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CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

T336
O texto e seus conceitos / organização Ronaldo de Oliveira Batista. -
1. ed. - São Paulo : Parábola Editorial, 2016.
144 p. ; 23 cm. (Lingua[gem]; 70)

Inclui bibliografia e índice


ISBN 978-85-7934-111-3

1. Língua portuguesa - Composição e exercícios. 2. Análise do discurso.


3. Leitura - Estudo e ensino. 4. Linguística. I. Batista, Ronaldo de Oliveira.
II. Título. III. Série.

15-29275 CDD: 469.8


CDU: 811.134.3'27

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ISBN: 978-85-7934-111-3

© do texto: Ronaldo de Oliveira Batista, 2016


© da edição: Parábola Editorial, São Paulo, abril de 2016
CAPÍTULO 3

0 texto na linguística textual


Ingeclore Grunfeld Villaça Koch (Unicamp)
Vanda Maria Elias (puc-sp)

O texto é originado por uma multiplicidade de operações cognitivas


interligadas, “um documento de procedimentos de decisão, seleção e
combinação”, de modo que caberia à linguística textual desenvolver modelos
procedurais de descrição textual, capazes de dar conta dos processos cognitivos
que permitem a integração dos diversos sistemas de conhecimento dos
parceiros da comunicação, na descrição e na descoberta de procedimentos
para sua atualização e tratamento no quadro das motivações e estratégias da
produção e compreensão de textos (Marcuschi, 2007).

3.1. Introdução

c om origem na Europa Central, principalmente na Alemanha,


na segunda metade da década de 1960 e chegada ao Brasil nos
anos 1980, a linguística de texto (LT) se constituiu como uma
disciplina cujo objeto de investigação — o texto — foi concebido
de diferentes maneiras à medida que se ampliavam as perspectivas de estudo.
Da compreensão de texto como unidade mais alta do sistema linguístico, estudiosos
passaram a entender o texto como unidade básica da comunicação
e interação humana e, dessa concepção, a uma outra que focalizou o texto
como resultado de uma multiplicidade de operações cognitivas interligadas até
chegarem à compreensão de texto como uma “entidade multifacetada”, “fruto
de um processo extremamente complexo de interação social e de construção
social de sujeitos, conhecimento e linguagem” (Koch, 2004: 175).

No Brasil, um estudo acurado da trajetória da LT e, no seu interior, das concep-


ções de texto, já foi realizado por Marcuschi (1983), Koch e Fávero (1983)
e Koch (2004), obras cuja leitura recomendamos. Por essa razão, voltaremos o
olhar e a atenção para o texto como forma de cognição social, concepção que
na atualidade orienta as investigações, no campo da LT.

O TEXTO NA LINGUÍSTICA TEXTUAL « 31


Dividiremos o capítulo em duas seções: na primeira, discutiremos a
concepção de texto que considera na sua constituição aspectos linguísticos,
cognitivos, sociais e interacionais, bem como alguns tópicos que ganharam/
vêm ganhando saliência nesse quadro; na segunda, perspectivas futuras para
os estudos do texto.

3.2. O TEXTO COMO OBJETO MULTIFACETADO:


CONHECIMENTOS E INTERAÇÃO

Na abordagem interacional de base sociocognitiva, o texto é uma realização


que envolve sujeitos, seus objetivos e conhecimentos com propósito interacional.
Considerando que esses sujeitos são situados sócio-histórica e culturalmente e
que os conhecimentos que mobilizam são muitos e variados, é fácil supor que
o texto “esconde” muito mais do que revela a sua materialidade linguística. O
texto (1) serve a essa exemplificação.
Texto (1)

Fonte: Folha de S.Paulo. Quarta-feira, 29 de outubro de 2014. Ilustrada, E5.

32 ■ Ingedore Grunfeld Villaça Koch e Vanda Maria Elias


Do ponto de vista de seu processamento, o texto (1) solicita:

• identificação do intertexto

conexão entre o intertexto e a parte do texto

• reconhecimento do modelo textual (anúncio) a que se recorre com um


propósito comunicativo (divulgar o programa Globo de Ouro Palco Viva)
• conexão entre texto e conhecimento de mundo:
— Globo de Ouro, artistas apresentadores; alguns artistas convidados;
— meio de veiculação do anúncio (mídia impressa) e modo de leitura;
— meio para se obter mais informação sobre o evento (mídia digital) e
de como fazê-lo numa
estreita demonstração de complementariedade entre linguagens e
mídias (Elias, 2012).

