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A linguística textual

Prof. Roberto de Freitas Junior

Descrição

O campo de estudo da linguística textual (LT), os processos de


textualização e discussão de práticas discursivas orais e escritas,
resultantes da relação cultura e língua.

Propósito

Compreender os principais conceitos e contribuições da linguística


textual a fim de ampliar o conhecimento linguístico e a competência
escritora.

Preparação

Tenha em mãos ou consulte na internet um dicionário da área de


estudos linguísticos, como o Dicionário de termos linguísticos,
hospedado no Portal da Língua Portuguesa.

Objetivos
Módulo 1

O campo da linguística textual

Identificar as principais características do campo da linguística


textual.

Módulo 2

Conceito de texto: processo, contexto e


interação

Reconhecer os conceitos de texto, cotexto e contexto na linguística


textual.

Módulo 3

Conhecimentos linguístico, textual e


extralinguístico

Identificar conhecimentos linguísticos e extralinguísticos na


textualização.

Módulo 4

Construção dos sentidos no texto: coerência


textual

Analisar a construção dos sentidos no texto a partir da coerência


textual.
meeting_room
Introdução
Vamos estudar neste conteúdo alguns dos principais conceitos e
objetivos da linguística textual, também conhecida como
linguística do texto (LT). Destacaremos o desenvolvimento do
conceito de texto, tratando da revisão dos principais processos
envolvidos em sua construção, seja do ponto de vista linguístico,
social ou cognitivo.

Dessa forma, apresentaremos os conceitos principais


relacionados ao desenvolvimento da textualização, voltando
nossa atenção para a construção da coerência, ou seja, a
formação do sentido global do texto.

1 - O campo da linguística textual


Ao final deste módulo, você será capaz de identificar as principais características do campo
da linguística textual.
O desenvolvimento da linguística
textual
A linguística textual ou linguística do texto (LT) tornou-se um campo de
investigação importante no Brasil e no mundo. Ao longo dos últimos
anos, os estudos dedicados ao entendimento das questões referentes à
multiplicidade de textos orais, escritos e sinalizados mostraram como
os textos apresentam uma complexidade própria em função da
expressividade e da comunicação bem-sucedida.

Tal empreitada favorece, assim, a ampliação significativa de estudos


sobre a construção do sentido em textos orais, escritos e sinalizados
em línguas maternas e estrangeiras. Nesse sentido, essa mesma
empreitada oferece subsídios, em particular, em relação ao ensino de
línguas. Por meio da aplicação dos resultados de pesquisas na área da
LT, é possível haver um maior empoderamento social daqueles que têm
oportunidade de acesso a uma visão mais complexa e integral do texto.

Sinalizados
Textos elaborados em línguas de sinais, como a Língua Brasileira de Sinais
(LIBRAS).

Comentário
Estamos nos referindo a uma visão que defende a estruturação textual
como algo que extrapola o nível sentencial (por sua vez bastante
complexo), estando comprometido também com questões voltadas
para as relações social, histórica, cultural e ideologicamente
determinadas.

A produção do sentido por meio do texto é vista, assim, como um objeto


complexo cujas variáveis linguísticas e não linguísticas determinam seu
caráter final.

Existem três fases do desenvolvimento da linguística textual. São elas:

Até os anos 1970

Análise transfrástica.
Anos 1970

Virada pragmática.

Anos 1980

Virada cognitivista.

Agora, tratamento com mais detalhes de cada uma delas.

A primeira fase da LT: a análise transfrástica

Na primeira fase da linguística textual, que durou até os anos 1970, os


pesquisadores de então se centravam na explicação dos mecanismos
interfrásticos envolvidos na produção sentencial na produção textual.
Naquele momento, o foco era o estudo das relações referenciais,
priorizando aquelas pautadas na correferencialidade.

Mecanismos interfrásticos
Processos que estabelecem as sequências e articulações entre frases ou
sentenças em uma relação de interdependência.

O texto era visto como uma frase complexa, uma cadeia de


pronominalizações ininterruptas, de pressuposições, ou uma sequência
de enunciados que poderiam assumir tal status. O foco, portanto, eram
as relações anafóricas e catafóricas, ou seja, a articulação entre as
sentenças, retomando por referência um termo anterior (anáfora) ou se
referindo a um termo posterior (catáfora).

Havia o projeto de se fazer uma gramática do texto, já que o texto era


visto como uma unidade superior à sentença. De acordo com Marcuschi
(1983) e Koch (2015), para que tal projeto se realizasse, as ideias
seriam:

check_circle_outline
Analisar as possibilidades combinatórias

check_circle_outline
Determinar os princípios constitutivos de um
texto

check_circle_outline
Apontar critérios para sua delimitação

check_circle_outline
Diferenciar suas diferentes espécies
Na primeira fase da LT, o texto é visto como produto do ato
comunicativo e do pensamento lógico, cabendo aos interlocutores
apenas a captação das ideias transmitidas pelo produtor, sem levar em
consideração suas experiências e seus conhecimentos já adquiridos.
Trata-se de uma diferença importante para o que, com o tempo, tornou-
se a LT.
Podemos afirmar que a primeira fase se caracteriza pela necessidade
de ir além do limite da própria frase para se dar conta de fenômenos, os
quais, segundo Koch (1997, p. 68), incluem:

edit Referenciação

edit Seleção do artigo

edit Concordância de tempos verbais

edit Vários fatos de ordem prosódica

edit Relação semântica entre frases não ligadas


por conectivo

A segunda fase da LT: a virada pragmática

Na segunda fase da LT, ainda nos anos 1970, observamos a chamada


“virada pragmática”, um movimento fortemente influenciado pela teoria
dos atos de fala e pela filosofia da linguagem. Nesse sentido, os
estudos no campo da LT passam a ser marcados pela necessidade de ir
além da análise de aspectos sintáticos e semânticos, já que o texto não
é mais visto como uma unidade formal.

Diante do foco no processo comunicativo de comunidade linguística


concreta, o contexto passa a configurar um fator importante de análise.
Foi adotada uma abordagem de investigação linguística baseada em
dois aspectos:
Atos de fala
Introduzido pelo filósofo britânico John Austin (1911-1960), o conceito de
atos de fala aponta para a ação relacionada a determinada fala, a
determinado uso da língua. Esse conceito indica, portanto, a relação entre o
que se diz e o que se faz ou o que se deseja que seja feito por meio do ato
de dizer, estabelecendo uma relação entre falas e feitos.

Filosofia da linguagem
A filosofia da linguagem se volta para as relações entre pensamento,
realidade e linguagem. Um importante filósofo da linguagem foi o austríaco
Ludwig Wittgenstein (1889-1951). As bases da teoria dos atos de fala
estão nos pensamentos de Wittgenstein e em sua preocupação com o uso
da linguagem corrente como fonte para a solução de problemas filosóficos.

record_voice_over
No uso da língua

record_voice_over
Nos processos interacionais em situações reais de comunicação

As concepções de texto são modificadas, pois o texto deixa de ser


tratado como um produto e passa a ser visto como um instrumento
interativo.

Essa visão de texto obviamente aproxima-se de uma abordagem de


linguagem de base sociointeracional que era amplamente difundida.
Vamos nos lembrar de que essa visão sociointeracional compreende a
linguagem como experiência de interação no contexto das relações
sociais, sendo uma abordagem que se afasta da visão formalista ou
estrutural de língua.
A terceira fase da LT: a virada cognitivista

Na década de 1980, acontece o que chamamos de “virada cognitivista”


na LT. Existe uma consciência de que toda ação, incluindo-se,
obviamente, a textual, é necessariamente acompanhada de processos
de ordem cognitiva. Esses aspectos cognitivos não podem ser
descartados de qualquer tipo de investigação preocupada com a
descrição de processos.

O entendimento era de que, na produção/compreensão textual, é preciso


dispor de modelos mentais, operações e tipos de operações mentais
que subjazem a toda prática. Esses modelos e operações deveriam ser
observados para a análise no âmbito da LT (KOCH, 2015).

A partir da terceira fase, que acabou sendo uma extensão da segunda,


duas visões ou concepções passam a predominar:

psychology
O texto como resultado de processos mentais

psychology
A comunicação como fruto dos conhecimentos prévios dos
interlocutores

A cognição é analisada por um olhar sociocultural e interacional, uma


visão sociocognitivista, segundo a qual o texto é tido como um
complexo processo sociocognitivo concebido a partir de relações de
sentido construídas dialogicamente.

Essa discussão faz referência direta ao trabalho do linguista norte-


americano Robert de Beaugrande, que apresenta a seguinte definição:

O texto é um evento
comunicativo em que
convergem ações
linguísticas, sociais e
cognitivas.
(BEAUGRANDE, 1997, p. 10)

Desse modo, qualquer manifestação linguística que represente uma


fatia de sentido intencional, coerente, social e estruturalmente adequada
de uso da língua será um texto. Nesse sentido, enunciados simples ou
complexos, orais ou escritos, formais ou informais, se estiverem
enquadrados nos critérios linguísticos, sociais e cognitivos de
Beaugrande, serão textos.

