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J,i ja;) 7 TERCEIRA PARTE:

~ L . / . 3. PROCESSOS DE COMPREENSÃO
3.1 Lc1t ura e compreensao como trabalho social e nao atividade
individual. 229
J 2. Breves observacocs sobre o sentido literal. 234
33. Compreensao e atividade inferencial . 237
14 A importancia de conhecer a lmgua como trabalho social
h1stor1co e cognitivo . 240
3.5. A necessidade de tomar o texto como evento comunicativo. 241
3.G Algumíls observacoes sobre o contexto no processo de
compreensão. 243
3.7. No cão de inferencia. 248
3.8. Compreensi:lo como processo. 256
19 A compreensão interdiíllctal. 260
3.10 O tratamento da compreensão nos livros didáticos, 266
3.11. Tipologia das perguntas de compreensáo nos livros didáticos 270
3.12. Os descritores para íl compreensáo textual no ensino
fundamental. 274
EXERCÍCIOS DA TERCEIRA PARTI: PROCESSOS DE COMPREENSAO. 279

1)/~J TEMAS SUGERIDOS PARA MONTAGEM DOS PÔSTERES DE AVAllAÇÃO

;t;) r, ~1~ FONTES DE REFERÊNCIA DAS CITAÇÕES


,,-~'-1kU
~ " ·;;)'7 ÍNDICE DE NOMES
1
OB
ste prefácio pode causar estranhamento cm alguns, pois no lu-
gar de pri,·ilegiar o conteúdo da obra, servindo como uma espé-
cie de guia para o leitor, ele coloca a singularidade do autor cm
primeiro plano. 10 caso do livro ora lançado, talvez, o estra-
nhamento seja ainda maior, porque o nome de Luiz ntônio
1\ilarcuschi, na verdade, dispensa apresentações. Assim, este prefácio seria re-
dundante, /. ../ ..a não ser que se trate de um texto rnzado no registro dn amiza-
de", como bem lembrou Marcos Marcionilo, da Parábola Ed itorial.

E o que prete11demos aqui é, justamente, dar vazão ao sentimento de


amizade e bem-querer que nutrimos por Marcuschi. Somos muitas suas deve-
doras e seus devedores. E as nossas dívidas são de natureza diversa. Aprende-
mos com ele uma certa maneira de olhar a linguagem, o sujeito e a vida. O
que nos é possível fazer hoje em sala de aula e o sentido que damos a essa
prática herdamos dele, em grande parte. Ele trilhou para nós e antes de nós o
caminho que hoje percorremos.

Para além do campo teórico e metodológico, aprendemos com ele coisas


que nem mesmo suspeita ter-nos ensinado, atitudes que dizem respeito não ape-
nas à postura íonnal do professor, mas à condula do homem. Ética , lealdade,
tolerância, determinação são algumas delas. Mas, sem dú\'ida, a virtude que ma i~
:.e destaca em Marcuschi é sua generosidade. A forma como sempre doou seu
conhecimento, seu tempo e sua atenção ao outro causa admiração em todos.

Por tudo isso, o clichê de dizer. o quanto nos sentimos honradas pelo
convite, no nosso ca~o, se desfaz cm fun ção da densidade intelectual da obra
e: do autor. I~ impcrali\'O ressaltar que redigir esta apresentação é um privilé-
gio. Muitos poderiam e dese jariam assinar este texto, pois, como nós, sentem
admiração, respeito e profundo afeto por 1arcuschi c por seu Lrabalho. Espe-
ramos que estas pessoas se sintam representadas por nós e pelos demais cole-
gas e ex-alunos(as) ligados à Universidade Federal de Pernambuco - UFPE
qut: assinam este texto. Afinal, os pontos de vista sobre o Mueuseh i professor,
pesquisador, orientador e colega, que aqu i expomos, 11rio são apenas nossos,
temos certeza. Passemos. então, a detalhar estas várías faces de Marcuschi.

Seu nome corresponde a um dos maiores expoentes da lingüística. :\tas


sua projeção \'ai além da admiração de outros pesquisadorec;. Trata-se de um
acadêmico daqueles que lotam auditórios em suas palestra~. "segurando" o
público pelos ouvidos até a t'.tlti111<1 palavra, sempre solicitado nos congressos
parn autografar um livro e po~ar para uma foto. Os li,ros e urligos que publi-
cou, as conferências 4uc proferiu, os seminários e c11rsos q11c ministrou o tor-
11aram conhecido, procurado e citado no mundo univers itário. A erudição de
seu conhecimento misturada a um jeito simples de transmitir este mesmo co-
nhecimento faz dele um intelectual admirado por muitos. Sua atuação políti-
co-admin i ~trativa em instituições como C~Pq e Capes apenas confirma seu
valor cnlre os profüsionais da área.

li \ las o ~ 1areusehi das conferências e das publicações é uma persona, por


assim dizer, "de fora" e nós q11cremos falar dele de uma perspectiva "de den-
tro". O nosso foco é <1 atuação de Marcuschi como docente na UFPE.

/\ sala de aula é o habitat privilegiado do professor. I ~ para os bons pro-


Íeí.sore~. uma au la, mais do que uma tarefa a ser realizada. é uma paixão a ser
desfrutada. Quem freqüentou os cursos de '.\larcmchi se depara\·a, sempre,
com um -;er transbordando de pui:--ão. ~Ias o calhamaço de papéis e os muitos
livros que carregava eram a pista de que, por trás da inspiração apaixonada.
havia muito trabalho, 1nu1to Íll\'eslimento pessoal.

O livro que ora prefaciamos comprova este trabalho, árduo e cotidiano,


do Marcuschi professor. Trata-se de um materia l didático elaborado para a
disciplina Lingüística 3, ministrada por ele na graduação em Letras da UFPE.

Como é prática nas uni\'l::rsiclades brasileiras, este material ficava disponí-


vel para os alunos numa ··pa<;ta". Apesar de o autor avisar que aqueles textos
deveriam ser de uso extlusi\.O dos alunos da disciplina, a circulação "pirata"
na U FPE e em outras univcr~i dades, p'romO\ida tanto por alunos quanto por
professores, de graduação e de pós-graduação, ainda é intensa. Isso indica o
quanto o material é precioso e o quanto, hoje, sua publicação se faz oporhma
e necessária. O próprio Ma rcuscl1i jé'í tencionava lrnnsformar a "pasta•· cm
Prefácio

Inclusive, o original que manuseamos já trazia uma apresentação, um


'lght, além da indicação "4ª versão, revista e ampl iada".

Como o próprio autor adverte na apresentação, seu caráter d[dático, ou


o fato de ser um material que tem em vist'1 o aluno e não os pares pesqu i-
ores explica por que, talvez, ele não traga nada de rigorosamente novo
quem atua na área de lingüística de texto. Desde noções de língua, texto
_ ·~-rualidade, passando pelos estudos de gênero até a discussão sobre proces-
de compreensão, o livro aborda temas debatidos na área.

.:-..Iarcusch i ressalta ainda que boa parte do material é conhecida, pois,


n ~o textos já publicados, ora apresentados em congressos, ou, quando não
bacados, de ampla circulação no meio acadêmico. Essa característica pode,
fato, ocasionar no leitor uma sensação de já-conhecido, de já-sabido. Mas,
~r dos temas conhecidos, o autor os desenvolve em várias direções, abran-
-~ ndo temas conexos tão diversos quanto relevantes: critérios de textualização,
1dades de compreensão em materiais didáticos, uso intercultural de gêne-
compreensâo interdialetal, instrumentos de avaliação educacional, gêne-
ros emergentes, entre outros .

.-\pesar do amplo espectro de temas, a importância efetiva do trabafüo


ec,;:í menos naquilo do que é dito e mais em como é dito. É nesse ponto que a
grandeza do professor sobressai.

A natureza didática do livro é evidente, especialmente, pela presença de


..!!\idades, exemplos ilustrativos, glossários, indicações de obras de consulta para
aprofundamento dos temas tratados e uma série de quadros e tabelas que
Jscam sistematizar as teorias abordadas. Percebe-se ainda uma progressão de
:. ficuldade das atividades propostas, partindo-se de indagações mais pontuais
~·é pesquisas de campo realizadas pelos alunos e socializadas em pôsteres.

Na tentativa de ex-plica r complexos fenômenos da linguagem, o livro é,


ao mesmo tempo, abrangen te e sistemático na apresentação das teorias. E
ale lembrar a voracidade de leitura de Marcuschi. Ele não apenas remete a
eóricos diversos, mas constrói um panorama crítico das diferentes perspecti-
as de análise sobre um mesmo tema. Nada mais didático para o leitor iniciante.

A sistematização está refletida nos conjuntos de conceitos basi1ares para


...ada tema. Marcuschi, porém, não abre mão da profundidade em nome de
uma suposta necessidade de adequação ao público leitor. Sua conduta per-
manente é buscar uma linguagem simples para dar a conhecer o complexo.
luiz Antônio Marcuschi 1 Produção textual, analise de generos e compreensão

A organicidade em termos teóricos indica a condução firme de um pes-


quisador preocupado com o rigor científico e com a coerência interna na
exposição de seu pensamento. Ainda que certos trechos da obra possam parecer
textos avulsos, por terem sido produzido~ em momentos distintos e reunidos poste-
riormente para o livro, têm consistência como projeto de conhecimento. De fato,
a seleção dos assuntos revela um empreendimento de anos: compilar para alunos
de graduação questões referentes aos gêneros te'\tuais, dentro do contínuo fala/
escrita, e aos processos de produção e compreensão textual. Tudo isso permeado
pela hipótese sociointeraciona1 de base cognitiva. Os assuntos abordados são as
velhas e boas questões do sentido, da cognição e da linguagem.

Ainda que se proponha a ser didático, Marcuschi foge da simplificação enga-


nosa e diz aos leitores, logo na apresentação do livro, que não trará receitas,
pressupondo o comprometimento do aluno no percurso de leitura, nwn trabalho
colaborativo entre quem ensina e quem aprende. Isso, porém, não significa a
ausência de postulações explícitas, como se percebe no trecho "A produção tex-
tual. assim como um jogo colebvo. não é uma atwicladc unilateral".

Os exemplos existentes no volume devem ser complementados em sala de


aula por outros mais atuais. Eis aqui o perfil de um professor que não se acomoda,
que não se esquiva do trabalho pesado, que prefere buscar exemplos novos a cada
novo curso a estagnar suas reflexões em demonstrações que já deram certo. Essa
postura de professor reflete claramente sua atuação como pesquisador, para quem
o conhecimento está sempre se refazendo, sempre em processo de construção.

Uma conseqüê ncia inesperada do cuida do de Marcuschi com a


reelaboração constante de suas idéias é o "contrabando" de mimeos escritos
por ele, ainda muito comum nas instituições de ensino de todo o país. Como
dificilmente considera suas formulações acabadas o suficiente para publicá-
las, a saída, para os interessados naqui lo que Marcuschi escreve, é fotocopiar
os textos inérutos que circulam entre os colegas.

É essa qualidade de pesquisador cu jas idéias sempre estão "sa indo do


forno" que é ensinada aos alunos por meio de exercícios práticos neste livro.
Os próprios alunos têm de construfr um glossário dos termos técnicos mais
relevantes estudados em cada parte da obra. Em vez de simplesmen te apre-
sentar o glossário pronto, Marcuschi investe no aluno principiante, incitando-
º a se constituir pesquisador desde a sua formação inicial.
A coragem de não omitir conceitos ainda pouco claros ou precariamente
definidos - como é o caso da noção de suporte - é outra característica do
hefcitio

pesquisador \itarcuschi. Ele explicita para o leitor o quanto certo termo ainda
pennanece impreciso ou até que ponto ele parece inadequado - "Essa é
uma questão complexa que não tem uma decisão clara" (p. 111). Expor fran-
camente os bastidores da elaboração ci~nlífica, com suas imperfeições e insta-
bílidades, torna pública também a concepção de que pesqu isar é uma tentati-
\'a incessante e sempre provisória de explicar o mundo.

l\esse contexto, para Marcuschi, a sala de aula constitui um grande


laboratório de investigação, onde conhecer não é um ato individual, mas
uma ação cooperativa. Ele não se poria como o dono absoluto da sala, mas
como um co-participante. 'v1uitas ''e7e~. divide a disciplina com outros,
disponibili.la o material antecipadamente e discute as aulas. Superando a
pedagogia cm que o professor se limita a transmitir ou repetir o já sabido,
ele aposta na construção coletiva do conhecimento. Afinal os grandes pes-
quisadores se aventuram cm um curso não para comunicar o que já sabem,
mas para pensar sobre uma coisa que desejam muitíssimo conhecer, para
lançar um olhar reflexivo sobre algo.

Ao longo do livro, ele cita muita gente, dá crédito a todos, até a quem fez
só uma, ma~ significali\a pesquisa. '.\o~ agradecimentos, enfatiza que as idéias
apresentadas no livro que ora está sendo publicado surgiram e tomaram corpo
durante os (1lt11nos dez anos de docência no Departamento de Letras da UFPE
e de pesquisa no Núcleo de Estudos Lingüísticos da Fala e da Escrita (NELFE),
por ele coordenado. De todos os seus interlocutores - colegas de trabalho,
monitores, bolsistas de iniciação científica, alunos de graduação. especializa-
ção e pós-graduação - ele agradece as contribuições que enriqueceram sua
visão e compreensão das questões que o inquietavam. Agradece de modo par-
ticular a ~cus alunos de Lingüística 3 que com ele discutiram vários dos temas
tratados no livro e, em muitos casos, lhe forneceram sugestões e exemplos.
Diz: ·'Sem esta contribuição, os materiais seriam bem menos atraentes e me-
nos provei tosos". Essas palavras de Marcuschi mostram que, para ele, o co-
nhecimento é elaborado cm encontros, trocas, e interações. Cria-se em fun-
ção de interlocutores.

E foi nas interações de Marcuschi com seus pares e alunos que esta
obra tomou corpo. Agora, os textos antes inéditos, que compuseram a "pasta
de Lingüística 3". saem publicados no formato de livro, constituem algo
acabado. ivl as, para manter a fidelidade ao pemamento de \larcuschi,
que, a cada ano, buscava atua lizar o conteúdo dc~las páginas, resta a nós,
luiz Antõ1do Marcuschi 1 Pro4v~ão textual, 1111tifise do 9iaeros • co111preemsio

pesquisadores e professores da área da lingüística, como afirma Comte-


Sponvillc1, "continuar essa ltislória que nos precede, que nos gera. que nos
habita, que é nossa tarefa, nosso destino, nossa dignidade, enfi m, o único
lugar pos!>ível, para nós". '
CRJS11 A T~IXl.:.IRA
tvL\RCIA ~E1\1)0NÇA

Ângela Paiva Dionísio; Cinlh)'ª Torres Melo; Dóris de Arrudá C. da Cu-


nha; Isa/tina Maria de Aze\·edo Mel/o Gomes; Judith Hoffnagel; Karina
F<Jlcone; Kazue Saito Monteiro de Barros; Ucia Heine; Maria da Piedade
\.foreira de Sá; Marianne Carnlcante; Marígia Aguiar; Sandra llelena
D. de Melo; Suzana Cortez
Recife, 8 de abril de 2008

André Comtc-Spom'ille (200~ .\vida humana. Silo Paulo. ~lartins Fontes, p IS


-Quando contemplomos o mundo natural que pan1lhomos com O! outro.. ndo perdemos
o contato cono.co. mo4 n~ reconhecemos como membro. dl' uma .<;cJ<:iedade df mentes.
1•. .1 E essa comunidade de riw11tc·, é a base do conhecimento e a mtd1da dt toda' cu cows"
DoN_\LI) DA~IOS<l'-, fltrre \ 'anet1es o( Know/edge.

"Aquilo que se \'ê depende do lui:ar em que foi .-isto e


da$ outras Cóisas quci foram vistas ao mesmo tempo."
Ct.JFHIRl1 c~HW, o sc1ber local

"A razão 1 ''omum u tll<Íos. m11s c1.~ f>CS$0<1$ agem


c:omo se li\t•'cm uma ra::ão pm·ada. •
l lt ll\<'!J ro. Fragmento
-s.im o lu nilo há o Eu"
FR1mR1ç11 1,coa1 u--n.1s19).

ste trabalho, que postula princípios socioin tcracionistas,


contém a quarta versão dos materiais para o Curso de Lin-
güística 03 ministrado na Graduação em Lclras da Univer-
sidade Federal de Pernambuco, no segundo sem estre de
2005 1• 1 rat.i-se de observações destinadas à leitura dos alu-
no~ para o acompanhamento das exposições feitas em aula.

Constam aqui estudos muitas vezes inacabados e idéias preliminares. Em


certas passagens, figuram parte~ de trabalhos editados em re' istas, anais, cole-
•Jncas e origina is não publicados. Por isso podem parecer incompletos e
repetitivos. Indicações bibliográficas foram feitas para que cada leitor tenha
ondiçõcs de prosseguir em seu aprofundamento individual.

Os temas estão distribuídos cm três partes com tópicos interligados, a saber:

(i) Produção textual com ênfase na lingüística de texto de base cognith'Cl

( l\a verdade, esta \ ersào devtrJO ter ~1do utilizada no ~egundo ~Cll\C~lrC de :!()(); dur.inte O ano
de WOS, mas só veio a ser Uliada no ~egundo·~emestre de 2005 que-, por IJlÕC~ v.iria~. imcía-se em
pnc1ru de 2006.
1

, luiz António Marcuschi 1 Producão teatual, analise de generoi e 1ompreensão

(ii) Análise sociointerativa de gêneros textuais no contínuo fala-escrita


(iii) Processos de compreensão textual e produção de sentido.

As noções de língua, texto, gênero, compreensão e sentido, bem como o


enfoque geral da abordagem, situam-se na perspectiva da viscio
sociointeracionista da língua. Esse tipo de visão recusa-se a considerar a língua
como um sistema autônomo e como simples forma. Aqui, a linguagem é vista
como um conjunto de atividades e uma fonna de açao.

Como se sabe, os estudos lingüísticos no século XX foram marcados por


dois movimentos relativamente distintos em sua perspectiva analítica: por um
lado, temos o projeto fonnalista, que busca analisar a língua descontextualizada-
mente, dando primazia ao aspecto sintático; por outro lado, lemos o movimento
funcionalista, que busca recontextualizar a língua observando-a em seus contex-
tos de uso e com ênfase no estudo do léxico, nos aspectos socioculturais. na
interação e na visão cognitiva. Dos anos 80 do século XX para cá, tem crescido
de maneira sistemática a segunda perspectiva, que vem se dhersificando acentua-
damente. É assim que ouvimos denominações bastante ,·ariadas para as análi-
ses, tais como: sociointerativa; sociodiscursiva; socioconstruhva; sociocognitiva e
assim por diante. Trata-se de reintroduzir nos estudos ela linguagem o aspecto
social (entenda-se: interacional) de ângulos diversos.
Em suma, estas notas consideram a linguagem contextualizada e em fun-
cionamento. Situam-se na perspectiva da sociointernção e da sociocognição,
o que lhes confere um caráter não-formalista. Mas não se trata de uma visão
pragmática clássica na linha de John Austin ou H. P. Crice. As teorias centrais
aqui defendidas sih.1am-se no que hoje se chama de hipótese sociointeracional
de base cognitiva.

Também não se trata de um con junto de receilas. Tanto assim que a


maioria dos exemplos foi posla à parte e será oferecida cm aula no ato de
exposição. Fontes para leituras complementares são sugeridas em vários mo-
mentos, pois aqui estão apenas diretrizes gerais.

Recife, janeiro de 2006


Ll li A\"IÔl\JIO .VlARCUSCHi
stas notas surgiram e tomaram corpo ao longo dos últimos dez
nos, em decorrência das aulas de graduação no Departamen-
to de Letras da UFPE e de pesquisas desenvoh 1<las no contexto
de projetos reali7ados no NELFE (Núcleo de Estudos
Lingüísticos da Fala e ela Escrita) por mim coordenado. Este
~(1clco con l·a com várias pesquisadoras colegas de Departamento (Judith
Hoffnagel, Dóris de Arruda Carneiro da Cunha, Kazue Saito ~tonteiro de
8Jrro!> e .\ngela Paiva Dionísio), a quem agradeço os debates e as contribui-
ções Não posso esquecer também os bolsistas de iniciação científica que tra-
balharam comigo e sempre trot1'\eram desafios e contnbu1ções que enriquece-
ram minha Yisão e compreensão das questões.

\iluila~ das idéias aqui desemolvidas foram apresentadas em cursos de


especialização cm várias ocasiões a professores da rede pública de Pernambuco.
Ou em minicursos em congressos de lingüística pelo Brnsil afora. Em todos
eles, sempre tiYe no\'as sugestões e idéias para reajustes e esclarecimentos com
adaptações ao nível de conhecimento dos alunos.

\gradeço de modo particular ao~ meus alunos de Lmgüística 3 de semestres


anteriores, que comigo discutirnm eS!>cs temas e, em mwtos casos, me fomcceram
sugc..~l õcs e C\emplos que foram sendo incorporados a ellias notas. Sem essa con-
tribuição, os materiais seriam bem menos atraentes e menos proveitosos.

Confio em que esta parceria continue neste e nos próximos semestres


com inlemidadc ainda maior para um proveito cada vez mais enriquecedor.

1'.spero que estas notas de trabalho tragam a todos algum pro\eito e que
a1udcm a acompanhar as aulas com mais segurança e maior interação para
que ocorra a desejável construção coletiva de conhecimento. superando a
simples transmissão ou rcpcl1çJo do Já sabido.
o conjunto, esta sénc de notas pretende mostrar o funciona-
mento da lingnagcm sob o aspecto textual-interatfro, tanto
na modalidade c~c11la como oral. Tem-se em vista a configu-
ração lingüística e alguns elementos básicos, tais como a pro-
dução e a circulação de gêneros textuais e os processos de com-
preensão. St.:rá importante chcgcir a resultados satisfatório~ em relação a isto
com uma visão integrada e com um conceito de linguagem que dê conta de
'>eu funcionamento no fcuômcno lc-.tual, já que é imposshel qualquer mani-
festação lmgüística fora do texto situado.
O curso inicia com algumas ob)Cnações preliminares sobre a situação da lin-
giiística no século XX, a fim de si luar de modo sistemático o momento e a motivação
do smgimento dos tópicos analisados. Não se trata, no entanto, de uma revisão
complct<1 da história da lingüfstica e ~im de uma breve conlextualiwção da posição
aqui adotada. Daí a i11ev1tável simpliGcação na exposição.

A perspecti,·a geral do trabalho situa-se no conlc:xlo do que hoje se


eon,enciona chamar de lingüística enunciativa. A 'isão adotada toma a lín-
gua como um conjunto de prática.~ enwzciatirns e não como fomw descamada.
Oe modo particular, esta afirmação acha-se em consonância com l\l. Bakhtin/
\. N. Voloshinov (Marxismo e {lloso{ic1 da linguagem) 1, quando os autores
afirmam que toda enunciação humana, mesmo a mai~ elcrnenlar, é "organiza-
da fora do indivíduo pelas condições extra-orgânicas elo mt.:io social" (1v1&FdaL,
p. JOi). ~1csmo que realizada por um "organismo individual", a enunciação
humana é sempre um alo '>ocial, como ~e depreende desta ob~el'\'ação:

l. DJqui par.ia frente, cito c~<oa obrJ pd.1 >t~la \l&rdaL., pela e<l1ç:i11 br.1\llurd: .\lctnl'moe /ilOôo/ia
JtJ /111gud~cm Sjo P.aulo: Hucitec. 19~9 . Quanto;\ autnna da obrn. 'cguudo C.1rlcr.. Alberto l•àraco. que
'egue -11111.1 trJd1ção forte na <Jh1alicladc. o 11111w autor da obra e\ \1 \oJo,hmov, m.1\ <,<.formo:; olhar a
cd1ç.10 11ortc-J111cncana, ah ~ó consta 1\1 ílnkh'tm. Diante di,\O, opiei por conwrvar os dois autores,
embora rnnrorde com a \1Sào ck Faraco, tiuc afirma que css;1 obm n.íu e t'\scncm linentc bJkhhmana
Luiz Antônio Marcusd1i 1 Produ~ão textual, analise de generos •· co111pr~iuão

A e11u11ciaçüo enquanto tal é 11m puro produto ela mtcração ~ocial, quer se trate de
11m atn clc fula <lclcrminJdo pclu situação imediata rn1 pelo contexto mais amplo
que comt1h11 o conjunto da~ condições de \·ida de 11111a dctem1inada comunidade
lingüísltta l\l&FdaL. p. 107)

A tese ccnlral de Bakhtrn/\.'olmhino\', que tentamos seguir também neste


curso, é:

A verdadeira \11bstância da língua não é comtih1fda por 11111 sistema abstrato de


fom1a~ linguí~l1cas nem pela enunciação monológica e isolada. nem pelo ato
ps1cofi,1ol6gic·o de sua produçflu, m~ pelo fenômeno \Ocial da interaçdo ~·erbal,
realizada alravé~ da enuncia~·ão ou das enunciações. ,\ interação verbal constitui
assim a realidade fundamental da língua t~l&FdaL, p. 109).

l~ m
suma, concordamo~ com a posição de BakhtmNoloshino\ exposla
nestes termos:
A língu:i "ivc e C\olui historicamt•nte na comunicação ~wbal concreta. 11Cio no si~te­
ma lmgiii~tico abstrato da~ fonna\ da língua nem 110 psiqumno individual do:; falan-
tes (\l&:FdaL, p. l IO).

Os autores negam, pois. que a parole ((ala, enunciado), lal corno defini-
da por Saussure, seja um ato indi\ idual: ela é sempre um ato social. Do con-
trário, sequer sena compreenSl\d
Aspecto importante nesse contexto teórico é a noção de dialog1smo como
princípio fun<laclor da linguagem: toda linguagem é dia lógica. ou sei a. todo
enunciado é sempre um emmciuclo de alguém para alguém. Se assim não fosse,
seria como uma ponle sem 11m elos lados para sttslenlação, o que a levaria à
sua derrocada Daí a noção de gênero como enunciado responsi,-o "relativa-
mente estável", o que está dt. acordo com a idéia ele linguagem como atl\i<lade
inlerativa e não como forma ou <;Ístema

Partilho aqui das po~ições clc Carlos Alberto Farnco em cstuclo recenlc,
onde sugere que o estudo da inlcmçãoz na linguagem é essencial para se en-
tender não apenas o funcionamento da linguagem, ma~ também o surgimento
da própria sub1ch\tdade. É assim que se poderia afirmar, com \ kad, que a
construção elo sujeito se dana como e feito da 111lcração. Sem o h1, sem o
outro, não se leria a noção do eu. füta é também a posição de Vygotskv, para

2. Refiro-me :10 tC\to lntemção e lmg11ai;em · hafanço e pcrspecti1<1" .1presenta<lo como tonfcrêncin
<le encerramento tio Congresso lntern.1tion:il Lin~1agcm e lntcraçJn, realuado na Unisino> (SJo
Leopoldo - RS dl.' 22 a 25 de ago\to dt· 200S
lntroducão geral

qm:m primeiro temos as reprewmtaçõe.~ coletivas que depois se tomam repre-


sc11icJções mdinduais. \eja-sc 1~to nas palavras de f•araco:
O que merece especial de~taquc cm \1ead é a sua coucepç<ío da linguagem não
corno estrutura, mas como açno aç)o inter-subjetiva que, como tal, se mtemaliza
e H: torna ac;ão intra-subjetiva. Proces~o semelhante defenderá VvgohJ...~ para funda-
mwtar ma teoria da cognição humana, isto é, a cogrnção \ 1sta co1110 uma atividade
que st· dJ primeiro na intcrnc;üo e(: intcmalizada, trazendo para o 111tcrior o mo\i-
mcnto do c:-.tcrior.

Com isto. tanto Bakhtin c:omo \'~ gotsl}. Mcad e os ctnomctodólogos.


pc r cammhos e ,·isões muito dj\crsos entre si, retiram J rcfle\iio sobre a língua
do carnpo da cslrutura parn situá-la no campo do discimo cm seu conte:-.to
socio111lcrativo. O fato de haver representações colcfiq1s permite que possa-
mo~ agir sem ter que negociar o lc111po lodo e possfüilila a interaçiio dando às
m s\<1) 1dé1as um ar de "já visto", tal como postula a noção de 1nt1.:rlcxtualiclade
e J 1lras. Neste caso, o enunciado se torna a unidade coT1crela e real da ativida-
de conmnicati\·a entre O\ indi,ícluo~ situados em contc:\tos sociais sempre reais.
Esta é a hipótese sociomtcrativa que pretendemos endossar nestas amílises e
que dl'\<.: seT\ ir como pano de fundo geral.

l~to se reflete em pelo menos quatro pontos centrai~:

(a) na noção de linguagem como atividade social e i11lernliva;


( b) na l'isao de texto co1110 unidade de sentido ou unidade de interação;
(e) na noção de compree11scio como ritiviclacle de rnmlrução de sentido
na relação de um cu e um tu situados e mediados e
(d l na noção de gênero le.\lual como forma de êlÇâo ~ocial e não como
entidade lingüística formalmente constituída.

\propriando-me de uma passagem do citado trabalho de Faraco, alerto


pa a QI, perigos que essa visão comporta. Assim como não se pode submergu
mm determinismo inlemcJlisla, a lcnlação du visão estrntural e formal, tam-
bé;11 não se de\'e submergir no deten11111ismo extenwlislc1 <lo socío1ntcracionismo.
:-\ pmd~ncia nesse:. casos dc\'e ser preservada. Veram-sc estes a~pcclos nas pa-
bHas de Faraco (2005 )·

'\c ....,c ~cnltdo, parece que na árcJ njo podemos fugir do axioma de que o inter-
'11h1cti\'o se toma intr,Hubjeli\o, 1~to é. ele que o rno,irnento c:-.kmo \C toma mo,·i-
mcnlo interno A quc\tJo cruóal é 'aber c:omo se dá e5Se procew1. Soluc;õcs integral-
111c11tt <lelcm1inistas niio nos \;tfüÍ:11<~111. Parece que todos nós, 111tcmcionistas, que-
remo~ compreender a subjetividade t·omo emergindo do social, queremos compreen-
1

' Luiz Antônio Marcuschi 1 Pred•(io fHtulll, análise de gêtleros • compreensão

der a interação como condicionada por vário~ fatores, mas. JO mesmo tempo. não
queremo~ perder nemª' r,1ngularidades da subjeti,·idade. nem o nO\'O, o inusitado,
o imprcvisí,cl, o inesperado dos eventos de interaçJo. Ou seja, nem o primado do
indivíduo, nem o dctcnninmno absoluto da estrutura.
George Mea<l, por exemplo, ten tou fundan1entm esl<: não-determinismo por meio
de duas grandes coordenadas Primeiro. assumindo qt1c o \Ocial nunca é um dado
homogêneo, mas sempre heterogêneo. O social conlém uma multiplicidade daqui-
lo que ele chama de "outros generalizados" <.que pcxlcriamo\ entender como con-
11mtos de ações, rcprc~cntaçõc.,, \.alores e atitude, que circubm numa detenninada
sociedade: ou o conjunto cio, pré-coru.truídos sócio-hislórico,}.
Desse modo, nenhum \11jcilo fica confinado nos limite' de um 1inico outro genera-
lizado, mas emerge de relações si 1mtltâneas ou comeeuli\as com\ <irios outros gene-
ralizados, muitos deles opo,to~ entre si, contraditórios, conflitivos. Essa realidade
sempre hetcrogêncLI e c:hcm de contradições gera <lc~cquilfbrios e Lensõcs que
inviabilizam qualquer fechamento determini~ta mecânico dos procc~sos
íntcracionais e de seus efeitos.
Por outro lado. o caráter dmâmit:o (ati\O e não-mc..dni<:o) do mundo interior tam-
bém rc~tringe o determini~mo, n.i medida em que. a partir da contmua polarização
entre o "me" e o ..eu" (nos termos <le \1eadJ, geram-~l· rc\postas :.mgulares e nJo
totalmente pre\ iSl\eis
Em suma, a helerogcnc1dadc e J conlraclição ~ão os motores da relação ex-terno/
interno e ela dinâ1111ca do í11lcmo.

Este alerta é fundamcnlal, pois a linguagem não é estrutura apenas, mas


não é também um simples fru to de detenninismos c"krnos. A linguagem é
vtsln. pelos interacionistas, sobretudo como fom1a de ação e, neste caso. deve
ser analisada como atindaclc e não como estmh1ra. segundo obseIYa 1'araco.
t-. las. afirma o mesmo autor, "permanece entre nós o problema de como com-
lrrnr uma teoria que equacione estrutura e ali\ idade; 4ue case adequadamen-
te, por exemplo, scnlcnc,a e enunciado ou sentença/enunet.iclo/enunciação".
Essa é a missão à qual 110) clcd1caremos aqw com a análise dos três grandes
tópicos: lexto, gênero, compreensão.

Em consonância com e~sas po:.ições, a proposta cc11lral deste curso é mos-


trar que todo o ~o e funcionamento significativo da linguêlgem se dá em textos e
discursos produzidos e recebidos cm situações enunciativas ligada<; a domínio~
discur.;i,·os da ,;da colldiana e rcali1.ados cm gênero' que circulam na socieda-
de. Para atingir esse objetivo, são fomecidos elemento!> teóricos e práticos sobre
a noção de texto e chscu~o. critérios de te.xh1alização e processos de produção
lexlual. Além disso, será estudada a cliYersidacle textual na fa la e na escrita e a
vMiedadc de gêneros, bem como os processos ele co111prccnsào.
lntrodu~ão geral

Tendo cm vista o interesse aplicativo e o alto potencial prático que essas


a nálises comportam, será dada, ao longo do curso, atenção especial aos
Parametros Curriculares Nacio11a111 (PCNs) nos momentos específicos de tra-
tar a língua, o texto, os gêneros e a fOmpreensão textual.

A idéia nuclear aqui desenvolvida é simples e pode ser assim e:\-pressa:


11ào existe um uso significativo da /(ngua fora das inter-relações pessoais e so-
ciais situadas. Daí a linha geral do e.urso na perspecti' a sociointcrncionista já
fri sada acima. Isto quer dizer que todo uso autêntico da língua é feito em
textos prodll7idos por sujeitos históncO!> e sociais de carne e osso, que mantêm
algum tipo de relação entre si e \isam a algum objetirn comum.

ITojc e:-.istem. no Brasil, muitas reflexões sobre esses lemas, contudo. es-
1s reflexões andam longe de serem consensuais e apresentam muitas diver-
5ê11cias. Parece saudável tomar consciência desse fato e desenvolver reflexões
1uc contribuam para uma melhor análise do tema sem a pretensão de esgotá-
º nem de resolver o problema. O que se oferece aqui é uma teoria geral para
a análi~e mtegrada de tais questões.

Ao finalizar esta bre\c introdução. gostaria de chamar a atenção para um


fato importante: considerando a imensa complexidade dos folore~ inlenenientes
nos objetos aqui trabalhados, não é possível fazer observações nem anál ises da
lingungcm sem incorrer cm algum Lipo de imprecisão conceitua i. Este é o
preço que se paga para não incorrer cm rcducionismo~ do fenômeno tratado.
·\ss1rn, o nosso ponto de vista será de tal modo construído a ponto de permitir
1rna nsão multifacetada do funcionamento da linguagem dentro ele um
paradigma elástico que e\lta olhares redutores e preconcebidos.
luiz Antônio Marcuschl 1 Prochlfão textval, análise de gueros • co111preeni.ão

A. A constru,ão do obieto dos estudos lingüísticos


no século XX
\
sta bre,·e introdução geral não busca suprir um capítulo de
ustória da lmgiiística, mas simplesmente introdui.Jr o núcleo
epistemológico que conduziu a lingüística até este momento,
cm particular 110 século XX. Como se sabe, a lingüística leve
início há mais ele 2. 500 anos, na Índia. com Panini. Na ob-
servação do lingi11sla francês George ~l ounin,

É na Índia antigJ que ~e encontra a pro\·á\el primeira rcílexão maniÍC.'>la lc\Jda a


cabo por homens ~obre a sua linguagem; e, sobretudo, a primeira descrição duma
língua, co1110 u11. E é espantosa a extraordinária qualidade logo alcançada por cs&a
estréia no labor descritivo li11giiíslico (Mounin. 1970. p 65) 1•

Mas Pan111i tinha intenções religiosas e não científicas ao reali1ar seu traba-
lho. Aliás, as moti\'ações religiosa~ e políticas sempre foram a~ que mais lllO\e-
ram os estudos l111gfü;ticos ao longo de toda a história até o século XX Contu-
do, mesmo Chomsky reverencia a obra gigantcscél cio lingüista indiano, que
soube desenvolver uma análise morfossintática rcfin:.ida n a relação com a
fonologia Pela mesma época de Pauini, na Grécia Antiga, iniciavam-se os estu-
dos da linguagem que influenc1anam todas as gramáticas posteriores até no<;~<;
dias: é a tradição greco-romana. Entre estes estão Platão e Aristótele~. Ali são
postas as bases filosóficas da tcm1i11ologia e os primeiros problemas lingüísticos
que foram, sobretudo, de ordem semântica e filosófica e não fo rmal e morfológica.
A idéia da arbitrariedade do signo e de seu caráter representacional vem de
Platão e Aristóteles, que levantaram os pilares da semântica e da sintaxe'. De
então para cá, os estudos avolumaram-se e chegaram ao século XIX com uma
rica bagagem, especialmente na linha filológica, histórica e comparatista.

Assim, no século ÃlX, a lingüística desenvolvia-se como lingüística históri-


ca, com grande empenho dos ncogramáticos e dm comparatistas, que busca-
vam as leis gerais que subjaziam a todas as línguas'. Eles legaram ao século XX

1. George \1oun111 19-0). /frçtórw da l111gimhca: das or1gl!m ao ~cu/o XX Porto Oc~pertar
Z. Os romuno> e os medievais. de 11h111cir,1 geral. contribuiram mais para a rcílexi'io íilosúfica do
que para a inve,tig,1çJo lingüística ~tricio SCll$11. 1\lém disso. de\ e-se t·omiderar quc os 1·0111u11os 111Ji'
contribuíram parn tr.1mm1Lir do que inO\<lr o rcílcsào sobre a li11guai;cm.
3. D1s'o surf;tr.1m. por exemplo. a;, f:unosas Leis de- Gnmm C]llC' ohçervavam ª' >imtlMidddes
fonéticas da> hngi1as i11do-curopéias, cm p.1rtic11lar o sâmc:nlo, o grego e o latim.
Preliminares 1 Breve observacão sobre a lingu1stica no século XX

um ar..cnal <le conhecimentos e algumas po5turas teónca~ que -;enam mcorpo-


ra<las por Saussure4 • Entre estas posições estão fundamentalmente as seguintes:

• A língua é uma i11stitwção social e niío um organismo natural.


• A língua é uma totalidade brgcmi:wda.
• A língua é um sistema a11tô11omo de significação.
• A
língua pode ser ei.tudada em si e por si mesma.
• língua é um sistema de signos arbitrários
A
• A língua é uma realidade com lustóría.

Certamente, este conjunto de prmcípios levou Saussure a estabelecer


::dgumas de suas dicotornta/, que, como se \'ê. situam-se nessa ht:rança que ele
recolhe nos neogramáticos. Daí surgiu a lingüística como ciência autônoma,
~eparando-sc dos estudos históricos, da psicologia, da filologia e literatura,
,ircas nas quais se achava inlcgrado o estudo das línguas.

Essa tendência linha uma long<1 e frutífera tradição que irá perdurar até os
ano-; 30 do século XX. juntamente com a no\'a \'isão estruturalista surgida no
primeiro quartel do século XX Sau~ure deu origem à chamada lingúÍstica cien-
tífica, que ficou conhecida a partir ele seu Curso de lingúística geral desem·olvi-
<lo entre 1911-1913 e publicado pmtumamente em 1916 por \cus alunos. in-
guém mais duvida hoje qne o projeto saussuriano, mesmo na vcr~ão positivista
lcgad.i pelos seus alunos\ inaugura um 11ovo modo de faz.er linguíi.bca cm rcla-
<;ão ao comparatismo e ao historicismo 4ue o precederam, interrompendo uma
parle importante da caminhada que dura,·a desde o século XVll. Particularmen-
te relevante é a sócio-semiótica proposta por Sal15Surc c que de' erá ter extrema
rcle,ânc1a cm todos os estudos lingüísbcos postenores.

O mestre genebrino concebia a língua como um fenômeno social, mas


anal isa,·a-a como um código e um sistema de signos. A dar créd ito aos
ensi namentos contidos no Curso, interessavam-lhe apenas o sistema e a forma
e não o aspecto de sua realização na fa la ou no seu funcionamento em texios.
\ visão samsuriana de língua se duva a partir do sistema num recorte sincrônico

4. :\ C'!i)e rõpe1to ef Cario, \hcrto Eir;iw 1:!004). Esludo, pré-~aussurian<r.>. ln: ;\una Christina
Rente, & Fernanda !\lmsalnn org.. lntrvduçilu iJ lingüí~tica. \'oi. Ili. Fi111d<11111mlo~ epr~lemológícos.
~.lo Paulo: Corta pp :!--:;z.
5. \'oito a fmar que um.1 rc\ i~u <lc Sau-.;urC' tom maior detJlltc <lo que Jj ~ fc:t Jté aqUJ poderá
mmtmr 41tC' há mal> cquhoco> do 4ut w 1111ai;1na neS\a que;tão. C' talH:t o pr6pno Bakhtm tenha sido
\ih ma <lt?>'OI annadilha dos di<npulo\ dt S.11i\MtrC', l•Í <JUC na época <lc Baklttiu uao hJ\ tJ ~reflexões
q11t lw1c se fo~c.:111 d c:.sc rcspc1to. Port.111lo, i: born relativizar algumn~ d.1\ oh~crvações aqui ícitas.
luiz Antônio Marcuschi 1 Producão textual, analise de genl'ros I! cornpreensao

e com base na!> unidades abai'.\o do nível da frase (fonema, morfema, le.,cma).
Ní-'ío havia atc11çiio para o uso. (Obs.: estes aspectos estão sendo ho1c total-
mente re\ i~los com as 110\as dc!>coberlas de manuscritos de Sau~!>ure publica-
dos ao longo da í1ltima década do século,XÀ.J
Não se ele, e ignorar. no entanto, que Sau~l>urc não fechou a~ portas
para a análise do uso. da enunciação ou do le'.\to, nem mesmo ignorou o
sentido, mas essas não parecem ser suas preocupações cenlr::us 110 Curso.
Novas descobertas de textos inGdi tos de Saussure1' dão conta de que ele li-
nha uma ''são muito mais ligada à análise da língu.1 em uso do qut ~e deu a
entender. \'ária\ \Czcs Saussurc (200+ b6-'>7, zr. nesses no\os textos,
lembra que a linguagem é dm:uno.
Vale a pena considerar aq11i 11m item importante dessa nova publicação
de Saus:;ure (200+), a fim de ler clara a posição daquele lingüista qmmto à
natureza do ob1cto dos estudo:. lingi.iíslico:i. Com efeito. Saussurc defendia
que não hcí ohietos naturais na língua e sim Lodo~ são fruto de um particular
ponto de \J!>ta. l<.ssa ,;são saussunana é fundadora e cs~cncial para se compre-
ender como os objetos de no:.~o e:itudo são comtituidm. Vejamos alentamen-
te este aspecto cm sua forma original nesta in:>trullva passagem do St111ssure
recentemente redescoberto:

[[Não há objeto lingüístico antes do ponto de vista)]- - - - i

2h Posição das identidades _. . . 1


Não se tem razão ao dizer: um fato de linguagem precisa ser considerado de vários pontos de
vista; nem mesmo ao dizer: esse fato de linguagem será, realmente. duas coisas diferentes,
confonne o ponto de vista Porque se começa supondo que o fato de linguagem é dado fora do
ponto de vista Épreciso dizer: primordialmente, existem pontos de vista; senão. é simplesmente
impossível perceber um fato de linguagem.
A identidade que começamos a estabelecer. ora em nome de uma consideração ora em nome
de outra. entre dois tennos, eles mesmos de natureza variável. é absolutamente o único fato
primeiro, o único fato simples de onde parte a investigação lingüística.

2c Natureza do objeto em lingüística


Será que a lingülstica encontra diante de si, como objeto primeiro e imediato. 1JTI objeto dado. llTl
co'*'1to de coisas evidertes. como é o caso da físir.a, da química da bocânica. da astrooomia. etc.?

6. Rcfiro-1111: .1q ui cm parlic:ular :io livro recentemente publicn<lo crn português Fcrdm;ind de
S:1msure 12004). E~crito.1 de lingüMke1 i;ewl Organiza<lm e cd1t.1clo~ por Simon Bou4uct e Ruclolf
Lni:lcr. com a colahoraç'lo dt .\ntomcttc \\ctl S~o Paulo: Editora Cullrí\. td. or Écnl~ de /111i;1m/1que
générale. ParÍ\: C:;1llí111ard. 2002 .
lob Antônio Marcusdli 1 Procl•4io teahnd, análise de genros e compreensão

uma teoria mínima que o delimite e o conceba. Por oulro lado, não se pode
considerar que os significantes existam sem que haja 11ma combi11açl10, con-
venção ou algo similar por parle do:, falantes de 11ma língua. Todo o problema
está no ponto de \'ista que adotamo:, ~ara estabelecer esses fenômenos, como
construímo!> a:, relações entre os indi\'íduos, o peso que damos a essas relações
e como concebemos o papel da língua neste processo. Seguramente. Saussurc
procedeu por algumas reduções muito sérias cm seu recorte sincrônico e sua
visão si!>temálica, seguindo caminhos que impediram um trato ela 1íng11a na
ob!>ervação primordial de sua característica discursi\'a e social.

Em conseqüência, nos estudo<> lingüístico!> de marca saussuriana, o pro1eto


que predominou na tradição do Curso sufocou scnsi\·clmente o sujeito, a socie-
dade, a história, a cognição e o fnncionamento discursivo da língua-. a fim de
obter um objeto asséptico e conlrol.ido criado pelo ''j)onto de vista" sincrón ico
e fom1al. Esle drástico reducíoní~mo na visada talvcl' não lenha estado na inlcn-
ção da proposta saussmiana como se tenta hoje demonstrar na revisão que dele
\em sendo feita (cf. Bouquct, 1997)~. mas foi um de seus resultado<; notá\'e1s.
Malgré cela, cm Saussure já estão prenunciados muitos dos desmembramentos
da lingüfalica, para além da aplicação do cânon aristotélico no fa1.cr científico.

O quadro epistemológico saussuriano vigorou para além de rneados do


século XX'1, inclusive na América do :'\orte. onde paralelamente se instalara a
perspectiva bloomfieldiana, s11111lc1r à de Saussure, mas filosoficamente menos
elaborada. Pois é de ressaltar a qualidade da rcflc,ão filosófica cm Saussure. o
que não ocorria em Leonard Bloomficld (1887-19-+9), um behaviomt<1 dcs-
prclensioso sob o ponto de vista epislemológico. Mc~mo a contragosto do
autor, as proposlas saussurianas e suas derivadas culminaram num estruturalis-
mo formal que levou a ignorar uma série de aspectos hoje consíderados cen-
trais na imestigação lingüística Em especia l. ignorou-se quase ludo o que
estava ligado ;, :,cmântica, à pragmática e historicidade.