Como observado, para o processamento do texto (1), concorrem conhe-


cimentos de textos, das coisas do mundo e de interação, além do linguístico,
numa indicação de que a intersubjetividade e o compartilhamento de conhe-
cimentos e modelos mentais estão na base de sua constituição, mesmo levando
em conta, como o faz Dascal (1999: 122-123), que
(...) não se compartilha com o outro todo o seu contexto mental, embora haja
uma tentativa de compartilhar o suficiente para tornar a comunicação possível em
situações específicas. É bem verdade que não podemos ver o mundo com olhos

O TEXTO NA LINGUÍSTICA TEXTUAL ■ 33


alheios, mas podemos ― e fazemos isso ― coordenar os nossos olhares para que
possamos perceber mais ou menos os mesmos objetos nas redondezas imediatas.

Dessa visão de texto como entidade multifacetada, depreende-se que o


linguístico é condição necessária, mas não suficiente, para o processamento
textual, visto que, em uma visão interacionista da língua, as formas não são
analisadas per se, mas como fontes para as interações (Marcuschi, 2003: 253).
Assim, metaforicamente, o texto pode ser entendido como “a ponta de um ice-
berg — uma pequena porção da matéria e da energia dentro da qual uma enorme
quantidade de informação foi condensada’ por um falante ou escritor e está
pronta para ser ‘amplificada’ por um ouvinte ou leitor” (Beaugrande, 1997: 16).

3.3. Texto e princípio de conectividade

Independentemente de sua extensão ou suporte, cada texto se conecta a


conhecimentos diversos (de língua, de textos, de interação, do mundo), razão
pela qual os princípios de textualidade (coesão, coerência, intencionalidade, aceitabili-
dade, informatividade, situacionalidade e intertextualidade) são compreendidos
por Beaugrande (1997) como as mais importantes formas de conectividade,
que possibilitam múltiplas conexões não só dentro de um texto, mas também
entre o texto e os contextos humanos nos quais ele ocorre, determinando que
conexões são relevantes.

Se o texto é texto à medida que o vemos como tal, é porque nesse processo
estabelecemos conexões entre texto, sujeitos e sociedade. O princípio de conectividade
evidencia, portanto, que o texto não resulta apenas do conhecimento
da língua, tampouco somente das intenções de quem o produz ou das interpretações
de quem o lê (ouve), mas da complexidade dos aspectos envolvidos
nas relações intersubjetivas constituídas de forma situada.

Alinhada a essa perspectiva teórica, Koch (2004: 170) afirma que as formas
de conectividade são condições para uma ação linguística, cognitiva e social,
ou seja, “condições que conduzem sociocognitivamente à produção de eventos
interativamente comunicativos”.

Nesse quadro teórico, a textualidade não é um conjunto de propriedades


inerentes ao texto enquanto produto mas, sim, um modo de processamento
(Marcuschi, 2007) ou, na concepção mesma de Beaugrande (1997: 30), uma
qualidade de todos os textos, mas também “um empreendimento humano
quando o texto é textualizado”, isto é, quando um artefato de sons ou marcas
escritas é produzido ou recebido como um texto. Assim sendo, preconiza-se uma

34 ■ Ingedore Grunfeld Villaça Koch e Vanda Maria Elias


concepção de textualidade que não só se aplica a modelos fixos de comunicação,
como também recobre modelos não canônicos de textos, como os produzidos
nas mídias sociais nesses tempos de cultura digital.

Assumindo uma concepção pragmático-cognitiva de textualidade, Koch


(2004) defende que:

(i) todos os princípios estão centrados simultaneamente no texto e em seus


usuários, portanto não se justifica a divisão entre princípios “centrados
no texto” e “centrados no usuário” (Beaugrande & Dressler, 1981) nem
concebê-los como características encerradas no texto ou critérios para se
avaliar se determinado produto linguístico é ou não coeso, coerente etc.
(Marcuschi, 2007);
(ii) a coerência não é apenas um critério de textualidade entre os demais, mas
constitui o resultado da confluência de todos os demais fatores, aliados a
estratégias e processos de ordem cognitiva, como o conhecimento enciclo-
pédico, o conhecimento compartilhado, o conhecimento procedural etc.

Como os textos são muito incompletos ou implícitos, visto que a maior


parte do conhecimento compartilhado não precisa ser explicitado, a coerência
é uma construção “situada” dos interlocutores (Koch, 2004: 47). Esse processo
se desenvolve com base nas pistas existentes no interior do próprio texto que
funcionam como instruções de como o texto deve ser lido/entendido, e revela
“a capacidade metalinguística do texto de qualificar e regular sua própria in-
terpretação” (Hanks, 2008: 138).

