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~ L . / . 3. PROCESSOS DE COMPREENSÃO
3.1 Lc1t ura e compreensao como trabalho social e nao atividade
individual. 229
J 2. Breves observacocs sobre o sentido literal. 234
33. Compreensao e atividade inferencial . 237
14 A importancia de conhecer a lmgua como trabalho social
h1stor1co e cognitivo . 240
3.5. A necessidade de tomar o texto como evento comunicativo. 241
3.G Algumíls observacoes sobre o contexto no processo de
compreensão. 243
3.7. No cão de inferencia. 248
3.8. Compreensi:lo como processo. 256
19 A compreensão interdiíllctal. 260
3.10 O tratamento da compreensão nos livros didáticos, 266
3.11. Tipologia das perguntas de compreensáo nos livros didáticos 270
3.12. Os descritores para íl compreensáo textual no ensino
fundamental. 274
EXERCÍCIOS DA TERCEIRA PARTI: PROCESSOS DE COMPREENSAO. 279
Por tudo isso, o clichê de dizer. o quanto nos sentimos honradas pelo
convite, no nosso ca~o, se desfaz cm fun ção da densidade intelectual da obra
e: do autor. I~ impcrali\'O ressaltar que redigir esta apresentação é um privilé-
gio. Muitos poderiam e dese jariam assinar este texto, pois, como nós, sentem
admiração, respeito e profundo afeto por 1arcuschi c por seu Lrabalho. Espe-
ramos que estas pessoas se sintam representadas por nós e pelos demais cole-
gas e ex-alunos(as) ligados à Universidade Federal de Pernambuco - UFPE
qut: assinam este texto. Afinal, os pontos de vista sobre o Mueuseh i professor,
pesquisador, orientador e colega, que aqu i expomos, 11rio são apenas nossos,
temos certeza. Passemos. então, a detalhar estas várías faces de Marcuschi.
pesquisador \itarcuschi. Ele explicita para o leitor o quanto certo termo ainda
pennanece impreciso ou até que ponto ele parece inadequado - "Essa é
uma questão complexa que não tem uma decisão clara" (p. 111). Expor fran-
camente os bastidores da elaboração ci~nlífica, com suas imperfeições e insta-
bílidades, torna pública também a concepção de que pesqu isar é uma tentati-
\'a incessante e sempre provisória de explicar o mundo.
Ao longo do livro, ele cita muita gente, dá crédito a todos, até a quem fez
só uma, ma~ significali\a pesquisa. '.\o~ agradecimentos, enfatiza que as idéias
apresentadas no livro que ora está sendo publicado surgiram e tomaram corpo
durante os (1lt11nos dez anos de docência no Departamento de Letras da UFPE
e de pesquisa no Núcleo de Estudos Lingüísticos da Fala e da Escrita (NELFE),
por ele coordenado. De todos os seus interlocutores - colegas de trabalho,
monitores, bolsistas de iniciação científica, alunos de graduação. especializa-
ção e pós-graduação - ele agradece as contribuições que enriqueceram sua
visão e compreensão das questões que o inquietavam. Agradece de modo par-
ticular a ~cus alunos de Lingüística 3 que com ele discutiram vários dos temas
tratados no livro e, em muitos casos, lhe forneceram sugestões e exemplos.
Diz: ·'Sem esta contribuição, os materiais seriam bem menos atraentes e me-
nos provei tosos". Essas palavras de Marcuschi mostram que, para ele, o co-
nhecimento é elaborado cm encontros, trocas, e interações. Cria-se em fun-
ção de interlocutores.
E foi nas interações de Marcuschi com seus pares e alunos que esta
obra tomou corpo. Agora, os textos antes inéditos, que compuseram a "pasta
de Lingüística 3". saem publicados no formato de livro, constituem algo
acabado. ivl as, para manter a fidelidade ao pemamento de \larcuschi,
que, a cada ano, buscava atua lizar o conteúdo dc~las páginas, resta a nós,
luiz Antõ1do Marcuschi 1 Pro4v~ão textual, 1111tifise do 9iaeros • co111preemsio
( l\a verdade, esta \ ersào devtrJO ter ~1do utilizada no ~egundo ~Cll\C~lrC de :!()(); dur.inte O ano
de WOS, mas só veio a ser Uliada no ~egundo·~emestre de 2005 que-, por IJlÕC~ v.iria~. imcía-se em
pnc1ru de 2006.
1
1'.spero que estas notas de trabalho tragam a todos algum pro\eito e que
a1udcm a acompanhar as aulas com mais segurança e maior interação para
que ocorra a desejável construção coletiva de conhecimento. superando a
simples transmissão ou rcpcl1çJo do Já sabido.
o conjunto, esta sénc de notas pretende mostrar o funciona-
mento da lingnagcm sob o aspecto textual-interatfro, tanto
na modalidade c~c11la como oral. Tem-se em vista a configu-
ração lingüística e alguns elementos básicos, tais como a pro-
dução e a circulação de gêneros textuais e os processos de com-
preensão. St.:rá importante chcgcir a resultados satisfatório~ em relação a isto
com uma visão integrada e com um conceito de linguagem que dê conta de
'>eu funcionamento no fcuômcno lc-.tual, já que é imposshel qualquer mani-
festação lmgüística fora do texto situado.
O curso inicia com algumas ob)Cnações preliminares sobre a situação da lin-
giiística no século XX, a fim de si luar de modo sistemático o momento e a motivação
do smgimento dos tópicos analisados. Não se trata, no entanto, de uma revisão
complct<1 da história da lingüfstica e ~im de uma breve conlextualiwção da posição
aqui adotada. Daí a i11ev1tável simpliGcação na exposição.
l. DJqui par.ia frente, cito c~<oa obrJ pd.1 >t~la \l&rdaL., pela e<l1ç:i11 br.1\llurd: .\lctnl'moe /ilOôo/ia
JtJ /111gud~cm Sjo P.aulo: Hucitec. 19~9 . Quanto;\ autnna da obrn. 'cguudo C.1rlcr.. Alberto l•àraco. que
'egue -11111.1 trJd1ção forte na <Jh1alicladc. o 11111w autor da obra e\ \1 \oJo,hmov, m.1\ <,<.formo:; olhar a
cd1ç.10 11ortc-J111cncana, ah ~ó consta 1\1 ílnkh'tm. Diante di,\O, opiei por conwrvar os dois autores,
embora rnnrorde com a \1Sào ck Faraco, tiuc afirma que css;1 obm n.íu e t'\scncm linentc bJkhhmana
Luiz Antônio Marcusd1i 1 Produ~ão textual, analise de generos •· co111pr~iuão
A e11u11ciaçüo enquanto tal é 11m puro produto ela mtcração ~ocial, quer se trate de
11m atn clc fula <lclcrminJdo pclu situação imediata rn1 pelo contexto mais amplo
que comt1h11 o conjunto da~ condições de \·ida de 11111a dctem1inada comunidade
lingüísltta l\l&FdaL. p. 107)
l~ m
suma, concordamo~ com a posição de BakhtmNoloshino\ exposla
nestes termos:
A língu:i "ivc e C\olui historicamt•nte na comunicação ~wbal concreta. 11Cio no si~te
ma lmgiii~tico abstrato da~ fonna\ da língua nem 110 psiqumno individual do:; falan-
tes (\l&:FdaL, p. l IO).
Os autores negam, pois. que a parole ((ala, enunciado), lal corno defini-
da por Saussure, seja um ato indi\ idual: ela é sempre um ato social. Do con-
trário, sequer sena compreenSl\d
Aspecto importante nesse contexto teórico é a noção de dialog1smo como
princípio fun<laclor da linguagem: toda linguagem é dia lógica. ou sei a. todo
enunciado é sempre um emmciuclo de alguém para alguém. Se assim não fosse,
seria como uma ponle sem 11m elos lados para sttslenlação, o que a levaria à
sua derrocada Daí a noção de gênero como enunciado responsi,-o "relativa-
mente estável", o que está dt. acordo com a idéia ele linguagem como atl\i<lade
inlerativa e não como forma ou <;Ístema
Partilho aqui das po~ições clc Carlos Alberto Farnco em cstuclo recenlc,
onde sugere que o estudo da inlcmçãoz na linguagem é essencial para se en-
tender não apenas o funcionamento da linguagem, ma~ também o surgimento
da própria sub1ch\tdade. É assim que se poderia afirmar, com \ kad, que a
construção elo sujeito se dana como e feito da 111lcração. Sem o h1, sem o
outro, não se leria a noção do eu. füta é também a posição de Vygotskv, para
2. Refiro-me :10 tC\to lntemção e lmg11ai;em · hafanço e pcrspecti1<1" .1presenta<lo como tonfcrêncin
<le encerramento tio Congresso lntern.1tion:il Lin~1agcm e lntcraçJn, realuado na Unisino> (SJo
Leopoldo - RS dl.' 22 a 25 de ago\to dt· 200S
lntroducão geral
'\c ....,c ~cnltdo, parece que na árcJ njo podemos fugir do axioma de que o inter-
'11h1cti\'o se toma intr,Hubjeli\o, 1~to é. ele que o rno,irnento c:-.kmo \C toma mo,·i-
mcnlo interno A quc\tJo cruóal é 'aber c:omo se dá e5Se procew1. Soluc;õcs integral-
111c11tt <lelcm1inistas niio nos \;tfüÍ:11<~111. Parece que todos nós, 111tcmcionistas, que-
remo~ compreender a subjetividade t·omo emergindo do social, queremos compreen-
1
der a interação como condicionada por vário~ fatores, mas. JO mesmo tempo. não
queremo~ perder nemª' r,1ngularidades da subjeti,·idade. nem o nO\'O, o inusitado,
o imprcvisí,cl, o inesperado dos eventos de interaçJo. Ou seja, nem o primado do
indivíduo, nem o dctcnninmno absoluto da estrutura.
George Mea<l, por exemplo, ten tou fundan1entm esl<: não-determinismo por meio
de duas grandes coordenadas Primeiro. assumindo qt1c o \Ocial nunca é um dado
homogêneo, mas sempre heterogêneo. O social conlém uma multiplicidade daqui-
lo que ele chama de "outros generalizados" <.que pcxlcriamo\ entender como con-
11mtos de ações, rcprc~cntaçõc.,, \.alores e atitude, que circubm numa detenninada
sociedade: ou o conjunto cio, pré-coru.truídos sócio-hislórico,}.
Desse modo, nenhum \11jcilo fica confinado nos limite' de um 1inico outro genera-
lizado, mas emerge de relações si 1mtltâneas ou comeeuli\as com\ <irios outros gene-
ralizados, muitos deles opo,to~ entre si, contraditórios, conflitivos. Essa realidade
sempre hetcrogêncLI e c:hcm de contradições gera <lc~cquilfbrios e Lensõcs que
inviabilizam qualquer fechamento determini~ta mecânico dos procc~sos
íntcracionais e de seus efeitos.
Por outro lado. o caráter dmâmit:o (ati\O e não-mc..dni<:o) do mundo interior tam-
bém rc~tringe o determini~mo, n.i medida em que. a partir da contmua polarização
entre o "me" e o ..eu" (nos termos <le \1eadJ, geram-~l· rc\postas :.mgulares e nJo
totalmente pre\ iSl\eis
Em suma, a helerogcnc1dadc e J conlraclição ~ão os motores da relação ex-terno/
interno e ela dinâ1111ca do í11lcmo.
ITojc e:-.istem. no Brasil, muitas reflexões sobre esses lemas, contudo. es-
1s reflexões andam longe de serem consensuais e apresentam muitas diver-
5ê11cias. Parece saudável tomar consciência desse fato e desenvolver reflexões
1uc contribuam para uma melhor análise do tema sem a pretensão de esgotá-
º nem de resolver o problema. O que se oferece aqui é uma teoria geral para
a análi~e mtegrada de tais questões.
Mas Pan111i tinha intenções religiosas e não científicas ao reali1ar seu traba-
lho. Aliás, as moti\'ações religiosa~ e políticas sempre foram a~ que mais lllO\e-
ram os estudos l111gfü;ticos ao longo de toda a história até o século XX Contu-
do, mesmo Chomsky reverencia a obra gigantcscél cio lingüista indiano, que
soube desenvolver uma análise morfossintática rcfin:.ida n a relação com a
fonologia Pela mesma época de Pauini, na Grécia Antiga, iniciavam-se os estu-
dos da linguagem que influenc1anam todas as gramáticas posteriores até no<;~<;
dias: é a tradição greco-romana. Entre estes estão Platão e Aristótele~. Ali são
postas as bases filosóficas da tcm1i11ologia e os primeiros problemas lingüísticos
que foram, sobretudo, de ordem semântica e filosófica e não fo rmal e morfológica.
A idéia da arbitrariedade do signo e de seu caráter representacional vem de
Platão e Aristóteles, que levantaram os pilares da semântica e da sintaxe'. De
então para cá, os estudos avolumaram-se e chegaram ao século XIX com uma
rica bagagem, especialmente na linha filológica, histórica e comparatista.
1. George \1oun111 19-0). /frçtórw da l111gimhca: das or1gl!m ao ~cu/o XX Porto Oc~pertar
Z. Os romuno> e os medievais. de 11h111cir,1 geral. contribuiram mais para a rcílexi'io íilosúfica do
que para a inve,tig,1çJo lingüística ~tricio SCll$11. 1\lém disso. de\ e-se t·omiderar quc os 1·0111u11os 111Ji'
contribuíram parn tr.1mm1Lir do que inO\<lr o rcílcsào sobre a li11guai;cm.
3. D1s'o surf;tr.1m. por exemplo. a;, f:unosas Leis de- Gnmm C]llC' ohçervavam ª' >imtlMidddes
fonéticas da> hngi1as i11do-curopéias, cm p.1rtic11lar o sâmc:nlo, o grego e o latim.
Preliminares 1 Breve observacão sobre a lingu1stica no século XX
Essa tendência linha uma long<1 e frutífera tradição que irá perdurar até os
ano-; 30 do século XX. juntamente com a no\'a \'isão estruturalista surgida no
primeiro quartel do século XX Sau~ure deu origem à chamada lingúÍstica cien-
tífica, que ficou conhecida a partir ele seu Curso de lingúística geral desem·olvi-
<lo entre 1911-1913 e publicado pmtumamente em 1916 por \cus alunos. in-
guém mais duvida hoje qne o projeto saussuriano, mesmo na vcr~ão positivista
lcgad.i pelos seus alunos\ inaugura um 11ovo modo de faz.er linguíi.bca cm rcla-
<;ão ao comparatismo e ao historicismo 4ue o precederam, interrompendo uma
parle importante da caminhada que dura,·a desde o século XVll. Particularmen-
te relevante é a sócio-semiótica proposta por Sal15Surc c que de' erá ter extrema
rcle,ânc1a cm todos os estudos lingüísbcos postenores.
4. :\ C'!i)e rõpe1to ef Cario, \hcrto Eir;iw 1:!004). Esludo, pré-~aussurian<r.>. ln: ;\una Christina
Rente, & Fernanda !\lmsalnn org.. lntrvduçilu iJ lingüí~tica. \'oi. Ili. Fi111d<11111mlo~ epr~lemológícos.
~.lo Paulo: Corta pp :!--:;z.
5. \'oito a fmar que um.1 rc\ i~u <lc Sau-.;urC' tom maior detJlltc <lo que Jj ~ fc:t Jté aqUJ poderá
mmtmr 41tC' há mal> cquhoco> do 4ut w 1111ai;1na neS\a que;tão. C' talH:t o pr6pno Bakhtm tenha sido
\ih ma <lt?>'OI annadilha dos di<npulo\ dt S.11i\MtrC', l•Í <JUC na época <lc Baklttiu uao hJ\ tJ ~reflexões
q11t lw1c se fo~c.:111 d c:.sc rcspc1to. Port.111lo, i: born relativizar algumn~ d.1\ oh~crvações aqui ícitas.
luiz Antônio Marcuschi 1 Producão textual, analise de genl'ros I! cornpreensao
e com base na!> unidades abai'.\o do nível da frase (fonema, morfema, le.,cma).
Ní-'ío havia atc11çiio para o uso. (Obs.: estes aspectos estão sendo ho1c total-
mente re\ i~los com as 110\as dc!>coberlas de manuscritos de Sau~!>ure publica-
dos ao longo da í1ltima década do século,XÀ.J
Não se ele, e ignorar. no entanto, que Sau~l>urc não fechou a~ portas
para a análise do uso. da enunciação ou do le'.\to, nem mesmo ignorou o
sentido, mas essas não parecem ser suas preocupações cenlr::us 110 Curso.
Novas descobertas de textos inGdi tos de Saussure1' dão conta de que ele li-
nha uma ''são muito mais ligada à análise da língu.1 em uso do qut ~e deu a
entender. \'ária\ \Czcs Saussurc (200+ b6-'>7, zr. nesses no\os textos,
lembra que a linguagem é dm:uno.
Vale a pena considerar aq11i 11m item importante dessa nova publicação
de Saus:;ure (200+), a fim de ler clara a posição daquele lingüista qmmto à
natureza do ob1cto dos estudo:. lingi.iíslico:i. Com efeito. Saussurc defendia
que não hcí ohietos naturais na língua e sim Lodo~ são fruto de um particular
ponto de \J!>ta. l<.ssa ,;são saussunana é fundadora e cs~cncial para se compre-
ender como os objetos de no:.~o e:itudo são comtituidm. Vejamos alentamen-
te este aspecto cm sua forma original nesta in:>trullva passagem do St111ssure
recentemente redescoberto:
6. Rcfiro-1111: .1q ui cm parlic:ular :io livro recentemente publicn<lo crn português Fcrdm;ind de
S:1msure 12004). E~crito.1 de lingüMke1 i;ewl Organiza<lm e cd1t.1clo~ por Simon Bou4uct e Ruclolf
Lni:lcr. com a colahoraç'lo dt .\ntomcttc \\ctl S~o Paulo: Editora Cullrí\. td. or Écnl~ de /111i;1m/1que
générale. ParÍ\: C:;1llí111ard. 2002 .
lob Antônio Marcusdli 1 Procl•4io teahnd, análise de genros e compreensão
uma teoria mínima que o delimite e o conceba. Por oulro lado, não se pode
considerar que os significantes existam sem que haja 11ma combi11açl10, con-
venção ou algo similar por parle do:, falantes de 11ma língua. Todo o problema
está no ponto de \'ista que adotamo:, ~ara estabelecer esses fenômenos, como
construímo!> a:, relações entre os indi\'íduos, o peso que damos a essas relações
e como concebemos o papel da língua neste processo. Seguramente. Saussurc
procedeu por algumas reduções muito sérias cm seu recorte sincrônico e sua
visão si!>temálica, seguindo caminhos que impediram um trato ela 1íng11a na
ob!>ervação primordial de sua característica discursi\'a e social.
7 ·\incb n,1 tcnt:itha clc fazer 1mtiça a Sau,sure. lembro t111~ '"' mc,m.i obra u,1 <.!uai cxtr.1í o
trecho acimJ, comtJ esta p~gem surprccn<lcntc· 'Todas ru mocli{icuçocs, sei<1m fonétu:a~. çc1am grama-
t1ca1s (unalógica' , '<' faztm exclum amcnto! 110 di<cursn-o \'ao hd nenhum momento cm que o ~ujeito
rubmeta a uma rni•Jo o tesouro mental da fmgua que ele tem t'111 si, e crÍl". dl! esflÍrito dcsc.m.,,1d11. (omras
nm·as [ .. ] que l!fe 't proponhu tprometa) 'colocar' em se11 pr6x1mo d1M:Urso. 1ocla inornçJo cheg..i de
improlif;(), ao fcJlar, e ~nelra. dai. no tesouro wt11110 do ouvinte ou no do orador, mas se pmdu~. porta11lo.
a propósito de umu /111g11agem d1scmi,11•t1" \ S.m~surc. 2004: S6-ll7).
8. Simon l3ou<1uct ( 199i) lntroduçdo d leitura de Sausmre. Sfo Paulo. Cultrix
<) i\md~ hoje:. e não só no Bra'il, a 1na1oria dos cshH.lm de lingüística se inici.1 com J leitura
\i~temáhca da \Ul~Jla \Ju~uriana 8,1,t.1 a 11ali~11 a bibliografia c'rstcnle e se verii que o Cur.~o de
lingú4tica !!,CT<ll do lmg1ii,la genebrino figura lj qua'e que obng.1ton.1mcntc.
Preliminares 1 Breve observa4ão sobre a lingüística no século li
B. As dicotomias fundacionais:
langue e parole; tompelêntia e desempenho
O final do século XIX é marcado por intensas análises da natureza ela ciên-
cia e pelo debate sobre os fundamen tos epistemológicos da investigação cientí-
fica. Reativava-se a discussão a respeito do objeto científico c tentava-se resolver
a tensão entre o particular e o universal, decidindo que a ciência não podia ser
do particular e sim do universal. isto desencadeou a já lembrada postura formal ista
por um lado, mas instaurou uma perspectiva empirista por outro. Instaurava-se
o mundo extramental como o grande "tribunal da experiência", por um lado, e
a visão fonnal com a imposição de um a priori. por outro lado. E todo o século
XX viveu da tensão entre estes dois pólos: o forma l e o empírico.
1O. Am que se interessam por urna aTiálise cios caminhos e descaminhos do século XX e "as críscs
das ciências'', com a derrocada da epistemoloi:;fo clássica. bem como com a entrada da filosofia da
ciência. aconselho a leitura do livro de Boa\·entura d e So11z.a Santos (2003) Introduçao a uma ciência
pós-moderna. 4' ed. Rio de ja11eiro: Graal. Jmportantc para nós é o que defende o autor ao ensi11ar (p.
~O): "Deve-se suspeitar de uma epi>lemología que recusa a reílexão ~obre as condições sociais de
produção e de distribu ição (as conseqüênc i,ilS sociais} do con hecimento cientrfico". A ciência não pode
~er vista como uma "prática para si". poi:; isso J confi naria num uniyerso <.JUt! anularia ··a dimensão
pr:igmática da reílcxão epistemológica··.
luiz Antônio Mar<uschi 1 Producão tutuol, analise de generos e co,.preensa o
difícil estudo sistemático por i.ua dispersão e variação, e a langue era a ' isão da
língua no plano i.ociaJ, comencional e do sistema autônomo. De igual modo
procedeu Chomsk) ao distinguir entre competência e desempenho, em que o
primeiro era o plano universal, ideal ~ próprio da espécie humana (inato),
sendo o segundo o plano inclivid1ia l, particularfstico e C'<tcriorizado, não sen-
do este de interesse para os estudos cienüficos da língua. Para Chomsky. o
objeto da ciência só poderia ser a competência, assim como a langue para
Saussure. Existe, no entanto, uma diferença fundamental cntTe Saussure e
Chomsky, pois enquanto para Samsure a linguagem é uma instituição social
e co1wcnção social. parn Chomsk) a linguagem é uma faculdade menta]
inata e geneticamente transmitida pela espécie. Central, em ambos, são a
forma, o sistema, a abstração e o universal como objclo da ciência controla-
da. Aqui, a língua enquanto atividade social e históricn, bem como a produ-
ção e a compreensão lcxlual e as atividades discursivas ficam em segundo
plano, mas não são negadas. 1'.ssc- aspecto cleH: ser sempre enfatizado: nem
Saussure, nem Chomsk) negam que as línguas tenham seu lado social e
histórico, mas estes não são, para eles. o objeto específico do estudo cientí-
• fico. Em Saussure, a un1Ch1dc ele análise ,·ai até o item lc:-;ical ou o sintagma,
e em Chomsl·y ela chega à frase.
luitas destas dicotomias e outras ainda são utilizadas nos estudos lingüísticos
sem o menor problema, cm especial os de caráter forma] ou cstrnhiral.
11. Parltculannente intere~>Jntc~ a e~>e re>pe1to ~ão os e~tudo> de: Rodolfo llari 12004 ). O
,truturali,1110 lmguhtico alguns c.11n111hm (pp. H-92\ ~de Eroblde Goreth Peratt1 (2004) O &mcio-
.i]i,1110 e111 lingüfatica (pp. 165-218), a111hm ili \nna Christina Bcnk·~ &: Fu11and.1 Mm,alun (orgs)
lritmd11çdo à /111garst1ca. Vol 111 ru11dc1111e11I<>~ ep1stcmo/6g1cos Siio P.rnlo Cortei
luiz Antônio Mar<uschi 1 Produ1ão textual, analise de gé ne ros e 1ompreensao
D. A derrocada do behaviorismo e o
surgimento dos cognitivismos
Segundo observa Monika Schwartz ( 1992: 11 ), citando Knapp, pode-
mos dizer que o século XX divide-se em duas metades muito nítidas quanto à
'lingüística oficial':
12. Para Humboldt, a linguagem era o diferencial básico entre os seres humanos e todos os
demais seres.
Preliminares 1 Breve obscrva~ão sobre a lingüística no século XX
13. "A mudança de pon to de vista [estruturalista de análise] para uma interpretação menlalista do
estudo da linguagem foi ... J um fator que contribuiu para o dese1wolvimento das ciências cognitivas
contemporâneas. [...] Surgiram muitos problemas novos e desafiadores. ao mesmo tempo que desapare-
ceram inúmeros problemas conhecidos quando considerados nesta perspectiva" (Chomsky, 199-*; 58).
14. Em sua obra de 1986. da qual usamos aqui a tradução de 1994, O conhecimento da lfngutJ,
ua nature;:a. origem e uso. Chomsky nos d5 as definições ainda hoje mais importantes para entender
com clareza seu projeto geral. Para o autor, ..a gramática generativa mudou o foco de atenção do
comportameuto lingüístico real ou potencial e dos produtos desse comportamento para o sistema dt:
conhecimento que sustenta o uso e a con1pree11são da língua e, mais profundamente, para a capacidade
mata que pem1ite aos humru10s atingir tal conhecimento" (p. 43). Asslm, "uma gramática generativa não
é um coniunto de asserções acerca de objectos exteriorizados constnúdos de uma determinada manei-
ra" (p. 43). Para Chomsky, a exterioridade lingüística, os usos e~ línguas naturais não são objetos
interessantes paro a lingüística (p. 45). Contudo. creio que devemos fazer justiça a Chomsky, já que ele
abre portas para o estudo de oulras questõe~ quando lembra que "o estudo da ünguagem e da CU,
conduzido no quadro da psicologia mdiddual, adm1tt! a possibilidade de o estado de conhecimento
atingido poder ele próprio incluir algum tipo de referência à natureza social da língua" (p. 38). O autor
aponta as observaçôes de H. Pulr1am com sua teoria da "divisão do trabalho lingilístico" que mostra
como o trabalho lexical na mciedade é dividido e ruia se pode prescindir de expert.s neste caso. E então
lembra que "outros aspectos sociais da língua podem ser vistos de maneira idêntica - embora com isto
não se pretenda negar a possibilidade ou valor de outros tipos de estudo~ ~obre a lfng11a que incorporem
a estmtura social, bem como a interação social, Contrariamente ao que por ve:z;e$ se pensa, nessa ligação
não surgem conflitos nem qua11to aos princípios, nem na prática" (p. ~8). Observações nesse sentido
podem ser vistas em Marcmchj (2000).
luiz Aatõnio Marcuschl 1 Protlu1ão textual, ambe de giuros • cc>111pre1t1são
O preço pago por Chomsk} para implantar essa perspectiYa foi a elimina-
ção <los estudos ligados à vida social da linguagem, isto é, a pragmática, a
soc1olingüi!.tica. a interação verbal, o discurso etc .. ligados ao uso, func iona-
mento ou desempenho lingiJísllco A descrição cede lugar à intuição. Para
Chomsk}, a fonte de dados não é a produção empírica e sim a introspecção do
analista. Contudo, não se deve ver Chomsky como um teórico fincado num
quadro teórico monolítico e imulá\ el, pois há uma permanente mudança e e\'O-
l11ção cm \Cll modelo teórico''. l\o futuro, tenho certeza que as an1liações mo:.-
trarão que seu estímulo fo1 mais produtivo que o saussuriano. Mesmo para quem
não o segue ou dele &;corda. as reflexões chomskianas são um ponto de partida
obrigatório hoie cm dia e, em certo sentido, a agenda lingllísbca do momento é
bastante ditada pelas linhas mestrn~ do gerah\ ismo. Não 110 sentido de seguir u
teoria, mas de situar e iclentificar os problemas que ali ~e levantam e que o
gerativismo esta incapacitado de resolver ou pelos quais não se intcrcs~.
Assim. alguns temas que nunca foram hem tralaclos voltaram hoje à or-
dem do dia. tais como a questão da origem cla linguagem e a natureza da
mente humana A natureza dos claclos lingfü<>ticos e a necessidade de uma
15. Quanto J õ\e ª'JX'l lu, acon-.clho a leitura do lrnbalho de Jo)é Bori;es l\eto (200-1) O emprc-
C"11J1111enlo gt·r.ili'o ln: \nna ( hri,bna Sente, & fem;111cfa :'\.111c;sahm ori;- lntrodu~·au a lingüi$hca
\oi lll: F1111damento.s eputc:mológ1c°" Sào Paulo Corh:z. pp 93-130 '~~e trabalho. Borges \foto
mo'h'a que o programa gerali\o, <:nado e lidna<lo por Chomsky. é muito m;m umtáno c pcm1Jnenle do
que os geralivisl:ts 1magmilln Dt·,de o~ ano' J950 .ilé ho1c, Chomsky St: mantém fiel oo proi.;ram~ inicial.
c11jo núcleo rnn\lshna ne.Lb afirmações· (.i J ··o~ comportamc11t()!; /i11güf•lic~ rfctn'CX !r111mrn1dus)são. do
m.no.s parcwlmi:ntr. detennmad0> por e<taÚ<~> da mrnt.:lcén:bro .. e (b ~. \ nalul'l.'::a d0> ('tudo. da mmtel
càc:bro p.ir1:1cJlme11te 1YSpon"/h:1.~ pi!lo t-omportaml!l1to ltngíit.s!i(O pode wr captada por (/<lema.1 computacwnah
q11f.' fonna111 e modificam as rrpre~c11te1çôes". para Borges Neto. isso smteh1,1 o pensamento t'homs~1~no
ni:'k$ ciuc.iucnlJ anm .. \cna~·;111 d~ sistcmJ\ rn111putac10na1s <111c sirvam dt· modelo para o conhcc1mento
1111~ ·stico do~ f.il.mte;lom mies de uma lí111;11a~ 'cria a l.ucfa do lmg(11st.1
Preli111in11r«11 1 llreve observa4io sobre a lingüístha no 1é<ulo XI
16. 1 mbora nJo ..eja ª'!ui o lugar ,lc <klallldr e~ quc~tão. C: 1111prnc1nd1,el que pelo menos ~e
fac;J um rC"gi tro lembrando o papel ~~cnci.11 de Lud\\ ig \\'ittgenstcin a partir de füa!> lm'e5't1gações
frlo~óflc11s e John .\ustin com sua obr.1 Quando d1::er i f11;:er. que deram o 11npu),o central a partiT da
filo,ofia analihcd para quC' ~e desenvoh-c~~c .1 pragmática tal qudl a co11l1cccmos hoje cm ~u:u di\ersa~
\ertc11tn . .\lém dc~ses. ,aJe re.>;1lt.11o1r.1balho dC' 11. P. Crice. f JSgica do wm-ersuçcio. que estimulou o
e\lndo 'obre o problema da ~i11:mficaç;io nilo-literal e 111trod111111 o problcm,1 da inkncwn;ilidade na
pr.1~111;1lica, 1a tjllC e~te não er.1 um 11,peclo ~1liente nos modelos w1tlgemtc1n1;1nn~ {; au\limauo~.