Os fatores linguísticos, sociais e


cognitivos
Perceba que, na definição de Beaugrande, três fatores (ou ações)
convergem para a ideia de texto: fatores linguísticos, sociais e
cognitivos. Veja cada um deles:
Fator linguístico expand_more

Observado no referencial de Beaugrande (1997), o aspecto


linguístico pode ser exemplificado no nível estrutural. Tal nível
está relacionado à capacidade de combinar itens de forma a
produzir sentenças, expressões gramaticais comunicativamente
eficazes, a partir dos processos de textualização atuantes na
formação coesiva e coerente do conjunto textual. O nível
estrutural está fortemente ligado à visão da primeira fase da
própria LT.

Fator social expand_more

Ao lado das habilidades gramaticais, o fator social diz respeito


às escolhas e às decisões sobre palavras, sentenças e
expressões condizentes e adequadas às situações
comunicativas diversas nas quais nos encontramos todos os
dias. Tais situações requerem usos relativamente definidos
sobre como usar a língua em termos de formatações e
expectativas social e culturalmente convencionalizadas. O
aspecto social, nesse sentido, se sobrepõe ao linguístico, uma
vez que a produção do texto implica a inter-relação entre
contexto sociocomunicativo e a forma com que se materializa a
língua (ou, ao menos, como se espera que ela se materialize).

Fator cognitivo expand_more

Traz implicações referentes, principalmente, à maneira como


apresentamos, retomamos ou mudamos assuntos ao longo do
curso da produção discursiva. Estamos a todo o tempo
apostando em algo que mantemos de conhecimento
compartilhado com nossos interlocutores. Também tentamos o
tempo todo apresentar nosso ponto de vista e convencer o outro
de que estamos corretos. Assim, introduzimos temas, palavras e
expressões, apostando no que o outro sabe e/ou no que precisa
saber na tentativa de sermos novamente comunicativamente
eficazes. Todo esse processo ocorre a partir de princípios de
coerência com o que sabemos por meio das nossas
experiências de vida em geral. O fator cognitivo também aponta
para operações mentais importantes, como, por exemplo, a
categorização e a analogia.

Desse modo, a compreensão, a leitura e a produção de um texto


envolvem múltiplos fatores que atuam ao mesmo tempo em uma rede
complexa de forças que se sobrepõem e formam todo e qualquer texto
em qualquer situação interacional de uso da linguagem. Tanto na língua
falada quanto na escrita, estamos o tempo todo acessando
conhecimentos linguísticos, textuais, sociais e contextuais, entre outros,
para sermos comunicativamente bem-sucedidos.

Para a LT, o foco do entendimento da linguagem torna-


se a própria interação verbal e o papel desempenhado
pelos interlocutores inseridos em relações sociais
específicas que hão de definir a forma com que ela
acontecerá.

Nesse sentido, a interação verbal-discursiva se torna assunto de maior


importância para a análise linguística no âmbito da LT por se tratar de
uma realidade fundamental da língua e por ser derivada e derivante do
contexto sociocultural no qual ela emerge e representa.

A interação verbal-discursiva torna-se, portanto, o lócus para o


entendimento do funcionamento da linguagem em todos os sentidos.

Da formação de novos enunciados à confirmação de usos daqueles já


estabelecidos, é na interação verbal (espaço em que a negociação de
significados acontece) que a língua se materializa graças a usos de
enunciados concretos e reveladores dos sentidos negociados,
ratificados e retificados pelos agentes verbais.

Em linhas gerais, a ideia central da LT é a seguinte:

check_circle_outline
É na interação verbal que a língua acontece

check_circle_outline
A língua só pode ser de fato descrita e entendida nesse contexto
Essencialmente composto de maneira ativa pelos interlocutores em
situação real de comunicação, o processo de negociação de
significados revela intencionalidades, crenças e pensamentos
subjacentes a contextos sociais, culturais e ideológicos maiores
espelhados na linguagem e ratificados (ou não) pela linguagem.

Os aspectos comunicativo e social da


linguagem

O aspecto comunicativo da linguagem é visto, assim, como a mola


propulsora de sua formação, e não como elemento secundário e
distante da gênese da linguagem. O dialogismo implicado nas
interações verbais garante que tanto a agentividade quanto as atitudes e
os pensamentos das partes envolvidas na interação verbal sejam
igualmente responsáveis pela produção final de sentidos e crenças de
toda e qualquer materialização textual, seja ela oral, sinalizada ou
escrita.

Assim, no curso da negociação de significados, a ação verbal, seja ela


qual for, entre falantes, autores, leitores ou sinalizantes resultará nos
sentidos abstraídos a partir do próprio dialogismo refletido na interação
sociodiscursiva.

A relação entre o eu e o outro é central para o


entendimento da natureza da linguagem.

No uso da língua, os agentes da produção dialógico-discursiva


expressam-se em relação e em função do outro. Dessa forma, as
múltiplas situações sociais, ou seja, contextos interacionais de
naturezas diversas, implicam especificidades que impactam a forma
como a língua é embalada via produção de enunciações concretas em
discursos reais.

Nesse cenário, o entendimento de que os gêneros do discurso estão no


cerne da natureza da linguagem é extremamente importante. No
processo de negociação de significados, isto é, no próprio processo de
uso da linguagem, há sempre a centralidade dos gêneros e sua relação
com a função comunicativa. O domínio dos múltiplos gêneros (falados,
escritos ou sinalizados) do discurso é uma questão diretamente
relacionada à produção de sentidos, à expressividade, ao
empoderamento e ao trânsito comunicativo no âmbito social macro.
Estamos o tempo todo produzindo diferentes gêneros
discursivos em nossas interações sociais.

Somam-se ainda a tal condição os papéis socioculturais estabelecidos


entre os agentes produtores da linguagem via dialogismo. É nesse
cenário e sob tais condições que podemos entender a natureza e o
funcionamento da linguagem. Para a LT, a linguagem é vista, portanto,
como um objeto analisável a partir das situações concretas de
comunicação e de seus condicionamentos socioculturais diversos.

Nesse sentido, saber (e aprender!) uma língua é estar constantemente


operando em tais condições na busca da expressividade e, em escala
maior, da manutenção ou da conquista de espaços mais confortáveis
nas relações de poder. Por consequência, a observação sobre a forma
com que os discursos diversos se materializam na sociedade está
diretamente ligada a essa discussão.

O entendimento de que a linguagem precisa ser vista a partir do lugar


social em que se realiza nos permite observar, por exemplo, alguns
aspectos importantes, como:

A forma como o discurso midiático pode determinar e/ou ratificar


as relações de poder existentes.

A maneira como o discurso religioso pode ser construído a partir


de relações basicamente assimétricas.

Quem orienta e é orientado pelo discurso político e o modo como


esse discurso se aproxima ou se distancia da fala popular em
função da eficácia na comunicação com o eleitor.

Implicações da LT no ensino-
aprendizado de língua
Entender lugares de fala, intenções, valores socioculturais e manejos de
linguagem na luta nas relações de poder é uma das consequências
naturais para quem sai de um estado de alienação para o de percepção
de um ser pertencente e construído na e pela linguagem dentro de seu
espaço social e no contexto de suas condições. Toda essa discussão
desemboca de maneira particular em propostas educacionais que visam
ao desenvolvimento do aprendiz como cidadão crítico na e pela
linguagem.

Tornam-se particularmente importantes as propostas de ensino de


línguas maternas e adicionais que se preocupam em formar indivíduos
conscientes das relações materializadas na linguagem e que podem
perpetuar diferenças sociais que trazem prejuízos a certas populações.
Um ponto importante para a LT diz respeito aos processos de
textualização nos contextos diversos em que a língua é usada.

Comentário
Apesar de a língua falada e a escrita serem tratadas por muitos como
modalidades cujos usos linguísticos são absolutamente distintos, na
prática, em busca do sucesso e da eficácia comunicativa, é possível
verificar uma grande sobreposição de gêneros e formas linguísticas
entre as duas modalidades. Os múltiplos fatores atuantes na formação
do texto falado influenciam a forma como o texto escrito pode ocorrer –
e vice-versa.

A análise da língua com base na produção textual oferece uma forma


potente de entendimento sobre seu funcionamento, assim como sobre o
que se sabe ao falar uma língua, no – e para além do – nível sentencial.
Assim, é possível delimitar pontos observáveis sobre o conhecimento
linguístico a partir de uma abordagem que focalize a análise da
produção textual. Confira alguns desses pontos:

search A variação linguística

search Os gêneros discursivos

search As intenções e as implicaturas pragmáticas


da produção
search As relações sobre organização tópica e
progressão temática

search O funcionamento autêntico do sistema por


parte de falantes reais

search Os fatos históricos linguísticos e


extralinguísticos refletidos no uso

search O tratamento da capacidade de


argumentação, resumo e ampliação de
textos

search O funcionamento da língua em seus


diferentes níveis (morfossintático,
fonológico, semântico e pragmático-
discursivo)

Os itens acima abordados apresentam um panorama sobre alguns dos


diferentes e mais importantes pontos no campo de estudo da LT ao
longo do tempo. Podemos observar que, em diferentes fases, os
estudiosos da LT dedicaram-se ao entendimento do texto a partir de
diversas perspectivas.

