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Teoria da aquisição

da linguagem e
estudos linguísticos
Faculdade Educacional da Lapa (Org.)

Curitiba
2020
FAEL

Direção Acadêmica Fabio Heinzen Fonseca


Coordenação Editorial Angela Krainski Dallabona
Projeto Gráfico Sandro Niemicz
Arte-Final Evelyn Caroline Betim Araujo
Sumário
1. A função social da escrita em uma sociedade letrada  |  5

2. Alfabetização e letramento: embates e interfaces  |  11

3. A língua escrita e a língua falada  |  17

4. Estudos Linguísticos e Variações  |  23

5. Comunicação | 43

6. O Signo  |  59

7. O Dircurso  |  75

8. Divisões da Linguística  |  91

9. Sociolinguística | 113

10. A Norma Linguística  |  129

Referências | 143
1
A função social
da escrita em uma
sociedade letrada

Neste capítulo, a ênfase é dada ao conceito de letramento


e suas características, bem como ao estudo da função social da
escrita em uma sociedade letrada, uma vez que no Brasil, os estu-
dos sobre a temática ganharam vigor nos últimos anos.
A palavra letramento apresenta flutuação de significado
devido à complexidade do conceito que abriga estudos variados.
No presente texto, ela é tomada como a competência linguística
que os indivíduos precisam desenvolver para interagir na prática
social, ou seja, o domínio da oralidade, leitura e escrita.
O letramento permite aos sujeitos adquirirem um novo
estado ou condição resultante das mudanças nos aspectos lin-
guístico, cognitivo, social e político. Assim, os procedimentos
metodológicos utilizados pelo professor devem orientar o apri-
moramento linguístico do aluno pelo uso e reflexão da lingua-
gem, fazendo com que ao longo da sua vida escolar, ele leia,
escreva e fale com eficácia, sabendo assumir a palavra, produzir
textos coerentes, adequados às diversas situações sociais e aos
assuntos tratados.
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

1.1 O que é letramento?


Segundo Magda Soares (2009, p. 15), letramento é uma palavra
recém-chegada ao vocabulário da educação e das ciências linguísticas; é na
segunda metade dos anos 80 do século passado que ela surge no discurso dos
especialistas dessas áreas. Vale ressaltar que uma das primeiras ocorrências
está no livro de Mary Kato, de 1986, intitulado No mundo da escrita, uma
perspectiva psicolinguística. No livro, a autora, logo nas primeiras páginas,
diz acreditar que a língua falada culta é “consequência do letramento”.
Ainda de acordo com Soares (2009, p. 15), letramento trata-se da
versão para o português da palavra inglesa literacy. Etimologicamente, a
palavra literacy vem do latim littera (letra), com o sufixo –cy, que denota
qualidade, condição, estado, fato de ser. Literacy é o estado ou condição
que assume aquele que aprende a ler e escrever. Nesse conceito, está implí-
cita a ideia de que a escrita traz consequências sociais, culturais, políticas,
econômicas, cognitivas, linguísticas, quer para o grupo social em que seja
introduzida, quer para o indivíduo que aprenda a usá-la.
Esse é o sentido que tem a palavra letramento, traduzida do inglês lite-
racy: letra, do latim littera, e o sufixo –mento, que, no caso, denota o resultado
de uma ação (como por exemplo, em ferimento, resultado da ação de ferir).
Letramento é, pois, o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escre-
ver; é o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo
como consequência de ter-se apropriado da escrita (SOARES, 2009, p. 18).

1.2 Letramento definido em um poema


Uma estudante norte-americana, de origem asiática, Kate M. Chong,
ao escrever sua história pessoal de letramento, define-o em um poema:
O que é Letramento?
Letramento não é um gancho
em que se pendura cada som enunciado,
não é treinamento repetitivo
de uma habilidade,
nem um martelo

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A função social da escrita em uma sociedade letrada

quebrando blocos de gramática.


Letramento é diversão
é leitura à luz de vela
ou lá fora, à luz do sol.
São notícias sobre o presidente
O tempo, os artistas da TV
e mesmo Mônica e Cebolinha
nos jornais de domingo.
É uma receita de biscoito,
uma lista de compras, recados colados na geladeira,
um bilhete de amor,
telegramas de parabéns e cartas
de velhos amigos.
É viajar para países desconhecidos,
sem deixar sua cama,
é rir e chorar
com personagens, heróis e grandes amigos...

Através da leitura do poema, notamos que letramento é muito mais que o


ensino das “primeiras letras”, que é mais que codificar e decodificar. É a inte-
ração com diferentes portadores de leitura e de escrita, com diversos gêneros
e tipos de leitura e de escrita, com as variadas funções que estas modalidades
desempenham na nossa vida. É buscar notícias e lazer nos jornais, é interagir
com a imprensa diária e fazer uso dela, divertir-se com as tiras de quadrinhos,
conhecer lugares sem sair da cama onde estamos com o livro nas mãos, como
nos mostram os versos. Enfim, letramento é não ficar perdido na sociedade e,
ao mesmo tempo, descobrir a si mesmo pela leitura e pela escrita.

1.3 Função social da escrita


Vivemos num tipo de sociedade que costuma ser chamada de “gra-
focêntrica”, porque, no dia a dia dos cidadãos, a escrita está presente em
todos os espaços e a todo o momento, cumprindo diferentes funções.

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Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

Para Maria da Graça Costa Val (2006, p. 20), fora da escola, esse saber
é adquirido, em geral, quando as crianças têm acesso aos diversos suportes
de escrita e participam de práticas de leitura e de escrita dos adultos. Esse
conhecimento deve ser trabalhado didaticamente em sala de aula, ofere-
cendo possibilidades para que os alunos observem e manuseiem muitos tex-
tos pertencentes a gêneros diversificados e presentes em diferentes suportes.
Simultaneamente, o trabalho deve orientar a exploração desse material,
explicitando informações desconhecidas, mas sem deixar de v­ alorizar os
conhecimentos prévios das crianças e de favorecer deduções e descobertas.
Essas práticas terão repercussão positiva no processo de apropriação do
sistema de escrita e, principalmente, na leitura e na produção de textos escritos.

1.4 Condições para o letramento


Com base nas concepções teóricas de Magda Soares (2009, p. 58),
relacionamos algumas condições para que ocorra o letramento.
Uma primeira condição é que haja escolarização real e efetiva da
população − só nos demos conta da necessidade de letramento quando o
acesso à escolaridade se ampliou e tivemos mais pessoas sabendo ler e
escrever, passando a aspirar a um pouco mais do que simplesmente apren-
der a ler e a escrever.
Uma segunda condição é que haja disponibilidade de material de lei-
tura. O que ocorre nos países do Terceiro Mundo é que se alfabetizam
crianças e adultos, mas não lhes são dadas as condições para ler e escre-
ver: não há material impresso posto à disposição, não há livrarias, o preço
dos livros e até dos jornais e revistas é inacessível, há um número muito
pequeno de bibliotecas.

O professor deve tomar alguns cuidados para envolver o aluno


no processo de construção da escrita, tais como:

2 criar um ambiente letrado, em que a leitura e a escrita este-


jam presentes, mesmo antes que a criança saiba ler e escre-
ver convencionalmente;

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A função social da escrita em uma sociedade letrada

2 considerar o conhecimento prévio das crianças, pois,


embora pequenas, elas levam para a escola o conhecimento
que advém da vida;

2 participar com as crianças de práticas de letramento, ou


seja, ler e escrever com função social;

2 utilizar textos significativos, pois é mais interessante intera-


gir com a escrita que possui um sentido, constitui um desa-
fio e dá prazer;

2 utilizar textos reais, que circulam na sociedade;

2 utilizar a leitura e a escrita como forma de interação, por


exemplo, para informar, convencer, solicitar ou emocionar
(SANTOS, 2010).

Da teoria para a prática


Para trabalhar com o letramento em sala de aula, propomos uma ati-
vidade que pode ser desenvolvida para que os alunos sintam sua participa-
ção em eventos que pressupõem o letramento (ROJO, 2009, p. 54).
Durante todo um dia, anote todos os eventos de letramento de que
você participa, isto é, todas as atividades que desempenha que, de alguma
maneira, envolvam o uso da escrita na leitura ou na produção de textos.
Use, para isso, a tabela seguinte.

Evento de Esfera de Uso de leitura


Finalidade
letramento atividade e/ou escrita
Abastecer-me
1. Retirar
de dinheiro
dinheiro no Cotidiana Leitura/escrita
para gastos
caixa eletrônico
cotidianos
2.
3.

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Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

Evento de Esfera de Uso de leitura


Finalidade
letramento atividade e/ou escrita
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10. ...

Em seguida, escreva um parágrafo com uma reflexão sobre quais são


os principais eventos de letramento com os quais você se envolve no dia
a dia e com quais finalidades (de trabalho, estudo, tarefas cotidianas, para
se informar, no lazer, entre outras).

Síntese
Nesse texto, ancorado pelas ideias de Magda Soares, Roxane Rojo e
Mary Kato, discutiu-se o conceito de letramento e suas principais caracte-
rísticas. Trata-se de um processo que tem início quando a criança começa
a conviver com as diferentes manifestações da escrita na sociedade (pla-
cas, rótulos, embalagens comerciais, etc.) e se prolonga por toda a vida,
com a crescente possibilidade de participação nas práticas sociais que
envolvem a língua escrita, como a leitura e redação de contratos, de livros
científicos, de obras literárias.
Estima-se que a palavra letramento surgiu pela primeira vez em 1986, na
obra No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística, de Mary Kato, e
decorre da versão para o português da palavra da língua inglesa literacy.

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2
Alfabetização e
letramento: embates
e interfaces

O termo letramento foi criado quando se passou a perceber


que nas sociedades contemporâneas é insuficiente o mero apren-
dizado das “primeiras letras” e que se integrar socialmente, hoje,
envolve também “saber utilizar a língua escrita nas situações em
que esta é necessária, lendo e produzindo textos” (COSTA VAL,
2006, p. 19). Essa palavra surgiu para designar essa nova dimen-
são da entrada no mundo da escrita.
Por isso, tem-se afirmado, segundo Costa Val (2006, p. 19),
que alfabetização e letramento são processos diferentes, cada um
com suas especificidades, mas complementares, inseparáveis e
ambos indispensáveis. Essa questão será vista neste capítulo,
salientando o desafio, que hoje se coloca para os professores, de
conciliar esses dois processos, de modo a assegurar aos alunos a
apropriação do sistema alfabético/ortográfico e a plena condição
de uso da língua nas práticas sociais de leitura e escrita.
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

2.1 Diferenças
É importante a compreensão de que os dois processos – alfabetização
e letramento – são complementares e não alternativos. Nas palavras de
Costa Val (2006, p. 19), não se trata de escolher entre alfabetizar ou letrar,
trata-se de alfabetizar letrando. Quando a ação pedagógica se orienta para
o letramento não deve se deixar de lado ou abandonar o trabalho especí-
fico com o sistema de escrita. Do mesmo modo, não se deve pensar nos
dois processos como sequenciais, como se o letramento fosse uma pre-
paração para a alfabetização ou como se a alfabetização fosse condição
indispensável para o letramento.
Magda Soares (2009, p. 31) define os termos alfabetizar, alfabetiza-
ção e letramento de modo a contribuir com nossas considerações:
2 Alfabetizar é ensinar a ler e a escrever; é tornar o indivíduo
capaz de ler e escrever.
2 Alfabetização é a ação de alfabetizar.
2 Letramento é o estado ou condição que adquire um grupo
social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado
da escrita e de suas práticas sociais.
Isso posto, entende-se que a ação pedagógica mais eficiente é aquela
que procura contemplar, de maneira articulada e simultânea, os dois pro-
cessos. Ou seja, a aprendizagem torna-se significativa quando o aluno
pode relacionar o conhecimento às suas práticas cotidianas. Essa questão
é possível a partir do momento em que a vivência do educando – seu
conhecimento prévio de mundo – é resgatado em sala de aula para servir
como subsídio no processo de análise, fazendo parte dos temas de estudo.
Dessa maneira, é oferecida ao aluno a oportunidade real de falar, ouvir, ler
e escrever, identificando em sala de aula o que acontece fora dela.
Outra questão importante para se compreender diz respeito ao fato de
que um indivíduo que não sabe ler e escrever, isto é, analfabeto, pode ser
letrado. Ou seja, de acordo com Magda Soares (2009, p. 24), um indivíduo
pode ser analfabeto, mas viver em um meio em que a leitura e a escrita
têm presença forte, caso se interesse em ouvir a leitura de jornais feita por
um alfabetizado, por exemplo, se recebe cartas que outros leem para ele,

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Alfabetização e letramento: embates e interfaces

se dita cartas para que um alfabetizado as escreva, como observamos no


filme Central do Brasil, de Waltter Salles. Nesse filme, a personagem Dora
(Fernanda Montenegro) é escriba e escreve cartas para pessoas analfabe-
tas, porém com graus de letramento, já que os indivíduos usam a profissão
de Dora para se envolver na prática da escrita, mesmo que indiretamente.

Dica de filme

Assista ao filme Central do Brasil que retrata a questão do analfabetismo


de maneira peculiar. Dora (personagem de Fernanda Montenegro) vive
a história de uma professora primária que escreve cartas para analfa-
betos (escriba), chegando a praticar pequenos golpes. Envolve-se com
o garoto Josué e, desta forma, também acaba crescendo como figura
humana ao interagir com as vidas de outras pessoas. Os eventos de
letramento ocorrem em diversos espaços sociais que se realizam práti-
cas letradas e demandam qualquer nível de familiaridade com a escrita.
Assim, o filme não tem a função de introduzir formalmente os sujeitos
no mundo da escrita, mas a partir da prática exercida por Dora não se
perde o sentido, o entendimento do letramento por meio das noções
de sujeito alfabetizado ou não alfabetizado, tidas como parâmetros nas
práticas escolares e sociais que usam a escrita em contextos específicos,
para objetivos específicos, mas nos faz pensar sobre o que é leitura e o
papel da escola na formação do leitor, modos significados e sentidos de
aprender a ler.

CENTRAL do Brasil. Direção Walter Salles. Videofilmes. 1998. 1h 52


min. Drama.

2.2 Decodificação e compreensão


Roxane Rojo, na sua obra Letramentos Múltiplos, escola e inclusão
social, faz um apanhado sobre as características que envolvem o ato de
ler na alfabetização, a decodificação do texto – portal importante para o
acesso à leitura, mas insuficiente nas capacidades envolvidas no ato de ler,
de compreender (ROJO, 2009, p. 79):

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Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

São capacidades de decodificação:


2 compreender diferenças entre escrita e outras formas gráficas
(outros sistemas de representação);
2 dominar as convenções gráficas;
2 conhecer o alfabeto;
2 compreender a natureza alfabética do nosso sistema de escrita;
2 dominar as relações entre grafemas e fonemas;
2 saber decodificar palavras e textos escritos;
2 saber ler reconhecendo globalmente as palavras;
2 ampliar a sacada do olhar para porções maiores de texto, além de
meras palavras, desenvolvendo assim fluência e rapidez de leitura.
São capacidades de compreensão:
2 ativação de conhecimentos de mundo – previamente à leitura
ou durante o ato de ler, o leitor está colocando constantemente
em relação seu conhecimento amplo de mundo com aquele exi-
gido e utilizado pelo autor do texto;
2 antecipação ou predição de conteúdos ou de propriedades
dos textos – o leitor não aborda o texto como uma folha em
branco. A partir da situação de leitura, de suas finalidades, da
esfera de comunicação, etc., o leitor levanta hipóteses tanto
sobre o conteúdo como sobre a forma do texto ou do trecho
seguinte de texto que estará lendo;
2 checagem de hipóteses – ao longo da leitura, o leitor irá conferir
constantemente suas hipóteses, confirmando-as ou refutando-as
e, consequentemente, buscando novas hipóteses mais adequadas;
2 localização e/ou retomada (cópia de informações) – em certas
práticas de leitura, o leitor está constantemente buscando e loca-
lizando informações relevantes para armazená-las;
2 comparação de informações – ao longo da leitura, o lei-
tor está constantemente comparando informações de várias

– 14 –
Alfabetização e letramento: embates e interfaces

ordens, advindas do texto, de outros textos, de seu conheci-


mento de mundo, de maneira a construir os sentidos do texto
que está lendo;
2 generalização – conclusões gerais sobre fato, fenômeno, situa­
ção-problema, etc., após análise de informações pertinentes;
2 produção de inferências locais – no caso de uma lacuna de
compreensão, provocada, por exemplo, por um vocábulo ou
uma estrutura desconhecida, exerceremos inferências, isto é,
atribuimos, pelo contexto imediato do texto e pelo significado
anteriormente construído, um significado para esse termo, até
então desconhecido.
2 produção de inferências globais – nem tudo está dito ou pos­to
no texto. Ele tem seus implícitos ou pressupostos que também
têm de ser compreendidos numa leitura efetiva. Para fazê‑lo, o
leitor lança mão, ao mesmo tempo, de certas pistas que o autor
deixa no texto, do conjunto da significação já construída e de
seus conhecimentos de mundo, inclusive lógicos.

Da teoria para a prática


Uma sugestão de trabalho que envolve a alfabetização e letramento,
simultaneamente, é a atividade intitulada caixinha de histórias, na qual
a criança utiliza-se de imagens e da palavra impressa para construir ou
reconstruir os sentidos de textos que ouve ou produz.
Caixinha de histórias
Material: gravuras, revistas, caixa de camisa ou sapato, etc.
Modo de fazer: escolher gravuras e palavras de alguma revista; colar
em fichas feita de cartolina; encapar a caixa e colocar as fichas dentro.
Sugestão para utilização: fazer com as crianças um texto coletivo
utilizando as figuras e as palavras da seguinte forma: um aluno retira sem
olhar, uma gravura e uma palavra da caixa e forma uma frase combinando-
-as; o próximo faz o mesmo e continua a história começada.

– 15 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

Este material contribui para:


a) o emprego associativo da linguagem verbal (palavra) e não ver-
bal (gravura);
b) o trabalho de produção de textos;
c) a organização de sequência lógica entre as ações de uma narrativa;
d) a criatividade na combinação das palavras das imagens e na
construção do texto;
e) favorecer o letramento.

Síntese
Nesse texto, procuramos abordar as interfaces e embates dos proces-
sos de alfabetização e letramento. Salientou-se que são processos diferen-
tes, cada um com suas especificidades, mas complementares, inseparáveis
e ambos indispensáveis.
Outro ponto foi entender que o processo de letramento pode preceder
à alfabetização. Os alunos, muito antes de adquirirem a habilidade para
ler e escrever convencionalmente, já são capazes de produzir linguagem
escrita e atribuir sentido aos textos ouvidos. Ou seja, podem ditar informa-
ções para uma pessoa alfabetizada fazer o papel de escriba.
Por fim, foram mostradas as diferenças entre decodificação e compre-
ensão, a partir das ideias de Roxane Rojo.

– 16 –
3
A língua escrita e
a língua falada

É comum o fato de algumas pessoas dizerem que a escrita


é a transcrição da fala ou que se escreve tal como se fala. Não há
dúvidas de que a escrita é a representação gráfica da linguagem
falada, porém essa representação se realiza de uma forma especial.
Vale a pena salientar que não existe uma correspondência
unívoca entre a linguagem falada e escrita. Ou seja, apesar de
cada som possuir um correspondente gráfico, nem sempre o
mesmo fonema é representado pelo mesmo grafema (o som /z/
pode ser representado ou pela grafia “z”, ou por “s”, ou por “x”)
e nem sempre a mesma forma gráfica representa o mesmo som
(o grafema “x” pode representar quatro sons diferentes). Nesse
sentido, não parece possível afirmar que a língua portuguesa é
fonética, já que isso implicaria dizer que cada som sempre seria
representado por um único e exclusivo grafema.
Assim, neste capítulo, discute-se que a fala e a escrita não
coincidem, mesmo sendo modalidades da mesma língua, uma
vez que cada uma tem as suas próprias regras de realização.
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

3.1 Características
De acordo com Morais (2006, p. 156), ao se traduzir o pensamento
ou as palavras percebidas auditivamente em letras, há a necessidade de se
levar em consideração, além da linguagem oral, as regras ortográficas, o
contexto no qual o grafema e o fonema estão inseridos e de se memorizar
a grafia de determinadas palavras, cujos sons podem ser representados por
dois ou mais grafemas.
Se levássemos em consideração apenas a linguagem oral, acabaríamos
escrevendo de um modo diferente do registrado na norma padrão: “toce” em
vez de “tosse”; “ezame” em vez de “exame”; “caza” em vez de “casa”, etc.
Outra diferença que pode ser apontada entre as duas modalidades
de linguagem se refere aos espaços em branco que separam as palavras
durante a escrita. Ao escrever, o pensamento é traduzido em unidades lin-
guísticas que são nitidamente separadas por espaços em branco. Já na fala,
o pensamento é expresso de forma contínua, não existindo qualquer rela-
ção entre espaços em branco e unidades linguísticas.
Mais uma diferença entre a fala e a escrita se refere ao uso de deter-
minados simbolismos que são exclusivos da linguagem escrita. Para tornar
legível e compreensível a mensagem escrita, faz-se uso de sinais de pon-
tuação para representar: intervalos entre ideias, começos e finais de frases,
frases ditas por outro, exclamações e interrogações, etc. No entanto, como
não existem referências concretas na linguagem falada sobre sua utiliza-
ção, a criança tende a apresentar dificuldades para empregar corretamente
a pontuação.
Assim, nota-se que há muitas diferenças entre a fala e a escrita devido
à própria natureza das duas modalidades. Outro exemplo disso é a afirma-
ção tradicional de que, pelo fato de a percepção da fala ocorrer por um
canal auditivo e da escrita por um canal visual, a fala tem caráter efêmero,
circunstancial, enquanto que a escrita tem um caráter duradouro (já que,
pela sua própria natureza gráfica, pode ser guardada, arquivada).
Hoje, como já existem maneiras de “guardar” a fala (por meio de gra-
vações), pode-se argumentar que a afirmação anterior mudou um pouco.
No entanto, não está tão diferente assim, pois a quantidade de fala que é

– 18 –
A língua escrita e a língua falada

guardada (gravada) é ainda muito reduzida em comparação com a quanti-


dade de fala efetivamente produzida.
Fávero, Andrade e Aquino (1999, p. 69) expõem que a fala e a escrita
divergem em muitas dimensões: nos seus modos de aquisição; nas suas
condições de produção, transmissão e recepção; nos meios pelos quais os
elementos de estrutura são organizados.
Não é preciso ensinar ninguém a falar. A aquisição da linguagem oral
acontece de maneira natural, bastando, para isso, colocar a criança em con-
tato com falantes de uma língua. Por outro lado, a escrita precisa ser ensi-
nada: a maioria das pessoas passa por um processo escolar de letramento
para aprender a ler e a escrever. Além disso, excluindo-se os casos de pato-
logias, todas as crianças aprendem a falar, ao passo que muitas crianças e
adultos jamais terão acesso à escrita – até porque existem muitas comunida-
des ágrafas, embora todas façam uso da linguagem oral. É por este motivo
– e por necessitar a escrita da manipulação de um instrumento físico e da
coordenação consciente de habilidades específicas motoras e cognitivas –
que Akinnaso (apud FÁVERO; ANDRADE; AQUINO, 1999, p. 69-70)
considera a escrita “irremediavelmente artificial”, enquanto que a fala é “um
processo natural, fazendo uso dos meios assim chamados ‘órgãos da fala’”.
Em relação às diferenças nas condições de produção da fala e da escrita,
Fávero, Andrade e Aquino (1999, p. 69) apresentam o seguinte quadro:

Fala Escrita
Interação a distância
Interação face a face.
(espaço-temporal).
Planejamento simultâneo ou
Planejamento anterior à produção.
quase simultâneo à produção.
Criação coletiva: adminis-
Criação individual.
trada passo a passo.
Impossibilidade de apagamento. Possibilidade de revisão.
Sem condições de con-
Livre consulta.
sulta a outros textos.

– 19 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

Fala Escrita
A reformulação pode ser promo-
A reformulação é promo-
vida tanto pelo falante como pelo
vida apenas pelo escritor.
interlocutor.
Acesso imediato às rea- Sem possibilidade de
ções do interlocutor. acesso imediato.
O falante pode processar o texto, O escritor pode processar
redirecionando-o a partir das o texto a partir das possí-
reações do interlocutor. veis reações do leitor.
O texto tende a esconder o
O texto mostra todo o seu
seu processo de criação, mos-
processo de criação.
trando apenas o resultado.

Para refletir...
Leia o poema Pronominais, de Oswald de Andrade, e
reflita sobre a língua oral e a língua escrita, uma vez
que este nos mostra um pouco da diversidade do uso
da língua em função da situação comunicativa:
Pronominais
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mul ato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro.

(ANDRADE, 1971)

– 20 –
A língua escrita e a língua falada

3.2 Variação linguística


Durante muitos anos, a escola apresentou a língua como um fato
único e homogêneo. Embasada nas regras da gramática normativa ou, em
outros termos, da gramática tradicional, a escola passou a noção de que
a língua se constitui em um padrão único e tudo o que se afastava desse
padrão era sempre considerado errado, sempre visto como um desvio de
uma norma pronta, única e acabada.
Conforme postula a sociolingüística, é irrefutável a visão de que
a língua não é um fato homogêneo. Na verdade, toda e qualquer língua
é um conjunto bastante heterogêneo de variedades linguísticas. Cada
aluno entra na escola portando o “dialeto” próprio da classe social em
que está inserido, além de ser esse o falar próprio da sua região e da
época em que ele vive. O falar da escola é o das classes dominantes, por
isso mesmo padrão.
Portanto, o professor deverá partir da variedade utilizada pelo ­grupo
com que trabalha e, por meio de diferentes atividades, conduzi-lo ao
­domínio da norma culta. Para tanto, duas atitudes fundamentais devem ser
tomadas: a primeira é a eliminação, por parte do professor, de seu vocabu-
lário, da dicotomia correto/incorreto, substituindo-a por formal/informal;
a segunda é o respeito ao padrão linguístico de seus alunos.
Para trabalhar a dicotomia formal/informal na língua oral, o profes-
sor precisa colocar diferentes situações e mostrar a alteração que isso vai
acarretar na forma de cada um se expressar. Essa atividade poderá ser
feita por meio da dramatização de um mesmo ato de comunicação em
diferentes circunstâncias.

Da teoria para a prática


Como exemplo de trabalho referente à variação linguística em sala
de aula, poderíamos propor o assunto futebol e pedir para que cada aluno
fale de seu time ou de um jogo visto anteriormente, levando em conta as
diferentes situações:
2 o assunto tratado por um grupo de amigos durante o recreio;

– 21 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

2 debate sobre o mesmo assunto em um programa de televisão;


2 divulgação do mesmo assunto pelo comentarista responsável, no
telejornal em horário nobre.
Conforme a situação vai mudando, o falante, obrigatoriamente, pre-
cisa mudar a sua maneira de se expressar, caminhando do informal para
o formal, e é deste último que o professor se servirá para introduzir as
estruturas da língua padrão.

Síntese
Nesse capítulo, foram abordadas as características da linguagem oral
e da linguagem escrita. Embora consista em uma representação da fala, a
escrita não é uma transcrição dela. Assim, as duas entidades não coinci-
dem, mesmo sendo próprias da mesma língua, uma vez que cada uma tem
suas regras de realização. No entanto, todo texto, tanto oral como escrito,
deve organizar-se de maneira que se possa delinear a intenção de quem
fala, de quem escreve, o universo de quem ouve ou lê e o assunto de que se
trata. Assim, postula-se que as estratégias adotadas para a prática de texto
nas escolas devem ser urgentemente repensadas.

– 22 –
4
Estudos Linguísticos
e Variações

Na língua só existem diferenças.


Ferdinand Saussure
A liberdade consiste na possibilidade de optar.
Ferdinand Saussure

Iniciaremos este capítulo apresentando vários conceitos em


relação à linguística, qual é seu objeto de estudo e um breve his-
tórico da ciência linguística.
Buscamos, com isso, apresentar-lhes conceitos e princípios
que regem os Estudos Linguísticos.
Apesar de neste capítulo e, principalmente, nos primeiros
capítulos, não nos atermos, ainda, às questões relacionadas à
variação linguística, iniciaremos nossos estudos com um texto
bastante interessante do Professor Antonio Escandiel de Souza,
intitulado A Diversidade Linguística no C ­ ontexto Escolar:
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

A Diversidade Linguística no Contex-


to Escolar

A língua de um povo constitui-se como um dos seus bens


mais preciosos.

