . iclas (nem tan1.as) ao Sxlerior), a parLír dos quais é1 constaLação da autora
De out~·a fo rma, não tcri::i sentido assoc iar pa la vras tã o clisra nrcs (d imagem que se 1em do Brasil no Fx1e1ior é irreaf) vai ser demonsLrada:
se11.1anttca111ente das ourrns q ue constituem o fio central do texto. ~ {e) nos parag rafos seguinLes. (do 4º ao 9°). os episódios se suceclem: a se·
C? q~1 e se r: rn r eveJado ev ide nte nessas :rncí. lises é que a de- quência entre eles é marcada simplesmente pela passagem de um episódio
pcndencia scmant1 ca entre as pa rtes de um texto vem tam bém a ou Lro: essa passagem. por vezes. foi si rtdlizada por expressões que supu-
(sobre~ud ~?) pe lo léxico . A co ncentração do ensino el a líng ua c m nliam uma ligaçã o com algo anterior. como no inicio elo séLi. mo parágrato
dass1f1caçoes e nomencla turas dos itens ela grn m;l tjca nos p ri vo u Pior ainda (pior cio que aquilo que loi narrado no item a11Lerior) ; também
de perceber esse asp ecto . Prnricarne nte, de ixa mos de la do 0 léx ico se pode perceber uma relacão de conlinuiclade sinalizacla pela expressão
e_ vimos_o tex to, a pe nas, como uma peça con str uída pela gra má -
A culminância. cujo sentido exprime uma relação de comparação (com·
n ca . Ev1dcntc1n ente, só há um sentido recu pcd vc l em Uma edito-
paraçâo de superioridade) com algo dilo anLeriormenLe: essas expressões
ra europeia n~e pede que traduza poemas de a uto res estran geiros
indicam ainda que se LraLava de episódios análogos - por isso, um pode
sobre ~ Brasil porque as pa l:ivras estã o arrum ncl as segundo ;i s
ser vislO como ·pior' que ouLro ou corno ·o pior ele Lod.os' ('a culminância');
d~tenm~1 açõcs da gramá ric_<t d a l.íngua . .Mas ta is dete rminações já
sa? sab1das por todos os b ian tes nativ os e não respeitá-las, im- (d) do 10º ao 14º parágralos. a auLora se concentra na sua avaliação dos
plica, nat ura lmente, compron1eter o que se pre tende dizer. E isso episód ios relatados ('pensei mais uma vez que... '); comeca por admi tir que
ninguém qu er. Le m bremos, por exemplo, qu e ni nguém , mes mo a imagem de um Brasil irreal néio é devida simplesmente a visões de es-
um an alfa beto, diri ~ "E uro peia editora uma me gn e pede tra du- â Lrangeiros (mas também é culpa nossa. Pois o que mais exoorta~os .de
za poemas cstrange1ros de a urores Brasil sobre o. " Pois é: va le a ~ nm
é o exótico e o lolclóríco): vale a pena considera r o uso da pnmena
pena não s~pa ra r léx i.co e gram<hica, para que fiqu e bem explíc ito
que os sentidos dos textos são expressos pela conjunção dos dois
- esses mesm os - léxico e g ramática - submetidos às circ uns-
tâ~1cias em q ue ocorre o evento comunicativo. N essa persp ectiva,
l pessoa do plu ra l nesse segmento. expresso nos pronomes ·nossa'. ·nos· e
no verbo ·export ar', uso que recupera a reJerência a 'Brasil ' e que explicita
a nacionalidade da autora:
(e) o 12º e o 14º parágrafos se iniciam com o coneclivo aclilivo ·e·. como
vejamos m a is a lgumas observações acerca da c rônica em aná lise.
1 marcador de um lio em conti nuiclade;
-- -- ~-

1 ' 1
• • ". ~ • • '· • l" '· .'!•.'<,\',..,'°' •.
.,.,1'