7 ·\incb n,1 tcnt:itha clc fazer 1mtiça a Sau,sure. lembro t111~ '"' mc,m.i obra u,1 <.!uai cxtr.1í o
trecho acimJ, comtJ esta p~gem surprccn<lcntc· 'Todas ru mocli{icuçocs, sei<1m fonétu:a~. çc1am grama-
t1ca1s (unalógica' , '<' faztm exclum amcnto! 110 di<cursn-o \'ao hd nenhum momento cm que o ~ujeito
rubmeta a uma rni•Jo o tesouro mental da fmgua que ele tem t'111 si, e crÍl". dl! esflÍrito dcsc.m.,,1d11. (omras
nm·as [ .. ] que l!fe 't proponhu tprometa) 'colocar' em se11 pr6x1mo d1M:Urso. 1ocla inornçJo cheg..i de
improlif;(), ao fcJlar, e ~nelra. dai. no tesouro wt11110 do ouvinte ou no do orador, mas se pmdu~. porta11lo.
a propósito de umu /111g11agem d1scmi,11•t1" \ S.m~surc. 2004: S6-ll7).
8. Simon l3ou<1uct ( 199i) lntroduçdo d leitura de Sausmre. Sfo Paulo. Cultrix
<) i\md~ hoje:. e não só no Bra'il, a 1na1oria dos cshH.lm de lingüística se inici.1 com J leitura
\i~temáhca da \Ul~Jla \Ju~uriana 8,1,t.1 a 11ali~11 a bibliografia c'rstcnle e se verii que o Cur.~o de
lingú4tica !!,CT<ll do lmg1ii,la genebrino figura lj qua'e que obng.1ton.1mcntc.
Preliminares 1 Breve observa4ão sobre a lingüística no século li

Assim, constata-se que a base epistemológica da lingüística dita científica


do século XX foi uma adesão significativa ao modelo aristotél ico-galileiano de
... iência com tendências positivi5tas. Esse modelo esvaziou-se no final do sécu-
10 XX, deixando muitas perplexidades nas ciências humanas. Ao que tudo indi-

... a, uma das tristes heranças do século XX fo i a insuficiência ex'Plicativa e o


re<lucionismo decorrente do projeto fom1alista. Depositou-se na visão formal
da língua uma expectativa exagerada gue não deu os resullados esperados
oela limitação e reificação do objeto construído para análise. Hoje, percebe-
'e que, ao invés da linguagem e seu funcionamento, a proposta formalista
analisou um simulacro. Não se trata de recusar a forma e dar um privilégio à
função, à ação, ao social e ao histórico, mas de harmonizá-los 10•

B. As dicotomias fundacionais:
langue e parole; tompelêntia e desempenho
O final do século XIX é marcado por intensas análises da natureza ela ciên-
cia e pelo debate sobre os fundamen tos epistemológicos da investigação cientí-
fica. Reativava-se a discussão a respeito do objeto científico c tentava-se resolver
a tensão entre o particular e o universal, decidindo que a ciência não podia ser
do particular e sim do universal. isto desencadeou a já lembrada postura formal ista
por um lado, mas instaurou uma perspectiva empirista por outro. Instaurava-se
o mundo extramental como o grande "tribunal da experiência", por um lado, e
a visão fonnal com a imposição de um a priori. por outro lado. E todo o século
XX viveu da tensão entre estes dois pólos: o forma l e o empírico.

É inserido nesse quadro histórico de seu tempo que Saussure (tributário,


corno vimos, de achados cios neogramáticos e cornparatistas) instaura uma
série ele dicotomias para definir o objeto da lingüística, sendo urna delas
fundante e decisiva , isto é, a distinção entre tangue e parole. A parole era a
\ÍSão ela língua no plano das realizações individuais de caráter não-social e de

1O. Am que se interessam por urna aTiálise cios caminhos e descaminhos do século XX e "as críscs
das ciências'', com a derrocada da epistemoloi:;fo clássica. bem como com a entrada da filosofia da
ciência. aconselho a leitura do livro de Boa\·entura d e So11z.a Santos (2003) Introduçao a uma ciência
pós-moderna. 4' ed. Rio de ja11eiro: Graal. Jmportantc para nós é o que defende o autor ao ensi11ar (p.
~O): "Deve-se suspeitar de uma epi>lemología que recusa a reílexão ~obre as condições sociais de
produção e de distribu ição (as conseqüênc i,ilS sociais} do con hecimento cientrfico". A ciência não pode
~er vista como uma "prática para si". poi:; isso J confi naria num uniyerso <.JUt! anularia ··a dimensão
pr:igmática da reílcxão epistemológica··.
luiz Antônio Mar<uschi 1 Producão tutuol, analise de generos e co,.preensa o

difícil estudo sistemático por i.ua dispersão e variação, e a langue era a ' isão da
língua no plano i.ociaJ, comencional e do sistema autônomo. De igual modo
procedeu Chomsk) ao distinguir entre competência e desempenho, em que o
primeiro era o plano universal, ideal ~ próprio da espécie humana (inato),
sendo o segundo o plano inclivid1ia l, particularfstico e C'<tcriorizado, não sen-
do este de interesse para os estudos cienüficos da língua. Para Chomsky. o
objeto da ciência só poderia ser a competência, assim como a langue para
Saussure. Existe, no entanto, uma diferença fundamental cntTe Saussure e
Chomsky, pois enquanto para Samsure a linguagem é uma instituição social
e co1wcnção social. parn Chomsk) a linguagem é uma faculdade menta]
inata e geneticamente transmitida pela espécie. Central, em ambos, são a
forma, o sistema, a abstração e o universal como objclo da ciência controla-
da. Aqui, a língua enquanto atividade social e históricn, bem como a produ-
ção e a compreensão lcxlual e as atividades discursivas ficam em segundo
plano, mas não são negadas. 1'.ssc- aspecto cleH: ser sempre enfatizado: nem
Saussure, nem Chomsk) negam que as línguas tenham seu lado social e
histórico, mas estes não são, para eles. o objeto específico do estudo cientí-

• fico. Em Saussure, a un1Ch1dc ele análise ,·ai até o item lc:-;ical ou o sintagma,
e em Chomsl·y ela chega à frase.

Outro aspecto importante é o fato de Saussure não negar a existência do


s11jcito, mas ele não se ocupa do sujeito ne111 tem uma reflexão específica
sobre ele. Na realidade, o sujeito saussuriano não é 11m indivíduo voluntarista,
pois este é o sujeito du puro/e, o sujeito saussuriano é um sujeito formal e em
certo sentido "assuje1tado", social, mas este aspecto não interessa muito a
Saussure. Em Chomsk), o s11jc1to é uma entidade mental, a-histórica e associa]
pela qual ele não tem grande interesse.
O c~tmturalismo s,lltssuriano ,-oitava-se para a análi~e do sistema da lín-
gua como um conjunto de rcgtilaridades que subjat.cm u língua enquanto
interioridade e forma, sendo que a variação ficava por conta das realizações
individuais. Saussure não nega que as língua~ variam, mas a língua, sob o
aspecto da variação, não é o ob1cto científico como tal. A forma era o resíduo
está\'el da com·ençào social, e o discurso era o plano ela fala indi\idual que
poderia \'ariar enormemente e não poderia ser o objeto de uma análise con-
trolada fata posição de Saussurc teve grande influl:nda. mas não foi a única
\isão de lingüística na primem~ metade do '>éculo, pois o século XÀ é
multifacetado, sobretudo na liegunda metade. embora se \crifique uma certa
polarização em torno do projeto saussuriano, ~e é possível falar assim.
Preliminares 1 Breve oltser11a,ão sobre a lingüística no século IX

Outras dicotomias 1111portantcs da lingüística do ~écu lo XX foram estas


- sincronia - diacronia
- significante - significado
- sentido q::ferêncía
- conotação - dcnolação
- sintagmático - paradigmático
- literal - figurado
- social - indi\i<lual

luitas destas dicotomias e outras ainda são utilizadas nos estudos lingüísticos
sem o menor problema, cm especial os de caráter forma] ou cstrnhiral.

e. o surgimento das perspectivas funcionalistas


Outras vertentes bastante mflucntcs ao longo do século XX foram os hoje
dLnommados funcionalistas 1 representados particularmente pela Escola de
P~aga com !\ ikolaí Trubettko) ( 1890-1938); Roman Jakobson 1896-1982).
~ e conhecido particulanncnlc pela ~ua teoria das funções da linguagem, de
grande influência; a Escola de Copenlwgue com Louis ll jclmslc\. (1899-1965)
1-iem como a Escola de Londres com John Firth (1890-1960), a quem se deve
a -.istematização da noção de contexto de situação cunhada por f\1a línowski.
oclos estes e vários outros lingüistas europeus dessa época levaram adianle
proietm e estudos lingüísticos que não foram estritamente forma is e estruh1-
rJb no sentido saussuriano. tendo grande atenção para os aspectos fun cionais,
situacionais e contextuais ou comunicacionais no uso da lmgua. não se con-
cwtrando apenas no sistema. Deram origem às várias vertente~ da lingüística
de texto e dos diversos funcio11ali!>rnos.

Veja-se o caso de Michael/\. K. Halliday ('"1925-... ), que segue a posição


de Firth, mas amplia suas linhas de observação para o plano do texto na rela-
ção com o contexto, desenvolvendo reflexões sistemáticas a respeito do funcio-
namento do sistema na sua rclaçiio com o contell.to situacional. Surge daí a
infl uente posição a partir dos anos 1970, denominada "gra mcíl1ca sistêmico-

11. Parltculannente intere~>Jntc~ a e~>e re>pe1to ~ão os e~tudo> de: Rodolfo llari 12004 ). O
,truturali,1110 lmguhtico alguns c.11n111hm (pp. H-92\ ~de Eroblde Goreth Peratt1 (2004) O &mcio-
.i]i,1110 e111 lingüfatica (pp. 165-218), a111hm ili \nna Christina Bcnk·~ &: Fu11and.1 Mm,alun (orgs)
lritmd11çdo à /111garst1ca. Vol 111 ru11dc1111e11I<>~ ep1stcmo/6g1cos Siio P.rnlo Cortei
luiz Antônio Mar<uschi 1 Produ1ão textual, analise de gé ne ros e 1ompreensao

funcional", que propõe um funcionalismo baseado em formas regulares rela-


cionando contex1:o social e forma lingüística com base nas funções da lingua-
gem e na sua real ização nos mais variados registros e gêneros textuais. Halliday
renova a reflexão jakobsoniana sobre as ~nções da linguagem e as reduz a três
funções apenas: ideacional, interpessoal e textual.

Por outro lado, o estruturalismo americano distinguiu-se do europeu e teve


uma maior variedade de direções. Uma tradição forte ali foi o casamento da
lingüística com a antropologia desde Franz Boas (1858-1942), passando por
seu aluno notável, Edward Sapir (1884-1939), e o discípulo deste último, Ben-
jamin Lee Whorf (1897-1941 ), que juntos deram uma orientação mais antropo-
lógica à lingüíslica com temas que iam além da descrição formal da língua,
gerando a famosa "hipótese Sapir-Whorf', con hecida como o relativismo
lingüístico, enquanto tentativa de demonstrar a relação entre linguagem e pen-
samento na perspectiva das representações sociais ligadas às línguas e etnias,
visão que se filiava a Wilhelm von Humboldt ( 1767-1835) 12• Dessas vertentes
derivam a antropologia lingüística, a etnografia da fala, a etnomctodologia, a
sociolingüística e outras linhas, ta] como a análise da conversação.

Ao lado dessas tendências, vigorou na análise lingüística, Je forma bastan-


te soberana Leonard Bloomfiekl (1887-1949), cuja obra Language (1933) teria
muita influência entre os lingüistas cstruturalistas até a chegada de Chomsky no
final dos anos 1950. Bloomfield passava ao largo dos fenômenos cognitivos e
postulava o que se chamou de behaviorismo que seria superado logo após os
anos 1960. Uma das características da lingüística bloomfieldiana foi sua pouca
atenção para os fenômenos semânticos da língua e sua tentativa de produzir um
sistema de análise notadamente dedutivista fundado nas formas, mas com aten-
ção para os dados, sendo neste caso também um descrilivista.

D. A derrocada do behaviorismo e o
surgimento dos cognitivismos
Segundo observa Monika Schwartz ( 1992: 11 ), citando Knapp, pode-
mos dizer que o século XX divide-se em duas metades muito nítidas quanto à
'lingüística oficial':

12. Para Humboldt, a linguagem era o diferencial básico entre os seres humanos e todos os
demais seres.
Preliminares 1 Breve obscrva~ão sobre a lingüística no século XX

(a) até o final dos anos 1950, dominaram o behaviorismo e o empirismo;


(b) a partir dos anos 1960 foi se acentuando cada ve7. mais o domínio
do cognitivismo.
Assim, a partir dos anos 1960, a cena lingüística internacional passa a ser
minada pelo gerativismo americano de oam Chomsk')' (* 1928-... ). Dele
prm·ém grande parte dos estímulos da lingüística ah.ia! em muitas direções e
entre elas a agenda cognitiva, como notado pelo próprio autor ( 1994: 58) 13 .
Segundo Chomsky ( 1994: 23), com a gramática gerativa, "o objeto de investi-
~ação deixou de ser o comportamento lingüístico ou os produtos deste com-
p rtamento para passar a ser os estados da mente/cérebro que fazem parte de
tal comportamento". A linguagem passa a ser concebida como urna faculdade
nental inata instalada no "equipamento biológico'' e não como um fenôme-
f"O social; a lingüística passa a ser concebida como o estudo da língua
ntemalizada e "torna-se parte da psicologia e, em última análise, da biologia"
p. -+6). Com isto, a lingüística deveria ser "incorporada nas ciências naturais"
p. 46), na medida cm que se conseguirem instrumentos abstratos e formais de
•málise desses fenômenos mentais (Chomsky, 1994: 41-54)M.

Nessa perspectiva epistemológica, o que está em jogo em primeira ins-


tância não é a anál ise de línguas nacionais nem suas exteri orizações ou

13. "A mudança de pon to de vista [estruturalista de análise] para uma interpretação menlalista do
estudo da linguagem foi ... J um fator que contribuiu para o dese1wolvimento das ciências cognitivas
contemporâneas. [...] Surgiram muitos problemas novos e desafiadores. ao mesmo tempo que desapare-
ceram inúmeros problemas conhecidos quando considerados nesta perspectiva" (Chomsky, 199-*; 58).
14. Em sua obra de 1986. da qual usamos aqui a tradução de 1994, O conhecimento da lfngutJ,
ua nature;:a. origem e uso. Chomsky nos d5 as definições ainda hoje mais importantes para entender
com clareza seu projeto geral. Para o autor, ..a gramática generativa mudou o foco de atenção do
comportameuto lingüístico real ou potencial e dos produtos desse comportamento para o sistema dt:
conhecimento que sustenta o uso e a con1pree11são da língua e, mais profundamente, para a capacidade
mata que pem1ite aos humru10s atingir tal conhecimento" (p. 43). Asslm, "uma gramática generativa não
é um coniunto de asserções acerca de objectos exteriorizados constnúdos de uma determinada manei-
ra" (p. 43). Para Chomsky, a exterioridade lingüística, os usos e~ línguas naturais não são objetos
interessantes paro a lingüística (p. 45). Contudo. creio que devemos fazer justiça a Chomsky, já que ele
abre portas para o estudo de oulras questõe~ quando lembra que "o estudo da ünguagem e da CU,
conduzido no quadro da psicologia mdiddual, adm1tt! a possibilidade de o estado de conhecimento
atingido poder ele próprio incluir algum tipo de referência à natureza social da língua" (p. 38). O autor
aponta as observaçôes de H. Pulr1am com sua teoria da "divisão do trabalho lingilístico" que mostra
como o trabalho lexical na mciedade é dividido e ruia se pode prescindir de expert.s neste caso. E então
lembra que "outros aspectos sociais da língua podem ser vistos de maneira idêntica - embora com isto
não se pretenda negar a possibilidade ou valor de outros tipos de estudo~ ~obre a lfng11a que incorporem
a estmtura social, bem como a interação social, Contrariamente ao que por ve:z;e$ se pensa, nessa ligação
não surgem conflitos nem qua11to aos princípios, nem na prática" (p. ~8). Observações nesse sentido
podem ser vistas em Marcmchj (2000).
luiz Aatõnio Marcuschl 1 Protlu1ão textual, ambe de giuros • cc>111pre1t1são

vinc.ulaçõc~ com a cultura e a sociedade e sim a mente humana e sem princí-


pios gerais, a faculdade ela linguagem inata e \CU funcionamento como base
para a aquisição de qualquer língua. A lingüística seria a ciência encarregada
da análise desses princípios gerai~ ma.tos e o seu maior desafio é, para Chomsk~.
essencia 1mt: nte este:
O e~tudo da estnitma da língua. tal como é atual111ente praticado, devei ia eventual-
menk dc ...1pareccr como disciplina, à medida que no\'o:. bpos de C\ idência vão
ficando d1~ponhe1~ )6 de\'eria permanecer distinto porque o seu ob1tto é uma
faculdade particular da mente, cm ültima inst.1nc1a o cérebro: o seu c~tado 111ic1al e
o~ váno~ estados de maturação que pode atingir (J 99-+: 55).

O preço pago por Chomsk} para implantar essa perspectiYa foi a elimina-
ção <los estudos ligados à vida social da linguagem, isto é, a pragmática, a
soc1olingüi!.tica. a interação verbal, o discurso etc .. ligados ao uso, func iona-
mento ou desempenho lingiJísllco A descrição cede lugar à intuição. Para
Chomsk}, a fonte de dados não é a produção empírica e sim a introspecção do
analista. Contudo, não se deve ver Chomsky como um teórico fincado num
quadro teórico monolítico e imulá\ el, pois há uma permanente mudança e e\'O-
l11ção cm \Cll modelo teórico''. l\o futuro, tenho certeza que as an1liações mo:.-
trarão que seu estímulo fo1 mais produtivo que o saussuriano. Mesmo para quem
não o segue ou dele &;corda. as reflexões chomskianas são um ponto de partida
obrigatório hoie cm dia e, em certo sentido, a agenda lingllísbca do momento é
bastante ditada pelas linhas mestrn~ do gerah\ ismo. Não 110 sentido de seguir u
teoria, mas de situar e iclentificar os problemas que ali ~e levantam e que o
gerativismo esta incapacitado de resolver ou pelos quais não se intcrcs~.

Assim. alguns temas que nunca foram hem tralaclos voltaram hoje à or-
dem do dia. tais como a questão da origem cla linguagem e a natureza da
mente humana A natureza dos claclos lingfü<>ticos e a necessidade de uma

15. Quanto J õ\e ª'JX'l lu, acon-.clho a leitura do lrnbalho de Jo)é Bori;es l\eto (200-1) O emprc-
C"11J1111enlo gt·r.ili'o ln: \nna ( hri,bna Sente, & fem;111cfa :'\.111c;sahm ori;- lntrodu~·au a lingüi$hca
\oi lll: F1111damento.s eputc:mológ1c°" Sào Paulo Corh:z. pp 93-130 '~~e trabalho. Borges \foto
mo'h'a que o programa gerali\o, <:nado e lidna<lo por Chomsky. é muito m;m umtáno c pcm1Jnenle do
que os geralivisl:ts 1magmilln Dt·,de o~ ano' J950 .ilé ho1c, Chomsky St: mantém fiel oo proi.;ram~ inicial.
c11jo núcleo rnn\lshna ne.Lb afirmações· (.i J ··o~ comportamc11t()!; /i11güf•lic~ rfctn'CX !r111mrn1dus)são. do
m.no.s parcwlmi:ntr. detennmad0> por e<taÚ<~> da mrnt.:lcén:bro .. e (b ~. \ nalul'l.'::a d0> ('tudo. da mmtel
càc:bro p.ir1:1cJlme11te 1YSpon"/h:1.~ pi!lo t-omportaml!l1to ltngíit.s!i(O pode wr captada por (/<lema.1 computacwnah
q11f.' fonna111 e modificam as rrpre~c11te1çôes". para Borges Neto. isso smteh1,1 o pensamento t'homs~1~no
ni:'k$ ciuc.iucnlJ anm .. \cna~·;111 d~ sistcmJ\ rn111putac10na1s <111c sirvam dt· modelo para o conhcc1mento
1111~ ·stico do~ f.il.mte;lom mies de uma lí111;11a~ 'cria a l.ucfa do lmg(11st.1
Preli111in11r«11 1 llreve observa4io sobre a lingüístha no 1é<ulo XI

definição de língua-linguagem. su1eito e sentido. Busca-se hoje a completa


~upcração do behaviorismo e ao mesmo tempo a não-enlrega a um mentalismo
como o de Chomsk). fa·ila-sc a '1siio cstruturalista e a descrição estritamente
fo rmal. Adere-se a visões runcioqais, mas sem uma crença cm determinismos
externos. Neste percurso, o séctilo XX acabou legando uma série <lc perplexi-
dades e a partir delas um conjunto de tarefas mgcntcs para o século XXI.
Chomsh representa um rc<lucio11ismo 'iolento do fcnô111cno lingüístico. Com
a pragmáhca e os nO\·os enfoques, tem-se um deslocamento <.ons1clerá"el do
ponto de 'ista do sistema para a ah\ idade comunicativ<1.

Portanto, os me<1dos do século XX não foram apenas o ponto de partida da


no,·a pcr;pectiva vigorosamente levantada por Chomsk}. mas também o ponto
de maturação do que se convencionou chamar de "virada pragmálica" 1ó. Nessa
per~pectivu analisam-se muito mai~ usos e funcionamentos da língua em silua-
ções concretas sem dedicação à análise formal. É a passagern da análise da
fom1a para a função socíocomunicatin1 e o enquadre soc1oco~n i li"o. Sabemos
que a:. línguas são empregadas no dia-a-cita das mais vanach1s manuras e não de
forma rígida. Os estudos discurs1,os e pragmático~ tentam c~clarcccr como se
dá essa produção de sentido!. relacionados aos usos cfcti,os: o sentido se toma
algo situado, negociado, produzido, fruto de efeitos enunciativos e não algo
prévio, imanente e apenas idcnllficá\'cl como um conteúdo.

A pragm:füca é uma perspectiv;i de estudos que partilha grande número


de relações com várias áreas da lingüística'- e seguramente merecerá ao longo

16. 1 mbora nJo ..eja ª'!ui o lugar ,lc <klallldr e~ quc~tão. C: 1111prnc1nd1,el que pelo menos ~e
fac;J um rC"gi tro lembrando o papel ~~cnci.11 de Lud\\ ig \\'ittgenstcin a partir de füa!> lm'e5't1gações
frlo~óflc11s e John .\ustin com sua obr.1 Quando d1::er i f11;:er. que deram o 11npu),o central a partiT da
filo,ofia analihcd para quC' ~e desenvoh-c~~c .1 pragmática tal qudl a co11l1cccmos hoje cm ~u:u di\ersa~
\ertc11tn . .\lém dc~ses. ,aJe re.>;1lt.11o1r.1balho dC' 11. P. Crice. f JSgica do wm-ersuçcio. que estimulou o
e\lndo 'obre o problema da ~i11:mficaç;io nilo-literal e 111trod111111 o problcm,1 da inkncwn;ilidade na
pr.1~111;1lica, 1a tjllC e~te não er.1 um 11,peclo ~1liente nos modelos w1tlgemtc1n1;1nn~ {; au\limauo~.
17 Acrc<hto que a pragmática é co111patí11el com alguns tipo~ de an.íl1't dt· dJ\t·urso, embora
.1lg1111~ dek11d.11n que <1 pragmálica \CÍJ o "111111ugo número um" da nmfü~e do di,cur~o francesa (ADI'),
tomo o fo1. por exemplo, Sírio Po!.>cnli (2004). leonJ do d1scur;o: um c;1sn <le múlhplas rupturas. ln:
\1111.1 Chmtina Bcntes &. l"crnanda i\lu,!>..1hm (org\ t /11tmduçao à /m~11f~t1ctt \bl. Ili Fundamentos
c(>hlcnwlágicc>s. S:io Paulo: Cortei. pp ~ Sl ~Q2 Contudo, crc10 que J \Pf nju pmk negar a noção de
co11tc\to nem a noção de cogmc;âo e inh:nc1onahtladc. embora não tr.1b.1thc com elas lc11do em \Íst:I a
noç.1o de rnjeito e de língua que tem . O problema da pragmática de 11111 modo gc1JI e que dd ndo lida
com o mcomciente e a psican:ih\c de um modo geral Já a anãfüc do dí\Clll'\O crítie;o1 ( \DC) opera com
.1 maioria dc:s'e' conceito:. por njo ter a idéia de füfc1to as,111c1tado' e 11.10 c'Llr Jtra~ c~da pela
0

P'lt:m.ili,c. Concordo, no enlanto. tom E111 Or1Jnd1 que ;i ,,s.io p-.rnlogu<mte do, c'ludos prngmáh-
t·m mm um >11je1to 111lenc1onal e ..em im:omdente é um prohlemn par.1 O\ c\ludo~ pr~E;lllJhco,. Seja
como for. nJo creio que a~ ma1> dívcr~J> \rl~ que forem propo~la) po11,1111 >c d.ir bem no futuro se não
111corporare111 algum tipo de prngm:it1c.1 e cogmção.
Luiz Antônio Marcuschi 1 Producão textual, analise de gêneros e compreensão

deste século &"XI atenção sistemá tica mais detida do que recebeu no século
passado. É no quadro da pragmática associada a po~tulados de outras áreas
que se mostra que a linguagem não é transparente e que as intenções não são
dados empíricos. Ao lado da pragmábca, apontaria ainda a já lembrada lin-
giiística cognitiva como a linha de trabalho que deverá constituir boa parte da
agenda dos trabalhos lingüísticos do século XXI.

E. As novas lendências_a partir dos anos 1950· 1960


É interessante não esquecer, nesla breve revisão geral da espinha dorsal
do desenvolvimento cb lingüística no século XX, que a partir dos anos 1950-
1960 surgem todas as chamadas "tendências hifenizadas ou genitivas", isto é,
as denominações de caráter eminentemente interdisciplinares do tipo:

• lingüística-de-texto,
• análise-do-discurso,
• análise-da-conversação,
• sócio-l ingüística,
• psico-lingüística ,
• etnografia-da-comunicação,
• etno-metodologia

e assim por diante. Por outro lado, o século XX, cm especial no seu final,
experimentou uma série de novas orientações e perspectivas ligadas aos m·an-
ços tecnológicos, e ho1e enfrentamos o desafio de entender os usos lingüísticos
no ainda desconhecido campo da comurucação digital e nas interações \'ir-
tuais representadas pela internet 1 ~.

Portanto, não obslan lc a impressão da hegemonia de um projeto


forma lista na perspectiva do tripé Saussure, Bloomfield, Chomsky, deve-se
admiti r que a lingüística do século XX foi multifacetada e plural. Teve uma
imensa quantidade de desdobramentos, mas não é concl usiva e lega ao sé-
culo XXI sérias questões não bem analisadas e que merecem aprofundamento.

18. Pessoalmente, <lcfendo. quando a isto, que a internet é muito mais uma remlução social do que
uma rn'Oluçilo lingüística ~sim, como ainda \Cremo~ no trabalho sobre gêneros, a linguagem não e.~tá
1.:111 cri5c nem se modifica d«. maneara !.lo ra<l1cal com o ad\'(·nto da e1rnt;1 inleme hana. Um dos fato~ ma1~
not.:h·e1$ quanto a isso é a ev1dênc1a da w1rioçilo na escrito, fenômeno menos 11shel até este momento.
Preliminares 1 Breve observa,ão sobre a lingü1sti&a no sêculo XI

Como vimos, paralelamente a toda análise forma l da língua, foram sur-


gindo, nos anos 60 do século XX, novas tendências que fugiam à lingüística
hegemônica. Eram linhas de trabalho que buscavam observar a linguagem cm
seus usos efetivos. Tratava-se do qtLÇ se chamou de a guinada pragmática,
motivada em parte pela filosofia analítica da linguagem impulsionada tanto
por Wittgenstein (1889-1951) como por Austin. A partir dos anos 1960, surgi-
ram a pragmática, a sociolingüíst:ica, a psicolingüística, a análise de discurso,
a análise da conversação, á etnolingüística e, neste contexto, também a lin-
güística textual. Assim, não tem mais de +O anos a tradição dos estudos sobre
o texto na lingüística. Hoje persistem muitas tendências, mas a visão
sociocognitiva está de algum modo tomando conta.

Uma breve radiografia dos estudos Lingüísticos mostra desmembramentos


teóricos nítidos no século XX, gue poderíamos caracterizar deste modo:

l. a identificação do objeto da lingüística como sendo as formas repre-


sentadas pelo sistema que se daria como uma abstração, resultando
daí um grande conjunto de dicotomias, a maioria delas ainda hoje
em vigência; aqui construíram-se os grandes modelos de análise e
descrição do fenômeno lingilistico em seus níveis e com suas unida-
des internas; era um trabalho imanente e ligado à estrutura; trata-se
da fortuna do modelo saussuriano;
2. a guinada pragmática1q, num primeiro momento vinda de fora, em
especial da filosofia ela linguagem de natureza analítica (especialmen-
te com Wittgensteín e Austin), oferecendo novos paradigmas de análi-
se da língua como forma de ação, mas sem atingir a lingüística como

19. Embora já tenha feito uma longa nota sobre a pragm6tica, creio que se pode acrescentar mais
alguns detalhes para que não fique 1•<1ga esta n<>ção. De acordo com o D1cionáno de análise do discurso .
de Patrick Charaudeau & Doininique Maiagueneau (2004), em seu verbete< pragmática > (pp. 393-
396), o tenno "pragmáhca' usado COlllO sub:.tantivo designa tanto uma :.11bdisciplma da lingüística como
uma corrente de estudos do cliscur~o como uma concepç.'iio de linguagem. Como adjetivo, na visão de
Morris (1938), seria um dos nil'Cis de funcionamento da lingua ao lado ela sintaxe (relação d<J signos
eutre si) e da semântica (re lação elo signos com o mundo) D iria respeito à relação dos signos com seus
usuários. A rigor. a pragmática é todo o estudo da língua relacionado a fatores contc~iuais e discursivos,
tendo como foco de anáfoe os uso> e não as formas.
20. A sociolingiiística trata da relação entre l mgungcm e realidade ~oc1al. Surgiu nos anos 1950
com Uricl Weinrcich, Charles Ferguson e )oshua ri;hmau, com estudos sobre a diglossia e o contato
lingüístico, entre outro). Com William Labov, lomou corpo o estudo da variação lingliística. Há amda
outras soeiolingüísticas qualitativas, tal como o trabalho de Basil Bernstein e o trabalho dos ~ociolingüista)
Leslie Milroy e )ames Milroy com a .imílise das redes sociais, que no Brasil ti\'eram repercussão nos
estudos de Stella-Maris Borloni-Ricardo. 1 es~~ campo. inserem-se ainda os estudo; da norma e da
língua padrão, tal como vêm sendo estimulado~ entre nós por l\larco) Bagno.
luiz Antônio Mauuschi 1 Producõo textuol, analise de gêneros e compreensão

um todo; introdl17.ia a preocupação com a produção efetirn; te\'e iní-


cio aqui uma discmsão sobre a nature7a da linguagem e se de fato a
perspectiva fonnal dana ou não couta do tratamento da língua como
"forma de ação"; ,
3. a percepção e a identificação da variação socia l da linguagemio, na
perspectiva do variacionismo norte-americano ou na visão sociointera-
ti\'a, trouxe grande qmmtidade de novos elementos e uma real
oxigenação à lingüística com o surgimento da sociolingüística stricto
sensu na tcon.1 da variação e os mais variados estudos sobre norma
lingüística e as investigações mais so fisticada~ ela dialetologia na con-
tinuidade dos estudos do século XIX, tendo cm parte mantido-~c no
contexto dos estudos fonnais;
4. a visão dos estudos da natureza discursiva da língua que se dedica ao
estudo do discurso cm sua visão mais ampla, bem como às condições
enunciati\'aS. Aqui temoll a etnografia da comumcação, a lingüística
de texio, a análise da conversação, a psicolingüística e uma série de
outras perspectivas em que se nota a presença da mtcrdisciplinaridade
e na observação da lmguagem em funcionamento. A análise do dis-
curso em sentido estrito, inicialmen te, manllnha um compromisso
com o estruturalismo na formulação dada por Pêcheux, sendo ainda
alimentada pela teoria lingüística, o marxismo e a psicanálise. Dis-
tinguem-se hoje vári<is análises do discurso (por exemplo: AD crítica
e a AD francesa), mas a mais praticada no momento, no Brasil, é a
de origem francesa ;
5. a afirmação do "compromisso cognitfrfata", nos meados do século.
trazia a preocupação com a natureza da linguagem sob o ponto de
\'isla de seu estatuto cognitivo; a preocupação com a ati\'idade
referencial, o problema da cognição, da ~1gnificação, construção de
categorias, problema dos protótipos, meláforas e todos os demais
temas envolvidos nesta área; fortes influências da investigação
computaciona l (modelo chomskiano), da psicologia cognitiva, do
conexionismo e de outros campos como a neurologia levaram a vá-
rios caminho\ e, hoje, o desafio cognitivo é uma das perplexidade~
da lingüística contemporânea, tendo cm ' ista que se trata de uma
determinação tanto interna como externa da língua e aqui não se
pode mais ser d1cotôm1co, nem forma l ou funcional simplesmente.

É evidente que estes cinco focos são uma forma simpfüta e sumária de
sistematizar e reduzir o grande e rico percurso da lingüística no século passa-
,

Preltmlnares 1 lreve observa,ão sollre a llngüistica na seculo XI

do a um pequeno punhado de aspectos. mas isto mostra uma reno,·ação nos


temas e nas perspectivas de maneira exemplar. Mostra também que, apesar de
tudo, a lingüística no século XX não foi simplesmente estruturalista nem
gerativista, mas muito mais matizada ~ rica em perspectivas.

Percebe-se que o projeto científico da lingillstica no século XX derivou da


forma (estrutura) para a cognição (organi7..ação da mente). Foi de uma imanência
centrada na estrutura da língua ) a outra imanência, desta vez internalista
(centrada nas estruturas mentais). É difícil imaginar algo claro ao dizer que
Chomsk·-y é cognitfrista, pois o tenno cognição neste momento não designa algo
consensual. O melhor seria di?er que Chomsky postula um racionalismo
mcntaltsta, se é que isso caracteriza alguma coisa de modo específico.

Observando estes poucos elementos do lado da lingüística científica, parece


que as rupturas mais significativas sob o ponto de vista epistemológico se dão
quando o trato da língua situa-se cm algum quadro teórico ou visão epistemológica
diferente. Assim, Chomsky é uma ruptura pela sua ênfase no lado biológico e
mental, e as demais vertentes são uma niptura pelas suas ligações com novos
enquadres epistemológicos, como bem lembrou t-..lichel Pêcheux ( 1998) em
elucidativa análise "Sobre a (dcs)con~lrnçãú das teorias lingüíslicas"' .

Cotn a lguns acréscimos, endosso a visão de Eduardo Guimarães


2001: J 22s) para a cena contemporânea da lingüística em suas ruphJras e
:racliçõcs persistentes no embale entre quatro perspectivas:

a) o estruturalismo saussuriano com a visão de língua como fenômeno


social, mas autônomo enquanto objeto de análise,
b) o cognitiYismo naturalista chomskiano para o qual a lingüística se
instaura no interior das ciências naturais com seu caráter b1ologizanle;
e ) a perspectiva interdisciplinar que tenta conciliar o exterior da lingua-
gem (sociedade, história, cultura etc.) com a interioridade;
d ) "posições como a análise de discurso, que põem em cena a questão
de que não se pode reduzir o lingüístico nem ao socia l (antropológi-

2 1 Refiro-me aqui ao trabalho pouco conhecido de .\1ichel Péchc tl\ ( 19991 Sobre a
des rnnstrnção das teorias línguisbcas. Ungua e m«rumentos língüíst1cos. :!1 1m1. pp "-32, Campi·
s Ponte; i\s;im se expressa Pêchnu. nc;~e artigo: ·o fato de que o pró/m111tmeràno da CCT IEnha
poárdo contnburr, na base de um certo encobrimtnto interno da especificidade do~ fato; sintáticos. para
d< loc:ar cada re;: mars o ponto de aplicação da re{le~ào em direção à semdntrca e à ldgrca, depois para a
f:!'<IS::rrrdlica, nilo constitui face a este cormmw senilo pro1·a suplementar: a homrmagcm /orçada, pelo convíYio
mufot<1, à,ç virtudes de um "pensamento aberto ao exterior" (p. 13, gnfos do autor)
luiz Antônio Marcuschl 1 hodtf(ão teztual, arHilise de géneros e co111prH11são

co) nem ao psicológico, pois a linguagem é, ao lado de integralmen-


te lingüística - num certo sentido saussuriano - também integral-
mente histórica" (p. 123).

Rigorosamente, tanto o estruhlral ismo quanto os í11ncionalismos pagam


um alto tributo ao empirismo-, ao passo que os formalismos são reféns de al-
gum tipo de racionalismo, o que lhes dá pouca função prática e muito poder
teórico de caráter explicativo. Nesse sentido, um dos contrastes mais marcantes
entre as teorias de um modo geral será o fato de umas serem mais explicativas
e outras mais descritl\·as; umas quererem aplicabilidade e outras apenas e.xplici-
tude; algumas buscam obser\'ar usos (por exemplo, a pragmálica) e outras
buscam explicar formas. Isso não contribui para uma visão unitária nem para
um diálogo constru tivo entre as teorias.

Mas é mais do que urgente compreender, como 111oslra Pezatti (2004: 165-
218), que o funcionalismo em lingüística é muito mais um conjunto de teorias
dentro de um paradigma do que uma \·isão unitária. Há muitos funcionalismos
fonnalistas. Partindo da visão saussuriana, podemos di:ter que o próprio obje-
to lingüístico se dá funcionalmente como produto de um ponto de vista e não
como algo preestabelecido. O funcionalismo foi, a rigor, uma visão que pre-
cedeu o formalismo cm lingüística.

Em proveitoso ca pítulo "Why Linguistics Necds the Sociologist", de


seu .Foundations in Sociolinguistics (1974), Deli Ilyrnes trata da relação
enlre formalismo e funcionalismo observando que desde o início do sé-
culo XX até a Segunda Guerra, deu-se o estudo da língua primordial-
mente na base da observação da estrutura e com isso o triunfo do estru tu-
ralbmo que produziu resultados intcressanlei. . É preciso não deixar de
rccon hecer que o estruturalismo teve o mérito de chamar a atenção para
fotos da língua que antes não eram vistos com aquela clareza. Isto signi-
íica que, sob o ponto de vista metodológico, houve um ganho real na
investigação lingüística.

Hoje a questão está bem mais diversificada e temos também o que se


chama de lingüístiC<I forense (que se ocupa de problemas ligados à questão
jurídica); Lingüística clínica (ligada essencialmente a problemas neurolingüís-
ticos, tais como as afasias, mal de Alzheimer e outros}; Linguagem e trabalho
(voltada para a análise das relações humanas no trabalho, tendo o processo
interativo pela linguagem como foco) e assim por diante. Isto significa que a
lingüística tem ampliado seu campo de ação.
Preliminares 1 Breve observa~ão sobre a lingüística no século XX

llymes ( l 974: 78-79) sugere um quadro geral de propncdades para se


observar as relações enlre "lrngüística estrutural" e "lingüística funcional". O
.npeclo mais importante aqui é que a aná lise estrutural envolve questões de
r 'e,ância funciona l no sistema ljngüístico e que a análise funcional revela
e -uturas de uso, de modo que cm ambos há aspectos funciona is e estruturais.
( problema está, por um lado, na ênfase e, por outro, na forma de priorizar os
do1~ aspectos. Chamo a atenção para o fato de não se estar aqui postu lando
uma dicotomia estrita entre fu ncionalismo e fonnalismo. Isto seria madequa-
do. Já que entre ambos há um contínuo de posições como se \'ê neste quadro:

Lingüística "estrutural" · Lingüística "funcional "

l Estrutura do código lingüístico como gramática 1. Eslnnra da fala (;to, evento) COIOO formas de dizer
2 Ouso apenas implementa - talvez limita, talvez 2. hlâlise do uso é anterior à análise do código:
correlaciona - o que é anaisado como código: organização do uso revela relaçoes e traços
anâlise do código antecede a análise do uso adicionais; mostra código e uso em relação
3. Função referencial - completamente (dialética) integral
semantizada e uso como norma 3. Gama de funções sociais ou estilísticas
4. Elementos e esbúuras como analiticamente 4. Elementos e estruturas como etnograficamerte
arbttrários (na perspectiva ~ltural ou adequados
histõOCa). ou univmal (na perspectiva teórica)
5. Equivalência flllcional (adaptativa) das línguas: 5. Diferenciação funcionaJ (adaptativa) das línguas.
todas as línguas são essencialmente (potencial variedades e estilos: estes sao existencialmente não
mente) iguais necessariamente equivalentes
6 Código e comunidade singulares e homogêneos 6. Comunidade lingüística como matriz de
(replicação de uniformidade) repertórios de códigos de estilos de fala
("organização e diversidade")
1. Conce~os fundamentais, como comunidade de 7. Conceitos fundamentais tomados como
fala. ato de fala. falarte fluente, flllçoes da fala e problemáticos e a serem investigados em seus
da linguagem como tácitos ou arbitrariamente contextos de origem e uso.
postulados
- Dei Hymes (1974) foundatians #! Sociolín,wu;cs. .ti [Jhtlogr'f'hk Approach. Phtladelphia: IJMmAy of Pennsylvanil Press. p. 19.

Ceoffrey Leech (1983: 46 ) 2 ~, numa perspectiva que complementa as


posições acima, sugere u ma outra visão das relações entre formalismo e funcio-
nal ismo, mostrando que amba~ ~ão posições teóricas vinculadas a dife rentes
visões da natureza da linguagem. Para esta visão, Leech toma de modo explí-
cito a posição chomskiana como o paradigma básico para o formalismo. Mas
isto é cm certo sentido um reduc1onismo bastante grande. Por outro lado, na
caracterização dos funcional istas, não temos incluído os analistas do discurso
de um modo geral nem a maioria dos que tratam de problemas cognitivos na

22 Citado aqui a partir de D. Sch1ffnn (l<)q4: 21-22), que extrai os dados de G. Lcech (1983).
Pnnc:iplcs o/ Pragmalics. London, Longman.
luiz Antônio Marcvschi 1 Prodv4ão teatual, ancilise lle gi11eros • compreensão

perspectiva socioinleracionista. Portan to , a 'isào do a11tor é limitada , mas


mesmo assim \'ale a pena ser cotejada porque nos dá uma l.érie de elementos
importantes para a visão que vamos defender aqui.

FORMAUSTAS E FUNOONAUSTAS SEGUNDO A VISÃO DE G. LEECH


l. Formalistas (p. ex. Chomsky) tendem a tomar a 1. fUll(ionalistas (p. ex. Halliday) tendem a toma-la
língua primariamente como um fenómeno primariamente como um fenõmeno societal.
mental.
2. Formalistas tendem a eJplícar os ooiversais 2. FlllCionafistas tendem a explicá-los como
&ngilisticos C0111J derivados de uma herança derivados da universalidade dos usos pelos
genética comum a espécie hl.fllana. quais a linguagem funciona na sociedade.
3. Formalistas inclinam-se a explicar a aquisição 3. Funcionafistas inclinam-se a e1plicá.Ja em
da linguagem em termos de uma capacidade termos do desenvolvimento das necessidades
humana inata para a aprendizagem. comunicativas da criança na sociedade.
4. Formalistas estudam a linguagem sobretudo 4. Funcionalistas estudam-na na relação com suas
como um sistema autônomo. funções sociais.

Simplificadamcntc, pode-se dizer que o funcionalismo, em especial o


sbtemicista, baseia-:.e em dois pressupostos:

1. a linguagem tem funções que são externas ao ~•~tema como tal


2. funções cxh::ma) mílucnciam a organização interna do sistema lingüístico

Os formalistas, particu lanncnlc os chomskianos, por sua vez, postulam que


as fw1ções externas da linguagem não influenciam as categorias internas do sis-
tema. Tomam o sistema como autônomo e baseado na mod11laridade: fonologia,
sintaxe e semântica. Cada módulo é independente e não interage com o outro.

Os funcionafütas radicais postulam que as categoria~ funcionais são primá-


rias e delas deriva o sistema lmgliíshco. Já os funcional islá.'> moderados postulam
que há uma relação entre fom1a e função, sendo que as categorias formais não
são derivadas da função. Na realidade, o funcionalismo não \C ocupa de fonnu-
lar princípios gramaltcais internos que caracterizem a boa- ou má-formação de
t1m conju nto de frases. A tendência do funcionalisrno é observar os aspectos que
conduzem de maneira ma is adequada os processos interativos e comunicativos
nas relações entre os interlocutores ou nos contexto~ comunicati\'Os.

Apesar destas observações. entre formalismo e funcionalismo não há uma


dicotomia cstnta. :\mbos comungam de uma série ele propriedades e p rincí-
pios e não chegam a forma r dois campos incompalívc1s-'. De uma maneira
geral, nos dias atuais, \obrevi\'em muitas das teoria~ do~ 1."tltimos vinte anos.

23 Cf. a esse respeito o~ tr,1bnlho, de Erohlde Coreh Peni th, "O fu11~1011dlismo cm lmgulslicJ"
Prelhninares 1 Breve observa~ão sobre a lingüística no século XX

Ba~tcm estes comentários sumários para se ter uma noção <lo lugar em
que se situa a lingüística <le le,lo. Ela vem no fi nal de um longo percurso
ClCntífico e ela própria passou por um grande desenvolvimento. É a este lema
que nos dedicaremos a seguir pqra entrar então de modo sislcmálico no traba-
lho com a produção textual.

Sugestão de trabalho .