As contribuições advindas da LT são inúmeras, destacando-se


particularmente no ensino de línguas e na contribuição para um
engajamento mais substancial dos alunos em suas práticas
linguageiras.

video_library
A linguística textual
Neste vídeo, o professor apresenta as principais características e
pressupostos teóricos da linguística textual, destacando as três fases
de seu desenvolvimento e os fatores linguísticos, sociais e cognitivos do
texto.
Falta pouco para atingir seus objetivos.

Vamos praticar alguns conceitos?

Questão 1

É possível identificar três momentos no desenvolvimento da


linguística textual: cada um deles se concentra em determinados
conceitos e aspectos da linguagem e do texto. Na terceira fase, a
partir dos estudos de Beaugrande, observa-se uma concepção de
texto que apresenta alguns critérios que devem ser levados em
conta na análise do texto. Que critérios são esses?

A Sociais, cognitivos e normativos.

B Linguísticos, normativos e sociais.


C Linguísticos, sociais e cognitivos.

D Linguísticos, sociais e ortográficos.

E Normativos, sociais e comunicacionais.

Parabéns! A alternativa C está correta.

Beaugrande propõe uma definição de texto na qual as ações


linguísticas, sociais e cognitivas convergem para a realização da
comunicação. O texto é compreendido como algo complexo no qual
essas ações se articulam de modo dialógico em um processo
sociocognitivo e linguístico. Com isso, fatores sociais, cognitivos e
linguísticos interagem na formação do texto, sendo, por isso,
fatores de análise na LT.

Questão 2

A linguística textual traz algumas implicações para o ensino de


língua. Considerando um ensino que possua uma base na LT, no que
diz respeito à compreensão de textos em língua materna ou
adicional, pode-se afirmar que

defende-se a tese de que a compreensão de textos


A
em língua adicional é inviável e deficitária.

os gêneros discursivos são abordados, e a análise


B
linguística é impedida.

busca-se a adesão ao conceito formal ou


C
estruturalista de texto.

é esperado um sucesso comunicativo na análise


D
linguística e não dos gêneros.
diferentes tipos de textos e contexto de uso da
E
língua são expostos.

Parabéns! A alternativa E está correta.

A exposição a diferentes tipos de texto é premissa básica do ensino


para a LT, além do trabalho com ele a partir das diversas situações
de uso da língua. Desse modo, uma abordagem formalista do texto
é superada, enquanto os gêneros discursivos passam a ser um dos
recursos trabalhados sem que, com isso, se elimine a análise
linguística.

2 - Conceito de texto: processo, contexto e interação


Ao final deste módulo, você será capaz de reconhecer os conceitos de texto, cotexto e
contexto na linguística textual.

As relações que tecem o texto


É bastante conhecida a observação de que a palavra “texto” é
etimologicamente oriunda da mesma fonte da qual se origina a palavra
“tecido”. O vocábulo latino textum dá origem à palavra “texto” no
português a partir da ideia de trama, de um conjunto coesivo organizado
por princípios internos que compõem um todo de sentido final coerente
e refinado.
A associação entre as palavras “tecido”, “trama” e “texto” parece ser
mesmo inevitável e muito útil para se entender o modo como a
tessitura, seja a do tecido ou a do texto, acontece. O conceito de
tessitura aqui adotado aponta para a ideia de um conjunto harmônico, o
qual, milimetricamente desenhado e organizado, é o resultado de uma
produção que requer conhecimento específico sobre relações internas e
externas referentes a esse mesmo produto.

Nesse sentido, tessitura é um sinônimo para o que chamamos de


textualidade. O texto será sempre resultado de, pelo menos, dois tipos
de relações:

check Relações linguísticas e estruturais

check Relações situacionais e sociocognitivas

Juntas, essas relações são responsáveis pela produção de um todo de


sentido único e particular. Em termos técnicos, referimo-nos aqui às
relações cotextuais e às contextuais que interagem na produção do
conjunto textual e de sua textualidade:

Relações linguísticas Relações cotextuais


e estruturais arrow_forward

Relações situacionais Relações contextuais


e sociocognitivas arrow_forward

As relações cotextuais dizem respeito às possibilidades de ligações


intra e intersentenciais que produzem efeitos lógicos e possíveis de
sentido. Já as relações contextuais referem-se à produção de sentido
em situações sociocomunicativas específicas no contexto social,
histórico e culturalmente marcado, além da própria coerência interna
das informações providas no texto.
Marcas cotextuais e contextuais

Confira a imagem que reproduz uma conversa que acontece em um


aplicativo de mensagem:

Reprodução de conversa em aplicativo de mensagem.

O gênero conversa desenvolvido nesse aplicativo possui natureza


híbrida, pois carrega características cotextuais e contextuais da escrita
e da fala ao mesmo tempo. Pela leitura do texto, vemos que se trata de
uma conversa entre uma avó e seu neto.

A relação interpessoal em questão prevê comentários e expressões do


tipo “Você nem comeu”, “Ta (sic) ventando leva agasalho” e o uso das
formas “vó” e “vo”, entre outros exemplos. Trata-se de informações
contextuais que indicam a marca do contexto sociocomunicativo maior.

Verificamos, portanto, a presença marcante do registro informal, algo


típico da fala e das relações de parentesco mais próximas. Observamos
no conteúdo da fala da avó uma preocupação com a alimentação e a
saúde do neto, uma atitude usual de quem cuida do outro, e assim por
diante.

Encontramos, em suma, diversas marcas que representam


características contextuais desenvolvidas nesse pequeno trecho da
conversa, tais como:

check_circle_outline
As escolhas lexicais

check_circle_outline
A definição de registro

check_circle_outline
O tema dos assuntos
Por outro lado, se observarmos com cuidado, veremos informações
cotextuais nas seguintes marcas:

check_circle_outline
O artigo definido “a” em “da Brastemp” e em “a
Brastemp”

check_circle_outline
O apagamento do sujeito na frase “deve ser
boa mesmo”

check_circle_outline
O uso do adverbial “lá”
Essas informações são cotextuais porque estabelecem relações
internas entre os itens do texto. O uso do artigo “a” reflete a suposição
da informação Brastemp na primeira frase (já que as “geladeiras” eram o
assunto) e a retomada do assunto, já conhecido no discurso, na
segunda frase.

A elipse do sujeito também indica um conhecimento da informação


prévia (erroneamente interpretada como Holanda), o que leva a uma não
necessidade de recuperação textual via repetição. Da mesma forma, o
uso de “lá” indica uma informação já conhecida, presumida. O pronome
dêitico faz referência (não física, apesar de espacial) ao termo “reunião”.

É desse conjunto de informações cotextuais e contextuais


que se desenvolve a trama do texto.

O processo de textualização confere ao conjunto da obra sua


textualidade, isto é, a harmonização dos sentidos dialogicamente
construídos.

Uma sequência de frases como as apresentadas demonstra a complexa


interação de aspectos cotextuais e contextuais inerentes à formação da
tessitura, da textualidade, do sentido final do texto.

A textualidade e seus processos


Os textos podem ser orais, escritos e sinalizados, sendo resultantes de
processos complexos e inerentes que chamamos de processos de
textualização. Tais processos garantem, como produto final, a
textualidade, o todo de sentido, a mensagem final. Questões estruturais
e situacionais/contextuais interagem na produção dos sentidos, na
emergência do significado negociado no processo sociointeracional.

Adaptado do trabalho de Marcuschi (2008), o esquema adiante destaca


a interação dos fatores de textualização, partindo ainda do princípio que
coloca os interlocutores como pontos de partida para a formação do
texto em si e segundo a atuação de tais princípios:

Gráfico: Esquema de textualidade.

O esquema salienta os dois lados da constituição da textualidade:

Sua configuração formal, linguística;

Sua configuração comunicativa, que alcança os níveis do


conhecimento textual, social e de mundo em geral.

No grupo dos fatores de configuração linguística, estão os cotextuais: a


coesão e a coerência. No grupo daqueles relacionados à situação
comunicativa, estão os fatores contextuais: a intencionalidade, a
aceitabilidade, a intertextualidade, a informatividade e a
situacionalidade.

Falaremos brevemente sobre tais fatores a seguir.

Coesão

A coesão consiste nas relações que geram a progressão textual


baseada na forma. Em termos gerais, é possível afirmar que há dois
tipos de macroprocessos coesivos:

Coesão referencial expand_more

Diz respeito às relações de sentido oriundas das relações


semânticas estabelecidas no nível do texto. Recursos, como a
sinonímia, a hiperonímia, a elipse, a referenciação pronominal e o
uso de advérbios, exemplificam tais relações.