(1) vale a. pen.a considerar ta~bém ?s comentários do enunciador sobre J incentivo permanenLe à pesquisa cientifica da complexa realidade lin·
seu próprio cliscurso. o que 11cou evidente empassagens como: Traduzo 1 1 guislica nacional e à ampla divulgaçã o de seus resultados. eslimulan·
os poemas por dever ele olfcio. mas com uma secret.a - e nunca realizada 1 ~ cio com isso, por exemplo, um registro mais adequado. em gramáticas
~ vonlacte de Ínserh aJj ~m grâo~inl10 de realidade. Ou em: Nas minhas 1 ~ e dicionários, da norma-padrão rea l. bem como das demais variedades
idas (.nem lantasJao Extenor; Ou arnda em: (nor a11e ler medo da palavra?)
:' do português, viabilizamio uma comparação sistemática de todas elas.
Esse.s comentários. já que são inserções que logem ao fio das ideias. vêm ·
como Iorma de subsidiar o acesso escolar (hoje tão precarizado) ao pa-
;~.~:~A:~d~s :o~"~~av~::.:.?.e~ ~u .parê1n_:~~::,. . ,,,....... ,-........, . . . ,. . . . .., ·-.. . , ,j . drão oral e escriLo.
~ (5) Apesar de termos essas Lareras maiúsculas à trenle. .roi uma questão mi·
~ núscula que. a partir d.e uma grosseira simplificação dos ratos, acabou por
7.4. Análise do comentário "O maiúsculo e o minúsculo" ~ tomar corpo em prcjuizo de todo o resLo: a presença de pa lavras da língua
r"''''°'
~
•'< • ' < ' ..... W N " ,·

.• inglesa em nosso cotidiano.


i . o MAIÚSCULO E o MINÚSCULO I (6) Uma observacão cuidadosa e honesta dos fatos nos mostra que. propor·
~ ~ f: cionalmente ao tamanho do nosso léxico (composto por cerca de 500 mil
~ (1} E lasti má vel quando alg uém simplUica em demasia as rea lidaelf3S com.. ~ ~ pa lavras). esses estrangeirismos não p~ssam d.e uma insignificante gota
~ plexas: perclc a prnporção dos ratos e se põe a fazer alirrnações desprovidas 1 H d'ág ua (algumas poucas dezenas) num imenso ocea no.
~ de Qualquer lundamento. EnquanLo essas simplilicações permanecem nos ~ ~ (7) Mostra-nos ainda mais (e aqui um dado lunàamental): muitos deles.
f limites esl ritos do idiossincrático. parece não haver maiores problemas. pelas próprias ações dos ralantes. estão já em pleno relluxo (a maioria terá,
i afinal cada um acrediLa naquilo que bem lhe apraz. Contudo. quando essas
~ ~implHic;a.ções uHrapassa1r.1~a is ~[rni~e~ e con~eça rn a sustentar ações com
~ repercussão pa ra além do 1d1oss1ncraL1co, a situaçã o se torna. no mini mo.
l preocupante.
ii l::~:_~U~~QU~:.::~~~~~~a;;~~;:~~~~;d
~ (2) É o que tem oconido uJlimamenle com cerla discussão em rorno da
Foca lizando, m ais especificamente, os recursos que promo-
;j língua. Nessa área. há . sem dúvida. questões maiúsculas a serem enfrenta·
das. O Brasil precisa desencadear um amplo debato com vista â elaboração vem a arti culação entre partes do texto, merecem destaque os
de uma nova poHLica linguística para si. superando os efeitos deletérios de pon tos seguintes.
urna süuaçao ainda muito mal resolvida entre nós. • O títul o O maiúsculo e o minúsculu já ind ica q ue se tra-
(3) Essa nova poliLica deverá. entre outros aspectos. reconhecer o caráter ta de uma q uestão con sidera da em seus opostos, o que
multilingue do país (o lato de o português ser hegemõnico não deve nos se co nfirma ao longo do texto: qu estões maiúsculas são
cegar para as muitas línguas indígenas. europeias e asiáticas que aqui to das aquelas relacion adas a 'uma nova política de trata-
se falam. mu lliplicidade que consLitui parte significa ti va do patrimôni o m ento das questões linguísticas'; a qu estão min úscula é a
cultural bras ileiro). Ao mesmo tempo, deverá reconhecer a grande e rica dos 'estrangeirismos linguísticos' .
diversidade do português ralado aqui. vencendo de vez o miLo da língua • Essa oposição é mais claramente ex plicitada no q u in to
única e homogênea
parágrafo: A pesar de termos essas tarefas mai úsculas à
(4) Será preciso incluir. nessa nova política. um combate sistemático a frente (aquelas ligadas à 'nova política '), foi urna questão
Lodos os preconceitos linguísticos que afetam nossas relações sociais minúscula (a presença de palavras da língua inglesa cm
1 e que consLiluem pesado fator de exclusão social. E incluir, ainda. um nosso co tid i:rno ) que (...) acabou por tomar corpo. Esse
··-·--·-- - ..--or;:::::::;:i·..~"!.!.;'"!!.!"!.!!..~
·