Na continuidade de nossa discussão, focalizaremos a coerência e o contexto,


porque quando pensamos em texto pensamos em sentidos e não existem
sentidos sem contexto.

3.4. Texto e construção de sentido

De acordo com o que vem sendo postulado nos estudos do texto de base so-
ciocognitiva e interacional, a coerência não é uma propriedade textual que possa
ser localizada ou apontada no texto. É, sim, o fruto de uma atividade de pro-
cessamento cognitivo altamente complexo e colaborativamente construído, como
afirma Marcuschi (2007). Ainda segundo o autor, trata-se de “algo dinâmico que
se encontra mais na mente que no texto” e, sendo assim, “mais do que analisar o
sentido que um texto pode fazer para seus usuários, trata-se de observar o sentido
que os usuários constroem ou podem construir para suas falas” (ou escritas).

O TEXTO NA LINGUÍSTICA TEXTUAL ■ 35


Para exemplificação desse modo de conceber a coerência, selecionamos o
texto (2) a seguir.

Texto (2)

"Um mais um é igual a dois. Mas a soma de uma idéia mais uma
idéia não são duas idéias, e sim milhares delas."
"Quanto maior o problema, maior a oportunidade."
"É importante entender o que o outro precisa para viver e ser feliz."
"Ninguém tem direito de tirar nada do outro.
Muito menos a liberdade."
"É preciso viver e deixar os outros viverem também."
"Cresci junto com o Brasil. Não fiquei parado vendo o País crescer."
"Quanto mais Deus manda, mais eu distribuo."
"A maior luta do homem não é conquistar, e sim preservar aquilo
que ele adquiriu na vida."
"Confio no ser humano, caso contrário não abriria as portas
da minha loja todos os dias. O que ajuda a me manter vivo
é a confiança que tenho no próximo."
"Eu não vendo fantasia. Vendo produto que é útil para o Brasil
inteiro."
"O Brasil vai crescer, vai estudar, vai aprender."
"De um bom namoro sai um bom casamento; da boa conversa,
sai um bom negócio."
"É necessário negociar com o coração nas mãos, e não com a
espada."
"Deus foi muito generoso comigo. Deu-me uma estrela que não
para de brilhar."

Fonte: Folha de S.Paulo. Sexta-feira, 21 de novembro de 2014. Mundo, A14.

Como nós, leitores, construímos um sentido para o texto (2)? A coerência


do texto se constrói quando estabelecemos conexão entre as suas partes; entre

36 ■ Ingedore Grunfeld Villaça Koch e Vanda Maria Elias


o texto, conhecimentos de mundo e de como as práticas comunicativas nele
se configuram e funcionam.
Na leitura do texto, podemos distinguir quatro partes:
• a primeira é constituída por um conjunto de enunciados entre aspas que
solicita do leitor a identificação da fonte, da autoria:
"Um mais um é igual a dois. Mas a soma de uma idéia mais uma
idéia não são duas idéias, e sim milhares delas."
"Quanto maior o problema, maior a oportunidade."
"É importante entender o que o outro precisa para viver e ser feliz."
"Ninguém tem direito de tirar nada do outro.
Muito menos a liberdade."
"É preciso viver e deixar os outros viverem também."
"Cresci junto com o Brasil. Não fiquei parado vendo o País crescer."
"Quanto mais Deus manda, mais eu distribuo."
"A maior luta do homem não é conquistar, e sim preservar aquilo
que ele adquiriu na vida."
"Confio no ser humano, caso contrário não abriria as portas
da minha loja todos os dias. O que ajuda a me manter vivo
é a confiança que tenho no próximo."
"Eu não vendo fantasia. Vendo produto que é útil para o Brasil
inteiro."
"O Brasil vai crescer, vai estudar, vai aprender."
"De um bom namoro sai um bom casamento; da boa conversa,
sai um bom negócio."
"É necessário negociar com o coração nas mãos, e não com a
espada."
"Deus foi muito generoso comigo. Deu-me uma estrela que não
para de brilhar."

• A segunda parte é composta pelo segmento textual que contém um voca-


tivo, um agradecimento e as razões do agradecimento:
Samuel Klein,
nosso agradecimento por tudo o que disse,
por tudo o que fez,
por tudo o que nos ensinou.