Dois tipos importantes de relações de sentido estabelecidas na


coesão referencial são a anáfora e a catáfora. A anáfora refere-
se a relações de sentido estabelecidas retrospectivamente entre
itens atualizados e referentes anteriores; a catáfora, a relações
de sentido de natureza mais prospectiva entre itens atualizados
e informações do porvir.

Coesão sequencial expand_more

Possui uma natureza mais gramatical, relacionada a recursos de


sequenciação calcados em elementos conectivos e que
permitem a continuidade das ideias.

Coerência

A coerência é o processo de textualização referente à conexão de


informações e produção de sentidos no nível mais conceitual. As
relações de sentido se manifestam não só entre os enunciados em geral
por diferentes aspectos coesivos, mas também de maneira global, não
localizada, a partir de aspectos cognitivos, pragmáticos, conceituais e
do próprio conhecimento de mundo dos interlocutores.

É no nível da coerência, afinal, que itens diversos atuam/acionam o


conjunto de conhecimentos do interlocutor para a construção do sentido
final do texto.

Intencionalidade e aceitabilidade
A intencionalidade refere-se especificamente ao locutor, ao produtor do
texto e às suas pretensões e intenções identificadas na leitura literal e
nas próprias implicaturas textuais e suas sutilezas. A aceitabilidade, por
outro lado, é mais centrada no receptor e na sua habilidade de maior ou
menor apreensão de um todo coeso e coerente provido de significado.

Tanto a intencionalidade quanto a aceitabilidade são fatores que se


constituem por meio do princípio de cooperação entre os interlocutores,
pois quem produz um texto tem sempre a intenção de que ele seja
compreendido, assim como quem o recebe espera que o texto faça
sentido.

Situacionalidade

Um aspecto importante para a construção da textualidade é o fator


situacionalidade, o qual, por sua vez, diz respeito à relação do evento
textual com a situação social/cultural maior. A situacionalidade refere-
se ao conjunto de fatores que torna um texto essencial em uma
situação de comunicação corrente ou passível de ser constituída.

Um texto sempre será adequado a uma ou outra situação


sociocomunicativa específica, assim como a quebra das expectativas
referentes à adesão contextual também pode comprometer a
construção do sentido, da textualidade. A adequação ao contexto
sociocomunicativo diz respeito ainda ao uso apropriado de gêneros
discursivos em situações associadas à sua convencionalização de uso.

Intertextualidade

Atém-se ao caráter relacional existente entre dado texto e os outros


textos aos quais fomos previamente expostos na nossa experiência
com o uso da língua. Como aspecto interrelacional entre formas de
linguagem, a intertextualidade é identificada em diferentes contextos,
podendo estar espelhada nas relações entre textos diferentes, textos e
imagens etc.

A intertextualidade envolve as diversas maneiras pelas quais a produção


e a recepção de um texto dependem do conhecimento prévio de outros
conhecimentos. Ambas estão relacionadas a fatores que tornam a
utilização de um texto dependente de um ou mais textos previamente
existentes.

Informatividade

O último processo de textualização é a informatividade. Como tal, ela se


refere à coerência prevista na expressividade do texto e no
desenvolvimento dos tópicos eleitos e conteúdos da produção textual.

A produção de sentidos vai além das unidades informacionais


imediatamente identificadas em um texto. Ela se encontra, sobretudo,
na junção de tais unidades às implicaturas, às ideologias e às escolhas
em geral que serão responsáveis pela criação da informatividade de um
texto, seja ele oral, escrito ou sinalizado.

A informatividade também está relacionada ao grau de novidade e


previsibilidade sobre os tópicos contidos em um texto. Ela pode, com
isso, dificultar ou facilitar sua compreensão.
Gêneros do discurso, letramento e
oralidade
O conceito de gênero discursivo e sua fluidez de uso são um ponto
importante para o entendimento da relação existente entre processo,
contexto e interação no curso da produção textual. Na prática, porém, é
preciso falar de dois pontos importantes.

looks_one O primeiro ponto concerne ao próprio conceito de


gênero discursivo, que aponta para usos
linguísticos relativamente estáveis e previstos em
certos contextos interacionais.

looks_two O segundo – que, de certa forma, relativiza o


primeiro – mostra que, embora seja possível, por
um lado, falar da prototipicidade de gêneros
discursivos, há, por outro, uma vasta possibilidade
de usos dos gêneros de modo fluido e híbrido, os
quais não estão necessariamente comprometidos
com as marcas prototípicas de cada grupo.

Desse modo, gêneros tidos como mais associados à oralidade, como a


conversação, por exemplo, ou aqueles mais ligados ao letramento,
como o texto acadêmico, podem ser encontrados em contextos não
necessariamente comuns para seu uso, fator que, aliás, é muito comum.

O trabalho Da fala para a escrita: atividades de retextualização


(MARCUSCHI, 2001) estabelece justamente a necessidade de
reconhecimento da distinção de usos linguísticos de gêneros orais e
escritos. Nele, o autor indica o contínuo existente entre os padrões de
usos da língua socialmente orientados para se materializarem de
formas específicas em textos escritos e orais, desfazendo a visão
dicotômica rígida que divide tanto a língua falada da escrita quanto as
práticas de letramento das práticas de oralidade.

Este esquema representa tal pensamento:


Gráfico: Fala e escrita no contínuo dos gêneros textuais.

Objetivamente, o autor apresenta uma proposta que dilui a visão de que


um gênero pertence à fala ou à escrita, mostrando que os gêneros se
espraiam na língua de modo bem fluido.

Exemplo
Apesar de carregar muitas marcas de um texto escrito formal
prototípico, uma palestra acadêmica é um texto que se dá em um
contexto oral. Trata-se, assim, de uma prática de oralidade. Da mesma
forma, uma conversa em aplicativo de conversa, como a que vimos
acima, apesar de ocorrer em um contexto escrito, desenvolve-se a partir
de processos típicos da oralidade sem deixar de ser uma prática de
letramento.

Claramente, um dos suportes teóricos que sustenta a proposta de


Marcuschi é a ideia de que a língua (o texto) não pode ser vista distante
dos contextos de uso nos quais ela se materializa e se constitui de uma
ou outra forma. A língua e o texto, em suma, estão relacionados com um
contexto de interação.

Dessa forma, as práticas de oralidade e letramento são vistas como


áreas complementares e macroespaços de práticas sociais e culturais.
O letramento envolve as diversas práticas de escrita na sociedade; a
oralidade, as práticas sociais orais e interativas.

Tais práticas se apresentam sob variadas formas ou gêneros textuais,


podendo ser realizadas de modo informal ou formal nos mais variados
contextos de uso.

Oralidade e letramento são dois pontos de uma escala nos quais se


encontram múltiplas possibilidades de realizações textuais orais e
escritas que podem ser prototipicamente mais ou menos afastadas dos
modelos que representam o texto escrito formal e a informalidade da
conversação. No fim das contas, textos escritos podem apresentar
características de oralidade – e vice-versa.

Na relação existente entre processo, contexto e interação na produção


textual, ocorrem todas estas questões:

Fatores de textualização e textualidade;

Macroprocessos de usos de gêneros em práticas de oralidades;

Letramentos diversos e complementares.


video_library
Conceito de texto: processo, contexto
e interação
Neste vídeo, o professor apresenta as relações e marcas cotextuais e
contextuais na produção da textualidade, os diferentes processos
textuais.
Falta pouco para atingir seus objetivos.

Vamos praticar alguns conceitos?

Questão 1

A textualidade resulta da articulação entre as relações linguísticas e


estruturais, por um lado, e as situacionais e sociocognitivas, por
outro. Sendo assim, assinale a alternativa que apresenta uma
afirmativa correta acerca dessas relações.

Essas relações correspondem apenas às relações


A
contextuais.

Essas relações correspondem apenas às relações


B
cotextuais.

As relações cotextuais correspondem a aspectos


C
linguísticos e estruturais.
As relações cotextuais correspondem a aspectos
D
situacionais e sociocognitivos.

As relações cotextuais correspondem a aspectos


E
linguísticos e situacionais.

Parabéns! A alternativa C está correta.

A textualidade ou tessitura é um processo que se dá a partir das


relações cotextuais e contextuais. As cotextuais dizem respeito a
aspectos internos do texto e à dimensão linguística e estrutural,
enquanto as contextuais se referem a aspectos externos, como, por
exemplo, a situação de comunicação e a dimensão sociocognitiva.
A integração entre essas relações é que contribui para a formação
do texto.