Após a breve análise do desenvolvimento da lingüística no século XX, seria ütil realizar um
levantamento dos principais aspectos analisados, em especial aqueles ligados a autores,
correntes teóricas e grandes temas. Uma consulta às obras indicadas na página seguinte
serve como aprofundamento e fonte para realização da tarefa Entre os temas que merecem
atenção ofereço estas sugestões:
1. Quais os principais autores que desde o inicio do século XX mais contribuíram para o
desenvolvimento da lingüística em suas várias direções (uma breve relação dos autores
com as idéias centrais).
2 Quais as principais correntes lingüísticas surgidas no século XX (uma breve descrição dos
principies básicos).
3. Termos técnicos que poderiam contribuir para a construção de um pequeno glossário
que aparecem nesta exposição e marcam o percurso dos estudos lingüísticos no
século XX, tais como:
GLOSSÁRIO
ato de Fala interação
cognição léxico
competência comunicativa lingua paô-ão
competência lingufstlca morfologia
desempenho norma lingüística
dialeto pragmática
discurso registro
estilo signo
estrutura sintaxe
fonêtica valor
fonologia variação
forma variedade lingüística
f\llÇão
intenção

pp. J6;.zJ8J e o trabalho de Rolx:rta l'irc~ de Oli\"eira, "Fonnalismm na lingüí>tica: uma reílexão
rnllca" (pp. 219-250. Ambo> m: i\nna ChnstmJ Bentcs & Fernanda Mu>~l1111 (ori:\.) (20041 lntrodu·
çào iJ l111g1ífs/1c11 Vol. Ili: Fund11men/os e/mle111016g1cos Sâo Paulo: Corte/ \~ d11<1s autora~ têm \'Jsões
ba~tan lc d1fcrcnciadas a respeito da quc>tilo e por isso vale a pena confro11t<i-la).
luiz Antônio Marcuschi 1 Producão tutual, 11t1álise de gêneros • compreensio

Obras de consulta para aprofundamento


dos temas tratados

Entre os instrumcnlos básicos irqprescindíveis par(! trabalhar temas, con-


ceitos e correntes Lcóricas com algum aprofundamento e brevidade para uma
compreensão desejável estão obras de consulta tais como dicionários e histó-
ria da disciplina. Assim, aqui ficam estas sugestões básicas para seu uso.
BORB.\. F'ranci,co da Siha 19i9\ lntroduçao ao estudo elo linguagem Rio de J;111ei ro: Ed.. aciondl
BR.\IT, Beth 2005). Bakhtm roncc1t1»-chave. São Paulo: Conte~to.
CH ..RAllDEAU, Patncl & \l'J'~;U f'l•ll.\U, Dominique (2004). D1c1011ari<> de andl1çe do discurso. São Paulo
Contexto
CR\~T'J.. David (1997\. Tire Cambridge Enc)·clopedia o{Language. 2••1 F.d11ton. Cambndge: Camb1idgc
Univcrsity Press.
D UBOIS, Jean: GIACOMO, Mathcc, C1 i~SPl"1, I..ou1~: M.>.RCF'LLt:.~L. Chnsl1ane; MARCEU.ESI, Jean-Bapti~le &
Ml·VEL. Jeall-Picrrc ( 1978). Dicionário de lingüfstica. São Paulo: CullTi>..
D t1CROT, Osvald. & ToDORU\ , Ttvt!lan ( 1987). Dicioncírio de ciências da linguagem Lisboa: Dom
Quixote.
F1oru-.., José Luiz (org.) (2004) lntrnduçao à lingüística \'oi li· Prmcipios de análise. São P.1ulo.
Contexto.
\hno-.o C\.\lo\Jt\ JR., Joaquim ( JQ75) l /1stóna da lmguisticcJ. z• cd. Petrópol~. \07es.
\101'\~~. \la.ssaud ( 19-.n Dicionário de termos literários. São Paulo Cultnx.
\1 uss.w~1. Ferna nda & Br-..·n:s. Anna Chnstina lorgs.) C?O(}f 1 /ntmduçdo à lrngliística. \ oi 3: Funda·
mentosepislemol6g1cos Silo Paulo Cortcz.
SEURE...,, Pieter A. \1. ( 1998). Webtcm Lrngwstics ;\n 1fütoncal /11troduct1on. Oxford'. Black"dl.
TARSt... R L. (2004) Dicionário de lmguagcm e lmgiifstrccJ Trad. e adaptação <le Rodolfo llari São
Paulo Conte,to.
WE:EDWOOD, Barbara (2002). J list<íria concisa da lingüística. Trnd.: Morem B:igno. S~o Paulo: Parábola
Editorial.
Luiz Antônio Marcuschi 1 Prod~ão tntval, análise de generos e co111preensão

1. 1 Quando se ensina língua, o que se ensina?

Í
pergunta que se acha no item acima foi formulada por Antônio
1g11sto G. Bafüla na introdução de seu livro, Aula de portuguê~
- Discurso e saberes escolares, (1997: 1) com um conteúdo lcve-
mcnlc d1fcrcnlc: "Quando se ensina português. o que se ensina?" .
...............
~::!!!:~,• Para o a11tor, tratava-se da questão do ensino de língua portu-
g11csa; mis aqui se trata da língua e não apenas do português. E não do ensino
da língua como tal, ma~ de seu estudo. \fa realidade. c.ssa indagação pode ser
feita de muitas coisas, mas cm particular ela se aplica ao caso da língua.

Se adotam1os a posição saussuriana, defendida no Curso, de que "o ponto


de vista cria o objeto". parece que a pergunta faz ai 11cla mais sentido. Segundo
muito bem frisa Balista,
aquilo que se ensina não sJo as próprias coisas (a língua ou a hi~tória mesma), mas
antes, um con1unto de conhecnnentos sobre as coisas ou um modo, dentre outros
1 po\síveis. de se relacionar com elas (p. 3J

• l .sta postura çugcrc qne o emíno. seja lá do que for. é sempre o ensino de
uma \.isão do objeto e de uma relação com ele. Isto vale para o nosso objeto:
a língu<l; e mais ainda parn o~ fenômenos aos quais nos dedicamos aqui: o
texto, os gêneros e a compreensão. Continuando essa rcílexão sobre o que é que
se ensina ou estuda quando se ensina ou estuda língua, vale a pena observar
mais um pouco do que nos diz Batista (pp. 3-4):
É a alteração do ponto de vi~ta sobre esses e outros fenômenos que pode. em parte.
explicar a~ mudança' que' cm ~frendo o ensino de Português ao longo de sua história,
e que se cxprc~m. na altcr;ic;Jo ele seu nome: Crnrnáhc;i Nac1onal, Língua Pátria ou
Idioma Nacional, Comunicação t; f~xpressão, Portuguêl>. L também na alteração de<>sc~
pontos de vista ou, part1culan11cnte, a competição entre cb - que pode explicar
cm certa medida, as polémicns e as verdadeiras lutas que com freqüência se travam para
a definição ele seu objeto e objetivos: a gramática? a leitura e o escrita? a língua oral? o
processo de enunciação de texto~ orais e escritos? o domínio de uma Hngua considerada
lógica e correia cm ~• mesma? o domímo de uma \'Uriedade lingüística prestigiada
i.oc1almente' Dcpcndc:ndo da\ respostas que forem d.tda\ a c~1~ qucrtões, diferente..
práticas ensinarão diferentes objetos, com diferente.~ objeti\Os. lbclas essas práticas, no
entanto, poderão ser identificada~ pela mesma designação: "Portuguê:.". Faz sentido,
portanto, perguntar o q11t., ~10 \e cminar essa d1'iCíplina, é cn~inado.

l\ão parece restarem dú,idus quanto a esse aspecto crucial. Sempre que
cminamos algo, cslarnm motivados por algum interesse, algum objetivo, algu-
Prim.,ira Parte 1 Procenos de producão textual

ma intenção central, o que dará o caminho para a produção tanto do objeto


como da perspectiva. Esse fato esclarece a pluralidade de teorias e a impossi-
~ l1dade de se dizer qual é a \'Crdadeira. Todas têm su:.i motivação, algumas
odem C!>tar mais bem fundan1e11tacla~ e outras podem ser mais cKplicativas.
'las nenhuma vai ser a única capa:.c de conter toda a verdade.

t .2 Análise da língua com base na produfão textual


Que o ensino de língua deva dar-se através de textos é hoje um consenso
nto entre lingüistas teóricos como aplicados. Sabidamente. essa é, também,
u11a prática comum na escola e orientação central dos PCNs. A questão não
ft)tde no consenso ou na aceitação dcsle postulado, mas no modo como isto
é posto cm pnítica, já que muitas são as formas de se Lraballrnr texto.

Neste curso, aparecem alguma!> elas alternativas de conduzir o trabalho


C""m a língua através do le\.tO (falado ou escrito). alimentadas pela convicção
1j~1ca de que há boas razões para se \er a língua nessa pcrspcch\a. Em pri-
1 c1ro lugar, isto é assim porque o trabalho com texto não tem um limite supe-

-1 >r ou inferior para exploração de qualquer lipo de problema lingiiístico,


.J<.~dc que na categoria texto se incluam tanto os fala dos como os escritos.
-\v;irn, resumidamente dito, com base em textos pode-se trabalhar:

a) as questões do desenvolvimento histórico da língua;


b) a língua em seu funcionamento autêntico e não ~anulado;
e) as relações entre as di\ersas \'ariantes lingüfsticas;
d) as relações entre fala e escrita no uso real da língua;
e) a organização fonológica da língua;
{) os problemas morfológicos em seus vários nívc1 ~;
g} o funcionamenlo e a definição ele categorias gramaticais;
h) os padrões e a organização de cslruturas sinláticas;
i) a organização do léxico e a exploração do vocabultírio;
j) o funcionamenlo dos processos semânticos da língua;
k} a organização das intenções e os processos pragmáticos;
l) as estratégias de redação e questões de estilo;
m) a progressão temática e a organização tópica,
n) a questão da leitura e da compreensão;
o) o treinamento do raciocínio e da argumentação;
p) o estudo dos gêneros textuais;
q) o treinamento da ampliação, redução e resumo de texto;
r) o estudo da pontuação e da ortografia;
s) os problemas residuais da alfabetização.

E muitos outros aspectos faciOnenle imagináveis, pois essa relação não é


exaustiva, nem obedece a alguma ordem lógica de problematização. Indica
apenas a potencialidade exploratória no tratamento lingüístico com base em
textos. Nem por isso deve-se imaginar que o trabalho com o texto tenha virtu-
des imanentes naturais, a ponto de se tornar uma espécie de panacéia geral
para todos os problemas de língua.

Só para ilustrar, trago um pequeno exemplo de como o item (a) da


listagem acima poderia ser contemplado. Trata-se de uma notícia publicada
no DIÁRIO DE Pl::RNAM.BUCO em 21/08/1839.

FURTARÃO OANELÃO
No dia 3 do prezente mez, na guarda principal. perdeo-se, ou furtarão do dedo de um dos
indivíduos, quando dormia, que estava de guarda no mesmo lugar um anelão de ouro. todo
lavrado, e com dous corações unidos dentro do círculo posto no lugar em qáele bota firma:
pede se a quem for offerecido que não o compre; pois pretende-se proceder contra a pessoa
em cujo se achar. Assegura-se ao Snr. que está deposse do dito anelão, que se o restituir se lhe
guardará segredo da graça, ou antes da fraqueza, em que cahio. Apessoa que trocar o referido
anelão nesta Typ. Receberá 4Srs de gratificação.

É imensa a riqueza deste texto para exploração, seja de formas língüísticas


em desuso, bem como do estilo jornalístico da época, da nahircza do gênero
notícia, os costumes que revela, o mundo em que se situa e muitos outros aspec-
tos. Ele pode ensejar a busca de mais textos no mesmo jornal ou em documen-
tos antigos para comparação e observação de como a língua não é estanque e
varia ao longo do tempo, inclusive na escrita, de modo considerável.

Sabemos que um problema do ensino é o tratamento inadequado, para


não dizer desastroso, que o texto vem recebendo, não obstante as muitas alter-
nalivas e experirnenlações que estão sendo hoje tentadas. Com efeito, intro-
duziu-se o texto como motivação para o ensino sem mudar as formas de aces-
so, as categorias de trabalho e as propostas analíticas.

Mas o problema não reside só nas formas de acesso ao texto e sim nas
fom1as de sua apresentação. Quanto a essa inadequação, sabe-se que os textos
escolares, sobretudo nas primeiras séries, padecem de problemas de organiza-
Primeira Parte 1 Processos de producüo textual

.ão lingüística e infom1acional. Por \'ezes, eles carecem de coesão, formando


cnnjuntos de frases soltas e, em outras, a têm em excesso causando enorme
u lume de repetições tópicas. Em qualquer dos casos, o resultado será, evidcn-
emente, um baixo rendimento do aluno. De resto, os textos escolares revelam
gnorância e descompasso em relação à complexidade da produção oral dos
wunos. Ignoram que o aluno já fala (domina a língua) quando entra na escola.

Hoje a cena já está bastante mudada em relação às últimas gerações de


manuais didáticos, tendo em vista o processo de avaliação por parte do MEC
10 Programa Nacional de Avaliação do Livro Didático (PNLD). Já se cu ida
"Tlais da presença de uma maior diversidade de gêneros, de um tratamento
·nais adequado da oralidade e da variação lingüística, bem como de um trata-
mento mais claro da compreensão. Mas é evidente, como i.e verá mais adian-
.e, que nem tudo ainda é como se gostaria que fosse' .

Considerando os objetivos básicos da escola no trato da língua, é oportu-


no levantar a questão de se a escola deve trabalhar apenas o texto escrito ou
envolver-se também com o texto ora l. Quanto a isso, define-se, hoje, uma
linha de pensamento que parece sugerir que a missão da escola é, sobretudo,
o ensino da modalidade escrita (cf. Kato, 1987 e Perini, l 985). Creio que ao
~e enfatizar o ensino da escrita não se deve ignorar a fala, pois a escrita repro-
duz a seu modo e com regras próprias, o processo interacional da conversa-
ção, da narrativa oral e do monólogo, pa ra citar alguns.

É óbvio que se a escola tem como missão primária levar o aluno a bem se
desempenhar na escrita, capacitando-o a desenvolver teÃtos em que os aspectos
formal e comunicativo estejam bem conjugados, isto não deve servir de motivo
para ignorar os processos da comunicação oral. A razão é simples, pois desen-
Yolver um texto escrito é fazer as \'ezes do falante e do ouvinte simuladamente.
f\lcsmo que o texto escrito desenvolva um uso lingüístico interativo não do tipo
comunicação face a face, deve, contudo, preservar os papéis que cabem ao
escritor e ao leitor para cumprir sua função, sob pena de não ser comunicativo.

Os PCNs já trazem uma série de observações sobre a orali dade e os


demais temas. Seria interessante que fizéssemos um levantamento de todas

1. Para uma visão clara da situação da avaliação dos livros didáticos de lí11gu.i portuguesa
realizada no contexto do PNLD, seus critérios e uma análise dos result:idos, aconselho a leitura do livro
edit:ido por Roxane Rajo & Antônio;\. G . Batista (orgs.) ( 200 3 ). Livro didâtir:ó de língua portuguesa,
letramento e cultura escrita. Campinas: Mercado de Letras. Ali há a aprcsc:nlação da metodologia de
a,·aliação e os resultados dos. úlhmos anos.
luiz Antônio Mar<uschi 1 Producoo le1tual, analise de generos e compreensao

essas posições para tennos uma noção clara de qual o tratamen to que neste
momento cslú sendo sugerido a essa questão 2• >Jcslc curso, ,·amos dar atenção
especial à ora lidade e problemas correlatos ao tratarmos os gêneros textuais
nos itens Z.10 a 2.13.

Conclu111<lo estas observaçõe~ prelim inares. ressalto que não é minha


intenção trazer aqui sugestões deta lhadas ou propor uma nova gramática pe-
dagógica. Viso simplesmente mostrar como se pode operar no ensino dos
fatos e do funciona mento da língua alra\'és do texto como fo rma natural de
acesso à língua.

1.3 Quando se estuda a língua, o que se estuda?

A primeira tomada de posição aqui necessária é a explicitação do que se


pode ou de\C entender com a exp ressão "ensino de língua", pois como já
lembrado, ao chegarem à escola, a criança, o adolc~cente ou o adulto já sa-
bem a língua. A~sim. vale a pena rcílei-ir a esse respeito, como o faz Maria de
ffüma Carvalho Lopes (l 984: 245)1, ao i n d aga r-~c:

o que jmtifica a intervenção c~colar num processo de aquisição que acontece natu-
ralmente?

Com a autora, podemos dar uma primeira rc~posta defendendo que:

11111 do~objellvos gerais do cns1110 do Português é dc~c11vokcr a co111pelê11c1J da


eOllllllllC<lÇilO (p. 245) ~.

Aprofundando a questão, a autora insiste (p. 247):

2. Sobre hl.t: a>sunto. cl. alguma\ nota~ cm Luiz Antônio \1nrcusch1 (1999). O tral.1111cnto dn
oralidade nos PCI\ de l .íngua Port11g11e~<1 tlr 5• .i 8ª Série~. Scripta. Belo Horizonte: PUC-MC, \OI. 2.
n" -f, pp. 114- 129.
3 Refiro-me ao trabalho de f\laria de Fátima Carvalho l,opc\ ( 1984). Lingüístico e ensino de
língua malema. ln: Ada~ do 1° Encontro de Un1;üistas Portugucws. Lisboa: Faculdade de Letra~ de
Lisboa. pp. 2+1-256.
-f. Po~1ç;10 c~~cncíalmente similar a c'sa é defendida por outro lingüista portuguê\. Jo.iqu1m
Fonseca 1984 A line,ilística e o emmo da língua materna. ln. Acta~ do Iº Cncontro de I .mgl.i1~ta~
Portuguei.es. Lisboa hiculdade de Letra1. de Lhboa, pp 257-260 F.lc a\sint >e expressa: ÜDarei. então,
que a aula de língua materna visa, naturalmente, o desenvol"imcnto da competência co1m1111cativa e
111e1.:1lmgiifshca/metacomunicativa do ,1lu110, desem·ohimento esse (e importl sublinhá-lo) fortemen te
orientado para que o .1111110 use melhor :i ma língua - use melhor não apenas como aperfeiçoamento
do domínio de estrutura~. de correção gra111.ilttJI, mas tamb~m e ~obretudo, e como obtcnçilo de
'uce<.so na adcquaç~o do acto \·erbal as s1tu.1çõc, <le comunicaçüo" lp. 259).
Pri111elra Par1e 1 Processos de produ~ão textual

O que tem a escola de muito específico a oferecer no domínio do desenvolvimento


da compelência de comunicação, se as crianças já comunicam de forma suficiente
e eficaz, sem intervenção da escola?

Quanto a este questíbnamento e a sugestão de resposta oferecida, parece


util fazer duas observações que permitem reordenações de foco em relação às
w ncepções tradicionais na área:

• Em primeiro lugar, há aqui um deslocamento da função da escola


como vollada exclusivamente para o ensino <la escrila. Seu papel
cxorbila essa fronleira e se estende para o domímo da comunicação
em geral. Envolve tam bém o trabalho com a oralidade. Evidente
que não se trata de ensinar a falar, mas de usar as formas orais em
situações que o dia-a-dia nem sempre oferece, mas que devem ser
dominadas. Além da escrita e da oralidade, estão ainda envolvidas,
no trato de língua materna, questões relativas a processos
argumentativos e raciocínio crítico.
• Em segundo lugar, deve-se ler muito cuidado com a noção de com-
petência comunicativa que não se restringe a uma dada teoria da
informação ou da comunicação, mas que deve levar em conta os
parâmetros mais amplos de uma etnografia ela fala, uma análise das
interações verbais, produções discursivas e atividades verbais e co-
municativas em geral sem ignorar a cognição. É nesse contexto que
se situa a questão gramatical e todo o trabalho com a língua. Trata-se
de valorizar a reflexão sobre a língua, sa indo do ensino normativo
para um ensino mais reflexivo.

Diante disso, o que pode oferecer a escola ao aluno? Considerando que


a capacidade comlt11icativa já se acha muilo bem desenvolvida no aluno quan-
do ele chega à escola, o tipo de atividade da escola 11.ão deve ser ensinar o que
ele já sabe. Nem tolher as capacidades já instaladas de interação. Assim, a
resposta pode ser dada na medida em que se postula que a escola não ensina
língua, mas usos da língua e formas não corriqueiras de comun[cação escrita e
oral. O n úc leo do trabalho será com a língua no con texto da compreensão,
produção e análise texhrnl.

Nessa perspectiva, o trabalho em língua materna parte do enunciado e


suas condições de produção para entender e bem produzir texios. Sem esque-
cer a língua, essa mudança do foco iria do signific:.inte à significação. Do
enunciado à enunciação. Da palavra ao texto e deste para loda a análise e
produção de gêneros textuais. É uma forma de chamar a atenção do aluno
para a real função da língua na vida diária e nos seus modo~ de agir e interagir.
Nesse percurso, nota-se que a língua é variável e variada, as nom1as gramati-
cais não são tão rígidas e não podem ser o centro elo ensino.

Quanto a essas questões, parece-me que Joaquim Fonseca (1984: 260)


nos oferece uma boa sugestão de caracterização da aula de língua na linha em
que nos posicionamos aqui. Para o autor, ela deveria privilegiar, numa base de
natureza essencialmente lingüística,

a preparação do aluno para a produção ágil doi. ~em discursos e para a aq1Jiação
crítica dos discursos alheios - no que se conseguir.í que ele obtenha uma maior
eficácia na actuação social, um maior sucesso na descoberta de si mesmo e na sua
intervenção na prática social (p. 260).

É claro que esta posição de joaquim Fonseca, com a qual estou de pleno
acordo, traz a necessidade ele uma boa formação lingüística para o professor
de língua materna em qualquer nível do ensino. Como diz o a utor (p. 259),
trata-se muito mais de se perceber uma ling11í,hca unplicada do que uma lin-
güi~t1ca aplicada, isto é, uma lingüística prévia e sólida que tenha fundamen -
tos científicos bem definidos para poder ser aplicada. No fundo. a aplicação
seria uma implicação pedagógica do já sabido.
Embora eu me decida pela noção de língua como um conjunto de práti-
cas sociocognitivas e discursivas, como ainda veremos ein detalhe adiante,
não gostaria de deixar a impressão de que ignoro o sistema. Não existe possi-
bilidade de trabalhar a língua sem atinar para o sistema, de modo que o traba-
lho com a gramática tem seu lugar garantido no trabalho com a língua mater-
na. Assim, concordo com [randé Antunes (2003:85) quando ela frisa que

as pessoas, quando falam, não têm liberdade total de in\'cntar, cada uma a seu
modo, as palavras que dí1.cm, nem têm a liberdade irrestrita de colocá-las de qual-
quer lugar nem ele compor, de qualquer jeito, seus enunciados. Falam, isso, sim,
todas elas, conforme as regra~ particulares da gramfüca de sua própria língua. lsso
porque toda língua tem sua gramática, tem seu conjunto ele regras, independente-
mente do prestígio social ou do nível de desenvolvimento econômico e cultural da
comunidade em que é falada Quer dizer, não existe língua sem gramática.

Se alguém é falante de uma língua. ele domina as regras dessa língua. O


problema é que a língua não tem regras tão rígidas quanto imaginamos e pode
haver alguma variação, mas não livre nem ilimitada. A gramática não tem
uma finalidade em si mesma, mas para permitir o funcionamento da língua
Pri111eira Parte 1 Processos de produ~õo textual

por parte dos falantes. E como diz >\ntunes, (2003:89): gramática reflete as
u \

diver!lidades geográficas, wciais e de registro da língua··.

l;~ c laro que a gramática lcm uma função sociocognitiva relevante,


,
desde que entendida como uma ferramenta que permite uma melhor atua-
ção co municativa. O problema é íazer de uma metaling11agem técnica e
de uma análise formal o centro do trabalho com a língua . Também não se
de, e reduzir a língua à ortografia e às regras gramaticais E nesse sentido,
temos a ver com uma correta identificação do que se1a a gramática. O
falan te deve saber flexionar os verbos e usar os tempos e os modos verbais
para obter os efeitos desejados; deve saber usar os arllgos e os pronomes
parn não confundir seu ouvinte; deve seguir a concordância verbo-nomi-
na 1 naqu ilo que for necessário à boa comunicação e assim por dian te. Mas
ele não precisa justificar com algum argHmento porque faz isso ou aquilo
ncl>~a~ escolhas. O fa lante de uma língua deve fazer-se entender e não ex-
plicar o que está fazendo com a língua.

A este respeito concordo com a prof'. Rosa Virgínia ~lalto~ e Silva (200+:82-
)5)', quando aponta o valor social que a "consciência gramahcal da língua"
tem para o cidadão. Assim, a primazia do aspecto cogniti,·o, comunicati\'O e
social ou então textua] e discursivo que o ensino assumiu não deveria obscurecer
o aspecto sistémico da língua. Acredito que todos os reclucionisrnos deveriam
ser evitados. Não se deve ignorar que, sendo a língua um fenômeno social, tudo
o que se acha vinculado a ela tem esse caráter, inevitavelmente. O que deve ser
evitado, segundo nos adverte Matias e Silva (2004:85) é "o objetivo pedagógico
de caráter prescritiYon como o único a ser atingido.

O que não se pode continuar fuendo é um trabalho isolado num só nivel


como se este fosse (auto)suficientc. Assim, cu diria que dois aspectos devem
ser evitados no trato da língua:

i. recortes com características de auto-suficiência


ii. prescrições de produção com características está ticas.

Portanto, dizer que a análise da língua se limita à sinlaxe é reduzir a


língua a algo muito delimitado, poil> os aspectos textuah e <liscur~ivos, bem
como as questões pragmáticas, soc1a1s e cognitivas ~ão muito relevantes e daí

5. Refiro-me à obra de Rosa Virgínia }.lattCls e Sih-a (20041. "O {><lrtuguês são dois .. " I'\ovas
{ro11teiraR. l'elhos problemas. São Paulo Par;1hola Editorial. Aqui a autora trai uma série de Lrabalho~
críticos ~obre história, vanaçilo e c11s1110 de lf11gua portuguesa.
luiz Antônio Marcuschl 1 Produ1ão Intua!, analise de ginercn e compre~são

não se poder e,·itar de considerar o funcionamento da língua cm texios reali-


/.aclos em gêneros6 .

'"\

IA No,ão de língua, texto1 textualidade


e processos de textuahza,ão
Tal como proposto na introdução geral, este curso trabalha a produção
textual na perspectiYa soc1omteraliva. Cabe agora deixar claro o que isto signi-
fica. Para tanto, apresento, cm primeiro lugar, uma série de conceitos como
base para o restante do trabalho. A<>sim, num primeiro momento, veremos as
noções de língua e de lexlo, o que parcialmen te vem sendo feito desde o início
destas notas e deverá persblir alé o fi nal do curso.

Embora não seja necessário, é sempre fundamental explicar com que


noção de língua se trabalha, quando se opera com categorias tais como texto
ou discurso, já que disto dependerão muitas das posições adotadas. :\las esta
distinção entre texto e discurso é hoje cada \.CZ mab complexa, já que em

• certos cai.os são 'ülas até como intercambiáveis. A tendência é rer o texto no
plano das formas lingiííslicas e de sua organização, ao passo que o discurso
seria o plano do funcionamento enunciativo, o plano da enunciação e efeitos
de sentido na sua circulação sociointerabva e discursiva envolvendo outros
aspectos. Texto e discurso não distinguem fala e escrita como querem alguns
nem distinguem de maneira dicotômica duas abordagens. São muito mais <lua::.
maneiras complementares de enfocar a produção lingüíslicn em funciona-
mento. As definições mais comuns para djscurso foram:

• conjunto de enunciados que derivam da mesma formação discursiva;


• uma prática complexa e diferenciada, obedecendo a regras de lrans-
fonnação analisá\.cis;
• regularidade de uma prática.

Em todos os casos, observa-se que discurso é visto como uma prática e


não como um objeto ou um artefato empírico. Parece que esta noção de
prática é o que permitirá levar em conla os fenômenos cxtralingüísticos para
não cair no subjetivismo.

6. •\diante vou chamar atenç.io para o fato de não lransfon11an11os ª'aulas de lrngua materna em
JulJ~ dt: prngmálica. lingüí~hca de texto. análise do discurso ou koria dos gênero; 1c,1uais. Pois 1sl<>
seria apenas J introdução de u111a 110\·a ~·scolástica ou' ulgala que cm n:ido ~cria melhor que a anterior.
Prlmelr• Parte 1 Processos de produ~ão toirtual

Entremos agora na análise da língua e algumas noções que dela se tem


dado i\ língua pode ser \Ísta - e foi ,·ista - de vários ângulos teóricos, mas
r'.>s adotaremos uma posição bem definida para o trabalho com a produção
1.. \tual na perspectiva sociointcraliva.

De acordo com as diferentes posições existentes, pode-se ver a língua:

a) como forma ou estrutura - um sistema de regras que defende a


autonomia do sistema diante das condições de produção (posição
asc;umida pela \Ísão fom1albta);
b) como instrumento - transmissor de informações, sistema de
codificação; aqui se usa a metáfora do conduto (posição assumida
pela teoria da comun icação};
c) como atividade cognitiva - ato de criação e cxprcs~ão elo pensa-
mento típica da espécie humana {representada pelo cognitivismo);
d) como atividade sociointerativa situada - a perspectiva sociointeracio-
nista relaciona os aspectos históricos e discursivos.

(a) Quando vista como uma enhdade abstrata, enquanto forma, a língua
... estudada em suas propriedades estrnturais autônoma~. Neste caso, é tomada
como código ou sistema de signos e sua análise descn\'Ol\.c-~c na imanência
do objeto. Esta perspectiva foi inaugurada no século XIX, lendo-se consolida-
do com Saussure e Chomsky; não se buscam explicações transcendentes para
o fc11ômcno lingüístico, desleixando-se o contexto e a situação, bem como os
aspectos discursivos sociais e histórico!>. Aqui. há uma certa dificuldade de
trntar a questão da significação e os problemas relab\'Os à compreensão. Tam-
bém fica muito difícil observar o funcionamento do texto. que não é uma
unidade do sistema, pois, como se verá, o texto situa-se no uso cio sistema.

' l ratada assim, a língua é tida como um sistema homogêneo composto


de vários níveis hierarquicamente distribuídos. Nesta perspectiva, costuma-se
distinguir níveis de análise formal. Em geral, os estudos lingüísticos nesta li-
nha dedicam-se aos seguintes níveis estruturais:

- fonológico (cuja unidade é o fonema )


morfológico (cuia umdadc é o morfema)
- !>intático (cuia unidade é o sintagma ou a oração)
- semântico (cuja unidade é o sema ou o conceito ou a proposição)

No geral, os estudos nesta linha não 11ltrapassam a unidade máxima da


frase, nem se ocupam do uso da 1 fngua. Na maioria dos casos, trabalham-se
Luiz Antônio Marcuschi 1 Producão tnreal, •ntillse de generos e compreen•ôo

aqui as u111dadcs isoladamente, fora de qua lquer contexto. O interesse cenlTal


dessa perspectiva é tratar os fenômenos sistemático~ da língua. Como ~e pode
depreender destas observações, nossa perspccbva não se identifica com esse
tipo de análise, embora sejam relevantes os conhecimentos obtidos nestas
análises. O problema está em se 11nagmar que a língua seja apenas isso.

(b) Quanto à perspectiva que trata a língua como instrumenlo, a posição


não parece razoável pelo fato de não atingir nenhum nível de abstração dese-
jável e pelo fato de desvincular a língua de suas características mais importan-
les, ou seja, seu aspecto cognitivo e social. Além disso, tem como conseqüên-
cia a idéia de que a língua é um imlTumento transparente e de manmeio não
problemático. A compreensão se toma algo ob1ettvo e a transmi~ão de infor-
mações ~e ri<i natural. Essa perspectiva é pouco útil, mas muito adotada, em
especial pelos manuais didáticos, ao tratarem o~ problemas da compreensão
textual. Essa posição é muito comum nas teorias de comunicação em geral. É
uma das 'isões mais ingênuas.

(c) Tomando esta posição de maneira radical, enfatizando a língua como


atividade cognitiva ou apenas um sistema ele representação, pode-se incorrer no
risco de uma outra redução, que confina a língua a sua condição exclnsiva de
fenômeno mental e sistema de representação conceitual. Neste caso, como
ocorre em boa parte dos cogniti,ismos contemporâneos, teríamos dificuldades
de entender como é que a cultura. a experiência e nossa realidade cotidiana
passam para a língua. A língua envolve ahv1dadcs cognitivas, mas não é um
fenômeno apenas cognitivo. Pois o paradoxo que surge quando se toma a língua
como um fenômeno apenas cognitivo é o de não se conseguir explicar seu cará-
ter social, já que a cognição éldmitida nessas teorias é um fenômeno nã<rsocial.
De qualquer modo, o cogniti' ismo que vamos aqui admitir é o defendido pela
hipótese sociocognitfrista, que não se confina na imanência do cérebro nem pro-
põe a língua como um fenômeno biológico (reslrilo às sinapses cerebrais).

d) Essa posição toma a língua como uma alividade sócio-h istórica, uma
atividade cognitiva e atividade sociointerativa. Na realidade, contempla a lín-
gua em seu aspecto sistemático. mas observa-a em seu func10namcnto soc ial,
cognitivo e histórico, prcdo111111ando a idéia ele que o sentido se prodll7
situadamentc e que a língua é um fenômeno encorp<ido e não ab~trato e autô-
nomo. '\/ão ignora a forma sistemática nem de ixa cle observar a regularidade
sistemática. Assim, essa visão deveria receber 11111a série de esclarecimentos
para poder tornar-se produtiva. E la será adotada neste curso e explicitada ao
longo da abordagem fei ta a seguir.
Primeira Parte 1 Processos do produ~ão textual

Assim, a postura geral aqui adotada pode ser caracterizada como textuaJ-
discursiva na perspectiva sociointerativa, isto é, consideramos o texto em seu
aspecto tanto organizacional interno como seu funcionamento sob o ponto de
'ista enunciativo. Uma excelente .jlbordagem nesse sentido pode ser \rista nos
trabalhos de lngedore Kocb, em particular em seu livro sobre as atividades tex-
tuais na perspectiva cognitiva e enunciativa, que ainda será tratada adiante 7 .

1.5 Aprofundando a nofão de língua por nós adotada

Uma vez feita a discussão teórica acima, podemos indagar qual a posição
a ser adotada. É esta a questão a que nos voltamos a seguir.

Na realidade, nosso trabalho se dará na perspectiva (d), chamada tcxtuaJ-


mterativa. Nesse caso, não se deixa de admitir que a língua seja um sistema
simbólico (ela é sistemática e constitui-se de um conjunto de símbolos orde-
nados), contudo ela é tomada como uma atividade soc iointerativa desenvolvi-
da em contextos comunicativos historicamente situados. Assim, a língua é vista
como uma atividade, isto é, uma prática sociointerativa de base cognitiva e
histórica. Podemos dizer, resumidamente, que a língua é um con junto de prá-
ticas soci a i~ e cognitivas historicamente situadas. Podemos dizer que as línguas
são objetivações lústóricas do que é falado.

Tomo a língua como um sistema de práticas cognitivas abertas, flexí-


veis, criativas e indeterminadas quanto à informação ou estrutura. De outro
ponto de vista, pode-se dizer que a língua é um sistema de práticas sociais e
históricas sensíveis à realidade sobre a qual atua, sendo-lhe parcialmente
prévio e parcialmente dependente esse contexto em que se situa. Em suma,
a língua é um sistema de práticas com o qual os falantes/ouvintes (escritores/
leitores) agem e expressam suas intenções com ações adequadas aos objeti-
vos em cada circunstância, mas não construindo tudo como se fosse uma
pressão externa pura e simples.

Podemos lembrar aqui mais uma vez a posição de Batista (1997: 21 )


quando ele afirma:

7. Refiro-me ao livro de lngedore Villaça Koch 12001}. Desvendando os segredos do texto. São
Paulo: Cortez. A leitura desse livro é aqui enfaticamente acomelhada por ser exemplar no modo de
tratar boa parte dos processos de o rganização e condução tópica e aspectos da produção de sentido com
as anáforas ditas associativas e indiretas.
Luiz António Marcuschi 1 Procht~ão textual, allálise de gêneros • ,_preensão

Na linguagem e através dck1, portanto, constitui-se não só uma determinada organ i-


zaçJo da experiência do rea 1, mas também detenninados lugares para os interlocutores
e demarcadas relações entre eles

Veja-se o caso do uso do'> pronomes: um cu marca a posição pessoal e o


você indica que o eu não está incluído e a imagem que produzo é de um
outro. O nós inclui a mim e a imagem não será a mesma que as duas anterio-
res: o nós inclui o eu e o outro. As identidades construídas e subsumidas no
caso dos quantificadores para grupos, por exemplo, todos, alguns, nen hum,
poucos e assim por diante, refletem mais do que simples agrupamento, pois
envoh-em também a construção de imagens. Portanto, como lembra Batista
(1997: 21-22), ''falar é agir" tanto sobre si, como sobre os outros e sobre o
mundo. f<àlar não é apenas comunicar algo e sim produzir sentidos, produzir
identidades, imagens, e>:periências e assim por diante.

Certamente, quando estudamos o texto, não podemos ignorar o íuncio-


namento do ..sistema lingiiístico" com sua fonologia. morfologia, smtaxe, léxi-
co e semântica; ne11te caso estamos apenas admitindo que a língua não é caó-

li tica e sim regida por um sistema de base. \-las ele não é predeterminado de
modo explícito e completo, nem é auto-suficiente. Seu funcionamen to vai ser
in tegrado a uma série de outros aspectos sensíveis a muitos fenômenos que
nada têm a ver com a forma diretamente.

Não obstante a \isão acima defendida, é bom ter presente que há vários
aspectos <lo funcionamento da língua que são mais bem explicados quando os
observamos no nível do sistema. Por exemplo, a variação lingüística pode ser
explicada na correlação com fatores sociais, mas os fenômenos que sistemati-
camente variam são estmturais, tais como 011 fonológicos e os morfológicos.
Assim, q mndo 't fala em mo e função, não -;e 1bnora a cxistênc1J dt fom1as.
Apenas frisa-se que as formas não são tudo no estudo da língua e que as formas
só fazem sentido quando situadas em contextos sociointerativamente relevan-
tes. Esta é a distinção com C homsky, que julga ser próprio da li ngüística ape-
nas o estudo da realidade mental <la língua e não o seu aspecto externo, ou
seja, o funcionamento na sociedade e nas relações intersub jetivas.

Uma dai. tendências mais comuns na lingüística do século XX, até recen-
temente - típica do estruturalismo -, foi centraHe no estudo do código, islo
é, na análise de propriedades imanentes ao si:stc111a de signos da língua. Trata-
va-se do que podemos chamar de uma lingüística do significante. Assim, surgi-
ram os conhecidos nfreis de análise lingüística, tais como o fono lógico, o
Primeira Parte 1 Pro<essos de produ<Õo textual

morfológico, o sintático e o semân tico. Cada vez mais essa perspectiva foi
cedendo lugar à idéia de que não se pode abordá-las isoladamente. Ainda
continua um tanto obscuro, nessa perspectiva, estabelecer uma "ponte" clara
de união ou processamento integrado desses níveis num todo, sem mencionar
a difícil assimilação do aspecto pragmático da língua. Este em gera] não é
considerado um nível de análise da língua e sim um plano do usoª.

Nas últimas décadas, com os estudos levados a efeito pelos teóricos elo
texto, do discurso e da conversação, que observam a língua em funcionamento a
partir de suas condições de produção e recepção, deu-se uma guinada na tendên-
cia '·oficial". As teorias que privilegiavam o código (o significante) como objeto
de análise e viam a língua como um sistema de regras estruturado e detem1ina-
do, não tinham condição de se fazer indagações relevantes sobre uma série de
aspectos, por exemplo, a relação entre a língua falada e a língua escrita. em
podiam indagar-se sobre os usos sociais da língua. A centração do estudo no
código não podia enfrentar a variação e a produção de sentido em qualquer
a!)pccto que se manifestasse, seja nas formas lingüísticas ou na significação.

A noção de língua aqui adotada admite que a língua é variada e variável,


ou seja, supõe uma visão não-monolítica da língua e contempla pelo menos
três aspectos dessa variação ou heterogeneidade, tal como lembra Renate
Bartsch (1987: 186-190):

(a) heterogeneidade na comunidade lingüística (a população não é homo-


gênea e fala de forma diferenciada com variedades dialetais regional-
mente caracterizadas ou variedades sociais socioculturalmente marcadas);
(b ) heterogeneidade ele estilos e registros numa língua (na linguagem do
dia-a-dia, tem-se estilos mais informais e na linguagem cuidada ou técni-
ca tem-se estilos fom1ais; também observam-se registros de vários tipos,
sendo que wn falante pode dominar vários deles simultaneamente);
(e) heterogeneidade no sistema lingüístico (a língua não tem um sistema
ou o sistema, mas diversas sistematizações complementares, sobre-
postas ou concomitantes, hoje conhecidas como ' regras variáveis',
seja na fonologia, morfologia ou semântica).

8. Antes que se caia cm cquivocos e ma l-enle nclidos quanlo ao emprego <la palavra "uso", será úlil
alertar que não se trata de uma noção instrumental de uso. liso aqui é uma noção que apenHs lembra o
funcionamento da língua em seus contextos ou no plano da e nunciação. Não é um uso inslmmental.
po1~ Já ficou claro que nossa visão <lc língua não a contempla lOtno se ela fosse um instrume nto.
luiz Antônio Marcuschi 1 Producão tutual, analise de géneros e compreensuo

F.sse aspecto da língua enquanto heterogênea sugere uma compreensão


de língua diferente daquela com a qual os manuais d1dáhcos em geral operam.
A..sim, pode-se admi tir que:

• A língua é um sistema si mbólico geralmente opaco, não-transparen-


te e indeterminado sintática e semanticamente.
• A língua não é um simples código autônomo, estruturado como um
sistema abstrato e homogêneo, preexü.tente e exterior ao falante; sua
autonomia é relativa.
• A língua recebe sua determinação a partir de um con junto de fatores
definidos pelas condições de produção discmsiva que concorrem para
a manifestação de sentidos com base cm textos produzidos em situa-
ções interativa~.
• A língua é uma alividade<I social, histórica e cognitiva, desenvolvi<la
de acordo com as práticas sociocullurais e, como tal , obedece a
convençõe!> de uso fundadas em normas socialmente instituídas.

Com a concepção de língua aqui sugerida, pretendo deslocar o inte-


resse do código lingi.ifstico (imanência das formas) para o funcionamento
da língua ou, numa formulação mais comum, para a aná lise de textos e
discursos (em certo sentido, o plano da enunciação}. Isso tornará possí-
vel observar o que fazem os falantes com/na/da língua e, principalmente,
como se dão conta de que estão fazendo uma delerminada coisa com a
língua. Também permite trabalhar as relações entre oralidade e escrita 10

9. Parcialmente. mas nào m:m do que is.~. pode-se dizer que c~d noçiío de língua assemelha-~e
ao que postulava Wilhelm \011 Humbol<lt quando di7ia que a língua era eneTgeia (afoídade, processo,
energia, ação) e não ergon (produto). Segundo muito bem nota Faraco 12004). para Humboldt.
~linguagem e pensamento co11\lllm:m uma unidade. 'les~e 5enh<lo, a língua não é entendida como
apenas a marufestação ei.tc:ma <lo pensamento lalgo que vem <lepoi~ do pcmamento), mas aquilo que
o torna possível. Ela tem, llCS\C ~enh<lo. um caráter constitutivo \·iabuúa11clo a elaboração conccilual e
os aios criati\·os da mente. É por 1~\0 que l lumboldl afinna que a língua (:um processo, uma abviclade
(energeiu) e não um produto (ergon)". Na verdade, língua sena uma alividndc mental para Humboldt e
nlo um sistema gramatical. Por outro lado, não é nada intcressnntc pensar na língua como fu1ia A
Schlcichcr (1821-1867}. que a considerava como um organismo vivo com existência própria, que
nascia, desenvolvia-se e morna. Trata-~e de uma antropomorfizaçJo <111c levou à descrição de árvores
genealógicas do indo-europeu.
1O. Em um curso como e~lc niío se pode trabalhar ludo. !\la~ \Crld conveniente considerar que
hoje se distingue entre as C'({>ressõcs 'oralidade" e 'fala', de um lado e. 'letramcnto· e 'escrita', de outro.
-\o mi idade é uma pr.lhca social no uw da língua. enquanto a fala 'cria a forma asmmuil pela expressào
oral O letramento. por sua ve1., )Cria a prática social do uso diário da e!)(; ri ta cm cventoç com1111icahvo\,
enquanto a escrita sena a forma de manifestação do lctrarnenlo enquanto ahv1dade de tex1uafüação.
Para maior~ detalhes, cf. o livro de Lui1 Antônio Marcuschi (2001). Da fala para a escrita: atividade~
de retextuali::ação. São Paulo, Cortc:r
o duas modalidades enunciati,·as complementares dentro de um con-
u) de \ariações.

Com relação ao ensino, essa posição conduz.irá ao <lesem oh imento de com-


~ 1cias discursivas funcionalmenle adequadas. E, nesse caso, a competência lin-
... 1ca. enquanto domínio de formas, passa a ser um subconjunto dos fatores de
uação. füsim, a ênfase na gram{ilica pode ser mjnorada na direção de uma
;>cCti\'a mais funcionaJ e sociointcrativa no funcionamento da língua.

Com base no que nmo~ até aqui, podemos dizer que:


a) a língua se manifesta plenamente no seu funcionamento na vida diá-
ria, seja em textos lrn ia is do cotidiano ou prestigiosos e canônicos
que persistem na tradição cultural;
b) o uso da língua se chi em tventos discursivos siluados 1.ociocognitiva-
mcnte e não cm unidades isoladas;
e) a 1íngua, enquanto sistema formal, acha-se impregnada pelo discurso;
d ) muitos fenômenos relevantes e sistemáticos no funcionamento da lín-
gua são propriedades do discurso e não podem ser descritos e expli-
cados com base apenas no sistema formal da língua,
e) entre os fenômenos relevantes comandados pelo funcionamento da
língua estão as relações intcrfrásticas que não se esgotam nem se escla-
recem no âmbito da frase; por exemplo: as seqüências conectivas, as
seqüências anafóricas, as elipses, as repetições, o w.o dos artigos etc.
0 as ~cqüências de enunciados num texto não são aleatórias, mas regidas
por determinados princípios de textualização locais ou globais;
g) um texto não se esclarece em seu pleno funcionamento apenas no
âmbito da língua. rnas e'\ige aspectos sociais e cognilt' os.
Portanto, vamos admitir que a língua é uma atl\i dadc interativa, social e
mental que estrutura nosso conhecimento e permite que noc;so conhecimento
seja cslrulurado. Enquanto fenômeno empírico, a língua não é um sistema
abstrato e homogêneo, mas é:

heterogênea indeterminada
social variâvel
histórica interativa
cognitiva situada

Quando dizemos que a língua não é detem1inada, b lo s1g111fica que não


1slc uma determinação fixa apriórica, seja no aspecto sintático ou semânti-
c ri Portanto, urna mesma fo rma pode funcionar com várias significações, de
lui:r António Marcuschi 1 Producão textual, analisr dr grneros e comprrrnsõo

maneira que não há uma determinação semântica proveniente do próprio


!.istcma lingüístico. De igual maneira, podemos ter várias opções de determi-
nação sintática para uma dada construção.

Veja-se o caso de Eternamente (é ter na mente, éter na mente, é temamen-


te ... ) e os mais diversos casos de ambigüidade, sejam eles de natureza sintática
ou semântica, como esta manchete do D1,\R/o DE:: Pi:.RNAMBUCO em primeira
página (13/05/20004):

Fraude no Rio é investigada


no Detran de Pernambuco

Como devemos cnlcndcr esta manchete?

1. Trata-se de fra11clcs cometidas (pelo Detran) no Rio que agora serão


investigadas pelo Detran de Pernambuco? ou
2. Trata-se de fraudes cometidas pelo Delran do Rio com ramificação
em Pernambuco?