• A terceira parte é formada por uma sequência descritiva cujo objeto de


descrição é reforçado pela linguagem não verbal (foto):
Samuel Klein
Fundador da Casas Bahia
1923 - 2014

• A quarta parte apresenta apenas quem assina o agradecimento:

OTEXTO NA LINGUÍSTICA TEXTUAL ■ 37


Na construção do sentido do texto, solicita-se do leitor que não apenas
identifique essas partes como também estabeleça conexão entre elas, observando
orientações contidas no texto como, por exemplo:

(i) o segmento textual tudo o que disse, tudo o que fez, tudo o que nos ensinou
remete à primeira parte do texto de forma resumitiva ou encapsuladora;
(ii) quem disse, quem fez, quem ensinou é apresentado ao leitor como àquele
a quem é dirigido o agradecimento, pista reforçada pelo componente
verbal (substantivo próprio) e pelo componente não verbal (foto), como
o fundador das Casas Bahia.

Além disso, o processamento textual demanda do leitor ativação de conhe-


cimentos metagenéricos, enciclopédicos e interacionais: o texto em questão é
um anúncio publicado em um jornal de grande circulação por ocasião do fale-
cimento do fundador das Casas Bahia, uma popular rede de varejo de móveis
e eletrodomésticos do Brasil. A coerência do texto depende, portanto, da nossa
bagagem cognitiva, da qual o linguístico é apenas um dos componentes. Em
uma larga acepção, essa bagagem é constitutiva do contexto concebido sob o
prisma da sociocognição.

3.5. Texto, contexto e sentido

Ao texto concebido como uma entidade multifacetada cuja construção envol-


ve, além do linguístico, conhecimentos outros pressupostamente compartilha-
dos, subjaz uma concepção de contexto que põe em saliência o que os sujeitos
possuem como modelos mentais ativados na interação, considerando que esses
modelos dizem respeito a como essas representações ocorrem no plano das
relações entre os sujeitos social, histórica e culturalmente situados.

Assim, o contexto não se restringe ao contexto linguístico entendido como


o que antecede ou sucede determinada fração textual; também não se limita ao
que se concebe como situação imediata ou mediata pensada em termos de uma
micro ou macrossociologia, respectivamente, nem se trata apenas do que os su-
jeitos armazenam na memória como resultado de suas experiências, abstraindo-se
os traços sociais e culturais, mas, sim, de uma conjunção de elementos de ordem
linguística, cognitiva e social (Koch, 2002; Koch & Elias, 2006; Elias, 2014).

Longe de apontar para aspectos objetivos, é o cognitivo, pensado de forma situ-


ada nas relações entre os sujeitos, o traço saliente em estudos atuais sobre o contexto
realizados por pesquisadores como, por exemplo, Kerbrat-Orecchioni (2006) e Van
Dijk (2012). Na explicação de Kerbrat-Orecchioni, trata-se de representações que os

38 * Ingedore Grunfeld Villaça Koch e Vanda Maria Elias


interlocutores têm do contexto e, portanto, dados de natureza cognitiva mobilizados
pelos interlocutores no processo interacional. Nas palavras de Van Dijk (2012: 11),
contextos são “constructos (inter)subjetivos concebidos passo a passo e atualizados
na interação pelos participantes enquanto membros de grupos de comunidades”. Na
defesa dessa tese, argumenta o autor que uma sequência de sentenças de um texto
é coerente se os usuários da língua forem capazes de construir modelos mentais
dos eventos ou fatos sobre os quais estão falando ou ouvindo, se forem capazes de
relacionar entre si os eventos ou fatos presentes nesses modelos.

Com base no texto (3) ilustraremos essa concepção de contexto que se


(re)configura de acordo com as interpretações feitas pelos interlocutores no
processo interacional:

Texto (3)

Estadão
26 de novembro de 2014 -

Paul McCartney embalou milhares de corações em sua segunda


apresentação em SP; veja como foi o show http://oesta.do/1th8mPW
Foto: José Patrício/Estadão

Gilberto Morais, Saasha Kathleen, Milena Ivanov Petrillo e Principais comentários *


outras 3.403 pessoas curtiram isso.

■ 139 compartilhamentos

O TEXTO NA LINGUÍSTICA TEXTUAL ■ 39


Fonte: https://www.facebook.com/estadao/posts/1076954478986280?comment_id=
1076960188985709&offset=0&total_comments=55 Data de acesso: 04/02/2016

Na representação do quadro contextual do texto (3)entram em


jogo conhecimentos sobre suporte e modo de escrita e leitura na mídia social
Facebook, bem como dinâmica da interação (postagem de um texto para ser
comentado, curtido ou compartilhado pelos usuários da mídia e, nesse sentido,
tantos quantos quiserem poderão fazê-lo).