Questão 2

Analise as afirmativas acerca dos processos textuais:

I. A textualidade implica tanto a configuração formal ou linguística


quanto a configuração comunicativa, abrangendo diferentes tipos
de conhecimento, como o conhecimento textual, social e de mundo.
II. A textualidade é um processo que alcança uma configuração
estrutural da língua caracterizada pelo predomínio do conhecimento
textual, sem haver uma participação do conhecimento prévio ou um
conhecimento de mundo.
III. Os fatores cotextuais estão presentes no processo da
textualidade, fazendo parte da configuração linguística, uma das
configurações que resultam no texto.
IV. Os fatores contextuais correspondem à configuração formal na
textualidade, articulando-se com a configuração comunicativa, a
qual, por sua vez, está relacionada com os aspectos estruturais ou
linguísticos do texto.

Está correto apenas o que se afirma em:

A I e II.
B I e III.

C I e IV.

D II e III.

E III e IV.

Parabéns! A alternativa B está correta.

Há duas configurações que se relacionam na textualidade: a


configuração formal (linguística) e a comunicativa. Os fatores
cotextuais correspondem à configuração formal; os contextuais, à
configuração comunicativa.

3 - Conhecimentos linguístico, textual e extralinguístico


Ao final deste módulo, você será capaz de identificar conhecimentos linguísticos e
extralinguísticos na textualização.
Conhecimento sistêmico ou
linguístico
Abordaremos os conceitos de conhecimento sistêmico, conhecimento
textual e conhecimento de mundo que constam nos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs) de língua materna e estrangeira (BRASIL,
1998) para entendermos o que acontece quando interpretamos ou
produzimos um texto. A ativação de conhecimentos linguísticos e
extralinguísticos (sociais e cognitivos) é bem representada por esses
conceitos.

Interpretar, ler, compreender e produzir sentidos a


partir do uso de uma língua requerem um
conhecimento do código. O conhecimento linguístico
consiste exatamente nessa habilidade.

Para decodificar uma língua, é preciso possuir conhecimento sobre as


palavras dela, assim como de suas expressões idiomáticas e da forma
como produzimos blocos comunicativos de sentidos, sejam eles
sentenças completas ou apenas sintagmas menos complexos.
Tratamos aqui do conhecimento sistêmico (ou conhecimento
linguístico).

O conhecimento sistêmico está diretamente ligado ao processo de


aquisição (aprendizagem) de linguagem de:

L1
Uma língua materna ou primeira língua.

L2
Uma língua adicional ou segunda língua.

Os seres humanos possuem o melhor cenário para aquisição rápida de


uma língua (principalmente durante uma idade tenra), desde que isso
ocorra segundo as condições necessárias para seu desenvolvimento. O
conhecimento sistêmico é justamente o resultado do curso dessa
aquisição.
É o conhecimento sistêmico ou linguístico que garante a compreensão e
a produção linguística nativa e mais natural. O desenvolvimento do
conhecimento sistêmico de uma L2 pode ser um pouco mais custoso
por diversas razões ligadas à natureza do processo de aquisição de uma
língua adicional.

Transferências e interferências da L1 no aprendizado da L2, por


exemplo, refletem a diferença dos processos de aquisição de uma L1 e
o aprendizado de uma L2, impactando no desenvolvimento do
conhecimento sistêmico. A compreensão e a produção textual,
comparativamente falando, tornam-se mais complexas.

Conhecimento textual
Na visão mais tradicional sobre a compreensão leitora, defende-se que é
o conhecimento sistêmico o mais importante para o alcance do sucesso
da compreensão. Longe de negar a importância do conhecimento do
código, entretanto, atualmente se sabe que a capacidade de
(de)codificação é apenas um nível da nossa competência linguística.

Referentes ao uso adequado de tipologias textuais e gêneros


discursivos, os aspectos textuais fazem parte de nossa competência
comunicativa maior e são fundamentais para a garantia do sucesso
sociointeracional, seja na compreensão e processamento de leitura, seja
na produção linguística em si.

O conhecimento textual é fundamental para


entendermos a forma como interpretamos e
produzimos textos falados escritos e sinalizados com
mais ou menos eficácia.

O conhecimento textual diz respeito ao conjunto de habilidades


desenvolvidas desde a aquisição de linguagem sobre a forma como
aprendemos a produzir textos de formatações convencionalizadas e que
se torna adequado e esperado em diferentes situações comunicativas.

Graças a tal conhecimento, sabemos como adequar o uso da língua a


uma conversa, o que será diferente ao de uma palestra. Escolhemos
palavras adequadas a textos escritos ou orais a partir do controle de seu
registro (formal/informal). Esperamos que o tema de uma fofoca não
seja o mesmo de uma palestra acadêmica.
Ainda aprendemos a expor uma ideia, a narrar um fato, a descrever uma
cena e a dar ordens e a argumentar contra ou a favor de algo.

A aquisição desses conhecimentos segue ao longo de nossas vidas, já


que vamos nos deparando com novas situações interacionais, as quais
são social, cultural e historicamente delimitadas. O foco na relação entre
a forma da língua e as suas funcionalidades já foi abordado por
inúmeros estudiosos. Uma abordagem clássica é a de Roman Jakobson
(1969), que reúne, a partir dos fatores relacionados à interação verbal,
seis funções da linguagem, cada qual mais relacionada a um ou outro
ponto da interação verbal.

O entendimento sobre a funcionalidade dos diferentes tipos de textos e


de seus propósitos comunicativos e sociais é fundamental para que
possamos produzir e processar textos de modo eficaz. Tal
conhecimento também é abarcado pelo conhecimento textual de que
aqui tratamos, particularmente quando ambos são vistos em articulação
com a discussão sobre gêneros discursivos e tipos textuais.

O conhecimento sobre gêneros discursivos (acadêmicos, jornalísticos,


conversacionais, pedagógicos etc.) e tipos textuais (narração,
dissertação, descrição, injunção e argumentação) faz parte de nosso
conhecimento textual, sendo desenvolvidos pela e na experiência
diversificada com o uso da língua.

A compreensão, o processamento de leitura e a produção textual como


um todo dependem em grande tamanho do que aqui chamamos de
conhecimento textual. Isso acontece ao usarmos nossa L1 e quando
aprendemos uma L2.

Resumindo
O domínio do nível sentencial, como, por exemplo, as combinações de
palavras na formação de orações, não será de forma alguma suficiente
para garantir a compreensão e a produção linguística em L1 ou L2, pois
dependemos do conhecimento acerca do funcionamento de gêneros e
tipos textuais na construção dos sentidos, entre outras coisas.

Situações como as que ocorrem no contexto de ensino superior, por


exemplo, em que os alunos apresentam dificuldades importantes na
compreensão de um texto acadêmico, mostram que, apesar de nos
mostrarmos capazes de operar no nível sistêmico-sentencial via
escolarização, não seremos necessariamente bem-sucedidos na
compreensão/produção linguística se não estivermos ambientados,
mesmo na nossa L1, com as características dos gêneros discursivos
aos quais somos expostos a todo o tempo.
Uma situação semelhante ocorre com o aprendiz de uma L2 que, ao se
deparar com uma conversação real da língua adicional, pode encontrar
dificuldade de compreensão do texto em produção por falta de
familiaridade com as reais marcas linguísticas, pragmáticas e
conteudistas que determinam tal gênero nessa determinada língua.

É comum que o ensino de L2 – que, em geral, acontece desgarrado de


situações comunicativas reais – não permita o pleno domínio de
determinadas marcas dos gêneros discursivos por elas focalizarem
mais aspectos linguísticos, ou seja, aspectos no nível da
(de)codificação.

Consideramos aspectos fundamentais do nosso conhecimento textual


a:

check_circle_outline
Referenciação

check_circle_outline
Coesão e coerência

check_circle_outline
Organização tópica
Sabemos – e a todo tempo estamos reaprendendo – como dar
sequência, recuperar e (re)conectar informações entre expressões a fim
de formar sentidos específicos e eficazes, mantendo uma organização
lógica sobre o que estamos falando. Assim, lidamos coesivamente com
o cotexto (nível das relações internas do texto), assim como o fazemos
com o nível contextual maior, o qual, por sua vez, exige concordância,
coerência e sequenciação lógica do conteúdo e de sua relação com o
mundo.

Além do conhecimento a respeito de aspectos sobre coesão e


coerência, também mantemos um controle constante sobre como
apresentar determinado tópico, isto é, um assunto. Sabemos como
mantê-lo como ponto de reflexão, retomando, por intermédio de
diferentes processos de referenciação, a expressividade que desejamos
e o efeito de sentido que queremos aplicar quando embalamos o
discurso. Com isso, a referenciação e a organização tópica, pontos que
se sobrepõem inclusive com o nível de conhecimento sistêmico, fazem
parte (ou, aos poucos, passam a fazê-lo) de nosso conhecimento
linguístico, impactando diretamente a eficácia no nível da compreensão,
o processamento de leitura e a produção linguística em L1 e em L2.
Nesse sentido, podemos ver a complementaridade dos conhecimentos
sistêmicos e textual.

Implicações do conhecimento
linguístico e textual
A necessidade do trabalho de ensino de línguas via gêneros discursivos
decorre do papel relevante do conhecimento textual para a
compreensão e a produção de textos.