Somente a leitura do texto que segue a manchete pennite esclarecer a situação.

r Fraude no Rio é investigada no Detran de Pernambuco


Fraude no licenciamento de veículos no Rio pode ter ramificação em Pernambuco e em mais
quatro estados. Oesquema simula vistorias nos carros fora do estado de origem.
ro~rr Dtlllill 111 l'ult.wllm Rede. l3lll5/2004

Outro exemplo de :unbigüidade seria o contido na manchete do DL-\RIO


DI PER.\ \\1Bl'CO (02/1 1/2005) em que se lia a notícia abaixo. à primeira \'ista
com duas possibilidades interpretativas. Poderia ~cr lanlo a crise na televisão
como a crise 110 Governo Lula. Só a leitura daria uma rel>posta, mas certa-
mente, quem vivia o momento histórico brasileiro poderia logo saber que se
tratava da crise no Governo Lula com as várias CPis cm a11damento naquele
momento. Veja-se a notícia :

PRESIDENTE ACEITA FALAR SOBRE CRISE NA TV

Lula confirma ida ao Roda Viva segunda-feira e garante que não deixará de responder nenhuma
pergunta
BRASÍLIA - Após seis meses de negociações. o presidente luiz Inácio lula da Silva confirmou
ontem a participação no programa de entrevista Roda Viva. da TV Cultura na próxima segunda-
feira l.J lula serã o segundo presidente a dar entrevista ao Roda Viva no exercicio do mandato.
Primeira Parte 1 Processos de producão textual

l
Oprimeiro foi seu antecessor. Fernando Henrique Cardoso. Segundo Markun. que negociou a
entrevista diretamente com lula, o presidente disse que não quer falar só de crise. mas
também de economia e que não deixará nenhuma pergunta sem resposta. f..J
\
Pode-se admitir, ainda, que a língua é uma atividade cognitiva. Pois ela
não é simplesmente um instrumento para reproduzir ou representar idéias
pois a língua é muito mais do que um espelho da realidade). A língua é tam-
bém muito mais do que um 'cículo de informações. A [unção mais importante
dJ língua não é a infonnacional e '\Ím a de inserir os indivíduos cm contextos
)Ócio-históncos e pem1itir que se entendam.

Finalmente, postulamos também que a língua é uma forma de ação. ou


scia. um trabalho que se desenvolve colaborativamen te entre os indivíduos na
<;Ocicdadc. Nesse caso, a pragmática, como sociopragmática, passa a ter um
pape l de finido e claro no processo de produção textual, pois é um dos
determinantes das condições de produção.

1lá ainda um aspecto interessante a respeito da idéia de que a língua é uma


fonna de ação. ·ão se deve entender isso como se fosse uma ação 'ºJuntarista.
particular, consciente e plenamente indh1dual, como posh1la a pragmática tra-
dicional dos atos de fala. Sempre estamos inseridos num contexto social e em
·1lguma instituição cujos contratos somos obrigados a seguir sob pena de sermos
punidos de alguma fonna. As instiluições, as ideologias, as crenças etc. são for-
mas de coerção social e política que não permitem ao indivíduo agir como uma
entidade plenamente individual. Não somos mais sujeitos cartesianos monolíticos,
integrais e indivisíveis, que permtcm à margem do corpo e dele se desgarram
como uma alma que "olla para a divindade. Não se nega a mdindualidade nem
u respomabilidade pessoal, mas <>e afirma que as fom1as enunciabvas e as possi-
bilidades enunciativas não emanam de um indivíduo isolado e si m de um indi\'Í-
duo numa sociedade e no contexto de uma instituição.

Tomemos um exemplo: quando alguém assume um cargo oficial no go-


,·crno, pode ter, pessoalmenle, 11111a série de posições que receberão, num
dado momento, coerções inslituc1onais, e ele vai deixá-l:.1s de lado para repre-
)Cntar o papel que nesse momento lhe é exigido por pertencer àquela instihti-
ção \ssim, nem sempre se pode recriminar quando alguém "muda de opi-
nião" ao assumir uma posição oficial. pois ele passa a f:ucr parte de um corpo
maior do que ele e suas crenças pessoais. São novas condições de produção
discursiva que entram cm jogo. Um ato lingüístico pode ser formalmente igual
do ponto de vista do enunciado. mas, do ponto de vista de sua significação e
luiz Antônio Marcuschl 1 Protlucão tutual, analise de gêtieros e cG111preensão

de seus efeitos, ele será bem diverso, a depender do lugar que o condiciona,
i~to é, das condições de produção em que foi reali1ado.

Não nos aprofundaremos nesse ponto, pois isto deve retomar mais adian-
te ao trabalhann os o aspecto tia co,11preensão textual. Ali veremos que uma
análi'le textual baseada no código não tem condições ele incorporar a produ-
ção de sentido, nem tem condições de perceber os efeitos de sentido a partir
de lugares enunciativos di\ erSOS OU de crenças diversas. J~ por ISSO que O foco
deve sair do código para o discurso. ' l emos de ir do enunciado para a anunciação
e para o funcionamento da língua. \fas antes disso, seria bom dar uma breve
olhada na noção de sujeito, um temio central \árias ve1cs empregado nessas
reflexões e nunca pcmado cm suas propriedades centrais.

1.6 Nofão de suieito e subietividade


Para muitos autores, a reflexão sobre o funcionamento da língua em socie-
dade depende da noção de suieito que temos. Assim, tudo indica que um dos
pontos centrais que distinguem as Yárias correntes de AD (e por exiensão, qual-
quer teoria lingüística) pa<>sa pela noção de su1e1to. J\ questão é: o que carac-
tcritaria o sujeito enquanto ser humano? Sua nalurcza, os aspectos sociais 011
os fatores Ugados ao inconsciente? (cf. Possenti, 1993) 11•

Para Possenti ( 1993), tratar do sujeito é responder à questão da re lação


entre quem fala e o que é falado. E neste caso temos lrês respostas possíveis (cf.
Posscnti, pp. 15-17). que reporto aqui para discussão:

( l) numa ddas se responde a séno "eu falo", isto é, acredit<HC que o falante agrega ao
enunciado que produz numa determinada instância algum mgrcdiente relevante para
a interpretação. Em outra~ palJvras, o fato de o falante c,cr um ou outro pode não ser
indiferente. O modo mai~ elementar de se argumentar cm favor desta tese é dizer que
enunciados como ''cu estou aqui '' só podem ser intcrprct:idos considerando-se sua
enunciação e 1.p1e c~la cnvokc crucialmente o falante. Diz-se, em casos como c~tcs.
numa certa tradição ( Bc11vcnistc, p. ex.), que este enunciado está marcado pela ~ub1c·
ti\idade, que por isso ele é discurso. O mesmo se dá em casos como ~infel izmente. p
ou "take7 p'", em que.• c,c interpreta umfeL2me11te" e "talvez" como sendo O ponto de
'ista do locutor sobre p l\1arca~ de subjetividade, portanto. li Uma outra forma de

11 Refiro-me ao \e11lo de Smo Pos~cnli (1993}. Concepções <le rn1c1 to nn lmguagem. Boletim da
,\ bralin, n. São Panlo: USP. pp n.~Q.
Primeira Parte 1 Processos de produ,ão textual

considerar da maneira acima definida a relação do enunciado com o falante é a que


invoca a relevância da mtenção do falante ao dizer algo através de um certo enuncia-
do. Se compreender é descobrir a mlcnção do falante[ ... ] lem-~c que aceitar que de
certa fonna o sujeito da em11,ciação é responsável pelo sentido. Para os advcrSéÍnos
desta hipótese, estJ maneira de ver a relação do M11eito com a língua implica aceitar
que a língua está à disposição de mdil..iduo~ que a utilizam como se ela não th·esse
história [... ] Uma característica importante desta conccpçflo é a de que 'e acentua o
predomínio. se não a exclm1vidadc, da con~ciência individual no u~o da lmgi.1agcrn.
Em outras palC1vras, o falante sabe o que quer dizer e ~be c1ual a melhor maneira de
fa7ê-lo para produzir 0) efeitos que quer. r.. J o~ ad\er:;ános desta concepção diz.em
que se confere ao sujeito da enunciação, desta forma, o estatuto de fonte do ~e11tido.
[... ] O correlato político desta concepção de su1e1to na linguagem seria a ideologia
liberal, 'cgtmdo a qual os indi\íduo~ fazem o que querem na hi~lória. I .J O sujeito faz
a história. assim como produ/ sentidos. \língua não seria um entrave a suas intençõc!..
Esta concepção imcrevc-:.e "numa filosofia do su1e1to neutro. transparente a si próprio
(mm filosofia de antes da de~coberta freudiana). e naquela de um stqc1to sem dctcm1i-
nações sócio-1deol6gica\ (uma filosofia de antes ele Marx).

(2) Contra a idéia wgundo a qual o falante pode controlar o sentido de seus enuncia-
do~ erguem-se 1.. 1concepç·ões segundo as quais o indivíduo não é be111 como se
pensava até então que fosse. Sua co n~ciênc1a, quando existe, é produzida de fora e
ele pode não saber o que fa1 ou o que d1t. L ma das maneiras de assinalar a diferença
de concepçõc\ é substituir a expressão "eu falo" pela expressão ''fala-se". para dar
conta da relação entre aquele que fala e o que é falado. Nc~ta expressão, o "se"
significa que que111 fala de fato é 'emprc um su1e1to anôn11110, \oc1al, em relação ao
qual o indinduo que cm determinado momento ocupa o papel de locutor é depen-
dente. repelidor, etc. [... ] Os provérbios são talvez os melhores exemplos, mas há
outros tantos enunciado~ como "fumar fa1. mal~ saúde, o álcool fa1. mal ao corpo e
ao espírito, os políticos ~ão todos 1gua1s, lugar de mulher e: na cozinha, preto quando
não Íél7 na entrada faz na saída, etc"[... 1..>\ssim, é difícil encontrar um enunciado que
já não tenha sido dito. Tudo já foi dito. [... ) F'ica claro, assim o que quer dizer
..su1cito é falado, assujc1tado". há uma estrutura que fala atraH:s de indi\ íduos que
são leYados a ocupar nela detem1inadas posiçõe~ a partir das quais podem e devem
dizer certas coisas e não outras. O indivíduo que faJJ é sempre porta-vo1.. Você não
fala, é nm discurso anterior que fala atra\'és de você O padre repete. o jui1 repete, o
advogado repete, o professor repele. os escritores se repetem. a literatura diz i.cmpre
a mesma coi\a. as piadas veiculam sempre o mesmo ponto de vista. [... ] A fonte do
sentido é a formação discursiva a que o enuncwdo pertence (se puder pertencer J
mais de uma poderá ler mais de um sentido [.. ].

(3) A psicanálise, por outro lado, nos mostra que quem fala é o nosw inconsciente,
que às\ czes rompe as cadeias da censura e diz o que o ego não quer Nc~ta posição.
luiz Antônio Marcuschi 1 Prodll(ão tntual, análise de gêneros e compreensão

responder-se-ia que é o "isto" ou o id que fala. O sujeito. 11<.~lc caso, de norn, não I!
consciente, não conlrob o ~cnti<lo do que diz. rreud (1905) cm seu Psicopatologia
da Hda cohdia11a no~ dcí exemplos interessantes.
a) durante uma tempestuosa asseoV>léia, o coordenador disse: "agora iremo~ slreite11
(brigar). [em vez de schreiten (prosseguir)] no quarto item da agenda" (p. 95).
b) um senhor convcrsavn com uma senhora e lhe perguntou: "a senhora viu a expo-
sição (Auslage) na Werlhc11n? O lugar está completamente decotado (em vez de
decorado) (p. 96).

Seguramente, a concepção de sujeito aqui adotada não é a (1 ), que su-


põe um sujeito humano em carne e osso, intencional, consciente e com uma
linguagem transparente que não lhe oferece resistência. l\fas também não ~crá
a do sujeito (2) nem (3) pura e simplesmente, poi!) não se pode admitir um
"sujeito assujeitado" e que não lenha vontade, nem um sujei to que seja só
insc rição na história e no 1nconscíente. O sujeito de que fo l<1mos aqui é aquele
que ocupa um lugar no discurso e que se determina 11<1 relação com o outro.
O estruturalismo expulsou o sujeito da língua e enfatizou o sistema j<í
que, como lembra Posscnh (p. 20).

a língua te111 um funcionamento que independe do falante, independe do indhí-


dno; é social[.. J e um sistema auto-suficiente. É por ser a1llo-sufieicnlc, não por ser
social, que independe do indivíduo. Por detrás dela não c~l ão ralante~, motivações,
ele., estão outras estruturas.

Para os marxista~. isto significava eliminar a história e os condicionamen-


tos c;uperestruturais e ao mesmo tempo elimiml\a a práxis. O problema do
estruturalismo é sua concepção de língua como externa ao sujeito que é seu
produto, sendo ela tramparcnte e autônoma. O sujeito lena morrido nesse
caso e não seria um autor, tal como já postulavam Foucault ou Barthes. Como
autor. o sujeito é. no má,imo, dono de uma "fala", mas esta não é o objeto da
lingüística e é um exterior.

Em suma, pode-se di7cr que o sujeito não é nem assu1citado nem lolal-
mcntc individual e consciente, mas produto de uma clivagem da relação entre
linguagem e história. Em não sendo totalmente livre, nem determinado por
alguma exterioridade, o ~u1c1to se consbtui na relação com o outro e, como
lembra Possenti, citado acima, o sujeito não é a tínica fonte do sentido, pois
ele se inscreve na hi~tória e na língua.

lema interessante neste contexto e que não será aqui aprofundado, é a


questão de como se dá a subjetividade na linguagem. Para tanto, podemos
Prilnelra Parte 1 Processos ele produ,ão textual

remontar a Émile Benveniste (1976) em seu famoso trabalho "Da subjetivida-


de na linguagem" 12 , para quem

é na linguagem e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito; porque só


a linguagem fundamenta na realidad~, na sua realidade que é a do ser, o conceito de
"ego" (p. 286).

A subjetividade é o que o autor chama de "capacidade do locutor se


";>ropor como 'sujeito"'. Trata-se da emergência do eu no seio da linguagem,
ou seja, "é o 'ego' que diz ego" (p. 286). Mas este eu se determina na relação
....om o tu, como já dissemos, pois

a consciência de si meMno só é possível se experimentada por contraste. Eu não


emprego eu a não ser dirigindo-me a alguém, que será na minha alocução um tu. Essa
condição de diálogo é que é constitutiva da pessoa, pois implica em reciprocidade -
que eu me tome tu na alocução daquele que por sua vez se designa por eu (p. 286).

O eu fundamenta a consciência de si e esta, como se viu, dá-se no con-


traste com wn tu. Assim, a sub;etividade nasce no seio da intersubjetividade.
Esses aspectos vão se tornar relevantes no tratamento do Lexto quando se ob-
~ervar o funcíonamento dos dêiticos (este, aqui, agora, hoje etc.) sejam de
lugar, tempo, pessoa ou mesmo a modalidade e os tempos verbais.

Estas questões deverão retornar em dois momentos:

(a) quando nos voltarmos para o funcionamento dos pronomes no texto e


(b) trabalharmos a compreensão textual.

1.7 No~ão de texto e lingüística de texto


Todos nós sabemos que a comunicação lingüística (e a produção discursiva
em geral) não se dá em unidades isoladas, tais como fonemas, morfemas ou paJa-
nas soltas, mas sim em unidades maiores, ou seja, por textos. E os textos são, a
rigor, o único material lingüístico observável, como lembram alguns autores. Isto
quer dizer que há um fenômeno lingüístico (de caráter enunciativo e não mera-
mente fom1al) que vai além da frase e constitui uma unidade ele sentido 13 . O tcxlo

12. Émile Bem·eniste ([ 1958] 1976). Da s11bjeti"1dade na linguagem. ln: Problema$ de lingüística
geral. Vol. 1. São Paulo: Companhia Editora Nacional e EDUSP. pp. 284-293.
13. Quanto ao problema de se considernr o texto urna un idade de análise ou não, podem-se
consultar as observa~·ões de Anne Reboul & Jacque~ Moeschler ( 1998) Pragmatique de discours. De
luiz Antônio Marcuschi 1 Producão textual, analise de generos e compreensão

é o resultado de uma ação lingüística cujas fronteiras são cm geral definidas


por seus vínculos com o mundo no qual ele ~u rge e funciona. Esse fenômeno
não é apenas uma extensão da frase, mas uma entidade teoricamente nova
(como já disse Charolles). Exigç explicações que exorbitam as conhecida11
análises do nível morfossintát ico.

O te>..1o pode ser lido como um tecido estruturado, uma entidade significa-
ti\'a. uma entidade de comunicação e um artefato sócio-h i~tórico. De certo modo.
pode-se afinnar yue o te,10 é uma (re)construção do mundo e não uma simples
refração ou reflexo. Como Bakhtin dizia da linguagem que ela 'refrata' o mundo
e não reflete, também podemos afirmar do texto que ele refrata o mundo na
medida em que o reordena e reconstrói. Neste curso, vamos nos dedicar a essa
entidade comunicaliva que ronna uma unidade de sentido chamada texto. Tan-
to o texto oral como o escrito. Pois oralidade e eseritaH são duas modalidaJe~
discursivas, igualmente relevantes e fundamentais, como ainda veremos adiante.

Aqui, enuncio brevemente a noção de te>..to que \'amos adotar neste cur-
~o. Ela foi desenvolvida por Beaugrande (l 997: 10) e postula que:

L ·otexto é um evento comunicativo em que convergem


ações lingüísticas. sociais e cognitivas.•

Mu itos são os a~pcctos que devem ser aqui tratados para dar conta desta
definição. Em resumo, ela envolve tudo que ncces~ila111os para dar conta da
produção textual na perspectiva sociodiseursiva.

l'mterprettJhon de /'énoncé iJ /'intcrprétation du discouni. Pans \nnand Colm. cm ~c1al as pp. 21-2;,
que se discute que hpo de unidade é o texto Para os autores (p 25 ), 1.:x1stcn1 três hpos de urndades
l'lll

lin~uísltcas. ra) umdades mdi1·ishds (por exemplo: fonemas): l b) wridtJde$ emergentes e composta;. (por
c\cmplo: morfemas e !c) unidadet (onnaÍ$ que emergem pefos regra~ Cpor c'cmplo: fras~ ). O texto n~o
C: nenhuma dessa~ e nao pode \Cr tido como uma un idade lmgllfatic,1 para e)ses autores. Para eles !p
26). "o msr.uRsO tem características que não se explicam pelos clc111cnlm que o compõem e pelas
relações entre esses elementos" J\ q\lcstilo é muito complex.1 e não pod<.> ser acp1i resolvida, no e11tanto
num ponto os autores têm ramo. Nuo ~e pode diter que o texto sc1a 11mn umdade elo tipo frase ou
rnorfcma. sintagma etc Ca5(1 ÍO\SC :1~~1111, poderfamo:, dar-lhe UlllJ ~ramálica rigorosa de boa-formação
o que não é possívd em h1p6tc~1: alguma. /\..sim. no ca~o do te\IO, C\lamo~ di,mte de uma u111dJd
proce<~ual. uma umd.1de <cmjntica, um e\ento.
H Sugiro cuidado co111 o mo da <.'XpressJo "escrita", que aqui est.1 sendo empregada de maneira
técnica Refiro-me. nesse momento, dO\ problemas de ordem l111gübtic.1 cm \entido mais rest11to. IU
uma ~pressão que ho1e <e tomou comum e tem um uso muito mais <1111plo. rsto é, letramento Com a
c:~pri.~lo letramento têm-w c111 mente o~ usos ;ocia1s da escrita n11m;1 dad:i <OC edade. :-Jão bj um
lctramento apenas. mas sim 11111 tonlínuu de letramentos L mab do que o ~imples domínio da c~cnt
íormal. Não se confunde com a alfabeh1.ação nem com o uso ela C\Crrla .1penns. '\Ja segunda parte dc~t.
curso, teremos oportunidade de <l1scullr alguns aspectos a esse respeito.
Primeira Parle 1 Processos de producao textual

A lingüística de texto (doravante LT), surgida nos meados dos anos 60 do século
)...'(, trata hoje tanto da produção como da compreensão de te>..tos orais e escritos .
•~icialmente, só se ocupava dos textos escritos e com o processo de produção. Seus
mteresses e objetivos ampliaram-se muito.nos anos 90. Para uma boa infonnação
<-Obre o desenvolvimento da LT nos últimos 30 anos, vejam-se os trabalhos de
\farcuschi (1983), lngedore Koch (1999) e Anna Christina Bentes (2001)15•

Sob w11 ponto de vista mais técnico, a LT pode ser definida como o estu-
do das operações lingüísticas, discursivas e cognitivas reguladoras e
controladoras da produção, comtrução e processamento de textos escritos ou
( rais em contextos naturais de uso.

A i.:r parte da premissa de que a língua não funciona nem se dá em unidades


~!adas, tais como os fonemas, os morfemas, as palavras ou as frases soltas. Mas
.m em unidades de sentido chamadas texto, sejam elas textos orais ou escritos.

A motivação inicial da LT foi a certeza de que as teorias lingüísticas tradi-


a onais não davam conta de alguns fenômenos lingüísticos que apareciam no
·~~to. E estes fenômenos eram resumidos numa expressão quase mágica: rela-
'iões interfrásticas. Constatava-se que certas propriedades lingtiísticas de uma
irase só eram explicáveis na sua relação com uma outra frase, o que exigia uma
... oria que fosse além da lingüística de frase. Só assim se explicaria a anáfora,
~) propriedades textuais do artigo e também o problema da elipse e repetição,
entre outros. Contudo, se no início da LT o argumento era a necessidade de
e:;envolver uma gramática transfrástica, hoie o argumento para se prosseguir
~o desenvolvimento de uma LT já é outro.

Hoje não se fala mais em gramática de texto. E ssa noção supunha que
seria possível identificar um conjunto de regras de "boa fonnação textual", o
que se sabe ser impossível, pois o texto não é uma unidade formal que pode ser
clefi nida e determinada por um conjunto de propriedades puramente
tomponenciais e intrínsecas. Também não é possível dar um conjunto de
regras formais que possam gerar textos adequados.

lrnaginemos a dificuldade que teríamos de propor regras para a produção de


.dos os gêneros textuais; ou então as regras para obter efeitos de sentido específ1-

15 . Além desses estudos. podem-se ler, sobre as noções de LT e texto, os estudos de Leonor Pávero
t. lngedore Koch (l 983). Lingílística textual. São Paulo: Cortez. Também o trnbalho de lrandé Antunes
'99). CQeSiio lexical. Recife: Editora da UFPF.. Recentemente, saiu sobre o mesmo tema o lrabalho de
::andé Antunes (2005). Lutar com palavra.~. Coesao e coerencia. São Paulo: Par:füola Editorial.
luiz António Marcuschi 1 Ptodurno trxtuol, analise de genero> e comprecnsiio

cos; ou as regras para seqüenciar conteúdos ou dar saltos temáticos. produzir


digressões etc. O projeto seria impossível e inviável. Foi isto que levou os gramáticos
do te:'.l.to a desistirem da idéia. A teoria textuaJ é muito mais uma heurística do que
um conjunto de regras específicas enunciadas de modo explícito e claro.
Dizer que os critérios definidores das propriedades de um texto são
heurísticos equi\'aJe a propor que sejam indicativos e sugestivos para permitir a
produção e a compreensão, mas não regras rigiclas e formais como condições
necessárias e suficientes para a boa-formação te\.tual.
A LT, abordada cm :.cntido estrito, é algo bem diverso da análise literária;
também é diferente da retórica e da estilística. embora C\'idencie parentescos
com ambas. Configura uma linha de investigação interdisciplinar dentro da
lingüística e como tal exige métodos e categorias de várias procedências. Hoje
é a perspectiva que vem fornecendo a base teórica mais usada no estudo da
língua em sala de aula. \1as não se pode imaginar que haja apenas uma L;r.
A questão à qual elevemos responder é: como e onde situar o texto nos
estudos lingüísticos, já que a~ definições de texto não fa7cm alusão a nenhum
dos níveis lingüísticos de análise? O texto está no ní\el do sistema ou é sim-
plesmente um fenômeno cio funcionamento do sistema? Aqui, as posições teó-
ricas têm variado.
Segundo Ferclinand ele Saussure [1916], por exemplo, a frase não é uma
unidade da tangue e sim da parole (do uso, da fala); Noam Chomsky [ l 965] e
(1986], por sua vez, já tem na frase a unidade básica da língua (mas sua preo-
cupação se rnlta para a competência lingüística ideal e abstrata e não para a
frase em uso). A Chomsky. como vimos, não interessa o desempenho.
Assim como a lingüfatica teórica se dedica ao esh.1do do sistema ,·irtual da
língua, a lingüística ele lc,lo dedica-se ao estudo da atualização desse sistema em
situações concreta!. de uso. bto foz com que alguns lingüistas situem a LT fora do
estudo da língua i>'lricto sensu. b:sla postura será comum aos lingüistas que seguem
Saussure [1916], Bloomficld [ 1933], Chomsky [1965] e muitos outros.
•\ LT distingue entre i;entido e conteúdo e não tem como objetivo uma aná-
lise de conteúdo, já que isto é objeto de outras disciplinas. O conteúdo é aquilo
que se diz ou descre,·c ou designa no mundo, mas o sentido é um efeito produ-
zido pelo fato de se di1.er de uma ou outra forma ~se conteúdo. O sentido é um
efeito do funcionamento ela língua quando os falantes estão situados em contek
tos sócio-históricos e produzem textos em condições específicas.
Primeira Parte 1 Processos de produ~ão textual

Pelo fato de o texto ativar estratégias, expectativas, conhecimentos


lingüísticos e não-lingüísticos, a LT assume importância decisiva no ensino de
língua e na montagem de manuais que buscam estudar textos. Ela deve prestar
um serviço fundamenta l na elaboração de exercícios de produção e compre-
ensão de textos (cf. mais alguns elementos a este respeito no trabalho de Gra-
ça Costa Vai, 2000).

De uma maneira geral, as diversas vertentes da LT hoje aceitam as seguin-


tes posições:

• A LT é uma perspectiva de trabalho que observa o funcionamento da


língua em uso e não ín vitro. Trata-se de uma perspecliva orientada
por dados autênticos e não pela introspecção, mas, apesar disso, sua
preocupação não é descrilivista.
• A LT se funda numa concepção de língua em que a preocupação
maior recai nos processos (sociocognitivos) e não no produto.
• A LT não se dedica ao estudo das propriedades gerais da lingua, como
o faz a lingüística clássica, que se dedica aos subdomínios estáveis do
sistema, tais como a fonologia, a morfologia e a sintaxe, reduzindo
assim o campo de análise e descrição.
• A LT dedica-se a domínios mais flutuantes ou dinâmicos, como obser-
va Beaugrande ( 1997), tais como a concatenação de enunciados, a
produção de sentido, a pragmática, os processos de compreensão, as
operações cognitivas, a diferença entre os gêneros textuais, a inser-
ção da linguagem em contextos, o aspecto social e o Funcionamento
discursivo da língua. Trata-se de uma lingüfstica da enunciação em
oposição a uma li11giiística do enunciado ou do significante.
• A L1 tem como ponto central de suas preocupações atuais as reJações
dinâmicas entre a teoria e a prática, entre o processamento e o uso
do texto.

Não há dúvida de que a r.:1 situa-se nos domínios da lingüística e lida com
ratos da língua. além de considerar a sociedade em que essa língua se situa. A
~T opera com fatos mais amplos que a lingüística tradicional. Contudo, quan-
do se faz uma análise textual, deve-se ter em mente que os aspectos estrita-
'llen te lingüísticos, tais como a fonologia , a morfologia, a sintaxe e a semânti-
ca, são imprescindíveis para a estabilidade Lextual.

O que se postula e nfa ticamente na i.;r é que a lfngua n<io tem autonomia
,jntática, semântica e cognitiva. O texto não é simplesmente um artefato
Luiz Antônio Mar<us1hi Produ1ao le1t110I, analise de grncro> e compreensao

lingüístico, mas um c\·cnto que ocorre na forma de linguagem inserida em


contextos comunicativos. ;\s~im, poderíamos concluir estas observações preli-
minares com a posição sislcmática de que: a lingüística de texto é uma perspec-
tiva de trabalho com a lfnguCI que recusa a noçcio de aulonomia da !fngua.
Metodologicamente, lidamos, na L1, com um domínio empírico (islo
é: o íuncionamento efetivo da língua) e não formal. Assim, a Lr é uma
perspectiva de trabalho orientada por dados autênticos, empíricos e ex-
traídos do desempenho real. \ão é uma análise de observações introspec-
tivas. É importante determinarmos com certa precisão este domínio, já
que não se trata de uma panacéia geral , mas de um estudo controlado.
Seu tema abrange:

(a) coesão superficial (nível dos constituintes lingüísticos);


(b) coerência conceituai (nível semântico, cognitivo, inlersubjetivo e fun-
c ional);
(e) sistema de pressuposições (implicações no nível pragmático da pro-
dução de sentido no plano das ações e 111tcnções).

• Em suma: o trabalho com a língua portuguesa, na per~pectiva


leria de se ocupar com algo mais do que o en!)ino e aprendizagem de regras ou
normas de boa-formação de seqüências lingüísticas. Trata-se de um estudo em
que se privilegia a variada produção e suas conlcxtualiz;1çõcs na vida diária.
de uma Ll,

Hoje em dia, não fa.l muilo sentido discutir se o texto é uma unidade da
Langue (do sistema da língua) ou da parole (cio uso da língua). Trata-se de
uma unidade comunicativa (um evento) e de uma u111dade de sentido rcali.la-
da tanto no nível do uso como no nível do sistema. ' tanto o sistema como o
uso têm suas funções essenciais na produção tc:-..tual. !\las, de qualquer modo,
o te>.to não é uma unidade formal da língua como, por exemplo, o fonema, o
morfema, a palavra, o s111tagrna e a frase.

É provável que certos aspectos formais da língua tenham influência na


seqüenciação dos enunciados. assim como certas propriedades comunicativas
exercem pressões discursivas sobre o texto. Contudo, não há uma regra que diz
qual o conteúdo que deve necessariamente se seguir a oulro determinado con-
teúdo numa seqüência textual. O que determina a seqüência é uma relação
muito complexa e não há regras fixas para isso.

Conhecemos alguma~ seqüências chamadas pC1res ad;acentes na conver-


sação, tais como "pergunta-resposta" ou "afirmaçao-comenlário", entre outros.
Primeira Parte 1 Processos de produ1ão textual

Estas seqüências são comandadas por relações de relevância. Mas nem tudo
se comporta dessa fonna nas seqüências textuais.

O que se pode afirmar com certa segurança é que a seqüência dos enun-
ciados num texto não pode ser aleatória sob o ponto de vista Língü(stico, discursivo
ou cognitivo. Isto equivale a dizer que se, por um lado, as operações tipica-
mente lingüísticas como a sintaxe, a morfologia e a fonologia são imprescindí-
veis e inevitáveis, a análise textual não deve parar nesses aspectos, pois até eles
mesmos podem ser comandados por orientações discursivas, como no caso de
muilas anáforas e até mesmo de certas concordâncias sintáticas.

O texto acha-se construído na perspectiva da enunciação. E os processos


enunciativos não são simples nem obedecem a regras fixas. Na visão que aqui
se está propondo, denominada sociointerativa, um dos aspectos centrais no
processo interlocutivo é a relação dos indivíduos entre si e com a situação
discursiva. Estes aspectos vão exigir dos falantes e escritores que se preocupem
em articular con juntan1ente seus textos ou então que tenham em mente seus
interlocutores quando escrevem.

Usando de uma imagem diria que, do ponto de vista sociointerativo, produ-


zir um te;...io assemelha-se a jogar 11m jogo. Antes de um jogo, temos um conjunto
de regras (que podem ser elásticas como no futebol ou rígidas como no xadrez),
um espaço de manobra (a quadra, o campo, o tabuleiro, a mesa) e uma série de
atores (os jogadores), cada qual com seus papéis e funções (que podem ser bastan-
te variáveis, se for um futebol, um basquete, um xadrez etc.). Mas o jogo só se dá
no decorrer do jogo. Para que o jogo ocorra, todos devem colaborar. Se são dois
times (como no futebol) ou doís indivíduos (como no xadrez. e na conversação
dialogal), cada um terá sua posição particular. Embora cada qual queira vencer,
todos devem jogar o mc~mo jogo, pois, do contrário, não haverá jogo algum. Para
que um vença, devem ser respeitadas as mesmas regras. Não adianta reunir dois
times num campo e nm querer jogar vôlei e outro querer basquete. Ambos devem
jogar ou basquete ou vôlei. Assim se dá com os textos. Produtores e receptores de
texto (ouvinte/leitor - falante/escritor) todos devem colaborar para um mesmo
fim e dentro de um conjunto de nom1as iguais. Os falantes/escritores da língua, ao
produz.irem textos, estão enw1ciando conteúdos e sugerindo sentidos que devem
ser construídos, inferidos, dctenninados mutuamente. A produção textual, assim
como um jogo coletirn, não é uma alividade unilateral. Envolve decisões conjun-
tas. Isso caracteriza de maneira bastante essencial a produção textual como uma
atividade sociointerativa.
Luiz Antônio Marcuschi 1 Prod~ão textual, ·análise de gêneros e co111prn nsão

Embora imagens e metáforas sejam heuristicamente adequadas para dar uma


visão plasticamente rica e clara, é necessário, num passo posterior, enfrentar as
questões teórica5 e práticas. E aqui começa o nosso problema: sabemos que para
se produzir um texto deve-se seguir algu~11.as normas, mesmo que não sejam regras
rígidas. Sabemos que não se pode enunciar de qualquer modo os conteúdos, já
que isso não favoreceria a compreensão pretendida. Também sabemos que deve
haver pelo menos uma noção clara do quanto se deve dizer e do quanto se pode
deixar de dizer, isto é, sabemos que os textos são desenhados para interlocutores
definidos e para situações nas quais supomos que os texios devem estar inseridos.

Um dos problemas constatados nas redações escolares é precisamente


este: não se define com precisão a quem o aluno se dirige. A cena textual não
fica clara. Ele não tem um outro (o auditório) bem determinado e assim tem
dificuldade de operar com a linguagem e escreve tudo para o mesmo
interlocutor que é o professor. E nós sabemos que a mudança de interlocutor
leva a se fazer seleções lexicais diversas e níveis de formalidade distintos 16•

Muitas indagações surgem neste contexto. Entre elas estão:

Quais são os princípios mais gerais que permitem a produção de e o acesso a sentidos?
Qual o papel das relações entre os atores sociais envolvidos nos processos de enunciação
e na atividade de interlocução ao produzirem textos?
Pode-se afirmar que cada texto teria de realizar uma estrutura básica inevitável?
Caso todos os textos devessem oferecer uma estrutura básica, os gêneros textuais teriam
algum papel importante na determinação dessa estrutura?
Em que medida as intenções, os propósitos, os objetivos etc. infiuenciam na determinação
da seqüência dos enunciados?
Em que medida aspectos como nível de linguagem, grau de formalidadelinformalidade etc.
têm um papel decisivo na produção textual?
Os dois modos de enunciação - fala e escrita - têm algum papel decisivo na produção
textual a ponto de e:a:igirem estratégias de textualização totalmente diversas? J
Esta avalanche de questões serve apenas para expressar a complexidade
do problema em foco. Não se deve ter a ilusão de que vamos responder a
todas as indagações. Algumas já estão respondidas acima e outras o serão a
seguir. Algumas ficarão para o futuro. No momento, vou me ater ao segu inte

16. De grande proveito nesse contexto são as observações trazidas por Irandé Anhmes (2003).
Aula de português. Ensino O- i11te-ração. São Paulo: Parábola. Para a autora. toda a escrita é uma ath•idadc
interativa e isso implica se mpre duns 011 mais pessoas em interação rea l ou simulada.
Primeira Part~ 1 Processos de produciio textual

problema geral: quais são os nossos sistemas de controle da produção lel.tual?


O que observar? A que dar importância?

A primeira decisão teórica importante nesse momento deve ser esta: os co-
nhecidos princípios da lc\lualldadc (fonnulados por Beaugrande & Dressler, 1981)
não podem ser lomados como equivalentes a regras de boa formação textual.

O mais certo, mas ao mesmo tempo pouco útil, é admitir que o texto se
dcí como um ato de comunicação unificado num complexo umverso de ações
'wmanas interati\•as e colaboratfras.
Refinando esta dsão podemos, com Beaugrandc ( 1997), dizer que:

"Otexto é um sistema allJalizado de escolhas extraído de sistemas virtuais entre os quais a 1


língua é o sistema mais importante."

A questão neste caso é: como se dão as relações entre os sistemas virtuais


(~istemas lingüísticos) e o sistema atualizado e representado pelo texto?t-

Uma resposta a essa questão de, e orientar-se para as relações entre a


ll'oriél e os dados, o geral e o específico, o abstrato e o concreto, o sociaJ e o
individual, o conhecimenlo e a ação, a regra e a estratégia , o mental e o
com portamental e assim por diante. Não para endossar a dicotomia, mas,
sobretudo, para evitá-la. No momento, vou me dedicar a algullS aspectos des-
sa questão e não a todos eles.

Quando um falante ou um escritor se põe a usar a língua (produzir tex-


tos), ele pode fazer escolhas di\·ersas a partir do sistema \'trlual da língua, mas
tem que se decidir por 11111J escolha. Assim, como lembrado por Beaugrande
1997), a liberdade virtual passa a ser uma obrigação real na hora da produ-
ção. Se observarmos a facilidade e a rapidez com que nos desempenhamos

17 N3o h~ uma oposição d1cotõm1ca enlre real e \'Írtuol, poi~ arnbo~ são realidades. Cadd qual
a ~i:u modo: uma é a realidade \irt11al (rcaliclaclc do sistema) e outra é a rcalicl;1clc concreta (realidade
empírica) Não há nada de paradoxJl ness.l formulação, pois oposição ~e dá 1:11frt virtual e concreto e
nJo cnllc \!Írtual e reaL O texto que \"OCê c~t:í lendo agora. no ~eu monitor, acha-se num dmbicnte
•irtual. mJ~ ele é real, existe a seu modo. Janto as;im que 'ocê pc>de ler Isto c1ucr d11cr que todo te,to
• uma atual11açào ou realização do mtema hngüíshco. Por antro lado. qu;mclo falamos cm sistema e
d1i.emo) que ele é virtual isso não é o rnc)mo que falar na ·~i rtualidadc do tc,to no çen •ídeo ~ Ou ~eia
1uando d1:remo; que um sistema é um fenômeno virtual e como bl Jb~llalo e independente das
cirtun~lância~ de uso, tal como o 'ª~tema linguístico, falamos num conçtruto teórico. Quando dii.emos
qnr o texto no seu \•ídeo é' 1rtual, falamo~ numa fonna lípica <lc realil.iç.io c1uc 11ào se manifesta na
rn11crch1de do texto impresso e que tem várias manem.is de ser operado, po1 exemplo, o hipertexto.
luiz Antônio Marcuschi 1 Producao textual, anali1e de géneros e compreensao

quando produzimos nossos tc·dos no dia-a-dia, podemos nos indagar se o faze-


mos como uma decisão consciente e deliberada ou se isso ílm dentro da situa-
ção nonnal em que cst:imos inseridos.

Basta observar como produzimo's com facilidade uma enormidade de


gêneros textuais orais com as mais diversas formas organi:t;acionais sem tih1-
bcar e sem planejar o que vamos fazer.

Baseados nisso, podemos chegar à definição de texto de Beaugrande ( 1997:


10), já lembrada anteriormente, que assim se expressa:

"É essencial tomar o texto como um evento comunicativo no qual convergem ações lingüísti-
cas. cognitivas e sociais."

Esta definição, no cli:t;er de Beaugrande, sugere que o texto não é uma sim-
ples seqüência de palavras escritas ou faladas, mas um evento. Tal definição en-
volve uma enom1e riqueza ele aspectos, o que toma difícil sua ex-planação comple-
ta. Em essência, podemos fri53r as seguintes implicações diretas dessa posição:

1. o texto é \'Ísto como um sistema de conexões entre \'ários elementos,


tais como: sons, pala' ras, enunciados, significações, participantes,
contextos, ações etc.
2. o texto é constru ído numa orientação de mvltissístemas, ou seja,
envolve tanto aspectos lingüísticos como não-lingüísticos no seu
processamento (imagem, música) e o lcxlo se torna em geral
multimodal;
3. o texto é um enmto interativo e não se dá como um artefato monoló-
gico e solitário, sendo sempre um processo e uma co-produção (co-
autorias em vários nh eis);
4. o texto compõe-se de elementos que são multi{uncionais sob vários
aspectos, tais como: um som, uma palavra, uma significação, uma
instrução etc. e eleve ser processado com esta multifuncionalidade.

No último ponto, h:.í uma questão interessante apontada por Beaugrande


(1997: 11). Todos nós aprendemos a língua em condições (micas na infância, no
contato direto e primeiro com a mãe, com a família. o ambiente direto, nos~o
meio, na escola etc. e em condições relativamente restritas. Como se explica en-
tão que em qualquer situação cm que nos encontremos (mesmo as que não vive-
mos ainda diretamente um dia), conseguimos obter tanto co11scnso sobre o que
di.tcmos, ou seja, comeguimos nos entender de maneira tão admirável?
Primeira Parte 1 Pro<essos de produ<ão textual

Para Beaugrande (1997: 11 ). a resposta está no seguinte:

"As pessoas usam e partilham a língua tão bem precisamente porque ela é um sistema em
const11nte interação com seus conhecimeqtos partilhados sobre o seu mundo e sua sociedade:·

É nessa idéia básica que se funda a essência de nosso tema propriamente,


pois ela aponta para o estudo das condições sociocomunícativas identificadas
nos processos sociointerabvos.

a operação com a llngua, lidamos mais do que com um simples uso de


1

regras, sejam elas de seqüenciação ou outras quaisquer. O que aqui está em


ação é um conjunto de sistemas ou subsistemas que permitem às pessoas
interagirem por escrito ou pela fala, escolhendo e especificando senLidos me-
diante a linguagem que usam. Em suma: todos temos uma competência tex-
tual-discursiva relativamente bem desenvolvida e não há o que ensinar propri-
amente. Nosso papel neste momento é compreender como isto funciona e
como podemos fazer com que funcione ainda melhor.

1.8 Relacionando texto, discurso e gênero


Não é interessante distinguir rigidamente entre texto e discurso, pois a
tendência atual é ver um continuo entre ambos com uma espécie de condicio-
namento mútuo. Também sua relação com o gênero deve ser bem entendida e
não posta como se fosse algo muito diverso. Para esclarecer um pouco esle
aspecto, vou me reportar ao trabalho de Antónia Coutinho (2004) 18 e Jean-
Y1ichel Adam (1999) 19 •

De fato, segundo observa Coutinho (p. 29), uma das tendências atuais é
a de não distinguir de forma rígida entre texto e disct1rso. pois se trata ele frisar
mais as relações entre ambos e considerá-los como aspectos complementares
da atividade enunciativa. Trata-se de "reiterar a articulação entre o plano
discursivo c textual", considerando o discurso como o "obieto de dizer" e o
texto como o "objeto de figura". O discurso dar-se-ia no plano do dizer (a

18. Antónia Coutinho (2004). Schematúation (d1scmsive\ et dispostion (textuelle). ln· Je3n-
M1chel /ld~m; Jean-Bl:1ise Crize & Magid Ali Bouacha (orgs. ). Texte el discours: catégories pour L'analvse.
Oijon: Editions l.lniversitaires ele Dijon, pp. 29..f2.
19. Trnt11-se da obra de Jean-J\1ichel Adam (1999). Linguistique tex1uelle. Des genre.~ de discourn
aux textes. Paris: 'lathan.
luiz Antônio Marcuschi 1 Produ,ão teatval, onállse de gêneros e compreensão

enunciação) e o texto no plano da esquematização (a configuração). Entre


ambos, o gênero é aquele que condiciona a atividade enuncialiva.

lsso implica afirmar que os textos são, na realidade, os objetos empíricos


aos quais temos acesso direto corno o "plano dos observáveis", na visão de
Culioli. Enquanto unidades empíricas, os lextos seriam "produções l ingüísti-
cas alestadas que realizam uma função comunicativa e se inserem numa práti-
ca social" (Coutinho, 2004:29). Essa visão é w11 recuo diante da posição de
Adam (1990), para quem o lcxto era uma unidade abstraia em que se tinha
em mente o fato lingüístico "puro" sem suas condições de produção de acor-
do com a conhecida fórmula proposta pelo autor:

Discurso = texto + condições de produção

Texto =discurso - condições de produção

Essa forma de ver o texto representa uma redução do objeto e é fruto de


um procedimento metodológico e epistemológico de identificar o objeto limi-
tado a SCILS aspectos centrais imanentes à língua. Contudo, é bom lembrar que
nem tudo o que se toma corno significação está no âmbito da língua e do
sistema (léxico-gramatical). O contexto é algo mais do que um simples entor-
no e não se pode separar de fo011a rigorosa o texlo de seu contexto discursivo.
Contexto é fonte de sentido (veja a noção de contexto adiante) .

É assim que Adam ( 1999: 39) retoma aquela noção de texto anterior que
procedia a uma descontextualização e rejeita aquele procedimento sugerido
pela citada fónmtla propondo agora uma releihtra que inclua o texto no con-
texto das práticas discursivas sem dissociar sua historicidade e suas condições
de produção. Este movimento de mudança de concepção é importante por-
que permite tratar os gêneros textuais como elementos tipicamente discursivos.
Aqui é bom ter cm mente que Adam ( 1999: 39) dirá agora, em contraposição
ao seu estudo de 1990:

Em outro~ tennos, não diremos jamais que um texto ou um discurso é composto de


frases. A próptia existência de frases tipográficas - como os parágrafos, os períodos,
as seqüências e os textos - resulta de escolhas instrucionais pluridetenninadas.
Nesta perspectiva [ ... ] a língiiística textual pode ser definida como um subdomínio cio
campo mais l'asto da anâlise das práticas discursivas (ênfase adicionada).

E nesse ponto, Adam dirá que nquela fómmla de 1990 não deve mais ser
tornada como se estivesse sugerindo uma operação de descontextualização.
Pri111elro Parte 1 Processos de produ~ão textual

Trata-se agora de

uma fom1a de inclusão do texto num campo mais vasto das práticas discursivas que
devem ser pensadas na diversidade dos gêneros que elas autorizam e na sua
historicidade (p. 39).

E paro isto, Adam ( 1999: 39) oferece o segt1inte diagrama representacional


da nova concepção em oposiç·ão à de 1990:

CONTEXTO
DISCURSO
Condições de produção e
recepção-interpretação
FOMIC: Jean-Michel Adam. 1999:39

Após definir a noção de texto como objeto abstrato no campo dos estu-
dos de lingüística numa teoria geraJ e de definir discurso como a realidade
singular de interação-enunciação objeto de análises discursivas e tomando o
gênero como "a diversidade socioculturalmenle regulada das práticas discursivas
humanas" (p. 40), Adam identifica o texto corno objeto concreto, material e
empírico resultante de um ato de enunciação. Com isto, chega à articulação
do discursivo com o textual e a distinção entre ambos dilui-~e de modo sensí-
vel. Para tanto, Adam recorre a Majngueneau (cf. Adam 1999:40):

Como já disse Dominique Maingueneau: "Ao falannos de discurso articulamos o


enunciado sobre uma siluação de enunciação singular; ao falar de texto. colocamos
o acento wbre aquilo que lhe confere uma unidade, que o toma uma totalidade e
não um simples conjunto de frases' (1986: 82). Em outros termos, os dois pontos de
vista são complementares 1... ]".