17 Acrc<hto que a pragmática é co111patí11el com alguns tipo~ de an.íl1't dt· dJ\t·urso, embora
.1lg1111~ dek11d.11n que <1 pragmálica \CÍJ o "111111ugo número um" da nmfü~e do di,cur~o francesa (ADI'),
tomo o fo1. por exemplo, Sírio Po!.>cnli (2004). leonJ do d1scur;o: um c;1sn <le múlhplas rupturas. ln:
\1111.1 Chmtina Bcntes &. l"crnanda i\lu,!>..1hm (org\ t /11tmduçao à /m~11f~t1ctt \bl. Ili Fundamentos
c(>hlcnwlágicc>s. S:io Paulo: Cortei. pp ~ Sl ~Q2 Contudo, crc10 que J \Pf nju pmk negar a noção de
co11tc\to nem a noção de cogmc;âo e inh:nc1onahtladc. embora não tr.1b.1thc com elas lc11do em \Íst:I a
noç.1o de rnjeito e de língua que tem . O problema da pragmática de 11111 modo gc1JI e que dd ndo lida
com o mcomciente e a psican:ih\c de um modo geral Já a anãfüc do dí\Clll'\O crítie;o1 ( \DC) opera com
.1 maioria dc:s'e' conceito:. por njo ter a idéia de füfc1to as,111c1tado' e 11.10 c'Llr Jtra~ c~da pela
0
P'lt:m.ili,c. Concordo, no enlanto. tom E111 Or1Jnd1 que ;i ,,s.io p-.rnlogu<mte do, c'ludos prngmáh-
t·m mm um >11je1to 111lenc1onal e ..em im:omdente é um prohlemn par.1 O\ c\ludo~ pr~E;lllJhco,. Seja
como for. nJo creio que a~ ma1> dívcr~J> \rl~ que forem propo~la) po11,1111 >c d.ir bem no futuro se não
111corporare111 algum tipo de prngm:it1c.1 e cogmção.
Luiz Antônio Marcuschi 1 Producão textual, analise de gêneros e compreensão
deste século &"XI atenção sistemá tica mais detida do que recebeu no século
passado. É no quadro da pragmática associada a po~tulados de outras áreas
que se mostra que a linguagem não é transparente e que as intenções não são
dados empíricos. Ao lado da pragmábca, apontaria ainda a já lembrada lin-
giiística cognitiva como a linha de trabalho que deverá constituir boa parte da
agenda dos trabalhos lingüísticos do século XXI.
• lingüística-de-texto,
• análise-do-discurso,
• análise-da-conversação,
• sócio-l ingüística,
• psico-lingüística ,
• etnografia-da-comunicação,
• etno-metodologia
e assim por diante. Por outro lado, o século XX, cm especial no seu final,
experimentou uma série de novas orientações e perspectivas ligadas aos m·an-
ços tecnológicos, e ho1e enfrentamos o desafio de entender os usos lingüísticos
no ainda desconhecido campo da comurucação digital e nas interações \'ir-
tuais representadas pela internet 1 ~.
18. Pessoalmente, <lcfendo. quando a isto, que a internet é muito mais uma remlução social do que
uma rn'Oluçilo lingüística ~sim, como ainda \Cremo~ no trabalho sobre gêneros, a linguagem não e.~tá
1.:111 cri5c nem se modifica d«. maneara !.lo ra<l1cal com o ad\'(·nto da e1rnt;1 inleme hana. Um dos fato~ ma1~
not.:h·e1$ quanto a isso é a ev1dênc1a da w1rioçilo na escrito, fenômeno menos 11shel até este momento.
Preliminares 1 Breve observa,ão sobre a lingü1sti&a no sêculo XI
19. Embora já tenha feito uma longa nota sobre a pragm6tica, creio que se pode acrescentar mais
alguns detalhes para que não fique 1•<1ga esta n<>ção. De acordo com o D1cionáno de análise do discurso .
de Patrick Charaudeau & Doininique Maiagueneau (2004), em seu verbete< pragmática > (pp. 393-
396), o tenno "pragmáhca' usado COlllO sub:.tantivo designa tanto uma :.11bdisciplma da lingüística como
uma corrente de estudos do cliscur~o como uma concepç.'iio de linguagem. Como adjetivo, na visão de
Morris (1938), seria um dos nil'Cis de funcionamento da lingua ao lado ela sintaxe (relação d<J signos
eutre si) e da semântica (re lação elo signos com o mundo) D iria respeito à relação dos signos com seus
usuários. A rigor. a pragmática é todo o estudo da língua relacionado a fatores contc~iuais e discursivos,
tendo como foco de anáfoe os uso> e não as formas.
20. A sociolingiiística trata da relação entre l mgungcm e realidade ~oc1al. Surgiu nos anos 1950
com Uricl Weinrcich, Charles Ferguson e )oshua ri;hmau, com estudos sobre a diglossia e o contato
lingüístico, entre outro). Com William Labov, lomou corpo o estudo da variação lingliística. Há amda
outras soeiolingüísticas qualitativas, tal como o trabalho de Basil Bernstein e o trabalho dos ~ociolingüista)
Leslie Milroy e )ames Milroy com a .imílise das redes sociais, que no Brasil ti\'eram repercussão nos
estudos de Stella-Maris Borloni-Ricardo. 1 es~~ campo. inserem-se ainda os estudo; da norma e da
língua padrão, tal como vêm sendo estimulado~ entre nós por l\larco) Bagno.
luiz Antônio Mauuschi 1 Producõo textuol, analise de gêneros e compreensão
É evidente que estes cinco focos são uma forma simpfüta e sumária de
sistematizar e reduzir o grande e rico percurso da lingüística no século passa-
,
2 1 Refiro-me aqui ao trabalho pouco conhecido de .\1ichel Péchc tl\ ( 19991 Sobre a
des rnnstrnção das teorias línguisbcas. Ungua e m«rumentos língüíst1cos. :!1 1m1. pp "-32, Campi·
s Ponte; i\s;im se expressa Pêchnu. nc;~e artigo: ·o fato de que o pró/m111tmeràno da CCT IEnha
poárdo contnburr, na base de um certo encobrimtnto interno da especificidade do~ fato; sintáticos. para
d< loc:ar cada re;: mars o ponto de aplicação da re{le~ào em direção à semdntrca e à ldgrca, depois para a
f:!'<IS::rrrdlica, nilo constitui face a este cormmw senilo pro1·a suplementar: a homrmagcm /orçada, pelo convíYio
mufot<1, à,ç virtudes de um "pensamento aberto ao exterior" (p. 13, gnfos do autor)
luiz Antônio Marcuschl 1 hodtf(ão teztual, arHilise de géneros e co111prH11são
Mas é mais do que urgente compreender, como 111oslra Pezatti (2004: 165-
218), que o funcionalismo em lingüística é muito mais um conjunto de teorias
dentro de um paradigma do que uma \·isão unitária. Há muitos funcionalismos
fonnalistas. Partindo da visão saussuriana, podemos di:ter que o próprio obje-
to lingüístico se dá funcionalmente como produto de um ponto de vista e não
como algo preestabelecido. O funcionalismo foi, a rigor, uma visão que pre-
cedeu o formalismo cm lingüística.
l Estrutura do código lingüístico como gramática 1. Eslnnra da fala (;to, evento) COIOO formas de dizer
2 Ouso apenas implementa - talvez limita, talvez 2. hlâlise do uso é anterior à análise do código:
correlaciona - o que é anaisado como código: organização do uso revela relaçoes e traços
anâlise do código antecede a análise do uso adicionais; mostra código e uso em relação
3. Função referencial - completamente (dialética) integral
semantizada e uso como norma 3. Gama de funções sociais ou estilísticas
4. Elementos e esbúuras como analiticamente 4. Elementos e estruturas como etnograficamerte
arbttrários (na perspectiva ~ltural ou adequados
histõOCa). ou univmal (na perspectiva teórica)
5. Equivalência flllcional (adaptativa) das línguas: 5. Diferenciação funcionaJ (adaptativa) das línguas.
todas as línguas são essencialmente (potencial variedades e estilos: estes sao existencialmente não
mente) iguais necessariamente equivalentes
6 Código e comunidade singulares e homogêneos 6. Comunidade lingüística como matriz de
(replicação de uniformidade) repertórios de códigos de estilos de fala
("organização e diversidade")
1. Conce~os fundamentais, como comunidade de 7. Conceitos fundamentais tomados como
fala. ato de fala. falarte fluente, flllçoes da fala e problemáticos e a serem investigados em seus
da linguagem como tácitos ou arbitrariamente contextos de origem e uso.
postulados
- Dei Hymes (1974) foundatians #! Sociolín,wu;cs. .ti [Jhtlogr'f'hk Approach. Phtladelphia: IJMmAy of Pennsylvanil Press. p. 19.
22 Citado aqui a partir de D. Sch1ffnn (l<)q4: 21-22), que extrai os dados de G. Lcech (1983).
Pnnc:iplcs o/ Pragmalics. London, Longman.
luiz Antônio Marcvschi 1 Prodv4ão teatual, ancilise lle gi11eros • compreensão
23 Cf. a esse respeito o~ tr,1bnlho, de Erohlde Coreh Peni th, "O fu11~1011dlismo cm lmgulslicJ"
Prelhninares 1 Breve observa~ão sobre a lingüística no século XX
Ba~tcm estes comentários sumários para se ter uma noção <lo lugar em
que se situa a lingüística <le le,lo. Ela vem no fi nal de um longo percurso
ClCntífico e ela própria passou por um grande desenvolvimento. É a este lema
que nos dedicaremos a seguir pqra entrar então de modo sislcmálico no traba-
lho com a produção textual.
Sugestão de trabalho .
Após a breve análise do desenvolvimento da lingüística no século XX, seria ütil realizar um
levantamento dos principais aspectos analisados, em especial aqueles ligados a autores,
correntes teóricas e grandes temas. Uma consulta às obras indicadas na página seguinte
serve como aprofundamento e fonte para realização da tarefa Entre os temas que merecem
atenção ofereço estas sugestões:
1. Quais os principais autores que desde o inicio do século XX mais contribuíram para o
desenvolvimento da lingüística em suas várias direções (uma breve relação dos autores
com as idéias centrais).
2 Quais as principais correntes lingüísticas surgidas no século XX (uma breve descrição dos
principies básicos).
3. Termos técnicos que poderiam contribuir para a construção de um pequeno glossário
que aparecem nesta exposição e marcam o percurso dos estudos lingüísticos no
século XX, tais como:
GLOSSÁRIO
ato de Fala interação
cognição léxico
competência comunicativa lingua paô-ão
competência lingufstlca morfologia
desempenho norma lingüística
dialeto pragmática
discurso registro
estilo signo
estrutura sintaxe
fonêtica valor
fonologia variação
forma variedade lingüística
f\llÇão
intenção
pp. J6;.zJ8J e o trabalho de Rolx:rta l'irc~ de Oli\"eira, "Fonnalismm na lingüí>tica: uma reílexão
rnllca" (pp. 219-250. Ambo> m: i\nna ChnstmJ Bentcs & Fernanda Mu>~l1111 (ori:\.) (20041 lntrodu·
çào iJ l111g1ífs/1c11 Vol. Ili: Fund11men/os e/mle111016g1cos Sâo Paulo: Corte/ \~ d11<1s autora~ têm \'Jsões
ba~tan lc d1fcrcnciadas a respeito da quc>tilo e por isso vale a pena confro11t<i-la).
luiz Antônio Marcuschi 1 Producão tutual, 11t1álise de gêneros • compreensio
Í
pergunta que se acha no item acima foi formulada por Antônio
1g11sto G. Bafüla na introdução de seu livro, Aula de portuguê~
- Discurso e saberes escolares, (1997: 1) com um conteúdo lcve-
mcnlc d1fcrcnlc: "Quando se ensina português. o que se ensina?" .
...............
~::!!!:~,• Para o a11tor, tratava-se da questão do ensino de língua portu-
g11csa; mis aqui se trata da língua e não apenas do português. E não do ensino
da língua como tal, ma~ de seu estudo. \fa realidade. c.ssa indagação pode ser
feita de muitas coisas, mas cm particular ela se aplica ao caso da língua.
• l .sta postura çugcrc qne o emíno. seja lá do que for. é sempre o ensino de
uma \.isão do objeto e de uma relação com ele. Isto vale para o nosso objeto:
a língu<l; e mais ainda parn o~ fenômenos aos quais nos dedicamos aqui: o
texto, os gêneros e a compreensão. Continuando essa rcílexão sobre o que é que
se ensina ou estuda quando se ensina ou estuda língua, vale a pena observar
mais um pouco do que nos diz Batista (pp. 3-4):
É a alteração do ponto de vi~ta sobre esses e outros fenômenos que pode. em parte.
explicar a~ mudança' que' cm ~frendo o ensino de Português ao longo de sua história,
e que se cxprc~m. na altcr;ic;Jo ele seu nome: Crnrnáhc;i Nac1onal, Língua Pátria ou
Idioma Nacional, Comunicação t; f~xpressão, Portuguêl>. L também na alteração de<>sc~
pontos de vista ou, part1culan11cnte, a competição entre cb - que pode explicar
cm certa medida, as polémicns e as verdadeiras lutas que com freqüência se travam para
a definição ele seu objeto e objetivos: a gramática? a leitura e o escrita? a língua oral? o
processo de enunciação de texto~ orais e escritos? o domínio de uma Hngua considerada
lógica e correia cm ~• mesma? o domímo de uma \'Uriedade lingüística prestigiada
i.oc1almente' Dcpcndc:ndo da\ respostas que forem d.tda\ a c~1~ qucrtões, diferente..
práticas ensinarão diferentes objetos, com diferente.~ objeti\Os. lbclas essas práticas, no
entanto, poderão ser identificada~ pela mesma designação: "Portuguê:.". Faz sentido,
portanto, perguntar o q11t., ~10 \e cminar essa d1'iCíplina, é cn~inado.
l\ão parece restarem dú,idus quanto a esse aspecto crucial. Sempre que
cminamos algo, cslarnm motivados por algum interesse, algum objetivo, algu-
Prim.,ira Parte 1 Procenos de producão textual
FURTARÃO OANELÃO
No dia 3 do prezente mez, na guarda principal. perdeo-se, ou furtarão do dedo de um dos
indivíduos, quando dormia, que estava de guarda no mesmo lugar um anelão de ouro. todo
lavrado, e com dous corações unidos dentro do círculo posto no lugar em qáele bota firma:
pede se a quem for offerecido que não o compre; pois pretende-se proceder contra a pessoa
em cujo se achar. Assegura-se ao Snr. que está deposse do dito anelão, que se o restituir se lhe
guardará segredo da graça, ou antes da fraqueza, em que cahio. Apessoa que trocar o referido
anelão nesta Typ. Receberá 4Srs de gratificação.
Mas o problema não reside só nas formas de acesso ao texto e sim nas
fom1as de sua apresentação. Quanto a essa inadequação, sabe-se que os textos
escolares, sobretudo nas primeiras séries, padecem de problemas de organiza-
Primeira Parte 1 Processos de producüo textual
É óbvio que se a escola tem como missão primária levar o aluno a bem se
desempenhar na escrita, capacitando-o a desenvolver teÃtos em que os aspectos
formal e comunicativo estejam bem conjugados, isto não deve servir de motivo
para ignorar os processos da comunicação oral. A razão é simples, pois desen-
Yolver um texto escrito é fazer as \'ezes do falante e do ouvinte simuladamente.
f\lcsmo que o texto escrito desenvolva um uso lingüístico interativo não do tipo
comunicação face a face, deve, contudo, preservar os papéis que cabem ao
escritor e ao leitor para cumprir sua função, sob pena de não ser comunicativo.
1. Para uma visão clara da situação da avaliação dos livros didáticos de lí11gu.i portuguesa
realizada no contexto do PNLD, seus critérios e uma análise dos result:idos, aconselho a leitura do livro
edit:ido por Roxane Rajo & Antônio;\. G . Batista (orgs.) ( 200 3 ). Livro didâtir:ó de língua portuguesa,
letramento e cultura escrita. Campinas: Mercado de Letras. Ali há a aprcsc:nlação da metodologia de
a,·aliação e os resultados dos. úlhmos anos.
luiz Antônio Mar<uschi 1 Producoo le1tual, analise de generos e compreensao
essas posições para tennos uma noção clara de qual o tratamen to que neste
momento cslú sendo sugerido a essa questão 2• >Jcslc curso, ,·amos dar atenção
especial à ora lidade e problemas correlatos ao tratarmos os gêneros textuais
nos itens Z.10 a 2.13.
o que jmtifica a intervenção c~colar num processo de aquisição que acontece natu-
ralmente?
2. Sobre hl.t: a>sunto. cl. alguma\ nota~ cm Luiz Antônio \1nrcusch1 (1999). O tral.1111cnto dn
oralidade nos PCI\ de l .íngua Port11g11e~<1 tlr 5• .i 8ª Série~. Scripta. Belo Horizonte: PUC-MC, \OI. 2.
n" -f, pp. 114- 129.
3 Refiro-me ao trabalho de f\laria de Fátima Carvalho l,opc\ ( 1984). Lingüístico e ensino de
língua malema. ln: Ada~ do 1° Encontro de Un1;üistas Portugucws. Lisboa: Faculdade de Letra~ de
Lisboa. pp. 2+1-256.
-f. Po~1ç;10 c~~cncíalmente similar a c'sa é defendida por outro lingüista portuguê\. Jo.iqu1m
Fonseca 1984 A line,ilística e o emmo da língua materna. ln. Acta~ do Iº Cncontro de I .mgl.i1~ta~
Portuguei.es. Lisboa hiculdade de Letra1. de Lhboa, pp 257-260 F.lc a\sint >e expressa: ÜDarei. então,
que a aula de língua materna visa, naturalmente, o desenvol"imcnto da competência co1m1111cativa e
111e1.:1lmgiifshca/metacomunicativa do ,1lu110, desem·ohimento esse (e importl sublinhá-lo) fortemen te
orientado para que o .1111110 use melhor :i ma língua - use melhor não apenas como aperfeiçoamento
do domínio de estrutura~. de correção gra111.ilttJI, mas tamb~m e ~obretudo, e como obtcnçilo de
'uce<.so na adcquaç~o do acto \·erbal as s1tu.1çõc, <le comunicaçüo" lp. 259).
Pri111elra Par1e 1 Processos de produ~ão textual
a preparação do aluno para a produção ágil doi. ~em discursos e para a aq1Jiação
crítica dos discursos alheios - no que se conseguir.í que ele obtenha uma maior
eficácia na actuação social, um maior sucesso na descoberta de si mesmo e na sua
intervenção na prática social (p. 260).
É claro que esta posição de joaquim Fonseca, com a qual estou de pleno
acordo, traz a necessidade ele uma boa formação lingüística para o professor
de língua materna em qualquer nível do ensino. Como diz o a utor (p. 259),
trata-se muito mais de se perceber uma ling11í,hca unplicada do que uma lin-
güi~t1ca aplicada, isto é, uma lingüística prévia e sólida que tenha fundamen -
tos científicos bem definidos para poder ser aplicada. No fundo. a aplicação
seria uma implicação pedagógica do já sabido.
Embora eu me decida pela noção de língua como um conjunto de práti-
cas sociocognitivas e discursivas, como ainda veremos ein detalhe adiante,
não gostaria de deixar a impressão de que ignoro o sistema. Não existe possi-
bilidade de trabalhar a língua sem atinar para o sistema, de modo que o traba-
lho com a gramática tem seu lugar garantido no trabalho com a língua mater-
na. Assim, concordo com [randé Antunes (2003:85) quando ela frisa que
as pessoas, quando falam, não têm liberdade total de in\'cntar, cada uma a seu
modo, as palavras que dí1.cm, nem têm a liberdade irrestrita de colocá-las de qual-
quer lugar nem ele compor, de qualquer jeito, seus enunciados. Falam, isso, sim,
todas elas, conforme as regra~ particulares da gramfüca de sua própria língua. lsso
porque toda língua tem sua gramática, tem seu conjunto ele regras, independente-
mente do prestígio social ou do nível de desenvolvimento econômico e cultural da
comunidade em que é falada Quer dizer, não existe língua sem gramática.
por parte dos falantes. E como diz >\ntunes, (2003:89): gramática reflete as
u \
A este respeito concordo com a prof'. Rosa Virgínia ~lalto~ e Silva (200+:82-
)5)', quando aponta o valor social que a "consciência gramahcal da língua"
tem para o cidadão. Assim, a primazia do aspecto cogniti,·o, comunicati\'O e
social ou então textua] e discursivo que o ensino assumiu não deveria obscurecer
o aspecto sistémico da língua. Acredito que todos os reclucionisrnos deveriam
ser evitados. Não se deve ignorar que, sendo a língua um fenômeno social, tudo
o que se acha vinculado a ela tem esse caráter, inevitavelmente. O que deve ser
evitado, segundo nos adverte Matias e Silva (2004:85) é "o objetivo pedagógico
de caráter prescritiYon como o único a ser atingido.
5. Refiro-me à obra de Rosa Virgínia }.lattCls e Sih-a (20041. "O {><lrtuguês são dois .. " I'\ovas
{ro11teiraR. l'elhos problemas. São Paulo Par;1hola Editorial. Aqui a autora trai uma série de Lrabalho~
críticos ~obre história, vanaçilo e c11s1110 de lf11gua portuguesa.
luiz Antônio Marcuschl 1 Produ1ão Intua!, analise de ginercn e compre~são
'"\
• certos cai.os são 'ülas até como intercambiáveis. A tendência é rer o texto no
plano das formas lingiííslicas e de sua organização, ao passo que o discurso
seria o plano do funcionamento enunciativo, o plano da enunciação e efeitos
de sentido na sua circulação sociointerabva e discursiva envolvendo outros
aspectos. Texto e discurso não distinguem fala e escrita como querem alguns
nem distinguem de maneira dicotômica duas abordagens. São muito mais <lua::.
maneiras complementares de enfocar a produção lingüíslicn em funciona-
mento. As definições mais comuns para djscurso foram:
6. •\diante vou chamar atenç.io para o fato de não lransfon11an11os ª'aulas de lrngua materna em
JulJ~ dt: prngmálica. lingüí~hca de texto. análise do discurso ou koria dos gênero; 1c,1uais. Pois 1sl<>
seria apenas J introdução de u111a 110\·a ~·scolástica ou' ulgala que cm n:ido ~cria melhor que a anterior.
Prlmelr• Parte 1 Processos de produ~ão toirtual
(a) Quando vista como uma enhdade abstrata, enquanto forma, a língua
... estudada em suas propriedades estrnturais autônoma~. Neste caso, é tomada
como código ou sistema de signos e sua análise descn\'Ol\.c-~c na imanência
do objeto. Esta perspectiva foi inaugurada no século XIX, lendo-se consolida-
do com Saussure e Chomsky; não se buscam explicações transcendentes para
o fc11ômcno lingüístico, desleixando-se o contexto e a situação, bem como os
aspectos discursivos sociais e histórico!>. Aqui. há uma certa dificuldade de
trntar a questão da significação e os problemas relab\'Os à compreensão. Tam-
bém fica muito difícil observar o funcionamento do texto. que não é uma
unidade do sistema, pois, como se verá, o texto situa-se no uso cio sistema.
d) Essa posição toma a língua como uma alividade sócio-h istórica, uma
atividade cognitiva e atividade sociointerativa. Na realidade, contempla a lín-
gua em seu aspecto sistemático. mas observa-a em seu func10namcnto soc ial,
cognitivo e histórico, prcdo111111ando a idéia ele que o sentido se prodll7
situadamentc e que a língua é um fenômeno encorp<ido e não ab~trato e autô-
nomo. '\/ão ignora a forma sistemática nem de ixa cle observar a regularidade
sistemática. Assim, essa visão deveria receber 11111a série de esclarecimentos
para poder tornar-se produtiva. E la será adotada neste curso e explicitada ao
longo da abordagem fei ta a seguir.
Primeira Parte 1 Processos do produ~ão textual
Assim, a postura geral aqui adotada pode ser caracterizada como textuaJ-
discursiva na perspectiva sociointerativa, isto é, consideramos o texto em seu
aspecto tanto organizacional interno como seu funcionamento sob o ponto de
'ista enunciativo. Uma excelente .jlbordagem nesse sentido pode ser \rista nos
trabalhos de lngedore Kocb, em particular em seu livro sobre as atividades tex-
tuais na perspectiva cognitiva e enunciativa, que ainda será tratada adiante 7 .
Uma vez feita a discussão teórica acima, podemos indagar qual a posição
a ser adotada. É esta a questão a que nos voltamos a seguir.
7. Refiro-me ao livro de lngedore Villaça Koch 12001}. Desvendando os segredos do texto. São
Paulo: Cortez. A leitura desse livro é aqui enfaticamente acomelhada por ser exemplar no modo de
tratar boa parte dos processos de o rganização e condução tópica e aspectos da produção de sentido com
as anáforas ditas associativas e indiretas.
Luiz António Marcuschi 1 Procht~ão textual, allálise de gêneros • ,_preensão
li tica e sim regida por um sistema de base. \-las ele não é predeterminado de
modo explícito e completo, nem é auto-suficiente. Seu funcionamen to vai ser
in tegrado a uma série de outros aspectos sensíveis a muitos fenômenos que
nada têm a ver com a forma diretamente.
Não obstante a \isão acima defendida, é bom ter presente que há vários
aspectos <lo funcionamento da língua que são mais bem explicados quando os
observamos no nível do sistema. Por exemplo, a variação lingüística pode ser
explicada na correlação com fatores sociais, mas os fenômenos que sistemati-
camente variam são estmturais, tais como 011 fonológicos e os morfológicos.
Assim, q mndo 't fala em mo e função, não -;e 1bnora a cxistênc1J dt fom1as.
Apenas frisa-se que as formas não são tudo no estudo da língua e que as formas
só fazem sentido quando situadas em contextos sociointerativamente relevan-
tes. Esta é a distinção com C homsky, que julga ser próprio da li ngüística ape-
nas o estudo da realidade mental <la língua e não o seu aspecto externo, ou
seja, o funcionamento na sociedade e nas relações intersub jetivas.
Uma dai. tendências mais comuns na lingüística do século XX, até recen-
temente - típica do estruturalismo -, foi centraHe no estudo do código, islo
é, na análise de propriedades imanentes ao si:stc111a de signos da língua. Trata-
va-se do que podemos chamar de uma lingüística do significante. Assim, surgi-
ram os conhecidos nfreis de análise lingüística, tais como o fono lógico, o
Primeira Parte 1 Pro<essos de produ<Õo textual
morfológico, o sintático e o semân tico. Cada vez mais essa perspectiva foi
cedendo lugar à idéia de que não se pode abordá-las isoladamente. Ainda
continua um tanto obscuro, nessa perspectiva, estabelecer uma "ponte" clara
de união ou processamento integrado desses níveis num todo, sem mencionar
a difícil assimilação do aspecto pragmático da língua. Este em gera] não é
considerado um nível de análise da língua e sim um plano do usoª.
Nas últimas décadas, com os estudos levados a efeito pelos teóricos elo
texto, do discurso e da conversação, que observam a língua em funcionamento a
partir de suas condições de produção e recepção, deu-se uma guinada na tendên-
cia '·oficial". As teorias que privilegiavam o código (o significante) como objeto
de análise e viam a língua como um sistema de regras estruturado e detem1ina-
do, não tinham condição de se fazer indagações relevantes sobre uma série de
aspectos, por exemplo, a relação entre a língua falada e a língua escrita. em
podiam indagar-se sobre os usos sociais da língua. A centração do estudo no
código não podia enfrentar a variação e a produção de sentido em qualquer
a!)pccto que se manifestasse, seja nas formas lingüísticas ou na significação.
8. Antes que se caia cm cquivocos e ma l-enle nclidos quanlo ao emprego <la palavra "uso", será úlil
alertar que não se trata de uma noção instrumental de uso. liso aqui é uma noção que apenHs lembra o
funcionamento da língua em seus contextos ou no plano da e nunciação. Não é um uso inslmmental.
po1~ Já ficou claro que nossa visão <lc língua não a contempla lOtno se ela fosse um instrume nto.
luiz Antônio Marcuschi 1 Producão tutual, analise de géneros e compreensuo
9. Parcialmente. mas nào m:m do que is.~. pode-se dizer que c~d noçiío de língua assemelha-~e
ao que postulava Wilhelm \011 Humbol<lt quando di7ia que a língua era eneTgeia (afoídade, processo,
energia, ação) e não ergon (produto). Segundo muito bem nota Faraco 12004). para Humboldt.
~linguagem e pensamento co11\lllm:m uma unidade. 'les~e 5enh<lo, a língua não é entendida como
apenas a marufestação ei.tc:ma <lo pensamento lalgo que vem <lepoi~ do pcmamento), mas aquilo que
o torna possível. Ela tem, llCS\C ~enh<lo. um caráter constitutivo \·iabuúa11clo a elaboração conccilual e
os aios criati\·os da mente. É por 1~\0 que l lumboldl afinna que a língua (:um processo, uma abviclade
(energeiu) e não um produto (ergon)". Na verdade, língua sena uma alividndc mental para Humboldt e
nlo um sistema gramatical. Por outro lado, não é nada intcressnntc pensar na língua como fu1ia A
Schlcichcr (1821-1867}. que a considerava como um organismo vivo com existência própria, que
nascia, desenvolvia-se e morna. Trata-~e de uma antropomorfizaçJo <111c levou à descrição de árvores
genealógicas do indo-europeu.
1O. Em um curso como e~lc niío se pode trabalhar ludo. !\la~ \Crld conveniente considerar que
hoje se distingue entre as C'({>ressõcs 'oralidade" e 'fala', de um lado e. 'letramcnto· e 'escrita', de outro.
-\o mi idade é uma pr.lhca social no uw da língua. enquanto a fala 'cria a forma asmmuil pela expressào
oral O letramento. por sua ve1., )Cria a prática social do uso diário da e!)(; ri ta cm cventoç com1111icahvo\,
enquanto a escrita sena a forma de manifestação do lctrarnenlo enquanto ahv1dade de tex1uafüação.
Para maior~ detalhes, cf. o livro de Lui1 Antônio Marcuschi (2001). Da fala para a escrita: atividade~
de retextuali::ação. São Paulo, Cortc:r
o duas modalidades enunciati,·as complementares dentro de um con-
u) de \ariações.
heterogênea indeterminada
social variâvel
histórica interativa
cognitiva situada
Lula confirma ida ao Roda Viva segunda-feira e garante que não deixará de responder nenhuma
pergunta
BRASÍLIA - Após seis meses de negociações. o presidente luiz Inácio lula da Silva confirmou
ontem a participação no programa de entrevista Roda Viva. da TV Cultura na próxima segunda-
feira l.J lula serã o segundo presidente a dar entrevista ao Roda Viva no exercicio do mandato.
