Explorar E-books
Categorias
Explorar Audiolivros
Categorias
Explorar Revistas
Categorias
Explorar Documentos
Categorias
2013
RESUMO
Neste trabalho, objetivamos discutir tópicos da Linguística Textual (LT) que têm contribuído para o
desenvolvimento de pesquisas sobre texto e coerência e apresentar possibilidades de aplicação
desses estudos nas práticas de leitura em aulas de língua portuguesa na educação básica. Tendo
como foco o gênero textual tirinhas e ancorados em fundamentos teórico-metodológicos da LT, cuja
abordagem multidisciplinar da linguagem enfatiza aspectos sociais, culturais, cognitivos e
interacionais do fenômeno textual (CAVALCANTE et al, 2010; KOCH, 2002, 2004, 2012; KOCH
& ELIAS, 2006, 2009; MARCUSCHI, 2008), pressupomos nesta reflexão: i) uma visão de contexto
como um conjunto de suposições que se delineia no curso da interação e nele vai se remodelando
(Van Dijk, 2012), considerando-se a mobilização de um vasto conjunto de saberes; ii) uma
compreensão de texto como como uma “entidade multifacetada”, resultado de um processo
extremamente complexo de interação social e de construção social de sujeitos, conhecimento e
linguagem” (Koch, 2004); iii) uma concepção de leitura que privilegia os sujeitos e seus
conhecimentos em eventos interacionais. Damos destaque para a abordagem de tópicos como
referenciação, progressão textual e intertextualidade. Os dados que constituem o “corpus” para a
realização desta pesquisa compõem-se de tiras extraídas de autores contemporâneos.
INTRODUÇÃO
na/pela interação verbal, determinados gêneros que permitem nossa comunicação e ação no
mundo. Entretanto, não podemos pensar essa realização apenas como peças linguísticas,
uma vez que vários são os modos de representar e comunicar uma mensagem, em que
diferentes linguagens se articulam.
que este pressupõe como conhecimento compartilhado com o leitor, razão que explica as
muitas lacunas contidas no texto.
Buscamos, neste artigo, no primeiro momento, discutir tópicos da Linguística
Textual (LT), cujas investigações teóricas atuais têm alargado a compreensão sobre o texto
e o modo pelo qual produzimos sentido. Trata-se de tópicos que atualmente são caros aos
linguistas de texto, cujas pesquisas se situam no panorama da sociocognição. No segundo
momento, indicamos como esses estudos podem ser aplicados ao ensino de língua
portuguesa, em especial, à leitura e à compreensão do domínio quadrinhos, especialmente
ao gênero tiras.
Com esse propósito e respaldados em princípios teórico-analíticos da LT, elegemos
os tópicos referenciação, progressão textual e intertextualidade. Os dados que constituem o
“corpus” para a realização deste trabalho compõem-se de tiras de autores contemporâneos.
A LT, cujas origens remontam à década de 1960, vem ampliando seus objetivos e
procedimentos de análise, de acordo com a concepção de texto que norteia suas reflexões e
estudos. Da visão de texto como unidade de linguagem superior à frase para a perspectiva
pragmático-enunciativa, que privilegia a interação e os interlocutores, e, posteriormente,
para a abordagem cognitiva, que considera o texto como o resultado de operações de
mentais; hoje os estudiosos em LT pautam-se na perspectiva sociocognitiva e interacional
da linguagem e concebem o texto como um evento comunicativo, no qual operações
cognitivas estão intrinsecamente vinculadas a fenômenos sociais, propósitos comunicativos,
crenças e intersubjetividade.
De acordo com essa nova perspectiva, o sentido de um texto é (re)construído na e
pela interação e envolve ações conjuntas, coordenadas e orientadas para um determinado
fim (KOCH, 2002). Assim, os interlocutores, na realização de procedimentos
interpretativos finalisticamente orientados, guiam-se por elementos da superfície textual
(linguísticos, visuais etc.) e mobilizam um vasto conjunto de conhecimentos, considerando
que todo texto contém uma gama de informações somente detectáveis quando se tem, como
Escola de Comunicações e Artes – Universidade de São Paulo – 20 a 23.08.2013
1.1 REFERENCIAÇÃO
entre si e em relevância num determinado ponto da mensagem (1992, p. 361), tendo como
mira a análise do texto conversacional, mas também aplicável à análise do texto escrito.