Dessa forma, seja no escopo da língua materna ou no de uma língua


adicional, torna-se necessário que o ensino da língua se volte para o
trabalho com a produção real em textos culturalmente verificáveis no
cotidiano do aluno, possibilitando-lhe a ativação desse tipo de
conhecimento para o uso corrente da língua.

Não devemos nos esquecer de que o mundo digital impôs o surgimento


de novas linguagens e, acima de tudo, de novas possibilidades de
interação entre linguagens. Dessa maneira, os conceitos de letramento e
oralidade, fortemente associados ao conceito de conhecimento textual,
abarcam as experiências do indivíduo sobre práticas discursivas
diversas e são revistos em função das múltiplas práticas discursivas
que emergem a partir de então.

Para fins de ativação de conhecimentos linguísticos e extralinguísticos


que possibilitem o uso linguístico eficaz por parte do aluno, esse ponto
se torna mais uma demanda para o contexto educacional. Também
decorre daí outro ponto que merece destaque em um trabalho
educacional com foco na ativação de conhecimentos linguísticos e
extralinguísticos para a produção, a compreensão e o processamento de
leitura: a multimodalidade.

A multimodalidade corresponde à realidade de os textos poderem


trabalhar com diferentes modalidades de linguagem. Os textos podem
ser elaborados a partir da palavra escrita e oral, das imagens, dos sons e
de outras manifestações expressivas.

Exemplo
Charges, tirinhas, memes e hipertextos digitais.
A compreensão/produção textual no contexto multimodal torna-se
extremamente sujeita aos conhecimentos linguísticos, textuais e de
mundo. Novas formas linguísticas, novos gêneros digitais e novos
conhecimentos de mundo estão implicados na maneira com que o
indivíduo há de compreender, formar e produzir sentidos, posicionando-
se na nova sociedade virtual.

No contexto da multimodalidade, em que vídeos, textos escritos,


emoticons, imagens e hiperlinks interagem em um mesmo espaço, o
que se sabe sobre a compreensão, o processamento de leitura e a
produção textual é revisto o tempo todo.

São reconstruídas, dessa forma, a ideia de que a leitura se dá por um


processo linear de decodificação e a de que a compreensão ocorre de
forma descontextualizada da gama de conhecimentos disponíveis no
texto e fora dele. Além de se reconfigurar o papel de agentes
sociointeracionais dos interlocutores, reinterpreta-se a leitura de
intenções das produções no contexto digital.

Conhecimento de mundo
Por fim, para se entender a complexidade da atuação dos fatores
linguísticos e extralinguísticos atuantes na compreensão, no
processamento de leitura e na produção textual, deve-se refletir sobre o
papel que os PCNs e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC)
chamam de conhecimento de mundo ou até denominam conhecimentos
prévios (BRASIL, 1998; 2018).

A experiência prévia (ou conhecimento prévio) do indivíduo promove ou


dificulta:

record_voice_over
A compreensão

textsms
A produção textual
psychology
O processamento de leitura

A partir do que já vivemos e experimentamos, somos capazes (ou não)


de fazer articulações, identificar intertextos, fazer analogias, formar
novas categorizações etc. O conhecimento de mundo (ou conhecimento
enciclopédico) consiste nas nossas experiências em geral, sejam elas
linguísticas ou não. Um indivíduo pode apresentar grande dificuldade em
articular informações associadas ao conhecimento sistêmico ou textual,
porém, a depender de seu conhecimento de mundo ou repertório, isto é,
do tipo de informação que ele pode ativar sobre determinado assunto,
ele será capaz de apresentar certo sucesso comunicativo de
entendimento e de expressividade.

As inferências e as associações advindas do conhecimento de mundo


podem permitir interpretações textuais, inclusive em contextos nos
quais os indivíduos pouco ou nada sabem sobre a língua ou o
tipo/gênero textual em questão. É o conhecimento de mundo que
favorece o processo de compreensão textual pela articulação entre
elementos do texto e outros relacionados à construção do sentido.
Dessa forma, o conhecimento de mundo constitui um dos fatores
responsáveis pela construção da coerência textual.

Saiba mais
No Brasil, o ensino de língua materna e estrangeira já é orientado por
esse caminho: o ensino de línguas, afinal, deve estar centrado na
exploração do conhecimento sistêmico, textual e de mundo do aluno
para que ele tenha mas sucesso comunicativo e maior engajamento
como cidadão crítico do seu entorno.

Em seu escopo, o trabalho proposto pelos PCNs de língua materna e


estrangeira, pelas Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM)
e pela BNCC prevê o enquadramento de gêneros discursivos tanto com
foco na compreensão quanto na produção linguística. Mais do que isso,
o trabalho em sala de aula tem de valorizar a variante falada pelos
alunos, levando-os ao aprendizado mais abrangente e menos
preconceituoso sobre linguagens.

Com isso, as diversas práticas sociais faladas e escritas de nossa


sociedade – o que Marcuschi (2001) classifica por oralidade e
letramento – tornam-se potenciais objetos de ensino, tendo em vista a
formação global e cidadã do aluno, assim como o ensino da gramática
tradicional. As relações ideológicas ou as determinações culturais
presentes nos textos formam um novo grupo importante de
conhecimentos extralinguísticos acionáveis no curso do processo de
compreensão, processamento e produção textual.

A linguística textual interage com a análise do discurso


ao observar as relações de discurso e poder de nossa
sociedade, as quais, por sua vez, estão o tempo todo
refletidas nos textos.

O entendimento mais profundo deles requer tanto a observação quanto


o conhecimento sobre as diferentes formas pelas quais as estruturas
sociais são refletidas e/ou perpetuadas nos textos orais, escritos e
sinalizados que produzimos.

Assim, a LT também desenvolve estudos de base crítica acerca do papel


do discurso na (re)produção dos valores e das macroestruturas sociais.
Em particular, a abordagem mais crítica do texto permite o apontamento
da desigualdade, que se dá por meio do abuso de poder ou da
dominação de determinados grupos em relação ao público em geral: as
massas, os clientes ou os alunos, grupos que, em suma, são
dependentes de relações institucionais e de organização e poder.

No âmbito do ensino, a LT permite uma abordagem crítica de diferentes


gêneros discursivos (institucionais e/ou profissionais) existentes e
controlados pelas estruturas sociais vigentes.

Exemplo
O discurso pedagógico ou midiático e conversas situacionalmente
localizadas.

Essa abordagem crítica dos diversos gêneros discursivos permite a


ativação de conhecimentos mais profundos acerca das realidades
sociais dos alunos. Em suma, a ativação de conhecimentos linguísticos
e extralinguísticos apresenta dois aspectos ou lados:

looks_one É um fato comum presente no curso da


compreensão, do processamento e da produção
textual.

looks_two Torna-se um ponto importante a ser observado no


âmbito da educação, já que cabe à escola a

li ã d t b lh d i lf d
aplicação de um trabalho educacional focado no
desenvolvimento dessas mesmas habilidades por
parte dos alunos.

Somente integrando os conhecimentos linguísticos e extralinguísticos,


poderemos aproveitar de modo eficaz os desdobramentos teóricos
advindos da linguística textual.

video_library
Conhecimento linguístico, textual e
de mundo
Neste vídeo, o professor fala sobre a atuação do conhecimento
linguístico ou sistêmico, do conhecimento textual e do conhecimento de
mundo na produção da textualidade.
Falta pouco para atingir seus objetivos.

Vamos praticar alguns conceitos?

Questão 1

Analise as afirmativas a seguir:


I. O conhecimento sistêmico ou linguístico contribui para a
identificação dos elementos internos do texto e se relaciona com o
domínio do código utilizado.
II. O conhecimento textual, assim como o conhecimento linguístico,
diz respeito ao repertório ou aos conhecimentos prévios
mobilizados na produção e na recepção do texto.
III. O conhecimento sistêmico é suficiente para a produção do texto,
bem como para os processos de leitura, pois o texto se resume à
sua estrutura interna.

Está correto apenas o que se afirma em:

A I.

B II.

C III.

D I e II.

E II e III.

Parabéns! A alternativa A está correta.

A afirmativa I está correta, pois, na textualidade, são ativados


conhecimentos linguísticos, textuais e extralinguísticos, sendo o
conhecimento linguístico ou sistêmico relacionado com o código, a
aquisição da língua e sua estrutura ou sistema. Já a II está
incorreta, porque o conhecimento textual não corresponde ao
conhecimento enciclopédico ou aos conhecimentos prévios, e sim
aos tipos textuais e gêneros discursivos. Por fim, a III também está
errada, já que o conhecimento linguístico é necessário, mas não
suficiente na produção e interpretação do texto, pois o texto é mais
do que seus elementos internos ou linguísticos.