É na língua que se apresentam refletidas as representações e


construções de uma sociedade.

É pela língua que se dão as relações de poder e dominação, os


consensos, as discórdias, as transmissões culturais. Assim como é
pela língua que o sujeito constrói seu lugar na sociedade, também
é através dela que é excluído.

Figura 1: balões diálogo

Fonte: Shutterstock.com/ Pushkin

Considerando que nossas cidades são formadas pela união de


diversas raças e povos, é impossível ignorar que a diversidade
étnica caracteriza nosso país.

– 24 –
Estudos Linguísticos e Variações

A língua, em suas diversas formas e variantes, é uma entidade


viva, dinâmica e é o código utilizado pelo ser humano para se
comunicar com seus semelhantes, trocar informações, difundir
ideias e conceitos.

O uso da escrita desenvolveu a comunicação entre os homens


permitindo-lhes remontar as barreiras do tempo na recepção
de mensagens, além de ajudar muito no desenvolvimento
intelectual do ser humano. Ademais, seu domínio passou a
figurar, socialmente, como prestígio social e instrumento de
ascensão profissional.

Devido a constantes inovações, a escola está deixando de ser


apenas o local onde se acumulam conhecimentos, que tem no
professor o depositário da sabedoria e no estudo, um fim em
si mesmo.

A escola passou a ser um ambiente voltado à reflexão e o educa-


dor passou a atuar como mediador da aprendizagem, sabendo
respeitar e interagir com as diferenças étnicas, culturais, sociais
e econômicas do educando. A sociedade está cada vez mais exi-
gente, então não basta seguir rigidamente as normas linguísti-
cas, sem deixar espaço para o desenvolvimento do educando
como ser crítico, capaz de expressar suas ideias e lutar pelos
seus ideais.

A língua se relaciona com a sociedade porque é a expressão das


necessidades humanas de se congregar socialmente, de cons-
truir e desenvolver o mundo.

“A língua não é somente a expressão da alma, ou do íntimo, ou


do que quer que seja, do indivíduo; é acima de tudo, a maneira
pela qual a sociedade se expressa como se fosse a sua boca”.
(SIGNORINI, 2002. p. 76-77).

É importante ter um discurso condizente com a realidade


social, mas a consideração da modalidade linguística que
o educando traz de casa, é essencial, já que a democracia e a
liberdade de expressão devem acontecer desde o espaço esco-

– 25 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

lar e, porque, por meio dessa linguagem, é possível estabelecer


a comunicação.

Com respeito pela linguagem do aluno, é possível levá-lo a apri-


morar-se da variedade linguística valorizada socialmente, o que
possibilitará a ele a adequação de uso da linguagem às diversas
situações sociais em que precise se manifestar.

Ao contrário do ensino tradicional, que silencia, e contribui,


desse modo, para a manutenção da ordem social vigente, com
as mudanças no ensino poderão ser conseguidas mudanças
sociais ao se garantir que a possibilidade de expressão deixe de
ser sonegada à grande parcela da população.

Não é preciso substituir a modalidade do aluno, mas é possível


fornecer-lhe outra adicional, a de maior prestígio, para que, com
isso, ao mesmo tempo em que ele possa conseguir sua ascensão
social, também continue participando de seu grupo de origem,
não sofrendo, assim, um processo de despersonalização.

Faz-se necessário o ensino da forma para enriquecer e contri-


buir com o desenvolvimento cognitivo do educando, bem como
ampliar o seu léxico, porém não se deve impor bruscamente
o padrão sob pena de continuar promovendo, na sociedade, o
complexo de incompetência linguística, que gera alienação.

Seria necessário ao professor falante da forma culta se familia-


rizar com a nova realidade escolar, conduzindo o aluno a alter-
nar fala familiar com a norma culta, em função das situações de
interação verbal (...)


Com a leitura desse texto, iniciamos um caminho bastante interessante:
não estudaremos somente o que a é linguística, o que é a linguagem. Buscare-
mos, também, um percurso que nos permita refletir sobre ela e sobre seu uso.
Nessa perspectiva, é importante não sermos apenas meros repetido-
res dos conhecimentos adquiridos, mas usuários sabedores de uma língua
que tem várias funções nos contextos sociais constituídos.

– 26 –
Estudos Linguísticos e Variações

Refletir nos diferencia. Somos educadores. E como tal, devemos


também ter consciência do nosso papel na análise da nossa língua, a
língua brasileira.

4.1 O que é Linguística


Costuma-se estabelecer que a Linguística é a ciência que estuda os
fenômenos relacionados à linguagem verbal humana, buscando entender
quais são as características e princípios que regem as estruturas das línguas
do mundo.
Cabe aos linguistas, portanto, a responsabilidade do estudo e formu-
lação de explicações a respeito das estruturas e dos mecanismos da lin-
guagem em geral.
Assim, para que nossos estudos apresentem o embasamento neces-
sário, faz-se mandatório apresentar algumas das definições, conceitos ou
estudos de especialistas na área em relação O que é linguística.
Iniciaremos com Rodrigues (2008), asseverando que, para se estabe-
lecer como ciência, a linguística necessitava definir seu objeto e obter um
método que atendesse ao estudo desse objeto.
De acordo com Fiorin (2009), a linguística definiu-se, com bastante
sucesso, entre as ciências humanas, como “o estudo científico que visa
descrever ou explicar a linguagem verbal humana”.
Para compreender a concepção da Linguística, Juchem (2008) afirma
que se deve recorrer a uma visão geral de sua história.
De acordo com essa autora, citando Saussure, a língua, como tal, pre-
cipuamente era limitada à Gramática, onde servia, unicamente, aos para-
digmas de certo e errado.
No início do século XVIII, a Linguística começa a ter seu campo de
estudo redimensionado pela Gramática Comparada, que apresenta, então, a
possibilidade de as línguas serem comparadas entre si, assevera Saussure.
A língua passa a ser pensada e estudada como tal somente meio século
depois. Com os estudos entre as línguas românicas e germânicas, nasce a

– 27 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

escola de neogramáticos, que passa a entender a língua como processo


resultante da coletividade, não mais individual.
É nessa visão pioneira que Saussure se apoiará para conceber a língua
em sua dimensão social.
Figura 2: Ferdinand de Sassure
Considerando como matéria
“todas as manifestações da linguagem
humana”, Saussure instaura três tare-
fas básicas para a Linguística:
a) “fazer a descrição e a história
de todas as línguas que puder
abranger;
b) procurar as forças que estão
em jogo, de modo perma-
nente e universal;
c) delimitar e definir-se a si pró-
pria” (ibid., p. 13).
Com isso, Saussure reivindica
para a Linguística um lugar dentro da
ciência, ou seja, enfatizando, a partir
de seus estudos, buscou-se a conside-
ração da Linguística como ciência.
Saussure também admite que a Fonte: “F. Jullien Genève”
Linguística possui estreitas relações
com outras ciências, mas, ao intuir que “tudo é psicológico na língua”, ou
seja, social, está delimitando seu ponto de vista a respeito da língua e, para
Saussure, “o ponto de vista cria o objeto” (ibid., p.15). Tem-se a partir daí
o objeto da Linguística: a língua – essência de sua existência.
Mas, Saussure admite que uma língua não existe sem os falantes, ele
ainda apresenta a linguagem como um “fenômeno – o exercício de uma
faculdade que existe no homem e a língua é o conjunto de formas con-
cordantes que esse fenômeno assume numa coletividade de indivíduos e
numa época determinada” (SAUSSURE, 2004, p. 115)

– 28 –
Estudos Linguísticos e Variações

Contudo, enfatiza: “a língua não está naquilo que nos interessa no


indivíduo, naquilo que nos interessa antropologicamente nem no que nos
parece indispensável para produzi-la, jogo de órgãos vocais ou convenção
de espécie voluntária” (ibid., p. 247-248).
Sua inquietação está em tomar a língua em si e por si, como “norma
de todas as outras manifestações da linguagem” (id., 2006, p. 16-17),
porque somente ela é passível de definição e classificação.
Saussure afirma também, em seu livro Curso de Linguística Geral,
(2005, p.13), que:
A matéria da Linguística é constituída inicialmente por todas as
manifestações da linguagem humana, quer se trate de povos selva-
gens ou de nações civilizadas, de épocas arcaicas, clássicas ou de
decadências, considerando-se em cada período não só a linguagem
correta e a ‘bela linguagem’, mas todas as formas de expressão.
Isso não é tudo: como a linguagem escapa as mais das vezes à
observação , o linguista deverá ter em conta os textos escritos, pois
somente eles lhe farão conhecer os idiomas passados ou distantes.

Petter (apud Fiorin, 2005, p.17-18) afirma que o termo linguagem


tem variadas acepções e pode se referir desde a linguagem dos animais até
outras linguagens - música, dança, pintura, entre outras.
Figura 3: Linguagem.
Fonte: Shutterstock.com/ Sashatigar

– 29 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

Contudo, convém enfatizar que “a Linguística detém-se somente na


investigação científica da linguagem verbal humana. No entanto, é de se notar
que todas as linguagens (verbais ou não verbal) compartilham uma caracterís-
tica importante – são sistemas de signos usados para a comunicação”.
A Linguística, assume Petter, estuda a principal modalidade dos sis-
temas sígnicos, as línguas naturais, que são a forma de comunicação mais
altamente desenvolvida e de maior uso.
Dascal & Borges Neto (1991) tentaram mostrar que a “linguagem
humana”, mesmo que a considerassem um único objeto complexo, não
permaneceria o mesmo objeto, citando:
[...] a linguagem, tal como manipulada ou enfocada pela filosofia,
pela magia, pela atividade estética (literatura, por exemplo) pelo
jornalismo e pela linguística é invariante, autoidêntica, indepen-
dentemente do enfoque?
A resposta é, certamente, não! Ou seja, a escolha de um objetivo
relativamente à abordagem de um objeto determina, na verdade,
uma visão, um modo de construir esse objeto. Ao escolher o obje-
tivo fazer ciência, a linguística propõe de fato um modo de cons-
truir ou conceber seu objeto, a linguagem”.

Entende-se por linguagem a capacidade que os seres possuem de se


expressar, de se comunicar. Há inúmeros tipos de linguagens como os
sinais, os símbolos, os sons, os gestos, as cores, os signos da linguagem
verbal. Todo elemento que estabelece o ato comunicativo entre indivíduos
pode ser reconhecido como linguagem.
A Linguística é, segundo todos as definições apresentadas, uma ciên-
cia que estuda todo e qualquer sistema de signos. Estuda a principal moda-
lidade dos sistemas de signos, as línguas naturais, consideradas a forma de
comunicação mais desenvolvida e de maior uso.
Mas, o que sabemos acerca do que são as línguas naturais?

Chamam-se Línguas Naturais as línguas faladas por


qualquer comunidade humana para interação social.
A expressão se opõe a línguas artificiais como as gera-
das por computadores. BORBA (2007, p.75)


– 30 –
Estudos Linguísticos e Variações

Petter ainda firma que:


Os estudos linguísticos não se confundem com o aprendizado de
muitas línguas: o linguista deve estar apto a falar “sobre” uma ou
mais línguas, conhecer seus princípios de funcionamento, suas
semelhanças e diferenças. A Linguística não se compara ao estudo
tradicional da gramática; ao observar a língua em uso, o linguista
procura descrever e explicar os fatos: os padrões sonoros, gramati-
cais e lexicais que estão sendo usados, sem avaliar aquele uso em
termos de um outro padrão: moral, estético ou crítico.
(In: FIORIN, 2005)

Podemos, assim, afirmar que a linguística é o estudo científico da


linguagem humana, pois, para ser considerado científico, deve ter por
base a observação dos fatos e a abstenção de propor qualquer escolha
entre tais fatos.
Martinet (1978) afirma que
[...] importa especialmente insistir no caráter científico e não
prescritivo do estudo: como o objeto desta ciência constitui uma
atividade humana, é grande a tentação de abandonar o domínio
da observação imparcial para recomendar determinado comporta-
mento, de deixar de notar o que realmente se diz para passar a
recomendar o que deve dizer-se.

4.2 Pequeno histórico da Linguística


A partir do momento em que o homem se viu como tal, passou a se
interessar pela linguagem.
Povos primitivos, que não tinham a escrita para resguardar sua cultura,
criaram por meio de pinturas nas paredes de cavernas, uma linguagem.
Nossos ancestrais paleolíticos, que viveram entre 30000 e 8000 a.C.
deixaram registrados para a eternidade a necessidade que tinham de repre-
sentar, por meio de figuras, o que pensavam, o que viam e o que sentiam. Sua
capacidade de descrever os bichos com os quais entravam em contato com
tamanha precisão de detalhes atesta a vontade de comunicar algo. É uma
espécie de recado que nos deixaram, no tempo ainda em que não tinham a
menor noção de que estavam criando meios de transmitir mensagens.

– 31 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

Figura 4: Pintura Rupestre.

Fonte: Imagem de pinturas rupestres do Complexo de Cavernas de Lascaux – França (uma


das mais conhecidas do mundo e Patrimônio Mundial da UNESCO).

Tempos depois, ainda que os povos primitivos não constituíssem


uma linguagem escrita, ainda assim contavam, por meio de gestos, sons
e simulações, suas ideias e pensamentos. Essa vocação comunicativa é
inconteste e faz parte da natureza humana. E a invenção de uma língua
primitiva, que se registrou no barro, na pedra, na parede não se deu de
maneira intencional, mas foi obra de uma construção processual em que
eram usados símbolos e associações.
Com a frequência e disseminação dos símbolos e associações germi-
nou aquilo que podemos entender como invenção da linguagem escrita,
muitos registros foram objeto de estudo de arqueólogos e antropólogos
no sentido de se descobrir como os seres humanos criaram os códigos que
compõem suas línguas.
Estudiosos passaram, então, a analisar a língua com o intuito de
conhecer essa capacidade inata e exclusivamente humana de interação
linguística com o meio. As línguas, então, tornaram-se, não uma forma
de desvendamento da história dos seres humanos, mas começaram a ser
analisadas em si mesmas.
E assim, o estudo científico das línguas e da linguagem veio após o
século XVIII.

– 32 –
Estudos Linguísticos e Variações

Conforme Gonçalves e Santos, costuma-se dividir a ciência, que hoje


chamamos linguística, em duas grandes fases ou períodos: a linguística até
o século XIX – a pré-saussuriana – e a linguística a partir do século XIX
– a saussuriana. Na verdade, é bom que se saliente que só no século XIX
a linguística começou a adquirir status de ciência.
Antes dessa época já havia estudos que se preocuparam com a origem
e a estruturação da língua. Mas não havia ainda pesquisas com embasa-
mento científico suficiente, e esses estudos se concentravam no caráter
meramente descritivo da língua.
E, conforme ainda esses autores, no período considerado como
pré-saussuriano, destacam-se três fases: a filológica, a filosófica e a
histórico-comparativista.
Pode-se afirmar que a fase filosófica dos estudos linguísticos princi-
piou com os gregos. Gonçalves e Santos afirmam que “a ideia grega sobre
a linguagem foi, de início, eminentemente prática. Para os gregos, o impor-
tante na análise da língua era observar de plano a práxis, a ação, o “fazer”.
Os gregos também foram os precursores dos estudos em torno da ori-
gem da língua materna. Por meio de suas reflexões filosóficas a respeito da
língua, embrenharam-se na área da Morfologia, da Etimologia, da Retó-
rica, da Semântica, da Fonologia, da Filologia e da Sintaxe.
Com os gregos, os estudos da linguagem começaram como uma
espécie de descrição da língua, porém limitada à coletânea de regras (gra-
mática), às quais “ensinavam” a arte de ler e de escrever.
Começou-se por fazer o que se chamava de “Gramática”. Esse
estudo , inaugurado pelos gregos, e continuado principalmente
pelos franceses, é baseado na lógica e está desprovido de qualquer
visão científica e desinteressada da própria língua; visa unicamente
a formular regras para distinguir as formas corretas das incorretas.
(CLG, p.7)

Contudo, pelos princípios filosóficos da época, esses estudos estavam


desprovidos de uma visão científica e objetiva da língua em si mesma,
embora buscassem descrevê-la por meio de uma normatização.
Os estudos realizados pelos gregos influenciaram os estudos vindou-
ros e suas hipóteses acerca da língua perduraram por vários séculos. A cha-

– 33 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

mada fase filosó- Figura 5: A Escola de Atenas. 1509.


fica dos estudos da
linguagem humana
se estendeu até a
Idade Média.
A declarada
segunda fase dos
estudos pré-saus-
surianos, a que tem
por base a Filolo-
gia, surgiu em Ale-
xandria, em torno
do século II a.C..
Fonte: Fresco, width at the base 770 cm. Stanza della Segnatura,
Os estudos Palazzi Pontifici, Vatican
alexandrinos de
então, propagavam uma descrição mais filológica e menos filosófica da
língua. À época, os filólogos procuraram focar seus estudos na morfolo-
gia, na sintaxe, na fonética e, por consequência, na elucidação dos textos
em geral. Esses estudos filológicos acabaram influenciando toda a Idade
Média. A fase filológica da descrição da língua teve no filólogo alemão
Friedrich August Wolf (1759-1824) seu principal divulgador.
Mas, o que é Filologia?

A palavra filologia em sentido lato emprega-se muito frequente-


mente para designar dois domínios que, todavia, importa distinguir:
a filologia em sentido restrito e a linguística; duas disciplinas rela-
cionadas com a linguagem humana, mas cujos pontos de vista são
diferentes. [...] o papel da filologia é determinar o conteúdo de um
documento que utiliza uma língua humana. (MALMBERG, 1971).


A Filologia, que tem como princípio “a determinação do conteúdo
de um documento que utiliza a língua humana”, a partir de meados
do século XVIII aumentou de forma considerável seu campo e sua
abrangência, graças a escola alemã de WOLF, pregando a importância

– 34 –
Estudos Linguísticos e Variações

do conhecimento dos costumes, das instituições e da história literária


dos povos.
[...] A língua não é o único objeto da Filologia, que quer, antes de
tudo, fixar, interpretar, comentar os textos; [...] se aborda ques-
tões linguísticas, fá-lo sobretudo para comparar textos de dife-
rentes épocas, determinar a língua peculiar de cada autor, decifrar
e explicar inscrições redigidas numa língua arcaica ou obscura.
(CLG, p.7)

Todo o arcabouço teórico de então contribuiu para o surgimento e a


consolidação da linguística histórico-comparativista.
Por volta do final do século XVIII, início do século XIX, os estu-
dos histórico-comparativistas têm início, na busca da identificação das
relações entre o latim, o grego e as línguas germânicas, entre outras, a
partir da descoberta do sânscrito.
O período histórico-comparativista estabelece para a linguística sua
terceira fase, chamada de fase histórica, notadamente marcada pela pre-
ocupação dos teóricos em saberem como as línguas evoluem, e não tão
somente como funcionam, conforme tinha sido o enfoque até então.
A fase histórico-comparativista teve devida importância, pois cola-
borou para o lançamento das bases científicas para a linguística do século
XX, inclusive para os ensinamentos de Saussure e de Bloomfield.

4.3 Objeto de estudo da linguística


Apresentamos na introdução desse capítulo que linguística é o estudo
da linguagem humana.
Podemos, então, conforme Botelho (2008, p. 53), afirmar que a
Linguística é:
[...] uma ciência que procura observar e descrever os fenôme-
nos linguísticos ou de uma dada língua ou de línguas afins ou
nas línguas em geral, na busca de princípios fundamentais, que
regem a organização e o funcionamento da linguagem humana,
como elemento de comunicação entre os membros de uma dada
comunidade linguística e de exteriorização psíquica desses mes-
mos membros.

– 35 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

Já vimos que, com Saussure, a Linguística ganha um objeto especí-


fico: a língua. O estudioso a conceituou como um “sistema de signos”, ou
seja, um conjunto de unidades que estão organizadas formando um todo.
Segundo Orlandi ( 1995), Saussure define esse “signo” como a asso-
ciação entre significante (imagem acústica) e significado (conceito). Ele
afirma que é fundamental observar que a imagem acústica não se con-
funde com o som, pois ela é, como o conceito, psíquica e não física. Ela é
a imagem que fazemos do som em nosso cérebro.
Oliveira (2013) explica que, para Saussure, a capacidade da lingua-
gem não pode ser o objeto de estudo de uma única ciência como a lin-
guística, na medida em que ela tem características de naturezas diversas:
física, fisiológica, antropológica, entre outras. Enfatiza que o objeto da
linguística deve ser a língua, que é um produto social da faculdade da
linguagem, e que é uma unidade.
Saussure apresenta ainda a distinção entre fala e língua: para ele, a fala
é a realização concreta da língua pelo sujeito falante, sendo circunstancial
e variável; já a língua é um sistema abstrato, um fato social, geral, virtual.
Consoante Petter (apud Fiorin, 2005, p.14), a língua é para Saussure
“um sistema de signos” – um conjunto de unidades que se relacionam
organizadamente dentro de um todo. É “a parte social da linguagem”,
exterior ao indivíduo; não pode ser modificada pelo falante e obedece às
leis do contrato social estabelecido pelos membros da comunidade. Ela
também afirma que o conjunto linguagem-língua contém ainda um outro
elemento, conforme Saussure, a fala.
Já vimos que a fala é um ato individual, resultado das combinações
feitas pelo sujeito falante ao utilizar o código da língua e se expressa
pelos mecanismos psicofísicos (atos de fonação) necessários à produção
dessas combinações.
A distinção linguagem/língua/fala, segundo Fiorin (2005), situa o
objeto da Linguística para Saussure. Dela decorre a divisão do estudo da
linguagem em duas partes: uma que investiga a língua e outra que analisa
a fala. Afirma ainda que as duas partes são inseparáveis, visto que são
interdependentes: a língua é condição para se produzir a fala, mas não há

– 36 –
Estudos Linguísticos e Variações

língua sem o exercício da fala. Há necessidade, portanto, de duas Linguís-


ticas: a Linguística da língua e a Linguística da fala.
Para o linguista americano William Labov, o objeto da linguística é a gra-
mática da comunidade de fala, o sistema de comunicação usado nas interações
sociais. Esse objeto é essencialmente heterogêneo em duas direções: ele com-
porta um grande número de variantes, estilos, dialetos e línguas usadas pelos
falantes e não pode ser arbitrariamente retirado do nicho social em que é usado.
Saussure focalizou em seu trabalho a Linguística da língua, “produto
social depositado no cérebro de cada um”, sistema supraindividual que a
sociedade impõe ao falante.
Destacamos, portanto, nesse capítulo, que, para Saussure, a língua é
um objeto fundamentalmente social. De acordo com Borges Neto (2004),
Chomski escolhe a competência como objeto da linguística, excluindo do
domínio da disciplina, consequentemente, todos os fatos do desempenho.
Aqui Chomski age do mesmo modo de Saussure, e a distinção com-
petência/desempenho tem o mesmo papel homogeneizante que a distinção
saussuriana lange/parole. Para Chomski, a língua é um objeto mental, um
sistema de princípios radicados na mente humana.
Mas, sobre isso, estudaremos mais adiante.
Compete-nos destacar, agora, o que nos dizem em relação ao objeto
da Linguística, Borges e Dascal (apud Borges, 2004):
[...] assim, para toda definição do objeto linguística apresentada,
outras definições possíveis seriam excluídas. Por exemplo, para
quem assume que o objeto da linguística é a competência linguís-
tica do falante/ouvinte ideal, todos os fatos linguísticos ligados à
variação ou ao discurso ficam, de certa forma, fora do domínio
da linguística. E vice-versa. Se alguém assumir que o objeto da
linguística são os textos reais produzidos pelos falantes, a própria
noção de competência linguística pode perder todo o significado. A
alternativa seria o apelo a “definições” suficientemente vagas para
conter todas as possibilidades, tais como “o objeto da linguística
é a linguagem humana”, ou algo semelhante, que na realidade não
definem nada, ou definem tão pouco que perdem completamente o
interesse. Não é difícil perceber por que isso acontece.

– 37 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

A linguagem é um objeto de tal complexidade que todas as pos-


sibilidades de abordagem serão sempre parciais. A linguagem
está presente e se liga a tudo o que o homem faz. Pode-se dizer,
por exemplo, que a linguagem é o suporte do pensamento; que a
linguagem é instrumento de comunicação e ação sobre os outros;
que a linguagem é matéria de arte; que a linguagem é usada como
índice de posição social, entre outros. [...].

Para finalizarmos esse capítulo, acreditamos ser importante apresen-


tar um trecho de um artigo intitulado A importância da Linguística na
produção e interpretação de textos, de Lídia Carmem Santana Queiroz.
Nele, estão presentes alguns pontos de vista relativos à gramática
formal, que normalmente é estudada e cobrada nas salas de aula na dis-
ciplina de Língua Portuguesa, e algumas considerações acerca do estudo
da linguística. Que esse excerto sirva para continuarmos nossas reflexões:

A IMPORTÂNCIA DA LINGUÍSTICA
NA PRODUÇÃO E INTERPRETAÇÃO
DE TEXTOS

(...)

Gramática Normativa

Esta área das muitas outras pertencentes aos estudos de Lingua-


gens e Códigos está relacionada às
normas de concordância, às regras
e preocupa-se com o entrelace das
palavras na pronúncia e escrita
corretas, visando à estética, em não
encontrar erros de ortografia, de
regência, de pontuação, etc.

De acordo com Possenti (2000)


“[...] a noção de gramática é con-
trovertida: nem todos os que se
dedicam ao estudo desse aspecto
das línguas a definem da mesma Fonte: Shutterstock.com/ Cienpies Design

– 38 –
Estudos Linguísticos e Variações

maneira.” Gramática nada mais é, num sentido mais simples,


um conjunto de regras que de acordo com os estudiosos da área,
devem ser seguidas e dominadas pelos falantes da língua.

Estas regras são encontradas na Gramática Normativa que


tem por intuito contribuir para o desenvolvimento do estudo
de processos lexicais. Esta área atenta para que seja ensi-
nada e aprendida a norma-padrão da escrita, ou seja, os
indivíduos em contato com a gramática normativa apren-
derão escrever de acordo com as regras impostas pela
mesma, o chamado português “correto”, a norma culta. (...)

A complexidade da língua culta faz com que os próprios estu-


diosos contradigam-se, causando assim, incertezas aos novos
aprendizes da língua.

(...)

Parafraseando Perini (2002), a gramática deveria ser consistente


e livre de contradições para ganhar mais credibilidade diante de
seus usuários, fazendo assim, com que seja mais fácil e agradável
estudá-la. Para os gramáticos, a língua é tida como um sistema,
ou um conjunto de sistemas em que a preocupação em defini-la
não é uma constante, uma vez que, muitas gramáticas não fazem
sequer menção a uma conceituação de língua, sendo que, os gra-
máticos a conceituam para distingui-la da linguagem, fazendo
destes conceitos o foco de seus estudos teóricos.

“Com a instrumentalização da Gramática Normativa em meca-


nismo ideológico de poder e de controle de uma camada social
sobre as demais, formou-se essa “falsa consciência” coletiva de
que os usuários de uma língua necessitam da Gramática Nor-
mativa como se ela fosse uma espécie de fonte mística da qual
emana a língua “pura”. Foi assim que a língua subordinou-se à
gramática.” (BAGNO, 2000:87).

Segundo Bagno (2000) “A gramática deve conter uma boa quan-


tidade de atividades de pesquisa, que possibilitem ao aluno a
produção de seu próprio conhecimento linguístico, como uma

– 39 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

arma eficaz contra a produção irrefletida e acrítica da gramá-


tica normativa”.

(...) A importância do estudo da gramática normativa está,


então, inserida em um conjunto de regras que vai nos fornecer o
que é certo e errado na hora de elaborar textos e em toda a forma
escrita. Além disso, é comum vermos que muitos gramáticos
buscam embasar a língua falada de acordo com o estabelecido
pela norma padrão.

Uma sinopse sobre Linguística

Distinguindo-se totalmente da Gramática, a Linguística está


totalmente ligada à fala dos indivíduos e se preocupa em enten-
der as diferenças entre os dialetos que variam de região para
região em nosso país devido à miscigenação cultural e social
encontradas no mesmo.

Para os linguistas, não há necessidade de o indivíduo saber


todas as regras gramaticais para se comunicar no ato da fala. A
linguagem é inata a qualquer ser humano e é o meio de comu-
nicação entre falantes de um mesmo país ou grupo. Porém, as
escolas tradicionais se preocupam em ensinar para os alunos,
todas as regras gramaticais, esquecendo de aprimorar a fala,
sendo ela, o que o corpo docente domina melhor.