Assim formulada a definição, o tópico discursivo abrange duas propriedades
particulares: a centração, que consiste no inter-relacionamento das unidades de sentido do
texto, convergindo para um eixo temático, e a organicidade, que diz respeito à relação entre
os vários tópicos de um mesmo texto. A identificação do tópico, para Lins (2008), atua em
processos interpretativos, pois permite ao leitor identificar o sentido global do texto.
A depreensão de tópicos em quaisquer textos implica a necessidade de estabelecer o
uso dos termos “assunto” e “tema”, na medida em que representa um “fio unificado” que
transpassa o texto como um todo e, assim, expande-se, ou seja, pode ser visto como um
frame unificado (Goutsos, 1996). Nesse caso, tem-se como partida menos sobre “o que” se
fala e mais sobre “como” se fala de determinado tema. Dentro dessa perspectiva, a
focalização é feita na organização do discurso como um todo na busca da determinação do
tópico, isto é, aquilo de que se fala provém necessariamente do modo como se fala. Assim,
teoricamente, tópico pode ser representado como uma estrutura organizada que opera tanto
no interior quanto fora das fronteiras das sentenças. E não é definido e identificado como
uma unidade a priori, mas como resultado de marcação de fronteiras, o que leva à
percepção da coerência dentro da sequencialidade.
Dentro dessa consideração da categoria tópico no sentido geral de “acerca de”, Brown
e Yule (1983) ensinam que qualquer reflexão sobre tópico inclui averiguar por que o falante
disse o que disse numa situação de discurso particular. Reportando-se a Grice (1975)1,
traduzem a máxima ‘Seja relevante” para uma forma, segundo os autores, mais prática e
mais útil, tal qual, “Faça com que sua contribuição seja relevante tendo em vista a
existência de uma estrutura tópica, isto é, “fale topicamente”.
Relevante na determinação do tópico é a noção de frame porque auxilia na tarefa de
estabelecimento dos assuntos que compõem o tema, tendo em vista que a noção de frame
concebe o discurso como uma forma social e cultural organizada, através da qual
1
Grice (1975) estabeleceu o Princípio da Cooperação, uma espécie de guia geral que rege a conversação: Faça
sua contribuição conversacional tal como é requerida, no momento em que ocorre, pelo objetivo da
comunicação em que você está engajado. Esse Princípio incorpora quarto máximas: máxima da quantidade
(grau de informatividade), máxima da qualidade (evidência de sinceridade), máxima da relação ( relevância) e
máxima do modo (clareza).
Escola de Comunicações e Artes – Universidade de São Paulo – 20 a 23.08.2013
determinadas funções são realizadas. Focaliza os padrões de fala usados para fins
determinados, como resultado do uso de estratégias comunicativas. Desse modo, identifica
ações realizadas por pessoas para certos propósitos, interpreta sentidos sociais, culturais,
interpessoais e justifica as interpretações (Schiffrin, 1987).
A definição de frame incorpora, então, a noção de interações estereotipadas, o que
explica que nosso conhecimento de mundo é arquivado na memória em forma de estrutura
de dados. Van Dijk (1996) insere a noção de frame em uma teoria do contexto e procura
caracterizar os diversos componentes que estão incluídos nessa noção. O autor considera
frames como informações semânticas gerais guardadas na memória, e afirma que os
contextos sociais podem ser organizados por certa estrutura de frames sociais.
Numa análise contextual, as propriedades específicas e as relações (por ex. ações,
interações) do falante podem ser analisadas, isto é, seus comportamentos prévios (feitos,
ações etc.), as afirmações específicas que ele fez anteriormente, bem como as inferências
que fazemos sobre o falante, em termos de conhecimentos, crenças, desejos, preferências,
atitudes, sentimentos, emoções.
Desse modo, a consideração desses fatores contextuais auxilia na detecção do tópico de
textos em geral, e em específico de textos em quadrinhos. Na medida em que se tem
internalizado o frame de determinada personagem, tem-se já um conjunto de possibilidades
de qual tema poderá ser desenvolvido numa tira ou numa história maior.