A idéia da visão complementar é importante e tem como conseqüência o


fa to de não frisar apenas um dos lados do funcionamento da língua no seu
aspecto genérico. Nesse sentido, Adam (1999: 40) considera que "a separa-
ção do textual e do discursivo é essencialmente metodológica". Assim, de cer-
to modo, a distinção tende a anular-se e a se tornar menos significativa.

Adam ( l 999: +1) observa que até os anos 1980, a L1 tratava o teÀto em suas
propriedades co-textuais e a partir dos anos 1980 já define o teÀto como um
evento comunicativo, tal como o fazem Beaugrandc & Dressler (l 981 ), deslo-
cando o foco para a questão pragmática, com a arnílise da intencionalidade e,
particularmente, da situacional idade. Vai-.~e do co-texto ao contexto.

Dar conta do textual (o particular) e do discursivo (o universal) não pode


ser feito num mesmo movimento teórico. Assim, fica um impasse se queremos
luiz Antônio Marcuschi 1 Prod~ão toatual, análise de gêneros e compreensão.

dissipar fron teiras. ,\ proposta "neutralização tennmológica .. da separação entre


duas dimensões complementares (discurso e texto) (Adam. 1999:41) torna-se
complicada. Para Coutinho (p. 32), parece que a melhor articulação para
!ralar dos texto~ empíricos seria en lfe texto, di~curso e gênero como ·'categorias
descri tivas". Coutinho (p. 32) propõe o seguinte esquema para dar conta do
teJ1.lo corno objeto empírico:

(objeto da figura)

Discurso Gênero ------Texto

(objeto do dizer)
TEXTO (objeto empírico)

t01111: Antónia Coutinho (2004: 32).

O discurso como "objeto do dizer" é visto como "prática lingüística codi-


ficada, associada a uma prática sociaJ (sócio-institucional ) historicamente si-
tuada" (Coutinho, 200-t. 32). ~: uma enunciação cm que entram os partici-
pantes e a situação sócio-histórica de enunciação. Além disso, entram aspectos
pragmáticos. tipológicos, processos de esquematização e elementos relali,os
ao gênero. O que perpassa Iodas as posições teóricas cm relação ao discurso é
o fato de se tratar de "11so interativo da língua" (Cot1tinho, 2004: 33). lsso
sign ifica que uso da língua no plano discursivo não é '"t1m real objetivo e está-
vel" captado simplesmente no plano da codificação-decodificação.

A idéia do texto como "objeto de figura" sugere que se trata de u ma


configuração, ou se1a. ele 111na esquematização que conduz a uma figura ou
uma figuração. \.ão se trata de uma ordenação de enunciados em seqüência
e sim de uma configuração global que pode ler até mesmo um só enw1c1aclo
ou mesmo um romance inleiro (Coutinho, 200+ 33-35). O texto é o observável,
o fenômeno lingüisl.Jco empírico que apresenta todos os elementos configura-
cionais que dão acesso aos demais aspectos ela análise.

l<~ntre o discurso e o IC'\lO está o gênero, que é aqui visto como prdtic.i
social e prática textual-discursiva. Ele opera como a ponte entre o discurso
como uma atividade m:.ii~ universal e o texto enquanto a peça empírica parti-
cularizada e configurada numa determinada compo~ição observável. Gênero~
são modelos correspondentes a formas sociais rcconhccíve1s nas situações ele
comunicação em que ocorrem. Sua estabilidade é relativa ao momento histó-
rico-social cm qut: surge e circula (Coutinho, 2004: 35-37).
. .

Primeira Parte 1 Processos de produJão tutual

O gênero apresenta dois aspectos importantes:

(a) gestão e11u11ciativa (escolha dos planos de enunciação, modos


discursivos e tipos textuais);
(b) composicionalidade ' (identificação de unidades ou subunidades tex-
tuais que dizem respeito à seqüenciação e ao encad eamento e
linearização textual).

Assim, para Coutinho (Coutinho, 2004: 37), "o gênero prefigura o texto
,. o gênero define o que no texto empírico faz a figura do texto". A figura a
.eguir dá uma idéia disso:

r--------------------------------------,
Objeto de
Prática discursiva tigura
Aspectos pragmáticos 1
Discurso (coerções locais e sócio-institucionais) Gênero -Texto
<Tipos de discurso>
1
- no plano da enunciação -
que entram na constituição interna do texto composicionalidade

Texto (objeto empírico)

toNJr. Antónia Coutinho (2004:31)

A esquematizaçào implica um trabalho de constn1ção de objetos, tal como


se percebe quando se analisa o texto com suas configurações. Essa
esquematização não é arbitrária, mas segue pré-configurações cu lturais com
funções e objetivos bem defin idos, de certo modo, pré-figurados pelo gênero
que oferece uma organização composicional que não deve ser tomada corno se
fo~e uma camisa-de-força. O gênero é urna escolha que leva consigo uma série
de conseqüências formais e funcionais. Na realidade, se observamos como agi-
mos nas nossas decisões na vida diária, dá-se o seguinte: primeiramente, tenho
uma atividade a ser desenvolvida e para a qual cabe um discurso característico.
Esse discurso inicia com a escofüa de um gênero que por sua vez condiciona
uma esquematização textual. Veja-se isto na figura da página seguinte.

Na realidade, este esquema apresenta um gênero como uma espécie de con-


dicionador de atividades discursi\'as esquematizantes que resultam em escolhas
dentro de uma prática que nos levaria a pensar em esquematizações resultantes.
Assim, muitas decisões de textualização (configuração textual com suas estruturas,
luiz Antônio Marcuschl 1 Producão textual, análise de gêneros e comprccnsio

ordenamento paragráflco etc) dc,cm-i,e à escolha do gênero. Deste modo, o


gênero inscre,·e também fom1à!> textuais que se manifestam no artefato lingüístico.

Condicionado pelas coerções


disposicionais ao gênero adotado Objeto de
figura
1
Atividade esquematizante
1
Discurso Gênero Texto
(inserido numa prática discursiva)

1
j L ,~..,_J
Adoção de um gênero

fO•n: Antônia Coutiílho (2004:38)

Veja-se, por exemplo, o caso de se querer produ1ir um cardápio. Isto vai


exigir um tipo de configuração, ações discursivas e seleções de toda ordem
bastante limitadas. '\Jão se pode fazer qualquer coisa O mesmo seria o caso
de se produ1ir notas de aula. Todos os que estão cm ~ala de aula tomando
nota vão i.eguir um processo de esqucmatização muito similar. Também um
artigo cie11tífico segu irá uma espécie de roteiro que deve <lcscnrnlver um con-
junto de esquemas e de configurações bastante nítidas. Ou então o anúncio de
um restaurante como o que aqui se apresenta. Veja-se sua organização típica:

1

1
j
1
i
l
i
l
O discurso inicia com a decisão pelo gênero "amíncio de restaurante"
que traz consigo uma csqucmati1ação com algumas informações específicas
que resu1tam num tc·do com uma dada configuração que funciona
discursivamente para pcr~uadir os fregueses a irem a um restaurante típico. , \
própria seleção da linguagem segue a decisão do gênero e seu funcionamento
discursivo no contexio pretendido.
Primeiro Porte 1 Processos de producão textual

1.9 A textualidade e sua inser,ão


situacional e sociocultural
É importante ter presell'te que, se por um lado, o texto se ancora no
contexto situacionaFº com a decisão por um gênero que produz determinado
discurso, e por isso não é uma realidade virtual, por outro lado, ele concerne
às relações semânticas que se dão entre os elementos no interior do próprio
texto. Portanto: um texto tem relações situacionais e co-textuais. Parece claro
que o contexto pode ser visto corno uma rede de textos que dialogam tanto de
modo negociado como conflituoso. Contrato e confiito fazem parte dos movi-
mentos da produção de sentido.

As relações ditas co-textuais se dão entre os próprios elementos internos como


ocorre, por exemplo, com boa parte elas anáforas, particularmente asco-referenciais.
.\s relações co-textuais se manifestam também na concordância verbo-nominal,
na regência e em todos os aspecto~ sintáticos e morfológico~ em geral. Mas tam-
bém nos aspectos semânticos imediatos e relações enlie os enunciados, tais como
causa e efeito, ou então sucessão temporal e ligação pelos conectivos e assim por
diante. Não podemos esquecer este aspecto porque sem língua não héí texto 21 .

Contudo, sem silt1aciona1iclade e inserção cultural, não há como interpretar


o texto. Parafraseando Kant, diria. numa expressão um tanto dcsajeítada, que a
língua sem contexto é vazia e o contexto sem a língua é cego. Mas isso nos coloca
diante ele uma situação curiosa, pois em certo sentido todos os textos são virtuais
enquanto não se inserirem em algum conteÀio interpretativo. Só que essa virtualidade
diz respeito a um de seus aspectos, ou seja, sua compreensão efetiva. Esta só se dá
numa determinada situação, já que todo sentido é sentido situado.

Assim chegamos às relações ditas contextuais. Estas relações se estabele-


cem entre o texto e sun situacionalidacle ou inserção cultural, social, histórica
e cognitiva (o que envolve os conhecimentos individuais e coletivos). Não se
pode produzir nem entender um texto considerando apenas a linguagem. O

20. Qum1do se fala em contexto situacionol, não se deve com isso entender ;.i situaçilo fr>ica ou
o en torno físico, e1npírico e imediato. mas a conh.:xtWllização cm .cnlido amplo, envoh·endo desde as
condições imediatas alé a contextualização cognitiva, os enquadres sociais. culturais, históricos e lodos
os demais que porventura possam entr3r em questão num dado momc:nlo do proc<..-sso discursivo.
21. Fique claro que, ne>5c momento, estamos tratando do texto "erbalmente reali7.ado, isto é, pro<lu-
/Jdo com hnguagcm articulada na fonna de uma gramática com urna fonologia e um léxico. Não nos
refenmos arn. lextrn. pictórico; nem aos textos musicais como~ f'ldut:lS de infuic:a, <jUe têm outras linguagens
lui:z Antônio Mar<us<hi 1 Producâo textual, analise de genNos e compreensão

nicho significativo do texto (e <la própria língua) é a cuJtura, a história e a


sociedade. Esta inserção pode dar-se de diversas formas e por isso uni texto
pode ter "árias interpretações, embora não in(11ncrns nem infinitas. Mas mes-
mo essa~ \árias interpretações devem ser coerentes entre si e com isso não
podem ~er incompatíveis. O gráfico abai\.O dá uma 1dé1a disso:

TEXTURA (ESQUEMATIZAÇÃO)

relações relações
eo-textuais co(n)textuais

~
temi texto texto
~ contexto
(relações internas) (relações socioculturais e
situacionais específicas)
GENERJCIOAOE & DISCURSIVIDADE

Como observam llallida)/Hasan (1976), texto e frase (enquanto


entidades lingüístieas) não d ife rem apenas no tamanho do objeto
lingüístico, mas na nat ureza desse objeto. Quando se dJZ que uma fra se
é coesiva, te m-se cm mente o fato de que e la tem uma estrutura bem-
formada. Mas quando se fala que um texto é coesivo, tem-se em mente
que sua textura é comunicativa e compreensi\a. Portanto, textura e es-
trutura são fatos lingüís ti cos d l\ersos. Lembra nd o a noção de sujeito
tratada ac ima , podemos di1cr que a le\.lura fa_,, emergir um stqeilo his-
tórico e clialogicamenle co nstru ído na relação com o ou tro, ao passo
que na frase não há esse suje ito.

!\leste curso, defendemos a posição de que o tc'>to é a unidade máxima


de fi.mcwnamcnto da língua. l\ão se trata. no entanto, de uma umdade do
tipo da~ unidades formais da língua. corno já obser. amos. 1 rata-se de uma
unidade Íuncional (de natureza discursiva). Isto não
signi fi ca que o lexto deva ler esle ou aquele ta-
manho para ser um texto A unidade não é <le
caráter formal e sim fi.mcional. .\ fom1a (esque-
ma ou figura) é apenas u ma reali1:ação especi-
fica do texto em constituintes lingüísticos de na-
tureza morfossintática e lexica l. Podemos ter um
texto de uma só palavra, por exemplo, uma pla-
ca de trânsito na cancela do pedágio:
Primeira Parle 1 Processos de produ~ão te1tual

até um texto em ,·ários tomos como uma enciclopédia. A extensão física não
1nterfcre na noção de texto cm si. O que faz um lexto ser um texto é a

discursi,idadc, inteligibilidade e articulação que ele põe cm andamento.

Também defendemos qtie os textos operam basicamente cm contextos


comunicatirns (seguindo nossa po:.ição sociointerativa), o que os determina
como língua em funcionamento. l\1as isto pode condu1.:ir à seguinte indaga-
ção. podemos distinguir entre um texto e um não-te::-..to? Quando sabemos que
um conjunto de enunciado!\ não forma um te::-..to?

Por um lado, diria que a mdagação não procede e, por oulro, diria que
ela merece uma explicação mais demorada, pois deve ser muito bem en tendi-
da parn não causar confu são.

'lbmemos um exemplo: um c.1tálogo telefônico é ou não um texto?

A resposta hoje poderia ser: sim, desde que seja lido por alguém que vive
num contexto cultural em que o telefone é uma prática usual e sabe como ope-
rar com o catálogo. Portanto, segundo Beaugrande (1997: H), podemos dizer:

L •Um texto não existe, como texto, a menos que alguém o pro; como taf. _J
Textualidade não é uma propried;idc imanente a algum artefato lingüístico.
Essa posição supõe pelo menos três a<>pectos:

• Primeiro: um texto não é u111 artefato, um produto, mas é um e\'ento


(uma espécie de acontecimento) e sua existência clcpencle de que
alguém o processe em algum contexio. É um fato cli~cursivo e não
um fato do sistema da língua. Dá-se na afü·idade enunciativa e não
como uma relação de signos.
• Segundo: um texto não ~e define por propriedades imanentes neces-
sárias e suficientes, mas por situar-se num contexto socioinlcrativo e
por sa tisfazer um con junl o de condições que condttl' cognitivamente
;. produção ele sentidos.
• 'Te rce1ro: a seqüência ele elementos lingüfaticos ser<i um texto na
medida em que consiga oferecer acesso interpreta ti' o a um indiví-
duo que tenha uma experiência sociocomunicativa relevante para a
compreensão.

E~tcúltimo ponto merece um breve comentário: ele pode nnplicar que


detenninado artefato lingüístico possa ser um texi:o para alguém e não ser um
luiz Antônio Marcus<hi 1 Produ1iio textual, análise de generos e comprffnsão

texto para oulTa pessoa. E assim estaríamos diante de um impasse que pode
conduzir ao relativismo. Mas o certo é que dada configuração lingüística funciona
como um texto quando consegue produzir efeitos de sentido, coerência etc., do
contrário não é um teÀio. Assim. se uma configuração lingüística (o texto) não
funciona como lexto (realizando um gênero e um discurso) dentro de uma co-
munidade ou para determinadas pessoas, isso não é uma questão individual ou
um problema de relativismo e sim de falhas no acesso à produção de sentido.
Falamos aqui de texto como um evento que atualiza sentidos e não como uma
entidade que porta sentidos na independência de seus lei tores. Quando se ensi-
na alguém a lidar com textos, ensina-se mais do que usos lingüísticos. Ensinam-
se operações discursivas de produção de sentidos dentro de uma dada cultura
com determinados gêneros como formas de ação lingüística.

Operar com textos é uma fonna de se inserir em uma cultura e dominar


uma língua. Veja-se o caso de alguém que viaja a algum país em que o sistema
de lTânsi to util iza-se de um fonn::ito discursivo que difere totalmente do que
ele conhece em sua cultura. Serão sinais de trânsito para ele? rt evidente qne
são, mas não funcionam como tal. Portanto, eles não são sinais de trânsito elo
ponto de vista discursivo e sim do ponto de vista apenas institucional. Se não
domino delenninada língua - por exemplo, o russo, e me encontro em terri-
tório russo - e m e defronto com textos em russo, eles não vão funcionar
como textos para mim, p ois não sei operar com eles. O domínio da língua é
também uma condição da textualidade. Note-se que não nego que ha ja um
texto, mas nego que ele opere como tal em condições de inacessibilidade.

Não importa o quanto de problemas ortográficos ou sintáticos tenha um


texto, ele produzirá os efeitos desejados se estiver em uma cultura e circu lar
entre sujeitos que dominam a língua em que ele foi escrito.

Veja-se o caso destes dois textos:

IN~O E
ESPRlffiENíE A
LiNGUIÇA
rown: Fotos veiculadas pela internet em agosto de 2003.
Primeira Parte 1 Processos de produ~ão textual

Certamente, tanto o anúncio da esquerda, con\'idando todos a provarem


ª'
da lingüiça do barzinho em questão, como o iso da direita pedindo para
não estacionar no local indicado são textos que produt.cm seus efeitos
discursivos independentemente do quanto correta ou não estiver a grafia da
língua portuguesa. A textualidade 11ão depende, de um modo geral, da corre-
ção sint::ítico-ortográfica da língua e sim da sua condição de processabilidade
cognitiva e discursiva.

Vejamos aqui um extrato de um catálogo telefônico denominado ''En-


contre 6 Compre", referente a cmprc~a~ de Recife, Olinda e Jaboatão para
200 1. Destina-se a informar apenas os telefones de empresas e serviços. Note-
~e q11 e o gênero catálogo telefônico, uma vez selecionado, conduz a uma
c~qucmalização ou configuração textual bastante definida quanto ao formato
e produ7 efeitos discursivos claros.

Esse catálogo telefônico (cf. Bcaugrandc, 1997:13-15) só se torna efeti-


'amcntc um texto porque o processamos em relações lineares e h ierárquicas,
tais como a relação que "ªi entre um nome. um endereço e um nümero. São,
portanto, razões culturais e hi stóricas de operação d esse eve nto
~tluacionalmente processado que o tomam um texto e não uma relação alea-
tória de endereços, nomes e números.

Att~ê!:=~1 ~(;l.OOi
à ••
iin 111 u
e •

---
I .... TAMPAS Ol -
..-..--~1••
~°' .............
luiz Antônio Marcuschl 1 Produ4ão textual, enlilise de gêHros • r0111preet1são ·

1 a página aqui reprodutida do catálogo lele{ônico, lemos uma se-

qüência mu ito interessan te que é lida como um texto com caixas de se-
ção (espécie de títul o de capítulo), cidade. e mpresa, assunto ( tópico
discursi,o) e dados específicos para contato. Que a estrutura tenha uma
forma telegráfica, isso é sec undário. O certo é que temos condições de
acesso à compreensão desse texto e o interpretamos sem maiores proble-
mas. Não é o falo d e um te'<to estar n o fornrn to de enunc iados que o
torna mais inte ligível. ma~ sim que sua operação cm condições soc iais de
uso seja acessf\'el. As listas enquadram nesse princípio e exigem alto grau
de conhecimentos prévios.

Veja-se aqu i como o catálogo poderia l>er entendido:


título da seção que
corresponde ao Automóveis -
título de capítulo -+ Acessórios lojas e Serviços

li>- Recife +- nome da cidade na qual


se encontra a empresa

nome da empresa -+ ADOLFO EQUIPADORA


PNEUS SOM PARA AUTO +- descrição dos serviços
RODAS ESPORTIVAS ACESSÓRIO prestados pela empresa
REVESTIMENTO FUMÊ
endereço da empresa -+ Av. Bultrins. 345
telefone da empresa -+ fone,1ilà 3439 'B 20

O mesmo fazemos com a listagem que vem à direita, onde lemos:

indicador de continuidade -+ Outros estabelecimentos


cidade-+ li>- Recife

Empresa -+ Adolo E~dora Uda


endereço e telefone -+ av. Gen. M. Arttu ms _ *3471 08 45
Autopeças Sérgio Henrique Ltda
r. Call!mbu mo ...·-·······-- 3268 16 38
cidade-+ li>- Olinda

empresa -+ Auto Center 2CDl Ltda


endefeço e telefone -+ 'Ili Gov. e. L Cavalcalte 695 _ 3'°2 25 01
Auto Peças Tropic;m Ltda
av Cel F. Lmdgren 999 _ 3431 IJIJ 64
cidade -+ li>- Jaboatão
empresa -+ Auto - Lata
endereço e telefone -+ r. Vasconcelos 52 --·-······- 348114 96
Ooctor
estr Batalha 1320 - -- 3462 24 30
Sabemos, por exemplo, que nossa cultura, nossa sociedade e rotina diáría
~ permitem inferir que a seqüência de números após um dado nom.e na Hsta
efônica é para ser digitada num dado aparelho eletrônico e não para a decla-
..'.!nnos em praça púbHca como uma fónnul~ mágica de encantamento. 1àm-
bt'Il sabemos que o aparelho correspondente ao número chamado reagirá de
'1la dada maneira e esperamos que alguém produza algum tipo de resposta

e .... etc. Por isso ninguém se espanta que ao digitar o número do telefone XYZ,
'e uma pessoa cujo nome estava na lista após o número XYZ. O espantoso é
~n do isso não ocorre. Tanto assim, que logo dizemos: "Foi engano".

Quem não vive numa cultura na qual a telefonia é uma rotina, não opera
r..em processa uma lista telefônica como um texto. Isto comprova que um texto
" dá numa complexa relação interativa entre a linguagem, a cu ltura e os sujei-
ti..S históricos que operam nesses contextos. Não se trata de um sujeito indivi-
ual e sim de um sujeito social que se apropriou da linguagem ou que foi
apropriado pela linguagem e a sociedade em que vive. Este aspecto não é
ecund<írio e recebe por parte da análise do discurso, por exemplo, grandes
.:.scussões. E também nós devemos ter cuidado com o uso da noção de sujeito
e indivíduo, tal como já alertado acima. Não se trata de sujeitos individuais,
.oluntariosos, intencionais, mas sim de sujeitos históricos, sociais, integrados
'1Uma cul tura e numa fonna de vida. Tsto vale para as mais prosaicas ações da
ida diária, tal como digitar um número telefôni co ou encontrar o nome de
um amigo na lista de aprovados num concurso público.

1.10 Critérios de textualiza~ão: visão geral


Seguindo as posições tradicionais na lingüística de texto, podemos postular
que um texto, enquanto unidade cornunicaliva, deve obedecer a um conjunto
de critérios de textualização (esquematização e figuração), já que ele não é um
conjunto aleatório de frases, nem é wna seqüência em qualquer ordem.

Os critérios da textualidade, tal como foram primeiramente definidos


por Beaugrande/Dressler (1981), devem ser tomados com algumas ressalvas.
Primeiro, porque não se podem dividir os aspectos da tex1ualidade de forma
tão estanque e categórica. Alguns dos critérios são redundantes e se recobrem.
Segundo, porque tal como já foi lembrado, não se deve concentrar a visão de
texlo ua primazia do código nem na primazia da forma. Terceiro, porque não
se pode ver nesses critérios algo assim como princípios de boa formação tex-
Lub Antônio Marcuschi 1 Producão textual, oaalise de gineros • compreensão

lua!, pois isto seria eqmvocado, já que um texto não se pauta pela boa forma-
ção tal como a frase, por exemplo.

Como se verá agora, vamo~ analisar o texto como 11ma realidade e não
uma virtualidade. Pois o texto não é apenas um sistema formal e sim uma
rea lização lingüística a que chamamos de evento comunicativo e que preen-
che condições não meramente fonnais.

Um texto é uma proposta de sentido e ele só se completa com a partici-


pação do seu leitor/OU\ inlc. l\a produção de um texto, não entram apenas
fenômenos estritamente l ingüí~ licos. Veja-se, por exemplo, um te>..to como a
charge reproduzida abaixo em que Lemos apena~ um alo de faJa (\·erbalmente
produzido) e uma ~eqüência de imagens em que elementos lingüísticos e não-
lingüísticos interagem para produzir os efeitos desejados. Na rea lidade, o que
aqui temos é um texto de humor que joga com aspectos referenciais e com
conhecimentos pré"ios.

A interpretação do C\ cnto representado por esse texto deve levar em con-


ta pelo menos o segumte:

o personagem em questão (no caso, José Serra, o Ministro da Saúde


no ano de 2000);
a visita desse Ministro a São Paulo e a agressão por ele sofrida com o
lançamento de nm ovo em seu rosto;
o ato de lançar ovos, tomates ou tortas em personagens públicos
como sinal de protesto não é uma ação ind1vidual, mas típica de
culturas democráticas;
a situação hilária foi produzida com a dubiedade da interpretação
referencial que se produziu com um ·cquírnco' referencial de efeitos
específicos.

@ 1
tt
Prlmelni Parte 1 Procassos de produ4ão textual

r.ste texto tem vários aspecto~


cunosos:
a) não tem orações seqüenciadas
b) não se restringe apenas ao uso da 1inguagem arltculada
e) serve-se de um sisle1m1 semiótico diferente do que o lingüístico (tra-
ta-se ele um gênero mt1llimodal, como todas as charges).

O alo de fala "foga a mãel" deveria ter funcionado como uma ofensa,
ltu<lo, um gaiato o interpretou 'literalmente' na sua função referencial dire-
e 1ogou uma galinha, supostamente a 'mãe do ovo'. .\ interpretação pode
anar. a depender de ser feita por ,·ocê e eu (dois sujeitos que hi~toncarnente
ttados podemos dar boas gargalhadas) ou pelo própno fl.linistro (sujei to
h1,loncamcnle situado num contexto institucional que pode C\Ccrar o autor
a clrnrgc). Qual é a versão mais correta? Ambas seriam 'autorizadas' pelo
"xlo. mesmo oferecendo representações cognitivas opostas (piada x insulto).

Considerando a definição de texto de Beaugrandc ( 1997) trazida acima,


ptrcebcmos aqui o que significa produzir um texto como um evento cm que se
art culam os três aspectos apontados:

1. aspectos lingüísticm (o ato de fala \erbalmente produ.c:i<lo),


7 aspectos sociais (a situação i.ócio-histórica de \linistro de Fernando
Henrique Cardoso) e
3. aspectos cognitivos (conhecimento~ investidos).

füsa é a articulação multinível do texto. D e modo geral, todos os textos


articu lam-se nesses três níveis. Isto significa que o autor e o leitor de um texto
não estão i~olados, seja no ato de produção ou de recepção.

·iendo em \Ísta o que já se postulou cm relação aos cn térios da tc\tualidade


e considerando ainda os dob ou tros pontos do tripé conceituai indicados,
di~cur~o e gênero, pode-se montar o esquema que figura ab<11\0 para explicitar
" relações envolvidas particularmente na esquematizaç.:io textual. Es~as rela-
ões devem ser muito bem entendidas, pois não são estanque!> nem Ião parale-
Js. Tudo aqui se imbrica numa relação muito estreita. Além disso, não há uma
d stinção entre um dentro e um fora do texto, pois isso !>Cria ir conlra toda a
e;tralégia de textua1ização Já <lesem olvida até o presente e até mesmo contra
a concepção de língua postulada. '\ão vamos aqui tratar do!> aspectos relati-
'º~ ao gênero nem ao discurso. mas eles devem ser considerados tal como
'postos ac11na no item (1.9.). Resta ainda frisar que não se pode imaginar o
ôto como se tiYesse um dentro (co-texhia lidade) e um fora (contextualidade),
;>Oi!> csles dois aspectos oõo se manifestam nessa perspectiva ele observação.
luiz ·Antônio Marcuschi 1 Produtão teatual, analise de gêneros e compreensão

O esquema a seguir deve dar uma idéia, mesmo que vaga, de como se
distribuem os critérios gerais da textualidade.

lEXTUALIZAÇÃO

autor texto leitor


+
Processo e produto

configuração lingllistica situação comunicativa

+
CO-lEXTUALIDADf
+
CONTEXTUALIDADE
[CONHECIMENTOS LINGÜÍSTICOS) [CONHECJMENTOS DE MUNDO)
critérios critérios
~ ~
coesão coerência aceitabilidade intertextualidade
informatividade intencionalidade
1 c:=3..___s_it_ua_ci_on_a_lid.._ad_e____,

Analisando esse esquema encontramos:


( 1) em primeiro lugar, os três grandes pilares da textualidade que são um
produtor (autor), um leitor (receptor) e um texto (o evento). Nosso
interesse centra-se, aqui, no texto enquanto processo (um aconteci-
mento) e não um produto acabado;
(2) em segundo lugar, há dois lados a observar:
(a) o acesso cognitivo pelo aspecto mais estritamente lingüístico re-
presentado pelos critérios da co-textualidade (o intra texto), que
exige por sua vez e de modo particular os conhecimentos
lingüísticos e as regras envolvidos no sistema, bem como sua
operacionaJidade e
(b) o acesso cognitivo pelo aspecto contextual (situacional, social,
histórico, cognitivo, enciclopédico) e.xigindo mais especificamente
conhecimentos de mundo e outros (sociointerativos);
( 3) em terceiro lugar, os critérios da textualização aqtti dispostos em dois
conjuntos, mas imbricados, como mostra a figura. Não esqueçamos que
os sete critérios são contextuais (numa noção de contexto que não se fixe
na distinção entre 'situação física e extrate).to' versus 'situação intratextual').
Na realidade, devemos admitir uma noção de contexto mais rica, dinâ-
mica e maleável como será discutido adiante e que envolve a historicidade.
Primeira Parte 1 Processos de producio toxtval

O quadro acima propõe as sele condições da textualidade que, tal como


lembrado, não constihlem princípios de formação textuaJ e sim critérios de acesso
à produção de sentido. Esses sele critérios não têm todos o mesmo peso nem a
mesma rdcvãncia. Além disso, não se distinguem de maneira tão clara como
aparentam. Alguns são até mesmo redundantes. Também seria equivocado
correlacionar es.ses critérios a algume1 área da lingüística. tal como se tem feito
em alguns momentos, como lembra o próprio Beaugrande ( I99i). Por exem-
plo, não é correto correlac1011ar a coesão com o nÍ\el morfossintático; nem a
coerência com o nh·el semântito, nem a intencionalidade, siluacionalidade e
ace1lab11idade com a pragmática, nem a informati,idade com a relação tópico-
comentário ou a intertextualidade com o estilo.
Um cios equívocos mais comuns na 1.r dos anos l 9i0 foi precisamente ter
identificado o texto com uma frase ampliada (daí a noção <la IT como uma
teoria do trans{rástico), quando, m1 realidade, o texto é uma unidade teorica-
mente nova e não apenas uma frase ampliada. Também não é uma simples
sucessão ck enunciados inlerligados. Já não se postula mais a idéia de que o
lc,to ~ena "uma sucessão coes<l e coerente de enunciados''.
É bom frisar de modo enfático que o uso da expressão 'critério', ao invés
<la expressão 'pnncípio' para a noção de 'cnténos da ter.tualtdade', dc\'e-se ao
fato de não se admitir que esses aspectos da textualidade funcionem como
"leis' lingliísticas, já que são apenas critérios que no caso ele su.i ausência, não
impedem que se tenha um texlo. O texto, quando considerado como unidade,
é uma unidade de sentido e não unidade lingüística.

Considerando o texto como uma ati,idade sistemáhca de atualização


<lbcursi\a da língua na forma de um gênero. os sete critério\ da tcxtualização
mostram quão rico é um texto em seu potenciaJ para conectar ali\ idades so-
ciais. conhecimentos lingüísticos e conhecimentos de mundo (Beaugrande.
199i· l 5). l ~les são muito mais critérios de acesso à com.Lrução ele sentido do
que princípios de boa formação te\tual.
Quando leio a lista teldônica como um texto que me informa um con-
junlo ele dados, estou aplicando critérios gerais para textualizá-la, numa rela-
1,âo do mundo com a sociedade, e não busco uma textualidade imanente já
realizada por esses critérioc;. A tc\.tualidade é o resultado de um processo de
c.:\tualização. ,\ textualidade é o e,·enlo finaJ resultante das operações produ-
zida~ nesse processamento de elementos cm multinÍ\·el e mull1~~1i.temas.

Observe-se o caso de outros gêneros textuais similares ao catálogo telefô-


•11co. tai5 como os dicionários, as enciclopédias e todo o tipo de listas que
Luiz António Marruuhi ! Producao tutual, anali•e de genero• e <ompreensoo

encontramos diariamente <.;m jomais, reYistas ou afi'\<1do~ cm paredes de uni-


versidades, colégios c assim por diante. Um aluno lê uma lista de nomes na
parede e busca sua nota do mesmo modo que lê um li\To-texto, só que opera
de maneira diferente para estabelecer as conexões, a fim de lc>.lualizar aquele
artefato lingüístico e o foz com outros propósitos.

É claro que, para confeccionar uma lista capaz de ~cr processada como
um texto. há certas condições a serem obserYadas, assim como para construir
11111 poema ou produ1ir um conto ou uma notícia num jomal. um anúncio
publicitário etc. Quem nu ao ~u pcrmercado com uma füta de compras con~­
truiu aquela lista dentro de alguns critérios. não aleatoriamente.

Seguramente, nossa ali\ idade lingüística com um evento tal como um


anúncio p11bficitário deverá ser diferente daqnela que prati camos com uma
receita de cozinha ou uma ata de uma reunião ou um testamento. mas isto se
deve a uma prática que nos 'em não especificamente do lado do sistema
lingüístico e sim de nossa mscrção na sociedade.

Estas últimas observações mostram que é reJc,·;mtc ter uma noção clara

li de como se estabelecem e desenham os gênero!. tcxluah, já que o conjunto


<lesses gêneros reflete uma das formas de organização ela sociedade em que
cl<.:s Jtuam (detalhes a este respeito na SEGlND.\ P\RTE deste curso)

Não há dúvida de que podemos nos deparar c:om t1rtcfotos lingüísticos


incoerentes, não-informati' os, incompreensíveis etc. Nesses casos, trata-se
de inadequações, ~cja por parte de quem produziu aquele discurso ou de
quem o recebeu, ou seja, o suposto texto não chegou a se transformar num
e\ento discursivo comun1catl\amente rele"ante. Sabemos que isso ocorre
com nossos u111vcrs1tános cm sala de aula e não apenas com os alunos do
ensino fundamental.

Produzimos textos por processos de textua lização inadequados quando não


conseguimos oferecer condições de acesso a algum sentido, seja por ausência
de informações necessárias, ou por ausência de contcÃlua lização de dados ou
então simplesmente por inobl.crvância de restrições na linearização e ..iolação
ele relações lógicas ou 111compatibilidades informativas. Contudo. não com·ém
confundir um texto de difícil compreensão com um texto impossí,·el de ser com-
preendido. As ,·ezes, o que não cntcnclo hoje entendo amanhã.

Ocorre, porém, que o a1>pecto lingüístico não opera sozinho e não


pode encerrar cm si todo o potcnciaJ de textuali1.ação. Este é o fato mais
Primeira Parte 1 Processos d, produ~ão textual

111portante nessa perspecti\a teórica, pois se, por um lado, o texto não é
1111 artefato autônomo, por outro, não é um ser num limbo sociocognitivo.

É a isso que se referia Beaugrandc ( 1997) quando aunnavJ que o grande


i>roblcrna da I T é providencia r a ponte entre o sistema virlual e o sistema
·ea 1 da língua.

Enquanto artefato estritamente lingüístico, o texto não passa de uma pos-


ibilidadc cujas condições de realidade são o contributo <le sua inserção na
sociedade e no mundo. Isto equivale a substituir a metáfora do conduto, isto é
a idéia de que o texto condu1. os contetídos, pela metáfora <la lâmpada, isto é,
a noção de que o texto contém as condições do processamento de conteúdos
em contextos socialmente rcle\'antcs. t..la ii-. do que um tramportador, o te:\tO
ena, nesse caso, um guia ou um holofote. Produzir e entender textos não é
uma i.imples atividade de codificação e decodificação, mas llll1 complexo pro-
csso de produção de sentido mediante atividades inferenciais. E:ite será o
tema particular da TERCL:JRA P~l t•. deste curso.

•\ partir <leste ponto, :.erão oferecidos a lguns elementos para uma melhor
operac10ual ização <los critérios de textualização. Antes de iruciar o estudo •
desses fenômenos, gostaria de sugerir como leitura o trabalho de lrandé
\nlune5 (2005 ), Lutar com palmws: coesão e coerência. '\le:isa obra, temos
Jma visão clara do fenômeno da coesão e coerência, bem como dos demais
aspectos da textua lidade, com inúmeros exemplos analisados. Em alguns mo-
11cntos, no~ ateremos a esses exemplos observando alguns funcionamentos da
lingua e do texto.

J. 10. 1 Coesão
Os fatores que regem a conexão referencial (reali7ada por a~pcctos mais
t. ')pcc1fi eamente semânticos) e a conexão seqüencial (realizada mais por ele-

mentos conectivos) em especial no nível da co-texh1alidaclc, geralmente co-


nhecidos corno coesão, formam parle dos critérios tidos como constitutivos da
txlualida<le. Para muitos, a coesão é o critério mais importante <la textualidade.
\)Jo dessa op1111âo. sobretudo. ctquele:. que não distinguem enlre coesão e coe-
rêuc1<1 (ef. detalhes em ~larcuschi, 19~3 e Koeh 2000).

Os processos de coesão dão conta da estruturação da seqüência [superfi-


c.ial] do texto (seja por recursos conccti' o~ ou referenciais), não l.âo simples-
mente princípios sintáticos. Constih1cm os padrões fom1a1s para transmitir co-
uhecimen los e sentidos.
luiz Antônio Marcuschi 1 Producao textual, analise de generos e <ompreensão

Saliento que, tal como o faz a maioria dos autores em 1.r, d1stmgo, com
Bcaugrande/Dressler ( 1981 ), entre coesão c coerência. hlo não significa, po-
rém, que a coesão diga rcspc1to a questões meramente sinlállcas, já que esta
distinção tem sua razão ele ~cr cm outros aspectos.

Para muitos estudiosos d o texto, os mecanhmos da coesão textual for-


mam uma espécie de gramática do texto. Porém, a <.:>.pressão gramática de
lcxto é um tanto dcsnorteunte, pois não podemos aplicar ao tc\.lO as noções
usadas para a análise <la frase. Se, por um lado, podemo!> realizar enunciado,
completos e ex-plicá-los com gramáticas de frase, tomando-os independente-
mente, por outro lado, sabemos que vários enunciados corre tamen te
c:onslrnídos, quando postos em seqüência imediata, podem não formar oma
scqiiência aceitável. Isso quer dizer que um texto não é uma simples seqüência
de frases bem-formadas. l•:ssa seqüência deve preencher certos requisitos. A
coesão é justamente a parte da 1:r c1ue detennina om s11bconjunlo importante
desses requisitos de seqücncialid;ide textual.

l lá, pois, certos fenômenos sintáticos que se formam ou se dão na rela-


ção entre as sentenças (relações inter-sentenciais) que 111dcpcndem da corre-
ção individual de cada uma das sentenças em si. Esse tipo de dependência que
se cria nas séries de seqüências a que chamamos lütos var permitir e exigir
11ovos padrões frasais, de modo que as noções de corrctude, incorretud c e
aceitabilidade, enlre outrus, têm que ser revista,~.

Digamos, a título de hipótese, que uma 'gramática de texto' devesse se-


guir o mesmo sistema fo rmal da montagem da 'gramática de frase'. lmcial-
menle, teríamos um símbolo T (pa ra texto), como unidade hierárquica mais
alta. Depois, baLxaríamos para os constituintes restantes com um sistema mais
ou menos assim, simplificando:

T ~ ( S1, S,, S• ... S )


... , ll

onde S seria uma sentença de modo que. tal como no modelo mdomático da
gramática gerativo-transformacional, poderíamos seguir com especificações.
regras e definições parn a formação do sistema que "geraria" todos os textos de
uma língua. '\Ião resta dú,·ida de que uma proposla de~;i natureza teria pelo
menos duas objeções iniciais:

( 1) as regras necessárias para esse sistema seriam m1 tão pobres, a pon-


to de não darem conta de T, ou tantas que beirariam um número
infinito;
2) a boa fo rmação do texto seria uma função dctcrm inada pela boa
formação das scnlenç<is e pela sua concatenação bem-formada, o
que é, evidentcmcnlc, um absurdo.

:--lo caso de ( 1), ocorreria uma supersimpl ificaçflo cio s1slc111a d e T ou


... supcrcomplexificação com a comcqüente impossibilidade operacional;
(2) a sil11ação ficaria ai11da mais exacerbada, na medida em que teríamos
nde quantidade de textos aceilá\e1s como tal, mas não bem-formados de
do com o sistema formal, como no caso dos te~ios "Brasil do B", de Josias
oll7a, e "Circuito fechado", de Ricardo Ramos, tratados mais adiante.

Isso significa que os fatores concorrentes para a formação <le texto são
t\ amplos que os para a sentença (S), sendo praticamente impo~sívcl ofere-

r a "gramática textual" de uma língua, pelo menos formalmente. Daí não


r o texto apenas uma exiensão da frase.
E plausível, pois, postular que não se pode propor uma gramática de
1 aceitando como modelo teórico para 1, algo assim como o proposto

a S na gramática gerativo-transformacional. <\xiomah7ar a competência


. 1al é possível apenas como per!ipecli\'a teórica, mas impossível como rca-
ação ele fato, o que não significa que não possamos oferecer teorias formais
mais para porções ou aspectos específicos de T. Contudo, a soma de todas
porções não formará uma tcona unificada geral.

Retornando agora ao prob lenrn elas categorias lexluab, podemos dizer


e .•tSSim como aqui são propostas. elas são intuitivamente fundamentadas
\.Ompdência textual e na suposição da hipótese soc1oinl<.rah\a. \ compe-
Tlc ia é pressuposta como pre~ente cm todo aquele que dom111a uma língua
")quer, uma ,·ez que ele se comt1nica por textos e não por t1111dade~ isoladas.
:.!>a colllpclência fazem parte, ob\iamente, elementos que ultrapassam o
omin10 estritamen te lingüístico e en tram nos a5pcclos da realidade
soc ioi11 lerativa, ta is como:

- co11hecirnentos pessoai5 e enciclopédicos;


- capacidade de memorização,
- domínio intuitivo de um aparato inferencial.
- partilhamento de conhcc11nentos circunstanciais;
partilhamento de normas soc1a1s:
- domínio de tecnologias de vários tipos,

ª"sim por diante.


Luiz Antônio Marcuschi 1 Producão textual, analise de generos e compreensão

A maior ou menor presença de cada um desses e onlTos fatores faz com


que haja graus de dificuldades diversos na compreensão e mesmo produção
de textos, de modo que "d ifícil" ou "fácil" são gradações variáveis para um
mesmo te:-..io e elas se devem não apenas a fatores estritamente lingüísticos.

Nessa perspectiva, as categorias textuais devem abranger tanto os aspec-


tos sintáticos como os semânticos e pragmáticos, já que o texto deve ser visto
como uma seqüência de atos enunciativos (escritos ou falados) e não uma
seqüência de frases de algum modo coesas. Nesse sentido, a coesão explícita
não é uma condição necessária para a textualidade. Veja-se abaixo o caso de
um artigo de fundo de Josias de Souza para a Folha de S.Paiilo. Como se
observa, não há verbos no texto e, no máximo, temos ali nomes, adjetivos e
advérbios. A coesão superficial ligando um elemento ao outro linearmente
inexiste. Mas isto não é um entrave à compreensão. É claro que uem todos os
que lêem este texto vão entender da mesma maneira e talvez alguns menos
informados possam até entender mu ito pouco.

É interessante notar que nesse texto não há praticamente enunciados


exp1icitados nem verbos ou qualquer outro elemento que fuça uma ligação entre
os itens. llá sempre w11 sintagma que opera como um enquadre de "espaços men-
tais", na tern1inologia de fi'auconn ier (1994), permitindo assim uma "mesclagem
conceituai" na linha do pretendido. Vejam-se os iiúcios de cada parágrafo:
- Brasil bacharel
- Brasil Biafra
- Brasil Bélgica
- Brasil bordel
- Brasil benemerente
- Brasil Baixada
- Brasil benfazejo

folha de S.Pau/o, quinta-feira, 15 de junho de 2000

JOSIAS DE SOUZA
Brasil do B
BRASÍLIA · Brasil bacharel. Biografia bordada, brilhante. Bom berço. Bambambã. Bico bacana,
boquirroto. Bastante blablablá. Baita barulho. Bobagem, besteira, blefe. Batente banho-maria.
Bússola biruta. Baqueta bêbada
Brasil Biafra. Breu. Barbárie boçal. Barraco barrento. Barata. Bacilo. Bactéria. Bebê buchudo,
borocoxô. Bolso banido. Boca banguela. Barriga baldia. Barbeiragem. Bastaria bóia, baião-de-dois.
Primeira Parte 1 Processos de produ~ão textual

Brasil Bélgica. Brancura Black-tie. Badalação brega Boa brisa. Bens. Banquetes. Brindes. Brilho
besta Bonança bifocal. BMW: blindagem. Bolsa balofa: babau, baby.
Brasil bordel. Bancadas bandoleiras, buscando boquinhas, brechas, benesses. Bruma, biombo,
bastidor barato. Balcão. Barganha. Bazar. Banda bandida. Bando bandalho. Baiano. Barbalho.
Briga besta. Bagunça.
Brasil benemerente. Bonança Brasília bondosa Banqueiro bajulado, beneficiado, bafejado. Ban-
carrota brecada Balancete burlado. Bem-bom. Boca-livre. Brioche, bom-bocado. Bilheteria. borderô.
Brasil Baixada Borrasca. Barro. Buraqueira Boteco. Bagulho. Birita. Bílis. Bochincho. Bebedeira.
Bofete. Bordoada. Berro. Bololô. Bafafá Bazuca. Baioneta. Bala. Bangue-bangue. Blitz. Bloqueio.
Boletim. Bíblia. Bispo. Beato. Benzedeira.
Brasil benfazejo. Boleiro. Bate-bola. Bossa. Balangandã. Balacobaco. Boêmia. Barzinho. Bumbo.
Batucada Balancé. Bole-bole. Beleza beiçola. Beldade. Biquíni. Bumbum buliçoso. Boazuda.
Beijo. Beliscão.
Balada boba, burlesca. Basta*.

Com isto, entram na anál ise do texto tanto as condições gerais dos
interlocutores como os contextos institucionais ele produção e recepção, uma
vez que eles são responsáveis pelos processos de íonnação de senli<los com-
prometidos com processos sociais e configurações ideológicas.

Em suma, o que se pode fomccer são condições de acesso e não condi-


ções de boa formação textual. ksim, segundo muito bem frisa Ursula Oomen,
..a análise textual não pode consistir num alargamento linear de análises gra-
maticais a objetos de investigação mais amplos, tais como textos". Na verda-
de. prossegue ela,
as passagens da frase para o texto, dentro de uma análise estruturalista, pressuporiam
que a relação da frase com o texto pudesse ser comparada com a relação da frase com
morfemas. de morfemas com fonemas. Observações empíricas indicam, porém, que
as frases não constituem textos no mesmo sentido em que grupos de morfemas
podem ser tomados co1110 constituintes de frases.