40 Ingedore Grunfeld Villaça Koch e Vanda Maria Elias


A matéria que serve de fonte para os comentários tem como tema
o show de Paul McCartney na cidade de São Paulo em novembro 2014 e,
de acordo com o conhecimento que se tem do que é e de como funciona o
Facebook, de como nessa mídia se configuram as práticas comunicativas e
interacionais, são esperados comentários dos leitores sobre o tema da matéria
postada pelo jornal.

Analiticamente, observamos que os usuários, mobilizando modelos men-


tais e conhecimentos sobre mídia social e formas de interação, gêneros textuais
(notícia e comentários), o tópico em questão, o uso da língua e de recursos
próprios nessa situação de interação, produzem comentários em torno do texto
fonte e nessa atividade se destaca a estratégia de manutenção, de forma explí-
cita ou não, dos referentes compreendidos como objetos de discurso que foram
introduzidos no título da matéria do jornal: Paul McCartney e o show.

Contudo, o contexto que vinha sendo construído foi alterado por co-
mentários que introduziram novos tópicos:

• a lei PLN 36/2014

Anderson Castro Vamos nos manifestar contra oque realmente


importa,contra essa lei!!Mesmo com manobras que ferem o regimento do
Congresso, os governistas não conseguiram colocar em votação o PLN
36/2014, que altera a meta fiscal. A votação desse e, pelo menos, outros
quatro projetos ficou para a próxima terça-feira (3) às 12 horas
26 de novembro de 2014 às 18:09
Diogo Lemos lugar errado amigao
2• 26 de novembro de 2014 às 18:10
Anderson Castro certissímo!!
26 de novembro de 2014 às 18:11

Ver mais respostas

• um grande sonho

Humor no Face Sei que ninguém vai ler aqui, Mais eu tenho uma grande sonho
que é ter uma página de 100mil Fãs estou determinada a conseguir, se você leu
isso me ajude, é só curti minha página e já estará me ajudando a realizar meu
sonho, Muito Obrigado.
26 de novembro de 2014 às 16:12

Ambos os comentários são sinalizadores de que os usuários não apenas


fazem uma interpretação do contexto levando em conta a situação, os sujeitos
envolvidos e seus objetivos como também recorrem a essa representação para
avaliar as ações linguísticas em curso, no quadro de uma atividade negociada
de produção de sentidos.

O TEXTO NA LINGUÍSTICA TEXTUAL ■ 41


É o que indica, por exemplo, o comentário lugar errado amigao em
resposta ao usuário cujo comentário fugiu ao tema em andamento, e é o que
faz um outro usuário ciente de que seu comentário foge ao tema, quando
enuncia Sei que ninguém vai ler aqui.

O contexto é indispensável para a coerência textual. Englobando o lin-


guístico, a situação de interação imediata, o entorno sócio-político-cultural e
a bagagem cognitiva dos interlocutores — este último na verdade subsume os
demais —, o contexto assume várias funções: avaliar o que é adequado ou não
numa interação, justificar algo que foi dito (não foi dito) ou que será dito (não
será dito), desambiguizar enunciados, alterar o que se diz e preencher lacunas
no texto como aquelas originadas pela introdução de referentes no texto com

GANHAMOS 0 TOP OF MIND.

AGORA SÓ FALTA FAZER CHOVER.


Para o Greenpeace, o Top of Mind é motivo de festa. Infelizmente, nos últimos 50 anos já perdemos - só na
Mas é, também, estimulo para continuar Amazônia brasileira - 720.000 km2 de florestas.
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Fonte: Folha de S.Paulo. Terça-feira, 28 de outubro de 2014. Mundo, A19.

42 ■ Ingedore Grunfeld Villaça Koch e Vanda Maria Elias


base nos princípios de compartilhamento de conhecimentos e conectividade,
em foco na exemplificação feita com o texto (4).

No texto (4), observamos que referentes como, por exemplo, o Top of Mind,
o Greenpace, são introduzidos no texto sob a capa do conhecido, apostando-se
que faça parte da bagagem cognitiva do leitor o conhecimento de que:

• Top of Mind é um termo da área de marketing empresarial aplicado para


a identificação das marcas mais populares na mente dos consumidores;
• Greenpeace é uma organização global que atua para proteger o meio am-
biente, promover a paz e inspirar mudanças de atitudes que garantam um
futuro mais verde e limpo para esta e para as futuras gerações.