“Eis um óbvio que frequentemente esquecem os que transfor-


mam o estudo da língua em estudo de Gramática. Uma crítica
indireta à escola tradicional onde é tão raro que se estude a lín-
gua como meio de comunicação.” (LUFT, 1995:16).

A possibilidade humana de se comunicar, de interagir no nível


de ideias, só é possível com a aquisição de uma língua. Mesmo
havendo dúvidas quanto à maneira de usá-la, o importante -
acima de tudo - é conseguir transmitir a mensagem de forma
que os interlocutores a compreendam. As diferentes aborda-
gens quanto ao uso da língua implica inúmeras incógnitas, pois,
pensar a língua significa também, pensar no processo de fala e
de escrita, ou seja, pensar a língua em seu uso.

– 40 –
Estudos Linguísticos e Variações

“Segundo a Linguística, não existe uma forma melhor (mais


certa) ou pior (mais errada) de empregar uma língua. A norma
culta é apenas uma entre as muitas formas de usar a língua. A
escolha da norma culta como “modelo” é arbitrária e convencio-
nal; baseia-se em critérios ideológicos (sociais, culturais, políti-
cos e econômicos).” (AMARAL [et al.], 2005:141).

Esta teoria apresenta ainda uma tendência maior à universali-


zação e aspira à construção de uma teoria geral da estrutura da
linguagem que abarque todos os seus aspectos. O desenvolvi-
mento, ao longo dos séculos, de várias hipóteses sobre a forma-
ção, evolução e funcionamento da linguagem criou a base para
as pesquisas linguísticas atuais. Antes do século XIX, quando a
linguística ainda não havia adquirido caráter científico, os estu-
dos nessa área eram dominados por considerações empíricas
sobre a própria condição da linguagem, que proliferaram em
vários glossários e gramáticas cujo objetivo era explicar e con-
servar as formas linguísticas conhecidas.

( ...)

In: http://www.webartigos.com/artigos/a-importan-
cia-da-linguistica-na-producao-e-interpretacao-de-
-textos/74778/#ixzz3boemVJb9Acesso em 21/05/2015

– 41 –
5
Comunicação

Comunicação não é o que você fala, mas o que o outro


compreende do que é dito.

Claudia Belucci

Em nosso primeiro capítulo, vimos que a linguagem humana


é o objeto do estudo da linguística.
Neste capítulo, nos ateremo-nos ao estudo do que é lingua-
gem, visto que a linguística é a ciência que investiga os fenôme-
nos relacionados à linguagem e que busca determinar os princí-
pios e as características que regulam as estruturas das línguas.
Não podemos nos abster, portanto, primeiramente, de apresen-
tar o que advém ao estudo da linguagem e da língua: a comunicação.
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

5.1 Comunicação
A palavra comunicação deriva do latim communis, que remete à ideia
de comunidade. A atividade de comunicação é uma constante em qualquer
escala da vida animal: todos os animais se comunicam de alguma forma
e em algum período de sua vida seja por necessidade de sobrevivência,
seja por imperativos biológicos, como reprodução, alimentação, ativida-
des que impõem um mínimo de interação.
A constância e a amplitude da atividade comunicativa talvez este-
jam ligadas aos meios de que a espécie dispõe para tal fim. Algumas
espécies possuem códigos nitidamente pontuais e limitados, porém, na
espécie humana o ato comunicativo atinge o mais alto grau de comple-
xidade e eficiência.
A comunicação, por meio das diversas linguagens, está ligada à
capacidade humana, formada por leis combinatórias e signos linguísticos
que se tornam concretizados na mensagem. E há variadas linguagens, a
linguagem dos gestos, do olhar, dos sons, do movimento do corpo, das
cores, das linhas, das formas, dos símbolos e signos. Quando nos refe-
rimos aos signos da linguagem escrita, remetemo-nos à ideia da lingua-
gem verbal, constituída pelos sinais gráficos, cuja interpretação requer do
interlocutor, conhecimentos linguísticos e conhecimentos adquiridos ao
longo de sua existência.
Cabe-nos destacar agora os elementos que compõem a comunicação:
que são:
a) Emissor: aquele que emite a mensagem;
b) Receptor: aquele que recebe a mensagem;
c) Mensagem: conjunto das informações transmitidas;
d) Código: conjunto de signos e regras de combinação desses sig-
nos; a comunicação só será efetivada se o receptor puder codifi-
car a mensagem transmitida pelo emissor;
e) Canal de comunicação ou contato: é o meio pelo qual a mensa-
gem é transmitida;
f) Contexto ou referente: a situação a que a mensagem se refere.

– 44 –
Comunicação

Emissor Receptor
(o que emite a mensagem) (a quem se destina a mensagem)

Canal de comunicação
(através de que a mensagem
é passada, no caso, a voz)

Mensagem
(objeto da comunicação)

Código
(como a mensagem
está orgaizada)

Ao observarmos o exemplo acima, podemos organizar os elementos


da comunicação da seguinte forma:
1. Emissor: uma mulher.
2. Receptor: um homem.
3. Mensagem: efetivamente o que a mulher está dizendo.
4. Código: linguagem oral no idioma que ela está utilizando.
5. Canal de comunicação ou contato: voz.
6. Contexto ou referente: pela expressão facial dos interlocutores,
vestuário, o contexto é informal.

Contudo é preciso lembrar que só há a comunicação entre os


interlocutores – autor e receptor - se o receptor compreender a
mensagem transmitida pelo autor e, invariavelmente, der conti-
nuidade à interlocução. Por exemplo, se o rapaz não for falante
da mesma língua (não decodificar o código linguístico) acontece
o que chamamos de ruído. A comunicação não se efetiva.

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Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

5.2 Linguagem
O homem procura dominar o mundo em que vive.
Uma forma de ele ter esse domínio é o conhecimento. Esse é um
dos motivos pelos quais ele procura explicar tudo o que existe.
A linguagem é uma dessas coisas. Ao procurar explicar a lingua-
gem, o homem está procurando explicar algo que lhe é próprio e
que é parte necessária de seu mundo e da sua convivência com os
outros seres humanos.
(Orlandi, 2009)

Considerada em si mesma, a linguagem humana é apenas uma habili-


dade ou competência que se revela por meio de conjuntos organizados a que
se chama língua e de que as comunidades se servem para a interação social.
Ao se falar determinada língua, pressupõe-se um conhecimento que
certamente transcende a um intento puramente linguístico.
Para exemplificar, vamos contextualizar com um encontro entre
duas pessoas, duas pessoas falantes de uma mesma língua. Elas, quando
passam a interagir linguisticamente, promovem um intercâmbio amplo
em que cada uma delas passa a elaborar uma imagem da outra, (se está
bonito (a); cansado (a); triste; feliz; realizado (a); decepcionado (a), entre
outras elaborações. Muito Figura 1: “Espelho do mundo”
além da mensagem
que trocam, há muitas
outras ­informações.
São esses processos
anteriores que culmi-
nam com a comunicação
que passaremos a estu-
dar agora, pois, segundo
Borba (2007) “a lingua-
gem aparece como o mais
difundido e o mais eficaz
instrumento natural de
comunicação à disposi-
ção do homem”. Fonte: Shutterstock.com/ Ingka D. Jiw

– 46 –
Comunicação

Na medida em que se desenvolveram os estudos linguísticos, muitas


definições de linguagem foram sendo propostas. Muitas delas são próxi-
mas em alguns pontos e distintas em outros.
A linguagem humana tem sido idealizada de maneiras bastante
diversas e que, conforme Koch (2008), podem ser abreviadas em três
principais:Como reprodução (“espelho”) do mundo e do pensamento;
I. Como instrumento (ferramenta) de comunicação;
Figura 2: Comunicação

Fonte: Shutterstock.com/Monkey Business Images

II. Como forma (“lugar”) de ação ou interação.


Figura 3: Interação

Fonte: Shutterstock.com/Rawpixel

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Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

A mais antiga dessas percepções é, sem dúvida, a primeira. Segundo


ela, “o homem representa para si o mundo por meio da linguagem e, assim
sendo, a função da língua é representar (= refletir) seu pensamento e seu
conhecimento de mundo”.
A segunda percepção considera a língua como um código por
meio do qual um emissor comunica a um receptor determinadas men-
sagens. A principal função da linguagem é, neste caso, a transmissão
de informações.
A terceira percepção é aquela que apresenta a linguagem como ati-
vidade, como forma de ação, individual orientada, como lugar de inter-
câmbio que possibilita aos membros de uma sociedade a prática dos mais
diversos tipos de atos, que vão exigir dos semelhantes reações e/ou com-
portamentos, que tendem a consignar vínculos e compromissos anterior-
mente inexistentes.
Continuando o raciocínio apresentado por Koch, veremos o que Pet-
ter apresenta entre a dicotomia Saussure e Chomsky.
Petter (2005) apresenta que Saussure considerou a linguagem “heteró-
clita e multifacetada”, pois compreende vários domínios; é ao mesmo
tempo física, fisiológica e psíquica; pertence ao domínio individual e
social; «não se deixa classificar em nenhuma categoria de fatos humanos,
pois não se sabe como inferir sua unidade».
Ainda segundo a autora, Saussure abstrai uma parte do todo lingua-
gem, a língua - um componente unificado e suscetível de categorização.
A autora assevera ainda que Saussure considera a língua uma parte
indispensável da linguagem; “é um produto social da faculdade da lingua-
gem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social
para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos” (CLG, p.17).
Na segunda metade do século XX, Noam Chomsky, linguista esta-
dunidense, apresentou para o meio científico um frescor necessário para
os estudos da língua e da linguagem. Em seu livro Syntactic Structures
(1957), assevera: “Doravante considerarei uma linguagem como um con-
junto (finito ou infinito) de sentenças, cada uma finita em comprimento e
construída a partir de um conjunto finito de elementos”.

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Comunicação

Essa acepção envolve não só as línguas naturais, mas, conforme ele,


todas as línguas naturais, orais ou escritas, são linguagens, no sentido de
sua definição, pois : a) toda língua natural possui um número finito de sons
(e um número finito de sinais gráficos que os representam, se for escrita);
b) mesmo que as sentenças distintas da língua sejam em número infinito,
cada sentença só pode ser representada como uma sequência finita desses
sons (ou letras).
Chomsky afirma ainda que a linguagem é uma capacidade inata
e específica, ou seja, transmitida geneticamente e própria da espécie
humana; dessa forma, existem propriedades universais da linguagem.
Chomsky centrou seus estudos na sintaxe, na capacidade que os
falantes têm de compor, recompor, compreender as frases dessa língua.
Chomsky criou a Gramática ou linguística Gerativa, inicialmente for-
mulada como uma espécie de resposta e rejeição ao modelo behaviorista
de descrição dos fatos da linguagem, modelo esse que foi dominante na
linguística e nas ciências de uma maneira geral durante toda a primeira
metade do século XX. Para os behavioristas, dentre os quais se destacava
o linguista norte-americano Leonard Bloomfield, a linguagem humana era
interpretada como um condicionamento social, uma resposta que o orga-
nismo humano produzia mediante os estímulos que recebia da interação
social. Essa resposta, a partir da repetição constante e mecânica, seria con-
vertida em hábitos, que caracterizariam o comportamento linguístico de
um falante.
Uma das razões para estudar a linguagem (exatamente a razão gerati-
vista) – e para mim, pessoalmente, a mais premente delas – é a possi-
bilidade instigante de ver a linguagem como um “espelho do espírito”,
como diz a expressão tradicional. Com isto não quero apenas dizer que
os conceitos expressados e as distinções desenvolvidas no uso normal
da linguagem nos revelam os modelos do pensamento e o universo
do “senso comum” construídos pela mente humana. Mais instigante
ainda, pelo menos para mim, é a possibilidade de descobrir, através do
estudo da linguagem, princípios abstratos que governam sua estrutura
e uso, princípios que são universais por necessidade biológica e não
por simples acidente histórico, e que decorrem de características men-
tais da espécie humana. (CHOMSKY, 1980, p. 9)

Mas não limitaremos nossos estudos a esses dois cientistas. Precisamos


também verificar o que outros estudiosos nos dizem a respeito da linguagem.

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Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

(Re)Iniciaremos com a visão dos comportamentalistas: segundo Mas-


carello (2009), ao citar a visão de linguagem para os comportamentalistas,
a linguagem é uma manifestação comportamental com, pelo menos, duas
propriedades. A primeira tem relação com a criação arbitrária de conexões
entre a possibilidade de enviar ou receber sinais convencionais de fatos
internos ou externos ao sujeito; a segunda relaciona-se com a possibili-
dade de combinar esses sinais com outras convenções, permitindo genera-
lizações e aplicação de regras, do ponto de vista cultural.
Antes da formalização da Psicolinguística tal qual a conhecemos hoje,
os estudiosos da psicologia buscavam, conforme Castro (2007), compre-
ender o funcionamento da linguagem como um meio para se chegar a uma
melhor compreensão da mente humana, pois acreditavam que esta se orga-
nizava de forma análoga à linguagem e por meio dela. Vislumbravam-se,
então, duas correntes: a mentalista, que explorava o pensamento por meio da
linguagem, e a comportamentalista, que buscava entender o comportamento
linguístico, reduzindo-o a uma série de mecanismos de estímulo-resposta.
Já a corrente sociocognitiva observa a linguagem como algo de natu-
reza social, que é produto das relações humanas. A linguagem como instru-
mento de comunicação é internalizada pelo indivíduo: e o homem por meio
de suas transformações que faz, inclusive da linguagem, faz com que a natu-
reza sirva a seus propósitos. Essa interação homem/linguagem/sociedade,
constrói significações, utilizando signos, em especial, a linguagem verbal,
elaborada pela sociedade ao longo da história, portanto uma construção
sócio-histórica, cuja principal amplitude é ampliar seu repertório cultural.
Do ponto de vista dos estudiosos da corrente sociocognitiva, o papel
da linguagem é a comunicação. A linguagem é, antes de tudo, um meio
de interação, de inserção em uma comunidade cultural, de enunciação e
compreensão de mundo. Na linguagem estão integradas as funções da
comunicação e do pensamento.
Para Vygotsky (2001,p.11) “o significado da palavra é uma unidade
dessas duas funções da linguagem, comunicação e pensamento.”
Para finalizarmos essa abordagem genérica da linguagem, destaco
ainda o que nos apresenta Mascarello (2009) sobre linguagem e o funcio-
namento da mesma no cérebro humano:

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Comunicação

[...] podemos considerar que nosso cérebro se adapta ao ambiente


cultural, e não absorve cegamente tudo o que lhe é apresentado,
ou o que nossos olhos conseguem captar. O cérebro não é consti-
tuído de circuitos virgens hipotéticos, e nem se trata de uma tábula
rasa onde se acumulam construções culturais: é um órgão estru-
turado que dá significado ao novo na interface com o velho. [...]
E nesse processo a linguagem vai se constituindo pela entrada e
saída de informações, mas, para isso acontecer, há um refinado
processamento interno em que as redes neurais estão constante-
mente ativadas através das trocas sinápticas.

5.3 Língua
Uma língua é fator resultante da organização de signos, segundo
regras específicas e utilizadas na articulação da comunicação entre indiví-
duos de uma mesma comunidade cultural. A língua é um tipo de lingua-
gem, é a linguagem verbal.
Há na superfície do globo entre 4.000 e 5.000 línguas diferentes e
cerca de 150 países. Um cálculo simples nos mostra que haveria
teoricamente cerca de 30 línguas por país. Como a realidade não é
sistemática a esse ponto (alguns países têm menos línguas, outras,
muito mais), torna-se evidente que o mundo é plurilíngue em cada
um de seus pontos e que as comunidades linguísticas se costeiam,
se superpõem continuamente. O plurilinguismo faz com que as lín-
guas estejam constantemente em contato. O lugar desses contatos
pode ser o indivíduo (bilíngue, ou em situação de aquisição) ou a
comunidade. (CALVET, 2002, p. 35)

O estabelecimento da língua como objeto da linguística advém dos


estudos de Saussure. Para ele, língua é um sistema de signos, um conjunto
de unidades que estão organizadas formando um todo.
O estudo da linguagem comporta, portanto, duas partes: uma,
essencial, tem por objeto a língua, que é social em sua essência e
independente do indivíduo; [...] outra secundária, tem por objeto a
parte individual da linguagem, vale dizer, a fala, inclusive a fona-
ção e é psicofísica. (CLG, p. 27)

Orlandi (2009) afirma ainda que, para Saussure, o signo é a associa-


ção entre significante (imagem acústica) e significado (conceito). Ele diz
que é fundamental observar que a imagem acústica não se confunde com

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Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

o som, pois ela é, como o conceito, psíquica e não física. Ela é a imagem
que fazemos do som em nosso cérebro.
Perini (2010, p. 14), expõe:
Chamamos “língua” um sistema programado em nosso cérebro
que, essencialmente, estabelece uma relação entre os esquemas
mentais que formam nossa compreensão do mundo e um código
que os representa de maneira perceptível aos sentidos. Os seres
humanos utilizam um grande número de tais sistemas (“línguas”),
que diferem em muitos aspectos e também se assemelham em mui-
tos outros aspectos. Tanto as diferenças quanto as semelhanças são
altamente interessantes para o linguista.

Voltemo-nos novamente para Saussure. Para ele, a linguagem é com-


posta de duas partes: a Língua, essencialmente social, porque é conven-
cionada por determinada comunidade linguística; e a Fala, que é secundá-
ria e individual, ou seja, é veículo de transmissão da Língua, usada pelos
falantes por meio da fonação e da articulação vocal. A língua é, então,
percebida como forma de concretização da linguagem; como sistema lin-
guístico imperativo ao exercício da linguagem na interlocução ou como
instrumento do qual a linguagem se utiliza na comunicação.
Koch (2002) assevera que “à concepção de língua como repre-
sentação do pensamento corresponde a de sujeito psicológico, indivi-
dual, dono de sua vontade e de suas ações (...) “o texto é visto como
um produto – lógico – do pensamento (...) do autor, nada mais cabendo
ao leitor/ouvinte senão “captar” essa representação mental, juntamente
com as intenções (psicológicas) do produtor, exercendo, pois, um papel
essencialmente passivo”.
De acordo com a Teoria da Comunicação, a língua é um sistema
organizado de sinais (signos) usado como meio de comunicação entre os
indivíduos. Assim, a língua é um código, um conjunto de signos, com-
binados por meio de regras, que possibilitam ao emissor transmitir uma
certa mensagem ao receptor.
Bakhtin (1997) apresenta que “[...]o sistema linguístico [...] é com-
pletamente independente de todo ato de criação individual, de toda inten-
ção ou desígnio. [...] A língua opõe-se ao indivíduo enquanto norma indes-
trutível, peremptória, que o indivíduo só pode aceitar como tal.”

– 52 –
Comunicação

Vimos, então, que a língua pode ser conceituada como um sistema


de signos específicos aos membros de uma mesma comunidade (usuários
nativos da língua portuguesa, por exemplo).
Vale ressaltar que dentro dessa mesma comunidade haverá várias
modalidades: língua familiar; língua popular, língua técnica, língua eru-
dita, língua própria a certas classes sociais, entre outras.
Bornemann (2008) apresenta o seguinte em relação em relação ao
objeto da linguística e a língua:

Alguns comentários sobre esse objeto

A Linguística, depois de submetida a superficiais formulações,


renasce pelo olhar de Ferdinand de Saussure, sendo chamado
“Pai da Linguística” por dar a ela o lugar de ciência ao conceber
a língua como objeto por si e em si mesmo.

A formulação que faz da língua como um sistema de elemen-


tos relacionados entre si sintetiza sua visão estruturalista que
descarta o meio pelo qual foi constituída, considerando, apenas,
o estado de língua em si. Pode-se dizer que esse foco se ajusta
a uma das tarefas básicas que Saussure propôs à Linguística:
“procurar as forças que estão em jogo de modo permanente
e universal” (SAUSSURE, 2006, p. 13), o que implica a língua
em um ponto de vista comum e sincrônico, considerada por ela
mesma e em suas relações de permanência, dada sua organiza-
ção sistêmica e sua natureza homogênea.

Sabendo que a língua e a fala são próprias da linguagem, Saus-


sure trata logo de distinguir o que de fato cada uma retrata:
o social e o individual, respectivamente. Vê nessa separação a
necessidade de “delimitar e definir” seu objeto de estudo, como
atribuiu à outra tarefa da Linguística, porque somente a pri-
meira atende a esse objetivo, uma vez que é classificável e se
constitui como instituição social.

– 53 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

Essa redução vai de encontro à máxima saussuriana de que “o


ponto de vista cria o objeto”, pois se a língua é social, então ela é
compreendida a partir do todo e desta parte para a compreensão
da unidade. O que importa é a descrição da rede de relações que a
língua estabelece; o individual (a fala) está fora de questão.

E mesmo que descreva a língua como um fenômeno de lingua-


gem interdependente da fala, concentra-se na língua pelo que é
exterior ao indivíduo e pela forma como os elementos linguísti-
cos se organizam e se relacionam, permitindo seu funcionamento
e conferindo à língua sua permanência como estado de língua.

Para a Linguística da época, Saussure deu a resposta à questão


da natureza de seu objeto de estudo. Para a Linguística moderna,
foi o precursor estruturalista que deixou seu legado para o nasci-
mento – ou continuidade – de muitas outras teorias.”

BORNEMANN, Neila Barbosa de Oliveira. Ferdinand de Saus-


sure e o objeto da Linguística. Cadernos do IL, Porto Alegre, n.º
36, junho de 2008.

Disponível em:<http://www.seer.ufrgs.br/cadernosdoil/>.
Acesso em: 28 maio 2015.

5.4 Fala
Como vimos, a língua é um sistema de símbolos pelo qual a lingua-
gem se realiza. Mas a linguagem se encontra relacionada a outros sistemas
simbólicos (sinais marítimos, Código Morse...) e torna-se, assim, objeto da
semiologia ou semiótica, que deve estudar “a vida dos signos no seio da
vida social”. Nota-se, portanto, que o termo linguagem tem uma conotação
bem mais abrangente do que língua.
Podemos afirmar que a fala é um fenômeno físico e concreto que
pode ser analisado seja diretamente, com ajuda dos órgãos sensoriais,
seja graças a métodos e instrumentos análogos aos utilizados pelas ciên-
cias físicas.

– 54 –
Comunicação

O conjunto linguagem-língua contém ainda outro elemento, a fala,


conforme Saussure. A fala é um ato individual; resulta das combinações
feitas pelo sujeito falante utilizando o código da língua; expressa-se
pelos mecanismos psicofísicos (atos de fonação) necessários à produ-
ção dessas combinações.
A distinção linguagem/língua/fala situa o objeto da Linguística para
Saussure. Dela decorre a divisão do estudo da linguagem em duas partes:
uma que investiga a língua e outra que analisa a fala. As duas partes são
inseparáveis, visto que são interdependentes: a língua é condição para se
produzir a fala, mas não há língua sem o exercício da fala.
O interessante é que os estudos realizados por Saussure foram cri-
ticados por alguns de seus sucessores (dentre eles Jakobson, 1985), pelo
fato de Saussure ter priorizado a língua (por ser social) e prescindido a fala
(considerada individual).
Segundo Jakobson (1985), entre a língua e a fala existe uma inter-
dependência mútua, não dicotômica, como acreditava Saussure. A língua
existe para a constituição de instâncias da fala; os mecanismos necessários
para a concretização da fala dependem da língua.
Fuzer (2004) assevera que Benveniste, por sua vez, dirige seu olhar
não apenas para a forma linguística, mas principalmente para a sua função.
Afirma ainda, continuando o raciocínio do autor, que a realidade é definida
por intermédio da linguagem. O falante faz renascer pelo seu discurso o
acontecimento e a sua experiência do acontecimento; o ouvinte apreende pri-
meiro o discurso e, por meio desse discurso, o acontecimento reproduzido.
Conforme Fuzer (2004), “ a situação da troca e do diálogo confere
ao ato de discurso dupla função: para o locutor representa a realidade;
para o ouvinte recria a realidade. A linguagem é, portanto, o instrumento
da comunicação intersubjetiva. A inserção do sujeito na constituição da
linguagem marca uma nova etapa no desenvolvimento do conhecimento
linguístico, mas sem perder de vista os fundamentes que a antecederam”.
Vimos, nesse capítulo, os princípios que regem a comunicação, bem
como elementos fundamentais para os estudos linguísticos, a saber, a lin-
guagem, a língua e a fala.

– 55 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

Podemos ainda apresentar, esquematicamente, os traços básicos da


língua e da fala:

LÍNGUA FALA
sistemático → regularidade assistemático → variedade
subjacente concreto
potencial real
supraindividual, coletivo individual

Embora a distinção entre língua e fala sejam evidentes, não podemos


concluir que esquema e uso existam separadamente.
Língua supõe fala. E vice-versa.
Uma não existe sem a outra. Segundo Borba (2007), “seria melhor dizer
que não são duas coisas diferentes, mas dois aspectos diferentes de uma coisa.
A relação entre ambas se percebe por ser a língua indispensável para que a
fala produza seus efeitos, e a fala é necessária para que a língua se estabeleça”.
JUCHEM,(2008) apresenta ainda o que é língua para Saussure em
parte do seu artigo Saussure, Benveniste e o objeto da linguística:

(...) Na instauração da linguagem, depreende-se a importância


da fala, que, segundo Figura 3: Olá
a teoria saussuriana,
é “o embrião da lin-
Fonte: Shutterstock.com/ Hermin

guagem”, porque,
afinal, é por onde esta
começa. Esse pro-
cesso iniciado e arti-
culado pelo circuito
da fala, num movi-
mento de associação e
coordenação, é o res-
ponsável pela organi-

– 56 –
Comunicação

zação da língua enquanto sistema. Esse sistema – a língua – é


fato social possível pelo fato individual – a fala –,ainda que não
exista sem a massa de falantes.

O indivíduo, “senhor” da fala, promove a língua, mas ela só


é completa na massa; é “um tesouro depositado pela prática
da fala em todos os indivíduos pertencentes à mesma comuni-
dade, um sistema gramatical que existe virtualmente em cada
cérebro ou, mais exatamente, nos cérebros de um conjunto de
indivíduos”(SAUSSURE, 2006, p. 21). Tomando por base essa
definição, conclui-se, ainda, que a língua é, para Saussure, vir-
tual e comum, isto é, algo que existe potencialmente pelosocial.

Em continuidade, a língua é delimitada e distinta da fala. Enquanto


a língua é“exterior ao indivíduo”, como produto somente que esse
recebe, a fala é acessória, “um ato individual de vontade e inteli-
gência”, que permite a pessoa refletir seu pensamento.

Ambas são para Saussure de natureza concreta, porque cada


imagem acústicaestá limitada a determinados conceitos. Para
ele, não existe nenhuma entidade linguística que exista fora da
ideia de que lhe pode ser vinculada” (id., 2004, p. 23); por isso
a possibilidade da sua apreensão.

Por essa compreensão, tem-se a relação saussuriana da Linguís-


tica com a Semiologia, justificando, assim, o lugar que lhe deu à
ciência, uma vez que considera a língua um “sistema de signos
que exprimem ideias”, sendo ela “social por natureza”(ibid., p.
25). O que ou quem a modifica não lhe atém a atenção; cabe-
-lhe o interesse pelo que é comum e tangível, pelas relações (ou
regras) estabelecidas pelos signos linguísticos dentro do próprio
sistema sob um ponto de vista sincrônico da língua.

Desse ponto de vista decorre a distinção marcante que faz entre


língua e fala, atribuída pelas denominações Linguística da Lín-
gua e Linguística da Fala; e mesmo que reconheça a interde-
pendência entre elas, assinala à língua o centro da Linguística,
enquanto a fala está subordinada a ela. O corte saussuriano

– 57 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

entre os dois fatos de linguagem explica a omissão da fala na


permanência da língua, porque é relativa a uma convenção
social, que existe por si mesma; por isso não depende da fala,
que, ao contrário, é heterogênea e inconstante (...)

JUCHEM, Aline. Saussure, Benveniste e o objeto da linguística.


Cadernos do IL, Porto Alegre, n.º 36, junho de 2008.


Concluímos esse capítulo citando Friedrich Nietzsche:

“Na minha vida ainda preciso de discípulos, e se os meus livros


não serviram de anzol, falharam a sua intenção. O melhor e
essencial só se pode comunicar de homem para homem”.