Daí surge um dilema para as análises de texto: se, por um lado, os textos são
produções lingüísticas, por outro, não podem ser analisados simplesmente pela
~xtensão das categorias gramaticais para a frase, pois elas são uma ocorrência
comunicativa no contexto de uso. Levado ao extremo, isso resultaria na tese de

Agradeço a Yéronique Dablcl a indicação dc:.t.: exemplo usado na tese de livre-docência sobre
mtuação (USP, julho de 2004).
luiz Antônio Marruschi 1 Producao tulual, analise de generos e compreensão

que cada texto leria sua gramática se quiséssemos dar a gramática do texto. De
certo modo, e~sa lese é correta, pelo menos no sentido de que cada gênero textual
tem uma fonna de realização própria, de maneua que a textualidade de um poe-
ma e a de uma carta comercial obse1Yam princípios constitutivos diYersos.

\1as a suposta gramática genérico-textucJI leria rm11to menos a ver com


a coesão cio que com outros aspectos, já que os gêneros textuais, c.omo se
verá. não se constituem com base apenas em características lingüíslicas e
sim em características sociocomunicativas e constituiriam muito mais uma
gramátícll social. Portanto. embora seja tida como um princíp10 const itutivo
do texto, a coesão superficial não é nem suficiente nem necc!>sána para a
lex'tua lidade, aspec to no qual discordo de Halhdav/I lasan, que a julgam
necessária.

A coesão sempre foi vista como um fe11ô111cno da superfície do texto.


Seria algo assim como a sinta.\e textual. Hoje se sabe que isso não é correto.
Segundo acertadamente obse1Ya 1'och (1989 . tem-se Yisto classicamente dois
tipos de coc~h·idade, tal como fnsado no iníc10 dl·stc item:

• a conexão referencial (realizada por aspectos mais especificamente


semânticos)
• a conexão seqüencial {reali7ada mais por elementos conectivos ).

Estes foram sempre lidos como critério<; comhtuti,·os da textualidade.


Para muitos. a coesão é o critérw mai~ importante da textualidade. Contu-
do, sabe-se q11e a coesão não é nem necessária nem snficienlc, ou scju, sua
presença não garante a textualidade e sua ausência não impede a lexlualidade.
Isto pode ser \isto no caso do texto de Josias de So11za. "Brasil do B'", e
também no caso do texto de Ricardo Ramos, "Circuito fechado". do qual
trazemos 11m trecho abaixo

O texto de Ricardo Ramos. superficialmente visto, não apresenta reto-


madas explícitas entre a seqüência das sentenças. Se a estrutura do
mapeamento devesse obedecer aos princípios de. que as sentenças denotam
fatos e seqüências de sentenças denotam sequências de fatos, o texto de
Ricardo Ramm só reuniria fato~ isolados e não fonnana uma seqüência con-
tínua nem C\ibina texiura (textualidade) para 5er chamado de lcxlo. Segun-
do Halliday/l lasan ( 1976) , seria um não-texto. Ele é todo segmentado e
sem uma continuidade superficial.Mas isto não impede que funcione como
um texto perfeitamente inteligível.
Prim~ira Part~ 1 Processos de producão textual

CIRCUITO FECHADO
Ricardo Ramos

Chinelos, vaso, descarga Pia, sabonete. Água. Escova, creme dental, ãgua, espuma. creme de
barbear, pincel, espuma, gilete, água, cortina. sabonete, água fria, água quente toalha. Creme para
cabelo, pente. Cueca, camisa, abotoaduras. calça. meias. sapatos. gravata, paletó. Carteira, níqueis.
documentos, caneta, chaves. lenço. relógio, maço de cigarros, caixa de fósforos. Jornal (_)
Dentes, cabelos. um pouco do ouvido esquerdo e da visão. Amemória intermediária. não a de
muito longe nem a de ontem. Parentes. amigos. por morte. distância, desvio Livros, de emprés-
timo. esquecimento e mudança Mulheres também, com os seus temas. (...)
Mito p-azer. Po- t.Mr. cµ:ir wr o meu saldo? Acho qoo sim~ bom teldooér, foi <üno. agora mesiro
estava ~ em você. Plnl. cooi gekl. Passe mais tarde, ai1da rm fiz. rm está fXOOID. Ama1hã eu
ligo, e digo alguma coisa PA.larde o troco. Penso que sim Este mês não, fica para o outro. (_)
Ter, haver. Uma sombra no chão, um seguro que se desvalorizou, uma gaiola de passarinhos.
Uma cicatriz de operação na barriga e mais cinco invisíveis, que doem quando chove. Uma
lâmpada de cabeceira, um cachorro vermelho. uma colcha e os seus retalhos. Um envelope
~ co~ fotografias, não aquele album (.•)
L rt111: Os melhores contos biasilei: de 19/l Porto Alegre; Editor• Globo 1974. pp 169-175

Jt óbvio que neste caso não temm a ,·er com o exemplar 111e1ii. comum de
texto, mas ele deve ser explicado e abrangido, ;:mim corno qualquer outro.
Representa um caso quase cxlrcmo, bem diverso, por exemplo, do que ocorre
no lexlo de Rubem Machado, "Porque é domingo", que aparece cm seguida.
bte tem sua coerência fornecida por fatores diferentes que o de Ricardo Ra-
mos. No caso do texto de Ricardo Ramos, o título não permite que façamos
uma relação de fatos e estabeleçamos um continuum de ~entido O:. enqua-
dres são aqui feitos e nós compreendemos este texto porque ele dcscrc'e cenas
que nos são familiares em nosso dia-a-dia.

O texto exige domínio de situações como, por exemplo. na seqüência


e~u inte que seguramente não encadeia situações uma 11a outra, mas situa-
)cs bem diversas:

\ luito prazer. Por favor, quer rer meu saldo? i\cho que i.im (... ) "\l ui to pra;:er"

-\ ahvidade a que "mtiilo prazer" se refere não antecede a atividade repre-


se 1tada pelo pedido "Por fa\'Or, quer ver meu saldo?" e o enunciado que lhe
se.::uc, ou seja, "Acho que sim", não é uma resposta àquela solicitação. As três
1dadci. dessa seqüência fazem parte de três momentos temporais e de três
"1Ínios experienciais diversos. mas nós operamo~ a ~eqüência como um
11l1111H1m textual a partir de uma competência mais ampla que a competên-
luiz Antônio Marcuschi 1 Protlu.ão fui.ai, análise de gêneros e compreensão

eia puramente lingüística. É particularmente notável, neste caso, que hoje já


não exista mais a situação lembrada, pois consulta a saldo em banco é total-
mente automatizada em caixas eletrônicos que podem ser acessados na rua,
em supem1ercados ou nos próprios bancos.

O texto de Ricardo Ramos é uma prova de que a coesão superficial do texto


não é necessária para a Lextualidade. Contudo, isto não significa que ela seja irrelevante.
ote-se que, no caso de um texto assim, há um imenso investimento de conheci-
mentos partilhados que supre a ausência de outros critérios. Aqui a coesão é inferida
a partir da coerência. Este não é um texto de configuração prototípíca e certamente,
cm sala de aula, ele seria severamente corrigido e receberia nota baixa.

Vejamos o caso deste oulro texto que, ao contrário do de Ricardo Ramos,


não tem pontuação alguma:

PORQUE É DOMINGO
Rubem Machado
Levantou tarde com vagar e simulacro de sorriso examinou os dentes no espelho do banheiro
e tirando o carro para a frente da casa lavou-o tendo para isso vestido o short e tomou um
chuveiro e tez barba e pôs sapato sem meia camisa esporte fora das calças e bebeu caipirinha
discutindo futebol no bar da esquina e comprou uma garrafa de vinho três guaranás e comeu
demais no almoço e folheou o grosso jornal pensando é só desgraça no mundo e bocejou
diversas vezes e cochilou e acabou indo deitar no quarto e acordou às quatro horas com
preguiça pensando vou visitar o Ari ele não vai estar mas vou assim mesmo e pegou as chaves
do carro e disse à mulher vou dar uma volta e rodou no volks por ruas discretas cheias de sol
o rádio ligado no futebol e batucada na casa do Ari não tinha ninguém pensou então vou até o
Paulinho e foi mesmo e por sorte o Paulinho estava em casa de chinelo casaco de pijama veio
até o portão e ele não quis entrar e gozou com a cara do Paulinho o teu time não é de nada está
empatando logo com o lanterninha e girava as chaves do carro no dedo e o Paulinho disse o
jogo ainda não acabou e ele contou pro Paulinho que estava comendo a secretária e o
Paulinho despeitado só deu um sorriso amarelo e depois o Paulinho disse que descobriu que o
Carlinhos rouba no jogo de buraco e que não joga mais com aquele cara e insistiu para que
entrasse e ele agradeceu já ia andando e abanou de dentro do carro e voltou pra casa antes
botou gasolina no posto e disse pra mulher que tinha ido nas casas do Ari e do Paulinho e ela
perguntou se ele queria café e ele disse que não e perguntou a ela se já tinha começado o
programa de televisão e enquanto sentava na poltrona e via comeu um pedaço de pudim e a
mulher quebrou um copo na cozinha e ele gritou o que quebrou aí dentro e deu um arroto e
quando o programa já estava quase no fim a mulher disse que queria sair ele levantou e foi
trocar de roupa e foi ao cinema com a mulher e o filme era com a Sophia Loren e era colorido
e eles gostaram e quando voltaram para casa viram ainda um pouco mais de televisão e
começaram os dois a bocejar e ele escovou os dentes e fechou a casa e deu corda no
despertador e foram dormir já um pouco tarde. porque é domingo.
ro1nr: Rubem MACHADO. Jacarés 110 sol São Paulo: Ãtica, 1976. Citado a partir de l W. Geraldi. Portos de passagem. São Paulo:
Martins Fontes. 1991. pp. 186-187.)
Primeirm Parte 1 Processos de produ~ão te1tual

O te-.to de Rubem \lachado tem uma realização superficial oposta à do


e to de Ricardo Ramos e não apresenta pontuação nem <livbão em parágrafos.
1 iS temos que dividi-lo e proceder a um tipo de pontuação que se expressa sobrc-

lo numa prosódia. Mas pode ha,·er divergências entre o~ diversos leitores quan-
1 lêem este texto. 'lem todo~ vão ~cgmcnl·:.í-l o <la mesma maneira. Isto comprova

'Tlbém a lese de Yéronique Ouh lct (200-1-) de que a ponh1ação é principal-


º ntc um fenômeno discursivo e te-.tual e não um fenômeno gramatical.
~ l u1to
diferente e, de início, sem uma proposta de ~cnh<lo clara com um
pr.ncípio comunicativo unificador é o texto seguinte:

lh1a bomba destrói o altar onde o Papa ia rezar uma missa AArgentina teme um novo golpe. OPIB
recebe convite para integrar o Governo a nível de Ministério. OBNHdá toda atenção aos mutuãrios
oferecendo-lhes alternativas. Santos e Flamengo resolvem a primeira etapa Brizola tem a prefe-
rencia do povo em eleições diretas. Essas foram algumas das notfcias que li no jornal de hoje.

\qui , a textualidade não se d.í no nível da coesão e sim no nhel da coe-


êi c:1a metafrástica, tratando-se de uma metatemati1ação cfcti\ada retroali\'a-
mcntc com a sentença final que recupera a unidade l'.ssc leüo foi montado
C(l!tl uma série de manchetes de notícias do Diário de Pernambuco.

No segmento lingüístico a seguir, no en tanto, há 11m seqücnciamento


'\.Sivo de fatos que penuanecem isolados e, com isso, ele não tem condição
d.. formar uma textura, o que prova que se a coesão não é condição necessária
rnbém não é suficiente.

-
[ João vai à padaria Apadaria é feita de tijolos. Os tijolos são caríssimos. Também os mísseis são
caríssimos. Os mísseis são lançados no espaço. Segundo a Teoria da Relatividade. o espaço é
curvo. A geometria rimaniana dã conta desse fenômeno.

Em princípio. aq11i não lemos um texto, já que essa seqüência de cnuncia-


....os não tem efeito comun icativo, apesar de cvidcnciur uma coesão relativa-
.1c1llc forte no encadeamento das frases. Contudo, as relações de sentido não
progridem nem as unificam l\ão se pode negar que cada enunciado é bem-
formado e que cada um deles tem algum sentido. mas o conjunto não forma
uma unidade significa tfra .

22. \l esse momento, não entro cm tjue;tões moh complicaclu.1 como. por c\cmplo. saber se os
poc111a~concretos, o~ textos surreal1sl;1s t' .1lg11m,1s obras literárias apare11te111c11te absurda; ;ão ou não
luiz Antõ•io Marcuschi 1 Prod9'io textual, a11t11ise d• géneros e rOt11preeasão

De modo geral, podemos dizer, com Koch ( 1989: 19), que ..o conceito
de coesão textual diz respeito a todos os processos de seqiienciali7ação que
asseguram (ou lornam recuperável) uma ligação lingüística significaliva entre
os elementos que ocorrem na superfície te:'l.tual". É dcscjá,·el que ela apareça
como fac1litador da compreensão e da produção de sentido.
Seguindo a sugestão de Halliday/Hasan ( l 976) (com a ressal\'a de que
esses autore~ têm "isão muito di\'ersa daquela aqui defendida a respeito da coe-
são e coerência), podemos clistingl.llr cinco grandes mecanismos de coesão:
1. Rcfc.:rênc ia (pessoal, demomtrativa, comparativa)
2. Substituição (nominal, \'Crbal, frasa!)
3. Elipse (nominal. \'erbal, frasa!)
4. Conjunção (aditiva, advers:.itiva ele.)
5. Coesão lei-.ical (repetição, sinonímia, colocação etc.)
Um esclarecimento desses mecanismos pode ser melhor obtido se consi-
deramos as estratégias específicas da sua real i7-ação lexlual dentro de uma
distribuição um pouco diversa daquela feita por Halliday!Hasan com as no-
ções de coesão referencial e coesão seqüencial que as abordagem a seguir
distinguem e que vem sendo proposta aqui.
Um des5cs mecanbmos di1. respeito à organização lida como referencial,
baseada, sobretudo, em aspectos ligados à significação ou à referência. O
outro funda-se na organização seqütmcial cm que a referência não é central.
Essa dupla distinção foi estabelecida com clareza por Koch ( 1989: 27) da
seguinte maneira:
Tomando por base :i Íltnção dos mecanismo~ coesivos na construção da tc\lualtdade,
proponho que se considere a cxi,tência de <lua~ grnndcs moduli<lades de coesão: a
coesão referencial 1rcferenciação, remissão) e a coesão ~cqüenc1al (seqii<:nc1ação ).

Vejamos alguns detalhes das estratégias que dizem respeito ao mecani~­


mo da coesão referencial que foi assim definida por Koch (1989: 30):
Chamo, pois. de coc."'10 referencial aquela cm que um componente da superfície do texto
faz re1111ssJo a outro()) elemento(~) do universo tc\ll.lal. Ao pnmctIO, denomino forma
referencial ou remissiw, e ao segundo, demento de referência ou referente le~hml.

textos e que condições estão preenchendo pJra funcionar. \.i rcJltdade ~li temos uma qm.'5tão mai~
complex;1eludo111<lica que com .1 noção de gênero e com a propo~a de ~entido pretendidJ de11lro de um
c:nquJdre wc1ocultural e>pedlko e hisloncamcntc surgido, pode-~ admitir que se1;1m texto~ e funcio-
nem. embora pJ1J um numero ~guramcntc n·d11J.Jdo de le1lorl.,, murto lxm 1111ci.1d0!> nc'..a literatura
Prim•ira Parte 1 Processos de produ~ão textual

Para uma ,·isâo gera] dessas eslratégzas de orgam;:ação referencial dentro


do lc,to, observemos a seguir um quadro das principais formas que operam
nesse esquema que, posteriormente serão detidamente trabalhadas.

FORMAS DE COESÃO REFERENCIAL

form as remissivas formas remissivas


não-referenciais referenciais

-
-
artigos
0
pronomes adjetivos
-
-
pronomes pessoais
pronomes substantivos
-
-
-
-
-
sinônimos
1

hiperónimos
nomes genéricos
grupos nominais dei.
nominallzações
- numerais ordinais - advérbios pronominais - elementos metaling.
- numerais cardinais - prõ-formas verbais - elipses

Vejamos uma breve explicação para as noções de <formas remissivas


referenciais> e <formas remissivas não-referenciais> que operam nas relações
da coesão referencial. A noção de fonnas remissivas di7 respeito ao fa to de
uma forma remeler a outra e, nes~e ca~o, todas as anáforas preenchem o requi-
sito. \ 1as algumas dessas formas são referenciais e outras não, o que à primeira
d'ta parece um contra-senso. Isto dit respeito à natureta <lo elemento formal
que é usado para fazer a Ugação anafórica e não ao seu funcionamento.

Estes dois conjuntos podem ser assim ex-plicitados:

formas remissi'ª" rdcrc11ç111!> . são todos os elementos lingüístico


que estabelecem referências a partir de suas pmsibiliclades referidoras.
F.ntre essas formas, temos os -;inônimos, os grupos nommais defini-
dos etc. São formas com algum tipo de referência virtual própria.
F.m semântica. diríamos que se trata de itens lexicais plenos;
2. formas remissiYa5 não-rcfcrcncia1s: trata-se de formas que não têm
autonomia referencial (só referem concretamente), l::iis como os ar-
tigos e os pronomes. Eles podem de maneira mais clara co-referir,
isto é, estabelecer uma relação de identidade referencial com o ele-
mento remetido. Ou então referir algo por analogia. associação etc.
Estas fom1as podem ser pre~as como no cm.o dos artigos ou então
liwes como no caso dos pronomes pessoais.

Vejamos brevemente alguns aspectos relativos aos processos de


rcfcrenciaçâo considerando a teoria clássica de llalliday a esse respeito.
Luiz Antônio Marcuuhi 1 Produ,ão textual, analise de gêneros e <ompreensão

Referência pronon iinl: é prová\el que o estudo do~ fenômenos pronomi-


nais no texto seja o mais dcscmohido até hoje, pois o pronome é um fenômeno
central como fator de orgam7ação textual. Vejamos, 110 esquema abaixo, como
se distribui a questão pronominal te~iual de acordo corn a visão clássica.

REFERÊNCIA PRONOMINAL

_.,-
ENDÓFORA exófora
(correferência resolvida
na iminencia contextual)
(referência a um elemento

/"'"""'
contextual, externo ao texto)

anáfora catáfora
(retrospectiva) (prospectiva) ex: Nós nunca tivemos tanto azar no
processo de estabilização econômica
ex: Os novos gorernadores ex. Vejo-a todos os dias no
estão festejando. Eles parque, mas não sabia
têm tempo

As pronominafüaçõe) ou pró-fom1as pronominais c;ão c:asos de substitwção


mí1úma, ou seja, a remissão não se baseia em quase nenhuma característica ~c­
m5nlica do item substitutivo, pois ele não é referencial cm si mesmo e tem apenas
uma relação morfossi11tálica cotn o item ou estmh1ra que refere. Os pronomes,
por fonnarem a classe mais genérica dos nomes, são m inimamente marcados do
ponlo de vista semântico (não vamos aqui tratar das anáforas mdirelas, associati,·as,
analógica~. metonímicas etc que se fundam em princípios cogmtivos mais com-
plexos). Vejamos algo sobre a referenciação exofonca e endof6rica:

(a) A e:-;ófora, da qual pouco nos ocuparemo~ Jqu1. cl1.t respeito a elemen-
tos que, na falta de uma e:-.pre:.são melhor, chamamos de 'ex1emos ao texto' e
recuperáveis na situação duetamente (particularmente na oralidade) ou por
aspectos cognitivos, conhecimentos partilhados etc., mas não pela via de ex-
pressões co-referen tcs 'dentro do texto' 21 • Em geral, o uso de pronomes nas l"
e 2• pessoas no início do Lcxlo é de natureza inerenlemente exofórica. A exófora
comprova a reciprocidade da interação entre o uso ela linguagem e a situação
desse uso, que atualiza as estratégias de recepção A referência exofórica de

;?'{ Volto a mml1r qul' ,1 1d( 1.1 d( um dentro e um fora do te\to t ,1lgo de grande compJc,,.id,1dc
e 11ão ~e de'e abusar dc;sas C\prc~õe5 F:la.~ têm a mer;i fímc;ào ht.:umtica de lembrar que a ;oluc;Jo
reíe1c11ciJI se dá em relac;õc~ mtra-k,tua1s (muitas vezes com o t·m 1l·ur~o de aspectos cogmhvos) ou cm
relações do texto com º' cn4uaclrc~ C\lerno1
Prim.!re Parte 1 Proceuos de produ4ão textual

pró-fomrn~ aplica-se à recuperaçJo ele entidades situadas fora do te'l\to e não


d -ctamenlc nele. :\ exófora depende cio contexto. Geralmente é determinada
r lo' pronomes de I • e 2• pe~~oas. E por possessivos que eorrc~pondem a
t ~as pe~soas. Assim, o emprego de pronomes de l •e 2~ pessoas no início do
c:•.to é inerentemente exofórico, sendo que os pronomes de 3J pessoa podem
ser calaíóricos, ou seja, eo-referir alguma entidade que aparece cm momenlos
po~ tc riorc~ do texto. HalJida)/llasan ( 1976: 53) apresentam como casos
mstih1cionalizados de uso e,ofórico os seguintes:

(i) eu, você, a gente, se: usados no discurso para referir "um indivíduo
humano qualquer"
- como tu sabes.. .
- como você sabe.. .
- como a gente sabe...
- como se sabe...
(ii ) nós cm usos em que o fol<mtc :.ubsume, além de si. todos os outros:
- r-.;ós não podemos esquecer que...
( ii1) eles para indicar pessoas "não especificadas":
- Eles devem saber quem foi fazer compras ho;e.
(b ) A endófora é um tipo de pronominalização textual e fo;.r referência a
nticlades recobráveis no 'interior do tc"to'. Neste conjunto lemos dois subtipos:

(i) a anáfora que refere l!nlicladcs já introduzidas e vem depois das ex-
pressões co-refcrida:. (ou não);
(ii ) a catáfora, que refere entidades projetivamente, de modo que sua
ocorrência se dá antes da expressão co-referida (ou não).

Embora as definições sejam claras e não haja como confundi-las, a realiza-


Ç"JO le:-.lual da pronominalização é problemática. ~luitas \"C/CS, cria ambigüi<la-

dc.s. principalmente quando há \árias probabilidades de refercncia~·ão. O exa-


gero no uso da pronominalização num lcxlo leva a uma progressiva diminuição
<la informação e a uma dificuldade crescente de processmncnlo cognitivo.

o~ lcxlos orais costumam ler um maior número de formas pronominais,


nas aí elas assumem uma relação ~1luacional e não confundem o interlocutor.
:>~ textos orais são altamente dêiticos, ou seja, estruturam-.sc mdcx1calmente.
1a que a situação concreta não c:..1gc que se transfira para o te,to o universo em
uc a informação atual está se procc:.sando. Daí também o grau maior da
~ Jmplexidade co-rcferencial no texto escrito, onde o uni\erso de procc.ssamento
.:leve ir sendo paulatinamente construído.
luiz Antônio Marcuschi 1 Producüo tntual, analise de gêneros e compreensão

Para se ter uma idéia da dificuldade de distinguir entre anáfora e catáfora,


tome-se aqui o texto "A vela ao diabo" extraído de Tutaméia, de Guimarães
Rosa. O primeiro enunciado é:
"Esse problema era possível".
Trata-se aí de uma anáfora ou de uma catáfora? Refere-se ao problema
enw1ciado na indagação posla logo após o título:
"E se as imhas roessem os meninos?",

ou algo que vem posteriom1ente no texto e é identificado como


"o problema"?
Na realidade, cumprindo as funções que o texto literário geralmente tem,
Guimarães Rosa abriu aí uma série de expectativas numa pluridimensâo de
sentidos. Não nos compete decidir qual deles prevalece.

A VELA AO DIABO
Ese as unhas roessem os meninos?
ESTÓRIA !MEMORADA.

Êsse problema era possível. Teresinho inquietou-se, trás orelha saltando-lhe pulga irritante. Via
espaçarem-se, e menos meigas, as cartas da nôiva, Zidica, ameninhamente ficada em São luís.
As mulheres, sóis de enganos... Teresinho clamou, queixou-se - já as coisas rabiscavam-se. Ele
queria a profusão. Desamor, enfado, inconstância, de tudo culpava a ela, que não estava mais
em seu conhecer. Tremefez-se de perdê-la
Embora, em lógico rigor, motivo para tanto não houvesse ou houvesse, andara da incerteza à
ânsia, num dolorír-se. voluntário da insônia Até bebeu; só não sendo a situaçãozinha solúvel no
álcool. Amava-a com toda a fraqueza de seu coração. Saiu-se para providência.
A de que se lembrou: novena, heróica Devia, cada manhã, em igreja, acender vela e de joelhos
ardê-la, a algum, o mesmo, santo - que não podia saber nem ver qual, para o bom efeito. D
método moveria Deus, ao som de sua paixão, por mirificácia - dedo no botão, mão na manivela
- segurando-lhe com Zidica o futuro.
Sem pejo ou vacilar. começou, rezando errado o padre-nosso, porém afirmadamente, pio,
tiriteso. Entrava nessa fé, como o grande arcanjo Miguel revoa três vezes na Bíblia Havia-de.
la conseguindo, e reanimava-se: nada pula mais que a esperança. Difícil - pueris humanos
somos - era não olhar nem conhecer o seu Santo. Na hora, sim, pensava em Zidica; vezes,
outrossim, pensasse um risquinho em Dlena
No terceiro dia. retombou. entretanto, coração em farpa de seta, odiando janelas e paredes.
São Lufs não lhe mandara carta Quem sabe, cismou, vela e ajoelhar-se, só, não dessem -
Primrira Parte 1 Processos de produ1ão teatual

razoável sendo também uma de-mão. ajudar com o agir, aliar recursos? Deus é curvo e lento. E
ocorreu-lhe Olena
L IOlll. Guimarles Rosa. Tutamétia - rereens m6rias. 2• ed. Rio de Janeiro: Jo~ Olympio. 1968.

Caso diverso é o <lo texto de Rachel de Queiroz, que inicia assim· "Isto é
urna história velha", e se refere. e,idcntcmente, ao texto completo e não a
alguma enti<l.ide específica: trata-se de uma catáfora que tem por referente o
texto completo, pronominaluando-o.

OS REVOLTOSOS
RACHU OE QUEIROZ

Isto é uma história velha, passou-se lá por 1926. Opais andava numa situação política tão
complicada quanto a de agora. Não, minto. Tanto não. Era um complicado diferente, mais
visível, mais à flor da pele. Havia gente de armas na mão. contudo não era assim por
conflito pessoal e ideológico irredutível como agora. Era mais uma pequena questão de
princípios. de interpretação dentro de uma mesma ideologia - todos se diziam igualmente
democráticos. nenhum dos combatentes disputava sobre a questão social (e o que mais
tarde optou pelo marxismo - L. C. Prestes, saiu da briga e foi para a Rússia). Ademais, o
povo em geral. embora não se pronunciasse abertamente. por medo de represálias do
Governo ou descrença nas possibilidades da luta, o povo de coração estava os chamados
"revoltosof. seduzido pela legenda e bravura dos jovens tenentes - os feitos dos dois 5
de Julho, a imolação dos 18 de Copacabana.
Acima de tudo, aquela marcha épica da Coluna Prestes pelos fundões ignorados do Brasil
falava às imaginações e suscitava os mais ardentes entusiasmos. Creio mesmo que feito nenhum,
na história nacional, tocara tanto o coração do povo. Os moços ·generais e coronéis" <-:__j
A questão fica muito mais complexa quando observamos textos como o
da pubüc1dadc da motocicleta YM1AHA na página ~eguinte.

Aqui, o enunciado inicial tem dua~ formas pronominais seguidas: 'Você


obse rva de longe". "Você" é, evidentemente, exofóri co, mas aquele "o" é
~a anáforn ou uma catáfora? Referindo-se ao tíh1lo que \em no início. "Ca-
'o Selvagem", tudo indica tratar-se de. uma anáfora que retoma aquela ex-
rôsão. "Jo entanto, de um ponto de v1~la cognitivo, entra a queslão <la coe-
C'llcia texhwl, corno processamento de relações mapeadas por nossos conhe-
.. entos de mundo, em que ~e prod1vcm os sentidos.

Ou tra ob~e rvação gera l rele\'antc nesse ca~o é a 111dagação de se as


'lominalizações sempre referem elementos da estrutura superficial do texto e
Luiz Antônio Marcuschl 1 Prod~ão tHtval, analise de gêneroi e compreensão

li

nunca entidades não recobráveis nessa estrutura. Hoje, os estudos acerca da


rcfcrcnciação trazem muita~ idéias novas a este respeito que no~ dão outra visãc
da textualização. Veja-se a este rcspeilo a exposição de lngedore Koch (2002
cm sua já citada obra Desvendando os segredos do texto. 1bdos os gramáticos e
Primeir• Parte 1 Processos de prod~ão textual

as teorias textuais sempre exigiram rdações explícitas dos pronomes com a su-
perfície textual No entanto seqüências como (a) e (b) abaixo são freqüentes:

(a) André é ór{cio. Ele os amava muito.


(b) João é um excelente filatelista. Eleº" coleciona com o maior carinho.

\ forma pronominal "os'· refere, cm ambos oi. ca~os, elementos não


recobráveis na estrutura de superfície e por isso é tida como gramaticalmente
incorreta. Podemos, no entanto, imaginar a forma "os" como referindo en ti-
dades aí subentendidas. Existem casm cm que a co-refercncialidade se dá por
um processo díptico que realiza uma espécie de argumentação entimêmica \
que se resolve por subentendidos proposicionais. ~las o certo é que as gramti-
licas contemplam esse caso como uma "concordância ideológica". tecnica-
men te chamada de silepse. Este é o caso do exemplo seguinte:

- O povo descia a ladeira em procissão para a Igre;a. Eles suavam 110


calor intenso.
O item "poro" contém em si um plmal, ou seja. muitas pessoas que são
referidas pelo eles. Algo semelhante pode-se ver neste exemplo:

- Ontem Pedro esperava pescar um peixe. Ho7e ele quer comê-lo.


Aí a fonna pronominal "-/o" refere um peixe pescado de fato, ma~ não
proposto na estrutura superficial. SintJllcamente apenas, isto não devcna \Cr
pos~í,cl, mas, cognitivamente, há uma cstmtura inferencial cliplicamente pro-
ce!>sada que permite tal construção. Se tomarmos a elipse como substituição
pela fonna zero, então a anáfora, no caso acima, sub~titui um lugar vazio que
por sua vez é o substituto de algo anterior Trata-se do mesmo caso como em:

- \fax niio comprou um ovo. mas .\1aria sim e ele era podre.
A elipse remete a uma entidade que havia sido negada e com isto afirma-
possibil itando o processo anafórico, mas não se trata ele uma co-referência,
• ) ÍS o ovo que Max não comprou não é o ovo que 1aria comprou.

A catáfora, por sua vez, é uma forma pronominal com a característica


es~enci al de evocar uma entidade antes de mtroduzi-la. f: um elemento

24 Entimemn é um tipo de raciocínio <lc c•1r;ílc:r cmine11tementc rdóncn no qual umJ premissJ
apenai. subentc11diclJ e dC\C ser inferida a partir d.1 conclusão E é jmto111c11tc C"-'ill a asscrti1a ttut w
p que o outro le\e em comidcração. Por exemplo: ··se amor mc1/a.'>Se, eu e~tcma morto" Dc~c:1a 4111:
outro infira: "&1011 am.rn<lo~.
Luiz Antônio Marcuschi 1 Producao textual, analise de generos e compreensão

pronominal que depois, no decorrer do discurso, será recuperado com um


referente. Tem um uso relati\'amente baixo na fala, sendo mais caracterís-
tico da escrita. Uma das hipóteses para tanto é que na fala teríamos uma
dificuldade maior de usar (entender) um pronome antes de pronunciar o
nome por ele referido.

A anáfora com antecedente explícito na superfície texh1al é fundamental-


mente gerada por algum tipo de relação enlre dois constituintes orac ionais e é
resolvida por uma relação de um antecedente com um conseqüente. Assim,
dado certo elemento te>..iual x num ponto (que pode ser um item lexical ou um
sintagma e até uma oração), a anáfora a noutro ponto teria aquele x como seu
antecedente. Isto significa que para uma anáfora com antecedente explícito
sempre é possível identificar, na superfície textual, aJgum elemento que lhe
corresponde. No geral, a anáfora não apresenta problemas para sua [nterpre-
Lação ou compreensão, pois ela apresenta congmências com marcas de vários
tipos. A resolução da anáfora, por obedecer a fatores diversos, pode apresen-
tar certas saliências que levam à ambigüidade.

Segundo Pause (1984: 43), entre os critérios que auxiliam na resolução


da congruência anafórica de um antecedente com um conseqüenle e>.']Jlicitado
no texto estadam os seguintes:

(a) princípio da congruência morfológica: trata-se de uma relação de su-


perfície muito marcada, na medida em que o elemento pronominal
combina morfologicamente com seu antecedente, seja em gênero,
número etc., ou congmência sinlática pela configuração estrutural;
(b) princípio da proximidade: se houver vários candidatos para uma
anáfora, em geral o mais próximo assume o papel;
(c) princípio da preferência pelo papel sintático: no caso de um sujeito.
ou um objeto etc., a anáfora que ocupa o mesmo papel terá como
anlecedente o referente de papel similar;
(d) princípio da preferência pela função temática: a anáfora teria como ante-
cedente o elemento que ocupa o papel temático da frase anterior. Este
princípio fuz com que o princípio da proximidade nem sempre funcione;
(e) princípio da preferência pelo antecedente de maior consistência tex-
htal: os tópicos discursivos estabelecem o elemento que num certo espa-
ço textual mantém a linha coesiva de antecedentes e conseqüentes;
(f) prmcípio da congruência cognitiva: que leva a se referir elementos
cognitivamente relacionados, por exemplo, seres animados com se-
Pri111eira Parte 1 Processos de prod~ão textual

rcs an imados, ações de certo tipo com ações do mesmo tipo etc.
Aqui entram as questões relativa~ aos aspectos mais diretamente liga-
dos a múltiplas possibilidades referenciais.

Pause ( 1984 observa que esses critérios não são absolutos e que ,·ários
deles podem aplicar-se ao mesmo tempo. Quanto mais critérios concorrerem
para a determinação do antecedente, tanto mais fácil sua determinação. ' làm-
bém o peso de ca<la um desses critérios é difere11ciado. Alguns. por exemplo.
o da preferência da função temática, são particulanncntc fortes. Nesse caso,
toma-se a noção de tema como uma noção sintática, ou se1a. na relação tema-
rcma. da perspectiva funcionalista da frase. O seguinte exemplo de Pause ( 1984:
++) pode mostrar i!.sO:

( 1) Pelas 23.59 h apareceu no horizonte um objeto luminoso e grande


l'Oando em direção sul que deixava uma pista em ziguezague. Então,
de repente. esse objeto mudou para o Leste sendo que o traço por ele
deixado a.\.mmíu a fonna de uma foice . ...

Para a solução da anáfora ele ter-se-ia dois candidatos neste caso:

(a) ob;eto luminoso


(b) Leste.

~o entanto. o ~cu antecedente é lido como sendo "ob1eto'', cmborn "le~­


tc" esteja mais próximo. O papel temático do antecedente lhe coníere um
status especial. o~ fatores ou princípios acima enunciados levam a postular
que a reconstrução do antecedente para um elemento anafórico com anlcc:c-
dcnte explícito considera uma série de informações do bpo:

( l) informações morfológicas (congruência entre o antecedente e o ele-


mento pronominal )
(2) informações sintáticas (função e posição sinlálica das expressões)
(3) informações semânticas (o papel do refereute)
(-+) informações temáticas (o tema de uma frase ou de um texto)
(5) informações de conteúdo textual (o que Já ~e informou sobre um
referente pronominalilado)
( 6) informações lexicais (informações de sentido que o próprio lexema
traz consigo)
(7) informações enciclopédicas (conhecimentos do indivíduo, expecta-
tiva~ que uma informação traz consigo. inferências possÍ\ eii. etc.)
lui1 Antõnio Marcuschi 1 Produ1ão textual, análise de generos e compreensao

Vejamos agora o quadro da coesão seqúenc1al neste gráfico:

COESÃO SEQÜENCIAL

seqüenciação seqüenciação
parafrástica frástica
1 1
- repetição lexical - progressão temática
paralelismos - encadeamento por justaposicão
- paráfrases a) marcadores espaciais
recorrência de b) marcadores conversacíonais
tempo verbal - encadeamento por conexões
a) relações lógico-semânticas
b) relações argumentativas

Como se sabe. este lipo de coesividade, muilo trabalhado em sala de


<lllla, funda-se de modo especial no estudo dos conectivos, mas ele é muito
ma is rico do que tsso. ·ão \'amos nos dedicar cm detalhe a esse respeito.
\ cjamos apenas alguns <lc~mcmbramentos para a scqüe11c1ação conectÍ\'él que
pode ser vista neste outro gr~íflco:
ESQUEMA DOS PROCESSOS DE COESÃO CONECTIVA

OPERADORES OPERADORES
ARGUMENTATIVOS ORGANIZACIONAIS
t Oposição - mas. porém contudo A - de espaço e tempo textual
2. Causa - porque. pois. já que - em primeiro lugar. em 2° lugar
l Fim - para. com o propósito de - como reremos. como rinos
4. Coo<ição - ~ a menos que. desde que - neste ponto, aqli na 1• parte
S. Conclusão - logo, assim, portanto -no pr6ximo capítlJlo
6. Adição - e, bem como, também
7. Disjunção - ou B - metalingüfsticos
8. Exclusão - nem - por exemplo, isto é, ou seja
9. Comparação - mms do que, menos do que - quer dizer. por outro lado.
etc. - repetindo, em outras palavras
- com base nisso, segundo fulano etc.

'ão nos dedicaremos a uma exploração deste quadro, mas isso pode ser
\isto nos trabalhos aqui 1á citados de Ingedore Koch ( 1989).

Como se viu até aqui com algum detalhamento. os mecamsmos da coe-


são dão conta da cstruluraçfio da seqüência superficial do texto (seja por re-
cursos conectivos ou referenciais); não são s11nples111cnlc princípios sintático~
e sim uma espécie de semânt ica da sintaxe texlual, onde se analisa como a~
Primeira Parte 1 Processos de produ~ão textual

pessoas usam os padrões formais para transmitir conhecimentos e produzir


sentidos com recursos lingüísticos.

Há, pois, certos fenômenos sintáticos que se formam ou se dão na rela-


ção entre os enunciados (relações inter-sentenciais) que independem da cor-
reção individual de cada um dos enunciados em si. Esse tipo de dependência
que se cria nas séries de seqüências a que chamamos textos vai permitir e exigir
novos padrões frasais, de modo que as p róprias noções de corretude,
incorretude e aceitabilidade, entre outras, têm que ser revistas.

A reflexão sobre coesividade não tem sido mais feita de maneira sistemá-
tica nos últimos estudos de LT porque este aspecto deu lugar aos trabalhos
sobre os processos de referenciação, que passaram a representar a fusão dos
processos de textualização.

1.10.2. Coerência
Para Beaugrandc ( 1980: 19), a coerência subsume os procedimentos
pelos quais os elementos do conhecimento são ativados, tais como a cone-
xão conceituai. A coerência representa a análise do esforço para a continui-
dade da experiência humana. Isto significa que há uma distinção bastante
clara entre a coesão como a continuidade baseada na forma e a coerência
como a continuidade baseada 110 sentido. Trata-se de duas formas de obser-
var a textualidade. São, a rigor, os dois aspectos que mais ocuparam os lin-
güistas de texto até hoje. Mas as posições a esse respeito têm mudado muito
desde os anos 60 do século XX.

Na verdade, sabemos muitas coisas que não são ditas, mas que usamos na
hora de interpretar um texto. Assim, por exemplo, é o caso da herança de
propriedades que um elemento traz para dentro do texto quando ativado no
conjunto das infon11ações. Tenha-se em mente aqui os textos citados de Josias
de Souza, "Brasil do B", e de Ricardo Ramos, "Circuito fechado", para enten-
der melhor esse aspecto.

Suponhamos que um texto trate de uma narrativa sobre animais selva-


gens. É evidente que muitas propriedades dos animais selvagens e muitas de
suas ações típicas não são aventadas no texto como tal, mas podem fazer parte
mtegrante do conjunto de representações ativadas para organizar o sentido
global do texto e sua coerência. Assim é que funciona a língua enquanto mo-
delo para compreensão da realidade e organização dos sentidos. A língua não
. luiz Antônio Marcuschi 1 Producão lcah1al, analise de grnrros " comprernsoo

é um depósito de conhecimentos, mas é um guia que permite elaborar cami-


n hos cognitivos nas atividades 1i ngüísticas.

Postula-se, aqui, que as relações que possibilitam a continu1dadc textual e


semântico-<:ogmtha (coesiv1dadc e coerência) não se esgotam nas proprieda-
des léxico-gramahcais ima11cnles à língua enquanto código. Isto exigirá uma
noção de língua que ultrapasse esse patamar e siga o que já expusemos inicial-
mente sobre a questão. Embora ta is relações léxico-gramaticais con tinuem
cruciais, requerem-se, ainda. ati\'idades lingüíslicas, cognitiYas e 111tcracionais
integradas e con\'ergentes que pcrnutam a c:omlrução de sentidos parti lhados.
ou pelo menos dêem pistas para seu acesso.

Veja-se o caso do poema que serve de epígrafe ao capítulo 10 de Lutar


com palavras, livro de lrandé Antunes sobre ~1 coesão textuaP, que trata da
··coesão e coerência". Eis a magnífica passagem:

Subi a porta e fechei a escada.


Tirei minhas orações e recitei meus sapatos.
Desliguei a carna e deitei-me na luz

Tudo porque
Ele me deu um beijo de boa noite_
(Autor anônimo)

Após inlroduzir esse poema, a autora se indaga. logo no início cio capítu lo:
Seria esse texto incoerente?(.: po<i~í\el descobrir 11dc alguma ponta de .sc11lido? Me-
lhor dizendo, é possível recuperar alguma unidade de \Cnbdo ou de intenção? Sen e
para "dizer'' alguma coJSa7 St:: ~"e. como cncararo foto de as pala\'ras estarem numa
am11n.1~·Jo l111ear que resulta \Cm sentido? A porLl o;obc? \gente fecha a escada?:\
gente 1ir:i a~ orações e recita os sapatos? A gente de~liga a cama e se deita nn luz?

Não há dúvida de que o lexto é coerente, mui. em virtude de nossos co-


nhecimentos e não em virtude do que está em 'illa imanência informacional.

Para Charolles () 983)''•. a coerência pode ser \·ista como "um princípio
da interpretação do discurso" e das ações humanas de modo geral. E la é o

25. lraudé Antunes (2005J Lutt1rt'()t11 fXJlcl\ms - ~YJeScioe meli11c111. &lo Paulo, Parjbofa F.chtonal, p. 174
26. \1ichd Charolles 1 198~) Coherence J~ a Pnnc1plc i11 thc lntcrpretation of í'll\COll~C 1 ex/ ~
(1983 .-1 _9-
Primeira Parte 1 Pro1essos de produ1ao textual

resullado de uma série de atos de enunciação que se encadeiam sucessiva-


mente e que formam um conjunlo compreenshcl como um todo. Para
Charolles, -;omente uma análise de processos pem1ite tratar a coerência. Se-
guramenle, a coerência é cm boa parle uma atividade realizada pelo receptor
de um texto que atua sobre a proposta do autor. E, nesse afã, o receptor segue
as pistas (deixadas pelo autor nas operações de coesão textual) como primei-
ros indicJdores interpretativos. De todo modo. a coerência é uma ati\'idadc
mterpretaliva e não uma propriedade imanente ao lc:-to. Liga-se, p01s a ati\i-
dades cognitiv<lS e não ao código apenas.

A coerência é, sobretudo, uma relação de senliclo que se manifesta entre


os enunciados, em geral ele maneira global e não locali.tada . .l\a \·erdade. a
coerência providencia a conbnuiclade de sentido no texto e a ligação dos pró-
prios tópicos discursivos. Não é obscn·ávcl como fenômeno empírico, mas se
dá por rnLõcs conceilua1s, cognitiYas, pragmáticas e outras. (Para maiores de-
taJhes, cf. Kochrrra\aglia, 1989 e 1990; \larcmch1, 1983; Koch, 2000).

A coerência, segundo observam Bcaugrande/Dre!>sler ( 198 1),

diz respeito ao modo como os componente~ do uni'ter~o tc\tual. ou seja, os concei-


to~ e rdaçõc~ sub1acrntc~ ao texto de superfície são mutuamente acc'-\Í\·cis e rele-
' antes entre si, entrando numa configuração veiculadora de sentidos

Relações de coerência são relações de sentido e ~e estabelecem de várias



maneiras. Por exemplo, na seqüência <lc dois enunciadm, sendo que um deles
pode ser tomado como causa e outro como conseqüência. Ou então um é
interpretado cm função do outro. Suponhamos que alguém diga o seguinte a
respeito de seus vizinhos à meia-noilc:

- .\ leus vizinhos devem ter saído porque a lele\'ÍSão ainda está ligada e as
luzes da 'aranda estão acesas.
Certamente, o autor dessa seqüência não está querendo sugerir uma
relação de causa e efeito entre a televisão ligada, a luz acesa e a ausência
dos vizmhos. O que ele está sugerindo é que as lu7es acesas e a telensão
ligada são um mdício de que os \11111hos saíram. Pois ele sabe que quando os
vizinhos estão em casa isso não acontece àquela hora e que quando saem, os
vizinhos costumam agir daquele modo. A sugestão ele coerência entre os
enunciados e o bom uso daquele "porque" funda-se num conhecimento pes-
~oal cio enunciador daquela seqüência e não numa relação semântica entre
os enunciados seqüenciados.
luiz António Morcus<hi 1 Producno trxtual, analise de genero< e compreensoo

Esta é uma situação muito comum no dia-a-dia. ~: também o que vimos


acima no conto "Circuito fechado'", de Ricardo Ramo~ e no artigo de opinião
de Josias de Souza.

É importante, no entanto, ter claro que as relações de coerência de.vem


ser concebidas como uma entidade cognitiva. Isto fa7 com guc essas relações
cm geral não estejam marcadas na superfície textual e que não tenham algum
llpo de expljcitucle imediatamente \'ÍSível.

Pode ser até mesmo um ponto de \'Ísta do leitor que ei.tabelece a coerên-
cia. Assim, a coerência não é uma propriedade empínca do texto em si (não se
pode apontar para coerência). mas ela é um trabalho do leitor sobre as possi-
bilidades interpretativas do texto. É claro que o texto deve permitir o acesso à
coerência, pois, <lo contrário, não haveria possibil idade de entendimento.