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• - .•..-tv.llJiJ µ 4

fato é retomado logo a seguir, pelas expressões ~ es- ' questões linguísticas', ' línguas indígenas', 'observaçao
trangeirismos, muitos deles, a maio ria. cuidadosa e honesta', 'acesso escolar', 'patrimônio cultu-
• A informação de q ue os estrangeirismos vêm a partir de ral brasileiro', 'complexa realidade linguística nacional',
uma grosseira !iimplificação dos fatos reitera o que é dito entre muitas outras.
no início: É lastimável quando alguém simplifica em de- • A formula ção com que se inicia o ú ltimo parágrafo (Mos -
masia as realidades complexas. É dessa 'simpbficação' que tra-nos ainda mais) também estabelece coesão com opa -
resu lta u ma questão min úscula, a qua l, por isso mesmo, rágrafo anterior, pois, além da elipse de sujeito, q ue re-
não representa m ais que uma insignificante gota d'água toma a expressão 'Uma observação cuidadosa e honesta
(algumas poucas dezenas) num imenso oceano. Como se dos fatos', instrui o leitor para o acréscimo de mais um
vê, as ideias vão se re iterando umas às outras. Cada uma argumento (ainda m ais).
vai, em algum ponto, mantendo o fio da conversa. • A referência a uma grosseira simplificação dos fatos -
• No âmbito da r eferenciação , são frequentes as retomadas o q ue está na linha do min úscula - remete depois p ara
corrcferenciais, que implica m volta a um mesmo objeto 'Uma o bservação cuidadosa e honesta dos fatos' - o que
de discurso anteriormente r eferido; evidentemente, essas resu.l tará no domínio do maiúsculo. M anrém -se assim a
retomadas sào elos fo rtes que vão marcando a continu i- oposição an unciad a desd e o título.
dade semântica do texto. • No trecho, "É lastim ável quando alguém simplifica em
• Nesse ;'l mbito da corrcferên cia, vejamos, p or exemp lo, no demasia as rea lid ades complexas: perde a proporção dos
p r imeiro p arágrafo, as expressões essas simplificaçôes o u fatos e se põe a fazer afirmações desprovidas de qualquer
a tais limites, a lém do pronome 'lhe' que ta mbém r etoma fundamento", os dois-pontos sin a lizam que vem a seguir
co.rrefcrencia.lmeote a expressão 'cada um '; no segundo uma exp licação d a afi rmação anterio r. I~ p reciso juntar
parágrafo, em 'discussão em torno da língua', o termo cm os d o is segmentos para a panhar o sent ido do todo. Essa
destaqu e é retomad o por 'nessa área '; no fina l ci o m esmo ideia <le 'simplificação', já vim os, é reiterada depois no
pa rágrafo, é dito que O Brasil precisa desencadear um quinto parágrafo.
amplo debate com vista à elaboração de uma nova políti- • Outras ocorrências, envolvendo r etomada s pronominais
ca; esta expressã.o é retomada logo a seguir em 'Essa nova ou adverbiais, também podem ser vi.s ta s: (Brasil: si; Bra sil:
política ', no terceiro e no quarro parágrafos, deixando, aqui) .
portanto, os três pa nígra fos bem ama rrados. Além des- • O uso ele 'contudo', no primeiro parágrafo, s ina liza a
ses elos, va le referi r q ue o terceiro e o quarto parágrafos oposiçã o entre as simplificações q ue ca bem nos limites
cons istem numa descrição acerca do que seria 'essa nova estritos do idiossincrático e as outras que ultrapassam tais
política', urna política vo.ltada para as grandes questões limites. Essa oposição já antecipa a outra, que cons istirá
linguísticas do país, o que será, s.ignificativamente, reto- num dos eixos m ais significa tivos do texto: o minúsculo
mad o depois, no início do quinto par<1grafo, pela expres- - UJTl a simpli ficação para além do idiossincrático.
são essas tarefas maiúsculas. • Outras oposições p o dem ser perce bidas entre: 'simplifi-
• Muitas expressões referenciais aparecem delimitadas pelo car' e 'realidades complexas'; entre: 'limi tes estritos do
uso de ad jetivos restritores ou especificadores, como em idiossincrático' e 'pa ra :ilém do id iossincrático'; entre