Primeira Parte 1 Processos de producão textual
l
Oprimeiro foi seu antecessor. Fernando Henrique Cardoso. Segundo Markun. que negociou a
entrevista diretamente com lula, o presidente disse que não quer falar só de crise. mas
também de economia e que não deixará nenhuma pergunta sem resposta. f..J
\
Pode-se admitir, ainda, que a língua é uma atividade cognitiva. Pois ela
não é simplesmente um instrumento para reproduzir ou representar idéias
pois a língua é muito mais do que um espelho da realidade). A língua é tam-
bém muito mais do que um 'cículo de informações. A [unção mais importante
dJ língua não é a infonnacional e '\Ím a de inserir os indivíduos cm contextos
)Ócio-históncos e pem1itir que se entendam.
de seus efeitos, ele será bem diverso, a depender do lugar que o condiciona,
i~to é, das condições de produção em que foi reali1ado.
Não nos aprofundaremos nesse ponto, pois isto deve retomar mais adian-
te ao trabalhann os o aspecto tia co,11preensão textual. Ali veremos que uma
análi'le textual baseada no código não tem condições ele incorporar a produ-
ção de sentido, nem tem condições de perceber os efeitos de sentido a partir
de lugares enunciativos di\ erSOS OU de crenças diversas. J~ por ISSO que O foco
deve sair do código para o discurso. ' l emos de ir do enunciado para a anunciação
e para o funcionamento da língua. \fas antes disso, seria bom dar uma breve
olhada na noção de sujeito, um temio central \árias ve1cs empregado nessas
reflexões e nunca pcmado cm suas propriedades centrais.
( l) numa ddas se responde a séno "eu falo", isto é, acredit<HC que o falante agrega ao
enunciado que produz numa determinada instância algum mgrcdiente relevante para
a interpretação. Em outra~ palJvras, o fato de o falante c,cr um ou outro pode não ser
indiferente. O modo mai~ elementar de se argumentar cm favor desta tese é dizer que
enunciados como ''cu estou aqui '' só podem ser intcrprct:idos considerando-se sua
enunciação e 1.p1e c~la cnvokc crucialmente o falante. Diz-se, em casos como c~tcs.
numa certa tradição ( Bc11vcnistc, p. ex.), que este enunciado está marcado pela ~ub1c·
ti\idade, que por isso ele é discurso. O mesmo se dá em casos como ~infel izmente. p
ou "take7 p'", em que.• c,c interpreta umfeL2me11te" e "talvez" como sendo O ponto de
'ista do locutor sobre p l\1arca~ de subjetividade, portanto. li Uma outra forma de
11 Refiro-me ao \e11lo de Smo Pos~cnli (1993}. Concepções <le rn1c1 to nn lmguagem. Boletim da
,\ bralin, n. São Panlo: USP. pp n.~Q.
Primeira Parte 1 Processos de produ,ão textual
(2) Contra a idéia wgundo a qual o falante pode controlar o sentido de seus enuncia-
do~ erguem-se 1.. 1concepç·ões segundo as quais o indivíduo não é be111 como se
pensava até então que fosse. Sua co n~ciênc1a, quando existe, é produzida de fora e
ele pode não saber o que fa1 ou o que d1t. L ma das maneiras de assinalar a diferença
de concepçõc\ é substituir a expressão "eu falo" pela expressão ''fala-se". para dar
conta da relação entre aquele que fala e o que é falado. Nc~ta expressão, o "se"
significa que que111 fala de fato é 'emprc um su1e1to anôn11110, \oc1al, em relação ao
qual o indinduo que cm determinado momento ocupa o papel de locutor é depen-
dente. repelidor, etc. [... ] Os provérbios são talvez os melhores exemplos, mas há
outros tantos enunciado~ como "fumar fa1. mal~ saúde, o álcool fa1. mal ao corpo e
ao espírito, os políticos ~ão todos 1gua1s, lugar de mulher e: na cozinha, preto quando
não Íél7 na entrada faz na saída, etc"[... 1..>\ssim, é difícil encontrar um enunciado que
já não tenha sido dito. Tudo já foi dito. [... ) F'ica claro, assim o que quer dizer
..su1cito é falado, assujc1tado". há uma estrutura que fala atraH:s de indi\ íduos que
são leYados a ocupar nela detem1inadas posiçõe~ a partir das quais podem e devem
dizer certas coisas e não outras. O indivíduo que faJJ é sempre porta-vo1.. Você não
fala, é nm discurso anterior que fala atra\'és de você O padre repete. o jui1 repete, o
advogado repete, o professor repele. os escritores se repetem. a literatura diz i.cmpre
a mesma coi\a. as piadas veiculam sempre o mesmo ponto de vista. [... ] A fonte do
sentido é a formação discursiva a que o enuncwdo pertence (se puder pertencer J
mais de uma poderá ler mais de um sentido [.. ].
(3) A psicanálise, por outro lado, nos mostra que quem fala é o nosw inconsciente,
que às\ czes rompe as cadeias da censura e diz o que o ego não quer Nc~ta posição.
luiz Antônio Marcuschi 1 Prodll(ão tntual, análise de gêneros e compreensão
responder-se-ia que é o "isto" ou o id que fala. O sujeito. 11<.~lc caso, de norn, não I!
consciente, não conlrob o ~cnti<lo do que diz. rreud (1905) cm seu Psicopatologia
da Hda cohdia11a no~ dcí exemplos interessantes.
a) durante uma tempestuosa asseoV>léia, o coordenador disse: "agora iremo~ slreite11
(brigar). [em vez de schreiten (prosseguir)] no quarto item da agenda" (p. 95).
b) um senhor convcrsavn com uma senhora e lhe perguntou: "a senhora viu a expo-
sição (Auslage) na Werlhc11n? O lugar está completamente decotado (em vez de
decorado) (p. 96).
Em suma, pode-se di7cr que o sujeito não é nem assu1citado nem lolal-
mcntc individual e consciente, mas produto de uma clivagem da relação entre
linguagem e história. Em não sendo totalmente livre, nem determinado por
alguma exterioridade, o ~u1c1to se consbtui na relação com o outro e, como
lembra Possenti, citado acima, o sujeito não é a tínica fonte do sentido, pois
ele se inscreve na hi~tória e na língua.
12. Émile Bem·eniste ([ 1958] 1976). Da s11bjeti"1dade na linguagem. ln: Problema$ de lingüística
geral. Vol. 1. São Paulo: Companhia Editora Nacional e EDUSP. pp. 284-293.
13. Quanto ao problema de se considernr o texto urna un idade de análise ou não, podem-se
consultar as observa~·ões de Anne Reboul & Jacque~ Moeschler ( 1998) Pragmatique de discours. De
luiz Antônio Marcuschi 1 Producão textual, analise de generos e compreensão
O te>..1o pode ser lido como um tecido estruturado, uma entidade significa-
ti\'a. uma entidade de comunicação e um artefato sócio-h i~tórico. De certo modo.
pode-se afinnar yue o te,10 é uma (re)construção do mundo e não uma simples
refração ou reflexo. Como Bakhtin dizia da linguagem que ela 'refrata' o mundo
e não reflete, também podemos afirmar do texto que ele refrata o mundo na
medida em que o reordena e reconstrói. Neste curso, vamos nos dedicar a essa
entidade comunicaliva que ronna uma unidade de sentido chamada texto. Tan-
to o texto oral como o escrito. Pois oralidade e eseritaH são duas modalidaJe~
discursivas, igualmente relevantes e fundamentais, como ainda veremos adiante.
Aqui, enuncio brevemente a noção de te>..to que \'amos adotar neste cur-
~o. Ela foi desenvolvida por Beaugrande (l 997: 10) e postula que:
Mu itos são os a~pcctos que devem ser aqui tratados para dar conta desta
definição. Em resumo, ela envolve tudo que ncces~ila111os para dar conta da
produção textual na perspectiva sociodiseursiva.
l'mterprettJhon de /'énoncé iJ /'intcrprétation du discouni. Pans \nnand Colm. cm ~c1al as pp. 21-2;,
que se discute que hpo de unidade é o texto Para os autores (p 25 ), 1.:x1stcn1 três hpos de urndades
l'lll
lin~uísltcas. ra) umdades mdi1·ishds (por exemplo: fonemas): l b) wridtJde$ emergentes e composta;. (por
c\cmplo: morfemas e !c) unidadet (onnaÍ$ que emergem pefos regra~ Cpor c'cmplo: fras~ ). O texto n~o
C: nenhuma dessa~ e nao pode \Cr tido como uma un idade lmgllfatic,1 para e)ses autores. Para eles !p
26). "o msr.uRsO tem características que não se explicam pelos clc111cnlm que o compõem e pelas
relações entre esses elementos" J\ q\lcstilo é muito complex.1 e não pod<.> ser acp1i resolvida, no e11tanto
num ponto os autores têm ramo. Nuo ~e pode diter que o texto sc1a 11mn umdade elo tipo frase ou
rnorfcma. sintagma etc Ca5(1 ÍO\SC :1~~1111, poderfamo:, dar-lhe UlllJ ~ramálica rigorosa de boa-formação
o que não é possívd em h1p6tc~1: alguma. /\..sim. no ca~o do te\IO, C\lamo~ di,mte de uma u111dJd
proce<~ual. uma umd.1de <cmjntica, um e\ento.
H Sugiro cuidado co111 o mo da <.'XpressJo "escrita", que aqui est.1 sendo empregada de maneira
técnica Refiro-me. nesse momento, dO\ problemas de ordem l111gübtic.1 cm \entido mais rest11to. IU
uma ~pressão que ho1e <e tomou comum e tem um uso muito mais <1111plo. rsto é, letramento Com a
c:~pri.~lo letramento têm-w c111 mente o~ usos ;ocia1s da escrita n11m;1 dad:i <OC edade. :-Jão bj um
lctramento apenas. mas sim 11111 tonlínuu de letramentos L mab do que o ~imples domínio da c~cnt
íormal. Não se confunde com a alfabeh1.ação nem com o uso ela C\Crrla .1penns. '\Ja segunda parte dc~t.
curso, teremos oportunidade de <l1scullr alguns aspectos a esse respeito.
Primeira Parle 1 Processos de producao textual
A lingüística de texto (doravante LT), surgida nos meados dos anos 60 do século
)...'(, trata hoje tanto da produção como da compreensão de te>..tos orais e escritos .
•~icialmente, só se ocupava dos textos escritos e com o processo de produção. Seus
mteresses e objetivos ampliaram-se muito.nos anos 90. Para uma boa infonnação
<-Obre o desenvolvimento da LT nos últimos 30 anos, vejam-se os trabalhos de
\farcuschi (1983), lngedore Koch (1999) e Anna Christina Bentes (2001)15•
Sob w11 ponto de vista mais técnico, a LT pode ser definida como o estu-
do das operações lingüísticas, discursivas e cognitivas reguladoras e
controladoras da produção, comtrução e processamento de textos escritos ou
( rais em contextos naturais de uso.
Hoje não se fala mais em gramática de texto. E ssa noção supunha que
seria possível identificar um conjunto de regras de "boa fonnação textual", o
que se sabe ser impossível, pois o texto não é uma unidade formal que pode ser
clefi nida e determinada por um conjunto de propriedades puramente
tomponenciais e intrínsecas. Também não é possível dar um conjunto de
regras formais que possam gerar textos adequados.
15 . Além desses estudos. podem-se ler, sobre as noções de LT e texto, os estudos de Leonor Pávero
t. lngedore Koch (l 983). Lingílística textual. São Paulo: Cortez. Também o trnbalho de lrandé Antunes
'99). CQeSiio lexical. Recife: Editora da UFPF.. Recentemente, saiu sobre o mesmo tema o lrabalho de
::andé Antunes (2005). Lutar com palavra.~. Coesao e coerencia. São Paulo: Par:füola Editorial.
luiz António Marcuschi 1 Ptodurno trxtuol, analise de genero> e comprecnsiio
Não há dúvida de que a r.:1 situa-se nos domínios da lingüística e lida com
ratos da língua. além de considerar a sociedade em que essa língua se situa. A
~T opera com fatos mais amplos que a lingüística tradicional. Contudo, quan-
do se faz uma análise textual, deve-se ter em mente que os aspectos estrita-
'llen te lingüísticos, tais como a fonologia , a morfologia, a sintaxe e a semânti-
ca, são imprescindíveis para a estabilidade Lextual.
O que se postula e nfa ticamente na i.;r é que a lfngua n<io tem autonomia
,jntática, semântica e cognitiva. O texto não é simplesmente um artefato
Luiz Antônio Mar<us1hi Produ1ao le1t110I, analise de grncro> e compreensao
Hoje em dia, não fa.l muilo sentido discutir se o texto é uma unidade da
Langue (do sistema da língua) ou da parole (cio uso da língua). Trata-se de
uma unidade comunicativa (um evento) e de uma u111dade de sentido rcali.la-
da tanto no nível do uso como no nível do sistema. ' tanto o sistema como o
uso têm suas funções essenciais na produção tc:-..tual. !\las, de qualquer modo,
o te>.to não é uma unidade formal da língua como, por exemplo, o fonema, o
morfema, a palavra, o s111tagrna e a frase.
Estas seqüências são comandadas por relações de relevância. Mas nem tudo
se comporta dessa fonna nas seqüências textuais.
O que se pode afirmar com certa segurança é que a seqüência dos enun-
ciados num texto não pode ser aleatória sob o ponto de vista Língü(stico, discursivo
ou cognitivo. Isto equivale a dizer que se, por um lado, as operações tipica-
mente lingüísticas como a sintaxe, a morfologia e a fonologia são imprescindí-
veis e inevitáveis, a análise textual não deve parar nesses aspectos, pois até eles
mesmos podem ser comandados por orientações discursivas, como no caso de
muilas anáforas e até mesmo de certas concordâncias sintáticas.
Quais são os princípios mais gerais que permitem a produção de e o acesso a sentidos?
Qual o papel das relações entre os atores sociais envolvidos nos processos de enunciação
e na atividade de interlocução ao produzirem textos?
Pode-se afirmar que cada texto teria de realizar uma estrutura básica inevitável?
Caso todos os textos devessem oferecer uma estrutura básica, os gêneros textuais teriam
algum papel importante na determinação dessa estrutura?
Em que medida as intenções, os propósitos, os objetivos etc. infiuenciam na determinação
da seqüência dos enunciados?
Em que medida aspectos como nível de linguagem, grau de formalidadelinformalidade etc.
têm um papel decisivo na produção textual?
Os dois modos de enunciação - fala e escrita - têm algum papel decisivo na produção
textual a ponto de e:a:igirem estratégias de textualização totalmente diversas? J
Esta avalanche de questões serve apenas para expressar a complexidade
do problema em foco. Não se deve ter a ilusão de que vamos responder a
todas as indagações. Algumas já estão respondidas acima e outras o serão a
seguir. Algumas ficarão para o futuro. No momento, vou me ater ao segu inte
16. De grande proveito nesse contexto são as observações trazidas por Irandé Anhmes (2003).
Aula de português. Ensino O- i11te-ração. São Paulo: Parábola. Para a autora. toda a escrita é uma ath•idadc
interativa e isso implica se mpre duns 011 mais pessoas em interação rea l ou simulada.
Primeira Part~ 1 Processos de produciio textual
A primeira decisão teórica importante nesse momento deve ser esta: os co-
nhecidos princípios da lc\lualldadc (fonnulados por Beaugrande & Dressler, 1981)
não podem ser lomados como equivalentes a regras de boa formação textual.
O mais certo, mas ao mesmo tempo pouco útil, é admitir que o texto se
dcí como um ato de comunicação unificado num complexo umverso de ações
'wmanas interati\•as e colaboratfras.
Refinando esta dsão podemos, com Beaugrandc ( 1997), dizer que:
17 N3o h~ uma oposição d1cotõm1ca enlre real e \'Írtuol, poi~ arnbo~ são realidades. Cadd qual
a ~i:u modo: uma é a realidade \irt11al (rcaliclaclc do sistema) e outra é a rcalicl;1clc concreta (realidade
empírica) Não há nada de paradoxJl ness.l formulação, pois oposição ~e dá 1:11frt virtual e concreto e
nJo cnllc \!Írtual e reaL O texto que \"OCê c~t:í lendo agora. no ~eu monitor, acha-se num dmbicnte
•irtual. mJ~ ele é real, existe a seu modo. Janto as;im que 'ocê pc>de ler Isto c1ucr d11cr que todo te,to
• uma atual11açào ou realização do mtema hngüíshco. Por antro lado. qu;mclo falamos cm sistema e
d1i.emo) que ele é virtual isso não é o rnc)mo que falar na ·~i rtualidadc do tc,to no çen •ídeo ~ Ou ~eia
1uando d1:remo; que um sistema é um fenômeno virtual e como bl Jb~llalo e independente das
cirtun~lância~ de uso, tal como o 'ª~tema linguístico, falamos num conçtruto teórico. Quando dii.emos
qnr o texto no seu \•ídeo é' 1rtual, falamo~ numa fonna lípica <lc realil.iç.io c1uc 11ào se manifesta na
rn11crch1de do texto impresso e que tem várias manem.is de ser operado, po1 exemplo, o hipertexto.
luiz Antônio Marcuschi 1 Producao textual, anali1e de géneros e compreensao
"É essencial tomar o texto como um evento comunicativo no qual convergem ações lingüísti-
cas. cognitivas e sociais."
Esta definição, no cli:t;er de Beaugrande, sugere que o texto não é uma sim-
ples seqüência de palavras escritas ou faladas, mas um evento. Tal definição en-
volve uma enom1e riqueza ele aspectos, o que toma difícil sua ex-planação comple-
ta. Em essência, podemos fri53r as seguintes implicações diretas dessa posição:
"As pessoas usam e partilham a língua tão bem precisamente porque ela é um sistema em
const11nte interação com seus conhecimeqtos partilhados sobre o seu mundo e sua sociedade:·
De fato, segundo observa Coutinho (p. 29), uma das tendências atuais é
a de não distinguir de forma rígida entre texto e disct1rso. pois se trata ele frisar
mais as relações entre ambos e considerá-los como aspectos complementares
da atividade enunciativa. Trata-se de "reiterar a articulação entre o plano
discursivo c textual", considerando o discurso como o "obieto de dizer" e o
texto como o "objeto de figura". O discurso dar-se-ia no plano do dizer (a
18. Antónia Coutinho (2004). Schematúation (d1scmsive\ et dispostion (textuelle). ln· Je3n-
M1chel /ld~m; Jean-Bl:1ise Crize & Magid Ali Bouacha (orgs. ). Texte el discours: catégories pour L'analvse.
Oijon: Editions l.lniversitaires ele Dijon, pp. 29..f2.
19. Trnt11-se da obra de Jean-J\1ichel Adam (1999). Linguistique tex1uelle. Des genre.~ de discourn
aux textes. Paris: 'lathan.
luiz Antônio Marcuschi 1 Produ,ão teatval, onállse de gêneros e compreensão
É assim que Adam ( 1999: 39) retoma aquela noção de texto anterior que
procedia a uma descontextualização e rejeita aquele procedimento sugerido
pela citada fónmtla propondo agora uma releihtra que inclua o texto no con-
texto das práticas discursivas sem dissociar sua historicidade e suas condições
de produção. Este movimento de mudança de concepção é importante por-
que permite tratar os gêneros textuais como elementos tipicamente discursivos.
Aqui é bom ter cm mente que Adam ( 1999: 39) dirá agora, em contraposição
ao seu estudo de 1990:
E nesse ponto, Adam dirá que nquela fómmla de 1990 não deve mais ser
tornada como se estivesse sugerindo uma operação de descontextualização.
Pri111elro Parte 1 Processos de produ~ão textual
Trata-se agora de
uma fom1a de inclusão do texto num campo mais vasto das práticas discursivas que
devem ser pensadas na diversidade dos gêneros que elas autorizam e na sua
historicidade (p. 39).
CONTEXTO
DISCURSO
Condições de produção e
recepção-interpretação
FOMIC: Jean-Michel Adam. 1999:39
Após definir a noção de texto como objeto abstrato no campo dos estu-
dos de lingüística numa teoria geraJ e de definir discurso como a realidade
singular de interação-enunciação objeto de análises discursivas e tomando o
gênero como "a diversidade socioculturalmenle regulada das práticas discursivas
humanas" (p. 40), Adam identifica o texto corno objeto concreto, material e
empírico resultante de um ato de enunciação. Com isto, chega à articulação
do discursivo com o textual e a distinção entre ambos dilui-~e de modo sensí-
vel. Para tanto, Adam recorre a Majngueneau (cf. Adam 1999:40):
Adam ( l 999: +1) observa que até os anos 1980, a L1 tratava o teÀto em suas
propriedades co-textuais e a partir dos anos 1980 já define o teÀto como um
evento comunicativo, tal como o fazem Beaugrandc & Dressler (l 981 ), deslo-
cando o foco para a questão pragmática, com a arnílise da intencionalidade e,
particularmente, da situacional idade. Vai-.~e do co-texto ao contexto.
(objeto da figura)
(objeto do dizer)
TEXTO (objeto empírico)
l<~ntre o discurso e o IC'\lO está o gênero, que é aqui visto como prdtic.i
social e prática textual-discursiva. Ele opera como a ponte entre o discurso
como uma atividade m:.ii~ universal e o texto enquanto a peça empírica parti-
cularizada e configurada numa determinada compo~ição observável. Gênero~
são modelos correspondentes a formas sociais rcconhccíve1s nas situações ele
comunicação em que ocorrem. Sua estabilidade é relativa ao momento histó-
rico-social cm qut: surge e circula (Coutinho, 2004: 35-37).
. .
Assim, para Coutinho (Coutinho, 2004: 37), "o gênero prefigura o texto
,. o gênero define o que no texto empírico faz a figura do texto". A figura a
.eguir dá uma idéia disso:
r--------------------------------------,
Objeto de
Prática discursiva tigura
Aspectos pragmáticos 1
Discurso (coerções locais e sócio-institucionais) Gênero -Texto
<Tipos de discurso>
1
- no plano da enunciação -
que entram na constituição interna do texto composicionalidade
1
j L ,~..,_J
Adoção de um gênero
1
•
1
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l
i
l
O discurso inicia com a decisão pelo gênero "amíncio de restaurante"
que traz consigo uma csqucmati1ação com algumas informações específicas
que resu1tam num tc·do com uma dada configuração que funciona
discursivamente para pcr~uadir os fregueses a irem a um restaurante típico. , \
própria seleção da linguagem segue a decisão do gênero e seu funcionamento
discursivo no contexio pretendido.
Primeiro Porte 1 Processos de producão textual
20. Qum1do se fala em contexto situacionol, não se deve com isso entender ;.i situaçilo fr>ica ou
o en torno físico, e1npírico e imediato. mas a conh.:xtWllização cm .cnlido amplo, envoh·endo desde as
condições imediatas alé a contextualização cognitiva, os enquadres sociais. culturais, históricos e lodos
os demais que porventura possam entr3r em questão num dado momc:nlo do proc<..-sso discursivo.
21. Fique claro que, ne>5c momento, estamos tratando do texto "erbalmente reali7.ado, isto é, pro<lu-
/Jdo com hnguagcm articulada na fonna de uma gramática com urna fonologia e um léxico. Não nos
refenmos arn. lextrn. pictórico; nem aos textos musicais como~ f'ldut:lS de infuic:a, <jUe têm outras linguagens
lui:z Antônio Mar<us<hi 1 Producâo textual, analise de genNos e compreensão
TEXTURA (ESQUEMATIZAÇÃO)
relações relações
eo-textuais co(n)textuais
~
temi texto texto
~ contexto
(relações internas) (relações socioculturais e
situacionais específicas)
GENERJCIOAOE & DISCURSIVIDADE
até um texto em ,·ários tomos como uma enciclopédia. A extensão física não
1nterfcre na noção de texto cm si. O que faz um lexto ser um texto é a
Por um lado, diria que a mdagação não procede e, por oulro, diria que
ela merece uma explicação mais demorada, pois deve ser muito bem en tendi-
da parn não causar confu são.
A resposta hoje poderia ser: sim, desde que seja lido por alguém que vive
num contexto cultural em que o telefone é uma prática usual e sabe como ope-
rar com o catálogo. Portanto, segundo Beaugrande (1997: H), podemos dizer:
L •Um texto não existe, como texto, a menos que alguém o pro; como taf. _J
Textualidade não é uma propried;idc imanente a algum artefato lingüístico.
Essa posição supõe pelo menos três a<>pectos:
texto para oulTa pessoa. E assim estaríamos diante de um impasse que pode
conduzir ao relativismo. Mas o certo é que dada configuração lingüística funciona
como um texto quando consegue produzir efeitos de sentido, coerência etc., do
contrário não é um teÀio. Assim. se uma configuração lingüística (o texto) não
funciona como lexto (realizando um gênero e um discurso) dentro de uma co-
munidade ou para determinadas pessoas, isso não é uma questão individual ou
um problema de relativismo e sim de falhas no acesso à produção de sentido.
Falamos aqui de texto como um evento que atualiza sentidos e não como uma
entidade que porta sentidos na independência de seus lei tores. Quando se ensi-
na alguém a lidar com textos, ensina-se mais do que usos lingüísticos. Ensinam-
se operações discursivas de produção de sentidos dentro de uma dada cultura
com determinados gêneros como formas de ação lingüística.
IN~O E
ESPRlffiENíE A
LiNGUIÇA
rown: Fotos veiculadas pela internet em agosto de 2003.
Primeira Parte 1 Processos de produ~ão textual
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luiz Antônio Marcuschl 1 Produ4ão textual, enlilise de gêHros • r0111preet1são ·
qüência mu ito interessan te que é lida como um texto com caixas de se-
ção (espécie de títul o de capítulo), cidade. e mpresa, assunto ( tópico
discursi,o) e dados específicos para contato. Que a estrutura tenha uma
forma telegráfica, isso é sec undário. O certo é que temos condições de
acesso à compreensão desse texto e o interpretamos sem maiores proble-
mas. Não é o falo d e um te'<to estar n o fornrn to de enunc iados que o
torna mais inte ligível. ma~ sim que sua operação cm condições soc iais de
uso seja acessf\'el. As listas enquadram nesse princípio e exigem alto grau
de conhecimentos prévios.
e .... etc. Por isso ninguém se espanta que ao digitar o número do telefone XYZ,
'e uma pessoa cujo nome estava na lista após o número XYZ. O espantoso é
~n do isso não ocorre. Tanto assim, que logo dizemos: "Foi engano".
Quem não vive numa cultura na qual a telefonia é uma rotina, não opera
r..em processa uma lista telefônica como um texto. Isto comprova que um texto
" dá numa complexa relação interativa entre a linguagem, a cu ltura e os sujei-
ti..S históricos que operam nesses contextos. Não se trata de um sujeito indivi-
ual e sim de um sujeito social que se apropriou da linguagem ou que foi
apropriado pela linguagem e a sociedade em que vive. Este aspecto não é
ecund<írio e recebe por parte da análise do discurso, por exemplo, grandes
.:.scussões. E também nós devemos ter cuidado com o uso da noção de sujeito
e indivíduo, tal como já alertado acima. Não se trata de sujeitos individuais,
.oluntariosos, intencionais, mas sim de sujeitos históricos, sociais, integrados
'1Uma cul tura e numa fonna de vida. Tsto vale para as mais prosaicas ações da
ida diária, tal como digitar um número telefôni co ou encontrar o nome de
um amigo na lista de aprovados num concurso público.
lua!, pois isto seria eqmvocado, já que um texto não se pauta pela boa forma-
ção tal como a frase, por exemplo.
Como se verá agora, vamo~ analisar o texto como 11ma realidade e não
uma virtualidade. Pois o texto não é apenas um sistema formal e sim uma
rea lização lingüística a que chamamos de evento comunicativo e que preen-
che condições não meramente fonnais.
•
ta pelo menos o segumte:
@ 1
tt
Prlmelni Parte 1 Procassos de produ4ão textual
O alo de fala "foga a mãel" deveria ter funcionado como uma ofensa,
ltu<lo, um gaiato o interpretou 'literalmente' na sua função referencial dire-
e 1ogou uma galinha, supostamente a 'mãe do ovo'. .\ interpretação pode
anar. a depender de ser feita por ,·ocê e eu (dois sujeitos que hi~toncarnente
ttados podemos dar boas gargalhadas) ou pelo própno fl.linistro (sujei to
h1,loncamcnle situado num contexto institucional que pode C\Ccrar o autor
a clrnrgc). Qual é a versão mais correta? Ambas seriam 'autorizadas' pelo
"xlo. mesmo oferecendo representações cognitivas opostas (piada x insulto).
O esquema a seguir deve dar uma idéia, mesmo que vaga, de como se
distribuem os critérios gerais da textualidade.
lEXTUALIZAÇÃO
+
CO-lEXTUALIDADf
+
CONTEXTUALIDADE
[CONHECIMENTOS LINGÜÍSTICOS) [CONHECJMENTOS DE MUNDO)
critérios critérios
~ ~
coesão coerência aceitabilidade intertextualidade
informatividade intencionalidade
1 c:=3..___s_it_ua_ci_on_a_lid.._ad_e____,
É claro que, para confeccionar uma lista capaz de ~cr processada como
um texto. há certas condições a serem obserYadas, assim como para construir
11111 poema ou produ1ir um conto ou uma notícia num jomal. um anúncio
publicitário etc. Quem nu ao ~u pcrmercado com uma füta de compras con~
truiu aquela lista dentro de alguns critérios. não aleatoriamente.
Estas últimas observações mostram que é reJc,·;mtc ter uma noção clara
111portante nessa perspecti\a teórica, pois se, por um lado, o texto não é
1111 artefato autônomo, por outro, não é um ser num limbo sociocognitivo.
•\ partir <leste ponto, :.erão oferecidos a lguns elementos para uma melhor
operac10ual ização <los critérios de textualização. Antes de iruciar o estudo •
desses fenômenos, gostaria de sugerir como leitura o trabalho de lrandé
\nlune5 (2005 ), Lutar com palmws: coesão e coerência. '\le:isa obra, temos
Jma visão clara do fenômeno da coesão e coerência, bem como dos demais
aspectos da textua lidade, com inúmeros exemplos analisados. Em alguns mo-
11cntos, no~ ateremos a esses exemplos observando alguns funcionamentos da
lingua e do texto.
J. 10. 1 Coesão
Os fatores que regem a conexão referencial (reali7ada por a~pcctos mais
t. ')pcc1fi eamente semânticos) e a conexão seqüencial (realizada mais por ele-
Saliento que, tal como o faz a maioria dos autores em 1.r, d1stmgo, com
Bcaugrande/Dressler ( 1981 ), entre coesão c coerência. hlo não significa, po-
rém, que a coesão diga rcspc1to a questões meramente sinlállcas, já que esta
distinção tem sua razão ele ~cr cm outros aspectos.
onde S seria uma sentença de modo que. tal como no modelo mdomático da
gramática gerativo-transformacional, poderíamos seguir com especificações.
regras e definições parn a formação do sistema que "geraria" todos os textos de
uma língua. '\Ião resta dú,·ida de que uma proposla de~;i natureza teria pelo
menos duas objeções iniciais:
Isso significa que os fatores concorrentes para a formação <le texto são
t\ amplos que os para a sentença (S), sendo praticamente impo~sívcl ofere-
JOSIAS DE SOUZA
Brasil do B
BRASÍLIA · Brasil bacharel. Biografia bordada, brilhante. Bom berço. Bambambã. Bico bacana,
boquirroto. Bastante blablablá. Baita barulho. Bobagem, besteira, blefe. Batente banho-maria.