É importante frisar que a coerência é um aspecto fundante da textualidade


e não resultante dela. É assim guc a coerência está muito mais na mente do
leitor e no ponto de \ ista do receptor do texto que no interior das forma s
textuais. t\las essa questão dere ser vi~ta com cautela para não introduzmno~
aqui um fator de sub1cltrnla<lc que ,·enha a mascarar todo o processo de pro-
dução textual. A coerência não depende de um voluntarismo do sujeito indivi-
dual. E aqui devemos lembrar a noção de sujeito tal co mo a definimos ao
longo deste trabalho. O sujeito é histórico e social, acha-se inserido em con-
textos mais amplos que ele próprio e não tem domínio pleno do autor e do
texto. O sujeito-leitor está submetido a uma série de condicionamentos e não
tem consciência de todos eles. Assim. a coerência é também fru to de domí-
nio!) discursivos dos qua1~ procede o texto em questão. Seria equivocado anali-
sar apenas o texto cm si mesmo e na sua imanência para tratar a coerência

Existem, com certc:t.a, situações que independem da perspectiva do leitor


para se identificar a fa lt a de coerência numa seqüência, como o caso do indi-
víduo que "estava nt1, de mãos 110 bolso, conlempfrmdo o sol da meia-noite no
interior de um {omo microondas". Mas isso não passa ele uma brincadeira.
Segundo muito bem o b~cnou Fonseca (1992: 3 5). há autores que consi-
deram a coerência como coerência temática, no eslllo das teorias dos men torc~
da Escola de Praga e que têm na continuidade temáhca a garantia da unidade
textual. O campo temático tem uma centralidade mui to grande nessa forma
de ver a questão, contudo, a coerência se dá num âmbito muito maior do que
na relação de enunciado a enunciado. A coerência bu~ca organizar o núclec
cm tomo do qual gira 111 os enunciados textuais.
Primeira Parte 1 Processos de produccio textual

Js)o quer dizer que a coerência não se dá como um movimento sucessivo


de enunciado para enunciado e numa relação de elemento para elemento.
Ela é uma função que em muitos casos se dá globalmente e tem uma realiza-
ção holística. A coerência não é uma realização local, mas global, embora
possa ter, cm muitos casos, um desenvolvimento local. Nisso ela se distingue
de forma clara da coesão textual.

Outra perspectiva é tomar essa mesma continuidade lópica (que gera


coerência) designando-a, como o fozcm os estruturalistas franceses. especial-
mente Grcimas, de isotopia:-. ,\ isotopia funda-se tanto na continuidade do
conteúdo quanto numa ordenação léxica estrutu ra<la em torno de um espaço
mental criado por um item lexical ou uma seqüência lexical. Pode dar-se tam-
bém como fixação de uma orientação intencional global pretendida pelo au-
tor e que permite ao leitor urna interpretação nessa perspectiva As piadas têm
esse tipo de coerência que se dá com base em disfunções.

1lá, no entanto. um funcionamento da isotopia já no nhel cio enunciado


ou das relações imediatas dos demcntos lexicais. Veja-se este exemplo:

- ,\ atri::: beijou o namorado acaloradamente.


Sabemos que [atriz] é um ser vivo e pode praticar ações do tipo [beijar]
que, cm geral, são ações de seres vivos. Assim, ao se dizer q11e "a atriz beijou ..."
se está prodt1zindo uma predicação isotopicamente adequada. Já não ocorre-
ria o mesmo se disséssemos:

- A pedra-pomes beijou o namomdo acaloradamente

Pois nc5tc caso não ha\'cria congruência semâ ntica, já que se estaria
predicando entre classes de scmas di\'ersos. Isto só seria adequado cm condi-
ções especiais e com um mo metafórico (para maiores detalhes ~obre a isotopia,
cf. Maingueneau, 1996: 53-56).

27 Tal corno lembra o verbete \obre "i,,ot.opia"' no Dícionáno<ie anoli~e do di,c11N1 (P. Charnudeau
e 1) \l:11ng11enea11, Z00+:?.92-29+). a noção de isotopia fo1 introduúda por Grci111.1' na semântica e diz
rc~pc1lo .10' .. procedimentos que concorrem par.i a coerência de uma wqüê11c1a d1~11~11·a ou de umd
me11~cJgrm . [\melada na red11ndânc1c1 de um mesmo traço ao deemolrnm:11to do' enunciados, tal
coerêncu d11 respeito pnnc1palmentc à ori;am1.ação semânhca do d1snmo !\ i>0top1a é um eixo
~1:111ântico que pennite criar efeito) de cocr\:ncia. -i::1a resulta_ antes de mat~ nada. da ·i1erah~1dade. ao
lon~o de uma cadeia 5intagm.íhca. de ca l~ema~ traços semãntito) lOlllüluai>) que asseguram ao
cli~c1mo rna homogeneidade" (p. 292) Po<le-'e cfüer que "no plano fu11c1on.JI, a coerência discurs1,·a
produ11d.1 pela isotopta condiciona a fo1b1/1dud1? dos textos:· Por outro lado, "do ponto de \'!Sta do
cnunciat:lrio, a isotopia constitui uma wadc de le1t11rn que toma homogl'nea a ~uperfíc1c do texto, já que
chi permite eliminar as ambíguidade~" (p. 293)
luiz Antonio Mar<Us<hi · Producao textual, analis" de gl'nt'ros c con1prt·~n·.c10

O mais comum é u~ar a 1sotopta como critério para a ob~ervação semân-


tica de te:-.tos completos e não de simples enunciados. Veja-'>C aqui o exemplo
trazido por Fiorin ( 1989: 82) para mostrar que a isotopia se dá como a
recorrência de um traço semântico comum no lexlo e que orienta a leitura e a
compreensão, tal como lembrado na nota 28 abarxo.

Este exemplo é útil p<1ra revelar uma visão fundada nos traços lingüísticos
e C\•1dcnciar o quanto a noção de 1sotopia é de caráter C)lrutural.

Certa vez uma família inglesa foi passar as férias na Alemanha. '\o decorrer de um
passeio, as pessoas da família 'iram uma casa de campo que lhes pareceu boa para
pa\~ar as férias de \Crão. Foram falar com o proprietário da casa, um pastor alemão,
e combinaram alugá-la no \Criio seguinte.

De volta à Lnglatcrra, discutiram mllito acerca da planb1 ela casa. De repente, a


senhora lembrou-se de mio ter vi~to o w.c. Conforme o ~cnti<lo prático dos ingleses,
escreveu imediatamente para confirmar tal detalhe. A carta fo1 e~crita assim:

Gentil Pastor


Sou membro da familia inglesa que o \'ISitou h<í pouco com a fmalidade de
alugar sua propriedade no próximo verão. Como c~quccemos um detalhe
muito importante, agradeceria se nos informasse onde se encontra o \\.C.

O pastor alemão, não co111prccndcndo o significado da abrc\'iatura w.c.;. e julgando


tratar-se da capela da religiílo inglesa White Chapei. respondeu nos seguintes termos:

Gentil Senhora.

Tenho o pra1cr de comunicar-lhe que o local de seu interesse fica a 12 km da


casa. É muito cômodo, sobretudo se se tem o hábito de 1r lá freqüentemente;
nesse caso. é preferí,el lc,ar comida para passar lá o dia 111teiro \lguns vão a pé,
outro~ de b1c1clcta. Ha lugar para quatrocenlas pessoas sentadas e cem em pe;
recomenda-se chegar cedo para arrumar lugar sentado, pois os assentos são de
veludo. As crianças ~cntam-~e ao lado dos adultos e lodo~ cantam cm coro Na
entrada é dist1ibuícla uma folha de papel para cada um; no entanto, se chegar
depois cla distribuiçilo. pock>-s<.: usar a folha do vi1:inho ao lado. Tal folha deve
ser resiituída à saída para poder ser usada durante um mês. Existem amplificado-
res de som. Tudo o que \C recolhe é para as crianças pobres da região Fotógrafo\
especiais tiram fotografias para os 1omais da cidade a fim de que todos po~m
ver seus scmclhank\ no desempenho de um de,cr tJo humano.

Embora esta seja uma peça de humor. tudo se dá cm função de um


deslocamento semântico que contaminou a narrath·a inteira e, em conseqüên-
cia, o sentido geral <lo lt:xto. Não há dúvida de gm: esse i:.cnlido já se acha'ª
Primeira Parte 1 Processos de producao textual

de algum modo inscrito no texto e não foi introdm·ido aleatoriamente pelo


intérprete da carta. Segundo obsem1 Fiorin, houve um deslocamento da

isotopia da higiene para a


isotopia do culto.

originando assim uma 'iObreposição de i~otopias. , \ leitura é feita com ba~c


em dois planos semânticos distintos e na sua contraposição. Uma espécie de
sobreposição isotópica atuando simultaneamente.
As isotopias têm uma grande semelhança com o que se designa conio
frames ( enquadre~ cognitirns) ou esquemas cognitivos gerais que controlam
toda a estrutura cognitiva do texto e a~ relações intcrlexluais. A rigor, ne sa
perspectiva. não são propriamente as regras gramaticais que entram em ação
p~Ha constituição da textualidade e sim os processos cognitivos.

É tendo em mente precisamente questões dessa natureta que Fonseca (1992:


35) defende que "a totalidade de significação intendida pelo locutor representa
o grande princípio da constmção do texto". Isto que diLer que a coerência seria
uma espécie de princípio global de llltcrprctação e não localizado.

Se a cocrênch1 é uma articuJação de vários planos do texto e ocorre como


um "complexo ele interdependências" reali7ado \erticalmente (pela intenção co-
municativa global unificadora) e honzontalmcnte (inter-relação entre enunciados
~eqüenciados ), o texto é de fato uma articulação em dois nÍ\eis. \las isto é uma
visão também redutora na medida em q11e terá dificuldade de integrar a interação
entre produtor e receptor, já que não prevê, no modelo, o lugar da cooperação.
Corno se nota, os dois princípios básicos da coerência, na posição leóri-
ca de Fonseca, são os seguintes:

1. não-contrad1çào: que permite a dh·ersidadc dentro de esquemas de


compatibilidade definida pela pcrhnência nas relações de implicação
lógica, seqüência tcmpornl, inclusão etc. (ordem e causalidade);
11. não-tautologia: que providencia a continuidade textual, ou seja. a
progressão temática trazendo conteúdos novo~ integrados.
Vejo dois problemas nessa po\ição: primeiro, cm ambos os princípios,
contemplam-se apenas as relações lógico-semânticas, sem a menor atenção
para os papéis inleracionais e as negociações entre os interlocutores; segundo,
apesar de o princípio (ti ) dar a en tender que a redundância e a repetição
eslariam aqui eliminadas, isto não ocorre, pois elas servem a certos propósitos
específicos que devem ser analisados em cada momento cm que ocorrem.
Primeira Parte 1 Processos de producão textual

Com base na intencionalidade, costuma-se dizer que um ato de fala, um


enunciado, um texto são produzidos com um objetivo, uma finalidade que deve
ser captada pelo leitor. Como se nota, se essa posição não chega a decidir uma
primazia do autor, isto já desloca todos os princípios da dialogicidadc para um
pl::mo de subjetividade inaceitável. Por isso mesmo, deve-se ter cautela com a
qucsrno da intencionalidade que não costuma ser trabalhada nos textos.
É difícil identificar a intencionalidade porque não se sabe ao certo o que
obscn·ar. 'làmbém não se sabe se ela se dc"e ao autor ou .io leitor, pois ambos
têm 111tcnções. ~Ias o problema fica ainda maior quando queremos anaJisar a
intencionalidade como um critério da textualidade. Seria mais comeniente \'ê-
la mtcgrada no plano global do texto e nos processos produtores de coerência.
O problema maior no caso da intencionalidade acha-se no conceito de
sujeito que ela subentende. Tudo se passa corno se o sujeito fosse clono do
conte(1do e como se ele fosse uma fonte independente e a-hbtórica. lsto é
impossível e não estaria cm consonância com o que já po:.tulamos aqui so-
bre a questão.
Em uma análise desse pnncíp10, Fá\'ero (1986) lembra que a intencio-
nalidade ~crvc para manifestar a ação discursi,·a pretendida pelo autor do tex-
lo. Portanto:
a intencionalidade, no sentido estrilo, é a intenção do loculor de produzir uma
manifestação lingüística coesiva e coerente, ainda que essa intenção nem sempre se
rcali/C na sua totalidade, especialmente na conversação usual.

Certamente, cabe aqui lembrar, como o faz Fávero, que o princípio de


cooperação com suas quatro máx11na~ eonversaeiona~. tal como propostas
por Grice ( 1975), são uma boa forma de analisar como opera a intencionaJida-
de num texto. J\ intencionalidade, sobrehldo no caso de funcionar na perspec-
liva da~ implicaturas, é uma fomia indireta de se dizer o que se quer num texto
e é respo1mível por boa parte de implicitude. Mas não esqueçamos que a
intencional idade em Grice ( 1975) não é o mesmo que a intencionalidade de
J\ushn ou de Searle.

1.10. 4. ,\ceitabilidade
Como vimos há pouco, a aceitabilidade diz respeito à atitude do receptor
do lcxlo (é um critério centrado no aloculário}, que recebe o texto como uma
configmação aceitável, lendo-o como coerente e coeso, ou seja, interpretável e
Luiz Antônio Morcuschi i Produrno textual, analise de 9<'nl'ro> e <on1precnsão

significati\·o. Pem1ite um certo grau de tolerância, além do qual o texto não !.cria
sequer inteligível. O problema da aceitabilidade é definir 05 seus limites: são
eles por parte do sistema, da plausibilidade cogrntiva ou da situacionalidade?
Nesse caso, esse princípio é redundante com o de siluacionalidade.

É importante não confundir essa noção de aceitabilidade enquanto critério


da textualidade com o mesmo termo usado na gnurnílica gerativa. Pob o tex1o diz
respeito ao sistema da língua atualizado e não a um sistema \:irtual. A rigor, wn
te>..to pode ser aceit<hel. embora alguns de seu~ enunciados ,·iolem a
gramaticalidade cm !>enhdo estrito..\ aceitabilidade no gera ti\ismo se dá no pla-
no e,lrito das formm. e da scmfü1tica enquanto tal. A'isim, uma seqüência como:

- Ho;e levantei cedo e tomei um banho, um café e um táxi para a universidade.


Seria um enunciado mal-fom1ado e inaceitável cio ponlo de vista gramati-
cal por \folar uma relação de papéis temáticos. Ma!> cm certos contextos e para
finalidades específicas. este enunciado é aceitiívcl .\ aceitabilidade de que trata
a 1:1 não se reduz ao plano das fom1as e sim se estende ao plano do sentido.

A aceitabilidade, enquanto critério da textualidade, parece ligar-!>e a no-


ções pragmáticas e ter llllli.I e~treita interação com a 1nlcncionalidade, como
lembrou Beaugrande (1997: 14).

A aceitabilidade se dá na medida direta das pretensões <lo próprio aulor,


que sugere ao seu leitor alternativas estilísticas ou gramaticais que bul!cam
efeitos especiais. Com isto. vê-se que as relações entre aceitabilidade e
gramaticalidade são muito complexas. Se tomarmo~. por exemplo, as obras d1..
Guimarães Rosa, vamos observar que muitos de sem textos contêm enuncia-
dos que sob o ponto de vista da gramática oferecem resistência, contudo, ~o
plenamente aceitá,·eis na obra. l àmbém na fa la lemos produções que beiram
a agramaticalidade, mas nem por isso deixam de ser aceitáveis e inteligíveii.
por seus ouvintes.

1.1O.5. Situacio1wlidade
O critério da situacionalidade refere-se ao fo to ele relacionarmos o even-
to texh1al à situação (social. culhiral. ambiente ele.) em que ele ocorre (cf.
Bcaugrande. l 997: 15) ..\ siluacionalidade não c;ó sen-e para interpretar e
relacionar o te:-..io ao seu contexto interpretativo, mas também para orientar a
própria produção. 1\ ~ituacionalidacle é um critério estratégico.
Primeira Parte 1 Processos de producao textual

Tomemos o caso de alguém que quer falar ao telefone: esl>a situação exi-
girá uma série de ações mais ou menos consolidadas e que vão constituir o
gênero telefonema. Haverá a chamada, as identificaçõe~ e os cumprimentos
múluos, :.t abordagem de um lema, 011 vários, e as despedidas. Assim será com
qualquer outro texto, por exemplo, uma ata de condomínio e até mesmo uma
redação escolar, que exigirão determinados requisitos sih1acionalmcnte defini-
dos. Em certo sentido, todo o lcxto conserva em si traços da sihiação a que se
refere ou na qual deve operar. A s111 \ll O' \. ll) \DI Porn WR \ 1s 1 \ C0\10 U\I
C Rt l l ruo ()L \DEQU \ Ç.\ O n.:..\. 1u \L.

Este princípio diz respeito ao~ fatores que tomam um le:-.to relevante numa
dada situação, pois o texto figu ra como uma ação denlro de urna situação
controlada e orientada. A rigor, a situacionalidadc é dada já pelo simples fato
de que o texto é uma unidade cm funcionamento.

Em sentido estrito, o critério da situacionalidade é supérfl uo, pois por


natureza, 1á se admite que todo sentido é sentido situado. Não há produção
de sentido a não ser em contextos de uso. E a categoria do uso (o usual) em
boa medida deveria dctem1inar os aspectos definidores da situacionalidade.

Também é bom ter presente que situacionalidade não pode ser simples-
mente confundida com contextualidade. A noção de contexto é um dos aspec-
los centra is da construção da siluacionalidade, mas se distingue dela.

Por outro lado, em sentido estrilo, poderíamos dizer que a situacional idade
é uma forma particular de o texto se adequar tanto a :>eul> contextos como a
seus usuários. Se um texto não cumprir os requisitos de situacionalidade, não
poderá se "ancorar" em contextos de interpretação possí\'eis, o que o toma
pouco proveitoso.

Sob vários pontos de vista, a situacionalidade não forma um princípio


autônomo, na medida em que é em muitos casos um aspecto de outros crité-
rios. No fundo se trata de um critério redundante quando visto isoladamente:

1.10.6. TntertextualidcJC/e
Este critério subsume as relações entre um dado texto e os outros textos
relevantes encontrados em e\penências anteriores, com ou sem mediação. Há
hoje um consenso quanto ao fa to de se admitir que todos os textos comungam
com outros textos, ou seja, não existem textos que não mantenham algum
aspecto intertextual, pois nenhum lcxlo se acha isolado e solitário.
luiz Antônio Marcuschi 1 Produ~ão textual, ancilise de ginetos e tompreensão

Pode-se dizer que a intertextualidade 2 ~ é urna "propriedade constitutiva


de qUl'llquer texto e o conjunto das relações explícitas ou implícitas que um
texto ou um grupo de textos detenninado mantém com outros textos" (Dicioná-
rio de análise do discurso, 2004: 288). Essa noção entrou primeiro no estudo
da literatura e depois estendeu-se para o tratamento do texto cm geral. e.
Genette ( 1982: 8) usa a expressão 'transtextualidade' para designar o fenôme-
no de modo mais amplo e distingue os seguintes tipos de relações transtextuais
(cf. Dicionário de análise do discurso, 2004, p. 289):

• a intcrtcxtualidadc, que supõe a presença de um texto em outro (por


citação, alusão etc.);
• a paratexiualidade, que diz respeito ao entorno do texto propriamen-
te dilo, sua periferia (títulos, prefácios, ilustrações, encarte etc.);
• a metatextualidade, que se refere à relação de comentário de um tex-
to por outro;
• a arquitextualidade, bastante mais abstrata, que põe um texto em
relação com as diversas classes às quais ele pertence (tal poema de
Baudelaire se encontra em relação de arquitextualidade com a classe
dos sonetos, com a das obras simbolistas, com a dos poemas, com a
das obras lfricas etc.);
• a h1pc rtc xlualidadc, que recobre fenômenos corno a paródia, o
pasticbe etc.

Maingueneau (l 984: 83) distingue entre intertextualidade e intertexto,


dizendo que o inlerte.xi:o seriam os fragmentos discursivos que aparecem e a
intertextualidade seria o princípio geral que rege as formas de isso ocorrer, isto
é, as regras elo intertexto se manifestar, que podem ser diversas na literah.ua. na
ciência, na religião etc. Além disso, o autor distingue entre uma intertextualid<ide
interna (entre discursos do mesmo campo discursivo) e uma intertextualidade
externa (entre discursos ele campos discursivos diversos, por exemplo, entre o
campo discursivo da teologia e da ciência).

A intcrtextualidade é um fator importante para o estabelecimento dos


tipos e gêneros de texto na medida em que os relaciona e os distingue. Na
realidade, isso seria uma relação como a de arquitextualidade de Genette.

ZS. A questão da 111tertexl11alidada é relativamente complexa e a ela se ligam muilos lermos qul"
podem ~c rprovcilosamcntc consultados no Dicionário de amílise do discurso, tais co1110: aspas; dialogismo:
discurso citado; i11terdiscurso, metacormmicaçào; metadiscurso; polifonia, aJém dos tratados nessa'
breves notas. Deve-se, no entanto. ter algum cuidado, pois polifonia e 111tcrtcxt1.1alidadc não se cqmrnlcm
Primeira Parte 1 Proceuos de produ~ão textual

i\uma pro,eitosa reíle,ão sobre a intertextualidadc e sua relação com a


poliforna, Koch (1991: 529-;41) lembra uma passagem de Barlhes (1974)
quando este afirma que "todo texto é um intertexto; outros textos esWo presentes
nele. em níveis \'dridveis. sob formas mais ou menos reconhecíveis". esse ca~o.
todos os Lcxlos teriam uma configuração heterogênea Para Barlhcs, ··o interte\10
é um campo geral de fómmlas nnônimas, cuja origem raramente é recuperá-
vel, de citações inconscientes ou automfücas, feitas sem aspas".
Segundo Koch (1991: 530), num sentido amplo, a interlcxtualidadc é
uma "condição de cxislência cio próprio discurso" e pode equivaler à noção de
inlcrd1scursividadc ou heterogeneidade. Um discurso remete a outro e tudo ~e
dá como se o que se tem a d1~er tromesse pelo menos em parte um já dito.
Para Mainguencau, o "'inlertexto é um componente decisivo das condi-
ções de produção discursi'"a". Daí a lembrança de Koch, que cit<i Kriste\a (a
introdutora da noção de intcrtextualidade), quando esta afirma: "Qua lquer
texto se constrói como um mosaico de citações e é a absorção e transforma-
ção de um outro texto··.

Sob um ponto de '1sta estrito, observa Koch ( 1991. 532) que a


intertexlualidade seria ·'a relação de um texto com oulros textos previamente
existentes, isto é, efetivamente produzidos".

'I rata-se, pois, da presença de partes de textos prédos dentro de um tc,lo


atual. Dentre as várias modalidades desse tipo de intcrtexlualidade, Koch des-
taca, entre outras, as seguintes:
a) mtertextual" dade ck fonna e.. conteúdo. quando alguém utiliza. por
exemplo, determinado gênero lcxtuaJ tal como a epopéia em um ou-
tro contexto não épico só para obter um efeito de sentido especial;
b) 111lerk\tt1Jlidade explicita: como no caso de citações, cl1scursos dire-
tos, referência documentadas com a fonte, resumos, resenhas;
e) mtertcxtualidade com textos próprios, alheios ou genéricos: alguém
pode muito bem si tuar-se numa relação c!onsigo mesmo e aludir a
seus textos. bem como citar textos sem autoria específica como os
provérbios ele.

!\ intertextualídade colabora com a coerência textual. É hoje estudada deti-


damente porque tem importânc:1a fundamental ao relacionar discursos entre ~1

No con texto da interlcxlualidadc, também se costuma lratar cio que


Auth1er-Revuz (1982) chamou de heterogeneidade mostrada e hcterogenei-
Luiz Antonio Marcuschi 1 Producão tutual, ancilise de generos e t0mpreensõo

dade conslituliva. Pode-se dizer que se lrata do problema da presença de


discursos "outros" num dado discurso que vem de outras fontes enunciativas
identificáveis ou não (o que equivale ao tema da intertextualidade). Vejamos
alguns aspectos da questão:

• Heterogeneidade mostrada: presença de um discurso em outro dis-


curso de modo localizável e identificável. Pode aparecer na forma
não-marcada (discurso indireto, indireto livre, paráfrase, pastiche etc.)
ou na forma marcada (discurso direto, com aspas ou alusão
identificada etc.).
• Heterogeneidade constitutiva: quando o discurso é dominado pelo
interdiscurso. É o surgimento de um diáJogo interno e que não ne-
cessariamente vem do exterior. Assemelha-se ao dialogismo bakhtinia-
no. Constitui-se no debate com a alteridade.

O que se pode dizer é que a intertextualidade, mais do que um simples


critério de textualidade, é também um princípio constitutivo que trata o texto
como uma comunhão de discursos e não como algo isolado. E esse fato é
relevante porque dá margem a que se façam interconexões dos mais variados
tipos para a própria interpretação como no caso dos dois texios já comenta-
dos de Ricardo Ramos e Josias de Som:a.

1.1O.7. Infonnatividade
Seguramente, esle critério é o mais óbvio de todos. pois se um texto
é coerente é porque desenvolve algum tópico, ou seja, refere conteúdos.
O essenc ial desse princípio é postular que num texto deve ser possível
distinguir entre o que ele quer transmitir e o que é possível extrair dele, e
o que não é pretendido. Ser informativo significa. pois, ser capaz de diri-
mir incertezas.

A rigor, a informatividade diz respeito ao grau de expectativa ou fa lta de


expectativa , de conhecimento ou desconhecimento e mesmo incerteza do
texto oferecido.

O certo é que ninguém produz textos para não dizer absolutamente nada.
Contudo, não se pode confundir informação com conteúdo e sentido. A infor-
mação é um tipo de conteúdo apresentado ao leitor/ouvinte, mas não é algo
óbvio. Perguntar pelos conteúdos de um texto não é o mesmo que perguntar
pelas informações por ele trazidas. Assim, um ato de fala não é uma informa-
Primeira Parte 1 Processos de produ~ão textual

ção, mas um efeito de sentido produzido que percebemos como um dos conteú-
dos do texto. Mas este ato de fala, por exemplo, uma ofensa ou um xingamento,
não se dá de fonua direta ou informativa.

Portanto, itúonuatividade é um critério bastante complexo e pouco espe-


cífico. Não pode ser ana lisado como se fosse responsável por unidades
informacionais. Nesse sentido, a informação de que trata este critério é aJgo
necessariamente vago e não computacional mente claro.

1. 11 Avalia,ão dos sete critérios da textualidade

Vejamos neste momento, em síntese, alguns aspectos relativos aos sete


critérios tratados até aqui. Segundo Beaugrande/Dressler ( 1981: 20), estes cri-
térios podem ser assim observados:

a) dois deles são orientados pelo te:'l..1:0 (coesão e coerência)


b ) dois pelo a:.-pccto psicológico (intencionalidade e aceitabilidade)
e) wn pelo a~pecto computacional (informatividade)
<l) dois pelo aspecto sociodisnmivo (situacionalidacle e intertextualidade).

Com isto, lembram os autores, temos quatro aspectos centrais sob os quais
um texto pode ser observado:

l. língua;
2. cognição;
,
). processamento;
4. sociedade.

Esses critérios não podem ser transformados em regras constitutivas


de texto, tornando-os eficientes e adequados. Eles não são princípios de
boa formação textual, como já foi sobejamente afirmado. O importante é
observá-lqs como princípios de acesso ao sentido textual. E isso não é de-
cidido pelos 'princípios', mas pela maneira como operamos com eles en-
quanto critérios.

Daí dizer-se, como Beaugrande ( 1997: 10), que o texto é um evento


comunicativo em que convergem ações lingüísticas, cognitivas e sociais. O
grande problema está em resolver essa convergência de maneira satisfatória
e adequada.
luiz Antônio Morcuslhi 1 Produciío textual, analise de gêneros e compreensão

1. 12 Organiza,ão tópica
A noção de tópico continua problemática e pode ser entendida de acor-
do com os contextos teóricos em que é utilizada. Uma distinção usualmente
feita nesse caso é en !Te tópico frasa] {w) e tópico discursivo {To). O primeiro
é de nalureza sintática e se restringe ao nível da frase. tal como postulado
inicialmente pela Escola de Praga na distinção hoje retomada por vários auto-
res entre tema e rema. Essa noção funcional de tópico (equivalente ao tema),
embora de cunho essencialmente semântico-pragmático, é de natureza sintá-
tica e em certo sentido equivale ao sujeito do enunciado, por ser aquilo sobre
o qual se fala. Por exemplo, na &ase:

- Paulo comprou um livro.


"Paulo" seria o tópico {tema), ou seja, o conhecido e sobre o qual se fala,
"comprou um livro" seria o comentário {rema), ou seja, o novo, aquilo que se diz e
se informa no enunciado. Contudo, o tópico &asaJ não se confunde com o sujeito
!>intático da frase e pode ser caracterizado pela entoação ou por um processo de
alçamento chamado topicalízação. Trata-se de uma visão em que forma e função
são conjugadas no processo de linearização discursiva. Costuma-se, em outros
contexlos teóricos, distinguir entre tópico e comentário {Givón, Labov), o que
eqllivale a LJma distinção de caráter mais pragmático, assim como o par dado e
novo (Chafe), de natureza mais cognitiva. Em todos os casos, trata-se de uma
distinção sintática que faz uma ponte en!Te o semântico e o pragmático no âmbito
da frase, por exemplo. tema-rema (Escola de Praga). Não é nessa linha que traba-
lhamos aqui o tópico, e sim na perspectiva elo tópico discursivo.

Aspecto importante é que o tópico cli~cursivo não é um dado (/ priori,


mas uma construção realizada interativa e negociadamenle. Assim, em qual-
quer interação verbal espontânea entre indivíduos em qualquer situação da
vida diária, apesar de alguém sempre propor um tópico, esse alguém nunca
terá a certeza de conduzir o tópico até o final por conta própria. pois sem-
pre haverá que contar com a parlicipação do outro. Quando se analisa o
tópico discursivo, não se trata de uma simples análise de conteúdo, mas dos
procedimentos para encadear os conteúdos. Os conteúdos, o "aboutness" de
que falam Brown & Yule (1983). formam apenas a unidade ou o con junto
demarcado. Esse aspecto, tido como o processo de centração, constitui, ao
lado de Olltros dois processos, a organicidadc, e a delimitabilidade a base
da noção do tópico discursivo.
Primeira Parte 1 Processos de produ,ão textual

Aqui, adoto a noção de tópico discursivo, designando com isso o tema


discursivo, aquilo sobre o que se e!>tá falando num discurso (tal como sugerido
por Brown & Yule, 1983), não necessariamente considerando a frase. Para esse
tipo de tópico, a unidade é discursiva e não frasal. Aqui não se costuma distin-
guir entre tópico discursivo e outro pólo, como no caso das distinções anterio-
res. O tópico discursivo é levado adiante em porções maiores e se desenvolve
nos processos enunciativos. o caso de uma interação face a face, por exemplo,
ele é desenvolvido interativamente. Pode ser introduzido, desenvolvido, retira-
do, reintroduzido, reciclado ou abortado; ele é dinâmico e não estático.

A noção de tópico discursivo pemtite tratar de mais aspectos que a noção


de tópico frasaJ, inclusive da continuidade-descontinuidade discursiva em ter-
mos mais globais e até mesmo a passagem de tópicos antigos para novos. Com
a noção de tópico discursivo se pode dar conta de fenômenos tipicamente
discursivos, tais como as interrupções ou as intenções fundadas em estratégias
de manipulação tópica. O tópico discursivo não elimina a frase, mas considera-
ª sempre relacionada tanto a aspectos co-textuais como contextuais.
Baseada
em Chafe ( 1982), observa Mondada (1994: 45) que "o discurso procede cons-
tantemente por ativações e desativações". Do ponto de vista discursivo, uma
informação ativada pode ser mantida mediante estratégias anafóricas (sejam elas
pronominais ou nominais, entre outras) e com isso manter o tópico em anda-
mento. Pode-se também manter um tópico ativo com outras estratégias. tais
como entoação, seleções sintáticas ou construções paralelas, topicalizações e
anáforas associativas.

Em relação a esses aspectos, o discurso oral e o escrito têm organização


e desenvolvimento tópico relativamente diferenciados, tendo em \'ista suas con-
dições de produção. A conversação, por exemplo, desenvolve a dinâmica tópi-
ca interativamente (sem um planejamento prévio e com monitoração local),
ao passo que o texto escrito segue um processo enunciativo mais calculado, na
base de suposições sociocognitivas e planejamento de maior alcance. Nisso
residem algumas diferenças interessantes entre oralidade e escrita, tendo aqui
o tempo e o espaço um papel importante, já que a oralidade se dá num tempo
real e a escrita num tempo defasado (não só em relação à recepção, mas
também em relação à produção). [sso já está sendo também reanalisado quando
se trata da interação nos bate-papos na internel pela escrita.

HeinemannNiehweger (1991: 32) incluem a Escola de Praga, que pos-


tulava a perspectiva funcional da frase entre as gramáticas de texto de natureza
luiz Antõnio Marcvschl 1 Prothl1ão textual, 1111âlbe fie gineros o r0tnpreensão

estrutural. Trata-se do princípio de distribuição da 111formação na frase. Os


dois termos básicos nesse modelo são os conhecidos:

tema (que lrat: a informação sobre a qual é fa lado, ou seja, a infor-


mação dada);
rema (que traz o que se diz sobre o tema, conhecida como informa-
ção nova ).

"lesse caso, o tema traz a mformação dada ou relativamente conhecida e o


rema traz a informação relativamente nova ou desconhecida. tendo em vista o
status informacional do fluxo comw1icativo. Como a ::.cqüência de tema-rema
no tcxlo não é constante e pode ::.er alterada, ela serve como meio de identificar
eslnil:uras de construção textual mediante o íluxo da informação que determina
o dinamismo comunicativo do texto com base na progressão temática.

Num conhecido estudo sobre a questão, Dane~ ( 1970)2" analisou esse


princípio de estruturação smtático-semãntica do texto, detectando cinco es-
truturas básicas de progressão. Dane~ postulava que é possí,cl descrever a sin-
taxe textual (princípios lingüísticos da construção tc>.tual) com base na distri-
buição ela comunicação no tc\to. Nem sempre o tema-rema se dá como urna
posição na frase e às vezes trata-se de urna distribuição feita com o recurso da
entoação ou então do artigo inclefinjdo-dcfinido. Portanto, tema-rema não
s5o termos equivale11lcs a sujeito-complemento.

A relação tema-rema é hierárquica relativamente ao hiperlema (tema cen-


tral e geral). o desenvolvimento do tema pode receber cinco formas ruversas
de ::.eqüenciação de acordo com a escolha que o autor fizer:

l progressão linear sinples (com 1.111a tematizaçào linear~

11 -+ Rl A-+ B Ex: A fonologia estuda os fonemas de


J. uma língua. Os fonemas são as unida,.
T2(=Rl) -+ R2 B-+ e des componenciais mínimas de qual-
J. e-+ o quer sistema lingüístico. Todo sistema
T3(=R2) -+ R3 lingüístico tem pelo menos entre 20 e
E ...... sessenta sons. Estes sons.-

29. Neste caso sigo o le:1.to de Dant:S reproduzido em Dressler (org ) ( 19-5 Textlingui~tik-, que
le\J por titulo "Zur linguistischen Anah°'e der Textstrul..tur~ (pp. 185-192l, que rt-ccbeu 'ária\ outra~
'er~ões, J~ que o autor voltou à quc}tJo cm \".Ínas oportunidades e isto con}htui o cerne da perspectiva
funcionalista da frase da Escola de Prc1gc1. Veja,~e quanto a asso, Rodolfo llan (1992). A perspect1vtJ
fu11c1onal da frase portuguesa. 2' ed Campm:is Editora da Unincnmp, 1992. /\ arbrulaçâo tema-rema
é o nssunto central dessa obra.
Pri111clra Perte 1 Processos de produ4õo teilfual

2. progressão com um tema continuo:

TI-+ RI A-+ 8 E.t Os seres vivos hali:am a Terra há


11-+ R2 milhares de MOS. Seres vivos ailda
A-+ C não foram encontrados em outros
TI-+ R3
Tl-+ R4 A-+ D planetas. Eles são uma forma
superior de seres na natureza. mas
A-+ L estão ameaçados de desaparecer
com o alll10fltD da poluicão hurnana

3. progressão com tema derivado (temas que são derivados de llll hipertema)

E.t Os animais dividem-se em várias


,,. A ..... classes. Os animais vertebrados são
Al -+ 8 J, A3 -+ D em geral os maiores fora d·água. Os
J, animais marinhos são os maiores de
A2-+C todos. Já os insetos são os menores
animais que a natureza tem.

4. progressão com um rema divi<ido (desenvolvimento com urn dl4110 tema ou mltiplo)

A -+ (= 81+82 + 83 + 84.•) E.t Ocorpo humano divide-se em cabe-


81-+C ça tronco e membros. Acabeça é uma
82-+0 parte muito especial por abriga.r o cé-
B3-+E rebro. Otronco abriga a maioria dos
84-+f õrgãos vitais. Os membros servem
para nosso contato com as coisas e
T2"-+ R2" manip!iação direta dos objetos à oos-
sa volta.

5. progressão com salto temático

A-+ 8 E.t A pollcia mitar nos estados do Rio


ele Jmro e em São Paulo foram mos-
8 -+C tradas em sua verdadeira face nos últ~
mos dias de março deste ano. Nesta
!_-+ ~peca. viu-se algo profoodamente de-
i:rmm. Corta-se Qll! há nUt:os anos
T4 -+ R4 íE'ás. quando aild.1 havia a escravid.1o.
qualquer coisa que desagradasse ao
senhor era tratada com violência e es·
pancamento.

O próprio Danes observa que em um texto como tal esses tipos não ocor-
rem puros na forma aqui proposta, mas que em geral eles aparecem mistura-
dos com o predomínio de uma dessas formas. Contudo, segundo se observou,
uma aplicação desses princípios continua ainda pouco clara e de difícil
operacionalização. Mas a idéia é importante por sugerir que os textos progri-
dem em suas subunidades de maneira ordenada e não caótica. Há uma certa
relação entre progressão informacional e plano textual.
luiz ARtônio Marcuschi 1 ProdvJão textuel, aaáfise ile ginero1 • compreensio

:\ão esqueçamos que essas posições da facola de Praga receberam ou-


tras versões bastante próximas e até mesmo independentes entre si. Assim é
que podemos considerar os termos:

• tópico - comentário
• dado - novo
• figura - fundo

e outras dessas designações como "quase-sinônimas". Contudo, situam-se em


contextos teóricos levemente distintos. Veja-se o caso de Chafeiº, por exem-
plo. que trabalha a questão dentro de um li\TO de semântica. Até hoje, Chafe
não deixou de postular aquela posição.

Numa avaliação geral de todos esses moddos, HeinemannNiehweger


( 1991: 35-36) obscrva111:

(a) Todos esses modelos têm uma motivação gramatical. Partem do ponto
de vista de que os textos estão estruturados à semelhança das frases. A
no,·idade desses modelos é a substituição da gramática de frase por

m
uma outra gramática de texto. Essa é uma tentall\'a que não poderia
dar certo, pois não é possí\el imaginar que o texto tem estruturas
similares às das frases.
(b) Os textos são concebidos como seqüências de frases que mantêm
entre si uma estreita ligação coesiva. Essa coesividade vem marcada
na superffcie textual e garante a boa formação lexhia1. Na verdade,
esse é um postulado muito forte e a coesão não é uma condição nem
necessária nem suficiente para a textualidade, como já vimos.
(c ) Esses modelos poshilam uma unidade referencial garantida pelo lé-
xico, temporalidade e fluxo informacional.

Se, por um lado, essas pcrspecti\'aS de abordagem tcxhial são um ponto


mu ito importante no tratamento do texto. essas gramáticas textuais constitu-
em uma visão muito limi tada e redutora do texto com um ponto de vista
relativamente restrito. Seu caráter de estaticidadc tira o dinamismo textual.
Além disso, é relevante observar que esses modelos ignoram as relaçõe~ exis-
tentes entre os produtores e receptores dos textos. Por fim, resta observar que
os textos não são simples unidades gramaticais, e sim funcionais, com pro-
priedades pragmáticas

30. Refiro-me, aqui, espec1ficamcntc a Wallace L. Chafc (1<f°i9 ) Sigmficado e estrutura $emânti·
ca Rio de Janeiro· Linos 1 écnico) e Cicn tificos. Especialmente o cnp 15 lpp 218-241 ), que trolJ d ~'
"Informações novas e velhas"
Primeira Parte 1 Processos de produ~iio tu;tval

1. 13 Processo referencial

Hoje se admite que a questão referencial é central tanto na produção tex-


tual como na compreensão. 1': esse continua llm capítulo dos menos desenvolvi-
dos, sendo que mantém relação com \·árias outras questões como a continuida-
de tópica e o problema ela coerência tex1\1al, incidindo ainda sobre a atividade
111ferencia1. De uma maneira geral, pode-se distinguir, na tradição dos estudos
semântico-discursivos, duas tendências bá~ica5 no tratamento da referência.

a) A primeira, ma is antiga e ainda predominante nos estudos lógico-


scmânticos, é a que se funda numa concepção objetiva e realista de
linguagem como transparente e referencialista (c,tensionalista), ten-
do por base uma visão instrumentalista de língua. Esta posição ga-
rante urna relação extensional entre linguagem e mundo e vem sen-
do postulada pelas teorias vcricondicionais, entre outras.
b) A segunda posição postula uma noção de linguagem como ati\'idade
sociocognitiva em que a interação, a cultura, ~• c'1)eriência e aspec-
tos siluaciona is interferem na determinação referencial. Esta posi-
ção não se confunde com o nominalismo.
li
De especial interesse no caso da perspectiva teórica (a ), é a crença na
possibilidade ele dizer o mundo de forma objetiva, distinguindo rigidamente
entre fa tos e crenças. Além disso, essa perspectiva caracteriza-se por produzir
teorias da compreensão e da produção textual em que, de um lado, está o
te>..to com con teúdos ob jetivamente inscritos e, de outro, indivíduos que, em
condições específicas, podem captar os conteúdos sem maiores problemas.
Para esses uu lores, tan to a linguagem corno o mun do estão previamente
discretizados e podem ser correlacionados biunivocamente. A referência, se-
na, nesse caso, uma contraparte extramente para um conceito ou w11a c:..~res­
são lingüística. Os referentes, nessa teoria, são objetos cio mundo e a atividade
de referi-los é um processo de designação extensional.

Já no caso da posição (b), que toma a língua como atividade e postula o


texto como evento, não se admite que os referentes se jam sistematicamente
objetos do mundo, tendo em vista que se caracterizam como objetos de dis-
curso, segundo largamente postulado, por exemplo, por Mondada (1994) e
muitos outros. I~ nessa segunda posição que nos situamos para resolver a ques-
tão da relação entre processos referenciais (referenciação) e orgamzação tópi-
c.a (coerência) na atividade discursiva .. \qui os sentido~ fundam-se numa ati-
\idade de interação e co-produção em que os conhecimentos partil hados têm
luiz Antônio Marcuschi 1 Produ~ão textual, anolise de 9~neros e compre ensão

um papel crncial. A expressão referenciação é aqui usada no lugar de referên-


cia, já que esta última tem um caráter de relação pré-fabricada (à margem das
conclições de uso) entre o mundo e a linguagem. Tal como observa Mondada
(1994: 17), ao se considerar a noção de

objeto de discurso interessa ter em conta a imbricação das práticas cognitivas e


sociais nas operações de referenciação, onde a referência é construída pela atividade
enunciativa c orientada em primeiro lugar para a dimensão intersubjetiva no seio da
qual ela é negociada, instaurada, modificada, ratificada.

Para a autora, como para nós, mais do que "a maneira como o texto faz
referência a uma exterioridade", interessa "a maneira como os locutores con-
cebem sua referência a uma exterioridade" (Mondada, 1994: 17). Jsso sign ifi-
ca que é essencialmente na interação (interpessoal ou com o texto) que se
constrói o sentido. Na verdade, a referência é produzida na perspectiva do
foco estabelecido. E quando o foco não é estabelecido com clareza, pode
haver um desvio da focalização, o que acarreta também urna atribuição
referencial inadequada. Segundo observam Moeschler & Reboul (1994: 350ss),
uma expressão referencial só chega a sua referência concreta quando empre-
gada num discurso. Caso contrário, sua significação lexical, de caráter lingüístico,
não passará de uma referência virtual. Já no caso de termos como os prono-
mes e os dêiticos, que não têm referência virtual por não serem descritivamen-
te autônomos, eles só chegam à referência concreta mediante outros indica-
dores. O exemplo ( 1) a seguir apresenta uma interessante si tuação discursiva
para esclarecer esse processo de saturação referencial. Veja-se:

F001 - telefonema
(1)
352 eu tava lá dentro...
V'.
353 mas sabe que eu não me servi de absolutamente nada a não ser uma coca-
cola...
354 porque eu vi passando mas eu tava tão agoniada tão tensa sabe[...
355 B: [éh
356 V'. mas diz que foi terrível né
357 porque os meios das cadeiras eram estreitas e não dava pra ele passá né
358 B: é... exato_
359 aí ficava um avanço
360 ficava uma coisa feia
361 quando vem pra cá vem chegando... "fica aqui espera aí que eu vô pegá um
362 pra mim"... 0 pegavam de dois três
363 V'. nordestino é fogo viu
364 B: ave maria achei tão feio viu1
Primeira Parte 1 Processos de produ4ão textual

Todos os que tiverem conhecimentos mínimos dos fatos envolvidos ou ouvi-


rem a gravação completa do telefonema em questão identificam o referente de ele
na linha 357 como sendo o garçom, embora o item não esteja lingüisticamente
presente. No entanto, a falante referia-se ao indivíduo que estava servindo o co-
quetel. A questão é: como foi que o produtor daquele enunciado escolheu o gêne-
ro do pronome ele? Por uma predetenninação do referente implícito? Certamen-
te que sim. Do mesmo modo, podemos interpretar a anáfora 0 na linha 362, que
refere as pessoas presentes ao ato. Esse, no entanto, já é um caso um pouco mais
complexo e exige a compreensão de um conte>.1o um pouco maior. Mais compli-
cada ainda fica a identificação do referente de "vô pegá um" na linha 361. Aquele
indefinido um refere salgadinho ou docinho, isto é, os frios que estavam sendo
servidos pelo garçom naquele coquetel. O curioso nesses três casos e em muitos
outros do mesmo telefonema é que as falantes conseguem identificar com segu-
rança o que eslão querendo dizer e o que estão referindo.

Para a análise da relação entre referenciação e coerência; 1, será essen-


cial considerar que, numa perspectiva macro, um texto constrói-se e progride
com base em dois processos gerais:

(1) progressao referencial


(2) progressão tópica.
Esclarecendo as relações de diferença e semelhança entre os dois proces-
sos, pode-se lembrar, grosso modo, que:

Progressão referencial diz respeito à introdução, identificação, preserva-


ção, continuidade e retomada de referentes textuajs, correspondendo às
estratégias de designação de referentes e formando o que se pode denomi-
n ar cadeia referencial.

Progressão tópica diz respeito ao(s) assunto(s) ou tópico(s) discursivo(s)


tratado(s) ao longo do texto.