Questão 2

O processo de produção e recepção do texto envolve o


conhecimento linguístico, textual e de mundo. Na
interpretação/produção textual, o conhecimento de mundo atua
como
parâmetro para a identificação dos elementos
A
estruturais ou sistêmicos do texto.

parâmetro para a produção das marcas linguísticas


B
relacionadas com aspectos formais.

parâmetro que pode potencializar o resultado final


C
da elaboração do texto ou do processo de leitura.

recurso suficiente para elaborar textos de diferentes


D gêneros discursivos e dispensável para as práticas
de leitura.

recurso que pode prover mecanismos de


E interpretação baseados em aspectos internos ao
texto.

Parabéns! A alternativa C está correta.

O conhecimento de mundo é um fator diretamente ligado ao maior


ou menor sucesso da interpretação textual. Trata-se de um
parâmetro e recurso necessário, ainda que não suficiente, no
processo de textualização e atribuição de sentidos. Assim, como
conhecimento extralinguístico, o conhecimento de mundo precisa
estar articulado com os demais conhecimentos, ainda que, na falta
dos demais, ele consiga suprir muitas lacunas.
4 - Construção dos sentidos no texto: coerência textual
Ao final deste módulo, você será capaz de analisar a construção dos sentidos no texto a partir
da coerência textual.

Coerência e textualidade
Nossa capacidade de produzir e processar textos orais, escritos ou
sinalizados está ligada a um conjunto de processos responsável pela
construção dos sentidos.

A partir da linguística textual, temos tratado dos aspectos responsáveis


pela construção do texto ou de sua textualidade. Em outras palavras,
abordamos os aspectos responsáveis pela construção da coerência
textual, aquilo que traz textualidade a uma sequência linguística,
tornando-a um texto, uma unidade significativa global, e não um
amontoado de palavras (KOCH; TRAVAGLIA, 1999).

Devemos nos lembrar de que, nos módulos anteriores, vimos que o


processo sociointeracional de construção da coerência textual ocorre a
partir de diferentes pontos de vista:

Formal/gramatical
Relacionado à coesão.

Funcional-comunicativo
Associado às funções mais fundamentais de um texto, ou seja, a
comunicação e a interação.

Textual
Relacionado à adequação da aplicabilidade e aos propósitos de usos de
tipos e gêneros textuais específicos.

Ideológico
Associado às questões ideológicas e discursivas que permeiam a
construção da expressividade.

A coerência é resultado da interação desses múltiplos fatores. Ela,


afinal, é o fenômeno linguístico responsável pela construção de sentido
que garante a interpretabilidade de um texto.

border_color
Atividade discursiva
Observemos o trecho a seguir:

As crianças deixaram os brinquedos espalhados no chão. O time do


Corinthians venceu. Marcela foi à feira. Ninguém havia solicitado o
relatório. A manteiga era suficiente. O carro, então, enguiçou.

A leitura rápida do trecho nos permite chegar a algumas conclusões


sobre ele:

O conjunto de frases em jogo não compõe uma unidade global de


sentido, ou seja, não compõe um texto;

Do ponto de vista do desenvolvimento do conteúdo ou do ponto de


vista gramatical-articulatório, não ocorre a construção de um texto;

Ao se considerar isoladamente cada sentença em questão, verifica-


se que elas são unidades significativas;

Há vários textos em um único espaço, mas não um único texto


composto por essas mesmas frases.

Mas o que nos permite identificar tais aspectos sobre esse trecho?
Digite sua resposta aqui

Chave de respostaexpand_more

A resposta comporta dois pontos:

A não articulação de conteúdos;

A não articulação gramatical.

A ausência dessas articulações evidencia que a sequência


linguística em questão não se trata de um texto. O mesmo
argumento (o da articulação gramatical e conteudista) nos permite
garantir a interpretabilidade das sentenças constituintes do trecho
e identificá-las isoladamente como textos.

Veja agora a seguinte sequência linguística:

Ele estava gripado. Não foi ao trabalho.

Do ponto de vista do conteúdo, existe uma unidade global de sentido, a


qual, por sua vez, é formada por duas outras unidades menores, a
despeito de não haver um conectivo, um elemento gramatical, que
unifique explicitamente as sentenças em um único bloco de sentido. Vê-
se nessa sequência que a construção da coerência textual não ocorre
apenas por meio de ligações gramaticais, mas também – e acima de
tudo – por relações de sentido de orientação pragmática, ideológica,
funcional e discursiva.

A ligação de sentido estabelecida entre as orações do texto acontece


cognitivamente por um processo pragmático particular de busca de
coerência e unificação de sentidos. Apenas os mecanismos de coesão
não fariam de um conjunto de frases um texto, já que o texto, por si só,
prescinde de certo grau de envolvimento de vários componentes
linguísticos e extralinguísticos na situação de fala. De todo modo, o
primeiro aspecto que desejamos destacar para pensarmos sobre o
processo de construção da coerência textual é a própria coesão, isto é,
o nível das relações lineares entre os itens do texto.
A coesão a serviço da coerência

Relembremos que a coesão e a coerência estão relacionadas a


diferentes aspectos:

Coesão
Está relacionada à estrutura superficial do texto, ou seja, ao nível
estritamente linguístico.

Coerência
Manifesta-se macrotextualmente, relacionando-se à transmissão de
conhecimentos ou conteúdos na viabilização da existência de sentidos.

Podemos afirmar, portanto, que há uma relação direta entre o nível


gramatical e o conceitual do texto, sendo a cadeia gramatical
compreendida por meio de pequenas partes do texto, enquanto a
conceitual o é graças ao conjunto de fatores atuantes no nível global.

Analisemos a seguinte frase:

Ele estava gripado, por isso não foi ao trabalho.

Agora vemos que o sentido de consequência entre as orações é


produzido por uma articulação que ocorre por meio da realização
explícita de um conectivo, ou seja, por meio do processo de coesão
gramatical. Nesse sentido, a coesão está a serviço da coerência, uma
vez que, por meio dela, os sentidos do texto também são estabelecidos,
mostrando como tais elementos assumem um papel essencial no
estabelecimento da coerência em textos.

A despeito da relevância dos aspectos pragmáticos, discursivos e


cognitivos (conhecimento de mundo) na construção da coerência
textual, a observação do papel das marcas linguísticas como pistas na
construção do sentido do texto é de extrema importância. É
fundamental levar em conta a relação dos elementos linguísticos
(fonético/fonológico, morfológico/lexical e sintático/semântico) com os
de ordem pragmático-discursiva para o estabelecimento de uma
“coesão” de caráter mais pragmático e a consequente produção do
sentido do texto.

Resumindo

A coesão é o processo por meio do qual partes do texto são conectadas


para garantir o desenvolvimento proposicional, ou seja, ela está ligada
aos aspectos gramaticais do texto. Já a coerência incorpora, nesse
sentido, as condições coesivas, estando ainda diretamente ligada à
dimensão pragmática, à situação de fala, tão relevante para a
construção do sentido no texto.

Funções da linguagem e coerência


Outro fator importante para o entendimento da construção da coerência
diz respeito ao nosso conhecimento acerca das funções da linguagem,
dos propósitos sociais e convencionalizados de tipos textuais e gêneros
discursivos. O uso da língua apresenta funcionalidades diferenciadas a
depender dos fatores intervenientes da interação verbal.

Relembremos as funções da linguagem mais tradicionais e os fatores


da interação verbal a cada uma delas relacionados:

record_voice_over Função referencial ou denotativa

Transmitir informação ou dados da realidade.

record_voice_over Função emotiva ou expressiva

Expressar juízos, opiniões, emoções, valores ou


estados de espírito do emissor.

record_voice_over Função conativa ou apelativa

Persuadir ou influenciar o receptor.


record_voice_over Função fática

Iniciar ou manter a comunicação.

record_voice_over Função metalinguística

Tratar da própria linguagem.

record_voice_over Função poética

Produzir efeito de sentido no receptor.

O conhecimento de tais fatores, isto é, das múltiplas funções da


linguagem cotidianamente identificadas no uso, também contribui para
a construção de uma face pragmática importante do sentido e da
coerência textual.

Exemplo

Se o foco da mensagem está mais voltado para a tentativa do locutor


em convencer, influenciar ou atuar nas escolhas e nas percepções do
interlocutor, é possível afirmar que a língua cumpre predominantemente
sua função conativa, que é típica do discurso da propaganda, da venda e
do convencimento em geral. O usuário da língua será capaz de capturar
essa função se estiver a par dos aspectos formais e funcionais
relacionados ao uso da função conativa, sem estar sujeito a
interpretações ambíguas ou mesmo à impossibilidade de interpretação.

A coerência se estabelece na interação e na interlocução, ou seja, em


uma situação comunicativa entre dois usuários. Ela depende, entre
tantos fatores, de fatores socioculturais diversos, o que evidencia a
importância da dimensão pragmática na construção de sentido.