- ---
----~ -

1
Anál!se de textos - lundamenLos e praticas

'diversidade do português falado' e 'língua úni'ca e ho- e de forma relevante, pelos fato res gramaticais. Isolar, na pers-
mogênea'; tais oposições são tão coesivas quanto as re- pectiva dos sentidos e das intenções pretendjdos, a contribuição
laçõ es de equivalência, pois mantêm o foco temático em de cada um desses fatores torna-se uma tarefa pouco sjgnificativa
desen volv imento. além de pratica mente impossível.
• A referência, na primeira p essoa do plura l em: uma situa- Pelas análises que acaba mos de fa zer, pode-se perceber como
ção ainda muito mal resolvida entre nós e cm nossas re- o uso de pronomes (pessoais e demonstrativos), de expressões
lações sociais evidencia a pretensão do autor de incluir-se nominais indefinidas e definidas, de ad jetivos restritores ou es-
entre as pessoas envolvidas no problema ana lisado. pecificadores, de numera is, d e conjunções, ele preposições e locu -
• O caráter rnultilíngue do país é mais adiante especificado, ções, de advérbios, de afirmações explicativas ou interrogativas
pois são referidas as muitas línguas indígenas. europeias e (precedidas ou não dos respectivos sinais), de vírgulas e parênte-
asiáticas que aqui se falam. ses, para citar apenas estes itens, contribu iu para a expressão do
• O qua rto parágrafo começa com o trecho: Será preciso que se pretend ia dizer. Merece referir ai nd a - além dos sentidos
incluir... , para mais adiante reiterar: E incluir ainda ... São postos e pressupostos nas pa lavnas - a própria arrumação das
marcas da conti nuidade do texto tanto a conjunção ad i- palavras na estruturaçã o sin tática dos enunciados, o que implica
t iva, qu anto a repetição do verbo, q uanto a presença do também a efetivaçã o da coesão e d a coerência.
advérbio 'ainda'. Enfim, a construção ele um texto se faz ele forma integrada,
• O a utor se permite posicionar-se ante o que afirma nos indissociável; cada constituin te textual se s uperpondo a ourro ou
segmentos entre parênteses, como: (hoje tão precarizado) aos outros, sem falar em todos aq ueles elementos que estão impli-
e (e aqui u1n dado fundamental); (algumas poucas deze- cados contextua.lmentc, ou seja, fora do texto. Quer dizer, a cons-
nas}; (a maioria terá, como em qualquer outra é/Joca da trução de todo tex to supõe procedimentos que, simultaneamente,
história da língua, vida efêmera). O uso dos p arênteses asseguram a contin uidade do s senti J os e a unicfade semântica e
indica exatamente a entrada de uma outra voz: aquela pragmática ex pressos na materi alidade das palavras e nas pressu-
do autor, diferente da voz p ública do sa ber científico posições contextuais envolvida s.
divulgado. Em outras pa lavras: o sentido de qualquer texto se constrói
• Ou seja, por essa pequena amostra - n ão exa ustiva - na articulação : entre parres e todo, entre o lexical e o g.rarnati-
já se pode concluir pela densidade coesiva do texto em cal, entre o linguístico e o pragmático; entre o texto e a situação
aná lise, o qu e favorece, em m u ito, a apreensão de como de comunicação. Qualquer isolamento d e um desses elementos
os sentidos vão-se articulando para res ultar em um todo reduz a significação e a func ionalidade das ações de linguagem.
inteligível e interpretável. O ideal é que sejam sistemáticas, sejam frequentes análises de
textos pautad as por referenciais como os que temos explicitado
aqui. Em do ze anos de estudo escolar da língua - do fu nda-
7.5 E a gramática na construção desses textos? mental ao fim do ensino médio - é bem possível que alunos e
professores vejam, em qualquer texto, muito mais que exempJa-
Tenho reforçado, n estas análises, a convicção de que todo res soltos de classes de palavras o n de fo nções s intáticas de seus
texto se constrói pelo concurso de vários fatores, inclusivamente termos. É bem possível qu e vejam as múltip las fun ções que todas

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