Bússola biruta. Baqueta bêbada
Brasil Biafra. Breu. Barbárie boçal. Barraco barrento. Barata. Bacilo. Bactéria. Bebê buchudo,
borocoxô. Bolso banido. Boca banguela. Barriga baldia. Barbeiragem. Bastaria bóia, baião-de-dois.
Primeira Parte 1 Processos de produ~ão textual
Brasil Bélgica. Brancura Black-tie. Badalação brega Boa brisa. Bens. Banquetes. Brindes. Brilho
besta Bonança bifocal. BMW: blindagem. Bolsa balofa: babau, baby.
Brasil bordel. Bancadas bandoleiras, buscando boquinhas, brechas, benesses. Bruma, biombo,
bastidor barato. Balcão. Barganha. Bazar. Banda bandida. Bando bandalho. Baiano. Barbalho.
Briga besta. Bagunça.
Brasil benemerente. Bonança Brasília bondosa Banqueiro bajulado, beneficiado, bafejado. Ban-
carrota brecada Balancete burlado. Bem-bom. Boca-livre. Brioche, bom-bocado. Bilheteria. borderô.
Brasil Baixada Borrasca. Barro. Buraqueira Boteco. Bagulho. Birita. Bílis. Bochincho. Bebedeira.
Bofete. Bordoada. Berro. Bololô. Bafafá Bazuca. Baioneta. Bala. Bangue-bangue. Blitz. Bloqueio.
Boletim. Bíblia. Bispo. Beato. Benzedeira.
Brasil benfazejo. Boleiro. Bate-bola. Bossa. Balangandã. Balacobaco. Boêmia. Barzinho. Bumbo.
Batucada Balancé. Bole-bole. Beleza beiçola. Beldade. Biquíni. Bumbum buliçoso. Boazuda.
Beijo. Beliscão.
Balada boba, burlesca. Basta*.
Com isto, entram na anál ise do texto tanto as condições gerais dos
interlocutores como os contextos institucionais ele produção e recepção, uma
vez que eles são responsáveis pelos processos de íonnação de senli<los com-
prometidos com processos sociais e configurações ideológicas.
Daí surge um dilema para as análises de texto: se, por um lado, os textos são
produções lingüísticas, por outro, não podem ser analisados simplesmente pela
~xtensão das categorias gramaticais para a frase, pois elas são uma ocorrência
comunicativa no contexto de uso. Levado ao extremo, isso resultaria na tese de
Agradeço a Yéronique Dablcl a indicação dc:.t.: exemplo usado na tese de livre-docência sobre
mtuação (USP, julho de 2004).
luiz Antônio Marruschi 1 Producao tulual, analise de generos e compreensão
que cada texto leria sua gramática se quiséssemos dar a gramática do texto. De
certo modo, e~sa lese é correta, pelo menos no sentido de que cada gênero textual
tem uma fonna de realização própria, de maneua que a textualidade de um poe-
ma e a de uma carta comercial obse1Yam princípios constitutivos diYersos.
CIRCUITO FECHADO
Ricardo Ramos
Chinelos, vaso, descarga Pia, sabonete. Água. Escova, creme dental, ãgua, espuma. creme de
barbear, pincel, espuma, gilete, água, cortina. sabonete, água fria, água quente toalha. Creme para
cabelo, pente. Cueca, camisa, abotoaduras. calça. meias. sapatos. gravata, paletó. Carteira, níqueis.
documentos, caneta, chaves. lenço. relógio, maço de cigarros, caixa de fósforos. Jornal (_)
Dentes, cabelos. um pouco do ouvido esquerdo e da visão. Amemória intermediária. não a de
muito longe nem a de ontem. Parentes. amigos. por morte. distância, desvio Livros, de emprés-
timo. esquecimento e mudança Mulheres também, com os seus temas. (...)
Mito p-azer. Po- t.Mr. cµ:ir wr o meu saldo? Acho qoo sim~ bom teldooér, foi <üno. agora mesiro
estava ~ em você. Plnl. cooi gekl. Passe mais tarde, ai1da rm fiz. rm está fXOOID. Ama1hã eu
ligo, e digo alguma coisa PA.larde o troco. Penso que sim Este mês não, fica para o outro. (_)
Ter, haver. Uma sombra no chão, um seguro que se desvalorizou, uma gaiola de passarinhos.
Uma cicatriz de operação na barriga e mais cinco invisíveis, que doem quando chove. Uma
lâmpada de cabeceira, um cachorro vermelho. uma colcha e os seus retalhos. Um envelope
~ co~ fotografias, não aquele album (.•)
L rt111: Os melhores contos biasilei: de 19/l Porto Alegre; Editor• Globo 1974. pp 169-175
Jt óbvio que neste caso não temm a ,·er com o exemplar 111e1ii. comum de
texto, mas ele deve ser explicado e abrangido, ;:mim corno qualquer outro.
Representa um caso quase cxlrcmo, bem diverso, por exemplo, do que ocorre
no lexlo de Rubem Machado, "Porque é domingo", que aparece cm seguida.
bte tem sua coerência fornecida por fatores diferentes que o de Ricardo Ra-
mos. No caso do texto de Ricardo Ramos, o título não permite que façamos
uma relação de fatos e estabeleçamos um continuum de ~entido O:. enqua-
dres são aqui feitos e nós compreendemos este texto porque ele dcscrc'e cenas
que nos são familiares em nosso dia-a-dia.
\ luito prazer. Por favor, quer rer meu saldo? i\cho que i.im (... ) "\l ui to pra;:er"
PORQUE É DOMINGO
Rubem Machado
Levantou tarde com vagar e simulacro de sorriso examinou os dentes no espelho do banheiro
e tirando o carro para a frente da casa lavou-o tendo para isso vestido o short e tomou um
chuveiro e tez barba e pôs sapato sem meia camisa esporte fora das calças e bebeu caipirinha
discutindo futebol no bar da esquina e comprou uma garrafa de vinho três guaranás e comeu
demais no almoço e folheou o grosso jornal pensando é só desgraça no mundo e bocejou
diversas vezes e cochilou e acabou indo deitar no quarto e acordou às quatro horas com
preguiça pensando vou visitar o Ari ele não vai estar mas vou assim mesmo e pegou as chaves
do carro e disse à mulher vou dar uma volta e rodou no volks por ruas discretas cheias de sol
o rádio ligado no futebol e batucada na casa do Ari não tinha ninguém pensou então vou até o
Paulinho e foi mesmo e por sorte o Paulinho estava em casa de chinelo casaco de pijama veio
até o portão e ele não quis entrar e gozou com a cara do Paulinho o teu time não é de nada está
empatando logo com o lanterninha e girava as chaves do carro no dedo e o Paulinho disse o
jogo ainda não acabou e ele contou pro Paulinho que estava comendo a secretária e o
Paulinho despeitado só deu um sorriso amarelo e depois o Paulinho disse que descobriu que o
Carlinhos rouba no jogo de buraco e que não joga mais com aquele cara e insistiu para que
entrasse e ele agradeceu já ia andando e abanou de dentro do carro e voltou pra casa antes
botou gasolina no posto e disse pra mulher que tinha ido nas casas do Ari e do Paulinho e ela
perguntou se ele queria café e ele disse que não e perguntou a ela se já tinha começado o
programa de televisão e enquanto sentava na poltrona e via comeu um pedaço de pudim e a
mulher quebrou um copo na cozinha e ele gritou o que quebrou aí dentro e deu um arroto e
quando o programa já estava quase no fim a mulher disse que queria sair ele levantou e foi
trocar de roupa e foi ao cinema com a mulher e o filme era com a Sophia Loren e era colorido
e eles gostaram e quando voltaram para casa viram ainda um pouco mais de televisão e
começaram os dois a bocejar e ele escovou os dentes e fechou a casa e deu corda no
despertador e foram dormir já um pouco tarde. porque é domingo.
ro1nr: Rubem MACHADO. Jacarés 110 sol São Paulo: Ãtica, 1976. Citado a partir de l W. Geraldi. Portos de passagem. São Paulo:
Martins Fontes. 1991. pp. 186-187.)
Primeirm Parte 1 Processos de produ~ão te1tual
lo numa prosódia. Mas pode ha,·er divergências entre o~ diversos leitores quan-
1 lêem este texto. 'lem todo~ vão ~cgmcnl·:.í-l o <la mesma maneira. Isto comprova
lh1a bomba destrói o altar onde o Papa ia rezar uma missa AArgentina teme um novo golpe. OPIB
recebe convite para integrar o Governo a nível de Ministério. OBNHdá toda atenção aos mutuãrios
oferecendo-lhes alternativas. Santos e Flamengo resolvem a primeira etapa Brizola tem a prefe-
rencia do povo em eleições diretas. Essas foram algumas das notfcias que li no jornal de hoje.
-
[ João vai à padaria Apadaria é feita de tijolos. Os tijolos são caríssimos. Também os mísseis são
caríssimos. Os mísseis são lançados no espaço. Segundo a Teoria da Relatividade. o espaço é
curvo. A geometria rimaniana dã conta desse fenômeno.
22. \l esse momento, não entro cm tjue;tões moh complicaclu.1 como. por c\cmplo. saber se os
poc111a~concretos, o~ textos surreal1sl;1s t' .1lg11m,1s obras literárias apare11te111c11te absurda; ;ão ou não
luiz Antõ•io Marcuschi 1 Prod9'io textual, a11t11ise d• géneros e rOt11preeasão
De modo geral, podemos dizer, com Koch ( 1989: 19), que ..o conceito
de coesão textual diz respeito a todos os processos de seqiienciali7ação que
asseguram (ou lornam recuperável) uma ligação lingüística significaliva entre
os elementos que ocorrem na superfície te:'l.tual". É dcscjá,·el que ela apareça
como fac1litador da compreensão e da produção de sentido.
Seguindo a sugestão de Halliday/Hasan ( l 976) (com a ressal\'a de que
esses autore~ têm "isão muito di\'ersa daquela aqui defendida a respeito da coe-
são e coerência), podemos clistingl.llr cinco grandes mecanismos de coesão:
1. Rcfc.:rênc ia (pessoal, demomtrativa, comparativa)
2. Substituição (nominal, \'Crbal, frasa!)
3. Elipse (nominal. \'erbal, frasa!)
4. Conjunção (aditiva, advers:.itiva ele.)
5. Coesão lei-.ical (repetição, sinonímia, colocação etc.)
Um esclarecimento desses mecanismos pode ser melhor obtido se consi-
deramos as estratégias específicas da sua real i7-ação lexlual dentro de uma
distribuição um pouco diversa daquela feita por Halliday!Hasan com as no-
ções de coesão referencial e coesão seqüencial que as abordagem a seguir
distinguem e que vem sendo proposta aqui.
Um des5cs mecanbmos di1. respeito à organização lida como referencial,
baseada, sobretudo, em aspectos ligados à significação ou à referência. O
outro funda-se na organização seqütmcial cm que a referência não é central.
Essa dupla distinção foi estabelecida com clareza por Koch ( 1989: 27) da
seguinte maneira:
Tomando por base :i Íltnção dos mecanismo~ coesivos na construção da tc\lualtdade,
proponho que se considere a cxi,tência de <lua~ grnndcs moduli<lades de coesão: a
coesão referencial 1rcferenciação, remissão) e a coesão ~cqüenc1al (seqii<:nc1ação ).
textos e que condições estão preenchendo pJra funcionar. \.i rcJltdade ~li temos uma qm.'5tão mai~
complex;1eludo111<lica que com .1 noção de gênero e com a propo~a de ~entido pretendidJ de11lro de um
c:nquJdre wc1ocultural e>pedlko e hisloncamcntc surgido, pode-~ admitir que se1;1m texto~ e funcio-
nem. embora pJ1J um numero ~guramcntc n·d11J.Jdo de le1lorl.,, murto lxm 1111ci.1d0!> nc'..a literatura
Prim•ira Parte 1 Processos de produ~ão textual
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artigos
0
pronomes adjetivos
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pronomes pessoais
pronomes substantivos
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sinônimos
1
hiperónimos
nomes genéricos
grupos nominais dei.
nominallzações
- numerais ordinais - advérbios pronominais - elementos metaling.
- numerais cardinais - prõ-formas verbais - elipses
REFERÊNCIA PRONOMINAL
_.,-
ENDÓFORA exófora
(correferência resolvida
na iminencia contextual)
(referência a um elemento
/"'"""'
contextual, externo ao texto)
anáfora catáfora
(retrospectiva) (prospectiva) ex: Nós nunca tivemos tanto azar no
processo de estabilização econômica
ex: Os novos gorernadores ex. Vejo-a todos os dias no
estão festejando. Eles parque, mas não sabia
têm tempo
(a) A e:-;ófora, da qual pouco nos ocuparemo~ Jqu1. cl1.t respeito a elemen-
tos que, na falta de uma e:-.pre:.são melhor, chamamos de 'ex1emos ao texto' e
recuperáveis na situação duetamente (particularmente na oralidade) ou por
aspectos cognitivos, conhecimentos partilhados etc., mas não pela via de ex-
pressões co-referen tcs 'dentro do texto' 21 • Em geral, o uso de pronomes nas l"
e 2• pessoas no início do Lcxlo é de natureza inerenlemente exofórica. A exófora
comprova a reciprocidade da interação entre o uso ela linguagem e a situação
desse uso, que atualiza as estratégias de recepção A referência exofórica de
;?'{ Volto a mml1r qul' ,1 1d( 1.1 d( um dentro e um fora do te\to t ,1lgo de grande compJc,,.id,1dc
e 11ão ~e de'e abusar dc;sas C\prc~õe5 F:la.~ têm a mer;i fímc;ào ht.:umtica de lembrar que a ;oluc;Jo
reíe1c11ciJI se dá em relac;õc~ mtra-k,tua1s (muitas vezes com o t·m 1l·ur~o de aspectos cogmhvos) ou cm
relações do texto com º' cn4uaclrc~ C\lerno1
Prim.!re Parte 1 Proceuos de produ4ão textual
(i) eu, você, a gente, se: usados no discurso para referir "um indivíduo
humano qualquer"
- como tu sabes.. .
- como você sabe.. .
- como a gente sabe...
- como se sabe...
(ii ) nós cm usos em que o fol<mtc :.ubsume, além de si. todos os outros:
- r-.;ós não podemos esquecer que...
( ii1) eles para indicar pessoas "não especificadas":
- Eles devem saber quem foi fazer compras ho;e.
(b ) A endófora é um tipo de pronominalização textual e fo;.r referência a
nticlades recobráveis no 'interior do tc"to'. Neste conjunto lemos dois subtipos:
(i) a anáfora que refere l!nlicladcs já introduzidas e vem depois das ex-
pressões co-refcrida:. (ou não);
(ii ) a catáfora, que refere entidades projetivamente, de modo que sua
ocorrência se dá antes da expressão co-referida (ou não).
A VELA AO DIABO
Ese as unhas roessem os meninos?
ESTÓRIA !MEMORADA.
Êsse problema era possível. Teresinho inquietou-se, trás orelha saltando-lhe pulga irritante. Via
espaçarem-se, e menos meigas, as cartas da nôiva, Zidica, ameninhamente ficada em São luís.
As mulheres, sóis de enganos... Teresinho clamou, queixou-se - já as coisas rabiscavam-se. Ele
queria a profusão. Desamor, enfado, inconstância, de tudo culpava a ela, que não estava mais
em seu conhecer. Tremefez-se de perdê-la
Embora, em lógico rigor, motivo para tanto não houvesse ou houvesse, andara da incerteza à
ânsia, num dolorír-se. voluntário da insônia Até bebeu; só não sendo a situaçãozinha solúvel no
álcool. Amava-a com toda a fraqueza de seu coração. Saiu-se para providência.
A de que se lembrou: novena, heróica Devia, cada manhã, em igreja, acender vela e de joelhos
ardê-la, a algum, o mesmo, santo - que não podia saber nem ver qual, para o bom efeito. D
método moveria Deus, ao som de sua paixão, por mirificácia - dedo no botão, mão na manivela
- segurando-lhe com Zidica o futuro.
Sem pejo ou vacilar. começou, rezando errado o padre-nosso, porém afirmadamente, pio,
tiriteso. Entrava nessa fé, como o grande arcanjo Miguel revoa três vezes na Bíblia Havia-de.
la conseguindo, e reanimava-se: nada pula mais que a esperança. Difícil - pueris humanos
somos - era não olhar nem conhecer o seu Santo. Na hora, sim, pensava em Zidica; vezes,
outrossim, pensasse um risquinho em Dlena
No terceiro dia. retombou. entretanto, coração em farpa de seta, odiando janelas e paredes.
São Lufs não lhe mandara carta Quem sabe, cismou, vela e ajoelhar-se, só, não dessem -
Primrira Parte 1 Processos de produ1ão teatual
razoável sendo também uma de-mão. ajudar com o agir, aliar recursos? Deus é curvo e lento. E
ocorreu-lhe Olena
L IOlll. Guimarles Rosa. Tutamétia - rereens m6rias. 2• ed. Rio de Janeiro: Jo~ Olympio. 1968.
Caso diverso é o <lo texto de Rachel de Queiroz, que inicia assim· "Isto é
urna história velha", e se refere. e,idcntcmente, ao texto completo e não a
alguma enti<l.ide específica: trata-se de uma catáfora que tem por referente o
texto completo, pronominaluando-o.
OS REVOLTOSOS
RACHU OE QUEIROZ
Isto é uma história velha, passou-se lá por 1926. Opais andava numa situação política tão
complicada quanto a de agora. Não, minto. Tanto não. Era um complicado diferente, mais
visível, mais à flor da pele. Havia gente de armas na mão. contudo não era assim por
conflito pessoal e ideológico irredutível como agora. Era mais uma pequena questão de
princípios. de interpretação dentro de uma mesma ideologia - todos se diziam igualmente
democráticos. nenhum dos combatentes disputava sobre a questão social (e o que mais
tarde optou pelo marxismo - L. C. Prestes, saiu da briga e foi para a Rússia). Ademais, o
povo em geral. embora não se pronunciasse abertamente. por medo de represálias do
Governo ou descrença nas possibilidades da luta, o povo de coração estava os chamados
"revoltosof. seduzido pela legenda e bravura dos jovens tenentes - os feitos dos dois 5
de Julho, a imolação dos 18 de Copacabana.
Acima de tudo, aquela marcha épica da Coluna Prestes pelos fundões ignorados do Brasil
falava às imaginações e suscitava os mais ardentes entusiasmos. Creio mesmo que feito nenhum,
na história nacional, tocara tanto o coração do povo. Os moços ·generais e coronéis" <-:__j
A questão fica muito mais complexa quando observamos textos como o
da pubüc1dadc da motocicleta YM1AHA na página ~eguinte.
li
as teorias textuais sempre exigiram rdações explícitas dos pronomes com a su-
perfície textual No entanto seqüências como (a) e (b) abaixo são freqüentes:
- \fax niio comprou um ovo. mas .\1aria sim e ele era podre.
A elipse remete a uma entidade que havia sido negada e com isto afirma-
possibil itando o processo anafórico, mas não se trata ele uma co-referência,
• ) ÍS o ovo que Max não comprou não é o ovo que 1aria comprou.
24 Entimemn é um tipo de raciocínio <lc c•1r;ílc:r cmine11tementc rdóncn no qual umJ premissJ
apenai. subentc11diclJ e dC\C ser inferida a partir d.1 conclusão E é jmto111c11tc C"-'ill a asscrti1a ttut w
p que o outro le\e em comidcração. Por exemplo: ··se amor mc1/a.'>Se, eu e~tcma morto" Dc~c:1a 4111:
outro infira: "&1011 am.rn<lo~.
Luiz Antônio Marcuschi 1 Producao textual, analise de generos e compreensão
rcs an imados, ações de certo tipo com ações do mesmo tipo etc.
Aqui entram as questões relativa~ aos aspectos mais diretamente liga-
dos a múltiplas possibilidades referenciais.
Pause ( 1984 observa que esses critérios não são absolutos e que ,·ários
deles podem aplicar-se ao mesmo tempo. Quanto mais critérios concorrerem
para a determinação do antecedente, tanto mais fácil sua determinação. ' làm-
bém o peso de ca<la um desses critérios é difere11ciado. Alguns. por exemplo.
o da preferência da função temática, são particulanncntc fortes. Nesse caso,
toma-se a noção de tema como uma noção sintática, ou se1a. na relação tema-
rcma. da perspectiva funcionalista da frase. O seguinte exemplo de Pause ( 1984:
++) pode mostrar i!.sO:
COESÃO SEQÜENCIAL
seqüenciação seqüenciação
parafrástica frástica
1 1
- repetição lexical - progressão temática
paralelismos - encadeamento por justaposicão
- paráfrases a) marcadores espaciais
recorrência de b) marcadores conversacíonais
tempo verbal - encadeamento por conexões
a) relações lógico-semânticas
b) relações argumentativas
OPERADORES OPERADORES
ARGUMENTATIVOS ORGANIZACIONAIS
t Oposição - mas. porém contudo A - de espaço e tempo textual
2. Causa - porque. pois. já que - em primeiro lugar. em 2° lugar
l Fim - para. com o propósito de - como reremos. como rinos
4. Coo<ição - ~ a menos que. desde que - neste ponto, aqli na 1• parte
S. Conclusão - logo, assim, portanto -no pr6ximo capítlJlo
6. Adição - e, bem como, também
7. Disjunção - ou B - metalingüfsticos
8. Exclusão - nem - por exemplo, isto é, ou seja
9. Comparação - mms do que, menos do que - quer dizer. por outro lado.
etc. - repetindo, em outras palavras
- com base nisso, segundo fulano etc.
'ão nos dedicaremos a uma exploração deste quadro, mas isso pode ser
\isto nos trabalhos aqui 1á citados de Ingedore Koch ( 1989).
A reflexão sobre coesividade não tem sido mais feita de maneira sistemá-
tica nos últimos estudos de LT porque este aspecto deu lugar aos trabalhos
sobre os processos de referenciação, que passaram a representar a fusão dos
processos de textualização.
1.10.2. Coerência
Para Beaugrandc ( 1980: 19), a coerência subsume os procedimentos
pelos quais os elementos do conhecimento são ativados, tais como a cone-
xão conceituai. A coerência representa a análise do esforço para a continui-
dade da experiência humana. Isto significa que há uma distinção bastante
clara entre a coesão como a continuidade baseada na forma e a coerência
como a continuidade baseada 110 sentido. Trata-se de duas formas de obser-
var a textualidade. São, a rigor, os dois aspectos que mais ocuparam os lin-
güistas de texto até hoje. Mas as posições a esse respeito têm mudado muito
desde os anos 60 do século XX.
Na verdade, sabemos muitas coisas que não são ditas, mas que usamos na
hora de interpretar um texto. Assim, por exemplo, é o caso da herança de
propriedades que um elemento traz para dentro do texto quando ativado no
conjunto das infon11ações. Tenha-se em mente aqui os textos citados de Josias
de Souza, "Brasil do B", e de Ricardo Ramos, "Circuito fechado", para enten-
der melhor esse aspecto.
Tudo porque
Ele me deu um beijo de boa noite_
(Autor anônimo)
Após inlroduzir esse poema, a autora se indaga. logo no início cio capítu lo:
Seria esse texto incoerente?(.: po<i~í\el descobrir 11dc alguma ponta de .sc11lido? Me-
lhor dizendo, é possível recuperar alguma unidade de \Cnbdo ou de intenção? Sen e
para "dizer'' alguma coJSa7 St:: ~"e. como cncararo foto de as pala\'ras estarem numa
am11n.1~·Jo l111ear que resulta \Cm sentido? A porLl o;obc? \gente fecha a escada?:\
gente 1ir:i a~ orações e recita os sapatos? A gente de~liga a cama e se deita nn luz?
Para Charolles () 983)''•. a coerência pode ser \·ista como "um princípio
da interpretação do discurso" e das ações humanas de modo geral. E la é o
25. lraudé Antunes (2005J Lutt1rt'()t11 fXJlcl\ms - ~YJeScioe meli11c111. &lo Paulo, Parjbofa F.chtonal, p. 174
26. \1ichd Charolles 1 198~) Coherence J~ a Pnnc1plc i11 thc lntcrpretation of í'll\COll~C 1 ex/ ~
(1983 .-1 _9-
Primeira Parte 1 Pro1essos de produ1ao textual
- .\ leus vizinhos devem ter saído porque a lele\'ÍSão ainda está ligada e as
luzes da 'aranda estão acesas.
Certamente, o autor dessa seqüência não está querendo sugerir uma
relação de causa e efeito entre a televisão ligada, a luz acesa e a ausência
dos vizmhos. O que ele está sugerindo é que as lu7es acesas e a telensão
ligada são um mdício de que os \11111hos saíram. Pois ele sabe que quando os
vizinhos estão em casa isso não acontece àquela hora e que quando saem, os
vizinhos costumam agir daquele modo. A sugestão ele coerência entre os
enunciados e o bom uso daquele "porque" funda-se num conhecimento pes-
~oal cio enunciador daquela seqüência e não numa relação semântica entre
os enunciados seqüenciados.
luiz António Morcus<hi 1 Producno trxtual, analise de genero< e compreensoo
Pode ser até mesmo um ponto de \'Ísta do leitor que ei.tabelece a coerên-
cia. Assim, a coerência não é uma propriedade empínca do texto em si (não se
pode apontar para coerência). mas ela é um trabalho do leitor sobre as possi-
bilidades interpretativas do texto. É claro que o texto deve permitir o acesso à
coerência, pois, <lo contrário, não haveria possibil idade de entendimento.
Pois nc5tc caso não ha\'cria congruência semâ ntica, já que se estaria
predicando entre classes de scmas di\'ersos. Isto só seria adequado cm condi-
ções especiais e com um mo metafórico (para maiores detalhes ~obre a isotopia,
cf. Maingueneau, 1996: 53-56).
27 Tal corno lembra o verbete \obre "i,,ot.opia"' no Dícionáno<ie anoli~e do di,c11N1 (P. Charnudeau
e 1) \l:11ng11enea11, Z00+:?.92-29+). a noção de isotopia fo1 introduúda por Grci111.1' na semântica e diz
rc~pc1lo .10' .. procedimentos que concorrem par.i a coerência de uma wqüê11c1a d1~11~11·a ou de umd
me11~cJgrm . [\melada na red11ndânc1c1 de um mesmo traço ao deemolrnm:11to do' enunciados, tal
coerêncu d11 respeito pnnc1palmentc à ori;am1.ação semânhca do d1snmo !\ i>0top1a é um eixo
~1:111ântico que pennite criar efeito) de cocr\:ncia. -i::1a resulta_ antes de mat~ nada. da ·i1erah~1dade. ao
lon~o de uma cadeia 5intagm.íhca. de ca l~ema~ traços semãntito) lOlllüluai>) que asseguram ao
cli~c1mo rna homogeneidade" (p. 292) Po<le-'e cfüer que "no plano fu11c1on.JI, a coerência discurs1,·a
produ11d.1 pela isotopta condiciona a fo1b1/1dud1? dos textos:· Por outro lado, "do ponto de \'!Sta do
cnunciat:lrio, a isotopia constitui uma wadc de le1t11rn que toma homogl'nea a ~uperfíc1c do texto, já que
chi permite eliminar as ambíguidade~" (p. 293)
luiz Antonio Mar<Us<hi · Producao textual, analis" de gl'nt'ros c con1prt·~n·.c10
Este exemplo é útil p<1ra revelar uma visão fundada nos traços lingüísticos
e C\•1dcnciar o quanto a noção de 1sotopia é de caráter C)lrutural.
Certa vez uma família inglesa foi passar as férias na Alemanha. '\o decorrer de um
passeio, as pessoas da família 'iram uma casa de campo que lhes pareceu boa para
pa\~ar as férias de \Crão. Foram falar com o proprietário da casa, um pastor alemão,
e combinaram alugá-la no \Criio seguinte.
Gentil Pastor
•
Sou membro da familia inglesa que o \'ISitou h<í pouco com a fmalidade de
alugar sua propriedade no próximo verão. Como c~quccemos um detalhe
muito importante, agradeceria se nos informasse onde se encontra o \\.C.
Gentil Senhora.
1.10. 4. ,\ceitabilidade
Como vimos há pouco, a aceitabilidade diz respeito à atitude do receptor
do lcxlo (é um critério centrado no aloculário}, que recebe o texto como uma
configmação aceitável, lendo-o como coerente e coeso, ou seja, interpretável e
Luiz Antônio Morcuschi i Produrno textual, analise de 9<'nl'ro> e <on1precnsão
significati\·o. Pem1ite um certo grau de tolerância, além do qual o texto não !.cria
sequer inteligível. O problema da aceitabilidade é definir 05 seus limites: são
eles por parte do sistema, da plausibilidade cogrntiva ou da situacionalidade?
Nesse caso, esse princípio é redundante com o de siluacionalidade.
1.1O.5. Situacio1wlidade
O critério da situacionalidade refere-se ao fo to ele relacionarmos o even-
to texh1al à situação (social. culhiral. ambiente ele.) em que ele ocorre (cf.
Bcaugrande. l 997: 15) ..\ siluacionalidade não c;ó sen-e para interpretar e
relacionar o te:-..io ao seu contexto interpretativo, mas também para orientar a
própria produção. 1\ ~ituacionalidacle é um critério estratégico.
Primeira Parte 1 Processos de producao textual
Tomemos o caso de alguém que quer falar ao telefone: esl>a situação exi-
girá uma série de ações mais ou menos consolidadas e que vão constituir o
gênero telefonema. Haverá a chamada, as identificaçõe~ e os cumprimentos
múluos, :.t abordagem de um lema, 011 vários, e as despedidas. Assim será com
qualquer outro texto, por exemplo, uma ata de condomínio e até mesmo uma
redação escolar, que exigirão determinados requisitos sih1acionalmcnte defini-
dos. Em certo sentido, todo o lcxto conserva em si traços da sihiação a que se
refere ou na qual deve operar. A s111 \ll O' \. ll) \DI Porn WR \ 1s 1 \ C0\10 U\I
C Rt l l ruo ()L \DEQU \ Ç.\ O n.:..\. 1u \L.
Este princípio diz respeito ao~ fatores que tomam um le:-.to relevante numa
dada situação, pois o texto figu ra como uma ação denlro de urna situação
controlada e orientada. A rigor, a situacionalidadc é dada já pelo simples fato
de que o texto é uma unidade cm funcionamento.
Também é bom ter presente que situacionalidade não pode ser simples-
mente confundida com contextualidade. A noção de contexto é um dos aspec-
los centra is da construção da siluacionalidade, mas se distingue dela.
Por outro lado, em sentido estrilo, poderíamos dizer que a situacional idade
é uma forma particular de o texto se adequar tanto a :>eul> contextos como a
seus usuários. Se um texto não cumprir os requisitos de situacionalidade, não
poderá se "ancorar" em contextos de interpretação possí\'eis, o que o toma
pouco proveitoso.