– 58 –
6
O Signo

O signo é uma coisa que, além da espécie ingerida pelos


sentidos, faz vir ao pensamento, por si mesma, qualquer
outra coisa.” (Santo Agostinho)
“Bem longe de dizer que o objeto precede o ponto de vista,
diríamos que é o ponto de vista que cria o objeto (...) seja
qual for que se adote, o fenômeno linguístico apresenta
perpetuamente duas faces que se correspondem e das
quais uma não vale senão pela outra. (CLG, 2005, p. 15)

É inegável que as contribuições deixadas por Saussure, às


quais norteiam os estudos linguísticos, ainda na atualidade, são
de uma qualidade inquestionável.
Por isso, entre as principais dicotomias abordadas em seus
estudos, como: semiologia/linguística, signo:significante/signifi-
cado, arbitrariedade/linearidade, linguagem: língua/fala, sincro-
nia/diacronia, sintagma/paradigma, algumas que ainda não estu-
damos, temos por finalidade nortear nosso estudo partindo dos
conceitos envolvendo essas dicotomias deixadas por ele, que se
trata, nesse caso, de abordar a relação entre língua (lange) e fala
(parole) para iniciar nossas reflexões.
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

6.1 A teoria do signo


Vimos, no capítulo anterior que, para que a comunicação se concre-
tize, precisamos de dois elementos fundamentais: a linguagem- que repre-
senta todo o sistema de sinais convencionais, sejam estes de natureza ver-
bal ou não verbal- e a língua, que é “a parte social da linguagem”, exterior
ao indivíduo, não pode ser modificada pelo falante e obedece às leis do
contrato social estabelecido pelos membros da comunidade.
A língua representa um sistema de signos convencionados de uma
determinada comunidade linguística. Falta-nos incluir ainda a fala, que é
um fenômeno físico e concreto e individual.
Diante dessa retomada de conceitos, podemos referendar o signo lin-
guístico, elemento representativo, que se constitui de dois aspectos bási-
cos: o significante e o significado.
Observem a imagem a seguir:
Figura 1: “PÁSSARO”

Fonte: Shutterstock.com/Bipsun

Ao ouvirmos a palavra pássaro, ou passarinho, imediatamente nos


vem à mente a imagem de um pássaro qualquer, uma imagem que repre-

– 60 –
O Signo

sente o que essa palavra significa em nosso inconsciente, ou seja, algo que a
represente de forma gráfica, por meio dos fonemas que formam as sílabas.
Conforme Silva (2003), “o conceito relacionado à imagem acústica
é também uma entidade psíquica, pois não é uma coisa observada no
mundo, mas sim a representação mental dessa coisa, uma ideia. Assim,
o signo linguístico é uma entidade psíquica de duas faces: a imagem
acústica, a qual Saussure chama de significante (que está no plano da
expressão) e o conceito, chamado por ele de significado (que está no
plano de conteúdo)”.
Assim, no exemplo apresentado pela imagem de pássaros, podemos
depurar que a forma gráfica + som pássaro é o significante e o conceito,
é o significado.
O signo linguístico pode ser definido, então, pela união de um con-
ceito e uma imagem gráfica/acústica. Da união entre significante e signifi-
cado temos o signo linguístico. Desta feita, qualquer palavra, em qualquer
língua, que possua um sentido, é um signo linguístico.
Signo

Imagem acústica Conceito

Significante Significado

PÁSSARO

Saussure determina signo como a união do sentido e da imagem acús-


tica. O que ele chama de “sentido” é a mesma coisa que conceito ou ideia,
isto é, a reprodução mental de um objeto ou da realidade social em que nos
situamos, reprodução essa condicionada pela formação sociocultural que
nos cerca, desde nosso nascimento.
Segundo Carvalho (2004), simplificando, para Saussure, conceito é
sinônimo de significado (plano das ideias), algo como o lado espiritual da

– 61 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

palavra, sua contraparte inteligível, em oposição ao significante (plano da


expressão), que é sua parte sensível.
Por outro lado, assevera ainda Carvalho, a imagem acústica “não é
o som material, coisa puramente física, mas a impressão psíquica desse
som” (CLG, p. 80). Melhor dizendo, a imagem acústica é o significante.
Com isso, temos que o signo linguístico é “uma entidade psíquica de duas
faces” (p. 80), semelhante a uma moeda.
O mais importante dos sistemas de signos, para Saussure, é a língua.
Considerada por ele como um dos mais complexos e mais utilizados sis-
temas de representações sígnicas; para ele, a língua é apenas uma parte do
universo semiológico.

Saiba mais

Semiologia: s.f. Ciência que se dedica ao estudo dos signos, dos modos
que representam algo diferente de si mesmo, e de qualquer sistema de
comunicação presentes numa sociedade.

Podemos afirmar, então, que o signo é o resultado de um conjunto de


relações mentais.
Existe em cada signo uma acepção, ou várias acepções, ideias, de acordo
com o contexto, com a leitura ou com o leitor e seu estado emocional.
Silva assevera ainda que:
o signo, para Saussure, “é um elemento binomial, a sua natureza
é dicotômica. O significado e o significante traduzem as pontas da
bifurcação do signo, agem dialeticamente, embora sua relação de
reciprocidade seja considerada pelo próprio Saussure como arbitrária.
Não é possível admitir a existência do significante sem o significado
e vice-versa, assim como não é possível estabelecer ou definir um
elemento de relação objetiva entre o conceito e sua imagem acústica.

Saussure observa ainda que o signo linguístico “une não uma coisa e
uma palavra, mas um conceito e uma imagem acústica”(CLG, p.80)
Decian e Méa (2005) asseveram que, sob o ponto de vista de Saussure,
pode-se verificar “ que o signo é uma entidade psíquica de duas faces: o

– 62 –
O Signo

conceito e a imagem acústica. A primeira refere-se à imagem mental, ao


referente que temos para designar o signo e a segunda refere-se à sequência
fônica que utilizamos para designar o signo. O conceito e a imagem acústica
são também chamados de significado e significante, respectivamente”.
O signo linguístico apresenta ainda, segundo Saussure, uma caracte-
rística, a arbitrariedade:
A palavra arbitrário requer também uma observação. Não deve dar
a ideia de que o significado dependa da livre escolha do que fala
(ver-se-á, mais adiante, que não está ao alcance do indivíduo tro-
car coisa alguma num signo, uma vez esteja ele estabelecido num
grupo linguístico); queremos dizer que o significante é imotivado,
isto é, arbitrário em relação ao seu significado, com o qual não tem
nenhum laço natural na realidade (CLG, 2005, p. 83)

Portanto, não existe um motivo para que um significante esteja asso-


ciado a um significado. Elucida-se, então, a ocorrência de que cada língua
usa significantes diferentes para um mesmo significado.
Outra característica do signo linguístico é a linearidade. Ou seja, os
componentes que integram um determinado signo se apresentam um após
o outro, tanto na fala como na escrita.
O princípio da arbitrariedade, nos termos saussurianos, não pode
denotar que o sistema estaria à mercê da livre escolha do falante. Ao con-
trário, a demarcação e firmação de um signo linguístico perpassam por
forte pressão de uso por determinado grupo linguístico. Por um lado, o
princípio de ordenação do sistema seria imutável, implicando uma impos-
sibilidade estrutural de se fazer qualquer operação com a língua. Por outro,
no curso do tempo, os signos linguísticos podem sofrer alteração em ter-
mos da relação entre conceito e imagem acústica, sem necessariamente
pôr em xeque o alcance e a eficácia do princípio de ordenação.
Observaremos agora a visão de Benveniste em relação ao estudo do
signo linguístico, visto que ele foi um dos primeiros linguistas a propor
uma teoria que trata, especificamente, da enunciação.
Para ele, caracteriza-se o signo da seguinte forma:
Dizer que a língua é feita de signos é dizer antes de tudo que o
signo é a unidade semiótica. Essa proposição, sublinhamo-lo, não

– 63 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

está em Saussure, talvez porque ele a consideraria como uma evi-


dente decorrência, e nós a formulamos aqui no início do exame que
estamos fazendo; ela contém uma dupla relação que é necessário
explicitar: a noção de signo enquanto unidade e a noção de signo
como dependente da ordem semiótica. (CLG, 1989, p.224)

Para ele, então, o signo é uma unidade dotada de sentido, posto que
considera a significação como elemento precedente ao signo. Para se esta-
belecer, o signo precisa representar uma unidade, mas não uma unidade
qualquer e, sim, uma unidade dotada de significado.
Decian e Méa asseveram que Benveniste destaca a ideia de língua
“como um fenômeno dinâmico e de uso contínuo, por meio do qual podem
ser formulados e proferidos vários discursos”.
Esse estudioso também apresenta concepções diferentes das de Saus-
sure em relação à arbitrariedade do signo linguístico.
Para ele, ainda segundo Decian e Méa (2005),
a questão da arbitrariedade tem suscitado discussões vãs, ou seja, não
relevantes, pois, (...) a questão da arbitrariedade está relacionada à
diferenciação entre sentido e referência. A referência está diretamente
ligada à situação de uso, independentemente do sentido, e relacionada
ao momento em que o signo é utilizado. Esse fato faz com que possa
ser conhecido o sentido original das palavras e, mesmo assim, não o
reconhecer numa junção de palavras, formando as frases.

Ao se referir a sentido, Benveniste se refere a algo particular, como se


dá a transmissão de uma ideia e em que contexto ela se realiza. Em relação
à noção de signo, ele afirma que o signo só pode existir enquanto a língua
estiver em uso.
Mas, como se daria essa referência em se tratando de línguas mor-
tas, por exemplo?

Línguas mortas são aquelas que não possuem mais falan-


tes nativos ou que simplesmente não são mais utilizadas na
vida cotidiana. Ainda assim, todas essas línguas possuem
gramáticas e vocabulários conhecidos, fato que possibi-
lita seu estudo e utilização entre grupos de especialistas.

– 64 –
O Signo

Cabe aqui uma interferência: para Saussure, sendo a língua distinta da fala,
aquela pode ser estudada separadamente desta. A prova é que não falamos mais
as línguas mortas, mas podemos assimilar-lhes o organismo linguístico.
Para finalizar essa dicotomia entre Saussure e Benveniste em relação
ao signo linguístico, passemos a apresentar um apanhado das ideias de
cada um deles, contrapondo-as.
Benveniste apresenta que a primeira condição imperiosa para a cons-
tituição do signo é a significação. E especifica que os signos somente pos-
suem sentido em relações de oposições, ou seja, um signo somente pos-
suirá sentido quando está em relação com outro signo. Ou seja, um signo,
para ser considerado como tal, necessariamente deve estar em situação
de uso. Assim, se não estiver em uso por um falante qualquer, não estará
sofrendo oposições e, sem essas relações, o signo não pode ser conce-
bido como dotado de sentido. Continua ainda asseverando que a noção
de signo semiótico não tem como incumbência e objetivo a comunicação,
mas somente a significação. A significação para o autor está distanciada da
situação de uso e ligada apenas ao próprio signo, por isso, podemos dizer
que o signo semiótico não tem caráter dinâmico, mas sim, estático.
Já para Saussure, a língua é concebida como um sistema de signos
que nos permite comunicar algo a alguém e receber informações de outros
indivíduos. Dessa forma, é via língua e seus signos constituintes que se
mantém a comunicação.
Cada uma das noções de signos linguísticos se aproxima muito uma
da outra, pois, para Benveniste, a palavra é a menor unidade da língua,
enquanto Saussure afirma que a menor unidade linguística é o signo.
No artigo As teorias do Signo e suas significações linguísticas, Anto-
nio Carlos da Silva apresenta algumas considerações bastante interessan-
tes. Desse artigo apresentamos um trecho que julgamos de grande valia
para o aprendizado sobre o signo linguístico:

O signo não pode ser considerado um elemento de natureza vazia,


ou seja, um signo frívolo, sem significação. Os signos, quando
analisados fora de um contexto, são apenas signos que nada ou

– 65 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

quase nada significam, tendo em vista que sua máxima realização


dá-se pela relação que mantêm com outros signos dentro de um
dado contexto. Uma palavra pode ser considerada o contexto de
um signo menor que ela, mas que, por sua natureza significativa
e pela organização e relação que estabelece com outros signos
menores, pode significar tanto quanto, ou muito mais que uma
palavra quando empregada como elemento menor de um con-
texto maior que a sua natureza. Veja o que diz Hjelmslev:

As palavras não são os signos últimos, irredutíveis, da lin-


guagem, tal como podia deixá-lo supor o imenso interesse
que a linguística tradicional dedica à palavra. As palavras
deixam-se analisar em partes que são igualmente portadoras
de significações: radicais sufixos de derivação e desinências
flexionais. (HJELMSLEV, 1975, p. 49)

Com base no exposto, podemos fazer a seguinte análise: a forma


verbal “estudássemos” é um signo menor em relação ao con-
texto a que pode pertencer, ou seja, quando empregada na frase,
a exemplo: “Se estudássemos mais, passaríamos nos exames”. A
frase, nesse caso, é um signo maior em relação à palavra “estu-
dássemos”, que pode ser entendida como o contexto de signos
menores contidos nela. Veja: em (estud-á-sse-mos), da esquerda
para a direita, podemos classificar os elementos significativos
da palavra e apresentar a significação contida em cada um deles.

O primeiro elemento significativo classifica-se como radical e


contém a significação lexical do ato de aplicar a inteligência; o
segundo é a vogal temática e tem como função indicar a que
conjugação pertence o verbo; a terceira é a desinência verbal
modo-temporal e tem como função a indicação do tempo pre-
térito e do modo subjuntivo, expressando, portanto, uma ação
hipotética que poderia ocorrer no passado; finalmente, o quarta
elemento significativo é também uma desinência verbal, cuja
função é expressar o número e a pessoa do discurso.

A ideia da significação fica mais clara quando analisamos um


dado signo fora e dentro do seu contexto.

– 66 –
O Signo

Tomando a palavra manga como corpus, podemos ver que


nem sempre é possível relacionar o signo a sua significação,
tendo em vista o seu esvaziamento de sentido, em virtude do
emprego solitário. Manga, em língua portuguesa, é uma pala-
vra que pode ter, dentro de um dado contexto, significação
diferente daquela que teria quando aplicada em outros con-
textos. A manga, peça do vestuário é diferente de manga, o
fruto que também é diferente de manga, a terceira pessoa do
presente do indicativo do verbo mangar. (...) Sobre o assunto,
Hjelmslev diz que:

Considerado isoladamente, signo algum tem significação.


Toda significação de signo nasce de um contexto, quer enten-
damos por isso um contexto de situação ou um contexto
explícito, [...]. É necessário, assim abster-se de acreditar que
um substantivo está mais carregado de sentido do que uma
preposição, ou que uma palavra está mais carregada de sig-
nificação do que um sufixo de derivação ou uma terminação
flexional. (HJELMSLEV, 1975, p. 50)

6.2 Sincronia e Diacronia


O começo e o fim de uma época são geralmente marcados por
alguma revolução mais ou menos brusca, que tende a modificar o
estado de coisas estabelecido.
(Saussure)

Passaremos a estudar agora a questão da sincronia e diacronia nos


estudos linguísticos.
O termo “linguística histórica” gera concepções como a de que, “ao
descrever estados sucessivos da língua, se estivesse estudando a língua
conforme o eixo do tempo” (Saussure, 2004). Isso poderia tornar possível
estudar, de modo separado, os fenômenos que fazem com que as línguas
passem de um estado para outro, em outras palavras, como se estudaria as
causas dessas modificações.

– 67 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

O termo linguística evolutiva tem sido empregado comumente, assim


como linguística estática, significando linguística diacrônica e linguística
sincrônica, respectivamente.
Cabe agora uma pequena conceituação dos dois termos em ques-
tão: considera-se diacrônico o que diz respeito às evoluções de deter-
minada língua e sincrônico o que está relacionado com o aspecto está-
tico da língua.
Para Saussure, ao analisarmos uma língua sincronicamente, não nos
será objeto de estudo os estágios de evolução pelo qual essa língua passou.
Ou seja, o foco sempre será a língua em seu estado atual. Em oposição,
se estudarmos essa língua diacronicamente, buscaremos entender o que
­aconteceu com essa língua ao longo de sua história, para determinar essas
marcas em determinada época, por exemplo.
Em seus estudos, pode-se afirmar que a linguística é um estado de
ciência que deve se construir sobre dois eixos:
a) eixo sincrônico → a língua é estudada como ela se apresenta em
um determinado momento de sua história. Toda intervenção do
tempo é excluída.
b) eixo diacrônico → a língua é analisada como um produto de
uma série de transformações que ocorrem ao longo do tempo.
Dessa forma, fica claro do porquê de ser consensual no meio cientí-
fico afirmar que a intervenção do tempo cria, na Linguística, dificuldades
particulares e situa esta ciência perante dois caminhos absolutamente dife-
rentes, novamente, a sincronia e a diacronia.
Para formalizarmos e, efetivamente, gravarmos esses dois conceitos,
podemos, novamente, afirmar que é diacrônico tudo o que tem duração de
tempo, é dinâmico e designa uma fase de evolução. E, em contrapartida,
é sincrônico tudo que é momentâneo, é estático, constitui um conjunto
fechado e homogêneo de regularidades e designa um estado de língua.
Saussure desconsiderou em seus estudos, frisando que não era domí-
nio da línguística, a diacronia, pois ele considerava incompatível a noção
de sistema e de evolução.

– 68 –
O Signo

A modificação sincrônica prevê sempre dois termos simultâneos, enquanto


o fato diacrônico não precisa de mais que um termo, porque a forma nova toma
o lugar da forma antiga, que desaparece. Resumindo: os fatos sincrônicos apre-
sentam certa regularidade, mas não têm nenhum caráter imperativo; os fatos
diacrônicos, ao contrário, se impõem à língua, apesar de não ter um caráter geral.
Segundo Bechara (2006),
Convém distinguir entre estado de língua real e sincronia, considerada
de modo absoluto. No estado de língua também está implícita uma
dimensão diacrônica, já que os falantes, principalmente de comunida-
des com larga tradição de língua escrita, têm consciência de que certas
formas são mais antigas que outras; que algumas já não se usam e que
outras são recentes. Todavia essa “diacronia dos falantes” - que pode ser
bem diferente da diacronia do historiador – não importa em relação ao
funcionamento da língua, porque todo fato de “diacronia” subjetiva tem
que ser descrito no seu funcionamento, isto é na sua própria sincronia.

Finalizando esse subcapítulo, apresentamos um quadro em que se


propõe a comparação entre língua e uma partida de xadrez.

Língua e Partida de Xadrez -


Comparação

1. Cada estado do jogo corresponde precisamente a um estado


da língua;

2. O sistema é sempre momentâneo;

3. Os valores dependem de uma convenção imutável;

4. Para passar para um equilíbrio, basta a deslocação de uma


peça: não há alteração geral;

5. Cada jogada do xadrez faz movimentar uma peça; também


na língua as alterações só incidem sobre elementos isolados;

6. As ressonâncias podem ser nulas, muito graves ou de


importância média;

7. A deslocação de uma peça é um facto absolutamente distinto do


equilíbrio precedente e do subsequente: só os estados importam.

– 69 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

Ponto divergente:

2 O jogador de xadrez provoca as deslocações e exerce inten-


cionalmente uma acção sobre o sistema. A língua não
premedita nada: é espontânea e é fortuitamente que as suas
peças se deslocam.

BELIM, Celia. In: <https://semiologiaiscsp.wordpress.com/


semiologia/>. Acesso em: 28 maio 2015.

6.3 Paradigma versus sintagma


Veremos agora mais um dos paradigmas apresentados por Saussure.
Segundo ele, a linguagem se constrói por meio de dois eixos: para-
digma e sintagma.
O paradigma é o eixo vertical das escolhas (o eixo por meio do qual
escolhemos sempre a próxima palavra que constituirá o nosso discurso).
O sintagma é o eixo horizontal do discurso (fala), as múltiplas possi-
bilidades de combinação das palavras em frases.
Observem:
C
SINCRONIA
(etapa precisa)
Paradigmático
DIACRONIA
(acontecimento histórico)
A B
Sintagmático

Foco do
Estudo

– 70 –
O Signo

O eixo do sintagma corresponde à “materialização” do nosso pensa-


mento, ou seja, nós escolhemos as palavras no eixo do paradigma para,
então, construir a nossa fala (sintagma).
De acordo com Carvalho (2004 ) , as relações sintagmáticas repou-
sam no caráter linear do signo linguístico, caráter que exclui qualquer
probabilidade de se pronunciar dois elementos ao mesmo tempo, pois a
língua é formada de elementos que se sucedem um após outro linearmente,
conforme Saussure, “na cadeia da fala” . A relação entre esses elementos
Saussure chama de sintagma, afirmando que o sintagma se compõe sem-
pre de duas ou mais unidades consecutivas.
Colocado na cadeia sintagmática, assevera ainda Carvalho, “um
termo passa a ter valor em virtude do contraste que estabelece com aquele
que o precede ou lhe sucede, “ou a ambos”, visto que um termo não pode
aparecer ao mesmo tempo que outro, em virtude do seu caráter linear”. No
exemplo apresentado por ele “Hoje fez frio”, salienta que não podemos
pronunciar a sílaba je antes da sílaba ho, nem ho ao mesmo tempo que je;
o antes de fri, ou o simultaneamente com fri é impossível.
É essa cadeia fônica que faz com que se estabeleçam relações
sintagmáticas entre os elementos que a compõem. Como a relação
sintagmática se estabelece em função da presença dos termos precedente e
subsequente no discurso, Saussure a chama também de relação in præsentia.
Por outro lado, fora do discurso, isto é, fora do plano sintagmático, se,
em “Hoje fez frio”, podemos imaginar que dizemos hoje idealizando que
ele poderá estar em oposição a ontem, por exemplo, ou fez em oposição a
faz, e frio a calor , estabelecemos uma relação paradigmática associativa
ou in absentia, porque os termos ontem, faz e calor não estão presentes no
discurso. São elementos que se encontram na nossa memória de falante
“numa série mnemônica virtual”, conforme esclarece Saussure.
O paradigma se apresenta, assim, como uma espécie de opções de
nosso repertório linguístico, uma gama de unidades capazes de aparecer
num mesmo contexto.
Desse modo, as unidades do paradigma se opõem, pois uma exclui a
outra: se uma está presente, as outras estão ausentes.

– 71 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

É a chamada oposição distintiva que determina a diferença entre sig-


nos como dente e pente ou entre formas verbais como cantava e cantara,
formados respectivamente a partir da oposição sonoridade / não-sonori-
dade e pretérito imperfeito / mais-que-perfeito. A noção de paradigma pro-
move, dessa forma, a ideia de relação entre unidades alternativas. É uma
espécie de reserva virtual da língua.
Define-se o sintagma como “a combinação de formas mínimas numa
unidade linguística superior”. Tratam-se, portanto, de relações (relação =
dependência, função) onde o que existe, em essência, é a reciprocidade, a
coexistência ou solidariedade entre os elementos presentes na cadeia da fala.
Existem, em todos os planos da língua, nos parece adequado asseve-
rar, sejam esses planos fônico, mórfico e sintático, essas relações sintag-
máticas ou de reciprocidade, ao contrário do que deixa entrever a defini-
ção do próprio Saussure, que nos induz a conceber o sintagma apenas nos
planos mórfico e sintático.
Podemos, concluir, portanto, que o sintagma, em sentido primeiro, é
toda e qualquer combinação de unidades linguísticas na sequência de sons
da fala, a serviço da rede de relações da língua.
O texto a seguir faz parte do artigo de Arnaldo Cortina e Renata Coe-
lho Marchezan, intitulado Princípios Gerais em Linguística:

Princípios básicos: sincronia e diacronia

Inicialmente, discutiremos a oposição por ele (Saussure) apre-


sentada entre a perspectiva diacrônica e a perspectiva sincrô-
nica, com relação aos fatos que a ciência estuda. O leitor deve
observar que, até o século XIX, predominavam os trabalhos lin-
guísticos que visavam à comparação entre diferentes línguas,
ao longo da história. Assim, as tentativas de agrupamentos de
línguas em famílias objetivavam a descoberta de relações entre
elas e, além disso, a reconstituição da língua primitiva. A maior
parte dessas tentativas frustrava-se, porque, devido à influên-
cia religiosa no mundo ocidental, estava baseada na hipótese de

– 72 –
O Signo

que, uma vez que o hebraico era a língua do Novo Testamento,


deveria ser a fonte a partir da qual derivavam todas as demais
línguas. Assim, estudar uma língua era descobrir de que ramo
ela se originava e que tipo de influências ela recebia de suas
parentes próximas.

Figura 2: Diacronia (representação)

Fonte: Shutterstock.com/ Elnur

Para Saussure, todo fato científico deve ser observado segundo


a perspectiva da simultaneida de e da sucessividade. Assim,
estudar uma língua não significava apenas perceber sua evo-
lução no tempo, mas sim as relações internas que estabelece
num dado momento do tempo. A diacronia está situada no eixo
da sucessividade, uma vez que corresponde, segundo ele, ao
método de investigação de um fenômeno linguístico que, loca-
lizado em uma determinada linha evolutiva no tempo, mantém
relação com os fenômenos que o precedem ou seguem. A sin-
cronia, por sua vez, está situada no eixo da simultaneidade, pois
compreenderia a observação dos fatos linguísticos coexistentes

– 73 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

num mesmo sistema, tal como eles se apresentam num dado


momento, sem levar em consideração sua evolução no tempo.

Na realidade, a novidade está na sua proposta da perspectiva


sincrônica, uma vez que, para os estudos da língua, o que se
fazia até então eram trabalhos com base na ­diacronia. Saus-
sure chama a atenção para o fato de que o tempo não é um
fator exclusivo de interesse das descrições linguísticas. Para
ele, o tempo permite que fatores externos ajam uns sobre os
outros e isso desencadeia transformações na língua. Em ver-
dade, ao se observar o fenômeno linguístico segundo a pers-
pectiva diacrônica, leva-se em consideração fatores externos
ao sistema da língua que acabam agindo sobre ela.

O fato, por exemplo, de o português apresentar morfemas e


lexemas de origem árabe não é um fenômeno de transformação
interna do sistema, mas sim devido à invasão dos povos árabes
na Península Ibérica, o que é um fator histórico externo ao fun-
cionamento do sistema.

Já na perspectiva sincrônica, pode-se tratar de um determi-


nado fato linguístico em relação ao conjunto de regras tais
como elas funcionam num dado momento, na língua que se
está analisando. Esse seria o caso, por exemplo, de analisarmos
o fenômeno da concordância nominal no português contem-
porâneo, que tende à eliminação da redundância. Em vez de
se dizer “os meninos escolhidos”, há uma tendência em deter-
minadas camadas da sociedade brasileira de, na situação de
fala, produzir “os menino escolhido”, em que a marca de plu-
ral aparece apenas no artigo e é omitida nas outras classes de
palavras. Examinar um fato como esse, descrevendo seu grau
de ocorrência e as circunstâncias em que ele se realiza em rela-
ção ao sistema, é fazer um estudo sincrônico e não diacrônico.

Disponível em: <http://www.acervodigital.unesp.br/bitstream/


123456789/40352/1/01d17t01.pdf> Acesso em 07 jun. 2105.

– 74 –
7
O Dircurso

[...] gostaria de mostrar que o discurso não é uma


estreita superfície de contato, ou de confronto, entre
uma realidade e uma língua, o intrincamento entre um
léxico e uma experiência; gostaria de mostrar, por meio
de exemplos precisos, que, analisando os próprios dis-
cursos, vemos se desfazerem os laços aparentemente
tão fortes entre as palavras e as coisas, e destacar-se um
conjunto de regras, próprias da prática discursiva. (...)
não mais tratar os discursos como conjunto de signos
(elementos significantes que remetem a conteúdos ou
a representações), mas como práticas que formam sis-
tematicamente os objetos de que falam. Certamente os
discursos são feitos de signos; mas o que fazem é mais
que utilizar esses signos para designar coisas. É esse
mais que os torna irredutíveis à língua e ao ato da fala.
É esse mais que é preciso fazer aparecer e que é preciso
descrever. (Foucault, 1986, p.56. apud FISCHER 2001)
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

Em nossos Estudos Linguísticos e Variação não poderíamos deixar


de destacar a questão da Teoria do Discurso.
Tomando como princípio que o discurso em si é a construção lin-
guística junto ao contexto social onde o texto se desenvolve, partimos do
pressuposto de que as ideologias, implícitas ou explícitas, são diretamente
construídas e influenciadas pelo contexto político-social em que o emissor
está inserido.
Iniciaremos estudando o discurso e passaremos, depois, ao estudo da
Análise do Discurso.