Tipos e gêneros textuais na construção da


coerência
Outro ponto ligado a essa questão é o papel exercido pelo
conhecimento das características de textos de diferentes gêneros
discursivos e tipologias textuais. Os textos são materializados em
interações sociais diversas, cumprindo, assim, funcionalidades e
sentidos relacionados aos seus gêneros e aos tipos textuais mais
associados.

Textos acadêmicos possuem funcionalidades específicas e


diferenciadas daquelas presentes em textos jornalísticos,
conversacionais, ficcionais etc.

O domínio sobre o funcionamento dos gêneros discursivos e dos tipos


textuais é fundamental, pois ele contribui diretamente para a formação
de sentidos e funcionalidades maiores de seus interlocutores, ou seja,
para a coerência textual deles.

O quadro adiante exemplifica tal discussão ao apresentar três gêneros


discursivos distintos, assim como suas funções sociais e a tipologia
textual costumeiramente associada a eles:

Tipologia textua
Gênero discursivo Papel instrumental
mais associada

História em Divertir, contar


Narração
quadrinho histórias, criticar

Narração,
Informar, verificar,
Notícia descrição,
criticar
exposição

Apresentar
Bula de remédio instruções ou Injunção
orientações

Tabela: Função de tipos e gêneros textuais.


Roberto de Freitas Junior.

A produção e a compreensão linguística com base no significado são


produzidas pela reunião dos seguintes fatores:

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A adequação social das formas linguísticas
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O papel instrumental dos gêneros discursivos ou textuais

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O uso de formas linguísticas apropriadas a determinadas funções
comunicativas especificas

O conhecimento textual revelado no domínio das características


tipológicas textuais e dos próprios gêneros discursivos está
profundamente comprometido, portanto, com a construção da
coerência textual.

A interação verbal

Outro importante domínio que contribui bastante para a construção da


coerência textual é o que diz respeito ao fato de a interação verbal ser o
lócus da materialização, isto é, da prática, de valores e ideologias
sociais estabelecidas.

Comportamentos e ideologias que perpassam o pensamento social


vigente são entendidos como formados e reformados pela e na
linguagem. Dessa forma, podemos observar questões culturais e
ideológicas presentes nos discursos serem materializadas em textos.

Nesse sentido, a linguagem resulta e forma o contexto sócio-histórico


mais amplo, constituindo os valores daquela sociedade. Tal fato
novamente contribui para o entendimento dos propósitos (explícitos ou
não) dos textos em termos ideológicos.

Relembrando
O fenômeno da coerência textual pode ser caracterizado por meio do
princípio de interpretabilidade do texto, abrangendo os seguintes
fatores: linguísticos, cognitivos e interacionais. A coerência determina
quais elementos constituem a estrutura superficial do texto e de que
modo eles se organizam na sequência linguística.

A coerência abrange, no fim das contas, aquilo que determina a natureza


do que entendemos por conhecimento sistêmico (linguístico),
conhecimento textual e conhecimento de mundo. Além desses fatores,
o conhecimento partilhado entre os interlocutores no ato da produção
textual implica uma condição fundamental para a construção de sua
coerência interna e externa.

A situacionalidade, a informatividade, a intertextualidade, a


intencionalidade e a aceitabilidade são alguns dos fatores que
contribuem para a ativação de conhecimentos diversos, dizendo
respeito à relação estabelecida entre o texto e o seu contexto imediato e
global.

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A coerência na construção dos
sentidos no texto
Neste vídeo, o professor explica a inter-relação entre coerência e coesão
na construção do sentido no texto e os fatores de coerência,
destacando as funções da linguagem.
Falta pouco para atingir seus objetivos.

Vamos praticar alguns conceitos?

Questão 1

Analise as afirmativas a seguir:

I. A construção da coerência é um processo que também ocorre


pela articulação entre as partes do texto, ou seja, por intermédio
das relações orgânicas internas do texto, o que está relacionado
com a coesão.
II. A coerência deve ser compreendida a partir dos aspectos
semânticos do texto, pois ela depende de cada parte do texto fazer
sentido por si mesma, ou seja, isoladamente.
III. A coerência está mais ligada à macroestrutura do texto,
enquanto a coesão, ao nível estritamente linguístico, está mais
associada à estrutura superficial dele.

Está correto apenas o que se afirma em:

A I.

B II.

C III.

D I e II.

E I e III.

Parabéns! A alternativa E está correta.

A textualidade tem na coerência e na coesão textual um importante


fundamento, pois um texto desconexo, desprovido de sentido e sem
articulações orgânicas e adequadas atua contra o próprio conceito
de texto, isto é, de tessitura. Assim, no contexto dos estudos da
linguística textual, é necessário compreender a construção da
coerência a partir da inter-relação entre coerência e coesão. Além
disso, a coesão está mais ligada aos aspectos superficiais e
especificamente linguísticos do texto; a coerência, aos aspectos
macrotextuais e aos sentidos do texto.

Questão 2

O conhecimento acerca das funções da linguagem pode contribuir


para o processo de construção da coerência na produção e
recepção do texto. Qual alternativa apresenta uma justificativa
adequada para a importância das funções da linguagem na
construção da coerência?

A
As funções da linguagem possibilitam uma
taxonomia do texto, ou seja, a classificação formal
de cada tipo de texto.

As funções da linguagem correspondem a


diferentes objetivos ou intenções na interação
B
verbal, constituindo um aspecto pragmático que
atua na produção do sentido.

As funções da linguagem permitem rotular cada


C texto de acordo com sua estrutura interna,
consistindo em uma gramática do texto.

A coerência textual depende das funções da


linguagem, porque o sentido do texto é estabelecido
D
por uma única intencionalidade, objetivo ou
propósito.

A linguagem possui um fator de interação verbal em


E cada situação de comunicação, o que caracteriza o
texto como uma construção monológica.

Parabéns! A alternativa B está correta.

A coerência textual também está relacionada às funções da


linguagem, pois essas funções correspondem a diferentes fatores
de interação verbal, o que demanda a produção de um texto
coerente com a expectativa e os elementos de cada situação de
comunicação. Por conta disso, não é correto justificar a
importância das funções da linguagem apenas pelo aspecto
classificatório, gramatical ou linguístico nem deixar de reconhecer
que o texto é dialógico e pode conter mais de uma intencionalidade
ou função da linguagem.
Considerações finais
Estudamos neste conteúdo alguns dos principais pontos desenvolvidos
no âmbito dos estudos da linguística do texto, como os processos de
textualização, o conceito de textualidade e o papel dos conhecimentos
sistêmico, textual e de mundo para a construção do texto.

Pelo conjunto de informações que trabalhamos, vimos que a linguística


textual é uma área de fundamental importância para a educação
linguística em língua materna e estrangeira por colocar em destaque
aspectos basilares para o desenvolvimento do usuário da língua, seja
qual for a sua modalidade. Além disso, aprendemos que a linguística
textual vai além do estudo isolado das frases, colocando o texto no
centro das atenções.

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Podcast
Neste podcast, o professor aborda os principais conceitos da linguística
textual, destacando as relações de cotexto e contexto, a atuação dos
conhecimentos linguísticos e extralinguísticos na textualidade e a
coerência textual na produção de sentido.

Explore +
Leia os seguintes textos para continuar e aprofundar seus estudos
sobre LT:
O desenvolvimento da linguística textual no Brasil, de Ingedore
Koch, publicado na revista Delta e disponível na plataforma Scielo.

Linguística textual e ensino de língua: construindo a textualidade


na escola, de Maria do Rosário Gregolin, publicado pela revista Alfa
e disponível no portal de periódicos da Unesp.

A linguística textual e a construção do texto: um estudo sobre os


fatores de textualidade, de Max Rocha e Maria Silva, publicado na
revista A cor das Letras e disponível no portal de periódicos da
UEFS.

A linguística textual e seus mais recentes avanços, de Paulo


Galembeck, publicado nos Anais do IX CNFL e disponível no portal
do CiFEFIL.

Referências
BEAUGRANDE, R. New foundations for a science of text and discourse:
cognition, communication, and freedom of access to knowledge and
society. Nova Jersey: Alex, 1997.

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular: educação é a base. Ensino


Médio. Brasília: Ministério da Educação, 2018.

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do


ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília: Secretaria de Educação
Fundamental; MEC/SEF, 1998.

JAKOBSON, R. Linguística e comunicação. São Paulo: Cultrix;


Universidade de São Paulo, 1969.

KOCH, I. V. Introdução à linguística textual: trajetória e grandes temas.


2. ed. São Paulo: Contexto, 2015.

KOCH, I. V. Linguística textual: retrospectivas e perspectivas. Alfa. v. 41.


1997. p. 67-78.

KOCH, I. V.; TRAVAGLIA, L. C. Texto e coerência. São Paulo: Cortez,


1999.

MARCUSCHI, L. A. Da fala para a escrita: atividades de retextualização.


São Paulo: Cortez, 2001.

MARCUSCHI, L. A. Linguística de texto: o que é e como se faz. Recife:


UFPE, 1983.
MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e
compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

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