1.10.6. TntertextualidcJC/e
Este critério subsume as relações entre um dado texto e os outros textos
relevantes encontrados em e\penências anteriores, com ou sem mediação. Há
hoje um consenso quanto ao fa to de se admitir que todos os textos comungam
com outros textos, ou seja, não existem textos que não mantenham algum
aspecto intertextual, pois nenhum lcxlo se acha isolado e solitário.
luiz Antônio Marcuschi 1 Produ~ão textual, ancilise de ginetos e tompreensão
ZS. A questão da 111tertexl11alidada é relativamente complexa e a ela se ligam muilos lermos qul"
podem ~c rprovcilosamcntc consultados no Dicionário de amílise do discurso, tais co1110: aspas; dialogismo:
discurso citado; i11terdiscurso, metacormmicaçào; metadiscurso; polifonia, aJém dos tratados nessa'
breves notas. Deve-se, no entanto. ter algum cuidado, pois polifonia e 111tcrtcxt1.1alidadc não se cqmrnlcm
Primeira Parte 1 Proceuos de produ~ão textual
1.1O.7. Infonnatividade
Seguramente, esle critério é o mais óbvio de todos. pois se um texto
é coerente é porque desenvolve algum tópico, ou seja, refere conteúdos.
O essenc ial desse princípio é postular que num texto deve ser possível
distinguir entre o que ele quer transmitir e o que é possível extrair dele, e
o que não é pretendido. Ser informativo significa. pois, ser capaz de diri-
mir incertezas.
O certo é que ninguém produz textos para não dizer absolutamente nada.
Contudo, não se pode confundir informação com conteúdo e sentido. A infor-
mação é um tipo de conteúdo apresentado ao leitor/ouvinte, mas não é algo
óbvio. Perguntar pelos conteúdos de um texto não é o mesmo que perguntar
pelas informações por ele trazidas. Assim, um ato de fala não é uma informa-
Primeira Parte 1 Processos de produ~ão textual
ção, mas um efeito de sentido produzido que percebemos como um dos conteú-
dos do texto. Mas este ato de fala, por exemplo, uma ofensa ou um xingamento,
não se dá de fonua direta ou informativa.
Com isto, lembram os autores, temos quatro aspectos centrais sob os quais
um texto pode ser observado:
l. língua;
2. cognição;
,
). processamento;
4. sociedade.
1. 12 Organiza,ão tópica
A noção de tópico continua problemática e pode ser entendida de acor-
do com os contextos teóricos em que é utilizada. Uma distinção usualmente
feita nesse caso é en !Te tópico frasa] {w) e tópico discursivo {To). O primeiro
é de nalureza sintática e se restringe ao nível da frase. tal como postulado
inicialmente pela Escola de Praga na distinção hoje retomada por vários auto-
res entre tema e rema. Essa noção funcional de tópico (equivalente ao tema),
embora de cunho essencialmente semântico-pragmático, é de natureza sintá-
tica e em certo sentido equivale ao sujeito do enunciado, por ser aquilo sobre
o qual se fala. Por exemplo, na &ase:
29. Neste caso sigo o le:1.to de Dant:S reproduzido em Dressler (org ) ( 19-5 Textlingui~tik-, que
le\J por titulo "Zur linguistischen Anah°'e der Textstrul..tur~ (pp. 185-192l, que rt-ccbeu 'ária\ outra~
'er~ões, J~ que o autor voltou à quc}tJo cm \".Ínas oportunidades e isto con}htui o cerne da perspectiva
funcionalista da frase da Escola de Prc1gc1. Veja,~e quanto a asso, Rodolfo llan (1992). A perspect1vtJ
fu11c1onal da frase portuguesa. 2' ed Campm:is Editora da Unincnmp, 1992. /\ arbrulaçâo tema-rema
é o nssunto central dessa obra.
Pri111clra Perte 1 Processos de produ4õo teilfual
3. progressão com tema derivado (temas que são derivados de llll hipertema)
4. progressão com um rema divi<ido (desenvolvimento com urn dl4110 tema ou mltiplo)
O próprio Danes observa que em um texto como tal esses tipos não ocor-
rem puros na forma aqui proposta, mas que em geral eles aparecem mistura-
dos com o predomínio de uma dessas formas. Contudo, segundo se observou,
uma aplicação desses princípios continua ainda pouco clara e de difícil
operacionalização. Mas a idéia é importante por sugerir que os textos progri-
dem em suas subunidades de maneira ordenada e não caótica. Há uma certa
relação entre progressão informacional e plano textual.
luiz ARtônio Marcuschi 1 ProdvJão textuel, aaáfise ile ginero1 • compreensio
• tópico - comentário
• dado - novo
• figura - fundo
(a) Todos esses modelos têm uma motivação gramatical. Partem do ponto
de vista de que os textos estão estruturados à semelhança das frases. A
no,·idade desses modelos é a substituição da gramática de frase por
m
uma outra gramática de texto. Essa é uma tentall\'a que não poderia
dar certo, pois não é possí\el imaginar que o texto tem estruturas
similares às das frases.
(b) Os textos são concebidos como seqüências de frases que mantêm
entre si uma estreita ligação coesiva. Essa coesividade vem marcada
na superffcie textual e garante a boa formação lexhia1. Na verdade,
esse é um postulado muito forte e a coesão não é uma condição nem
necessária nem suficiente para a textualidade, como já vimos.
(c ) Esses modelos poshilam uma unidade referencial garantida pelo lé-
xico, temporalidade e fluxo informacional.
30. Refiro-me, aqui, espec1ficamcntc a Wallace L. Chafc (1<f°i9 ) Sigmficado e estrutura $emânti·
ca Rio de Janeiro· Linos 1 écnico) e Cicn tificos. Especialmente o cnp 15 lpp 218-241 ), que trolJ d ~'
"Informações novas e velhas"
Primeira Parte 1 Processos de produ~iio tu;tval
1. 13 Processo referencial
Para a autora, como para nós, mais do que "a maneira como o texto faz
referência a uma exterioridade", interessa "a maneira como os locutores con-
cebem sua referência a uma exterioridade" (Mondada, 1994: 17). Jsso sign ifi-
ca que é essencialmente na interação (interpessoal ou com o texto) que se
constrói o sentido. Na verdade, a referência é produzida na perspectiva do
foco estabelecido. E quando o foco não é estabelecido com clareza, pode
haver um desvio da focalização, o que acarreta também urna atribuição
referencial inadequada. Segundo observam Moeschler & Reboul (1994: 350ss),
uma expressão referencial só chega a sua referência concreta quando empre-
gada num discurso. Caso contrário, sua significação lexical, de caráter lingüístico,
não passará de uma referência virtual. Já no caso de termos como os prono-
mes e os dêiticos, que não têm referência virtual por não serem descritivamen-
te autônomos, eles só chegam à referência concreta mediante outros indica-
dores. O exemplo ( 1) a seguir apresenta uma interessante si tuação discursiva
para esclarecer esse processo de saturação referencial. Veja-se:
F001 - telefonema
(1)
352 eu tava lá dentro...
V'.
353 mas sabe que eu não me servi de absolutamente nada a não ser uma coca-
cola...
354 porque eu vi passando mas eu tava tão agoniada tão tensa sabe[...
355 B: [éh
356 V'. mas diz que foi terrível né
357 porque os meios das cadeiras eram estreitas e não dava pra ele passá né
358 B: é... exato_
359 aí ficava um avanço
360 ficava uma coisa feia
361 quando vem pra cá vem chegando... "fica aqui espera aí que eu vô pegá um
362 pra mim"... 0 pegavam de dois três
363 V'. nordestino é fogo viu
364 B: ave maria achei tão feio viu1
Primeira Parte 1 Processos de produ4ão textual
31. Este aspecto ainda não recebeu um tratamento adequado, pois é complexo e seguramente
deverá ser objeto de intenso~ estudo~ pro"imamente.
lub Antônio Marcwschi 1 Prodvtão textual, 011aUse de gêneros e compreensão
Tal como na parte anterior, relativa à visão histórica da lingüística no século XX, também
aqui trazemos alguns exercícios para revisão geral e trabalho individual e coletivo. De
preferência, estes exercícios deveriam ser realizados em equipe. Visam ao
aprofundamento com leituras complementares. Seus resultados devem ser sempre
debatidos em sala de aula
Central seria um trabalho de pesquisa e levantamento permanente de termos-chave
para a montagem de um glossãrio, cujas definições podem ser buscadas tanto neste
manual como em dicionãrios e em outras fontes fornecidas no final da parte histórica.
Isso é fundamental para que se domine a base terminológica de maneira mais técnica
Primeira Parte 1 Procenos de profi•ão textual
(a) GLOSSÁRIO SOBRE AQUESTÃO TEXTUAL: iniciar a montagem de um glossário para tratar do
texto. Entre os termos mais importantes, estariam estes (que devem ser ampliados):
anáfora isotopia
catáfora língua
coerência objeto de discurso
coesão progressão referencial
contexto referência
co-referência sujeito
co-texto tema-rema
dado-novo texto
déitico tópico-comentário
discurso tópico discursivo
função tópico sentenciai
Com estas obras, já podemos formar uma idéia clara de algumas posi-
ções recenles. Trata-se de uma série de novas fontes de leitura, informação e
formação, bem como alternativas de trabalho. Ao longo do cmso, deveremo
Segundo Porlé Gêneros textuais no en~ino de l1nguu
1'~ com Aristóteles que ~urge uma teoria mais sistemáltca sobre os gêneros
e ~obre a nah1reza do discurso. o cap. 3 da Retórica 13 5fü1 , J\nstóteles diz
que há três elementos compondo o discurso:
Num discurso existem, segundo Aristóteles, três tipos de ouvinte que operam:
seu Íuncionamenlo e a noção de fato social, bem como outros conceitos básicos
para o tratamento dos gêneros. Um fato social é aquilo em que as pessoas acreditam
e passam a tomar como se fos~e verdade, agindo de acordo com essa crença. l\1uitos
fatos sociais são realidades constituídas tão-somente pelo discurso situado. Daí a
importância de se trabalhar esse aspecto central.
Por exemplo, por que lodos os que escrevem uma monografia de final de
curso fa7.em mais ou menos a mesma coisa? E assim também ao pronunciar-
mos uma conferência, darmos uma aula expositiva, escrevermos uma tese de
doutorado, fazermos um resumo, uma resenha, procluzjmos textos similares na
estrutura, e eles circulam em ambientes recorrentes e próprios. lsso ocorre
também numa empresa com os memorandos, os pedidos de venda, as promiss6-
rías, os contratos e assim por diante. Vai ocorrer na esfera jurídica. na esfera
jornalística, religiosa e em todos os demais domínios.
Esse aspecto tático ela construção do gênero, sua interpretação e uso é provavelmen-
te um dos fatores mais relevantes para dar conta de sua popularidade atual no campo
dos estudos do discurso e da comunicação.
!'\a real idade, o estudo dos gêneros textuais é ho1c uma fértil área
inlcrdi~ciplinar, com atenção especial para a linguagem em funcionamen to e
para as ali\'ldades culturais e sociai~. Desde que não concebamos os gêneros
como modelos estanques nem como cslruturas rígidas, mas como formas cul-
lurais e cognitivas de ação soem! (Miller, 1984) corporificadas na linguagem,
somos levados a ver os gênero~ como entidades dinam1cas, cujos limites e
demarcação se tomam fluido~.
2. l::ssJ Jnálise enconlr;He em BernJrd Schneuwl) ( 1986). Quel/e tvpulul!,ie de le:ttes pour
r~iuergnement? Une /:\•pologíc de typc>losre~. Tc\IO aprc~entado JO Terceiro Col6q1110 lnternncional de
D1d.ihta do l•rnncês, Namur, Fra11ça.
l Refiro-me aqui ao trabalho ele í>omn11q11c f\l:unguenenu (2004) Rctour rnr une c:ilégorie: le
~cnrc. 111 Jean-.\ 1ichel Adam; J ean-Biai.,~ Grite & l\1<1g1d Ali Bouacha (arg~. I. ·11nte et di,cu11rs: catégorie,
pour /'011alrsc l111on: Editions UnivcmtJ1rc~ de Di1on, pp. 107-118 O autor cita ns sc~uintcs tipolo~ias
d~cm oi' 1d,1s (p 108):
( 1) (), tc,tos foram categomJdo' com hJ~c em cntérios /i11g11íslic:os c11unciaçiío; di>tribuic;ão
c,tatfalic.i de marcas ling\i1stica'; ori;ani1Jc;Jo te,tual
(2) A claS!>1ficação pode ser íe1t.a t.;11111.>ém com critérios funcionais:
( >) \, bpolog1as m:m complc.•"w\ fund.1m-\c em critérios s1tuac1ot1ars. o hpo de atores wciais. as
c1rcun:.tãnuas da co111u111<.:d<;JO. º'papeis. sociais, o canal utiliLddo. a tcmjti<;a
(4) 1:1mbém podemos foi.ir em bpolog111 d1sr11rs1rns: combinam car.it·tc.-mhc.i. lmgüfabcas, fun-
cionais e ~ituacionais. Aqui tem-'' e.alegoria\ mais ampla~. t.iis rn1110 ·dl\t1mo de \·ulgariza-
çào". ··d1m1rso 1omalfsbco" etc.
luiz Antonio Morcuschi 1 Producão textual, analise de géneros e compreensão
De maneira geral, o que se tem notado no Brasil foi uma enorme prolife-
ração de trabalhos, inicialmente na li nha de Swales e depois da Escola de
Genebra com influência5 de Bakhtin e hoje com a influência de norte-ameri-
canos e da análise do discurso crítica. Como Bakhtin é um autor que apenas
fornece subsídios teóricos de ordem macroanalítica e categorias mais amplas,
pode ser assi1nilado por todos de forma bastante proveitosa. Bakhtin represen-
ta uma espécie de bom-senso teórico em relação à concepção de linguagem.
Para deixar alguns conceitos claros nesta exposição, trazemos umas pou-
cas definições com as quais depois vamos trabalhar para observar a possibi.li-
dacle de traduzir isso para o ensino . Vejamos de maneira mais sistemática
como devemos entender os termos que estamos usando, já que eles raramente
são definidos de modo explícito.
a. Tipo textual designa w11a espécie de construção teórica {em geral uma
seqüência subjacente aos texlos} definida pela natureza lingüística de
sua composição {aspectos lexicais, sintálicos, tempos verbais, relações
lógicas, estilo}. O tipo caracteriza-se muito mais como seqüências lin-
güísticas (seqüências retóricas) do que como textos materializados; a
rigor, são modos textuais. Em geral, os tipos textu.ais abrangem cerca de
meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação,
4 . Não vamos discutir aqui se é mais pertinente a ei.-pressão "gênero textual" ou a expressão "gênero
discursivo" ou "genero do discurso". Vamos ado tar a po~ ição de que to<la> essas expressões podem ser
usad~s intercambiavelme nte, sa lvo naqueles momentos em que se pretende, de modo explícito e claro,
identificar algum fenômeno específico.
Segunda Parte 1 Gêneros textuais na ensino de lingua
Para defender essas posições, admitimos, com Bakhtin, que todas as ativi-
dades humanas estão relacionadas ao uso da língua, que se efetiva através de
enunciados (orais e escritos) "concretos e únicos, que emanam dos integrantes
de uma ou de outra esfera da atividade humana" (1979: 279). E com essa
posição teórica chegamos à união do gênero ao seu envolvimento social. Não
se pode tratar o gênero de discurso independentemente de sua realidade so-
cial e de sua relação com as atividades humanas.
Gostaria de fnsar um pouco mais esse aspecto pela sua importância: não
devemos imaginar que a <l1stinção entre gênero e tipo le\111al forme uma 'visão
dicotômica, pois eles .são dois aspectos constitutivos do funcionamento da lín-
gua cm situações comunicativas da vida diária. Corno ainda veremos, toda vez
que desejamos produzir alguma ação lingüística em situação real, recorremos
a algum gênero textual. Eles são parte integrante da sociedade e não apenas
elementos que se sobrepõem a ela.
Narrativa ontem mesmo (sexta-feira ) eu fui e cheguei quase quatro horas da madrugada
Expositiva Dançar é muito bom, principalmente em uma discoteca legal Aqui no condomínio
onde moro têm muitos jovens, somos todos muito amigos e sempre vamos todos
juntos. É muito maneiro!
Demorei um tempão pra responder, espero sinceramente que você não esteja
chateada comigo. Eu me amarrei de verdade em vocês aí, do RecWe, principalmen·
te a galera da ET, vocês são muito maneiros! Meu maior sonho é viajar, ficar um
Expositiva tempo por a!, conhecer legal vocês todos. sairmos juntos_ Só que não sei ao certo
se vou realmente no inicio de 1992 Mas pode ser que dê, quem sabe! t_.J
Não sei ao certo se vou ou não, mas fique certa que farei de tudo para conhecer
vocês o mais rápido possível. Posso te dizer uma coisa? Adoro muito vocés!
Oproblema é que ela é muito citJTient.a, principalmente porque eu já fui afim da B..
Argumentativa que mora aqui também. Nem posso falar com a garota que S. já fica com raiva.
- - - - -- - - - - - - - 1................ I
Narrativa t acho que vou terminando
escreva!
Faz um favor? Oiga pra M., A. P. e C. que esperem, não demoro a escrever
lnjuntiva Adoro vocês!
Um beijão!
Do amigo
Narrativa P. P.
15:16h
Luii Antônio Morcuschi 1 Producao textual, analise de generos e <ompreensao
• • Abusca de definição do domínio pedagógico (ou qualquer domínio) deve parfa de d~eren
tes perspectivas de observação, considerando aspectos fonnais, funcionais e contextos de
circulação. Vistos isoladamente, nenhum dos critérios parece ser suficiente para definição.
• Éurgente (re)pensar o conceito de domínio em bases menos intuitivas, através da análise
detalhada de gêneros que parecem compartilhar características (não só fonnais) comuns.
• A análise deve priorizar o ponto de vista dos interactantes, observando as marcas que
deixam no discurso.
• No domínio pedagógico. o aspecto fonnal mais observado em estudos anteriores (gêneros
da oralidade) - a organização dos turnos - não é (obviamente) definitivo. mas pode
apresentar especificidades.
• No domínio pedagógico, os papéis sociais são bem marcados e podem ser evocados em
situações de conflito, deixando marcas fonnais no texto.
• No domínio pedagógico, a interação envolve regras especiais e particulares que os partici-
pantes consideram no julgamento do que são contribuições permitidas na atividade.
• No domínio pedagógico, a interação incorpora regras "técnicas" especificas que se concreti-
zam em marcas fonnais nos textos, por exemplo, o emprego de tennos técnicos e científicos.
• Ointeressante não é descobrir que estruturas são típicas ou exclusivas do discurso peda-
gógico. mas identificar porque elas são recorrentes.
5. Kazuc Sa1lo \ lonlc1ro de B,1rro~ (2004-). Género~ le'duar~ do domfmo pedag6g1co. aproximaçõn
e dncr~enc1as. Aprc:.e11lado 11u X,\ )ornacfo 'lac1011al de E)ludos L111gti1)1lco> do GF.LNE. João Pe,soa:
Universidade Federal dn PJraíba, 7 a 10 de ~etcrn hro de 200-!
Segunda Parte 1 Gêneros ler.tuals no ensino de língua
Já com estas observações podemos notar que não é fá cil determinar para
cada domínio discursivo suas coordenadas, tendo em ··ista o con1unto de variá-
veis a serem observadas. Mas sena relevante e de interesse tratar a questão de
modo ma is sistemático e menos intuitivo. Esse é um campo abcrlo ao debate
e à investigação.
Por todas essas observações, já podemos afirmar que os gt:neros não são
cnhdadcs forma is, mas sim enlldades comunicativas em que predominam os
aspectos relativos a funções, propósitos, ações e conteúdo.ç 'esse sen lldo, pode-
se cli7er que a tipicidade de um gênero 'cm de suas características funcionais
e organização retórica. Segundo sugestão de Carolyn ~liller (l 984), os gêne-
ros são formas \'erbais de ação social estabilizadas e recorre ntes c m textos
situados cm comunidades ele práticas cm domínios discunivo::. específicos. Assim
os gêneros se tomam propriedades inalienáveis dos lexlos empíricos e servem
de guia para os interlocutores, dando inteligibil idade à~ ações retóricas. Resu-
midamente, poderia di.ler que os gêneros são entidades:
a) dinâmicas f) orientadas para fins especficos
b) historicas g) ligadas a determinadas comunidades discursivas
c) sociais h) ligadas a domínios discursivos
d) situadas i) recorrentes
e) comunicativas j) estabilizadas em formatos mais ou menos claros.
Deve aqui ficar claro, tal como visto acima, que não há w 1ia <lícoton
entre gênuo l l1 po. Trata-se duma relação de complementaridade. Ambos ~
existem e não são dicotômicos. 'lodos os textos realizam um gênero e todos C'
gêneros realizam seqüências tipológicas diversificadas. Por isso mesmo, o:. gênt -
ros são em geral tipologicamenlc heterogêneos. Vejamos isto num exemplo
Segunda Parle 1 Gêneros textuais no ensino de hngua
Com efeito. há muito mais form c1~ de usar o telefone do que o simples
telefonema. O qne é então 11nt telefonema (enquanto gênero) diante ele tanta
variação na forma e nos recursos 11tili1.ados? Es~ s1luação \Ji repetir-se com a
carta. o fom1u lário. o resumo, a lista e. assim por diante, de modo que a ques-
tão de dar nomc. aoi. gêneros é algo de enonne complexidade.
muito maior que seu ambiente fíc;ico e contorno imediato. 1ã que está envolto
também por sua história e pela sociedade que (o) criou e pelos seus discursos.
,\ vivência cultural humana está sempre envolta cm linguagem, e todos os
nossos lexlos siluam-se nessas vivências estabilizadas em gêneros. Nesse con-
texto, é central a idéii:l de que a língua é urna atividade sociointerativa de
Ci:lráler cognitivo, sistemática e instm1radora de ordem diversas na sociedade.
O funcionamento de urna língua no dia-a-<lia é, mais do que tudo. um proces-
so de integração social. Claro que não é a língua que d1scnm111a ou que age.
mas nó!> que com ela agimo~ e produzimos senudo~.
;bpecto que mereceria aqui pelo menos uma nota é a distinção que po-
demos fazer entre um evento e um gênero textual. Sabemos que consolar uma
criança chorosa é um evento ou uma ação bastante complexa e, nesse caso,
não vamos recitar um poema, mas dar um conselho, contar algo alegre etc. O
gênero investido para consolar distingue-se do e\'ento, assim como uma audi-
ência no tribunal é um evento e neste evento ocorrem alguns gêneros especí-
ficos. O e\·ento é marcado por um con 1unto de ações e o gênero é a ação
lingüística praticada corno recorrente cm situações típicas marcadas pelo even-
to. Um jogo de futebol é um C\'ento, assim como um congresso acadêmico ou
u111a sessão do Congresso :Nacional. '\t1as em cada situação dessas temos gêne-
ros adequados e não adequados. Portanto, podemos distinguir com alguma
clareza cnlre um evento e um gênero.
deve ter notado como costumamos com alta freqüêncin designar o gênero
que produzimos. Possuímos, para tanto, uma metalinguagem riquíssima, in-
tuitivamente utilizada e, no geral , confiável. Contudo, é difícil deternúnar o
nome de cada gênero de texto. Como já notaram muitos autores, em especial
Bakhtm (1979), os gêneros se imbricam e interpenetram para comtituírem
novos gêneros. Como observamos anlenormcnte, não é uma boa atitude ima-
ginar que os gêneros têm uma relação biunívoca com formas textuais. E isso
llc.:u comprovado no caso de um gênero que têm a função de outro, como é
IMiz Antônio Marwschl 1 Pro4u4io textval, análise de 9inttros e compreensão
Mas vários desses cri térios podem atuar em co11ju11lo. Basta ver os nomes
que encontramos para os mais variados gêneros para imcdialamenle constata r
que na constituic;ão do nome sempre atua mais ele 11m critério. Mas o certo é
que quando se tem algum problema ou conílito na designação, eJa surge cm
atenção ao propósito comunicath·o ou função.
,
l
i
,\ questão central não é o problema ela nomeação dos gêneros, mas a <le
:;ua identificação, pois é comum burlam10s o <..ânon de um gênero fa.tcndo
uma mescla de formas e funções. l\o geral, os gêneros estão bem fixados e não
oferecem problemas para sua identificação.
Segut1da Parte 1 Gêneros textuais no enslao de língua
Posologia
As áreas de aplicação são muitas. Principalmente resfriados. corizas. dores de garganta e
rouquidão. mas também nervosismo. irritaçoes em geral e dificuldade de concentracão. Em
geral. os livros Oiogenes atuam no processo de cura de quase todas as doenças para as quais
prescreve-se descanso. Sucessos especiais foram registrados em casos de convalescença
Propriedades
Oefeito se faz notar pouco tempo apos iniciada a leitura e tem grande durabilidade. Livros
Diogcnes aliviam rapidamente a dor. estimulam a circulação sangüínea e o estado geral melhora
Precauções/riscos
Em geral. os Livros Diogenes são bem tolerados. Para miopia aconselham se meios de auxílio à
leitura São conhecidos casos isolados nos quais o uso prolongado produziu dependência
Dosagem
Caso não haja outra indicação. sugere se um hvro a cada dois ou tres dias. Regularidade no uso
é o pressuposto essencial para a cura. leitura diagonal ou desistência prematura podem
interferir no efeito.
~ '\.lo é o ca<ÇO de d1~c11hrn1m aq111 , 111.1, nuulo> autores tratam a quurlu cupu como um gênero.
Co11tuclo••1<111;1rta cap:1 C:. a meu \CT. mui ln rn;m 11rn lu~ar talvez até mesmo um ~11porle) t~p<·cial para
i:êm:ro' di,e!"m l\ lu iw~ \eLe' .1cha-~c .ih um c;\ccrto do te>.lo q11c \tlll 110 111krior do livro 011 um
par. grafo 11.1 aprncntação frita por alg11ém 11uc n1o o autor: mas pode ap;ircccr .1 rd.1c;.10 dm li\To> da
C'(Jl~c;io da qu.il fal parte aquele Ih ru. Em 111u1tos t':lw" na quarta c;ipa, aparcH m clo~1m de autore5
cm1hcc-1dm ao a11tor do lino Portanto. a quJ1ta c.1p.1 (:um lugar em que liguram a~ 111Ji> \ariadas fonna>
k\hU1' l º'ma" \'llnado, género' c w io1 to111.1da como gêntro é difícil determm.11 ité mesmo a funçjo
1lcle, po1' c·m c.1d.1 cJso 1>lo \a1 ''mar 111u1to. U111.1 <l"tmsão mai~ co111plit<1da e u4uda que <lbcutc 'e
a l'ªP'' ele lino e um gênero e se a cap•l dt• rc\ 1\l:i é nutro género F\1.1 quntào do que é ou nJo um
gênero 1111d.1 11Jo está muito c~clarccida e 111crccc 111ai1 d1~cussõc~.
1
Composição
Papel. cola e cores na impressão. Os livros Oiogenes são ecologicamente produzidos. Neles são
usados somente papéis fabricados sem cloro e sem ácidos. o que garante alta durabilidade.
Também, no caso de qualidade de vida, garante-se
ótima distração.
LIVROS DIOGENES
São menos aborrecidos
mm: Ulla FIX (1997: 100) - traduçao de luiz Mlônio Marcuschi
Função do
Gênero A
publicidade
bula de remédio
Função do
Gênero 8
Um novo José
r Josias de Souza
7 ""
/
de um poema _.... Forma do
Forma do
Gênero A GêneroB
/'~
flllÇâodo
Gênero B
dois anteriores porque ali tínhamos uma atividade de mescla de gênero'> (bula
de remédio 6 publicidade! ou m~cla de. gênero' com 111tertc\.lualtdade (poe-
ma 6' arllgo de fundo), sendo que agora temos um te-do que não perde sua
função. mas assume um novo lugar, 011 c;eja, m1wa, .10 longo ela hi~lória, de
um domfnio (política) para um outro (literatura ). sem deixar de continuar
sendo um relatório. Trata-se de um 1110\ 1mento histórico que se dá pela funcio-
nalidade do gênero e pela particular <,1 luação de seu autor. '\ão é comum que.
os texto~ procedam a c~~a migração. f\ las isso C\.islc e pode ser notado cm
muitos textos histórico~
COMEÇOS
OPRINCIPAL o que sem demora inicial, o de que dependiam todos os outros, segundo creio. foi
estabelecer alguma ordem na administração.
Havia em Palmeira dos Índios inúmeros prefeitos: os cobradores de impostos. o Comandante do
Destacamento. os soldados. outros que desejassem administrar. Cada pedaço do Município
tinha a sua administracao particular. com Prefeitos coronéis e Prefeitos inspetores de quartei-
rões. Os fiscais, esses resolviam questões de polícia e advogavam.
Para que semelhante anomalia desaparecesse. lutei com tenacidade e encontrei obstáculos
dentro da Prefeitura e fora dela - dentro uma resistência mole. suave. de algodao em rama:
fora. uma campanha sorna. oblíqua. carregada de bílis. Pensavam uns que tudo ia bem nas
mãos do Nosso Senhor. que administra melhor do que todos nós; outros me davam três meses
para levar um tiro.
Dos funcionários que encontrei em janeiro do ano passado restam poucos. Saíram os que
faziam política e os que nao faziam coisa nenhuma Os atuais não se metem onde não são
necessários, cumprem as suas obrigações e. sobretudo. não se enganam em contas. Devo
muito a eles.
luiz Antônio Morcuschi 1 Produciso textual, analise de generos e compreensao
Não sei se a administração do Município é boa ou ruim. Talvez pudesse ser pior.
(o autor relata aqui uma série de assuntos administrativos e presta contas)
CONCLUSÃO
Procurei sempre os caminhos mais curtos. Nas estradas que se abriram só hã curvas onde as
retas foram inteiramente impossíveis.
Evitei emaranhar·me em teias de aranha
Certos indivíduos, não sei por que. imaginam que devem ser consultados: outros se julgam
autoridade bastante para direr aos contribuintes que não paguem impostos.
Não me entendi com estes.
Há quem ache tudo ruim, e ria constrangidamente, e escreva cartas anônimas, e adoeça, e se
morda por não ver a infalível maroteirazinha, a abençoada canalhice, preciosa para quem a
pratica, mais preciosa ainda para os que dela se servem como assunto invariável; há quem não
compreenda como um ato administrativo seja isento de lucro pessoal; hã até quem pretenda
embaraçar·me em coisa tão simples como mandar quebrar as pedras dos caminhos.
Fechei os ouvidos, deixei gritarem, arrecadei 1:325$500 de multas.
Não favoreci ninguém. Devo ter cometido numerosos disparates. Todos os meus erros, porém,
foram da inteligência, que é fraca.
Perdi vários amigos, ou indivíduos que possam ter semelhante nome.
Não me fizeram falta.
Hã descontentamento. Se a minha estada na Prefeitura por estes dois anos dependesse de um
plebiscito. talvez eu não obtivesse dez votos.
Paz e prosperidade.
Palmeira dos Índios. 10 de janeiro de 1929
Graciliano Ramos.