7.1 O discurso além do texto


O discurso propriamente dito é uma construção linguística vinculada
ao contexto social no qual o texto é desenvolvido. Isso porque todo texto
escrito ou oral é permeado por questões que vão além do próprio texto.
Mais que uma análise textual, a análise do discurso é uma análise contex-
tual da estrutura discursiva em questão.
Na linguagem colo- Figura 1: Faz parte do discurso elementos textuais e
quial, o discurso pode ser contextuais.
entendido como a mensa-
gem que um autor trans-
mite ao seu interlocu-
tor, seja de forma verbal
escrita ou oral. Já, para
a Linguística, discurso é
toda situação que envolve
a comunicação dentro de
um determinado contexto
social, politico, cultural,
temporal, portanto, diz Fonte: Shutterstock.com/lassedesignen
respeito ao autor, ao inter-
locutor e às circunstâncias de produção textual. O discurso representa o
pensamento ou as ideias de seu autor. Em outras palavras, discurso é o
que se fala ou escreve considerando como se fala/escreve, que seleção

– 76 –
O Dircurso

vocabular o autor faz, que intenção tem, que nível de linguagem utiliza,
qual sua entonação ou recursos gráficos utiliza para destacar expressões
ou outras marcas de oralidade e em qual contexto ocorre a comunicação.
A partir das suas estruturas sequenciais, o discurso tem vários níveis que
precisam ser analisados: estruturas da gramática da língua(fonologia, sintaxe,
semântica), estruturas da retórica (figuras de linguagem e outros recursos esti-
lísticos ) e estruturas esquemáticas de escolha das tipologias textuais utiliza-
dos, como a narração, a argumentação, a injunção, a descrição, a exposição.
Conforme Veríssimo, Veríssimo e Oliveira (2014):
Em um contexto de avanços tecnológicos e como consequência a
comunicação mais rápida entre as pessoas, o estudo sobre o funcio-
namento da língua como prática social, é relevante àqueles que se
dedicam às pesquisas que envolvem língua e sociedade. A língua
mantém as relações entre sujeitos que interagem e compartilham
de um mesmo contexto sóciohistórico-político. A interação entre os
indivíduos é fundamentada pela atividade discursiva, mediada pela
linguagem, ou seja, da língua em funcionamento. A perspectiva fun-
damenta-se na filosofia da linguagem de origem bakhtiniana.

Mendes e Silva (2005) afirma que, “para Foucault (1969), o discurso é


uma dispersão, visto que, não estão ligados por nenhum princípio de unidade”.
Continua asseverando que exclusivamente por meio das regras de formação
seria possível determinar os elementos que compõem o discurso, a saber:
a) os objetos que aparecem, coexistem e se transformam num
“espaço comum” discursivo;
b) os diferentes tipos de enunciação que podem permear o
discurso;
c) os conceitos em suas formas de aparecimento e transfor-
mação em um campo discursivo, relacionados em um sis-
tema comum;
d) os temas e teorias.

Dessa forma, essas regras que motivam uma formação discursiva são
notadas como um sistema de relações entre objetos, tipos enunciativos,
conceitos e estratégias. São elas que atribuem singularidade às formações
discursivas e que permitem a passagem da dispersão para a regularidade,
que é entendida pela análise e descrição dos enunciados de tais formações.

– 77 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

O discurso é o terreno elementar no qual a realidade se institui. Ele


toma como hipótese a ideia de que a linguagem é constituidora da realidade
e, portanto, ela só existe dentro de um discurso que a torna possível. Fora do
discurso, há existência, porém não existe significação (OLIVEIRA, 2009).
Não podemos nos limitar a pensar que discurso é apenas uma catego-
ria que faz o ajuntamento de palavras com ações e que tem caráter material
não mental e/ou ideal.
Conforme Mendonça (2009, p. 153),
Discurso é prática – daí a ideia de prática discursiva – uma vez
que quaisquer ações empreendidas por sujeitos, identidades, gru-
pos sociais são ações significativas. O social, portanto, é um social
significativo, hermenêutico. Não aparece como algo a ser simples-
mente desvendado, desvelado, mas compreendido, a partir de sua
miríade de formas, das várias possibilidades de se alcançar múlti-
plas verdades, note-se, sempre contingentes e precárias.

Ele ainda assevera que o real, como probabilidade a ser estudado,


conhecido verdadeiramente, como uma positividade transparente, é uma
impossibilidade, tendo em vista que este é significado de diversas manei-
ras, a partir das lentes contextuais dos sujeitos.
Veremos agora um pouco mais profundamente o que nos apresenta
Foucault em relação ao discurso.
Para ele, os discursos, evidentemente, são feitos de signos; contudo, o dis-
curso não se limita apenas a usar esses signos para designar coisas ou situações.
“É esse mais que os torna irredutíveis à língua e ao ato da fala”. Considera que
tudo é prática. Ou seja, é no uso, na exteriorização das ideias que o discurso se
realiza. E é nessa realização que acontecem as relações de poder e saber.
Assim, de certa forma, o discurso não se limita `a referência das coi-
sas, existe para além da mera utilização de letras, palavras e frases. Não
pode ser percebido como um fenômeno de simples expressão de algo:
apresenta regularidades intrínsecas a si mesmo, por meio das quais é pos-
sível definir uma rede conceitual que lhe é própria.
Laclau, filósofo e teórico, especifica de forma muito clara o conceito
de discurso, pelo qual os atos de linguagem compõem uma organização
que excede o meramente linguístico.

– 78 –
O Dircurso

Para ele, “o discurso seria uma instância limítrofe com o social.


Porque cada ato social tem um significado, e é constituído na forma de
sequências discursivas que articulam elementos linguísticos e extralin-
guísticos” (LACLAU, 1991, p.137).
Conforme Pinto (1986), “ A toria do discurso está intimamente ligada
à questão da contituição do sujeito social. Se o social é significado, os indi-
víduos envolvidos no processo de significação também são e isto resulta
em uma consideração fundamental: os sijeitos sociais não são causas, não
são origem do discurso, mas são efeitos discursivos”.
Já Foucault assevera que delinear uma formulação como um enun-
ciado não incide em analisar as relações entre o autor e o que ele disse (ou
ansiou dizer, ou mencionou sem querer); mas em definir qual é a posição
que pode e deve ocupar todo indivíduo para ser seu sujeito.
Para finalizarmos esse preâmbulo do estudo do discurso, pois se trata
de material para a realização de muitos outros estudos, referimo-nos nova-
mente a Fischer, em que relata a questão do sujeito do discurso, em seu
artigo Foucault e a análise do discurso em educação:

Figura 2: Foucault e a análise do discurso em educação


Fonte: Shutterstock.com/lirf

Conceito estilizado do conhecimento humano

(...) Ao analisar um discurso – mesmo que o documento consi-

– 79 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

derado seja a reprodução de um simples ato de fala individual


–, não estamos diante da manifestação de um sujeito, mas sim
nos defrontamos com um lugar de sua dispersão e de sua des-
continuidade, já que o sujeito da linguagem não é um sujeito em
si, idealizado, essencial, origem inarredável do sentido: ele é ao
mesmo tempo falante e falado, porque através dele outros ditos
se dizem. Esse caráter contraditório do sujeito rompe com uma
tradição, cara não somente ao idealismo de algumas teorias da
linguagem, como a desenvolvida por Benveniste, mas ainda
àquelas concepções segundo as quais o eu seria absolutamente
determinado de fora, dominado por um Outro que o constitui.
Essa bipolaridade, como sabemos, dominou durante muito
tempo as Ciências Humanas e dela se encontram vestígios até
hoje em alguns discursos, como o da pedagogia, da sociologia
e especialmente da militância política. O homem “sujeito da
própria história”, capaz de transformar o mundo a partir da
tomada de consciência, reúne essas duas concepções: tudo se
passaria como se, percebendo a dominação, a força do outro, o
sujeito pudesse lutar e chegar, talvez um dia, à condição paradi-
síaca (e originária) de sujeito uno, pleno de poder.

Bem distinta dessa formulação, e fundada principalmente na


ideia do conflito, da pluralidade de vozes que se enfrentam nos
textos, é a concepção pela qual se introduz a presença do Outro
no discurso. Mesmo que inicialmente ela tenha privilegiado certo
determinismo, de fora para dentro, na verdade postula algo que,
depois de Marx, não nos atrevemos a questionar: o homem é
inconcebível fora das relações sociais que o constituem.

Quando a filosofia da linguagem, de inspiração marxista, fez a


tradução desse postulado, de modo especial com Bakhtin, que
outros conceitos trouxe? Basicamente, uma teoria da polifo-
nia, do diálogo, na qual fica entendido que há inúmeras vozes
falando num mesmo discurso, seja porque o destinatário está
ali também presente, seja porque aquele discurso está referido a
muitos outros. Esse duplo cruzamento constituiria, nesse caso,
a polifonia discursiva.

– 80 –
O Dircurso

Certamente essa descentração do sujeito, implícita na teoria


marxista, pertence à mesma epistème, dentro da qual se desen-
volveu a psicanálise: o discurso do sujeito, para Freud, estaria
sempre marcado pelo seu avesso, no caso, o inconsciente. Divi-
dido, quebrado, descentrado, o sujeito se definiria por um ine-
vitável embate com o outro que o habita. E, permanentemente,
viveria a busca ilusória de tornar-se um. A linguagem seria a
manifestação dessa busca, lugar em que o homem imagina
constituir e expor sua própria unidade.(...)

FISCHER, Rosa Maria Bueno. Cadernos de Pesquisa no.114 São


Paulo Nov. 2001.

Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_art


text&pid=S0100-15742001000300009> Acesso em: 22 maio2015.

7.2 A Análise do Discurso


A Análise do Discurso se define pela sua proposta das novas
maneiras de ler, colocando o dito em relação ao não dito, ao dito
em outro lugar, problematizando as leituras de arquivo, expondo o
olhar leitor à opacidade do texto. (ORLANDI, 1987)

No final dos anos 60, surgiu a proposta de análise sobre as condições


do discurso e dos processos discursivos, realizada por Michel Pêcheux.
Ele foi um dos primeiros estudiosos da área da Análise do Discurso, ava-
liando a oposição entre base linguística e processo discursivo, e conside-
rando a base linguística um sistema comum a todos os falantes (no que
diz respeito ao conjunto de estruturas fonológicas, morfológicas e sintáti-
cas), enquanto os processos discursivos, segundo ele, são diferenciados de
acordo com processos ideológicos que os determinam.
A Análise do Discurso surge, então, como uma especialidade que
escolhe “problematizar” as maneiras de ler, analisando a opacidade como
característica constitutiva da linguagem. Ao mediar a relação com o texto,
essa “especialidade” possibilita que se avistem formas de significação que
dificilmente seriam vistas a “olho nu”, ou seja, que seriam invisíveis sem
os dispositivos teóricos de análise fornecidos por essa disciplina.

– 81 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

Figura 3: No discurso, revelamo-nos.

Fonte: Shutterstock.com/lassedesignen

A Análise do Discurso se pauta na teoria de que há mais sentidos


além do que está explicitado na superfície linguística; portanto, não esta-
belece ao discurso um sentido único e fechado. Cabe ao analista expli-
citar o caminho pelo qual se chegou ao sentido evidente (e se calaram
outros possíveis).
Orlandi (2003) comenta que a língua “ possui uma ordem própria e
introduz a noção de sujeito; o sujeito é descentrado, afetado pela língua
e pelo real da história, não possuindo controle sobre como o afetam, e,
ainda, a história é afetada pelo sentido simbólico.”
Assevera ainda, que, “se a Análise do Discurso é herdeira das três
regiões de conhecimento – Psicanálise, Linguística, Marxismo – não o é
de modo servil e trabalha uma noção – a de discurso – que não se reduz
ao objeto da Linguística, nem se deixa absorver pela Teoria Marxista e
tampouco corresponde ao que teoriza a Psicanálise” (ORLANDI, 2003).
Acompanhando as áreas de conhecimento Psicanálise, Linguística e
Marxismo, a análise do discurso suplanta seus alcances e institui um novo
objeto que afeta essas formas de conhecimento em sua totalidade e seu
conjunto: o discurso.
Gregolin (2007) afirma que os estudos e as propostas de Pêcheux
aproximaram-se dos primeiros estudiosos dos discursos, como, por exem-
plo, um de seus expoentes, Michel Foucault, o círculo bakhtiniano.

– 82 –
O Dircurso

A ideia de discurso como um conjunto de enunciados com a mesma


formação discursiva procede de Foucault.
Bakhtin pode ser considerado o precursor nos estudos do discurso,
além de considerar a linguagem em uma concepção dialógica, e também
acredita que o ser humano e a vida, na sua forma social, são determinados
pelo princípio dialógico.
Verissimo, Verissimo e Oliveira, (2014, p. 64) afirmam que
A concepção de dialogismo, para Bakhtin, leva em conta: os aspec-
tos da interação entre os interlocutores, que é o princípio formador
da linguagem; a acepção do texto e o sentido das palavras, que
dependem da inter-relação de sujeitos; a intersubjetividade, que
é precedente à subjetividade, pois a relação dos interlocutores se
fundamenta na linguagem, dando sentido ao texto e construindo
os próprios sujeitos e contextos formadores do texto, e as relações
entre os sujeitos e destes com a sociedade.

Depois de estudarmos o discurso e alguma teoria a respeito da Aná-


lise do Discurso, podemos afirmar que discernir sobre o diálogo entre Lin-
guística Textual e Análise do Discurso pressupõe ponderar, por um lado,
que estas duas áreas da Linguística têm particularidades que as diferen-
ciam e, por outro, que têm afinidades que podem aproximá-las no que se
refere aos estudos de fenômenos da linguagem.
Como afinidade, podemos apontar que ambas, na composição de seus
estudos, apreciam fatores como língua (e linguagem), sujeito, texto, con-
texto e sentido.
As particularidades estariam na concepção teórica adotada para defi-
nir tais fatores. A Linguística Textual, como sabemos, é a área da Linguís-
tica responsável pela produção, recepção e interpretação dos textos.
Assim, como mostra Koch (2002),
o contexto, da forma como hoje é entendido no interior da Lin-
guística Textual abrange (...) não só o co-texto, como a situação
de interação imediata, a situação mediata (entorno sócio-político-
-cultural) e também o contexto sociocognitivo dos interlocutores
que, na verdade, subsume os demais. Ele engloba todos os tipos de
conhecimentos arquivados na memória dos actantes sociais, que
necessitam ser mobilizados por ocasião do intercâmbio verbal (...):

– 83 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

o conhecimento linguístico propriamente dito, o conhecimento


enciclopédico (...), o conhecimento da situação comunicativa e de
suas “regras” (situacionalidade), o conhecimento superestrutural
(tipos textuais), o conhecimento estilístico (...), o conhecimento
sobre os variados gêneros adequados às diversas práticas sociais,
bem como o conhecimento de outros textos que permeiam nossa
cultura (intertextualidade).

Kronka (2003) assevera que analisar os elementos de linguagem a


partir desse ponto de vista seria buscar sentidos perpetrados na interação
de uma atividade sociocomunicativa a partir de um contexto essencial-
mente sociocognitivo, o que leva a concluir que o sentido de um texto é,
portanto, construído na interação texto-sujeitos (ou texto –co-enunciado-
res) e não algo que preexista a essa interação.
Em outras palavras, o sentido se move entre texto e leitor, nos conhe-
cimentos divididos entre produtor e receptor e acionados na atividade
interpretativa. A Análise do
Figura 4: Sentido do discurso
Discurso, por outro lado, situa-
-se na relação da linguagem
com sua exterioridade. A língua
diferencia-se pela indetermina-
ção dos sentidos, o que resulta
numa concepção de linguagem

Fonte: Shutterstock.com/VLADGRIN
não transparente.
Contudo, podemos afirmar
também que para a Análise do
Discurso não interessa o sujeito
que ora está centrado no eu e ora
está centrado no tu, mas sim o
sujeito que considera a relação
que há entre tais pessoas.
Segundo Brandão (2004),
“para a análise do discurso é
essa concepção de sujeito [...] que vai ocupar o centro de suas preocupa-
ções atuais; para ela, o centro da relação não está nem no eu nem no tu,
mas no espaço discursivo criado entre ambos. O sujeito só constrói sua
identidade na interação com o outro”.

– 84 –
O Dircurso

Ao apresentar a noção de sujeito para a Análise do Discurso, já pode-


mos afirmar que é um fator de diferenciação das demais áreas da Lin-
guística. Assim como também o é a noção de contexto. Ao discutirmos
contexto no âmbito da Análise do Discurso, pressupomos a prerrogativa
de apresentarmos as condições de produção do discurso, no entorno, no
momento em que esse discurso é produzido, recepcionado e interpretado.
Para a Análise do Discurso o contexto é tão importante quanto o texto.
Como afirma Maingueneau (1996),
“a análise do discurso (...) não estuda de maneira imanente os enuncia-
dos para, em seguida, os relacionar com diversos parâmetros “exterio-
res”, situacionais: a análise esforça-se, pelo contrário, por considerar o
discurso como uma atividade inseparável desse “contexto”.

O sentido constrói-se, então, nas relações interdiscursivas, a partir de


cadeias intertextuais, o que pressupõe o diálogo com textos que antece-
dem o momento da interação enunciativa. A esse respeito, Kronka (2003)
afirma que
[...] dizer que o sentido não pré-existe (à interação sociocomunica-
tiva e/ou à prática interdiscursiva) é dizer que as palavras/expres-
sões da língua podem ter diversos significados e todos ao mesmo
tempo. O discurso seria um instrumental para atribuir um sentido
específico. Não é o discurso que abre sentidos, como se pensa cor-
rentemente. É, na verdade, a língua que abre sentidos. O trabalho
discursivo é um trabalho de fechamento dos sentidos; consiste em
tomar algo que é relativamente indeterminado e torná-lo determi-
nado a partir de uma certa sequência sintagmática e de um certo
contexto sócio histórico. A Análise do Discurso, por sua vez, seria
um trabalho de atenção a sentidos possíveis, com o objetivo de
mobilizar sentidos não aparentes, não explícitos, silenciados.

Finalizaremos nossa discussão a respeito da Teoria do Discurso e da


Análise do Discurso apresentando dois trechos de textos ­muitíssimo inte-
ressantes e que deverão ser lidos na íntegra. Ambos tratam da relação do
ser humano com a palavra, ou seja, simplistamente falando, com o dis-
curso. O primeiro deles é Texto e Discurso, de Eni Puccinelli Orlandi.
O segundo é parte do texto A filosofia da linguística e a crise no para-
digma científico: contribuições Saussurianas e Bakhtianas, de Fabrício
César de Oliveira.

– 85 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

Texto e Discurso

Eu começaria por dizer que o texto é uma peça de linguagem,


uma peça que representa uma unidade significativa.

Não hesitaria, como aliás tenho feito há anos nos meus cursos
de Introdução à Análise de Discurso, em começar a reflexão
partindo de M. A. K. Halliday na enfatização de ser o texto a
unidade primeira. Para ser texto, diz ele (1976), é preciso ter tex-
tualidade. E a textualidade é função da relação do texto consigo
mesmo e com a exterioridade. Mas, embora as inversões que
ele propõe (texto>sentenças; sentido>dizer, etc.) sejam muito a
meu gosto, a exterioridade não tem em Halliday nem a mesma
natureza, nem o mesmo estatuto que tem na análise de discurso
(E. ORLANDI, 1992).

Passando, pois, para a minha filiação teórica específica, eu diria


que as palavras não significam em si. É o texto que significa.

Quando uma palavra significa é porque ela tem textualidade,


ou seja, porque a sua interpretação deriva de um discurso que a
sustenta, que a provê de realidade significativa.

É assim que, na compreensão do que é texto, podemos enten-


der a relação com o interdiscurso, a relação com os sentidos (os
mesmos e os outros).

Mas posso chegar mais perto daquilo que é minha proposta na


análise da linguagem: o texto é um objeto histórico. Histórico aí
não tem o sentido de ser o texto um documento, mas discurso.
Assim, melhor seria dizer: o texto é um objeto linguístico-histó-
rico. É a partir dessa definição que tenho procurado entender o
que é o texto para a análise de discurso francesa.

Acho interessante aproveitar esta oportunidade para expli-


citar melhor o que é o (linguístico) histórico para o analista
de discurso.

– 86 –
O Dircurso

Afirmando que seria um erro considerar a análise de discurso,


tal como ele a concebe, simplesmente como o exercício de uma
nova linguística livre dos preconceitos da linguística tradicio-
nal, M. Pêcheux (1975) dirá que o discurso introduz um des-
centramento na própria linguística. Esta mudança, portanto,
não reside, como ele diz (id.), num outro modo de abordar seu
objeto, dentro de novas necessidades impostas pela pesquisa,
etc. A especificidade da análise de discurso está em que o objeto
a propósito do qual ela produz seu resultado não é um objeto
linguístico, mas um objeto socio-histórico onde o linguístico
intervém como pressuposto. Há, pois, diz ainda ele (ibid.), um
efeito de separação-clivagem entre a prática linguística e a aná-
lise de discurso. Segundo Pêcheux é, pois, abuso de linguagem
o uso do termo linguísticado discurso para designar, de fato,
uma linguística dos textos quando ela ultrapassa o domínio da
análise da frase, muitas vezes recoberta, por outro lado, pela
expressão linguística da fala. A análise concreta de uma situa-
ção concreta pressupõe que a materialidade discursiva em uma
formação ideológica seja concebida como uma articulação de
processos (PÊCHEUX, ibid.). A este respeito, Pêcheux remete à
observação de P. Fiala e C. Ridoux (1973, p.45): o texto — diría-
mos o discurso — não é um conjunto de enunciados portadores
de uma, e até mesmo várias significações. É antes um processo
que se desenvolve de múltiplas formas, em determinadas situ-
ações sociais.

Se estas considerações nos colocam já em situação de compre-


ender a natureza do social, que é levado em conta na análise de
discurso, outras observações se impõem a fim de tornar mais
preciso esse campo de distinções. Essas observações dizem
respeito ao fato de que, na AD (análise de discurso da escola
francesa), tenho preferido falar não em história mas em histo-
ricidade do texto.

Ao longo de meu trabalho tenho colocado já repetidas vezes


que um texto, do ponto de vista de sua apresentação empírica, é
um objeto com começo, meio e fim, mas que se o considerarmos

– 87 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

como discurso, reinstala-se imediatamente sua incompletude.


Dito de outra forma, o texto, visto na perspectiva do discurso,
não é uma unidade fechada — embora, como unidade de aná-
lise, ele possa ser considerado uma unidade inteira — pois ele
tem relação com outros textos (existentes, possíveis ou imaginá-
rios), com suas condições de produção (os sujeitos e a situação),
com o que chamamos sua exterioridade constitutiva (o interdis-
curso: 113 a memória do dizer). (...)

ORLANDI, Eni Puccinelli. Texto e Discurso. Disponí-


vel em: <http://www.seer.ufrgs.br/organon/article/down-
load/29365/18055> . Acesso em: 28 maio 2015.

A filosofia da linguística e a crise no


paradigma científico: contribuições
Saussurianas e Bakhtianas

(...)

Contudo, em meio à história e à língua, o único ser que vive em


diálogo com ambas é o ser humano. Aristóteles foi mais além,
dizendo: “Único entre todos os animais, o homem possui a palavra”
(Aristóteles, Livro I da Política).

Mesmo que a invenção do alfabeto tenha sido e continue sendo


uma das maiores criações da humanidade, não é o alfabeto que
simplesmente coloca o homem como único; mas sim a posse da
palavra (interativa, ideológica, valorativa e sígnica), pois antes
da normatização do registro o homem já se manifestava de
maneira ímpar no mundo (já havia, antes do alfabeto ou mesmo
da escrita, variadas manifestações de língua, distintivos grupos
sociais e disputas ideológicas pelo valor dos signos).

Entretanto, não se nega que a invenção da escrita surgiu


para afirmar a posição de destaque do Homo sapiens na escala
evolutiva dentre os seres vivos. Podendo o ser humano, então,
ver-se capaz de produzir história, registrar memórias, construir
heranças, erguer sociedades heterogêneas em regiões (a)diver-

– 88 –
O Dircurso

sas com apenas uma centelha tribo luminescente: o signo. No


topo da escala evolutiva e com os textos em mãos, o homem
segue criando as duas irmãs gêmeas - história e língua - muitas
vezes confundidas, porém sempre distintas e complementares.

O que o homem faz com a língua e com a história é o que o


diferencia. É o que o torna animal sócio-político-histórico, ou
seja, ideológico. O homem encarado como biofísico concretiza o
existir, porém o que o faz dessemelhante é o cogito cartesiano (o
duvidar), é a dialogia do psicossocial.

OLIVEIRA, Fabrício César. A filosofia da linguística e a crise


no paradigma científico: contribuições Saussurianas e Bakhtia-
nas. Disponível em: <http://www.letras.ufscar.br/linguasagem/
saussure/004.php>. Acesso em 21 maio 2015

– 89 –
8
Divisões da Linguística

a coisa não está nem na partida e nem na chegada, mas


na travessia.
(Guimarães Rosa)

Como nos propusemos a apresentar um livro com os conte-


údos relativos aos Estudos Linguísticos e Variação, não podemos
nos abster de apresentar, neste livro, as áreas mais comuns do
estudo da linguagem.
Veremos algumas delas, a saber: fonética; fonologia; morfo-
logia; sintaxe; semântica e pragmática.
Queremos salientar que tais estudos aqui apresentados serão
apenas recortes dessas “divisões” da linguística, uma vez que
muitos deles serão estudadas com profundidade em outros perío-
dos do seu percurso acadêmico.
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

8.1 Fonética e Fonologia


Se existe alguma coisa com o qual todos os linguistas concordam,
é que há uma diferença entre a representação fonológica e a repre-
sentação fonética de um mesmo enunciado.
(JOSÉ BORGES NETO, 2004)

Conforme Silva ( 2011 ), “No início do século XX, Trubetzkoy (1949)


propôs a instituição de duas ciências dos sons da linguagem, sendo uma
voltada ao ato de fala (Foné-
tica) e outra, à língua (Fonolo-
gia), cada qual com objetivos
diferentes de trabalho”.
Distinguindo-a de forma
genérica, Fonética é uma espe-
cialidade descritiva, pois faz a
descrição do som real profe-
rido pelo falante (som da fala),
em especial as particularida-
des de pronúncia.
Já a Fonologia interpreta Fonte: Shutterstock.com/ jesadaphorn
os resultados proporcionados pela transcrição Fonética, ocupando-se do
som ideal, abstrato, acima das diferenças individuais de pronúncia. Enfim,
a Fonologia estuda o som que tem determinada função na língua. Sendo
interpretativa, essa ciência sempre pressupõe o trabalho do foneticista.
Silva (2011) ainda afirma que a Fonética relaciona-se com a fala por
descrever as particularidades dela e a Fonologia relaciona-se com a língua
por descrever um sistema compartilhado por todos (a organização siste-
mática global dos sons da língua).
Conclui asseverando que Fonética e Fonologia correspondem, res-
pectivamente, à dicotomia fala e língua. Nos termos de Hjelmslev (1975),
Fonética equivaleria à substância do plano de expressão; Fonologia, à
forma do plano de expressão.
A Fonética ocupa-se da parte significativa do signo e, portanto, estuda
todos os sons possíveis de serem produzidos pelo aparelho fonador humano.

– 92 –
Divisões da Linguística

Os estudos fonéticos fornecem o material indispensável para a descri-


ção fonológica.
Sendo a fala um circuito que supõe sempre um falante e um ouvinte,
a fonética pode ser encarada do ponto e vista da produção ou articulação
dos sons ( fonética articulatória) e do ponto de vista da percepção dos sons
(fonética acústica). Tanto uma como a outra pode ser geral ou especial. A
primeira ocupa-se das possibilidades articulatórias do aparelho fonador
humano e/ou da possibilidade física e da percepção dos sons; a segunda
preocupa-se com a descrição fonética de línguas particulares.
De acordo (Silva, 1999, p. 17) a Fonética se divide em três áreas:
a) Fonética articulatória: a maneira como os sons são produzidos, ou
seja, os movimentos do aparelho fonador na produção dos sons;
b) Fonética acústica: a maneira como o som é transmitido, isto é, as pro-
priedades físicas (acústicas) dos sons que se propagam através do ar;
c) Fonética auditiva: como eles são percebidos pelo ouvido.