1.3 INTERTEXTUALIDADE
Exemplo 1:
Exemplo 2:
O diálogo entre esses personagens transcorre ao longo dos quadros que compõem a
tira em análise e sugere dois pontos de vista divergentes: o juvenil e o adulto. A cobra mais
Escola de Comunicações e Artes – Universidade de São Paulo – 20 a 23.08.2013
jovem demonstra que seus ideais de vida são marcados pela ganância (“ser rico”) e pela
individualidade.
Essa individualidade é inferida pelo leitor que, ao interagir com o texto, leva em
consideração pistas verbais e não verbais: 1) o emprego ambíguo do termo “próximo” nos
balões de fala: para a cobra adulta, significa “semelhante”, tem, portanto, papel nominativo;
já para a jovem cobra, desempenha função atributiva; 2) o quarto quadro da tira sem uma
moldura e o olhar da cobra jovem voltado para o leitor dão destaque a esse personagem e
sugerem sua incompreensão em relação à pergunta feita no quadro anterior, pois ele é
incapaz de considerar “o próximo”, “o outro”.
Pode-se afirmar que a temática focalizada na tira gira em torno de atitudes perante à
vida, que é o tópico principal. Esse tópico desdobra-se em dois subtópicos: ideal de vida
de jovem e ideal de vida de adultos. Novamente aqui, nesta tira, a noção de frame auxilia
na depreensão tópica. O último subtópico rompe em termos de frame social com as
expectativas que se tem de ideal social, o que representa uma estratégia de construção de
humor.
Exemplo 3
Escola de Comunicações e Artes – Universidade de São Paulo – 20 a 23.08.2013
Nos dois primeiros quadros da tira em destaque, o personagem Gatão e sua filha Bia
aparecem tomando o café da manhã, numa típica situação familiar. O enquadramento
(planos) dado por Miguel Paiva aos personagens contribui para que o leitor infira estarem
eles em ambiente doméstico, em que a filha agradece ao pai o que ele faz por ela. No plano
visual, a personagem infantil segura um sanduíche (primeiro quadro) e um copo com
refrigerante (segundo quadro). É nessa relação entre o verbal e o não verbal que emerge o
referente “café da manhã em casa”.
A emergência e a continuidade desse referente não se fazem apenas pelo conteúdo
proposicional, nos dois primeiros quadros, da fala da personagem Bia, filha do Gatão,
indiciado pelo papel semântico do verbo “adorar”, o que contribui para a construção de uma
imagem de pai dedicado e zeloso, haja vista o modo como ele olha para a filha. Fazem-se
também pelo fato de esses personagens estarem enquadrados em primeiro plano (Cagnin,
1975), ou seja, limitados à altura do ombro, o que faz com que o leitor focalize sua atenção
para a expressão dos personagens.
Esse referente, ancorado em pistas cotextuais, desencadeia, por meio de uma
hipótese interpretativa, a construção da imagem (face) de pai cuidadoso, em que o
personagem Gatão exerce uma atividade tipicamente feminina (Nolasco, 1993), ou seja, a
realização de atividades domésticas, como a de preparar alimentos para a família.
Entretanto, no último quadro, essa imagem de pai exemplar é desfeita. O leitor toma
conhecimento de que o local do café é a padaria do “Seu Pereira” e de que o Gatão não teve
Escola de Comunicações e Artes – Universidade de São Paulo – 20 a 23.08.2013
Exemplo 4
Escola de Comunicações e Artes – Universidade de São Paulo – 20 a 23.08.2013
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BROWN, Gillian e Yule, George. Discourse analysis. Cambridge. Cambridge Univ. Press.
1983.
CAGNIN, A. L. Os quadrinhos. São Paulo: Ática, 1975.
CAPISTRANO JUNIOR, R. Ler e compreender tirinhas. In: ELIAS, V. M. (org.). Ensino
de Língua Portuguesa: oralidade, escrita e leitura. São Paulo: Contexto, 2011. p. 227-235.
DIJK, Teun Van. Cognição, discurso e interação. (org. Ingedore V. Koch). São Paulo.
Contexto. 1996.
______________. Discurso e contexto: uma abordagem sociocognitiva. Tradução: Rodolfo
Ilari. São Paulo: Contexto, 2012.
Escola de Comunicações e Artes – Universidade de São Paulo – 20 a 23.08.2013