No caso do livro didático, aqlleles textos por ele trabalhados não estão ali
de tal modo aglutinados a ponto de fonnatern um todo orgânico como obser-
vava Bakhtin [ 1979] para o romance. Embora o livro didálico constitua um
Segunda Parte 1 Gêneros textuais no ensino de li ngua
todo, ele é feito ele partes que mantêm suas características. Por exemplo: um
poema não deixa de ser poema só porque entra no livro didático. Ele al i não
passa a operar como a bula no caso da publicidade citada acima. Ou seja: o
poema no livro didático não passa a ser poema didático. Contudo, ainda deve-
mos pensar o problema da didatização dos gêneros.
A escolha de um gênero que pode ser usado para servir a uma certa função interativa
crn nossa ctiltura pode se tornar inadequada numa situação cultural diferente. Um
sinólogo alemão, que trabalhava como intérprete em encontros de negócios entre
co111erciantc:s chineses e olemães, me apontou a preferência dos comerciantes ale-
mães por contar piadas em negociações comerciais. Para os chineses, é considerado
inapropriado contar piadas durante encontros de negócios, e as piadas não são espe-
radas nesse conte:-.io.
mos supor que em todas as culturas se escreva uma carta do mesmo modo,
nem que se dê um telefonema da mesma maneira. Esse aspecto é de particular
importância e, muitas vezes. notamos que as embaixadas de um país distri-
buem aos membros de sua comiliva em visitas ao exterior instmções de como
se comportar em situações diversas. Não se trata de uma banalidade. mas de
modos de respeitar a diversidade cultural.
M ínha resposta a estas questões não vai além de uma declaração de prin-
dpios. Creio que se deveria oferecer um ensino culluralmcnle sensível, tendo
em vista a pluralidade cultural. ão se deveria privilegiar o urba111smo clitizado,
mas frisar a variação lingüística, social, temática, de costumes, crenças, valo-
res etc. Os livros didáticos atuais não refletem de maneira muito clara essa
posição. mas já são muito mais abertos a essa 'isão e sugerem atividades
extraclasse que conduzem a esse caminho. Visitas a museus, parques, fábricas,
instih.1ições, universidades, fe iras, mercados, tealros e assim por diante são su-
gestões comuns hoje em dia.
domlnios discursivos
~~--i---~
discursos
texto
evento
suporte discursivo
9lnero
grandes
continentes tipos textuais
Com (a ) supõe-se que o suporte deve ser algo real (pode ter realidade
virtual como no caso do suporte representado pela internet). Es'\3 materialidade
é incontornável e não pode ~er prescindida. Com (b) admite-se que os supor-
te~ não são informes nem umformes, mas sempre aparecem cm algum forma-
to C!>pceffieo, tal como um 1iwo, urna revista, um jomal, um outdoor e assim
por diante. Além disso, o falo de ~er específico significa qlle foi comunicativa-
mente produzido para portar textos e não é um portador eventual. Com (e)
admi te-se que a função b<hica do ~uporte é fixar o texto e as~im torná-lo
aec~sível para fins comunicativos. Mas como o suporte tem um formato es-
pecífico e é convencionalizado, ele pode ter contribuições ao gênero. Con-
tudo. isso é problemático, pois também se pode dizer que os gêneros são
ecológicos, no sentido de que de!>envolvem nichos ou ambientes de realiza-
ção mais adequados, seja para se fo.arem ou circularem. Seria interessante
anali~ar a hipótese de que o~ gêneros têm preferências ~ não se manifestam
na indiferença a suportes.
É muito difícil contemplar o contínuo que surge na rcla<;tio entre gênero,
suporte e outros aspectos. pois não se trata de fenômenos discrelos e não se
pode di7cr onde um acaba e outro começa. 'fome-se o caso de uma carta
pessoal. Pode-se estabelecer esla cadeia:
carta pessoal (GÊNERO) -.. papel-carta (SUPORlE) ~ tinta (MAlIRIAl DA ESC!aTA) ~ correios (SERVIÇO OE
TRANSPORm -
Não é fácil estabelecer a mesma cadeia para lodo~ os gêneros, ma~ isso
serve para pensar as unidades componentes dessa cadeia. O suporte firma ou
apresenta o texto para que se torne acessh cl de certo modo. O suporte n<lo
de'c ~cr conhtndido com o contexto nem com a \1tl1ação, nem com o c.rn:il
cm si. nem com ,1 natureza <lo -.crviço prestado. Contudo. o rnporte não dci\a
de opcrn r como um tipo de conlcxlo pelo seu pnpel de selcli,·idade. A idéia
central é que o \Uporte não é neutro e o gên<.:ro 11ão fica indiferente a ele. \fo.,
ameia cst<í por ser analisada a natureza e o alc:ance deSSJ mlcrfcrência.
Jií \imos que todos os textos se realizam cm algum gênero e que lodo~ os
gêneros comportam uma ou mais seqüências tipológicas e s~o produzidm em
algum domliuo discursiYO que, por sua \'CZ, se acha dentro dl' uma formação
d1scur<.ha, sendo que os textm ~empre se fixam cm algum ~uporte pelo qual
atingem a sociedade.
Segunda Parte 1 Gêneros textuais no ensino de hngua
REPORTAGEM
JORNALISTICA
gênero]
Assim, o corpo humano pode sen ir de suporte para tc'\los. mas não é um
suporle convencional. Hoje está se tornando cada \'CZ mais comum tatuar o
corpo com uma imagem , um poema ou uma declaração de amor. O corpo
lambém pode servir para os alunos inscreverem (em espec ial na perna ou
coxa) suas colas para provas ou exames. O rosto de muitos estudanles funciona
como suporte para slogans de protesto político, como já se ' iu muitas vezes.
Até corpos ele animais como cachorros e cavalos receberam 111scrições de pro-
testo. Contudo, não parece razoável que, do ponto de vista comunicativo, se
possa cla~sificar o corpo humano e o livro na mesma calegoria de suporte
lexlual, Já que o füro foi concebido como suporte de textos desde o início&.
R. \gmleço a Beth Marcusch1 a ~ugc~l<lo dl' C)labclecer algumJ d1st111çilo de mnneira sislem:!tica
pJra identificar o~ suportes em suas categoria\.
1
( l ) Livro
A re,ista semanal poderia ser \1sta no contc-.to do 1omal diário, mas além
de conlcr sensivelmente menos gêneros textuais que o jornal, lem uma pcc:ulia-
ricladc no processo <le lextnalii'.ação, como se frisou há pouco. Jornais diários
e revistas divergem em algun<; aspectos. f<,m primeiro lugar, muilos gêneros são
mais específicos de 1omais diários do que rc,·1stas semanais. De\'e-se ter cm
mcnle que as revistas semanais, quinzenais ou mensais também di\'ergcm en-
tre si e os jornais são em geral diários. Assim certos gêucros que circulam com
notícias ou fatos apenas do dia (p. ex., anúncios ftínebrcs e classificados) pou-
co aparecem cm re' istas. ~la~ apenas uma análise detalhada eh ria se hií dife-
renças específicas. O certo é que a titulação (rnanchclagcm ) em rc\.1Stas e
jornais tem diferenças notáveis.
(6) Rádio
Não obstante ter dito no início que não me reportaria aos gêneros orais
de maneira sistemática. lembro o rádio como suporte pela sua relevância e
por ter sido desenhado para esse fim. Conludo, friso que o rádio é um caso
problemático porque pode ~er considerado um suporte num sentido reslrilo
como um lugar de fixação, mas é um scn iço ou meio quando tomado como
uma emissora. O rádio porta com uma multiplicidade de gêneros. \1as como
ele conta com a lransmissão sonora sem o recurso visual, certamente terá uma
interferência diversa da televisão. As notícias na TV, no rádio e no jornal não
têm o mesmo tipo de tratamento em relação ao discurso relatado ou reporta-
do. Há pouco discurso direto (citações de fala) no rádio e na w, ao passo que
isso ocorre mais no jornal e na revista.
(7) Te1evisão
(8) Telefone
lguahnente ao caso do rádio. temos aqui um suporte para gên eros orais.
O telefone está no mesmo plano que os anteriores e é um suporte quando não
se pensa apenas na tecnologia nem no sistema funcionando como meio. Clas-
sifico como um suporte-meio. Nele se dão muitos gêneros, mas haveria que
discutir se distinguimos entre o telefone enquanto um aparelho e a telefonia
como uma técnica de comunicação. Assim, a telefonia permite a realização
de gêneros que o telefone não permitiria. Não me parece clara a distinção que
se foz entre ambos e isso deveria ser mais bem pensado.
Este é um caso interessante que pode ser tido como um suporte pela
quantidade de gêneros que abriga, mas há quem o considere um gênero
textual, o que parece ser equivocado. Num quadro de avisos, temos pu-
blicidades, avisos, poemas, listagens de notas, informações diversas, car-
tazes de eventos, p lacas, sugestões, propostas, regimento de cursos, re-
cortes de jornal com notícias, editoriais etc. Trata-se de um suporte com
característi cas próprias que contém no geral tex tos de curta extensão.
Mas os quad ros de avisos hoje podem conter outros suportes como os
folders e jornais inteiros afixados. Também contém material visual como
fotos e desenhos isolados.
luiz Antonio Mortuschi Produ(oo f('tfuof onal1';~ dr q"."1'•·~11> e (0!'11fH"C"iViC'O
(10) Outdoor
Tudo indica que o {o/der pode ser tido como um suporte de gêneros
diversos, embora haja quem o trate como gênero. Admito que o {o/der é um
suporte que porta gêneros tais como campcmlwi. publicitárias, campanhas
gol'emamentm.s. publicidades, instrnções de uso. currículos, prospectos e assim
por diante. Existem {o/ders com mais de um gt'.:ncro. :\1as a questão do {o/der
não é clarn e ki pouco consenso sobre o caso.
( 13) Luminosos
Os lumino~os foram produ11dos para \eicularem textos e imagens. São
estruturas comunicativas com as quais os usuário5 têm em geral um contato
bastante fugaz e não tão sistemático. Na maioria dos casos, ai i figuram le:xlos
em movimento e gêneros ligados à publicidade de grandes empresas ou cam-
panhas governamentais.
(H) Faixas
(3) Roupas
Embora me decida pelas roupas como suportes. não parece muito claro
se devemos torná-las como tal, por exemplo, uma camíseta. Ela parece ser um
suporte de gêneros, já que hoje em dia porta textos dos mais variados gêneros,
luiz Antônio Marcuschi 1 Producão textual, antillse de gêneros e compreensão
como poemas, provérbios etc. Mas a camiseta não traz de maneira sistemática
textos e talvez devêssemos restringir esse aspecto.
(6) Muros
Hoje em dia parece que os u1uros estão se tomando suportes convencio-
nais para alguns gêneros textuais lais como as propagandas políticas. Eles ser-
vem para inscrições, propaganda~, publicidades e pichações em geral. São
textos pouco desenvolvidos, mas de grande eficácia comunicativa. Mesmo que
os muros sejam usados como suportes em grande escala, eles não são
convencionados para essa fina lidade como as revistas, os jornais e os livros.
Imagino que as paradas de ônfüus estão sendo tomadas como bons locais
para afixar ou mesmo inscrever textos pela sua condição estratégica como
ambiente favorável à comunicação em grade escala. São locais muito visíveis e
quando há alguma parede ou um muro, comportam vários gêneros. Eles são
para o grande público. Ali encontramos campanhas ou publicidades de apelo
geral como carros, apartamentos, produtos de beleza e outros, mas não de
supermercados nem de produtos perecíveis.
ainda quadros de avisos e cartazes ou outros suportes que estão nelas afixados,
o que lhes dá um caráter diferenciado nem sempre ligado à idéia de suporte
de gêneros e sim de suporte de suportes.
(9) Calçadas
Hoje as calçadas passaram a ser locais para inscrições, tal como se institui a
calçada da fama, em que pessoas fomosas põem a impressão de seus pés e a
inscrição de seus nomes. Esse suporte em geral porta textos curtos e permanentes.
( 1) Correios
hoje a idéia mais comum cm relação aos e-maih é que sejam \;stos como um
gênero da área epistolar, assim como obsel'\·ou Juliana de ,\ssis (2002).
(3) MaJa-direta
Para alguns autores, a homepage e até mesmo o site são um gênero, mas
para outros são um suporte. Creio que, de modo geral. a homepage é um
gênero bem estabelecido, mas o site é um suporte e não um gênero. Além
disso, parece claro que a homepage institucional carrega uma série de gêneros.
Basta observar a homepage de qualquer universidade pare ver a diversidade de
coisas feitas ali dentro. Entre outras coisas, está ali a possibilidade da matrícu-
la de alunos on-line. Se tomarmos o site de algum seí\ idor da internet como o
UOL, vemos que se trata de um serviço ou suporte de outros suportes, já que
ali estão revistas, 1ornais e liHos.
Neste momento, vou me ater aos gêneros tcxh1ais falados, uma área na
qual os estudos não são abundantes. Observe-se que o esh1do da classificação
Segundo Porte 1 Genero5 texluoi5 no cn5ino de hnguo
das interações \'erbais orais é bem mais recente e meno:. si:.tcmático que a clas-
:.ificação dos tcx1os escritos. Quanto a isso, a lingüista alemã Rlizabeth Gülich
( 1986) dedica-se à análil.e das condições empíricas para a determinação dos
gêneros texh1ais orais. A relevância da investigação elo:. gêueros textuais reside,
segundo Giilich (1986: 18), no fo to de serem usados pclol> participantes da
co1m111ícação lingfüstica como parle integrante de seu conhecimento comum.
Nesse sentido, um gênero seria uma noção coticliana usada pelos falantes
que :.e apóiam em características gerais e situações rotineiras para identificá-lo.
ludo 111d1ca que existe um saber social comum pelo qual os falantes se orientam
em suas decisões acerca do gênero de lc,to que estão produlmclo ou que devem
produzir em cada contexto comunicath·o. Esses gêneros não ~urgem natu ralmen-
te, mas se constroem na inlcração comunicativa e são fenômenos sociointerativos.
Para os lingüistas alemães ll cincmann & Viehwcgcr (1991: 110). os fa-
lante~ <lispõem de um "co11hecimenlo específico sobre estruturas textuais glo-
bais" que lhes possibilita determinar um certo texto como membro de uma
classe mais geral. Isso quer di1er que os falantes têm uma 1clé1a bastante clara
elas ei.lratégias de produção de uma narrativa, de um comentário etc.
i. saber lingüístico
ii. saber enciclopédico
iii. saber interacional
\Ião se tem uma noção muito clara de como se organiza cada um desses
saberes. mas é certo que eles não agem de forma sucessiva e sim interativamente.
l\Ias eles não são uma espécie ele "depósito de conhecimento~" do qual os
falantes lançam mão. São processadores que operam como mecanismos que
alivnm a produção.
luiz Antõnio Marcuschi 1 ProduJão textual, análise de géneros o compreensão
- "era uma vez ..." (abertll'a de narrativa) - "tome dois quilos de açúcar e
adicione..." (receita de bolo)
- "prezado amigo" (abertura de uma carta) - "alô. quem é'?' (telefonema)
- "conhece aquela do português que..: (piada) - ·o tema de hoje será a Revolu·
ção Francesa" (conferência)
- "eu o condeno a cinco anoS' Uulgamento em tril>lllal) - "atenção. silêncio" (aviso)
Contudo. isso não chega a oferecer critérios para formar uma classifica-
ção geral. O lingüista inglês Douglas Biber ( 1988: 170) lembra que os gênc.-
ros são geralmen te determinados com base nos objetivos dos falantes e n
Segunda Parte 1 Gêneros textuai1 no ensino de língua
natureza do tópico tratado, sendo assim uma questão de uso e não de forma.
Mas seria possível pensar numa determinação Lipológica fundada em catego-
rias internas, ou seja, de natureza forma] e lingüística.
- natureza da informação
- nível de linguagem
tipo de situação
relação entre os participantes
natureza dos obíetivos
lamentos das carpideiras. Tudo isso surge naquelas sociedades como práticas
culturais rotineiras, tal como o editorial de um jornal diário ou urna bula de
remédio em nossas sociedades.
Uma carta pessoal, um bilhete casual, um telefonema pessoal e uma conversa-
ção espontânea têm uma série de aspectos em comum que tanlo se revelam nas
seleções morfossintáticas, como na natureza do léxico e no grau de monitoramento
da enunciação. São gêneros comparáveis e apresentam traços comuns que não
necessariamente precisam revelar-se na materialidade lingüística.
9. Pcter Koch; Wulf Oestcrrcicher ( 1990). Cesprochene Spraclie in der Rornania: Franzosisch.
Jtalíenisch, Spunísch. Tübingen: Max iemeyer, pp. 8-17.
Luiz Antonio Marcuschi 1 Producao lcxlual, anafüe d., g•nero' e> <0mprecn;oo
Concepção
(oral)
F
a b
Mei o Meio
(sonoro) F (gr6fico)
E
Concepção
(escrita)
li tanto [b] como [d] scnam os domínios mistos das mcsclagens de modalida-
des. Note-se que a concepção diz respeito à versão original e o meio diz res-
peito ao modo de recepção. Se fom1os fa7.er uma análise mais fina, leremos
que distinguir os pesos de~sas duas maneiras de contemplar o texto.
Uma observação term inológica deve ser aqui feita para evitar mal-enten-
didos a respeito do que se tem em mente com a~ expressões "concepção oral"
e "concepção escrita". :-.Ião ~e trata de postular que o te·\'to é concebido oral-
mente ou concebido por cscnto sob o ponto de \isla cognitivo, mas que a
forma original de sua produção é escrita ou oral. Assim, a expressão "concep-
ção" aponta para a natureza do meio em que o texto foi originalmente expres-
so ou exteriorizado. É assim que um poema declamado não se torna uma
lingu agem falada no ato da declamação e sim um texto escrito oralizado , já
que sua concepção foi no formato escrito. Com base nessa sugestão. defeudo
que o som não é uma condição suficiente para a definição da língua falada. O
som é apenas uma condição necessária da ornlidade. pois sem ele. segura-
mente não teremos língua oral, mas não suficiente Portanto, a concepção
(oral ou escrita) indica o meio originário de produção, mas não a nature.la do
ato cognitivo de criação, já que seria inoportuno postular que se possa conce-
ber textos por escrito ou oralmente sob o ponto de vista cognili' o. O quadro
abaixo revela os cruzamentos possíveis, tomanclo-i.e quatro gêneros:
. S91u11do Parte 1 Gêneros textHls no ensino de língua
Gênero textual
Textos da escrita
GE,_ GE2••• GE.
ESCRITA
GE,
GF,
FALA
' - - Textos da fala
GF1 , GF2... GF,
exposto acima, ente11demos <.:omo domínio discur.im uma c.,fcra da vida social
011 instih.Jcional (religiosa, 1uríclica, jornalística, pedagógica, políhca, industrial,
militar, familiar, lúdica ele.) na qual se dão práticas que organil.élm formas de
comunicação e rcspccliv::ts estra tégias de compreensão. Assim, os domí111os
discmsivos produzem 111odclos de ação comunicativa qnc se estabilizam e se
transmitem de geração para geração com propósitos e efeito~ definidos e claros.
Além disso, acarretam formas de ação, rcílexão e avaliação social que detem1i-
11am formatos textuais que cm úlhma instância desembocam na estabilização de
g€neros textuais. L eles também organl/..am as relações de poder.
É justamente pelas distintas práticas sociais <lesem olndas aos diversos
domínios discursivos <tUC sabemos que nosso comportamento discursivo num
circo não pode ser o me~mo que numa igreja e que nossa produção textual na
u11ivers1dadc e numa revista de variedades não será ;:i mesma. Conseqüenle-
111 enle, os domínios discur~irns operam como enquadres globais de
li dizer que muitos gêneros "ão comuns a ,·ário!I domínios. \'ejamos uma brc\·c
relação que não é definillva nem representativa.
\1ais do que em qualquer outra época, hoje proliftram gÇneros novos den-
tro de nO\as tecnologias, p<1rhculanncnle na mícha ddrônica /digital). Diante
disso. \'ale indagar-se se a cscoh dc,·er-J amanhã '>C ocupar d~ como se produz um
e-mail e outros gêneros do di~cur,o do mundo 'irlual m1 se is'>o não é sua atribui-
ção. Pode a escola tranqüilamente continuar ensinando como se escreve cartas e
como se produz um debate face a face? Será que o modelo ele interação face a
face proposto por Sacks, Schegloff e Schiffrin nos anos 1970 já deve ser re\'Íslo e1n
ponto~ essenciais, consic.lcrand<>-sc a presença nos bate-papos?
O que muda quando a relação interpessoal passa a 5er uma relação hrperpessool,
como no caso de um bate-papo em aberto? i\ão c propriamente a estn1tura que se
reorganiza, mas o quadro que fonna a noção do gênero. Em ~uma: muda o gênero.
'\ão obstante essas pondernçõe~. é bom ter cautela quando se afim1a que
algo de novo está acontecendo em relação à lingtiagem, poii. fa7 muilfssimo
tempo que o ser humano foh.i e ba~lantc tempo que e~cn:ve. A idéia de que a
Segunda Part e 1 Gêneros textuais no ensino de hngua
cada nova tecnologia, como lembra David Crystal (2001: 2), o mundo todo
se renova por completo, é uma ilusão que logo desaparece. Novidades podem
até acontecer, mas com o tempo percebe-se que não era tão novo aquilo que
foi tido como tal. E, particularmente suas influências não foram tão devasta-
doras ou tão espetaculares como se imaginava. Daí a pergunta: quanto de
novo vem por aí com a internei nos nossos vídeos?
Justamente por não encontrar grandes respostas para essa questão, Crystal
escreveu seu livro A linguagem e a internet, na Lenlafüa de descobrir algo
sobre "o papel da linguagem na internet e o efeito da internet na linguagem"
(2001: viii). Quanto a isso, para o autor, sumariamente, três aspectos podem
ser frisados:
Tudo indica, ainda segundo Crystal (2001 ), que a internet seja menos
uma revolução tecnológica do que uma revolução dos modos sociais de interagir
lingüisticamente. Pode-se dizer que o discurso eletrônico ainda se acha em
estado meio selvagem e indomado sob o ponto de vista lingüístico e organiza-
cional. O próprio estado de anonimato dos bate-papos favorece o lado instin-
tivo, desde a escolha do apelido até as decisões lingüísticas, estilísticas e libe-
ralidades quanto ao conteúdo. Trata-se de uma estética em busca de seu cânon,
se é que isso ainda pode acontecer.
Para melhor compreensão do problema e para que a anál ise tenha mais
autonomia, introduzimos, imcialmente, alguns conceitos com elementos teó-
ricos e metodológicos. O tema cm si - gêneros textuais não é norn e 'em
sendo tratado desde os anos 1960, quando surgiram a lingüística de texto e a
análise conversac1onal. mas o enfoque dado aqui com atenção particular aos
gêneros textuais no domínio ela mídia \'irtual é mais recente e carece ainda de
trabalhos, embora já apareçam estudos especfficos 10 sobre esse novo modo
discursivo também deno111i!lado "discurso eletrônico".
10. Toma-se impcrati.-o citar aqui o li1ro lnteraçilo eaprendiw~em em ambiente 1irtual. rcccnk'-
mente organizado e editado por \'era \lcm:zcs (f \LE-UF\fC. Belo Horizonte, 20011 com uma ~éne
de textos. a ma1ona deles refenda ao longo deste trabalho.
11. Não gostari.i que \C torn.t\\Cm º' nomes aqui dado, .10' gen1:ros como des1gruções defu11h-
11as. Na pnmeira vers.'io deste c~ludo, c1l.ida por muitos que a el.i tiveram a<;cs~o. cu dcnommava ..bale-
papos educacionais" o que agra ch.1mo de "chats educacio111m", termo que \Cm se consagrando. Tàrn-
htm prefiro hoje o nome "com•e111açõe~ chat" ou apenas •e/ia(' ao nwcs de 'bate-papos virt11ais'.
S•gunda Parte 1 Géneros textuais no ensino de lingua
12 Note-se qne o tenno 1á vem sendo dic1onarii.ado n~sa forma tm 1to pelo D1c1onáno Auré/10
Século XXI, como pelo Dicionário Eletdir1ico Houcm~ da Ungua Portuguesa 1.0. ~~im, niiu traduzo para
"correio eletrônico ... como 5ena o nonnal Í.llê-lo.
l l Q; gêneros denominados c:hal$ s;'lo nn realidade bate-papos nrtua1~ cm tempo real (on·line)
e provém de um programa ou si>tema chamJdo IRC llntemet Relai• Chal) F~1stem muitos s1stemJs
dc"c) Quanto ao ICQ f1 Seek fou1 eº' \ll/O~ \lultiple Ustr Domam~). lcalil->e de \an.içõc~ que aqui
njo ~er~o distmguidas de maneira mlcmahca. ioí que \"anam apenas como fonnas operacionalS de
pro~ram.ir ,1, í.1(,1, e estabelecer o~ contatos. mas J produção te:1.1ual não \ana >llh\t:mtivamcnte. a não
~Lr <JUando se traia de mostrar a naturc1a dm d1,1logo\ Também thamo alençJo para o fato de o termo
1.1 se achM d1c1onam.ado tmto no :\11rél10 como no llouarss. Ne\tc, lc1110\, par;i o \erbete chat., o
sc~uintc· ..fonna de comumcaçdo o d1stdrma. utr/1:a11do computadores ligt1do$ a 111lrmet. na qual o que se
digita 110 teclcido de um deles apmcce em tempo real 110 vídeo de todos os port1c1pan/e.1 do b<1te-papo ...
luiz Antônio Marcuschi 1 Producõo le1lual, analise de generos e compreensco
12. weblog (blogi.; cl1Jnos ,·irtuais) - são os d1áno~ pcS,O<lt\ na rede; uma escrílJ
autobiogr.ífica tom olN:í\·ações dnírias ou não, agendas, anotações. em geral
muito praticados pelm adolc~centes na fom1<1 <lc diário~ participatÍ\'OS.
H . Essa questão é de cxlrl'ltla 1111porLi11<:rn e. como \imos nas p.1lavr.is do eni:enhc1ro de roftll'urc,
'I hom.H í nckson 120001. ao exphtar a construção e o funcionJme11to do programa B.'\BBLE. os
designer\ h\Cram como 111odelo-p.1dr;io º' gê11crch pré,;os que compõem aquele programa. Assim. um
rhat se1:uiria as estratégias de produção <l1altigica de uma com cr-a~"ào wm 'irnubç.io da~ atl\·1cbde; ah
dc,cmohidas. 1lla1s adiante, TIO\ reportaremo' a este a.spedo JO tratJrmo~ <los chat. em ambientes
.1bertos. Outro engenheiro dn~ linha de lrdhalho e L\"ll Pcmhertnn 1:!000). que cm Cc11rc as a Slruclurc
ConC'i'pt for lnteract1on D1,1g11 Pattcm / ,a11g1111gC"<, ·explora a idéiJ de c111c gincro 1)()(k \cr uma fermmenta
conceitua] útil para cslruturar padrões intuaciona1; de suhlmguagem e com '''º map<car o tcrntóno
para a construção de wfis O auto1 to111J o trnbulho de Swales (1990) como ponto de partida par;1 sua
noç.10 de gênero dJ º\ida rcJI'.
Segundo Porte 1 Géneros textuais no ensino de hngua
Dian le de tudo isso, é possível indagar-se que tipo de prática social emer-
ge com as novas formas de discurso virhrnl pela internet. Pode-se fa lar em
letramento digital. como foi inicialmente sugerido? Creio que é cedo para
tanto. Mas já se pode dizer que temos novas situações de letramento culhtral.
15. Para infom1ações mais cletnlhadas a rc•pe1to da linguagem e dos formatos dessas inleraçõc;
imaginárias, sugiro a leitura do cap. 6 de Cr~tal (2001), pp. 171-l'H
luiz Antônio Marcuschl 1 Produtao tcstua1, análisa da giaeros a compreensãe
Interação Interação
em grupo uma um
conferências
Comunicação síncrona
Fotm. Simeon J. YAlIS (21m 236)
Sesu11da Perte 1 Gineros textuais no ensino de língua
Blogs
Interação Interação
multtlaterill bilateral
Síncronos
FOlílt Sineon J. YW (2000; nn
O gráfico 2 traz os me~m~ \etores acima. mas desta \C1 aplicando-os à comu-
1úcação digital. Neste caso, o que se observa é que os e-mails são uma comunicação
de fato assíncrona, mas podem ser tanto gntpais como mdi\idLtais, tendo uma prefe-
rência pela realização interindividual. Já a videoconferência dislinguc-sc quanto a
is.~o. Por outro lado, o uso da rede (www) em todas as suas mo<l::ili<lades e gêneros
abrigados, está num entrecruzamento que pcnnite enon-ne variedade ele realizações
em termos de formalidade, informalidade, relações comunicativas e produção
síncrona ou não. Mas os bate-papos \'Írluais ocupam a base que, em certo sentido,
corresponde à situação da comunicação fuce a face. com as diver;as possibilidades
apontadas cm relação a serem comunicações grupais ou interindi\iduais.
A di~tribu1ção dos gênero~ por esse contínuo poderia ser feita num quadro
mullidimcnsional, tomando os parâmetros trazidos no quadro acima e conside-
rando os onze gêneros Lratados. Veríamos que há uma ordem muito clara entre
eles e sua distribuição se dá ele forma não aleatória e sua produção obedece a
critérios bastante rigorosos. Caston l lilgert (2000) já mostrnva essa questão com
muita precisão ao identificar "o contínuo em que se distribuem os gêneros de
lc\.lO!> escritos" (2000: 52) correlacionando-os dentro do ambiente digital.
1loje de\'eríamos ob::.ervar com algum cu1<lado o c:m.o do orkut, que não
é um gênero e sim uma maneira de construir redes sociais.
1 1 1
e-mail
bate-papos agendados listas de discussão bate·papos abertos MUDs
bate-papos educacionais bate-papos abertos hate·papos em salas privadas
aulas virtuais bate-papos reservados
videoconferência endereço eletrónico
endereço eletrônico e-mails
listas de discussão entrevistas
entrevistas
:\e::.te momento, deveria ser feita aqui uma obser.Jçâo sobre os gêneros
textuai~ virluais que não foram mencionados nc~ta listagem, tais como os blogs,
um tipo c.le diário eletrônico, não raro escrito cm duplas ou cm n-tuplos de
participantes que colaboram para construir um texto sempre em evolução
16 Em 111u1Los outro~ J)pecto) o~ !'<..:\.~ SJO ino~adores e muito claro>. ma\ no que tange ao~
gê11uch, h.í uma \ui:cstão pouco cl.1r,1 do 'eu lrat:'lmento. embor.i C)tc1a ai pela primc1r:i vc1 uma
pm1ç:10 clctc rminada e determ111J11tc po1r.1 e\'~ h.1h.1lho. O que eu crihco ~q111 (: :'1 fo1111a como isso 1·cm
'cndo 1rahalh.1do nos PCNs.
luiz Antônio Marcuschi 1 hod~ào tutual, analise de genetos e <ompreensao
A ênfase cle!.se princípio geral deve ser cada \'ez mais accnh1ada, pois não há
equívoco mais inconveniente do que tratar a escri ta como mera transposição da
fala para o papel na fonna gráfica. A escrita não é a representação gráfica da fala.