A Fonética, então, tem como foco de interesse a produção, a trans-


missão e a percepção dos sons. A fala é produzida durante a expiração do
ar, embora existam também sons produzidos durante a inspiração.
Cagliari (1981, p. 12) nos apresenta processos envolvidos na produ-
ção do som:
a) aerodinâmico: sistema respiratório, com os sons ejectivos,
quando a corrente de ar é egressiva, e os implosivos, quando
há inspiração do ar;
b) neurolinguístico: codificação da língua ainda na mente, como
preparação ao que será pronunciado;
c) fonatório: modo como o ar é “excitado acusticamente” ao pas-
sar pela cavidade glotal;
d) articulatório: o movimento da língua na cavidade oral;
e) acústico: estuda a propagação do som;
f) auditivo: como se dá a percepção no ouvido.

Todos esses processos, interdependentes, são indispensáveis à fala.


Destaca-se, contudo o processo aerodinâmico, pois a corrente de ar é o
principal elemento formador da fala humana.

– 93 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

Deve-se deixar claro que o que conhecemos, ou o que ouvimos falar


sobre “aparelho fonador”, responsável pela produção da fala, é na verdade
um conjunto anatômico que combinados têm a finalidade de produzir o
som. E a fala é, normalmente, o resultado dessa produção.
De acordo com Cagliari (1981, p. 9), esse conjunto anatômico é for-
mado por:
a) parte respiratória: estrutura do processo de respiração, como
pulmões, brônquios, traqueia, etc.;
b) parte fonatória: a laringe e cordas vocais;
c) parte articulatória: cavidades supraglotais (elementos situados
acima da glote, como língua, cavidades bucais e nasofaringal,
lábios, velo, etc.).

Saiba mais

Transcrição fonética

Pronúncia é a maneira como um som é falado. A tarefa da transcrição


fonética é registrar de forma exata as particularidades de uma determi-
nada pronúncia. Na transcrição fonética, os segmentos aparecem den-
tro de colchetes, fazendo uso do apóstrofo para mostrar o acento tônico
da pronúncia. Ex.: eslavo [iz’lavu].

A única forma de representar a pronúncia sui generis de cada falante

– 94 –
Divisões da Linguística

foi dada pelos símbolos do IPA (InternationalPhoneticsAssociation).


Com as iniciativas de Paul Passy, professor de inglês na França, e seu
discípulo inglês Daniel Jones, o IPA foi criado, no final do século XIX,
com base no princípio acrofônico. Nele, o som (S1) é representado por
um símbolo (S2), e o símbolo é representado por um som:

S¹ (possibilidades articulatórias do homem) ↔ S2 (marcas e diacríticos)

Com a instituição do IPA, foi possível representar com exatidão a pronúncia


de qualquer língua, com todas as possibilidades articulatórias do homem.

A Fonética, por tratar de fenômenos físicos, tem como unidade o fone ou


segmento de fala (realização concreta do fonema). Mas, embora se fale em
fone, ele não é a unidade mínima da Fonética (...) sua unidade mínima são
os traços distintivos (sonoridade, modo e ponto de articulação).

SILVA, Fernando Moreno da. PROCESSOS FONOLÓGICOS SEGMEN-


TAIS NA LÍNGUA PORTUGUESA.

In: Littera On-Line, Número 04 - 2011 Departamento de Letras, UFM.

8.2 Morfologia e Sintaxe


Figura 3: Comunicação
Tradicionalmente Morfologia
e a Sintaxe são respectivamente os
domínios da palavra e da frase.
Antes de iniciarmos o estudo
de cada uma dessas áreas propria-
mente ditas, cabe-nos destacar o que
entendemos por frase e palavra.
Consideramos frase todo
enunciado linguístico em que se
transmite uma ideia. Ela pode ser
composta de uma palavra ou várias,
mas essas precisam constituir um
enunciado de sentido completo. Fonte: Shutterstock.com/Rawpixel

– 95 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

A frase se define pelo propósito de comunicação, e não pela sua


extensão. O conceito de frase, portanto, abrange desde estruturas linguís-
ticas muito simples até enunciados bastante complexos.
Em relação à palavra, Margarida Basílio (2009) apresenta que a pala-
vra, entendida como uma unidade lexical, é uma sequência fônica e se
associa de modo relativamente estável a:
a) um significado ou conjunto de significados;
b) um conjunto de propriedades sintáticas;
c) um conjunto de propriedades morfológicas; e
d) um conjunto de determinações de uso.
Complementa afirmando que na Gramática Tradicional o conceito
de palavra não é colocado em questão, o que é natural, pois no modelo
clássico de descrição gramatical, posteriormente denominado Palavra e
Paradigma, a palavra é a unidade mínima de análise linguística.
Figura 4: O uso das palavras

Fonte: Shutterstock.com/SuriyaPhoto

A definição de palavra, segundo Bloomfield (1970, é a de que pala-


vra é a forma livre mínima: uma forma que pode ocorrer isoladamente,
por si só constituindo um enunciado, e não podendo ser totalmente subdi-
vidida em formas livres.

– 96 –
Divisões da Linguística

8.2.1 Morfologia
Afirmamos no início desse subcapítulo que a palavra está sob o domí-
nio da Morfologia.
Etimologicamente, a palavra morfologia vem do grego, morfhê,
‘forma’; e logos, ‘estudo’, ‘tratado’. Ou seja, na origem, morfologia é o
estudo da forma e, no caso da linguística, a forma das palavras.
E por tratar de formas, ocupa-se das condições de estruturação da parte
significativa dos signos e das regras que determinam variações de significan-
tes. Segundo Borba (2007), esse enfoque parece muito genérico, mas é uma
maneira de enfatizar o caráter fônico da morfologia. Assim, da combinatória
fônica é que resultam os padrões morfológicos: os fonemas se combinam
em sílabas para formar os morfemas, que são unidades de primeiro nível.
Se se admite que as unidades básicas da morfologia –os morfemas-
são aquelas formas significativas mínimas que só têm estatuto linguístico
quando combinadas com outras, então se pode afirmar que o campo de
ação da morfologia é o estudo das formas presas procurando determinar
como elas estruturam unidades maiores e como aí atuam.
Nesse sentido, a importância dos estudos morfológicos varia con-
forme o tipo de estrutura linguística que está descrevendo.
Compete-nos destacar que, em linguística, Morfologia é o estudo da
estrutura, da formação e da classificação das palavras. A particularidade
da morfologia é estudar as palavras olhando para elas isoladamente e
não dentro da sua participação na frase ou período. A morfologia está
agrupada em dez classes, denominadas classes de palavras ou classes
gramaticais. São elas: Substantivo, Artigo, Adjetivo, Numeral, Pronome,
Verbo, Advérbio, Preposição, Conjunção e Interjeição.
A seguir apresentamos um pequeno trecho de uma entrevista que Mar-
garida Basilio, professora e doutora em Linguística, realizou no ano de
2009, em que formalizou algumas de suas concepções sobre a morfologia:

(...) Tradicionalmente se define a Morfologia como a parte da


gramática que estuda a palavra do ponto de vista da forma.

– 97 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

Entretanto, é necessário especificar os termos centrais palavra


e forma, ambos altamente indeterminados, além de comuns à
linguagem técnica e à linguagem cotidiana e cambiantes, em
diferentes visões do fenômeno linguístico.

Se considerarmos, por exemplo, a gramática clássica, a morfolo-


gia se concentra na flexão; o objeto de estudo seria o paradigma
ou esquema de variações de forma da palavra na expressão de
categorias gramaticais.

No século XIX, a palavra deixa de ser a unidade mínima de aná-


lise linguística; a comparação de elementos gramaticais como
suporte a hipóteses de relação genética entre línguas favorece
a adoção de um modelo de descrição que reconhece formativos
como raiz e desinência.

O estruturalismo herda esta situação de desmembramento da


palavra, sendo, portanto, natural o estabelecimento do mor-
fema como unidade básica da morfologia. O objeto de estudo
da morfologia no estruturalismo é, portanto, o morfema, e seus
padrões de combinação, no modelo IA.

Em consequência, a palavra passa a ser menos relevante, ou


mesmo questionável como unidade estrutural, ainda que
Bloomfield proponha uma definição de palavra de crucial rele-
vância na metodologia de análise descritiva.

Saussure problematiza o escopo da Morfologia de um outro


ângulo, ao condenar a não inclusão da lexicologia no âmbito
da gramática, juntamente com a morfologia flexional; por outro
lado, considerando como do âmbito da morfologia a determina-
ção de classes de palavras e formas de flexão, duvida que esta
possa constituir uma disciplina distinta da sintaxe. Saussure
explicita, ainda, os aspectos concretos e abstratos da palavra, e
ressalta as dificuldades de delimitação.

Uma maior reviravolta no tema surge no gerativismo: nada mais radi-


cal do que a total eliminação da morfologia e, portanto, do seu objeto
de estudo enquanto tal, nos primeiros momentos do gerativismo.

– 98 –
Divisões da Linguística

Mas, mesmo quando instaurada a possibilidade de um compo-


nente morfológico na versão original da Hipótese Lexicalista,
ainda assim o objeto de estudo da morfologia na Teoria Gerativa
apresentará uma diferença fundamental em relação a abordagens
anteriores, na medida em que este objeto se desloca da forma
externa para o conhecimento interno, correspondente à capacidade
de identificação de formas lexicais estruturalmente legítimas.

O objeto de estudo da Morfologia no gerativismo não é a


forma concreta das palavras, mas a representação do conhe-
cimento lexical, através de regras que, numa primeira fase,
representam relações lexicais e, posteriormente, determinam
objetos morfológicos.

Mais recentemente, no enfoque da Morfologia Distribuída, a


morfologia volta a ser dominada pela sintaxe. O morfema pode
ser considerado novamente a unidade básica, mas a relevância
maior é atribuída ao feixe de traços formais nos quais a inserção
de traços fonológicos pode ser tardia.

Assim, temos um retorno à situação do estruturalismo e das


primeiras fases do gerativismo, em que a palavra se torna ques-
tionável como unidade básica da morfologia.Talvez possamos
dizer, então, que o objeto de estudo da morfologia oscila entre
duas possibilidades:

1. a palavra: na gramática clássica, e, portanto, na tra-


dição gramatical, a morfologia estuda a palavra e seu
paradigma de variações de forma, na expressão de cate-
gorias flexionais; no gerativismo lexicalista, o objeto da
morfologia é a palavra enquanto item lexical estrutu-
rado por padrões ou produto de regras de formação de
objetos morfológicos.

2. os elementos constituintes da palavra: no método com-


parativo, estes constituintes (raízes, desinências) são
concretos; no estruturalismo, estes elementos (os mor-
femas) são sobretudo concretos, mas também abstratos,

– 99 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

como meios de expressão de propriedades gramaticais;


na Morfologia Distribuída, os morfemas são fundamen-
talmente abstratos, consistindo sobretudo em feixes de
traços formais.(...)

BASÍLIO, Margarida M. P. Morfologia: uma entrevista com


Margarida Basílio. ReVEL. Vol. 7, n. 12, março de 2009. ISSN
1678-8931 [www.revel.inf.br].

8.2.2 Sintaxe
Enquanto a palavra está sob o domínio da Morfologia, compete à
Sintaxe o domínio da frase.
A Sintaxe trata das relações que as unidades contraem no inte-
rior do enunciado. Seu ponto de partida é, então, a combinatória de
formas livres, que segue dois princípios fundamentais: a sucessão e
a linearidade, ou seja, as unidades se sucedem umas após as outras
numa linha temporal.
Podemos então, afirmar agora que a sintaxe constitui a teoria geral da
frase: é parte da gramática que trata da disposição das palavras na frase
e constitui tópico crucial nos processos da alfabetização e do letramento,
desde que respeitados os objetivos de suas diversas perspectivas.
Apresentaremos agora algumas ponderações em relação à sintaxe,
todas relacionadas com o modelo teórico em que ela é estudada.
Comecemos com a Sintaxe Tradicional. Segundo Nicola (2010) esta
fornece a amostra do uso adequado da “norma culta” (daí seu caráter nor-
mativo) e idealiza a frase como uma sequência de palavras, autônoma de
sentido. Com foco na frase, identifica as relações entre as palavras e as
funções exercidas por elas.
Já a Sintaxe Gerativa apresenta-se como autônoma, e sua deno-
minação se confunde com a do modelo ( Teoria Gerativa, Gramática

– 100 –
Divisões da Linguística

Gerativa), posto que concebe a língua como conhecimento erigido a


partir da faculdade da linguagem (propriedade da mente humana) e,
portanto, uma atividade mental; nesse modelo, a sintaxe, componente
central, agrupa os mecanismos gramaticais subjacentes ao mencionado
conhecimento (competência linguística), que o falante ativa ao reco-
nhecer, construir e interpretar as frases da língua (desempenho linguís-
tico); explicitar tais mecanismos é a preocupação da Sintaxe, que adota
como objeto a competência e, também, trata da frase sob um abordagem
que se priva da preocupação com a contextualização social da produção
das estruturas linguísticas.
A Sintaxe Funcional é disciplina independente, que idealiza a língua
como instrumento de interação social, tendo como componentes centrais
o discurso e a semântica; essa sintaxe analisa as estruturas linguísticas e
suas co-relações, mas focando de que forma a língua representa as catego-
rias sociais e cognitivas em sua estrutura gramatical; a Sintaxe Funcional
procura também identificar os processos subjacentes às estruturas grama-
ticais assumindo como objeto a competência comunicativa, ou seja, enfo-
cando os usos linguísticos, compreendidos como produção, socialmente
contextualizada, das estruturas linguísticas.
Por último, mas não menos importante, Nicolau (2010) apresenta
ainda a Sintaxe Estrutural, que se originou com os estudos de Saussure, e
tem como princípio a concepção de língua como “uma estrutura composta
de diferentes hierarquias”, focalizando a frase na busca de suas unidades
(sintagmas), que se relacionam entre si (relações sintagmáticas) e hierar-
quicamente organizadas. Os adeptos da Sintaxe Estrutural assumem que
seu modelo de sintaxe trata da língua sem se preocupar com a situação
social em que as estruturas linguísticas são produzidas.
A seguir apresentamos um trecho do artigo Tópicos Linguísticos:
Sintaxe em Libras, de Magno Pinheiro de Almeida e Miguél Eugenio
Almeida, escrito em 2013. Recomendamos que vocês o leiam inteiro,
principalmente quem deseja conhecer um pouco mais em relação à sin-
taxe de Libras:

– 101 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

Tópicos Linguísticos: sintaxe na


Libras

Figura 3: Pessoas surdas conversando por meio da linguagem


de sinais

Fonte: Shutterstock.com/ Vladimir Mucibabic

Sintaxe: conceito geral

Conforme com o Dicionário Michaelis (1998), a palavra sintaxe (x


soa com ss), do grego syntaxis(prefixo grego syn(que corresponde
ao nosso prefixo com e indica simultaneidade, junção) + o substan-
tivo táxys(ordem, ordenação)), é a parte da gramática que ensina a
dispor as palavras para formar as orações, as orações para formar
os períodos e parágrafos, e estes para formar o discurso.

A sintaxe é a parte da gramática que se preocupa com os padrões


estruturais, com as relações recíprocas dos termos nas frases e
das frases entre si, enfim, de todas as relações que ocorrerem
entre as unidades linguísticas no eixo sintagmático (aquela
linha horizontal imaginária). (SATUTCHUK, 2004, p. 35).

Então, as frases não são apenas um amontoado de palavras sem


nexo, e sim, um conjunto articulado de frases que se relacionam

– 102 –
Divisões da Linguística

e se organizam numa sequência lógica para se tornarem coesas


e compreensíveis. Mas na libras, como funcionam? Pensando
nisso, focaremos a estrutura da frase e o uso de marcadores não
manuais (expressões faciais, movimentos dos olhos, corpo) que
são a chave importante para a construção de sentido nas frases
em libras.

Quadros e Karnopp (2004) pontuam que a comunicação


humana pode ocorrer de diversas maneiras, sem que recorra-
mos à linguagem verbal (falada ou sinalizada). Entretanto, são
as leis sintáticas que elegem certas construções em uma deter-
minada língua a serem aceitas ou não.

As leis sintáticas de uma língua funcionam como uma espécie de


guardião da inteligibilidade da superfície linguística de um texto,
pois são o elemento gerador e disciplinador das unidades linguís-
ticas que compõem as frases desse texto. É a sintaxe, sem dúvida,
o princípio construtivo e mantenedor da identidade da língua e,
como tal, tem sua importância alçada a de assegurar a própria
capacidade comunicativa dos textos. (SAUTCHUK, p. 36)

(...)

Revista Philologus, Ano 19, N° 55. Rio de Janeiro: CiFEFiL,


jan./abr. 2013 – Suplemento.

8.3 Semântica e Pragmática


Borba (2007) assevera que, ao entender, de um modo bem amplo, a
significação ou sentido como possibilidade de interpretação, facilmente
se perceberá que toda atividade social é produtora de significações uma
vez que a todo momento estamos sendo chamados a interpretar (entender,
avaliar, reagir) as mais diversas situações da vida comunitária.
A significação é veiculada por signos e, portanto, a vida social está
impregnada deles. Sabendo-se que os signos só são significativos porque
fazem parte de conjuntos organizados, então a atividade social produz sis-

– 103 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

temas de signos para veicular os sistemas de significações em geral, e bem


assim, os sistemas de signos.
Vimos, no capítulo 3 deste livro, que o signo linguístico pode ser
definido pela união de um conceito e uma imagem gráfica/acústica. E
da união entre significante e significado temos o signo linguístico. Desta
feita, qualquer palavra, em qualquer língua, que possua um sentido, é um
signo linguístico.
Araujo (2007) assevera que:
Semântica e Pragmática são diferentes domínios da linguís-
tica, o que não implica defender que uma ou outra basta para
dar conta da linguagem. Elas podem e devem ser analisadas em
seus próprios termos, suas funções são distintas. Significação,
sinonímia, inteligibilidade de uma frase de um lado, e contexto
de uso, recursos do discurso de outro, são particularidades, res-
pectivamente, de cada um dos níveis. Porém no uso linguístico,
esses níveis caminham juntos, por vezes se imbricam; a compre-
ensão do dito (semântica) e a leitura do que é dito (pragmática)
a alguém, através de um ato de fala, são duas faces da mesma
moeda, são complementares e imprescindíveis para a significa-
ção e para a comunicação linguística.

Em relação a essas duas áreas da Linguística, a Semântica e Prag-


mática, que são próximas, mas ao mesmo tempo apresentam-se tão
diferenciadas, cabe-nos destacar que a linguagem é instituída por
aspectos semânticos e pragmáticos, os quais se imbricam e dependem
um do outro.

Saiba mais

As dimensões de estudo da linguagem são três: sintática, semântica e


pragmática. A sintática diz respeito às relações formais entre os sig-
nos, independentemente de seus significados. Dizer “um círculo ren-
donda” é cometer um erro sintático, porque, independentemente de
que “redondo” seja ou não um qualificativo apropriado para “círculo”,
o fato de este vir no masculino deveria implicar que aquele também
viesse. A semântica diz respeito às relações entre os signos e seus sig-
nificados. Dizer “um círculo quadrado” é cometer um erro semântico,
porque, embora, sintaticamente, o qualificativo esteja agora no gênero

– 104 –
Divisões da Linguística

correto, semanticamente “quadrado” não é apropriado para “círculo”.


A pragmática diz respeito às relações entre os signos e seus usuários,
os falantes. Responder “É verdade” para quem disse “A porta ficou
aberta” é cometer um erro pragmático, porque, naquele contexto, a
frase não era uma declaração do que havia acontecido à porta, e sim
um pedido para fechá-la, cuja resposta apropriada seria a ação corres-
pondente. Assim, pragmática é a dimensão do estudo da linguagem
que se ocupa das relações entre os signos e seus usuários em contexto
concretos de uso.

André Coelho (2010) Disponível em http://aquitemfilosofiasim.blogs-


pot.com.br/2010/01/o-que-e-pragmatica-linguistica.html. Acesso em:
21 maio 2015.

8.3.1 Semântica
Podemos conceituar Semântica como a ciência que estuda o signifi-
cado de uma língua a partir de seu uso, em outras palavras, o modo como
podemos relacionar significante e significado.
Segundo Pires (2011), “a Semântica estuda o que é que sabemos que
nos permite interpretar qualquer sentença (ou discurso) da nossa língua.”
De uma forma bem simplificada, asseveramos que a Semântica pro-
cura descrever o significado das palavras e das sentenças; estuda e esmiúça
o sentido no e do linguístico.
Borges, Pires e Muller (2012) certificam, em relação à semântica:
A semântica das línguas naturais é um empreendimento cientí-
fico, um projeto coletivo que visa entender o fato de que nós,
humanos, temos a capacidade de interpretar qualquer sentença
da nossa língua, que adota uma metalinguagem lógico-mate-
mática. Se as línguas humanas são efetivamente semelhantes às
linguagens lógicas é um ponto de divergentes opiniões. Noam
Chomsky (1955, 1980, 1982, 1990), por exemplo, já manifestou
seu ceticismo várias vezes.

Exibiremos a seguir parte de um artigo que se propõe a apresentar


Teorias Semânticas. Foi escrito por Nauria Inês Fontana em 2004.

– 105 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

A autora principia seu artigo explicando que pretende apresentar uma


visão de teorias semânticas a partir da exclusão de Saussure da noção
de referente, do mundo do sujeito e da história. Segundo Fontana, Saus-
sure trata a linguagem como um percurso só interno, para ele a linguagem
expressa o pensamento e por isso a linguística devia limitar-se ao estudo
da língua em si mesma e por si mesma e excluir os outros componentes
da comunicação que não o próprio código. Ela se propõe, então, expor
outras teorias semânticas que buscam repor tudo o que Saussure excluiu
no estudo da linguagem.
É mais um artigo que valerá ler na íntegra:

Lógica Formal

Frege

O sentido de uma frase é algo que se modifica, quando partes


dela são substituídas por outras com outro sentido, mas com
a mesma referência, em que a referência é considerada como
sendo a circunstânciada frase ser verdadeira ou falsa.

O valor de verdade de uma frase é que é sua referência, pois


passamos do plano do sentido para o plano do que é objetivo.O
significado de uma sentença pode ser estabelecido através da
análise de seus elementos constituintes, da contribuição do sen-
tido e da referência das partes ao todo da sentença.

Analisa-se a estrutura e seus elementos constitutivos, isto é, o


nome e o predicado, o sentido e a referência.O sentido de um
enunciado linguístico é o que ele representa do mundo, dos
objetos, de um estado de coisas

Análise Conversacional

Grice

Grice pensou os sentidos diferente do que os lógicos e usou as


máximas conversacionais – relevância, quantidade, qualidade
e modo- , para colocar o sentido como intenção do sujeito.

– 106 –
Divisões da Linguística

Segundo o autor, o bom funcionamento da comunicação exige


que seja respeitado um princípio de cooperação, assim, em regra
geral, os participantes de uma troca verbal reconhecem um objetivo
comum, ou um conjunto de objetivos, ou pelo menos uma direção
aceita por todos. Uma formulação qualquer constrói a simulação de
um raciocínio do ouvinte a partir do enunciado dito pelo locutor.
Em Grice reaparece o mundo das coisas como existente que dá à
linguagem o que ela significa e procura repor a questão do sujeito.

Atos de Fala

Austin

O ponto central da concepção de Austin e sua principal contribuição


é a ideia de que a linguagem deve ser tratada essencialmente como
uma forma de ação e não de representação da realidade. O signi-
ficado de uma sentença deve ser estabelecido pelas condições de
uso da sentença que determinam seu significado, em uma teoria da
ação.Analisam-se as condições sob as quais o uso de determinadas
expressões linguísticas produzem certos efeitos e consequências em
uma dada situação. Divide a enunciação em três atividades:

locucional – dividida em três atos – produzir sons – vocábulos


empregá-los num sentido determinado;

perlocucional – a fala implica a produção de algum efeito;

ilocucional – fazer algo quando se diz algo.

Deste modo, Austin revê a oposição constativo/performativo,


em que a relação dos performativos com os fatos não é tão obje-
tiva quanto a relação dos constativos com os mesmos, diluindo
essa dicotomia na teoria dos atos de fala, em que usar a língua é
sempre um ato, é sempre fazer algo com palavras.

Searle

Vê como equivalentes a realização dos atos de linguagem e a


significação das frases usadas para realizar tais atos. Segundo
ele, há três tipos de atos de linguagem:

– 107 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

a) enunciar palavras – ato de dizer ou ato de enunciação;

b) referir e predicar – atos de referência e de predicação ou


atos proposicionais;

c) afirmar, perguntar, prometer, etc. – atos ilocucionais que


engajam o locutor com relação ao que diz na frase.

Searle considera a linguagem como uma forma de comporta-


mento regida por regras. Falar é comportar-se de um certo modo.

Teoria da Enunciação

Busca romper a barreira do fechamento do sistema pelo estudo


da significação, de modo geral, e mais particularmente, pelo
estudo da subjetividade na língua. Conceitua a enunciação
como uma relação do locutor com a língua, que se apropria dela
colocando-a em funcionamento. Trata-sede um sujeito capaz
de apropriar-se dela e fazê-la significar. Para Benveniste, enun-
ciado é o segmento linguístico realizado, o produto do ato de
fala e enunciação é o processo, a atividade que propiciou a rea-
lização do enunciado.

Ducrot

Nele um argumento não é uma prova para algo, mas uma razão
que é dada ao interlocutor para aceitar uma conclusão. A lin-
guagem nos remete a uma construção que a linguagem faz das
coisas do mundo. (...)

Nauria Inês Fontana. Soletras, Ano IV, N° 07. São Gonçalo: 142
UERJ, jan./jun.2004.

Saiba mais

John Langshaw Austin (1911-1960) britânico, filósofo da linguagem que


desenvolveu grande parte da atual teoria dos atos de discurso.

Herbert Paul Grice (1913- 1988) filósofo britânico esttudioso da linguagem.

– 108 –
Divisões da Linguística

Friedrich Ludwig Gottlob Frege (1848 - 1925) foi um matemático e filó-


sofo alemão. Frege contribuiu para a criação de um sistema de repre-
sentação simbólica para representar formalmente a estrutura dos enun-
ciados lógicos e suas relações.

John Rogers Searle (1932) é um filósofo americano, estudioso da filoso-


fia da linguagem, filosofia da mente e filosofia social.

Oswald Ducrot (1930) é um linguista francês, autor de diversos estudos


sobre enunciação e desenvolveu uma teoria da argumentação na lin-
guagem com Jean-Claude Anscombre..

8.3.2 Pragmática
A Pragmática é um dos ramos da linguística que busca a análise do uso
concreto da linguagem, em um contexto, pelos falantes de uma língua qualquer.
Dessa forma, não se limita à significação dada às palavras aos mol-
des da sintaxe e da semântica, pois observa o contexto linguístico em que
essas palavras estão inseridas, porquanto parte da observação dos atos de
fala e suas implicações culturais e sociais.
Ao se estudar a Pragmática, deve-se levar em conta que essa ciência tem
por base que o sentido de tudo está na utilidade, no efeito prático que os atos
de fala podem originar. Assim, o que realmente implica é a comunicação e o
funcionamento da linguagem entre os usuários da língua, concentrando-se nas
ações de interferência pelos quais compreendemos o que está implícito.
Finalizamos esse capítulo com um trecho do artigo Desfazendo
Mitos Sobre a Pragmática, de Danilo Marcondes.

Dentre as principais correntes do pensamento contemporâneo,


a pragmática, ou o pragmatismo tem sido por um lado uma das
mais influentes, por outro um alvo de ataque privilegiado por
diversos opositores,o que certamente também é um índice de
sua importância e de seu interesse.

– 109 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

Com frequência os termos “pragmática” e “pragmatismo” têm


sido usados de forma equivalente, tal como acima, o que não cor-
responde contudo nem à sua origem, nem às correntes de pensa-
mento que caracterizam. É preciso distinguir portanto, ao menos
preliminarmente e em linhas gerais, a pragmática enquanto um
campo de estudos da linguagem e o pragmatismo enquanto cor-
rente filosófica, ainda que uma filosofia da linguagem na linha da
pragmática e o pragmatismo se aproximem em muitos aspectos
sem contudo se confundirem. Em um sentido amplo, “pragma-
tismo” ou “filosofia pragmática” referem-se a concepções de filo-
sofia que defendem não só uma distinção entre teoria e prática,
mas sobretudo o primado da razão prática em relação à razão
teórica, incluindo desde Kant, cuja última obra de 1804 intitulou-
-se precisamente Antropologia de um ponto de vista pragmático,
até algumas correntes da filosofia contemporânea.