Esses referentes constituem um caso especial de anáforas. Na visão tradicio-


nal, explica-nos Schwarz-Friesel (2007), a anáfora é usada para continuar uma
referência preestabelecida no texto e, como tal, aponta para um antecedente
específico no mundo textual para manter o foco atual, razão pela qual tem
como função principal a continuidade tópica. A respeito disso, ainda segundo
a autora, anáforas têm sido descritas como meras sugestões de “recuperação”
ou “ecos semânticos de seus antecedentes”.

Mas, no caso do nosso exemplo, as expressões nominais definidas constituem


referentes que aparecem no texto como entidades “dadas e novas”, entendendo-se
por “dado” que o referente é mentalmente acessível no modelo de mundo textual,
e por “novo” que ele não se enquadra nesse caso. Trata-se, portanto, do fenô-
meno denominado na literatura como anáforas indiretas (Schwarz-Friesel, 2007).

Na configuração linguística da anáfora indireta, o artigo definido assume


a função de sinalizar a acessibilidade do referente. Como na materialidade do
texto não é encontrado antecedente explícito, exige-se algum processo de anco-
ragem no texto para a sua interpretação. Em geral, as condições de ancoragem
de referentes para anáforas indiretas podem ser formuladas da seguinte maneira,
segundo Schwarz-Friesel (2007): o referente de uma anáfora indireta deve ser
uma parte identificável da estrutura semântica das sentenças precedentes ou
deve ser um valor predeterminado de um frame ou script específico ou deve
ser inferível pelo conhecimento de mundo.
Como meio para estabelecer a coerência, as anáforas indiretas são ele-
mentos sinalizadores de uma noção de contexto e de sentido situado que se dá
na relação interativa, dinâmica e reflexa com alta participação de suposições
cognitivas e partilhamento de regras e conteúdos (linguísticos ou não), como
afirma Marcuschi.

O TEXTO NA LINGUÍSTICA TEXTUAL ■ 43


3.6. Estudos do texto: perspectivas futuras

Em suas reflexões, Koch (2002, 2004) aponta para um conjunto de temas


que, sob o viés da sociocognição, vem se constituindo em foco de interesse
para estudiosos do texto. Como objetos de investigação contidos nesse conjunto
destacam-se a referenciação, a topicalização, a coerência, o contexto, o balancea-
mento entre dado e novo, a hibridização oralidade — escrita, a multimodalidade,
a hipertextualização. Três desses temas foram objeto de nossa atenção neste
capítulo no espaço em que nos foi permitido fazê-lo.

Em se tratando especificamente da hipertextualização, desde os anos 1990,


linguistas de texto na Alemanha vêm providenciando conceitos e métodos para
a análise de textos cada vez mais complexos (Blühdhorn & Andrade, 2009).
Também a partir dessa década, no Brasil, Marcuschi e Koch, sugerindo que o
hipertexto fosse inserido na agenda de estudos da linguística textual, realizaram
os primeiros estudos sobre esse texto formado por links e nós e com caracterís-
ticas peculiares ao contexto no qual é produzido, veiculado e lido.

De lá para cá, segundo Elias (2012, 2014, 2015), as pesquisas sobre o


hipertexto vêm focalizando aspectos como traços característicos desse modo
de produção e leitura, suporte, imbricação fala/escrita, emergência de novas
práticas comunicativas e convergência de linguagens e mídias. Isso porque,
segundo argumenta a autora, as práticas hipertextuais vêm influenciando prá-
ticas textuais no papel de modo mais acentuado ou menos acentuado, em uma
perspectiva que, longe da oposição, aponta para a bidirecionalidade marcada
nos movimentos “do texto para o hipertexto” e “do hipertexto para o texto” ou
para o intercambiamento entre práticas textuais no papel e nas mídias digitais.
Esse processo de complexificação exige dos linguistas de texto o desenvolvi-
mento de modelos teórico-analíticos para o tratamento de fenômenos linguísticos
e textuais que, constituídos no contexto da cultura digital, requerem a (re)ela-
boração de conceitos e a descoberta de procedimentos capazes de dar conta dos
muitos aspectos envolvidos nos processos de produção e compreensão de textos.

44 ■ Ingedore Grunfeld Villaça Koch e Vanda Maria Elias

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