São, no entanto, vagas e imprecisas as observações de detalhe sobre a qua-
lidade das relações entre fala e escrita, pois parece que fala e escrita se oporiam,
pelo .. interesse pedagógico", como se urna (a fa la) fosse o "vernacular". isto é.
aquela fonna de comumcação espontânea, face a face, cotidiana e coloquial (p.
15 ); e outra (a escrita) a .. norma cuJLa" referente à língua-padrão e socialmente
prestigiada. Mas is5o contrastaria com a obsern1ção de que, precisamente daí
decorrem preconceito~ ou "mitos" dos quais a escola deveria livrar-se. tais como:
Segunda Parte 1 Géneros textuais no ensino de lingua
o (preconce1to de que eXL,te uma tínica fom1a ·certa' de falar, o de que a fala 'certa'
é a ele uma determmada região (a carioca, por exemplo), o de que a fala 'certa' se
aprmima do padrão da e~criW, o de que o brasileiro fala mal. o de que é preciso
·consertar' a fala do aluno para e\ 1lar tiuc ele ~creva errado (p. 15).
(quadro t p. 40)
GÊNEROS PREVISTOS PARA A PRÁTICA DE COMPRENSÃO DE TEXTOS
LINGUAGEM ORAL LINGUAGEM ESCRITA
LITERÁRIOS Cordel LITERÁRIOS Conto
Texto dramatico Novela
Romance
Crõnica
Poema
Texto dramatico
OE IMPRENSA Comentário OE IMPRENSA Noticia
radiofônico Editorial
Entrevista Artigo
Debate Reportagem
Depoimento Carta do leitor
Entrevista
OE DIVULGAÇÃO úposiçao OE OMJLGAÇÃO Verbete enc1clopédíco
CIENTÍFICA Seminario CIENTÍACA (nota I artigo)
Debate Relatôno de experiências
Palestra Didatice (textos, ernn:iados de questões)
PUBLICIDADE propaganda PUBLICIDADE Propaganda
(quaão 2, p. 43)
GÊNEROS PREVISTOS PARA A PRÁTICA DE PRODUÇÃO DE TEXTOS
LINGUAGEM ORAL LINGUAGEM ESCRITA
UTERÃRIOS LITERÁRIOS Conto
Poema
OE IMPRENSA Entrevista DE llAPRENSA Notícia
Debate Editorial
Depoimento Carta do leitor
Entrevista
OE DIVULGAÇÃO Exposição OE DIVULGAÇÃO Relatório de experiências
CIENTIFICA Seminário CIENTÍFICA Esquema e resumo de artigos ou
Debate verbeles de enciclopédia
Segundo Parte 1 Géneros textuais no ensino de lrngua
0:; PC:"\s não negam que haja mais gêneros, mas estes não YO lembra-
dm. Por que não Lrabalhar telcfontmas. comersações espontâneas, consultas.
cliscussões ele .. para a fala? Por que não analisar formulários, cartas, bilhetes.
<loe111ncn tos, receitas, bula:>, ant'111c.:io~. horóscopos, diários, ala de condomí-
nio e assim por diante, para a escrita? Estes são muito mais comuns do que
aqm:les lembrados nos quadros l e 2.
I~ Refiro-me ao trabalho de \V1ll1am \ lirancl:i ela Silrn ( 200~) O gi'nero textual no espaço
dídálicu. lc\c <lc douloraclo em lingüí~til·a, Pó-.-Cra<l11a1;ilo e111 Letni~ da llFPF. Recife, mimeo (orien-
t.1dJ por l.1111 Antônio 1Y1nrcusch1).
luiz Antônio Morcuschi 1 Producão tu:tual, analise de generos e compreensão
Em sua postura teórica centra l, Dolz & Schneuwly ( 1998: 64) seguem a
posição bakhtiniana de que:
A metáfora do instrumento deve ser muito bem entendida, pois os autores não
ignoram o risco de wna noção instrumental de língua, já que isso seria inadequado.
Por isso indagam-se: "De que modo definir o gênero como instrwnento?" (1998:
65) Para tanto, na linha de Bakhtin (1979), distinguem três dimensões essenciais:
ção real, pois sabemos que escrever urna carta a um amigo ou uma carta comer-
cial é algo diferente. Falar num barzinho com os amigos ou produzir um discurso
diante de um público não é a mesma coisa. Isso quer dizer que são contempladas
as semelhanças e as diferenças entre os gêneros e entre as duas modalidades de
uso da língua. Os gêneros são tidos como instrumentos comunicativos que servem
para rcali7,ar essas ati,idacles fonnais e infom1ais de maneira adequada.
1
Apresentação PRODUÇÃO ~ r-.......
Módulo ~ PRODUÇÃO
da situação INICIAL 1 2 3 INICIAL
~ ~ ~
1
Procedi1nentos envolvidos no modelo das seqüências didáticas
Como se viu no diagrama acima, o modelo de trabalho com base nas
seqüências didélticas envolve -t fases que se explicitam aqui:
1. Apre<;enlação da situação (pp. 99- 101)
18. Refiro-me ao texto de Joaquim Dolz; Mic hele \Joverraz e Bernard Schneuwly (2004 1
SeqUéncia~ didáticas para o oral e a escrita: Aprese11tação de um procedimento.ln: Bernard SchneU\\I:,
e joaquim Dolz (2004). Gênero.> otais e escritos na escola. Campinas: J\lercado de Letras, pp 95.12&
Segwnda Porte 1 Gêneros tntvais " ellsiN • ......
deve ~er feita em classe. De que árcél se trata e sobre o que fab:I3o
cscre\erão. É importante que nesta fase sejam apre:.entad a 0:01iplr
res do gênero a ~er realizado. Os alunos podem ler texto~ do mesmo
gênero ou ouvir, ~e for o caso de gêneros orais. Os alunos podcn. dlSCU-
tir !>Obre a questão. O primeiro encontro com o gênero pode ter o .icom-
panhamcnto do profes!.or para se discutir aspectos de sua organi1-ação.
II. ,\ pmne1ra produção (pp. 101-10~ )
(a) Seguem-se então os módulos, que podem ser v~írios. até que se tenha
tremado suficientemente a produção para a elaboração final do tex-
•
to com sua avaliação somativa que lesta o aprendizado. -\ constru-
ção dos módulos <lc\e ser de tal modo que dê conta dos problemas
aparecidos até agora. Eles não são fixos, mas seguem uma ~eqiiência
que vai do mais c:ornplcxo ao mais simples pMa, no final, voltar ao
complexo que é a produção textual.
(b} '.\o míc10 dos módulos, trabalham-se os problemas que apareceram
na primeira produção. Trata-se de "dar aos alunos os instrumentos
necessários para supcn1-los" (p. 1O>) após terem sido identificados
os problemas. Por exemplo:
(i} como foi a representação dn situação de comunicação°' (desti-
natários. objct1,·os, gênero, modalidade ele );
(ii) como foi a elaboração dos conteúdos? (\enficar os conlelidos,
analisar as notas que foram feitas, as fontes etc.)
(iii ) como foi o planejamento do texto? (obse1Yt1r se o gênero obede-
ce à organização estrutural adequada. por exemplo, se foi uma
entrc\'Ísta, como está a ordem da P-R. se foi um conto. se foi
uma notícia, uma receita etc.);
lul:r Antônio Mar<uschl 1 Producão textuol, análise de gêneros e compreensão
Por tr<ís cio processo de seleção dos gêneros, está toda uma teoria dos
gêneros textuais e sua atenção para com a 'iocicdade em que esse emino cJe,·e
dar-se. ro geral, de cullurn para cultura, ~e dão as mesmas situações básicas
na vida diárÍél. Ninguém duvida que em todas as culturas as pessoas falam
muito mais do que escrc,cm e que quando faJam dialogam, isto é, produzem
con\'ersações e não textos monologado~
Os a11l orcs propõem o quadro geral que aparece abaixo para tratar o
ensino de gêneros. Esse quadro se organi1a contemplando uma série de as-
pectos já expostos ao longo das bases teóricas aqui tra1idas e considerando os
objeti,·os do ensino proposto. Estes agrupmnentos de gêneros se dão pelas
cinco mod<1lidadcs retóricas que correspondem ao~ lipm textuai:. (uqu i trata-
•
dos como seqüências tipológicas no interior de cada gênero).
ASPECTOS TIPOLÓGICOS
DOMÍNIOS SOCIAIS CAPACIDADES DE LINGUAGEM
DE COMUNICAÇÃO DOMINANTES
Cubra lter6ria NARRAR Coito maravilloso
ficcional iineses da ação através fjlQa
da criação de Rri8a lenda
Namlivl de mnbn
Narrativa de ficção cinflca
Narrativa de enigma
Novela fantéstlca
Corto parodiado
OOC1111eitação e RWTAR Relato de experiéocia vivida
memorização de Rep-esentação pelo discurso Relato de viagem
ações humanas d~ ed':eriências vividas. Testemunho
situa as no tempo Curriculum vitae
Noticia
Reportagem
Crônica esportiva
Ensaio biográfico
Discussão de ARGUMENTAR Texto de opinião
problemas sociais Sustertação. rehtação e Diãlogo arllftentativo
controversos negociaçio de tomadas Carta do leitor
de posiçlo Carta de reclamação
Deiberaçlo informal
Debate regrado
Dismso de defesa (adw.)
Dismso de acusação adv.
Luiz Antônio Mare11schl 1 Pr~ão textual, analise de 9ê1teros • COlllpreensio
Segundo os au tores,
o~ agn1pamento5, ª"'~im definido:., não são esbnques un~ l!lll relação aos Ot ttrOlS; não é possível
cbs:;ificarumgênem de mane1rn ab~olut::1 num d()!)agrup.1mentos propc'l',lo!> (p 121).
Vejamos aqui a proposta da distribuição <los gêneros por série, tal como
os alttorcs sugerem para o ensino de fra11cês. Seguramente, deveria ha\ cr al-
guma adaptação para o português e para o Brasil em geral, mas esse é um
detalhe que podemos discuttr de maneira concreta a cada momento em q11c
\amos trabalhar os fenôme nos cm si mesmos.
· Scg•nda Parte 1 Gi~ros textvals no ensino de língua
com gênero~ similares ou com oulros gêneros dentro dos passos C\l'Ostos até
nqui em (!, 11, III) acima.
O modelo escolhido é uma C\pos ição didática que deveria ler sido grava-
da e transcrita para análise:
(a) GLOSSÁRIO SOBRE GÊNEROS lEXTUAIS: Dar contituidade à montagem do glossário com termos
tais como os que aparecem nesta unidade:
· · S09u.da Parta 1 Gêneros textuais no ensino de língua .
( b) Definir e trabalhar critérios específicos para a noção de domfnio discursivo, tentando escla-
recer o que caracteriza cada um deles. Tentar estabelecer 1.111 qllillko de domínios e justficar
a escolha e a tipificação. Partir do que foi apresentado neste manual. criticand()-().
(e) Escolher alguns gêneros e apontar as seqüências tipológicas subjacentes. identificando
quais são as predominantes. Por exemplo (só para a escrita): li
a) notícia jornalística e) aula expositiva (utilize as aulas transcritas pelo Projeto NURC)
b) crônica f) ata de condomínio
c) entrevista jornalística g) bula de remédio
d) artigo científico etc.
(d) Montar uma seqüência didática com todos os passos, tomando por base tm gênero textual
para uma série definida Seguir os passos dados por Schneuwly, Dolz & Noverraz. Se possíve~
aplicar em sala de aula e analisar os resultados.
(e) Identificar uma série de textos que teriam um alto componente de intergenericidade e
observar se apresentam caracterfsticas peculiares quanto ao processo de textualização
em relação aos critérios da textualidade apresentados na primeira unidade.
(f) Fazer uma análise das concepções e do uso das expressões "gênero textua/ldíscursívo" e
"dpo textuar em rrvros didáticos do ensino fundamental e mostrar sua consistência/incon-
sistência no uso dessa terminologia.
(g) Discutir várias definições de gênero e mostrar em que elas diferem na relação entre privile-
giar ou desprivilegiar a forma e os propôsitos. Mostrar em que estes dois aspectos contW
buem para a produção do gênero.
(h) Em que diferem as noçóes de gênero na linha da análise cn'tica do discurso e na linha das
demais visóes.
. .
Antes de quaJqucr coisa, deve-se ter clareza quanto ao fato de que nossa
compreensão está ligada a esquemas cognitivos intemalizados, mas não índi\'i-
duais e únicos. Assim, a percepção é, em boa medida, guiada e alivada pelo
nosso sistema sociocultural intemal izado ao longo da vida. Nossas experiên-
cias, por sua vez, são uma construção com base em sensações organizadas e
não um fruto puro e simples de sensações primárias. Essa idéia é muito antiga
e foi defendida já por IJerác1ito no século VI a.C., para quem a harmonia, a
coerência, a unidade e o senliclo eslavam no ocullo e não no aparente, poi!i>
este se mostra atomizado e sempre em mudança. Daí a idéia de que perceber
é reconhecer com categorias ou esquemas inlernalizados e não apenas ver.
sentir, ouvir etc. pela sensação direta dos sentidos puros. Ver algo não é ainda
perceber detenuinado objeto. Eu não vejo w11a cadeira e sim um objeto que e
percebido pelas condições cognitivas internalizadas e que então é idenliucadc
como cadeira. Pensamos com categorias e esquemas e não com as sensações
Nós só tomamos conhecimento de algo e identificamos algo como sendo de-
terminada coisa quando temos categorias ou esquemas cognitivos para isso. Se
cu nunca vi cadeiras nem construí a experiência de cadeira, não reconheç
uma cadeira quando alguém me põe um objeto desse tipo pela frente. A ca-
deira, na sua condição de um objeto físico e cultural para determinada funçã
ou ação cotidiana - por exemplo, sentar - , não é um dado dos sentidos
mas uma elaboração cognitiva. E assim se dá com todo o processo de compn:-
ensão. Mas esses esquemas ou categorias não são elaborações individuais e
sim colclivas, como logo mais veremos. As representações coletivas, já lem-
brava Vygotsky, precedem as elaborações individuais e lhes servem de bast
Essa é a grande novidade da abordagem sociointerativa da cognição cm opo~ -
ção à velha noção de conhecimento como atividade individual (fruto da ps -
cologia cognitiva de origem subjetivista).
Terceira Parte 1 Processos de compreensão
l . Em sua obra A formação social da mente ( 1984: 30), \'ygotsky afim1a: "A maior mudança na
capacidade das crianças para usar a linguagem como um instrumento para a solução de problemas
acontece um pouco mais tarde no seu desenvolvimento, no momento em que a fala sociali.!:ada (que foi
previamente utiliLada pard dirigir-se a um Jdu lto) é intemali:wda. Ao invés de apelar para o adullo, as
crianças passam a apelar a si mesmas; a linguagem passa, assim, a adqmnr uma {1.mção intra pessoal além
do seu uso interpessoal. No momento em que as crianças de~cnvolvem um método de comportamento
para guiarem a si mesmllS, o qual Li nha sido usado previ:11ne11le c111 relação a outra pessoa. e qua11do elas
organ izam sua próprin atividade de acordo com uma forma social de comporta mento. conseguem, com
sucesso, impor a si mesmas wna atitude social. A hislórta do processo de mtema/i;mçao do fala social
é também a história da socialização do intelecto~ criança~".
Luiz Antônio Marcuschi 1 Produ1áo tutual, analise de gêneros e compreensão
Isto quer dizer que na visão atual o leitor não é um ~u j cilo consciente e
dono do texto, mas ele se acha inserido na realidade social e tem que operar
sobre conteúdos e contexto~ ~oc1ocu lturais com os quais lida pennanentemen-
te. l\a sua análise, Kleiman identifica dois modelos de leitura historicamente
<lesem olvidos nos últimos trinta anos. Um deles, que vai da década de 1970
aos anos 1990, é dominado pelus teorias da psicologia cognitiva e pela lin-
güística de texto de primeira e segunda geração, que ainda se pautavam pela
visão do texto como um continen te. 1loje essa visão já está superada e uma
nova posição surge no interior da lingüística de texto para dar conta dos pro-
cessos de compreensão. O modelo criticado por Kleiman é assim representa-
do pela autora (200-t: 115):
2 Rcfiro-111e aqui ao lrabalho de: A11gda B. Kk·iman (200-f). AbordJgem <1.1 le1lma Scripta, Belo
l lori1.onlc, vol. 7. 14(200-+): 13-22.
luiz Antônio Marcvschi 1 Produ4ão tutaal, analise de 9e11eros e co111preen1ão
r--
t97L Leitor - reage
1 a estímulos
Vertentes teórico-metodológicas
PsicolingDística
Psicologia cognitiva
compreensão - - - - - -•,
funcionamento cognitivo Leitor - sujeito cognitivo
relação linguagem - faculdades mentais do leitor Inteligente
Faz hipóteses
Lingülstica textual Faz inferências
mecanismos de textualização Mobiliza saberes em novas e 1
tipologia textual 1 imprevisíveis combinações._.-~
legibilidadefintertextualidade
Por essa visão da autora, nota-~e que ela crihca as posições da lingüística
de texto e da psicologia cognitiva gue inspirnram as teonas que viam o leitor
como sujeito ativo que utiliza\a e mobiliza\'a conhecimentos pessoais para
compreender. Para Kleiman, a partir dos anos 1990, ocorreu uma guinada
significativa nesse contc:xlo, indo-se para uma \Ísão que desloca o pólo do
mlcresse da ação do indivíduo sobre o texto para a inserção do !lujeito na
sociedade e no contexto de interpretação hgaelo à realidade sociocultural,
dando meno!> ênfase ao texto em s1, às faculdades mentais e aos conhec1mcn-
tos prévios. lslo estaria caracterizado pelo próximo cliagrama, que lraz os ele-
mentos básico!> ela nova visão agora orientada pelos estudos do letramcnlo, a!>
ciencias sociais, a socJOlmgüística intcracional, a anált!>e do disctmo crítica
ele. Vejamos o modelo tal como proposto por Kleiman (200+ 16):
1990_
Vertentes teõrico-metodolõgicas
Estudos do letramerto Práticas locais de leitura
ciências cociais (antropologia, leituras "ordinárias•
etnografia e história) Textos multimodais
Sociolingüística interacional Múltiplos dominios discursivos
Teorias da enoociação
f4lálise crítica do discurso
interaçao
letramento nas comunidades
Problematização da escrita J
gênero
discurso
FON'IE: Ángela ~lclman. 2004. 16
Isto sugere que atualmente a leitura vem scn<lo tratada em um 110\'0 contex-
to teórico que considera práticas sob um aspecto crítico e ,oltado para ati,·ida-
dcs. sobretudo socioinlcrnlivas. Trata-~c de promover a leitura como uma ação
solidária e coletiva no seio da sociedade.,\ leitura eleve ter assim uma influência
Terceira Parte 1 Processos de compreensão
bastante e.Iara sobre os processos <lc compreensão que não se dão, a não ser
contra es:;e pano de fundo soc1ointcrati\O. i\ão discordo dessa posição, mas
creio que clc' emas Ler mais clareza sobre os aspectos em <liscmsão. Trata-se,
aqui, de uma visão que não desloca o pólo da obseivação, mas desloca o proble-
ma observado. Observam-se atividades sociais e não processos de compreensão.
Concordo com Kleiman na medida cm que ela enfatiza as questões sociais en-
voh idas, tal como já apontei :;obejamente até aqui nus primeiras <luas partes
deste curso, mas não creio que 1~0 entre no núcleo dos problemas relativos às
ali' idade:. de compreensão emok1das. I~ para esses problemas que 'amos nos
voltar aqui, sem deixar de lado as posições da .\O crítica. que alimentam boa
parte ele nossas reflexões ~obre a anál ise de gêneroi. textuais.
1ai quadro teórico traz \ária\ conseqüências que <lc\·crão ser exploradas
neste estudo; entre tais consequências estão, por exemplo, ai. seguintes:
Para uma fundamentação dessas posições e uma análise clara dos pro-
cessos de compreensão envolvidos, devemos levar em conta algumas noções
básicas. Entre elas estão três que merecerão atenção particular: língua, texto
e inferência. Duas delas, língua e texto já fo ram trabalhadas na primeira
parle deste cmso. Agora deve ser trabalhada em detalhe a terceira: inferência.
Outras noções além destas serão apresenladas ao longo das reflexões, mas
dessas três dependerá nossa visão da atividade de compreensão. Conceitos
tais como: contexto, sujeito, estilo e gênero textual são fu ndamentais para
uma boa visão da ati\'idadc de compreensão e eles já foram analisados n a
segunda pa rte deste curso.
Em contrnpartida, 1\ricl (2002: 362} lembra que o sentido 11ao-literal (S\L) foi
sempre Lido como distinto do sentido literal, do qual se dhli11guma de modo com-
plementar. O s~L seria pragm;ítico, a5sociado ao enunciado e ao fo lante, não
coll\'Cllcionaliza<lo nem composicional. ão seria direto e lena uma origem em
geral de caráter inferencial Também sena dependente do s1 e como tal também
ca11cchhcl. Os S'\L clássicos se dariam nas metáforas, atos de fala indiretos,
implicaturas co1wersac1ona1s e 1ron1~ Jw.tamente por ic;so os enunciados com
sentidos não-literais não poderiam ser \erificávc1s e com eles não se fana ciência.
1 Refiro-me aqui ao trabalho de \1ir.1 \ncl (2002J. 'The Dtnmc of J llniquc Conccpt ofLiteral
f\1c<111i11g. /cmmal 11{ Pragmatic~. H pp ~61-·tn2. l\o momento, farei Jpe11J~ algu111J~ ob~ervações
mhrc o lcm.1. tendo em ~•sta a complc,idadc tlc que ~e re,estc.
luiz Antônio Marcuschi 1 Producao textual, analise de generos e compreensao
:Vias esta listagem não tem grande ser\'entia, pois é tomada de modo
bastante aleatório e alé contraditório entre os diverc;os lingüistas que se ocu-
pam do problema.
Aricl (2002: 362) busca um mo<lo de traba lhar o sentido literal como um
tipo de sentido nidimenlar, mesmo uão sendo possível nma definição precisa
de SL. A autora sugere lrês caminhos pelos quais o SL po<lcria ser tomado como
b<ísico ou mínimo. A autora vai 'e posicionar em defesa ela e"\istência de wn SI.
como um sentido mímmo que pode ser identificado em três aspectos diver.os:
É por isso que hoie hti muitos lingüistas que não julgam possível dislin-
gui r entre SL e S;sL da maneira tradicional. Ariel (2002: 36-+) observa que não
é possíve l distinguir rigicfomenlc entre mnbos, já que:
Aspecto importante, segundo ;\riel (2002: 36~-365) e que, tal como ob-
servou Searle ( 1978), muitos enunciados tomados em sentido literal exigem
contextos para sua interpretação. À~ vezes esses contextos são lão transpare11-
tes e automáticos que passam despercebidos.
O mtercssantc aqui é que, como muitos autores observam (cf .\riel, 2002:
365 ), o Sl exige contexto para <>cr interpretado e o S'\L exige uma certa con-
\ Cnção, assim como no caso dos atos indiretos. \lu i to~ autores, cm espectal
psicolingi.iistas e cognittv1slas, postulam que o processamento do S'.\L e do ~L
não é significativamente diferente. Pois sempre se exige inferências para inter-
pretar o que é dito.
Terceira Par1e 1 Processos de compreensão
Ariel (2002: 366) mostra a posi<;-5o de Lcc (1990), para quem as palavras
se tornam mais polil!sêmicas em função de sua "idade" e sua freqüência. As
pala\ ras tendem a integrar cm seus sentidos literais algum. dos seus sentidos
dcri,ados contcxtu.ilmcnte ao longo de ma história.
Jáno caso das teorias no paradigma de tipo (B), que postula a comprecn-
são como inferência, toda compreensão será sempre atingida mediante pro-
cessos cm que atuam plano:i de ali\'idades desenvolvidos cm vários níveis e cm
especial com a participação decisiva do leitor ou ouvinte numa ação
colaborati\·a. Aqui poderíamos adotar a metáfora da compreensão como com-
lrução. A língua é \'ista como uma athidade e não como um instrumento; uma
Se nas teorias <lo paradigma da codificação c;c observa uma ingênua noção
de objetividade, no caso das tcoriac; do paradigma da 111ferência temos uma
crença generalizada na possibil1<lade da comunicação 1ntcrsubjeti\·a e no
partilhamento de conhecimentos como um dado. \credita-se que a capacidade
inferencial é mais ou menos natural e intuitiva. Seguramente, nem tudo é ~im
e mais do que isto, a compreensão, mesmo sendo em boa medida uma atividade
inferencial em que os conhecimentos partilhados vão exercer uma boa dose de
influência, seria ingênuo acreditar que isso se dá de maneira não problemálica,
pois o mal-entendido é um foto. Um desafio no paradigma inferencial é explicar
a suposição de expectativa de partilhamento de conhecimento).
Portanto, sendo a língua uma atividade conslilutiva, tal como dizia Franchi
( 1977). com ela podemos conslruir sentidos. Sendo uma fonna cognitiva, com
ela podemos expressar nossos sentimentos, crenças, idéia~ e desejos. Em resu-
mo: mais do que uma fom1a. a língua é uma fomw de ação pela qual podemos
agir fazendo coisas. l\ão se confunde com gramállca, ortografia ou léxico
Em conseqüência, a língua se manifesta nos processos d1scursi,·os, no nível da
enunciação, concreU.t:ando-sc nos usos textuaü mais \'ariaclos. Não se dá na
palavra isolada nem no enunciado solto. A língua é um sistema simbólico qt1c
pode significar muitas coisas, mas que não tem uma scmOntica imanente pron-
ta nem plena autonomia significativa. Assim, quando recebemos uma carta ele
uma amiga dizendo:
Com essa concepção ele língua, é fácil notar que o texto pode tomar-se
uma "armadillw" e que nem tudo o que queremos dizer está imcrito nele
objetivamente . 'íàmbém não é possível dizer tudo. já que para isso lerfomos
de produzir uma grande quantidade de linguagem e os textos não terminari-
am nunca. Até por uma questão de economia. o autor de um texto sempre
vai ter que deixar muita coisa por conta do leitor ou ouvinte. Um texto bem-
sucedido é aquele que consegue di1.cr o suficiente para ser bem-entendido.
supondo apenas aquilo que é possível esperar como sabido pelo om·intc ou
leitor. Se o autor ou falante de um texto di1. uma parte e supõe outra parte
como de respomabilidade do leitor ou ouvinte, então a atividade de produ-
ção de sentidos (ou de compreensão de texto) é c;empre uma atiwdade de co
autoria. Em suma, os sentidos são parcialmente produzidos pelo tc,to e
parcialmente completados pelo leitor. t esta maneira de ver o funcionu-
menlo da língua, não é justificá\'cl buscar todos os sentidos do texto no tex-
to, como se eles estivessem ali postos de modo objetivo.
um contaíner, onde se "entra" para pegar coisas. Ma~ o texio não é um puro
produto nem um simples artefato pronto; ele é um processo e pode ser visto
como um evento comunicativo sempre emergente. Assim, não sendo um pro-
duto acabado e objetivo nem um depósito de infonnações, mas um evento ou
um ato enunciativo, o texto acha-se em pem1anente elaboração ao longo de
sua história e das diversas recepções pelos diversos leitores. O texto deve pre-
encher alguns requisitos para sua fonnulação, mas eles nâ.o são condições ne-
cessárias nem suficientes. A lexiualidade se dá como um sistema equilibrado
de relações entre forma e conteúdo e não como a observância de uma gramá-
tica ou conjunto de regras de boa-formação.
(a) extralingüística;
(b) mctalingüística.
O modeJo proposto por Dascal & Weizman ( 1987: 35-39), que visa dar conta
do labirinto de indícios à disposição do destinatário de um texto, tenta desenhar as
Terceira Parte 1 Procossos de compreensão
Daí surge o modelo e:\.~lo na figur::i abai.xo (Oascal & \Vcizman, 1987: 3"):
PISTAS CONTEXTUAIS EMPREGADAS PARA A INTERPRETAÇÃO DE ENUNOADOS
Significado do enunciado
1
1
T
Co·texto seqüencial
1
1
T
A. PISTAS EXTRALINGÜÍSTICAS B.PISTA.5~
1
T Interpretação
Luiz Antonio Marcuschi Produ<0u t.-xlv'1I anal"( dP gcnero\ e'º"'!""''~'°º
Com base nos pnncípios ac11na, Dascal & \ \ei7man sugerem as seguin-
tes fontes de pistas contcxht<m:
L~sscs dois C'Onju 11tos de contextos não são mutu:Hne11te exclusivos, nem
<le,·em ser entendidos em alguma ordem linear, mas podem se combinar cm
várias ordens. De algum modo pode-se dizer que o contexto específico (Al +
B 1 forma algo assim como o "sentido literal", ou seja, um "perfil de trabalho''
(DasccII & \\'eizman, 1%-: 39). ao passo que (A2 f B2) formam os traços
convcnc10nais e (,\3 + B3 J fom1am o conhecimento ele fundo.
Para tanto, os autores ( 1987: ++) cfü,Linguem entre dois tipos de 111formação;
O mode lo teórico proposto por Oascal & Weizman (1987) tem uma
série de aspecto~ interessantes, na medida cm que sugere um caminho para
distinguir tipos de contexto !que podem ser refinado~) e determinar a respecti-
va sernânl1ca (ou pragmática). Contudo. deixa em aberto toda a operacionaliza-
ção, pois não permite montar um quadro de indicadores com potencia l empírico
~uficiente parn verificar concretamente quando se d{l uma ou outrn coisa.
•
30. e o revistaram •
31. e e11co11b11 am no seu bolso o anel de cimnalte da <btzela.
32. para espanto dela.
33. Foi ele que assaltoo a dOlllela.
34. e arrancou o íW1el de seu dedo.
35. e a deilOU desfalecida
36. - gritaram os aldeões - .
31. Matem·no!
38. - Esperem!
39. gritou o homem.
40. no momeito em que passavam a corda da forca pelo seu pescoço.
41. - Eu não rWlei o anel
42. Foi ela que me ded
43. Eaportou JB8 a donzela.
44. diante do escândalo de IDdos.
45. ohomem cortou
46. que estava seràdo à beira do riacho.
41. pescando,
48. quando a donzela se aproximou dele
49. e peõu um beijo.
50. Ele deu o beijo.
51. Depois a donzela tirara a~
52. e pedira
53. que ele a possuísse.
54. pois queria saber
55. o que era o êltlllr.
56. Mas como era 1111 homem honrado.
57. ele resistira.
58. e dissera
59. que a donzela ~ ter paciência.
60. pois conheceria o amor do marido no seu leito de OOpcias.