O termo “pragmática” é derivado do grego pragma, signifi-


cando coisa, objeto, principalmente no sentido de algo feito ou
produzido, sendo que o verbo pracein, significa precisamente
agir, fazer. Os romanos traduziram pragma pelo latim res, o
termo genérico para coisa, perdendo talvez com isso a conota-
ção do fazer ou agir presente no grego.

Enquanto corrente filosófica o pragmatismo originou-se no


final do século XIX e desenvolveu-se sobretudo ao longo do
século XX, principalmente nos Estados Unidos.

(...) Peirce destacou-se por sua obra, de grande originalidade e com-


plexidade, nos campos da semiótica, da teoria do conhecimento e da
filosofia da ciência. Seu pragmatismo caracteriza-se pela concepção
de signo que desenvolve em sua semiótica, valorizando as várias
funções do signo e as várias formas de constituição do significado,
mas também pela definição de verdade que defende em sua con-
cepção de ciência, segundo a qual as teorias científicas são conjuntos
de hipóteses cuja validade só pode ser determinada levando-se em
conta sua eficácia e seu sucesso, ou seja, seus resultados, efeitos e
consequências, portanto, a prática científica propriamente dita.

(...) Na linguística, a pragmática se caracteriza pelo estudo da

– 110 –
Divisões da Linguística

linguagem em uso, ou, segundo a definição de Charles Morris


(1938), o primeiro a usar esse termo contemporaneamente, o
estudo da “relação dos signos com seus intérpretes”. Rudolf
Carnap (1938), o lógico e filósofo da ciência de origem alemã
com quem Morris trabalhou em Chicago, por sua vez definiu a
pragmática como o estudo da linguagem em relação aos seus
falantes, ou usuários. Tanto a definição de Morris, quanto a
de Carnap, fazem parte da já consagrada distinção geral do
campo de estudos da linguagem entre pragmática, que con-
sidera a linguagem em seu uso concreto, semântica, que exa-
mina os signos linguísticos em sua relação com os objetos que
designam ou a que se referem, e sintaxe, que analisa a relação
dos signos entre si. Mais recentemente, o termo “pragmática”
passou a englobar todos os estudos da linguagem relaciona-
dosa seu uso na comunicação. Uma outra concepção de prag-
mática se desenvolveu com base em correntes na filosofia da
linguagem e na linguística que valorizam a linguagem comum
e o uso concreto da linguagem como a principal instância de
investigação da linguagem, tratando a semântica e a sintaxe
apenas como construções teóricas. A filosofia da linguagem
ordinária de Gilbert Ryle, a teoria dos atos de fala de Austin, a
concepção de jogos de linguagem de Wittgenstein, e mesmo a
semiótica de Umberto Eco, dentre outras, podem ser incluídas
nessa vertente. Trata-se basicamente de uma visão filosófica
segundo a qual o estudo da linguagem deve ser realizado em
uma perspectiva pragmática, ou seja, enquanto prática social
concreta, examinando portanto a constituição do significado
linguístico a partir da interação entre falante e ouvinte, do con-
texto de uso, dos elementos sócio-culturais pressupostos pelo
uso, e dos objetivos, efeitos e consequências desses usos. A
pragmática não seria assim apenas um segmento dos estudos
da linguagem, -mas o seu campo privilegiado. (...)

ALCEU-v.1-n.1-pg38a46-jul/dez2000.Disponívelem:<http://revista
alceu.com.puc-rio.br/media/alceu_n1_Danilo.pdf>. Acesso em: 21
maio 2015.

– 111 –
9
Sociolinguística

A linguística moderna nasceu da vontade de Saussure de


elaborar um modelo abstrato, a língua, a partir dos atos
de fala. Seu ensinamento, que foi compilado por seus
alunos e publicado após a sua morte, constitui o ponto de
partida do estruturalismo linguístico e, não obstante cer-
tas passagens nas quais se encontra a afirmação de que a
língua “é parte social da linguagem”, ou que “a língua é
uma instituição social”, (...) “ a língua é um sistema que
conhece apenas sua ordem própria” ou que, como afirma
a última frase do texto, “a linguística tem por único e
verdadeiro objeto a língua considerada em si mesma e
por si mesma (...)
Louis-Jean Calvet. Sociolinguística: uma introdução
crítica. São Paulo: Parábola, 2002

Nos capítulos anteriores, estudamos a ciência linguística, seu


objeto de estudo, a língua, linguagem, a comunicação, sincronia
diacronia...todo o conhecimento que apresentamos objetivava
também a preparação para os estudos relativos à Sociolinguística.
A sociolinguística, ou sociologia da linguagem, é uma
disciplina da linguística que estuda os aspectos resultantes da
relação entre a língua e a sociedade.
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

Votre e Cezario (2009) afirmam que a sociolinguística é uma área


que estuda a língua em seu uso real, levando em consideração as relações
entre a estrutura linguística e os aspectos sociais e culturais da produção
linguística. Para essa corrente, a língua é uma instituição social e, por-
tanto, não pode ser estudada como uma estrutura autônoma, independente
de contexto situacional, da cultura e da história das pessoas que a utilizam
como meio de comunicação.

9.1 Visão panorâmica da Sociolinguística


“Somos todos iguais e, ao mesmo tempo, todos diferentes!”

Fonte: AMARAL, Tarsila do. Operários. 1933. Óleo sobre tela, 150 x 205 cm. Palácio
da Boa Vista, SP.

A partir do momento em que se iniciaram os estudos relacionados à


linguagem, procurou-se descobrir não só respostas, mas também modelos
para compreender a relação linguagem e sociedade, uma vez que esses
elementos estão intimamente ligados, pois é indiscutível que o processo
de comunicação é inerente ao ser humano. Foi assim no princípio, inicial-
mente na forma gestual e oral, e mais tarde na forma escrita.
Essas duas modalidades, oral e escrita, compõem normalmente um
sistema linguístico de uma comunidade linguística, que propicia a intera-
ção, a troca de informações.
Barbosa (2008) afirma que Saussure reconhecia a importância de
natureza etnológica, histórica e política, porém seus estudos voltaram-

– 114 –
Sociolinguística

-se essencialmente para o organismo linguístico interno, uma vez que ele
concebia a língua como um produto homogêneo e sua análise partia da
observação do comportamento linguístico de um indivíduo.
As primeiras inquirições acerca de estudos sociolinguísticos nasce-
ram a partir de William Bright (1966) e Fishman (1972), os quais passa-
ram a congregar os aspectos sociais nas descrições linguísticas.
Dando seguimento aos estudos de Bright, Labov preocupa-se em des-
crever a heterogeneidade linguística, pois para ele, todo fato linguístico
relaciona-se a um fato social, e que a língua sofre efeitos de ordem fisio-
lógica e psicológica. Labov tornou-se representante da teoria da variação
linguística. Dessa feita, a Sociolinguística é uma área da linguística que
analisará a língua por meio de fatores externos, os quais distinguirão a
diversidade e a heterogeneidade linguística.
Destacamos, então, que a Sociolinguística é uma das subáreas da lin-
guística e estuda a língua em uso no interior das comunidades de fala,
voltando a atenção para um tipo de investigação que correlaciona aspectos
linguísticos e sociais. Esta ciência se faz presente num espaço multidisci-
plinar, na fronteira entre língua e sociedade, focalizando precipuamente os
empregos linguísticos concretos, em especial os de caráter heterogêneo.
De acordo com Mollica (2003), todas as línguas apresentam um dina-
mismo inerente, o que significa dizer que elas são heterogêneas. Encontram-
se, assim, formas distintas que, em princípio, se equivalem semantica-
mente no nível do vocabulário e no domínio pragmático-discursivo.
A Sociolinguística é a parte da Linguística que tem como foco de
seus estudos a Língua, a Cultura e a Sociedade, imbricadas.
Língua e Sociedade se inter-relacionam e se torna praticamente
impossível se idealizar a existência de uma sem a outra. A interação ocorre
no grupo de fala, que está inserido em uma sociedade qualquer, com suas
peculiaridades e afinidades.
Conforme Pessoa (2002), a Sociolinguística possibilita a investigação
das Atitudes Linguísticas, do Percurso Linguístico de uma determinada
comunidade e o estudo dos Dialetos Sociais em qualquer comunidade
linguística. Nessas perspectivas, a Sociolinguística pesquisa seguimentos

– 115 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

sociais que constroem e caracterizam a realidade e/ou o futuro linguístico


de um povo, ao mesmo tempo em que busca compreender os fatores de
variação e mudança linguística, analisando e divulgando as características
da Linguagem, da Cultura e da Sociedade pesquisada.
Já dissemos que Labov resgatou os elementos externos da língua
e os inter-relacionou com a sociedade, dando origem ao que se entende
por sociolinguística. Para isso, escolheu a variedade linguística como seu
objeto de estudo, a partir de dois pontos de vista: diacrônico e sincrônico.
Do ponto de vista diacrônico, o pesquisador estabelece ao menos
dois momentos decisivos de uma determinada língua, descrevendo-os e
distinguindo as variantes em desuso. Do ponto de vista sincrônico, o pes-
quisador pode abordar seu objeto a partir de três perspectivas: geográfica,
social e estilística.
Sobre a sociolinguística e sua importância no campo de estudos da
variação linguística, destacamos uma parte do artigo A Dimensão Socio-
linguística do Atlas Linguístico do Brasil, de Luciana Genevan da Silva.
Trata-se de um artigo bastante interessante no que concerne às questões
dos falares do Brasil.

A Dimensão Sociolinguística do
Atlas Linguístico do Brasil

(...) Toda discussão sobre a variação e a mudança fonética se


baseia na existência de variáveis na comunidade linguística.
Nem toda variação significa mudança, mas toda e qualquer
mudança só pode vir de uma variação ocorrida ou num deter-
minado espaço ou numa determinada comunidade ou num
determinado tempo. A contribuição fundamental de Janson
(1983) para o estudo desse problema está no fato de haver dis-
tinguido entre o que é produção e percepção dos sons. Uma
vez começado um câmbio fonético qualquer, por exemplo, os
falantes que não usam a nova pronúncia têm, não obstante, que
conversar com os que a usam. Nesse aspecto, esses falantes vão
desenvolver uma regra, segundo a qual o som de X que eles

– 116 –
Sociolinguística

ouvem é igual, isto é, do mesmo valor do seu som Y. Isto posto,


significa, que o mineiro sabe que o som palatalizado do “S” pós
vocálico, final de sílaba, do carioca é igual ao seu som sibilante
na mesma distribuição.

Havendo uma pronúncia inovadora, uma variação, portanto, e


esta consiga algum prestígio, qualquer que seja a razão, pode ser
que o falante comece a usá-la, adotando – a em certas circuns-
tâncias fonéticas ou em muitos itens lexicais. Provavelmente
um adulto não seja capaz de reestruturar completamente seu
próprio sistema básico e a nova pronúncia se produzirá erratica-
mente, como assinalou Labov. Por outro lado, os falantes jovens
não disporão de critérios para saber que som é o “básico” e
poderão apresentar ao pronunciar o som novo com plena regu-
laridade. Nesta etapa, os falantes que somente pronunciem o
som novo terão uma regra de percepção que considera a antiga
pronúncia como equivalente à nova. Por último, desaparecem
os velhos falantes e, com eles, a pronúncia arcaizante.

O Atlas Linguístico do Brasil tem esta dimensão: ao inquirir


nas capitais oito informantes de duas faixas etárias diferentes
e grau de escolaridade que, de um lado argui a pessoa de nível
primário fundamental e, de outro, o individuo de nível supe-
rior, o projeto vai permitir que se observe ou possa estudar o
câmbio da que esteja a ocorrer.

Claro que para tal observação não basta um simples informe:


requer-se a observação de duas etapas e que significa observar
o estado de uma língua. Se supusermos uma língua idealmente
homogênea, basta, então, observar qualquer falante e isso entra-
ria em contradição com a própria investigação. Ao investigar-
mos a mudança, o Projeto ALiB está questionando a homoge-
neidade do projeto.

Se se quer estudar as mudanças linguísticas que estão aconte-


cendo e como estão se espalhando, sejam de baixo para cima
ou de cima para baixo, então, o método mais satisfatório será
investigar uma comunidade e retornar a ela, digamos, vinte anos

– 117 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

depois, levando a cabo uma investigação posterior. É o estudo


linguístico em tempo real.

Lógico que não é prático esperar vinte anos para averiguar o


que está sucedendo neste momento. Um método alternativo e
mais imediato é investigar o câmbio no tempo aparente: sim-
plesmente, investigar uma comunidade concreta, comparando
a fala da gente velha com a da gente jovem e assumindo, diante
dos dados recolhidos que qualquer diferença será o resultado
de uma mudança em curso.

A maioria das teorias linguísticas partiu do pressuposto de que


a variação linguística é imanejável. Como consequência houve a
tendência de se abandonar o estudo da variação. Só nos últimos
trinta anos é que surgiu um movimento importante favorável à
análise da variabilidade, graças ao impulso que lhe foi dado por
Willian Labov. (...)

A Dimensão Sociolinguística do Atlas Linguístico do Brasil, de


Luciana ­Genevan da Silva. Disponível em: <www.ichs.ufop.br/
semanadeletras/viii/arquivos/trab/j8.doc>.Acesso em: 19 maio 2015.

9.2 A sociolinguística: estudando a


variação linguística e suas relações
O real estado da língua é o das águas de um rio, que nunca param
de correr e de se agitar, que sobem e descem conforme o regime
das chuvas, sujeitas a se precipitar por cachoeiras, a se estreitar
entre as montanhas e a se alargar entre as planícies.
(Marcos Bagno)

A sociolinguística é uma ciência que estuda a linguagem em seu con-


texto social. Conforme Alkmin (2004), o termo sociolinguística surgiu nos
Estados Unidos e estabeleceu-se em 1964 com a tradição de estudos dire-
cionados para a questão da relação entre a linguagem e a sociedade. Os
primeiros trabalhos, sob o nome de sociolinguistics, foram publicados em
1966 e tratavam dos fatores que têm relação com a diversidade linguís-

– 118 –
Sociolinguística

tica. Dessa forma, a sociolinguística nasce, de certa forma, assinalada pela


interdisciplinaridade e apresenta como objeto de estudo a língua falada,
observada e descrita em seu contexto social, isto é, em situações reais de
uso. Desse modo, segundo a autora (Alkmin, 2004), “esta ciência linguís-
tica focaliza não apenas pessoas que falam a mesma língua, mas que se
relacionam e que orientam seu comportamento verbal por um conjunto de
regras pré-definidas”.
A variação linguística estabelece-se como fenômeno universal e
implica na existência de formas linguísticas alternativas denominadas
variantes. Compreendemos, então, por variantes, as distintas formas alter-
nativas que configuram um fenômeno variável, tecnicamente chamado de
variável dependente. Mollica (2003) assevera que a concordância entre o
verbo e o sujeito, por exemplo, é uma variável linguística (ou fenômeno
variável), pois se realiza por meio de duas variantes, duas alternativas pos-
síveis e semanticamente equivalentes: a marca de concordância no verbo
ou a ausência da marca de concordância.
Mas temos perfeitamente demarcadas as variações linguísticas para
fins de estudo sistematizados.
As variações sincrônicas, em que o pesquisador pode abordar seu
objeto a partir de três perspectivas, geográfica, social e estilística, se apre-
sentam da seguinte forma: as variações que se dão em contextos comunica-
tivos, ou seja, dependendo da ocasião, local ou interlocutor, são chamadas
de ­DIAFÁSICAS; as variações que ocorrem em decorrência das diferen-
ças regionais, ou seja, variações decorrentes das localizações geográficas,
por vezes até mesmo dialetos, são chamadas de DIATÓPICAS; por último
e não menos importantes, temos as variações ocorridas em razão da con-
vivência em grupos sociais, que são conhecidas como DIASTRÁTICAS.
As variações DIACRÔNICAS são observadas em sucessivas fases
ao longo do tempo.

9.2.1 Variações Diatópicas e Variações Diastráticas


A variação diatópica também é conhecida como variação regional
ou geolinguística. É a variação que ocorre, principalmente, nas diferentes

– 119 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

regiões em que determinada língua é falada. Essas diferenças podem ser


encontradas tanto em relação a países ou mesmo dentro de um mesmo país.
Segundo Freitas (2012), essas diferenças podem ser:
a) em uma mesma língua falada em países diferentes (por exemplo
inglês britânico ou norte-americano, português do Brasil ou de
Portugal, espanhol ibérico ou latino-americano). Essas varia-
ções se notam no plano fonético (pronúncia do ll, por exemplo,
no caso do espanhol; de vogais como e e u entre falantes de
português brasileiros ou portugueses; o chamado sotaque); no
plano lexical (chapa, em português angolano, e perua ou van,
em português do Brasil); e no plano sintático (estou a falar con-
sigo, estou falando com você – Portugal / Brasil).
Figura 1: Família multicultural.

Fonte: Shutterstock.com/ DNF Style


b) nas diferentes regiões de um país que fala uma única língua.
São os casos de regionalismo. O paulista reconhece o r aspi-
rado do carioca, os falantes da região nordeste são reconhe-
cidos pela pronúncia aberta da vogal o, por exemplo (varia-
ções fonéticas). No plano lexical, a variação diatópica se dá
no emprego de diferentes palavras para nomear o mesmo ser:
menino e guri. E no plano sintático, no uso de estruturas como
“não quero” e “quero não”, como se diz na Bahia e parte do
nordeste brasileiro.

Entendemos, então, que a região do falante, o grupo com que divide


a língua determina suas escolhas lexicais e sua pronúncia; a variação lin-
guística individual é balizada pelo grupo em que o falante está inserido.

– 120 –
Sociolinguística

Ao segundo grupo de variações linguísticas, segundo Freitas (2012),


pertencem as variações diastráticas, ligadas à posição social ou status
do falante. São também chamadas variações socioculturais, e estão asso-
ciadas ao falante por influências de idade, sexo, profissão, posição social,
grau de escolaridade. A predominância do fator grau de escolaridade baixo
evidencia-se, por exemplo, no uso de estruturas sintáticas simples, de for-
mas linguísticas estigmatizadas e na falta de concordância.
As variações socioculturais normalmente correspondem à camada
social da qual o indivíduo faz parte. Seu falar, individual e característico,
é subordinado ao seu nível cultural e socioeconômico.
Etimologicamente, a palavra diastrática é assim formada: dia-, prefixo
grego que significa através de, por meio de, por causa de; estrato, radical
latino que significa camada; -ico, sufixo grego, que forma adjetivos.
Eis que nos surge uma grande questão:

Como analisarmos a variação diatópica, na esfera da dialetologia e


da variação diastrática, no
domínio da sociolinguística, sem que defi-
namos seus campos de atuação?


Precisamos, antes de tudo, apresentar algumas considerações. A defi-
nição de Wardhaugh (1992, p.46) nos pareceu promissora:
Enquanto os dialetos regionais são geograficamente baseados, os
dialetos sociais, originados entre os grupos sociais dependem de
uma série de fatores, sendo os principais deles aparentemente per-
tencentes à classe social, a religião e à etinicidade.

Contudo, ao se proceder a análise da variação regional em relação à


variação social, problemas e dúvidas aparecem quanto aos limites de cada
tipo de variação. As primeiras dessas questões se referem a onde termina
uma e onde começa a outra e qual prevalece sobre a outra.
Hudson (1980, p.43) assevera que os dialetólogos falam de dialeto
social ou socioleto para se referir às diferenças que não sejam regionais,
acrescentando que:

– 121 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

Por causa desses fatores, um falante pode mostrar mais similaridades


na sua linguagem com pessoas do mesmo grupo social, numa diferente
área, do que com pessoas de diferentes grupos sociais na mesma área.

Já Chambers e Trudgill (1980) afirmam que não pode haver dialeto


social sem o regional, pois todos os falantes carregam consigo uma grande
carga do meio social em que estão/foram inseridos, mas têm, também,
uma localização regional. Em suas palavras: “Todos os dialetos são ao
mesmo tempo regional e social, uma vez que todos os falantes têm uma
experiência social bem como uma localização regional”.

Falo Eo
fluentemente Inglês, Espanhol, Português?
Francês e Alemão!

Aí varêia...

Em alguns casos, a língua possui duas ou mais formas variantes que


podem ser usadas pelo falante sem grandes alterações na mensagem trans-
mitida. Isto fica evidente na fonologia, onde coexistem variantes como
peixe/pexe (com ou sem ditongo), homem/home (com ou sem nasaliza-
ção), menino/minino ( com vogal alta ou média na primeira sílaba).

9.2.2 Variações Diafásicas


As variações diafásicas são aquelas ligadas às situações de uso
da fala. Estão relacionadas à situação por influência de ambiente, tema,

– 122 –
Sociolinguística

estado emocional, grau de intimidade entre os falantes. Neste caso, o


falante harmoniza seu desempenho linguístico ao ambiente, à situação ou
ao interlocutor.
Também fazem parte da variação diafásica as escolhas lexicais, pois
uma ocasião formal exige do falante uma linguagem mais específica, e
as escolhas realizadas em determinado momento podem ser responsáveis
pela impressão que o falante causa em seu interlocutor.
De acordo com Freitas (2012):
No uso do registro informal, por exemplo, pode ocorrer uma varia-
ção diafásica de caráter morfológico em que o falante deixa de
pronunciar o r final de infinitivos como em beber, sair, acarretando
um prolongamento da vogal final dessas formas verbais. A varia-
ção é morfológica porque ocorre alteração na estrutura da palavra.

Adequar sua língua, ou linguagem, ao contexto é uma das caracte-


rísticas das habilidades linguísticas do falante. Dessa forma, um mesmo
falante fará uso de um registro mais formal ao dirigir-se ao seu superior
hierárquico em seu local de trabalho ou a alguém com quem não tem inti-
midade em qualquer situação, e usará registro informal ao conversar com
amigos e familiares, em um ambiente descontraído.
Assim, estudos indicam que os falantes possuem um repertório lin-
guístico que pode variar dependendo de onde se encontram e com quem
falam, em espaços mais descontraídos, entre pessoas com quem tem maior
intimidade ou quando não informais. Esses mesmos falantes, em ambien-
tes de maior formalidade, entre pessoas que não conhecem, entre pessoas
de posição hierárquica diferente, ou em situações em que estão autocons-
cientes quanto à linguagem, provavelmente irão adaptar sua fala e usarão,
conscientemente as variantes de prestígio, segundo as normas.
A variação diafásica ou contexto é para Bagno “[...] o uso diferen-
ciado que cada indivíduo faz da língua de acordo com o grau de moni-
toramento que ele confere em seu comportamento verbal” (BAGNO,
2007, p. 47).
Isso significa, conforme vimos, que o falante adequa sua fala de
acordo com o seu ouvinte e o local onde se encontra; se o receptor da
mensagem for uma pessoa culta, conhecedora da norma padrão da língua,

– 123 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

o falante usará um dialeto mais formal; se a situação exige um grau de


maior formalidade a fala vai seguir esse mesmo nível.
Mas, as pessoas não utilizam a linguagem formal a todo o instante.
Em determinadas circunstâncias que não exigem cerimônia em relação ao
interlocutor, a linguagem vai acontecer de forma natural, aquela em que
o falante e o ouvinte utilizam em situações de descontração, no seu dia a
dia, em uma roda com amigos, não significando, contudo, que esse falante
deixe de usar a norma culta padrão.

9.2.3 Variações Diacrônicas


As variações diacrônicas estão relacionadas à evolução da língua.
Referem-se às diferentes etapas relacionadas à evolução da língua.
Essas diferentes etapas estão presentes desde os textos escritos,
reflexo do falar de variadas épocas, desde registros de língua oral.
É inquestionável que as línguas são dinâmicas e mudam o tempo
todo. Se quisermos ser um pouco mais “dramáticos”, podemos comparar
a língua portuguesa de hoje com a sua língua original, o latim. Ou mesmo
o português medieval com o português atual.
Não precisamos ir
Figura 2: Em tempos atuais, as mudanças mais
tão longe. É só nos aten- perceptíveis na língua são as que ocorrem dentro de
tarmos com algumas gerações relativamente próximas.
expressões, ou manei-
ras de falar de pessoas
mais velhas. Há apenas
40 anos, por exemplo,
uma série de palavras que
eram do vocabulário cor-
rente, hoje nos causa no
mínimo estranheza.
Bagno (2013) afirma
que toda língua, além de
variar geograficamente,
no espaço, também muda Fonte: Shutterstock.com/Twin Design

– 124 –
Sociolinguística

com o tempo. A língua que falamos hoje no Brasil é diferente da que era
falada aqui mesmo no início da colonização, e também é diferente da língua
que será falada aqui mesmo dentro de trezentos ou quatrocentos anos!
A título de ilustração, podemos apontar um exemplo bastante
significativo e conhecido da maioria dos estudantes da língua portuguesa.
No período escravocrata do Brasil, fazia-se uso da língua portuguesa,
porém, muitas palavras novas foram incorporadas ao léxico, outras caíram
em desuso e outras ainda, se modificaram com o tempo, apesar de, com
alterações, serem usadas até hoje, mas se mantendo o significado.
A palavra você é um dos exemplos mais contundentes: do pronome
de tratamento usado para se referir a pessoas da aristocracia à nomeação
de pessoas com quem convivemos.
Observe, a seguir, uma sequência com as alterações que essa palavra
foi incorporando. Escritas e também orais.

Vossa Mercê > vossemecê > vosmecê >


vosm’cê > voscê > você > ocê > cê


A evolução das línguas é inevitável, mas nunca é de maneira brusca,
como já dissemos. Sempre haverá um período de transição entre um estado
de língua para outro estado.
As mudanças diacrônicas podem ocorrer, segundo Lima(2013):
→ no som/pronúncia;
→ na flexão e na derivação;
→ nos padrões de estruturação da frase;
→ ao nível dos significados;
→ pela introdução de novas palavras (neologismos e estrangeirismos).
E apresenta ainda os fatores de variação:
Internos à língua (pelo desaparecimento de oposições que não se
revelem funcionais; pela prevalência do princípio da economia, que
tende a eliminar redundâncias; pela introdução de novos elementos
com a função de tornarem a comunicação clara/não ambígua);

– 125 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

Externos à língua (relativos a mudanças políticas e sociais, por


exemplo, a criação de fronteiras políticas que é cumulativa à cria-
ção de fronteiras linguísticas).

A língua não é algo estático. É um sistema em aberto e sempre em elabo-


ração, e vai se “adaptando” conforme seus falantes. A língua não é um inven-
ção nem um ferramenta: é uso. É falada por indivíduos de regiões, profissões
e posições sociais diferentes, situações diferentes — e épocas diferentes.
E é esse seu dinamismo que torna seu estudo tão peculiar e interessante.
Para finalizarmos este capítulo, apresentamos um trecho do artigo A
gíria como um fenômeno social, geográfico e histórico, de Ana Lúcia
Paiva Ferreira de Mesquita e Heliomar de Oliveira Clarindo.

A gíria como um fenômeno social,


geográfico e histórico

(...) Sabe-se que o componente que mais facilmente retrata a nossa


língua é o léxico, isso porque tem a função de nomear e designar
fatos, objetos, processos, pessoas, entre outros. O léxico reflete numa
transformação social, portanto pode-se dizer que o mesmo pode ser
considerado como uma classe de palavras aberta, onde está sempre
incorporando novas formas, novos itens lexicais, novas formas de
expressão. Com isto é justo afirmar que o léxico comporta unidades
de todos os registros linguísticos, ou seja, de todos os ambientes, inclu-
sive a gíria, objeto de grande importância e de análise deste artigo.

Segundo o dicionário Houaiss (2004), gíria é uma expressão que


significa linguagem informal caracterizada por um vocabulário
rico, passageiro e temporário. É um dialeto usado por determi-
nado grupo de pessoas que busca se destacar através de carac-
terísticas particulares e marcas linguísticas, funcionando como
um mecanismo de integração dos membros do grupo e como
exclusão dos que não pertencem a esse grupo.

A partir deste contexto, pode-se perceber que as gírias não


podem ser consideradas como um tipo de linguagem de malan-

– 126 –
Sociolinguística

dros, de marginais ou de uma população mais simples, pelo


contrário tornou-se um recurso disponível para que as pessoas
pudessem se comunicar de uma maneira mais direta, mais sim-
ples, mais ousada e mais permissiva.

Segundo Calvet (2002), as práticas linguísticas enquanto variações


linguísticas são diastráticas, diatópicas e diacrônicas, ou seja, a pri-
meira diz respeito às variações linguísticas distribuída numa escala
social; a segunda está ligada às variações linguísticas geográficas e a
última, está envolvida na evolução histórica dos fatos de uma língua.