Terceira Parte 1 Processos de compreensão
Utilizei esta narrativa num trabalho sobre "O processo inferencial na com-
preensão de textos" realizado entre 1987-1989 (Marcuschi, 1989) aplicando
um teste com 10 perguntas a alunos de escolas públicas e particulares do ensino
fundamental. Sem entrar nos detalhes da pesquisa, vejamos alguns aspectos de
processos i11ferenciais cm apenas três das perguntas feitas após a leitura do texto:
guns disseram que "ela não esta1•a bronzeada porque ali não havia praia". Em
cada um desses elos dois casos, houve uma inferência, mas com base cm ativi-
dades diversas. Os primeiros fi1cram uma generalização a partir de uma infor-
mação presente e conhecimentos pessoais; os segundos particulan;:aram, ten-
do em \'ista o fato de ela estar num bosque e em bosques não haver praias. o
que a impedia de estar bro111eada. ~las houve um $ignificati,·o número de
alunos que disseram: "Essa infomwção não está no texto". Neste ca~o, busca-
vam uma solução diretamente inscrita na textualidade e tratavam a indagação
inferencial como subjetiva ou impertinente.
A pergunta (3) lidava com vários níveis de ve rdade no texto, pois não
havia assaltantes. No entanto, presos às "infonnações textuais", 80% do~ alu-
nos da -1-• série e 603 da 7ª série da escola pública disseram que eram três
assaltantes. Distinguir entre verdade e falsidade em relação às vozes do texto
não parece algo tão natural.
Imagino que a altemati\'a (a) seja a mais usual, pois a empresa deve ter empre-
gados cm número suficiente e, portanto, ali se trabalha, o que invalida (b) e (c). Por
fim, na relação com misos, deve-se ler claro que as expressões têm muito menos uma
função referencial do que uma 111tcnção per{ormativa, isto é, elas pretendem incitar
a uma ação fütura. A5Sim, ao lermos na parede de um reitaumntc a expressão "Fu-
mantes", não entendemos que ali há pessoas que fumam , mas que ali se fxxle fumar.
lgualmcntc, ao lermos na frente de um prédio uma tabuleta que diz "Saída de
''eículos", não se trata de mmi simples informação de que dali saem veículos, mas
sim de que ali há perigo e deve-se ter algum cuidado ao passar.
com a maioria dos avi~os no dia-a-dia e nunca nos irritamos com sua obvicdade.
Ninguém acha estranho ler "banheiros": "saída", "escada", "extintor de incên-
dio", pois aquilo não é uma etiqueta para designar referencialmente coisas do
mundo e sim um indicador de possíveis ações.
~,,,,.;.,,
lógicas indedutivas
abdutivas
condicionais
De base
textual
INFERÊNCIAS - - - De base
contextual
- - - - - - - - - - - falseadoras
Sem base textual
e contextual
- extrapoladoras
QUADRO DE OPERAÇÕES
Tipo de operação
inferencial
lógica Reunião de duas ou mais infonnações texllla1s que
funcionam como premissas para chegar a outra
1. dedução
infonnação logicamente. Aconclusão será necessária se a
operação for vtilda. Operação pouco comum em narrativas.
lógica Tomada de várias infonnações textllais para chegar a uma
2. indução conclusão com valor de probabilidade de acordo com o
grau de verdade das premissas.
Íiexical Tomada de um elemento geral de base lexical ou
semântica fundado em experiências e conhecimentos pessoais
3. particularização
pragmática individualizando ou contexlllallzando num conteudo
1 particular com um lexema específico.
Uma das idéias centrais nesse con texto teórico é a concepção da compre-
cmão como processo. Quanto a isso, podemos identificar pelo menos quatro
aspectos na forma de operacionalização desse processo, ou sejam:
•
num ir e 'ir em mO\ imento<; do todo para as partes e vice-versa .
3. Proces~o 111h..rJl1\o. ponto-cha\•e aqui é o falo de que a compreen-
são, em especial na~ allvidadcs interativas real izadas na relação face
a face (textos orais cm geral), é negociadn, ou seja, é co-constrnída e
não unilateral. Uma negociação com as proposlHs textuais e com o
interlocutor. Mas isto ocorre também no caso da leitura de textos
escritos, já que eles são sempre interativos e possuem marcas com
essas orientações. Os dêiticos discursivos. por exemplo, são sempre
monitorações cogniti\'as interpessoais.
+. Proc.esso mfurnt JI· como se \'Íu detalhadamente. esta noção d1.t
respeito ao modo da produção de sentido que não se dá pela identi-
ficação e extração de informações codificadas, mas como wna ativi-
dade em que conhccimcnlos de diversas procedências entram cm
ação por formas de raciocínio variadas, ta l como listado acima.
Diante de tudo o que dissemos até aqui, é ratoá\'cl admitir que leitu-
ra e comprcenc;ão de te,to não é umu ath idade de \'ale-tudo. Um texto
permite muitas leituras, mas não infinitas. Não podemos di7er quantas
são as compreensões possí\'cis de determinado texto, mas podemos dizer
que alg11mas delas não são possíveis. Portanto, pode haver leituras erra-
das. incorretas. impossíveis e não-autorizadas pelo texto, como tão bem
explicou Síri o Possc11ti t 1990 e 1991) Por exemplo. não podemos en-
tender o contrário do qt1c está afirmado, ou seja, nossa compreensão não
pode entra r em contradição com a verd ad e das proposições do texto:
compreender é produnr modelos cognitivos compatíveis preser\'ando o
va lor-verdaclc.
TEXTO ORIGINAL
FALSEAMENTOS
EXTRAPOLAÇÕES
INFERÊNCIAS POSSÍVEIS
PARÁFRASES
CÓPIA
FALTA DE
HORIZONTE
HORIZONTE MÍNIMO
HORIZONTE MÁXIMO
HORIZONTE PROBLEMÁTICO
HORUONTE INDEVIDO
qHe podemos deixar algo de lado, selecionar o que dizer e escolher o léxico
que nos interessa. Certamente, vmnos colocar alguns elementos novos, mas
nossa interferência será mínima e a leitura fica ainda numa atividade de iden-
tificação de informações objetivas que podem ser ditas com outras pala,ras.
Se, com base ncslc te>..io, alguém dissesse que entre as músicas tocada~ no
carnaval pernambucano estavam o chorinho e a axé mw1ic, ele estaria contes-
tando o te:'l.tO, mas não compreendendo ou interpretando, pois o te:-..to não
permitia aquela leitura. Contudo, !>e alguém tivesse lido esse texto numa !lcçfio
de variedades da revista Veja, poderia achar que se trn lava de uma ironia.
Nesse caso, baseado em suposições v;írias, ele poderia inferir que o antor do
lc:-.lo quis dar a cnlencler de maneiru irônica que em Pernambuco não há ~6
fre\O e maracalu no camavaL ficando num hori;:;onte problemático.
Luiz Antonio Marcuschi : Produ<ao 1.. 1 tuol, analise de y<'ncros ~ rnmprecnsaa
3. 9 A compreensão interdialetal
Gumperz (1982) trata da questão da compreensão mtcrcultural e mostra
como visões de mundo diversas repercutem também na relação interpessoal.
bto quer dizer que a linguagem e sociedade lêm uma relação muito estreita
sob este aspecto. Uma prova contundente disso é Lambém o estudo de Bortoni-
Ricardo (1984} que será aqui analisado com algum detal he.
Stella Maris Bortoni-Ricardo ( 1984: 9) toma como base de sua análise a
premissa de que é um "mito" a unidade lingüística no Brasil. Pois nosso portu-
guês acha-se enormemente <li\ 1dido em dialetos (\ariedadcs socioletais) muitas
vc7.es mutuamente inintclígivcis. Isso por razões essencialmente sociolingüísticas.
1-!:xistc, sim, uma variedade diat6pica de validade suprarregional que conhece-
mos como língua portL1gt1e11a /Jadrão, no entanlo, o padrão não se verifica mais
do q11c na escrita, sendo que na fala ele é, no máximo, um bem social distribuído
apena.~ entre as camadas mais cultas da população. Isto é identificado por Bortoni
(1984: IO) dentro de mn continuum lingüístico cm que de um lado estariam os
fa lares ('"dialetos rurnis") de populações em situação isoladas e, de outro, a fala
das camadas de maior 1nslrução e com acesso aos meios de comunicação.
Borloni-Ricardo se dedica à análise dos dialetos rurbanos (rurais+urbanos),
m1 seja, àqueles dialetos fa lados pelas camadas populares que se situam na
Terrelre PÍirte 1 Processos de compreensão
zonas periférica:; das cidades, que têm pouco acesso à escolari1ação e vêm do
interior. Essas populações rurbanas têm grandes dificuldades de compreensão
quando entram em interação com os urbanos. Os dados que constituem o
objeto de análise de Bortoni-Ricardo (1984: 10) foram e:-..traídos de entrc\ls-
tas feitas com migrantes da tona rural e fi-:ados em Brasilândia (uma cidade-
satélitc de Brasília). Os entrevistadores eram alunos universitários da UnB.
A variedade dialetal oferece, sem dú' ida, dificuldades (barreiras) à com-
preensão. \las, certamente, muitas das dificuldades encontradas têm sua ori-
gem na natureza do evento trabalhado, ou !>eja, a entrevista, que tem formas
próprias de conclução. como já vimos antcnormente. A questão ela relação
entre os pares adjacentes (11a organização do própno evento comunicati'o
enlre\'ista) é sempre problemática (cf. Coffman, 1976), poi~ uma pergunta
coloca certas demandas que o parceiro. na resposta, deve satisfazer.
J3ortoni-R1cardo ( 1984: 12) observa que para <1 análi5e da interação nes-
sa11 entre' istas, três aspectos de' cm ser considerados:
assimetria entre os interlocutores - é um fa to que di7 respeito à
própria d1~tnbu1çâo dos papei~ sociais do~ interlocutores e regu-
la o poder que emerge nessas situações. esse ca~o. lemos, por
um lado, a própria naturern do C\cnto (entrevista ). que é
assimétrico e, por outro, a realidade '>Ocial do!> folantes (unh·cr-
si tá rios-a naifa belos).
2. disposição para a convergência - trata-se da dispo~ição por parte
dos falantes. sobretudo dos de mais alta 111strução, ele adaptar-se à
fala do interlocutor, facilitando a compreensão. É uma estratégia
que vba minimizar as diferenças e satisfazer um processo de acomo-
dação. Pode manifestar-se na mudança ele código, mudança de pro-
núncia, \ariação de registro etc.
3. insegurança lingüística - a 111scgurança lingüística leva a que a~ pes-
soas por vezes suponham que compreenderam e, outras, que se en-
treguem minimizando-se ou infcriorizando-!>e como incultal>, anal-
fabetas etc.
Antes de prosseguir com as observações de Bortoni-Ricardo, gostaria
de tra7er um e'\cmplo ba11tanle intere~san te de uma empregada domé~tica
do qm1l eu gosto muito e cito em vários trabalhos meus. É uma seqüência
muito iluslrativa que mostra com clareza como se organizam os procc~sos
de compreemão na interação verbal. Trata-se de um trecho em que uma
Luiz Antônio Mar<uschi 1 Produ1ao lclllual, analistr de género• e co111preensoo
-+. Dados extraído; do l'ro,elo sobre <1 linguagem falada pela emprC'gada doméstica. entrevista
colct.idJ em l9i8 e transcntJ por 1.1111 t\nlõn10 \1arclllichi
Terceira Parte 1 Processos de co111preensão
(Exemplo 6 - p. 16)
1 E- Eassim de grupos de igreja. de dança. a senhora participa de alguma coisa?
2 Mil - participo
3 E-de quê?
4 Mil - Ah. eu sõ boba eu num sei de que que é. cllllé que é que responde a serilora.
Veja-se que cm alguns caso!> trata-~c de uma fonna lingüística com a sua
pronúncia alterada que leva à incompreensão corno neste caso:
(Exemplo 7 - p. 17)
1 B- Outros traz um agradinho, um sabão assim_
2 E- Traz o qué?
3 B - Traz llTI agradinho de - alimerto. né?
4 E- Como é que a senhora ctana?
5 B- Conceição Moreira!
6 E-Hão!
7 B-Ah!
a) regras fonológicas
b) regras morfológicas ou 11i ntáticas
c) d) e) regras pragmáticas, questões lexicais ele.
O exemplo mais marcante para regras de naturc7a fono lógica que inter-
ferem na compreensão é o seguinte:
(Exemplo 8 - p. 19)
1 E- llfpende de que o sucesso da gente? Pra gente conseguir alguma coisa.
2 depende de qué? de quem?
3 MP - uai, depende da... da sistença da gente e da boa vontade. né? Num õisisti
4 daquilo l sempn.
5 E- Mas que tipo de assistência seria essa?
6 MP - Não assistença assim da gente mesmo falá: ieu võ fazê aquilo. aquilo que reu
7 tenho vontade, né, de trabalhá pra... pra se consegui aquilo, a gente trabalha e
8 consegue, o faiz aquilo que a gente tem vontade de fazê, né?
(Exemplo 11 - p. 24)
1 E- Na sua opinião, uma pessoa que nasce pobre, pode melhorar sua condição econômica?
2 MC - ??????
rarcalra Parte 1 Processos de compreensão
3 E- Osenhor acha que ela pode melhorar sua cond~ão econômica? Pode vir a ser rica.
pode pelo menos ter vida boa, folgada?
4 MC - Tem e'as que miara a s«uação. né, a pessoa é pobre. mas no fim ganha as coisa né?
(Exemplo 12 - p. 28)
1 E- A senhora esteve presente nas duas últimas re111íões da novena?
2 FS - Se eu tive?
3 E-t
4 FS - Não.
5 E- Asenhora nao foi?
6 (intelferema da filia da irlormante) - Ea senhora não foi naquela Liima novena?
1 FS - Tive na novena. mas nao tive presente!
Esle último c~so é muito significati\O. pois mo\lra como um termo pode ser
polissêmico (presente = adietivo e presente'- substanll\O). Lembro que é esse um
dos caminhos pelos quais ~urgem também piadas ou xistes que trabalham com
reelaborações ou rcanáfoe~ morfológicas da língua para que <1utjam as piadas, tal
como muilo bem obsem1 Possenti cm seus Lrabalhos sobre o assunto.
Um a~pecto muito importante no processo de compreensão na interação
face a face é o relati\'o à identificação dos referente~. Os referentes podem 11ão
ser corretamente identificados por razões \árias. \'eja-se c~tc caso trazido por
Bortoni-Ricardo ( 198+: 28) em que tudo radica no fato de o referente ser
designado por um item le\.ical de~conhecido.
(Exemplo 13 - p. 28)
1 E- A senhora participa de alguma associação de moradores?
2 BP - Moradõ?
3 E- Capaiz que aqli não devi tê não. associacão de moradores. tem?
4 BP - Tem
5 E- A senhora participa?
6 BP - Participo sim. Oque é isso, associação de de moradores?
5. Sem hom ÇOO\t1ltar a Rc:\ 1sta f emp() Brm.ilerm n1H ( 19-81. que tr;ita do tema geral linglii~hca e
ensmo do >'Cmcículo. ,\ di...,ertaçiio de lnalda Ro<lrigue~ de Smva 119/iO) sobre J in teração médic:o-p,1dcnte
pode ser um bom ponto de apoio para se ob,t·rvar algumas elas llllt,tõcs lcvanbd.t!. ne-.tc contc.xto
luiz Antônio Marcuschi 1 Producão tntual, analise de generos e compreensão
•
que compreender é incontomái·el.
A constatação feita com base nos livros didáticos da época foi bastante
111cla11cólica ao descobrirmos que, cm sua maioria, esses exercí<.:ios não passa-
vam de uma descomprometida "atividade de copiaç<io" e, na melhor das hipó-
Lcscs, se prestavam como exercícios de caligrafia, nw~ não estimulavam a re-
ílcxão crítica. As observações a seguir foram e:draídas parc ialmente de
~ larcuschi (1996 e 1999).
O quê?
Quem?
li
Quando?
Onde?
Qual?
Como?
Para quê?
Ou enl:io contém ordens do tipo: copie, lígue, retire, complete, cite, trans-
creva, escreva. identifique, reescreva ... partes cio texto.
Apesar desta observação negc1tiva, é bom lembrar que esses exercícios não s.'lo
inúteis. Eles podem ser feitos, e t.alve7 sejam necessário11, mas se levarmos em conta
o que aqui foi C\-posto a respeito cio~ proces.c:>\ de compreensão. eles não são exercí-
cios ele compreensão, pois se preocupam apenas com aspectos formais ou então
rcdu1cm o trabalho à identificação de informações objetivas e superficiais. Essa é
uma forma mmto restrita e pobre ele \'er o funcionamento da língua e do texto.
Não obstante o fato de hoje haver uma maior c:ousciênc:ia ele que a com-
preensão não é um simples ato de extração de informações de textos mediante
a leitura superficial, ainda continua muito prcl>cntc nos LDs atuais a ati\·idade
de leitura superficial. Algumas análises recentes sobre o tema têm re\·elado
que as mudanças nesse particular têm sido mínimas. 1 udo indica que a ques-
tão acha-se ligada em especial à ausência de reflexão crítica em sala de aula.
Pois o trabalho com a compreensão dentro de um parndig111a que se ocupa
com a interpretação e análise mais aprofundada exige que se reílila e cliscula
o lema e isto não é uma prática comum em sala de aula. A~ próprias análises
dos LOs, na avaliação do MEC, revelam esse descuido Porlanlo, aí continua
mais um ponto de análise e investigação aberto a novos trabalhos.
TIPOS DE -
PERGUNTAS EXPLIClTAÇAO DOS TIPOS EXEMPLOS
Estas P em geral têm a ver com o texto •Qual a sua opiniao sobre.. .?
de maneira apenas superficial sendo Justifique.
que a Rfica por conta do aluno e não •O que você acha do...? Justifique.
6. Subjetivas •Do seu ponto de vista, a atitude
há como testá-la em sua validade. A
justificativa tem um cartier apenas do menino diante da velha
externo. senhora foi correta?
Sáo as P que indagam sobre questões •De que passagem do texto você
que admitem qualquer resposta, não mais gostou?
1
havendo possibilidade de se equivocat • Se você pudesse fazer uma cirurgia
Aligação com o texto é apenas um para modificar o funcionamento de
l Vale-tudo
pretexto sem base alguma para a seu corpo. que áfgão você operaria?
resposta. Oistinguem·se das subjetivas Justifique sua resposta.
por nào exigirem nenhum tipo de •Você concorda com o autnfl
justificativa ou relação textual
luiz Antõnio Mar<uschi 1 Producao tu tuol, analise de grneros e compr-.ensao
• R - :-.Ião, porque a professora disse que dewmos tomar banho todos os dias.
O aluno falou na perspectirn da escola e não na sua. Mas também há
respostas deste tipo:
Uma análise, mesmo que sumária, destes dados rc,·cla que há um predo-
mínio impressionante ("'0%) de questões fundada~ t\clusi\amente no texto,
~cndo que quase um quinto d,1s perguntas é pura cópia e mais da metade só
precisa de uma olhada cm 111fom1açõcs texh1ais para re~posta. I\.lais preocu-
pante, no entanto. é o fato de se ter somente um déc11no das questões situadas
na classe de perguntas que exigem alguma reílcxão mais acurada para r~pon-
r~rceira Parta 1 Processos lle compreensão ·
der, ou seja, algum tipo de inferência ou raciocínio crítico, sendo que elas
equivalem ao mesmo percentual de indagações que podem receber todo tipo
de resposta. já que nas questões subjetivas e vale-tudo. aceita-se qualquer res-
posta, 5em critérios mais refinados para sua produção. Por fim, questões de
nature1.a estruturnl também aparecem com relati,-a freqüência (9%) como se
fossem questões de compreensão.
PERGUNTAS OE COMPREENSÃO EM LIVROS DIDÁTICOS 00 ENSINO BÁSICO
2. Cópias
3. Objetivas 53
4. lnferenciais 6
--
5. Globais 4
6. Sub;etivas 15
l Vale tudo
8. Impossíveis
1 053 TI%
9. MetalingOísticas 9 9%
rio no contexto dos exercícios de compreensão. Numa análise não muito ex-
tensa, constatei que mais da 111cladc dos exercícios com o vocabulário se situa
no trabalho com a sinonímicJ. Outra parte trabalha questões de linguagem
figurada, cabendo ainda um bom percentual de cx:ercícios com a fonna (gê-
nero, número, grau, denvação, neologia etc). O nom1al é uma visão de~contex
tualizada do léxico. Daí o acúmulo de comandos do tipo:
'\o S \EB 2002, na área de Língua Portuguesa, optou-se por avaliar somente habili-
dades de leitura. Um bom leitor, além de mobili1ar esquemas cognitivos bá~1co\, de
ativar conhcc11ncntos prénos parhlhado~ e relc\anlC!> ao conte,to. recorre a ~cus
conhecimentos l111guísticos para ser capai de perceber os sentidos, as intençõc~ -
implícitas e explícitas - do lexto e os recursos que o autor utilizou para significar e
atuar verbalmente" (Si\lrn 2001: 18).
\ão creio que esteja errada essa onentação, mas por sua limitação à
compreensão, ela lcm como conscqiiência que na escola só se passa a
trabalhar a compreensão, entrando cm segundo plano a produção lc\lual.
Tudo fica dentro da velha filosofia: ensina-se o que se ai·alia. Deixemos,
porém esse aspecto político de lado, e ,·ejamo:; apenas o que nos di1 res-
peito. A matriz geral, tal como indicado abaixo, apresenta 21 descritores
di<;lribuídos em \'I tópicos diYerso~ ,\presento um quadro com todo~ os
descritores, obse rvando que as primeiras série~ vão se servir de algum e
não de todos ao mesmo lcmpo. Só na 8" do Fu11darnenla l e 3" do l ~nsino
Médio eles sào aplicado5 cm !lua integralidade
l lmpbções do Sl..,orte. Interpretar teJln com auiio de material grfico dimso (propagandas,
do género e.QJ do quadrinhos, foto, etcl
enunciador na
co~dotexto Identificar finalidade de teJlns de dlerentes gêneros
VI. Variação lngi»stica , ldentficar as marcas ~ngüístícas que evidenciam o locutor e o inteitocutor
' de um temi
Prejuízo em estacionamento
Sou freqüentador quase que diário do estacionamento de um shopping eq>lorado por ooia empresa No ütimo dia
21 estacioneí à tarde e à noite. Quando sai à noite, notei que o rádio do meu carro estava loocionando mal, motivado
pelo roubo da antena No dia seguinte, preenchi um formulário anexando os dois comprovantes do pagamento,
solicitando a reposição da antena. pleito que me foi negado dois dia após, por telefone. Fiz outro requerimento
solicitando uma justificativa da negaçao e náo fui atendido. Qual o direito que temos ao estacionar em um shopping
pagando RS 2.50?
Texto adaptado. OGLOBO
21 de janeiro de 2001. p. 32
Apalavra "pleito·. no texto. refere-se
(A) ao mlÊO da antena.
A
15
(B) à reposição da antena.
(C) à just:Jicativa da negaçao.
(O) ao comprovante do pagamento.
B
33
Percentual de respostas às alternativas
e
35
o
14
Em branco e nulas
3
•
fo111: SAfB 2001 Sistema Nacional de AvaflaçBo di [ducaçlo 84su Relat6rio Saeb 2001 - lfn1u1 Portusuesa, Brasília. 2002. p. 68
Exemplo (3)
TEXTO I TEXTO 11
Divorciadas são assassinadas em Médica é assassinada ao deixar
São Paulo e Fortaleza centro espírita
Polícia crê em crime passional Apolcia ja tem o suspeito de asSMSi~ da méd~
ca alergista do ~ das Clnicas Isaura Yrginia
Oassassilato de Wa.s ndleres. uma em São Pau
Santos Rosa Pinczowski, de 35 anos. Ela morreu
lo e outra em Fortaleza (CE), intriga a poíicia, que
ontem com umtiro no peito quando safa do centro
atê a noite de ontem não havia prendido os autores. espírita Seara Bendita. na rua Demóstenes. em São
Apesar de não haver nenhtlna relação eotre os dois
Paulo. em seu Golf prata. ~ CKC-5686. de São
crimes. há mlitas coincidências. Bernardo do ~· Segwdo testemtllhas. lsaLl'a
As lklM ndleres estav1111 na íaiJa entre 30 e 40 teve seu veiculo mrceptado por um Vectra preto
anos. As duas trabalhavam na área médica (uma que swa na contramão a rua Constantino de Sou-
era legista. a outra. bióloga). Ambas eram divorci· za. altura do número 454.
adas. moravam sozinhas e nos dois casos há sus·
peita de crine passional.
Folia de 5.Paulo
º"""º
Sobre os textos. pode-se afirmar que:
(A) Otexto l livu~a a morte de duas mtJieres. ressaltando os portos comlllS aos casos.
(B) Os dois jornais notician a morte de Wa.s llllleJes.
(C) Os dois jornais relatam assassinatos cuja violência revoltou os médicos.
(O) Otexto 1é uma notí:ia e o texto li é um artigo.
([) Os jornais enfatizam o crescente assassinato de mulheres no pais.
Percentual de respostas às alternativas
B , C 1 D 1 E 1 Embranco e nulas
s,---+--l__,s=-----+-1- 31 1 1a 1 2 - --t
1am: SAfB 2001 · Sistema Nacional de Araliaçiio da Educaçao Básica. Helatdr/o Saeb 2001 - Ungua Portuguesa. Brasília, 2002, p. 96
. . .
EXERCÍCIOS DA TERCEIRA PARTE:
Processos de compreensão
(a) GLOSSÁRIO SOBRE PROCESSOS OE COMPREENSÃO: Continuidade da montagem do glossário
com os termos centrais desta parte:
anâlise crítica do discurso inferência
codificação lexema
cognição léxico
compreensão memória
• conhecimentos partilhados metáfora
consciência metalinguagem
decodificação sentido
esquemas cognitivos sentido figurado
estrategia sentido literal
experiência significação
frames/ enquadres sociointeração
sujeito
(b) Explicitar os conceitos centrais desenvolvidos neste ensaio (língua, compreensão. texto,
inferência, sociointeração) e demonstrar como eles repercutem na forma de se trabalhar
o processo de compreensão.
(c) Identificar as teorias ou as posições contra as quais este ensaio se volta e expor os
argumentos desenvolvidos para mostrar que elas não são produtivas.
(d) Quais são as passiveis conseqüências de se trabalhar a compreensao na suposição de que
a língua seja um simples instrumento de condução e representação de idéias?
(e) Veríficar quais dentre as sugestões dadas nas Matrizes de Descritores do SAEB são as mais
pertinentes segundo as posições defendidas neste ensaio
(f) Sugerir algum tipo de Matriz de Descritores para o ensino superior e explicitar que tipos de
atividades seriam mais interessantes nesse nível de ensino.
(g) Propor um trabalho com o vocabulãrio no seu funcionamento textual. Tentar elaborar uma
proposta em que os itens seriam trabalhados na perspectiva textual.
(h) Tomar uma coleção de livros didáticos do Ensino Fundamental de 1ª a 8ª Séries e analisar as
perguntas nos exercícios de compreensão de acordo com a tipologia aqui sugerida ou uma
outra que você mesmo construiu.
TEMAS SUGERIDOS PARA O PRIMEIRO EXERCÍCIO
1. Noções de língua e suas conseqüências
2 Noções de texto ao longo dos últimos 30 anos
3. Noções de sujeito de acordo com as várias teorias
4. Critérios gerais de textualização
5. Organização tópica e progressão textual
6. Noção de gênero textual: visão teórica. definição e exemplares característicos
l Tipos textuais: definições e análise de exemplos
8. Gêneros textuais surgidos na relação com as tecnologias eletrônicas
9. Os bate-papos e a conversação espontânea: Uma comparação.
10. A hibridização e a intergenericidade no caso específico da publícidade
11. Os gêneros textuais no contínuo fala-escrita (levantamento e breve caracterização)
12. Aquestão do suporte dos gêneros textuais: relação entre gênero e suporte
13. A questão do livro didático como suporte ou como gênero
14. Os géneros na área literária
15. Gêneros do domínio discursivo do jornalismo
16. Gêneros do domínio discursivo da área pedagógica
17. Aposição dos Parâmetros Curriculares Nacionais em relação aos gêneros textuais
18. Presença de gêneros textuais e seu tratamento nos livros didáticos de Português de 1ª a 4ª séries
19. Presença de gêneros textuais e seu tratamemto nos livros didáticos de Português de 5ª a 8ª séries
20. Presença de gêneros textuais e seu tratamento nos livros didáticos de Português no Ensino Médio
_,_
CiTaçoes
A' 11 'WS, 1 (200S ). Lutar com palawa\. Coc~cJo e c:ocrência São Paulo Pm.1bol;1 Fd1tori.1l
,\,,, 'llES, 1. (ZO<H J. Aula de port11g111!.\ F.nmnlro <> 111tcração. São Paulo: Para bola 1 <l1tonal
,\ll\l IO, .\. O CWOO ,_Análise de i:êncro: uma Jbordagem al temah\'a para o cmmo da rcdaçiio ata<lê-
míca ln· Fmni-.\.\IP \ 1. R. \I e To\tffi li, L. \ 1. B. (o~ 1. •-\spccto.ç d<J lmgüf~tica aplicada.
Floridnópolis: Insular. pp 1~5.200
\1rn 1' >. J C. R de 12003 '· Chat Su Web: um c1tudu de gênero h1pcrtcxtu11l í'ortalt•J>a: Programa de P6'-
Craduação em Lmgi11,hca dJ lhll\cr1idade Federdl do Cead DMcrt.1ção de me\ITJdo. rrumeo.
\Jun.. \ 1. (ZOOZ). The Dcmisc of .1 U111q11e Concept ofLitcral \1camng. /ouma/ of Pragmatics, H, pp.
)61-402
Ass1s. J. A (2002). Explicitudellmplícitude 1w e-mail e na 11umsugem em secrc/urw cdclrô111ca· contribuiçoo.~
pura o estudo das reluçõe~ orulid11delescrila Tese de doulorndo. lklo l lorizunh.•: l•'aculdade de
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Bcntcs. '\ C. z-. 33. 36. 3i, 45, 46, 71 Dubo1s, J. 46, 142
Bemtmslt, É 68, - 1 Dudley-faam. 1. 153
Bm;mann P. L. 152, 190
BerLenLotter. C 152 E
Bcrnslem. B. 39 Eggins, S. l>l
Bhalia 148 Erickson. T 198
Bhaha, \ , K. 148, 150, 153, 17 1 Ervin-Tnpp. S M. 247
Biber, D. 188 Escola Auslroliana de Sydncy 152
Bloomfield. L. 30. 34, 38, 74 Escola de Copenhague 33
Boas, F. H Escola de CcncbrJ 152
Bon1111, A. 146, 147 Escola de Londres ) 1
Borges \ eto, 1. 36 Escola de Praga H. 122. 134, 135, 136, 138
Borto111-R1cardo. S \i 39, 260, 261. 262.
'.!63 264, 265 F
Bou.icha. M A 81. 151 F'airclough, :-.. 152. 153
Bouquet, S 28, 30 F'araco, C. A. 20, 21, 22
Bml. B 46 F'auconmtr, e. 102
Brito, K. S. 146 Fávero, L. L. i3
Sronclart, J..P. 152, 153, 15-1. 156, 221, Z23 Ferguson, C 39
Brown. C 134, 135 fiorin, J. L. 46. 124, 12S
Luiz Antonio Morcuschi Produrno Ir• lual, analis" de 9rntro•, " wmprcenlGO