A partir desta ideia pode-se ver que esses três parâmetros estão
muito bem associados às gírias. Pois as mesmas são constantes
nos mais diversos ambientes de uma sociedade, de uma região e
de toda uma história. Talvez se pode até dizer que a gíria possa
ser considerada uma língua de chefes, como bem afirma Calvet
(2002), ou seja, pois seria como se os usuários de determinadas
gírias fossem donos do meio social, pelo fato deles se sentirem
íntimos dessas práticas linguísticas.

Segundo Naro (2003), o processo de aquisição da linguagem se


completa aproximadamente no início da puberdade, época em
que o uso das gírias é característico das turmas de jovens e, ao
mesmo tempo, requisito para a aceitação de um adolescente
nesse novo ambiente. A linguagem típica de uma geração estará
presente em toda a vida do indivíduo, pois segundo Anthony
Julius Naro (2003), após a puberdade “a gramática do indivíduo
não pode sofrer mudanças significativas porque o acesso aos dis-
positivos cognitivos que possibilitam a sua manipulação (a cha-
mada faculdade da linguagem) fica bloqueado”. (...)

Ana Lúcia Paiva Ferreira de Mesquitae Heliomar de Oli-


veira Clarindo. A gíria como um fenômeno social, geo-
gráfico e histórico. Disponível em:<http://www.recanto
dasletras.com.br/artigos/3789857>. Acesso em:21 maio 2015.

– 127 –
10
A Norma Linguística

O preconceito linguístico está ligado, em boa medida,


à confusão que foi criada, no curso da história, entre a
língua e gramática normativa.
Marcos Bagno

A ideia de que a norma linguística é um preceito único,


homogêneo e fechado em sua lógica interna, sustenta-se na con-
cepção de que a língua se impõe decisivamente ao indivíduo. Se
assim o fosse, a norma linguística não sofreria nenhum tipo de
intervenções sociais. O ponto de superação do rígido uso da lín-
gua aporta na discussão entre o social e o individual.
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

Essa dicotomia entre o plano social da língua na sua homogeneidade


e o plano do indivíduo falante firmou-se ao longo do estruturalismo lin-
guístico e, então, somente por meados dos anos sessenta, a ciência Socio-
linguística passou a investigar a atuação do indivíduo nesta composição,
conforme sua introdução no contexto social.
A esse respeito, apresenta-nos Marr, apud Baktin ( 1997):
O fato é que não existe nenhuma língua onomatopaica primitiva,
comum a todos os povos e, como veremos, tal língua jamais exis-
tiu nem poderia ter existido. A língua é uma criação da sociedade,
oriunda da intercomunicação entre os povos provocada por impe-
rativos econômicos; constitui um subproduto da comunicação
social, que implica sempre populações numerosas.

A vista dessas reflexões, veremos também considerações a respeito


de que forma norma linguística e a gramática tradicional cooperam para o
enriquecimento de abordagens a respeito do preconceito linguístico, favo-
recendo a identificação de alguns mitos que no decorrer dos tempos impe-
dem um avanço considerável dos estudos linguísticos.
A compreensão da norma linguística, como preconceito ou mal
necessário, depende do aspecto como é vista a função principal da língua,
ou seja, instrumento de interação verbal ou de valorização social. Para
tanto, segundo Garcia e Barbosa (2006), é necessário aceitar que a língua,
como todos nós, quer crescer, tornar-se flexível e expandir, enfim, viver.

10.1 A Norma e a Norma Culta


Bagno (2001) assevera que, sob o rótulo de norma ou, mais comu-
mente, de norma culta, é possível detectar, na sociedade brasileira con-
temporânea, pelo menos duas noções bastante distintas no que diz respeito
à língua. Uma poderia ser chamada de tradicional, do senso comum ou
ideológica, construindo, portanto, menos um conceito do que um precon-
ceito, uma grade de critérios avaliativos para o estabelecimento de juízos
de valor dicotômicos (certo vs. errado, bonito vs. feio, português vs. não-
português, etc). Trata-se da ilusão de que existe:
Uma língua ideal e que resulta da prática de determinados gra-
máticos, presa à tradição escrita. [Ela] atua ideologicamente

– 130 –
A Norma Linguística

sobre as representações que as pessoas têm do que seja língua e


gramática, por força de determinantes históricos e político-sociais,
estipulando um padrão de correção [...] (BRITO, 1997, p. 56)

Há na denominação norma culta um emaranhado de pressupostos


nem sempre claramente compreensíveis. A palavra “culta”, por exemplo,
tomada em sentido absoluto, pode sugerir que esta norma se opõe a normas
“incultas”, que seriam faladas por grupos desprovidos de cultura. Segundo
Bagno (2002) , tal perspectiva está, muitas vezes, presente no universo
conceitual e axiológico dos falantes que costumam fazer dos falantes de
outras normas, dizendo que estes “não sabem falar”, “fala mal”, “falam
errado”, “são incultos”, “são ignorantes” etc.
Para Neves ( 2001), o temo norma tem duas significações básicas,
quando o campo é o da linguagem. Na primeira, compreende-se norma
como a modalidade linguística “normal”, “comum”. Entender-se-ia,
então, que essa modalidade seria constituída pela frequência de uso, e,
se contempla, de fato, o uso linguístico, essa visão, sem fazer valoração,
reparte a noção de norma por estratos sociais (variação de uso diastrática),
por períodos de tempo (variação de uso diacrônica) por regiões (variação
de uso diatópica).
Na segunda significação, o termo norma é entendido como o uso
moderado, como a modalidade “conhecida” por alguns, mas não por
outros. Também neste caso, observa-se a real inclusão de tal modalidade
“padrão” no uso linguístico, a noção de norma se reparte diastrática, dia-
crônica e diatopicamente, entretanto com juízo de valor sobre as modali-
dades, em cada zona de variação: umas são mais prestigiadas que outras.
Entretanto, se por ventura houver uma- e apenas uma- modalidade
estabelecida como feição de um padrão desejável, a concepção é ainda
mais arbitrária, e sempre balizada pela autoridade.
De uma forma ou de outra, as duas significações básicas de norma,
as quais nos referimos, vão se inserir na sociedade. Na primeira signifi-
cação, o que se destaca é o uso, e daí a relação com a sociedade leva à
agluti­nação  social.
Em segunda instância, trata-se do bom uso, mas a relação com a socie-
dade leva à discriminação, originando exclusões, estigmas, diferenças.

– 131 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

Os estudos e discussões a respeito da norma linguística têm crescido


bastante no âmbito dos estudos da linguagem. Saber-se especificamente o
que significa e tudo que advém do termo norma é fundamental para que
se possa compreender alguns fenômenos linguísticos que se realizam nas
comunidades de fala.
Se entendermos como norma os padrões habituais e coletivos de um
grupo de falantes em determinada comunidade linguística, já sabemos que
podemos estabelecer que não haja apenas uma norma, mas várias, e essas
caracterizam a diversidade de grupos que existe na sociedade brasileira.
O celeuma em torno da norma apresenta para a sociedade o debate
sobre quem tem a competência, ou o direito, de determinar o que é certo
ou errado na língua nacional e quem tem a responsabilidade de definir o
que deve ser ensinado nas escolas.
Conforme Rodrigues (2007), o que devemos considerar como sendo
a língua portuguesa do Brasil? Ou, para evitar o estranhamento que tal
pergunta possa oferecer, qual é a língua brasileira? O que parece estar em
jogo no discurso sobre a norma no Brasil é a legitimidade de quem tem a
competência para definir o que é o português brasileiro.
Ao defender seu ponto de vista, afirma:
De um lado estão os gramáticos, ligados a uma tradição fortemente
estabelecida na cultura do país, e que é a base da constituição da
língua portuguesa no Brasil. De outro, estão os linguistas, funda-
mentados pela ciência, que veem a língua através de pesquisas e
reflexões baseadas na realidade linguística social atual. Ambos
defendem a normatização da língua. Os primeiros associam a
norma a uma cultura do “certo” e “errado”, da “arte que é escre-
ver corretamente”, sempre tendo como referência os clássicos
literários da língua. Essa maneira de encarar os fatos linguísticos,
organizá-los e determinar o padrão da língua a ser usado é a base
das críticas realizadas pelos linguistas para a determinação de uma
norma linguística.

Na comunidade humana, existem algumas metodologias apreciadas


como ideais para se comunicar e se transmitir informações essenciais à
vida comunitária. Estes são, segundo Preti (1984), os hábitos linguísticos,
ou o que se convenciona chamar de uso. E o uso, por meio de sucessivas

– 132 –
A Norma Linguística

gerações, acaba por se transformar em norma linguística, ou seja, o uso se


incorpora na linguagem corrente e tradicional de uma comunidade.
O falante utiliza, para expressão de suas intuições inéditas, mode-
los, formas ideais, que encontra no que chamamos “língua ante-
rior” (sistema precedente de atos linguísticos). Ou seja, o indi-
víduo cria sua expressão numa língua, fala uma língua, realiza
concretamente em seu falar moldes, estruturas da língua de sua
comunidade. (COSERIU, 1979, p. 73)

Câmara Jr. (2001) define norma como um conjunto de hábitos lin-


guísticos vigentes no lugar ou na classe social mais prestigiosa no país. Já
Coseriu (apud Preti, 1984) definiu sinteticamente que a norma linguística
é o que se disse e tradicionalmente se diz em uma comunidade.
É inevitável, no entanto, que apareçam conflitos na relação entre a
norma linguística atribuída pela ampla massa e os hábitos linguísticos da
comunidade. Recusando e até reagindo a essas ocorrências, determinados
grupos isolam-se dessa grande massa e abraçam uma linguagem especial
no campo léxico, opondo-se ao uso comum, o que pode servir a diferentes
finalidades, como desejo de originalidade, linguagem de uso restrito de
certos grupos ou para ser entendida apenas por pessoas do mesmo grupo
(caráter hermético).
Podemos agora, portanto, afirmar que em uma mesma época, duas
pessoas não falam da mesma maneira a língua; em uma mesma época,
uma única pessoa não fala, em todos os momentos, da mesma maneira.
E mesmo assim, com esse comportamento variante explícito, é possível
afirmar que exista, no seio de uma comunidade linguística, um comporta-
mento de manutenção de unidade, conforme afirma Preti (1974):
[...] sabemos que, a partir do instante em que a comunidade aceita
uma língua como meio primordial de comunicação, toda e qual-
quer variação lhe será prejudicial, motivo pelo qual a tendência é
manter sua unidade, colaborando todos, consciente e inconscien-
temente, no sentido de sua nivelação, pois dessa maneira a com-
preensão será mais fácil, e a própria integração do indivíduo na
cultura comum se dará com mais facilidade.

A questão da discussão em torno da norma é extensa e não finaliza


em apenas um capítulo.

– 133 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

Para que possamos refletir um pouco mais em relação à língua por-


tuguesa e o papel de cada um de nós, educadores ou não, apresentamos
um trecho do artigo Gramática e escola: considerações sobre variação
linguística e ensino de língua portuguesa, de Flávio Biasutti :

Gramática e escola: considerações


sobre variação linguística
e ensino de língua portuguesa

(...) A gramática denominada culta, normativa, prescritiva


ou tradicional é concebida como um manual com regras de
bom uso da língua a serem seguidas por aqueles que querem
se expressar adequadamente. Franchi (1991) a considera um
conjunto sistemático de normas para bem falar e escrever, esta-
belecidas pelos especialistas, com base no uso da língua con-
sagrado pelos bons escritores. Podemos entendê-la também
como um conjunto de normas que nos orientam no uso padrão
culto quando este nos for exigido.

É relevante considerar que a gramática precisa ser ensinada


nas escolas, todavia não pode ser o único elemento de estudo.
Além disso, em nossas gramáticas e compêndios gramaticais,
normalmente, só se encontram exemplos de um uso filtrado
de autores do passado, parecendo que aqueles autores são os
únicos modelos a serem seguidos.

Perini (1991) sugere que a melhor maneira de se trabalhar com os


itens gramaticais é dando um panorama geral do que seja a língua,
sua estrutura e funcionamento, descrevendo-a em linhas gerais e, em
seguida, apresentar um estudo mais detalhado de alguns aspectos.

Outro aspecto importante de se considerar refere-se ao con-


ceito de norma que, conforme Lucchesi (2006), divide-se em
padrão, reunindo as formas contidas e prescritas pela gramá-
tica normativa; em culta, contendo as formas efetivamente
depreendidas da fala dos segmentos plenamente escolariza-

– 134 –
A Norma Linguística

dos; e em vernácula, considerados os padrões linguísticos das


classes mais baixas, não escolarizadas.

A partir dessas considerações, cumpre mencionar que, com


a democratização do ensino, de acordo com Soares (1986), a
escola recebeu as camadas mais populares, chegando com elas
a heterogeneidade linguística, provocando a necessidade de
uma nova postura por parte dos professores de língua portu-
guesa, principalmente.

Entende-se que a heterogeneidade linguística em um país con-


tinental e diversificado como o Brasil é um fato natural e inevi-
tável, isto é, a variação faz parte da natureza da linguagem e é
resultado da diversidade de grupos sociais e da relação que estes
grupos mantêm com as normas linguísticas. Bortoni-Ricardo
(2005) afirma que a escola não pode ignorar as diferenças socio-
linguísticas, sendo que os professores — e, por meio deles, os
alunos — têm de estar bem conscientes de que existem duas ou
mais maneiras de dizer a mesma coisa. E mais, que essas formas
alternativas servem a propósitos comunicativos distintos e são
recebidas de maneira diferenciada pela sociedade.

Travaglia (2003) ressalta que os objetivos do ensino de língua


portuguesa devem ser ensinar a língua e ensinar sobre a língua.
No primeiro objetivo, o que se busca é a formação de usuários
competentes da língua, isto é, que tenham competência comuni-
cativa; no segundo, a finalidade é a de ensinar teoria gramatical
ou linguística, formando analistas da língua.

É digno de nota que muitas práticas de ensino de língua portu-


guesa passaram a ser questionadas, devido ao resultado ruim
que apresentavam. Nesse aspecto, a discussão de novas práticas
no âmbito escolar desencadeou uma reforma da visão de ensino
da língua portuguesa, amparada nos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs), em que o ensino passou a ser voltado para as
práticas sociais, contemplando oralidade e escrita, por exemplo,
sob a ótica das variedades que a língua possui, não atrelando o
ensino tão somente à língua culta.

– 135 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

Essa nova abordagem de ensino caminha em direção ao res-


peito às diferenças no ambiente escolar, proporcionando a
todos os alunos também a possibilidade de garantia ao acesso
dos saberes linguísticos necessários para o exercício da cida-
dania, sem com isso desprezar sua origem e hábitos socio-
linguísticos e culturais. Há de se considerar que os PCNs
tendem a provocar uma mudança positiva na qualidade do
ensino de língua portuguesa na escola; no entanto, ainda não
se observa uma amplitude tal que, na prática, tenha surtido
o efeito desejado: a escola ainda não vem alcançando a efici-
ência esperada a partir dos objetivos preconizados nos PCNs.

Além disso, deve ser destacado que a formação dos professores


de língua portuguesa, muitas vezes, atrelada à gramática nor-
mativa, e a própria estrutura de anos de ensino de gramática
normativa levam ainda a equívocos na aplicação de práticas que
contemplem uma formação discente mais próxima do desenvol-
vimento de habilidades linguísticas que possam efetivamente
proporcionar a esse aluno conhecimento suficiente para exercer
seus papéis sociais de modo adequado.

(...)

Gramática e escola: considerações sobre variação linguística e


ensino de língua portuguesa Flávio Biasutti Valadares

DOMÍNIOS DE LINGU@GEM Revista Eletrônica de Linguís-


tica, Volume 4, - n° 2 – 2° Semestre 2010. Disponível em: <http://
www.seer.ufu.br/index.php/dominiosdelinguagem/article/
viewFile/11536/6819>. Acessoem: 28 maio 2015.

10.2 O “Erro”
A língua varia com o tempo e varia de acordo com os interesses e cul-
turas locais de cada comunidade. Segundo Cagliari (1999), todas as varie-
dades, do ponto de vista estrutural linguístico, são perfeitas e completas

– 136 –
A Norma Linguística

entre si. O que as diferencia são os valores sociais que seus membros têm
na sociedade. Continua ainda afirmando que, para ele, há três variedades
linguísticas: uma norma padrão, que está na gramática, mas não é falada;
um conjunto de variedades desprestigiadas e um segundo grupo de varie-
dades prestigiadas.
Concordando ou não, nós, enquanto sujeitos sociais, usamos esses
conceitos para distinguir os indivíduos e classes sociais pelos modos de
falar e para revelar em que consideração os temos. Já revelamos aí, por-
tanto, nossos preconceitos, pois assinalamos nessa análise as marcas lin-
guísticas de prestígio ou não.
Bagno (2005) lembra que “todo falante nativo de uma língua é um
falante plenamente competente dessa língua, capaz de discernir intuiti-
vamente a gramaticalidade ou agramaticalidade de um enunciado, isto
é, se um enunciado obedece ou não às leis de funcionamento da língua.
Ninguém comete erros ao falar sua própria língua materna, assim como
ninguém comete erros ao andar ou respirar”.
Não é a “variação linguística” que sofre o preconceito, visto que
a variação é abstrata. Quem sofre preconceito, sempre, é o usuário de
uma variante que não seja a adotada pelo grupo social em que esse
falante se insere.
Assim, aquilo que para o sociolinguista representa apenas “dife-
rença” no uso da língua, para as pessoas em geral vai representar,
de fato, um “erro”, um “defeito”, um sinal de “ignorância”. Por
isso, venho repetindo que onde tem variação sempre tem também
avaliação. (BAGNO, 2007, p. 13)

Ponderando-se com seriedade qual o peso do preconceito linguístico


em nossa sociedade, em nosso dia a dia, compete ao professor de língua
apresentar aos alunos os valores sociais atribuídos a cada variedade lin-
guística, evitando-se, assim que sejam penalizados inconscientemente.
As línguas mudam. Todas as línguas vivas mudam, seja em relação
ao tempo, ao espaço, à classe social dos usuários ou ao contexto ou situa-
ção em que forem usadas. Só não muda, naturalmente, uma língua morta.
Mas essa modificação não é para melhor nem para pior, é para o diferente,
que não manifesta nem progresso nem decadência.

– 137 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

Em seu livro Língua Materna, Marcos Bagno ensina que, em relação


a língua,
...tudo aquilo que é classificado tradicionalmente de “erro” tem uma
explicação científica perfeitamente demonstrável. A noção de erro em
língua é inaceitável dentro de uma abordagem científica dos fenôme-
nos da linguagem. Afinal, nenhuma ciência pode considerar a existên-
cia de erros em seu objeto de estudo... (BAGNO, 2002, p. 13)

Apesar de a maioria dos usuários ter em mente, que é o preconceito


linguístico que traz atraso para uma sociedade, tendo em vista que não
existe uma variedade linguística melhor, ou pior do que a outra, é preciso
sempre lembrar que, do ponto de vista sociológico, o “erro” existe e sua
maior ou menor “gravidade” depende precisamente da distribuição dos
falantes dentro da pirâmide das classes sociais, que é também uma pirâ-
mide de variedades linguísticas.
Infelizmente, estatísticas e pesquisas apontam que quanto mais baixo
estiver um falante na escala social, maior número de “erros” as camadas
mais elevadas atribuirão à sua variedade linguística (e a diversas outras
características sociais dele).
O “erro” linguístico, segundo Silva, em seu artigo O Conceito do Erro
em Sociolinguística, “do ponto de vista sociológico, é antropológico, e tem
por base, numa avaliação negativa que nada tem de linguística: é uma avalia-
ção estritamente com base no valor social atribuído ao falante, em seu grau de
escolarização, em sua renda mensal, em sua origem geográfica, nos postos de
comando que lhe são permitidos ou proibidos, na cor de sua pele, em seu sexo
e outros critérios e preconceitos estritamente socioeconômicos e culturais”.
Por isso é que, muitas vezes, um mesmo suposto erro é conside-
rado como uma “licença poética” quando surge num texto assinado
por um autor de renome ou na fala de um membro das classes
privilegiadas, e um “vício de linguagem” ou um “atentado contra a
língua” quando se materializa na fala ou na escrita de uma pessoa
estigmatizada socialmente – “uma língua ou variedade de língua
vale o que valem seus falantes” (BAGNO, 2002).

O importante é termos consciência, como dissemos no começo desse


livro, que somos todos bilíngues: adotamos a variante padrão que é a
nossa língua materna e normalmente a da comunidade em que estamos
inseridos; e temos conhecimento da segunda variedade linguística que nos

– 138 –
A Norma Linguística

é propiciada pela escolarização: o domínio da norma padrão ou culta (e


que tem sua nomeação tão duramente criticada pelos linguistas).
Silva ainda adverte, muito sensatamente, que devemos, sim, ensinar a
norma-padrão, pois a sua omissão impediria que os alunos a utilizassem. Mas
é importante estarmos conscientes também de que, citando Bagno (2005):
Uma das tarefas do ensino de língua na escola seria, então, discu-
tir os valores sociais atribuídos a cada variante linguística, enfati-
zando a carga de discriminação que pesa sobre determinados usos
da língua, de modo a conscientizar o aluno de que sua produção
linguística, oral ou escrita, estará sempre sujeita a uma avaliação
social, positiva ou negativa.

Cabe-nos uma reflexão: se a escola efetivamente cumprisse o papel


que lhe é atribuído, de educar formalmente cada um de nossos cidadãos,
estaríamos discutindo preconceitos linguísticos ou norma padrão?
Se todos tivéssemos acesso e fizéssemos uso de uma variedade de
língua disseminada e de conhecimento de todos, e se tivéssemos apenas
a distinguir questões semânticas, como, por exemplo, a nomeação de
palavras como mandioca ( macaxeira, aipim, entre outras) e a questão
do acento, ou da entoação das palavras, tão diferenciadas regionalmente,
haveria ainda assim preconceitos linguísticos?
Compete-nos refletir, como educadores, ou futuros educadores, se
estamos efetivamente realizando o papel que optamos e que é tão esperado
pela sociedade brasileira, pela nossa sociedade.
Quanto a esse tema, que nos sirva, também, de reflexão, um trecho do
artigo A língua culta na escola: uma interpretação sociolinguística, de
Lucia F. Mendonça Cyranka e Dea Lucia Campos Pernambuco:

O papel da escola no ensino da


variedade culta

(...) Do que ficou exposto e a partir do pressuposto adotado pela


Sociolinguística de que todas as línguas são heterogêneas e que,
portanto, todas as variedades são igualmente suficientes para o

– 139 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

falante se expressar dentro de seu contexto sociocultural, igual-


mente legítimas como meio de interação entre os membros da
mesma comunidade, a existência de uma variedade considerada
melhor – a culta – demonstra que, de fato, como entreviu Gnerre,
por trás da questão linguística, existe outra de caráter ideológico.
Numa sociedade em que o acesso aos bens culturais exige o domí-
nio de uma só variedade linguística, a da classe dominante, a lín-
gua deixa de ser apenas instrumento de interação e ação sobre a
realidade para ser também um instrumento de exclusão social.

Ora, para preparar os indivíduos para a vida em sociedade,


elegeu-se a escola como instituição oficial. Cabe a ela, no que se
refere ao trabalho com a língua materna, desenvolver no aluno
habilidades e competências para utilizar adequadamente esse
patrimônio comum de sua comunidade. O que se esperaria é
que a escola, adotando uma orientação de base científica, fizesse
o trabalho de desenvolver, em seus alunos, competências mais
refinadas, sem se preocupar em substituir a variedade linguís-
tica que já tivessem adquirido, qual seja a de seu grupo social.

Se se tratasse de alunos advindos de classes sociais favorecidas


nas quais o uso da norma culta é comum e com a qual, portanto,
estão mais familiarizados, caberia à escola apenas desenvolver
essa competência, ampliando a no domínio da leitura, da utiliza-
ção dos gêneros textuais que circulam na sociedade, numa pala-
vra, tornando os indivíduos letrados. Esse trabalho é, claro, esta-
ria associado às práticas de oralidade, tratando-se essa questão,
como se viu atrás, dentro da perspectiva de um contínuo, sem
cair no que Marcuschi (2000, p. 27) denominou a armadilha que
ameaça os que estudam a relação oralidade/escrita. Introduzindo,
em sua obra, um dos itens que trata dessa questão, ele anuncia:

Será feita uma tentativa de evitar cair na armadilha prepa-


rada para todos os que tentam entrar na análise das relações
entre oralidade e escrita. Segundo Street (1995), é difícil não
sucumbir a algum dos mitos presentes nessa armadilha,
mesmo quando se postula, como nós, a teoria de que a relação
se funda num continuum e não numa dicotomia polarizada.

– 140 –
A Norma Linguística

Se, ao contrário, essa variedade fosse a das classes desfavore-


cidas sócioeconomicamente, seria necessário, obviamente, que
a essa competência fosse acrescentada a do domínio da norma
culta para que o acesso aos bens culturais e sociais não lhes fosse
vedado. Juntamente com isso, o mesmo trabalho de promover-
-lhes o letramento, propiciar-lhes as práticas de escrita e ora-
lidade, tornando esses alunos familiarizados com os gêneros
textuais necessários a seu intercâmbio social.

Veja-se o que sobre isso orienta Mattos e Silva (2004a, p. 114-115):

Se o professor tiver uma formação sociolinguística adequada,


o que acontecerá com uma minoria, terá de trabalhar com a
variação da sintaxe nas suas aulas e saber, na maioria das vezes
de maneira intuitiva e tentativa, já que não há materiais pron-
tos para isso, definir o que será o uso lingüístico socialmente
aceitável para que seus alunos não fracassem no curso de sua
futura vida profissional em nossa sociedade. Assim, entre as
variantes sintáticas em convívio nas falas brasileiras, o professor
terá de distinguir, pelo menos, as estruturalmente mais salientes
e socialmente mais estigmatizadas, para, sem desprestigiar as
segundas, selecionar ambas, a fim de treinar o uso formal falado
e os usos escritos de seus alunos. Aí está a grande contribuição
que a sociolinguística sobre o português brasileiro poderá dar
para uma efetiva virada no ensino da língua portuguesa no Bra-
sil. Seria este talvez, um dever patriótico: o conhecimento e o
reconhecimento, na escola, da realidade do português brasileiro.

Labov (1987) aponta a dificuldade da escola em desenvolver nos


alunos competências de uso da escrita e da leitura e chama a aten-
ção, em contrapartida, para o sucesso do “trabalho” assistemático
que acontece fora da escola, na comunidade em geral, no ensino de
outras competências linguísticas. Aqui ele atribui papel importante
não apenas à família, mas em grande parte, à patota (peergroups).

Apoiando-se em suas pesquisas sobre o Ebonics (na época, BEV),


ele (1987) conclui sobre a dificuldade de se ensinar padrões foné-
ticos a alunos falantes de outras variedades linguísticas e aconse-
lha que os professores se limitem àqueles que sejam gerais para

– 141 –
Teoria da aquisição da linguagem e estudos linguísticos

a população como um todo. Reconhece (op. cit, p. 139) a força da


patota e sua resistência em aceitar o padrão linguístico da escola:

A evidência aponta para o fato de que o adolescente da


“patota”, nas cidades do interior, institucionaliza resistência
às normas, à ideologia e às práticas do sistema escolar. Essa
resistência parece ser o resultado de um conflito político e
cultural entre os falantes do vernáculo e as autoridades esco-
lares (Labov, 1982). O comportamento linguístico dos mem-
bros da “patota” é um reflexo e um símbolo desse conflito.

Se, no caso examinado por Labov, as raízes das diferenças ide-


ológicas estão na questão racial, no Brasil, tudo indica ser ela
de ordem econômico-social historicamente constituída. Bortoni-
-Ricardo (2005, p. 131) esclarece:

No Brasil, a variação está ligada à estratificação social e à


dicotomia rural-urbano. Pode-se dizer que o principal fator
de variação linguística no Brasil é a secular má distribuição
de bens materiais e o consequente acesso restrito da popula-
ção pobre aos bens da cultura dominante. Diferentemente de
outros países, como os Estados Unidos, por exemplo, a varia-
ção linguística não é um índice sociossimbólico de etnicidade,
exceto nas comunidades bilíngues, sejam as de colonização
europeia ou asiática, sejam as das nações indígenas.

De qualquer modo, os dialetos dos negros americanos e dos


alunos brasileiros das classes sociais baixas são estigmatizados.
O único caminho acertado para superar essas diferenças, enfa-
tiza Labov, é a exposição das crianças, o mais cedo possível, às
outras variedades linguísticas. (...)

A língua culta na escola: uma interpretação sociolinguística.


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