Tão há estudos detalhados relacionando esses dois aspectos. Mas, em


princípio, eu não creio que sejam independentes, embora não sejam também
biunívocos. Eles são co-delerrninados. Contudo, se a continuidade referencial
serve de base para o desenvolvimento de um tópico, a presença de um tópico
oferece tão-somente as condições possibilitadoras e preservadoras da conti-
nuidade referencial, mas não a garante. A progressão referencial se dá com

31. Este aspecto ainda não recebeu um tratamento adequado, pois é complexo e seguramente
deverá ser objeto de intenso~ estudo~ pro"imamente.
lub Antônio Marcwschi 1 Prodvtão textual, 011aUse de gêneros e compreensão

base numa complexa relação entre linguagem , mundo e pensamento em


interações realizadas no discurso. Tesse sentido, os referenles são aqui toma-
dos como objetos-de-discurso. Além disso, sugere-se a necessidade de uma no-
ção não-cxtensional de referência para dar conta do processo de referenciação
textual. \ re{erenciação, tal como a tratam \ londada e Dubo1s (1995 ), é um
proces~o ref!lizado no discurso e resultante da construção de referentes, de tal
modo que a noção de referência passa a ler um uso diverso daquele que se lhe
atribui na li teratura semântica em gera l. Referir não é uma atividade de
"etiquetar" um mundo preexistente exlensionalmente designado, mas sim uma
atil•idade discursiva {essencialmente criatin1 ). de tal modo que os referentes
passam a ser ob;etos-de-discurso. Lsso não quer dizer que se nega a existência
do mundo extramental, pois este continua sendo a base para a designação.

l:!:sse aspecto relativo aos objetos de discurso será aprofundado no mo-


mento em que nos dedicarmos ao problema da compreensão textual e aos
processos de categorização.

1 'Ibdas as questões tratadas nesta primeira parte devem retomar na segunda

m e em especial na terceira parte dessas análises. A seguir, vamo~ observar como os


gêneros textuais se organizam e que Lipo de seqüências eles desenvolvem . Na
verdade, o que vamos perceber é que os gêneros textuais são poderosos instru-
menlos para organizar e clesen\'Olver tanto fo rmas textuais como processos de
produção e compreensão. Eles são uma parte da atividade organizacional da
sociedade, desde que os compreendemos como fonnas de ação social.

EXERCÍCIOS DA PRIMEIRA PARTE:


processos de produ~ão textual

Tal como na parte anterior, relativa à visão histórica da lingüística no século XX, também
aqui trazemos alguns exercícios para revisão geral e trabalho individual e coletivo. De
preferência, estes exercícios deveriam ser realizados em equipe. Visam ao
aprofundamento com leituras complementares. Seus resultados devem ser sempre
debatidos em sala de aula
Central seria um trabalho de pesquisa e levantamento permanente de termos-chave
para a montagem de um glossãrio, cujas definições podem ser buscadas tanto neste
manual como em dicionãrios e em outras fontes fornecidas no final da parte histórica.
Isso é fundamental para que se domine a base terminológica de maneira mais técnica
Primeira Parte 1 Procenos de profi•ão textual

(a) GLOSSÁRIO SOBRE AQUESTÃO TEXTUAL: iniciar a montagem de um glossário para tratar do
texto. Entre os termos mais importantes, estariam estes (que devem ser ampliados):
anáfora isotopia
catáfora língua
coerência objeto de discurso
coesão progressão referencial
contexto referência
co-referência sujeito
co-texto tema-rema
dado-novo texto
déitico tópico-comentário
discurso tópico discursivo
função tópico sentenciai

(b)Analisar as concepções de língua encontráveis em pelo menos quatro teorias lin·


güísticas identificando-lhes as diferenças.
(c) Identificar as diversas definições de lingüística de texto e definições de texto nos
dicionários de lingüistica fazendo-lhes uma análise critica.
(d)ldentificar textos de gêneros variados e observar se os processos de coesividade
são diferentes e em que diferem.
(e)Comparar o uso de anáforas em bulas de remédio, receitas culinárias. notícias de
jornal, resenhas de livros e resumos de congressos.
(f) Identificar listas dos mais variados tipos e analisar os processos de referenciação
tendo em vista seus usos sociais característicos.
(g) Tomar 10 coleções de livros didáticos do ensino fundamental e analisar os concei·
tos de língua e texto neles expostos ou identificar quais os conceitos deste tipo
subjacentes aos mesmos.
luiz Antônio Marcuschi 1 Produ,ão textual, analise de gêneros e compreensão

de impressionar a guantidade de livros, coletâneas, números


temáticos ele revistas e teses que surgiram nesses últimos anos
em tomo da questão dos gêneros textuais e seu 'ensino' no Bra-
sil. Podemos afirmar que estamos presenciando uma espécie de
'explosão' <le estudos na área, a ponto de essa vertente de
trabalho ter-se tomado uma moda. A qualidade dos trabalhos é muito variada
e não se pode esquecer que muita coisa publicada é de grande valiosidade,
mas boa parte é repetitiva e pouco proveitosa. Não é possível fazer justiça a
essa produção cm uma abordagem tão breve como esta. Mas é conveniente
saber de sua existência. Da produção mais recente, ressalto pelo menos estas
obras cuja leitura poderá ser de grande proveito. Outros trabalhos recentes
podem ser vistos na bibliografia anexa no final.
B,\Zfüt\t~N , Charles (2005). Gêneros texluafa, típi/ii:ação e 111/eração. São Paulo: Cortcz (Esta obra
tem 11m alto potencial aplicalt\'O. Trata os aspectos funcionais e h1stóncos dos gêneros. O
primem'> capítulo é essencial para se ter uma noção clara da posiç.iío do autor quanto à noção
de gênero, siste ma de gêneros e conjunto de gêneros na ~ociedade.)
CruSTóvAo, Vera Luc1a Lopes e NASCl\1Ell<'TO, Elvira Lopes (orgs.) (2004). Gêneros textuais: teoria
e prática 1. Lo11drina: FundJçào Araucária. (Esta coletãuca de trabalhos é fruto de ou tro
congres50 de gêneros e tem trabalhos voltados para o problema do ensino.)
CrusrôVÃO. Vera Lúcia Lopes e NASCP..1El\'TO, Elvira Lopes (orgs.) (2005). Gêneros textuais: teoria
e prática u. Palmas e União da Vitória: Kaygangue. (Esta coletânea é a segunda produzida a
partir do congresso de gêneros em União da Vitórin- PR e tem uma seção especial sobre ternas
voltados parn o ensino.)
KARwOsKJ, Acir Máno; CAYDECZKA, Bc.atri:r.; BRITO, Karim Siebeneicher (orgs.) (2006). G€neros
textuais- reflexões e ensino. Rio de Janeiro: Lucema. (&ta coletânea é produto d;is conferênciJ~
de um congresso sobre gêneros em União da Vitória - PR e contém estudos importantes para
se ler uma idéia do que vem sendo debatido neste momento em termos de gênero~ tcxluah
entre nós.)
MF.URJ.:R, José Luiz: BONl'>I. \dair; MarfA-ROTH. Oesirée (orgs.) (2005). Gêneros- teorias. méto-
dos, debates. São Paulo: Parábola Editorial. (Temos aqui a mah recente obra sobre gêneros
com uma proveito~a re\'isâo cb~ teorias hoje cm voga. É :iconselh:frel para quem qui~er
aprofundar os aspectos tcóncos de maneira mnis ampla. Os textos aprofundam as teonas e
não ~ão simples. )
Z ,\\IO'ITO. Normelio (2005). E-mail e carta comercial: eMudo contraotívn de gênero textual. Rio de
janeiro e Caxias do Sul: Lucerna e E:DUCS. (Este trabalho é fruto de uma lese de doutorado
e tem uma pro\eitosa introd ução aos e~tudos lingüí~ticos no início, bem como uma anáfoe
bastante clara d<> liUlcionamento dos gêneros tc1>tuais, particulanncntc as cartas comerciais e
os e-marls, que são comparados com muitos exemplos analisados. A obra é aconselhá\'el
quem quiser trabalhar o problema dos gêneros nesses dois casos.)

Com estas obras, já podemos formar uma idéia clara de algumas posi-
ções recenles. Trata-se de uma série de novas fontes de leitura, informação e
formação, bem como alternativas de trabalho. Ao longo do cmso, deveremo
Segundo Porlé Gêneros textuais no en~ino de l1nguu

\Oltar a esses estudos e sena aconselhável sua leitu ra até para um


aprofundamento na questão. lendo cm vista que hoje o ensino de língua anda
bastante centrado em gêneros e isso não é tão simples nem pode !ter realizado
de modo ingênuo. A coletâncêl organizada por Meurer; Bonini & Motta-Roth
(2005) contém uma série de csll!Clos cuja leitura pode dar uma idéia bem
mais clara da diversidade de teorias existentes boje nm diversos países. Sua
leih1ra será aqui aconselhada de modo enfático porque pode conduzir a um
aprofundamento dos temas centrais tratados.

2.1. Oestudo cios gêneros não é novo, mas está na moda

O estudo dos gêneros lcxluais não é novo e, no Ocidente, já tem pelo


menos vinte e cinco séculos, se considerarmos que sua observação sistemática
iniciou-se em Platão. O que hoje se tem é uma nova visão do mesmo terna.
Seria gritante ingenuidade histórica imaginar que fo1 nos últimos decênios do
século XX que se descobriu e iniciou o estudo dos gêneros textuais. Portanto.
uma dificuldade nahtral no tratamento desse tema acha-se na abundância e
diversidade das fontes e perspectivas de análise. ~ão é possível realizar aqui
um ]e,·antamento sequer das perspectivas teóricas atuais.

J\ expressão "gênero" esteve, na tradição ocidental, especialmente ügada


<1os (gêneros literários, cuja análise se inicia com Platão para se firmar com
Aristóteles, passando por Horácio e Quintiliano, pela Idade Média, o Renasci-
mento e a Modernidade. até os primórdios do século XX. Atualmente. a no-
ção de gênero já não mais se nncula apenas à literahtra, como lembra Swales
(l 990· B ), ao dizer que "ho1e, gênero é facilmente usado para referir uma
categoria distintiva de discurso ele qualquer tipo, falado 011 escrito, com ou
sem aspirações literárias". É assim que se usa a noção de gênero texhial em
etnografia, sociologia, anlropolog1a, retórica e na lingüística. É nesta última
que nos interessa analisar a noção de gênero.

1'~ com Aristóteles que ~urge uma teoria mais sistemáltca sobre os gêneros
e ~obre a nah1reza do discurso. o cap. 3 da Retórica 13 5fü1 , J\nstóteles diz
que há três elementos compondo o discurso:

(a) aquele que fala:


(b) aquilo sobre o que se fala e
(e) aquele a quem se fala.
Luiz Antônio Marcuschi 1 Produ«ão textual, analise de gêneros e compreensão

Num discurso existem, segundo Aristóteles, três tipos de ouvinte que operam:

(i) como espectador que olha o presente;


(ii) como assembléia que olha o futuro;
(iii) como juiz que julga sobre coisas passadas.

E a esses três tipos de julgamento Aristóteles associa três gêneros de dis-


curso retórico:

(i) discurso deliberativo;


(ü) discurso judicíário;
(iii) discurso demonstrativo (epidítico).

Do ponto de vista funcional, o discurso deliberativo servia para aconse-


lhar/desaconselhar, e voltava-se para o futuro por ser exortativo por natureza;
já o discurso judiciário tem a função de acusar ou defender e reflete-se sobre o
passado, enquanto o discurso demonstrativo tem ca ráter epidítico, ou seja, de
elogio ou censura, situando-se na ação presente. Em Aristóteles, tem-se uma
construção teórica associando fonnas, fimções e tempo, que se vê no esquema
de Reboul ( 1998).
OS TRÊS GÊNEROS DO DISCURSO SEGUNDO ARISTÓTELES

1 Gênero 1 Auditório 1 Tempo 1 Ato 1 Valores Argumento-tipo


Judiciário Juízes Passado (fatos Acusar; Justo; injusto Entimema (dedutivo)
a julgar) defender
Deliberativo Assembléia fl.lbJ't> Aconselhar útit nocivo Exemplo (indutivo)
desaconselhar
Epidítico Espectador Presente Louvar; censtl"llr Nobre; vil Amplificação
Allll& Olivier Reboul. 1998: 47.

A visão de Aristóteles sobre as estratégias e as estruturas dos gêneros foi


desenvolvida amplamente na Idade Média. Tomou-se inclusive a ênfase pela
qual a retórica se desenvolveu e propiciou a tradição estrutural. Aristóteles distin-
guiu entre a epopéia, a tragédia, a comédia, cujos tratados foram conservados e
ainda a aulética, o ditirambo e a citarística, cujas análises perderam-se.

Hoje o estudo dos gêneros textuais está na moda, mas em perspectiva


diferente da aristotélica. É o que Bhatia (1997) constata em sua revisão sobre
o lema. Assim, a expressão "gênero" vem sendo atualmente usada de maneira
cada vez mais freqüente e em número cada vez maior de áreas de investiga-
ção. Para Candlin , citado por Bhatia (1977: 629), trata-se de "um conceito
que achou o seu tempo". E muitos estudiosos de áreas diversas estão se interes-
sando cada vez mais por ele, tais como:
. S99unda Parte 1 Gêneros textuais no ensino de língua

Teóricos ela li teralnra, retóricos, sociólogos, cientistas da cognição, tradutores, lin-


güistas ela computação, anal istas elo discurso, especialistas 110 Ensino de Inglês para
Fins Específicos e professores de língua.

lsso está tornando o estudo de gêneros textuais um empreendimento cada


vez mais multidisciplinar. Assim, a anál ise de gêneros engloba uma análise do
texto e do discurso e uma descrição da língua e visão da sociedade, e ainda
tenta responder a questões de natureza sociocultural no uso da língua de ma-
neira geral. O trato dos gêneros diz respeito ao trato da língua em seu cotidia-
no nas mais diversas formas. E se adotarmos a posição de Carolyn Miller
(1984), podemos dizer que os gêneros são uma "fonna de ação social". E les
são tun "artefato cultural" importante como parte integrante da estrutura co-
municativa de nossa sociedade. Neste sentido, há muito a discutir e tentar
distinguir as idéias de que gênero é:

uma categoria cultural


um esquema cognitivo
uma forma de ação social
uma estrutura textual
uma forma de organiiação social
uma açao retórica

Ccrtamenle, gênero pode ser isso tudo ao mesmo tempo, já que, em


certo sentido, cada um desses indicadores pode ser tido como um aspecto da
observação. lsso dá a noção mais aprOA'imada da complexidade da questão e o
porquê da ausência de trabalhos sistemáticos que até recentemente dessem
conta do problema na perspectiva didática.

2.2 O estudo dos gêneros mostra o


funcionamento da sociedade
TAREFA PARA O ESTUDO DOS GÊNEROS: para introdu1.ir este capítulo, sugiro
a leitura do texto de Charles Bazem1an (2005: 19...+6), intitulado "Atos de fala,
gêneros textuais e sistema~ de atividades: corno os textos organizam atividades e
pessoas" 1• Aqui se pode observar os mais diversos a~pcclos relativos aos gêneros cm

L. O texto encontra-se em Charles Bazermun (2005'. Cêmtros textuais. tipifi.cação e interação.


v rgani1.ação: Ângela Paiva Dionísio & Judith Chambliss lloffnagel.fülo Paulo: Cortez.
Luiz António Mar<uschi 1 Producão te xtual, analise de gêneros e compreensão

seu Íuncionamenlo e a noção de fato social, bem como outros conceitos básicos
para o tratamento dos gêneros. Um fato social é aquilo em que as pessoas acreditam
e passam a tomar como se fos~e verdade, agindo de acordo com essa crença. l\1uitos
fatos sociais são realidades constituídas tão-somente pelo discurso situado. Daí a
importância de se trabalhar esse aspecto central.

Para Bhatia (l 997: 629), os gêneros permitem o tratamento da intrigante


e difícil questão que indaga:

Por que os membros de comunidades discursivas específicas u~am a língua da ma-


ncíra como o fazem?

Por exemplo, por que lodos os que escrevem uma monografia de final de
curso fa7.em mais ou menos a mesma coisa? E assim também ao pronunciar-
mos uma conferência, darmos uma aula expositiva, escrevermos uma tese de
doutorado, fazermos um resumo, uma resenha, procluzjmos textos similares na
estrutura, e eles circulam em ambientes recorrentes e próprios. lsso ocorre
também numa empresa com os memorandos, os pedidos de venda, as promiss6-
rías, os contratos e assim por diante. Vai ocorrer na esfera jurídica. na esfera
jornalística, religiosa e em todos os demais domínios.

Na resposta a esta indagação estão envolvidas questões mais do que apenas


sociocuJturais e cognitivas, como observa Bhatia (1997: 629), pois há aí ações de
ordem comunicativa com estratégias convencionais para atingir determinados
objetivos. Por exemplo, uma monografza é produzida para obter uma nota, uma
publicidade serve para promover a venda de um produto, uma receita culinária
orienta na confecção de uma comida etc., pois cada gênero tcKtual tem um pro-
pósito bastante claro que o determina e lhe dá uma esfera de circulação. Aliás,
esse será um aspecto bastante interessante, pois todos os gêneros têm uma fom1a e
uma fw1ção, bem como urh estilo e um conteúdo, mas sua detemrinação se dá
basicamente pela função e não pela forma. Daí falharem os estudos estritamente
formais ou estruturais do gênero. lendo isto em vista, Bhatia (1997: 629) frisa:

Esse aspecto tático ela construção do gênero, sua interpretação e uso é provavelmen-
te um dos fatores mais relevantes para dar conta de sua popularidade atual no campo
dos estudos do discurso e da comunicação.

E como ocorre com todos os conceitos ou áreas que se tornam popula-


res, proli feram e variam neles as teorias e as interpretações, o que acaba se
transformando num inconveniente para o estudo. A variação dos entendimen-
tos existentes é um problema que ocorre hoje nos estudos ele gêneros que
recebem todo tipo de contribuição teórica.
Segunda hrte 1 Gêneros textuais no ensino de língua

!'\a real idade, o estudo dos gêneros textuais é ho1c uma fértil área
inlcrdi~ciplinar, com atenção especial para a linguagem em funcionamen to e
para as ali\'ldades culturais e sociai~. Desde que não concebamos os gêneros
como modelos estanques nem como cslruturas rígidas, mas como formas cul-
lurais e cognitivas de ação soem! (Miller, 1984) corporificadas na linguagem,
somos levados a ver os gênero~ como entidades dinam1cas, cujos limites e
demarcação se tomam fluido~.

Diante desse interesse. pode-se dizer que ao tamanho <las preocupações


também corresponde uma tamanha profusão de tem1inologias. teorias e posi-
ções a respeito da questão. l•:m princípio, isso seria muito bom se não fosse
c1cs11orteante. É quase impossí\'el hoje dominar com satisfatoncdadc a quanti-
dade de !)ugestões para o tratamento dos gêneros textuais.

M u ilas são as perspcclivas teóricas no.s estudos dos gêneros. Podemos


aqui, brevemente. indicar pelo menos algumas dessas linhas sem nos determos
muito \'ou somente situar o~ aulorc~ e nada mais. O quadro a \eguir dá essa
'isão que pode ser tida como uma "tipolog1a de tipologia~"'. Dommique
\laingucncau (200+ 107-108) lembra que há uma profmão de tipologias e
elas seguem em geral certos cnténos que dão uma orientação básica'. O pro-
blema é que essas tipologias não seT\em para entender o funcionamento dos
gêneros e sim para entender o que os autores estão íazcndo parn agrupar os
gêneros. Um esforço que nem sempre dá certo. Para Maing11cncau (2004:
108), o costume mais comum na análise do discurso é catcgori1.ar os gêneros
por critérios situacionais, observando-se os dispositirns comunicativos sócio-
lrnloricamente definidos.

2. l::ssJ Jnálise enconlr;He em BernJrd Schneuwl) ( 1986). Quel/e tvpulul!,ie de le:ttes pour
r~iuergnement? Une /:\•pologíc de typc>losre~. Tc\IO aprc~entado JO Terceiro Col6q1110 lnternncional de
D1d.ihta do l•rnncês, Namur, Fra11ça.
l Refiro-me aqui ao trabalho ele í>omn11q11c f\l:unguenenu (2004) Rctour rnr une c:ilégorie: le
~cnrc. 111 Jean-.\ 1ichel Adam; J ean-Biai.,~ Grite & l\1<1g1d Ali Bouacha (arg~. I. ·11nte et di,cu11rs: catégorie,
pour /'011alrsc l111on: Editions UnivcmtJ1rc~ de Di1on, pp. 107-118 O autor cita ns sc~uintcs tipolo~ias
d~cm oi' 1d,1s (p 108):
( 1) (), tc,tos foram categomJdo' com hJ~c em cntérios /i11g11íslic:os c11unciaçiío; di>tribuic;ão
c,tatfalic.i de marcas ling\i1stica'; ori;ani1Jc;Jo te,tual
(2) A claS!>1ficação pode ser íe1t.a t.;11111.>ém com critérios funcionais:
( >) \, bpolog1as m:m complc.•"w\ fund.1m-\c em critérios s1tuac1ot1ars. o hpo de atores wciais. as
c1rcun:.tãnuas da co111u111<.:d<;JO. º'papeis. sociais, o canal utiliLddo. a tcmjti<;a
(4) 1:1mbém podemos foi.ir em bpolog111 d1sr11rs1rns: combinam car.it·tc.-mhc.i. lmgüfabcas, fun-
cionais e ~ituacionais. Aqui tem-'' e.alegoria\ mais ampla~. t.iis rn1110 ·dl\t1mo de \·ulgariza-
çào". ··d1m1rso 1omalfsbco" etc.
luiz Antonio Morcuschi 1 Producão textual, analise de géneros e compreensão

2.3 Algumas perspectivas para o estudo dos gêneros

O estudo dos gêneros textuais é muito antigo e achava-se concentrado na


üteralura. Como vimos, ele surgiu com Platão e Aristóteles, tendo origem em
Platão a tradição poética e em Aristóteles a tradição retórica. Agora sai dessas
fronteiras e vem para a lingüística de maneira geral, mas em particular nas
perspectivas discursivas. Vejamos primeiro como se acham essas correntes hoje
no Brasil, onde temos várias tendências no tratamento dos gêneros textuais:

l ) Uma linha bakhtiniana alimentada pela perspectiva de orientação


vygotsl)'ana socioconstrutivista da Escola de Genebra representada
por Schneuwly/Dolz e pelo interacionismo sociodiscursivo de
Bronckart Essa linha de caráter essencialmente aplicativo ao ensino
de lfngua materna é desenvolvida particularmente na PUC/SP.
2) Perspectiva "swalesiana", na linha da escola norte-americana mais for-
mal e influenciada pelos estudos de gêneros de John SwaJes ( 1990) tal
como se observa nos estudos da UFC, UFSC, UFSM e outros pólos.
3) Uma linha marcada pela perspectiva sistêmico-funcional é a Escola
Australiana de Sydney, alimentada pela teoria sistêmico-funciona lista
de Halliday com interesses na análise lingüística dos gêneros e influ-
ente na UFSC.
4 ) Uma quarta perspectiva menos marcada por essas linhas e mais ge-
ral, com influências de Bakhtin, Adam, Bronckart e também os nor-
te-americanos como Charles Bazerman, Carolyn Miller e outros in-
gleses e australianos como Günther Kress e Normao Fairclough, é a
que se vem desenvolvendo na UFPE e UFPB.

De maneira geral, o que se tem notado no Brasil foi uma enorme prolife-
ração de trabalhos, inicialmente na li nha de Swales e depois da Escola de
Genebra com influência5 de Bakhtin e hoje com a influência de norte-ameri-
canos e da análise do discurso crítica. Como Bakhtin é um autor que apenas
fornece subsídios teóricos de ordem macroanalítica e categorias mais amplas,
pode ser assi1nilado por todos de forma bastante proveitosa. Bakhtin represen-
ta uma espécie de bom-senso teórico em relação à concepção de linguagem.

Ao lado dessas perspectivas em curso no Brasil, podemos, de um modo


mais amplo, indicar algumas perspectivas teóricas em curso internacionalmente:

(a) perspectiva sócio-histórica e dialógica (Bakhtin);


(b ) perspecliva comunicativa (Steger, Gülich, Bergmann, Berkenkotter);
(c) perspectiva sistêrni co-funcional (Halliday}: análise da relação texto e
Segunda Parte 1 Gêneros textuais no ensino de hngua

contexto, estrutura esquemática do texto em estágios, relação


situacional e cultural e gênero como realização do registro (Hasan,
Martin, Eggins, Ventola, Hoey, Dudley-Evans);
(d) perspectiva sociorretórica de carálcr etnográfico voltada para o ensi-
no de segunda língua (SwaJes, Bhatia): basicamente, analisam e iden-
tificam estágios [movimentos e passos) na estrutura do gênero. Persiste
um caráter prescritivo n essa posição teórica. Há também preocupa-
ção com o aspecto socioinstitucional dos gêneros. Vinculação parti-
cular com gêneros do domínio acadêmico e forte 'vinculação institucio-
nal. Maior preocupação com a escrita do que com a oralidade. Há
uma visão nitidamente marcada pela perspectiva etnográfica com os
conceitos de comunidade, propósito de atores sociais;
(e} perspectiva interacionista e ~ocio<liscursiHl de caráter psicolingüístico
e atenção didática voltada para língua materna [(Bronckart, Dolz,
Schneuwly): com vinculação psicológica (influ ências de Bakhtin c
Vygotsky) estão preocupados em particular com o ensino dos gêne-
ros na língua materna. Preocupação maior com o ensino fundamen-
tal e tanto com a oralidade como a escrita. A perspccliva geral é de
caráter psicolingüístico ligado ao soc iointeracionismo;
(f) perspectiva dn análise crítica (N. Fairclough; G. Kress), para a qual o
discurso é uma prática social e o gênero é uma maneira socialmente
ratificada de usar a língua com wn tipo particular de atividade social;
(g) perspectiva socio rretórica/sócio-históri ca e cu ltural (C. Miller,
Bazerman , Frecdman): escola americana influenciada por Bakhtin,
mas em especial pelos antropólogos, sociólogos e etnógrafos, preo-
cupa-se com a organização social e as relações de poder que os gêne-
ros encapsulam. Tem uma visão histórica dos gêneros c os toma como
altamente vinculados com as instituições que os produzem. A atenção
não se volta para o ensino e sim para a compreensão do funciona-
mento social e histórico, bem como sua relação com o poder.

Fique, no entanto, claro que esses enquadres são precários, tendo em


vista o fato de não representarem de modo completo todos as possibilidades
teóricas existentes no momento. Também não é uma classificação rígida, mas
aberta e sujeita a discussão. Por fim , seria interessante fazer essa classificação
com base em critérios mais finos e teoricamente mais detalhados, o que aqui é
totalmente impossível.
luiz Antônio Marcuschi 1 Producão textual, analise de gêneros e comprHnsão .

2A No,ão de gênero textual, tipo textual


e domínio discursivo
Uma das teses centrais a ser defendida e adotada aqui é a de que é impos-
sível não se comunica r verbalmente por algum gênero, assim como é impossí-
vel não se comunicar verbalmente por algum texto. Isso porque toda a manifes-
tação verbal se dá sempre por meio de textos realizados em algum gênero. Em
outros termos, a comunicação verbal só é possível por algum gênero textual. Daí
a centralidade da noção de gênero textua/-1 no trato sociointerativo da produção
l ingüística. Em conseqüência, estamos submetidos a lal variedade de gêneros
textuais, a ponto de sua identificação parecer difusa e aberta, sendo eles inúme-
ros, tal como lembra muito bem Bakhtin ( 1979), mas não infinitos.

Quando dominamos um gênero texhrnl, não dominamos uma forma lin-


güística e sim uma forma de realizar lingüisticamente objetivos específicos em
situações sociais particulares. Esta idéia foi defendida de maneira similar tam-
bém por Carolyn Mi1ler ( 1984). Como afirmou Bronckart (1999: 103), "a
apropriação dos gêneros é um mecanismo fundamental de socialização, de
inserção prática nas atividades comunicativas humanas", o que pem1ite dizer
que os gêneros textuais operam, em certos contextos, corno formas de
legitimação discursiva, já que se situam numa relação sócio-histórica com fon-
tes de produção que lhes dão sustentação além da justificativa individual.

Para deixar alguns conceitos claros nesta exposição, trazemos umas pou-
cas definições com as quais depois vamos trabalhar para observar a possibi.li-
dacle de traduzir isso para o ensino . Vejamos de maneira mais sistemática
como devemos entender os termos que estamos usando, já que eles raramente
são definidos de modo explícito.

a. Tipo textual designa w11a espécie de construção teórica {em geral uma
seqüência subjacente aos texlos} definida pela natureza lingüística de
sua composição {aspectos lexicais, sintálicos, tempos verbais, relações
lógicas, estilo}. O tipo caracteriza-se muito mais como seqüências lin-
güísticas (seqüências retóricas) do que como textos materializados; a
rigor, são modos textuais. Em geral, os tipos textu.ais abrangem cerca de
meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação,

4 . Não vamos discutir aqui se é mais pertinente a ei.-pressão "gênero textual" ou a expressão "gênero
discursivo" ou "genero do discurso". Vamos ado tar a po~ ição de que to<la> essas expressões podem ser
usad~s intercambiavelme nte, sa lvo naqueles momentos em que se pretende, de modo explícito e claro,
identificar algum fenômeno específico.
Segunda Parte 1 Gêneros textuais na ensino de lingua

exposição, descriçao, injunção. O conjunto de categorias para designar


tipos textuais é limitado e sem tendência a aumentar. Quando predomi-
na um modo num dado texto concreto, dizemos que esse é um texto
argumentativo ou narrativo ou expositivo ou descriti1·0 ou injunlivo.
b. Gênero textual refere os textos materializados em situações comunicati-
vas recorrentes. Os gêneros textuais são os textos que encontramos em
nossa "~da iliária e que apresentam padrões sociocomunicativos caracte-
rísticos definidos por composições funcionais, objetivos enw1ciativos c
estilos concretamente realizados na integração de forças históricas, so-
ciais, institucionais e técnicas. Em contraposição aos tipos, os gêneros
são entidades empúicas em süuações comurúcativas e se expressam em
designações diversas, constituindo em princípio listagens abertas. Alguns
exemplos de gêneros lexluais seriam: telefonema, sennão, carta comer-
cial, carta pessoal, romance, bilhete, reportagem, aula expositiva, reunião
de condomínio, notícia jomalú,tica, horóscopo, receita culinária, bula de
remédio, lista de compras, cardápio de restaurante, instruções de uso, in-
quérito policial, resenha, edital de concurso, piada, conversação espontâ-
nea, conferência, carta eletrônica, bate-papo por computador, aulas vir-
tuais e assim por diante. Como tal, os gêneros são formas textuais escri-
tas ou orais bastante estáveis, histór.ica e socialmente situadas.
c. Domínio chscursiYo constitui muito mais wna "esfera da atividade hu-
mana" no sentido bakhtiniano do tenno do que um princípio de clas-
sificação de textos e indica ÍllStâncias discursivas (por exemplo: discur-
so jurídico, discurso jornalístico, discurso religioso etc.). Não abrange
um gênero em particular, mas dá origem a \'ários deles, já que os gêne-
ros são institucionalmente marcados. Constituem práticas discursivas
nas quais podemos identificar um conjunto de gêneros textuais que às
vezes lhe são próprios ou específicos como rotinas comunicativas
institucionalizadas e instauradoras de relações de poder.

Para defender essas posições, admitimos, com Bakhtin, que todas as ativi-
dades humanas estão relacionadas ao uso da língua, que se efetiva através de
enunciados (orais e escritos) "concretos e únicos, que emanam dos integrantes
de uma ou de outra esfera da atividade humana" (1979: 279). E com essa
posição teórica chegamos à união do gênero ao seu envolvimento social. Não
se pode tratar o gênero de discurso independentemente de sua realidade so-
cial e de sua relação com as atividades humanas.

Na realidade, o estudo dos gêneros textuais é uma fértil área inlerdiscíplinar,


com atenção especial para o funcionamento da língua e para as atividades culturais
lui1 Antônio Marcuschi 1 Produciio textual, analise de g~neros e co1npreensao

e sociais. Desde que não concebamos os gêneros como modelos estanque!>,


nem como estruturas rígidas, mas como formas culturais e cogmti\'as de ação
social corporificadas de modo particular na lmguagcm, lemos de \'er os gêneros
como entidades dinâmicas. Mas é claro que os gêneros têm uma identidade e
eles são entidades poderosas q11e, na produção textual, nos condicionam a esco-
lhas que não podem ser totalmente livres nem aleatórias, seja sob o ponto <le
vista do léxico, grau de forma lidade ou natureza dos lemas, como bem lembra
Bronckarl (2001 ). Os gl:neros limitam nossa ação na escrita. Isto faz com que
>\mr J. Oe,itt (1997) identifique o gênero como nossa .. linguagem estândar", o
que por um lado impõe restrições e padroni1ações, mas por outro lado é um
convite a escolhas, estilos, cria li\ idade e vanação.

Vejamos agora um simples exemplo para ter clara a questão relativa à


inserção de seqüências tipológicas (os modos lcxtuais) subjacentes à organiza-
ção interna do gê11cro. Lslo serve para comprovar que os gêneros não são opos-
tos a tipos e que ambos não formam uma dicotomia e sim são complementa-
res e integrados. Não subsi~tcm ic;olados nem a l heio~ um ao outro, são fonnas
constitutivas do texlo em funcionamento.

Gostaria de fnsar um pouco mais esse aspecto pela sua importância: não
devemos imaginar que a <l1stinção entre gênero e tipo le\111al forme uma 'visão
dicotômica, pois eles .são dois aspectos constitutivos do funcionamento da lín-
gua cm situações comunicativas da vida diária. Corno ainda veremos, toda vez
que desejamos produzir alguma ação lingüística em situação real, recorremos
a algum gênero textual. Eles são parte integrante da sociedade e não apenas
elementos que se sobrepõem a ela.

Vejamos agora uma carta pessoal, observando-lhe as seqüências tipológicas


subjacentes. Seria muito interessante realizar estudos variados de gêneros para
identificar quais são as seqüência!> mais comuns em cada um deles. Isso penni-
tiria observar não apenas a~ estmturas te>.1uais, mas sobretudo os atos retóricos
praticados nos gêneros.
Exemplo (2): NELFE-003 - Carta pessoal

SeqD6nciu Gênero textual: clrtl pelSOll


tlpal6&1cas
Oescritíva Rio lliOS/?391

lnjuntiva Amiga A.P.


O1.I
Para ser mais preciso estou no meu quarto, escrevendo na escrivaninha, com um Micro
Descritiva
System ligado na minha frente (bem alto, por sinal).
Segunda Parte 1 Generos textuais no ensino de hngua

Estã ligado na Mancnete FM - ou rádio dos h11ks - eu adoro funk, principalmente


com passos marcados.
Expositiva Aqui no IOO é o ritmo do momento_ e você, gosta? Gosto também de house e
dance music, sou fascinado por discotecas! Sempre vou à ltl,

Narrativa ontem mesmo (sexta-feira ) eu fui e cheguei quase quatro horas da madrugada

Expositiva Dançar é muito bom, principalmente em uma discoteca legal Aqui no condomínio
onde moro têm muitos jovens, somos todos muito amigos e sempre vamos todos
juntos. É muito maneiro!

Narrativa e. foi três vezes à IU,


lnjuntiva pergunte só a ele como é!

Está tocando agora o ·Melô da Mina Sensual". super demais!


Expositiva Aqui ouço também a Transamérica e RPC FM.

lnjuntiva Evocê, quais rádios curte?

Demorei um tempão pra responder, espero sinceramente que você não esteja
chateada comigo. Eu me amarrei de verdade em vocês aí, do RecWe, principalmen·
te a galera da ET, vocês são muito maneiros! Meu maior sonho é viajar, ficar um
Expositiva tempo por a!, conhecer legal vocês todos. sairmos juntos_ Só que não sei ao certo
se vou realmente no inicio de 1992 Mas pode ser que dê, quem sabe! t_.J
Não sei ao certo se vou ou não, mas fique certa que farei de tudo para conhecer
vocês o mais rápido possível. Posso te dizer uma coisa? Adoro muito vocés!

Agora, a minha rotina: às segundas, quartas e sextas.feiras trabalho de 8:00 às


fl:OOh, em Botafogo. De lá vou para o T.. minha aula vai de 18:30 às 10:40h. Chego
aqui em casa quinze para meia-noite. Eàs terças e quintas fico 050 em F. só de
Narrativa 8:00 às 12:30h. Vou para o T~ às 13:30 começa o meu curso de Francês (vou me
formar ano que vem) e vai atê 15:30h. 16:00h vou dar aula e fico até f1:30h. 17:40h
às 18:30h faço natação (no T. também) e até 22:40h tenho aula. /.....- ....../ Ontem
eu e Simone fizemos três meses de namoro;

Jnjuntiva você sabia que eu estava namorando?

Ela mora aqui mesmo no ((ilegível)) (nome do condomínio). Agente se gosta


Expositiva muito. às vezes eu acho que nunca vamos terminar, depois eu acho que o namoro
não vai durar muito, entende?

Oproblema é que ela é muito citJTient.a, principalmente porque eu já fui afim da B..
Argumentativa que mora aqui também. Nem posso falar com a garota que S. já fica com raiva.
- - - - -- - - - - - - - 1................ I
Narrativa t acho que vou terminando
escreva!
Faz um favor? Oiga pra M., A. P. e C. que esperem, não demoro a escrever
lnjuntiva Adoro vocês!
Um beijão!

Do amigo
Narrativa P. P.
15:16h
Luii Antônio Morcuschi 1 Producao textual, analise de generos e <ompreensao

É notáYeJ a nuiedacle de ~eqüências tipológicas n~c,a carta pessoal, em que


prcclommam descàções e exposições, o que é muito comum para o gênero. Esse
tipo de análise pode ser cbcnvolvido com todos os gêneros e, de maneira geral,
vai-se notar que há u111a grande heterogeneidade tipológica nos gêneros textuais.
As definições aqu i lra1idas de gênero, tipo, domínio discursivo são muito
mais operacionais do que formais e seguem de perto a posição bakhtjniana.
A<;sim, para a noção de tipo textual. predomina a 1clenlificação ele seqüências
lingüísticas como norteadora. e para a noção de gênero textual, predominam
o~ critérios de padrões comunicativos. ações, propósitos e inserção sócio-his-
tórica. ~o caso dos domínios discursivos, não lidamos propriamente com tex-
tos e si m com formações lmlóricas e sociais que originam os discursos. Eles
ainda não se acham bem definidos c oferecem alguma resistência, mas segura-
mente, sua definição deveria ser na base de critério~ etnográficos, antropoló-
gicos e sociológicos e históricos.
Em trabalho sobre o domínio pedagógico, Kazue Sa ito Monteiro de Bar-
ros (2004)' sugere vários critérios para o tratamento <lo~ domínios e conclui
afirmando que:
1

• • Abusca de definição do domínio pedagógico (ou qualquer domínio) deve parfa de d~eren­
tes perspectivas de observação, considerando aspectos fonnais, funcionais e contextos de
circulação. Vistos isoladamente, nenhum dos critérios parece ser suficiente para definição.
• Éurgente (re)pensar o conceito de domínio em bases menos intuitivas, através da análise
detalhada de gêneros que parecem compartilhar características (não só fonnais) comuns.
• A análise deve priorizar o ponto de vista dos interactantes, observando as marcas que
deixam no discurso.
• No domínio pedagógico. o aspecto fonnal mais observado em estudos anteriores (gêneros
da oralidade) - a organização dos turnos - não é (obviamente) definitivo. mas pode
apresentar especificidades.
• No domínio pedagógico, os papéis sociais são bem marcados e podem ser evocados em
situações de conflito, deixando marcas fonnais no texto.
• No domínio pedagógico, a interação envolve regras especiais e particulares que os partici-
pantes consideram no julgamento do que são contribuições permitidas na atividade.
• No domínio pedagógico, a interação incorpora regras "técnicas" especificas que se concreti-
zam em marcas fonnais nos textos, por exemplo, o emprego de tennos técnicos e científicos.
• Ointeressante não é descobrir que estruturas são típicas ou exclusivas do discurso peda-
gógico. mas identificar porque elas são recorrentes.

5. Kazuc Sa1lo \ lonlc1ro de B,1rro~ (2004-). Género~ le'duar~ do domfmo pedag6g1co. aproximaçõn
e dncr~enc1as. Aprc:.e11lado 11u X,\ )ornacfo 'lac1011al de E)ludos L111gti1)1lco> do GF.LNE. João Pe,soa:
Universidade Federal dn PJraíba, 7 a 10 de ~etcrn hro de 200-!
Segunda Parte 1 Gêneros ler.tuals no ensino de língua

Já com estas observações podemos notar que não é fá cil determinar para
cada domínio discursivo suas coordenadas, tendo em ··ista o con1unto de variá-
veis a serem observadas. Mas sena relevante e de interesse tratar a questão de
modo ma is sistemático e menos intuitivo. Esse é um campo abcrlo ao debate
e à investigação.

Por todas essas observações, já podemos afirmar que os gt:neros não são
cnhdadcs forma is, mas sim enlldades comunicativas em que predominam os
aspectos relativos a funções, propósitos, ações e conteúdo.ç 'esse sen lldo, pode-
se cli7er que a tipicidade de um gênero 'cm de suas características funcionais
e organização retórica. Segundo sugestão de Carolyn ~liller (l 984), os gêne-
ros são formas \'erbais de ação social estabilizadas e recorre ntes c m textos
situados cm comunidades ele práticas cm domínios discunivo::. específicos. Assim
os gêneros se tomam propriedades inalienáveis dos lexlos empíricos e servem
de guia para os interlocutores, dando inteligibil idade à~ ações retóricas. Resu-
midamente, poderia di.ler que os gêneros são entidades:
a) dinâmicas f) orientadas para fins especficos
b) historicas g) ligadas a determinadas comunidades discursivas
c) sociais h) ligadas a domínios discursivos
d) situadas i) recorrentes
e) comunicativas j) estabilizadas em formatos mais ou menos claros.

As distinções entre um gênero e outro não são predominantemente lin-


güísticas e sim func ion ais. Já os cri térios para distinguir os tipos textuais seriam
lingüíslicos e estruturais, ele modo que os gêneros são designações sociorretó-
nca\ e os tipos são designações lcórn:as. Temos muito mais designações para
gêneros como manifes taçõe~ e mpíricas do que para tipos.

Os gêneros te:duais são dinâmicos, de complexidade 'ariávcl e não sabe-


mos ao certo se é possível contá-los todos, pois como são sócio-históricos e
variá,cis, não há como faze r uma lista fechada, o que dificulta ainda mais sua
cla~sificação. Por isso é muilo difícil fazer uma classificação de gêneros. Aliás,
qum1to a isso, hoje não é mais uma preocupação dos estudiosos fo?.er tipologias.
A tendência hoje é explicar como eles se constituem e circulam socialmente.

Retomando ao trabalho de Maingucncau (2004), já citado aqui. lembro que


o autor sempre foi cético quanto à cla~ificaçào dos gênerrn.. Em artigo de l m".
ele propôs uma dh'isão dos gêncroc; c m três grandes conjuntos de acordo com
o seu "regime de genericidade", do -;eguinte modo:

6. Dominique ~1aingue11ca11 ( 1999). :\11ah·"ng Self-Comtituling [)1 ,comsc~ Discourse Stud1es.


vol. !. 2( 1999). J75- l 99
luiz Antônio Marcuschi 1 Producao textua l, analise de genero • e comp ree n sao

(a) Gêneros autorai:; são os textos que mantêm um caráter de autoria


pelos lraços de estilo, caráter pessoal e se siluam em especial na
literatura, jornalismo, política, religião. filosofia etc.
(b) Gênero\ roh 1mros· são os comuns de nosso dia-a-dia, tal como aque-
les que se realizam em entrevistas radiofômcas. televisi\·as, jornalísticas,
consultas, médicas, debates etc. Seus papéis são fixados a priori e
não mudam muito de siluação para situação e neles as marcas aulo-
rais se manifestam menos. Têm uma estabilidade institucional bas-
tante definida.
(e) Gênero., com·crsacinnais. são os gênero~ de menor estabilidade e sem
uma organização temática previsível como as com·ersações. Em seu
conjunto, são de difícil distinção e divisão como gêneros cm catego-
rias bem definida11.
Esta classificação foi modificada pelo autor, pois, segundo ele, a tripartição
aqui postulada não era pertinente (Maingueneau, 2004: 110). O próprio ter-
mo "rotineiro" não parece adequado, já que daria a impressão de que as conver-
sações não seriam rotineiras quando elas são rotinas muito comuns. Mas o mais
complicado era distinguir de maneira tão rigorosa entre os gêneros autorais e os
gêneros rotineiros, pois uma crônica jornalística tem sem dúvida marcas autorais
e não poderia ser incluída no primeiro conjunto. Assim, Maingueneau sugere
que se parta para um "regime de gcnericidadc" em duas categorias e não mais
em três. Com isso, ele defende que se distinga entre:

(a) regime de gêneros cnm·emrcionais e


(b) regime de gênero~ 1mi1ltddos.

O segundo grupo conteria agora os gêneros autorais e o.s rotineuos. A análise


desenvolvida pelo autor é minuciosa e complexa e apresenta uma série de critérios
para acomodar os gêneros nessa cllliil>ificação. Não nos interessam os detalhes dessa
teoria, mas interessam sim os propósitos da mesma, ou ~cja, a idéia de que é pos.<,íve
distinguir regimes de produção tc>.tnal no contexto da interdiscursividadc. E com
isso sabemos que a escolha de um ou outro gênero em nossa atividade discursiva nã~
é uma escolha aleatória e sim comandada por inter~ específicos.

Deve aqui ficar claro, tal como visto acima, que não há w 1ia <lícoton
entre gênuo l l1 po. Trata-se duma relação de complementaridade. Ambos ~
existem e não são dicotômicos. 'lodos os textos realizam um gênero e todos C'
gêneros realizam seqüências tipológicas diversificadas. Por isso mesmo, o:. gênt -
ros são em geral tipologicamenlc heterogêneos. Vejamos isto num exemplo
Segunda Parle 1 Gêneros textuais no ensino de hngua

'lomc-sc o caso do telefonema. Como gênero tC'\tual. trata-'>c de um e'en-


to falado muito claro e defimdo cm suas rotinas, idcnhficá,·el pela maiona dos
indivíduos que vivem em c11 lh1ras cni que Lelcfo11ar é uma prática usual. Ca-
racteri1.a-se como um diálogo mediado pelo telefone. sem a presença física
dos falantes. Contudo, do ponto de '1sla de hpo texhial, um telefonema pode
emolver argumentações, narraltvas e descrições, 011 seja. ele é heterogêneo.
Podemo!>, pois, melagar se a noção de telefonema é clara hoje c.m dia. Obser-
vem-~<: .ilgumas cla<i di,ersa!> maneiras de usar o telefone:

• há a conversa telefônica (por telefone celular ou fixo) que mantemos


todos os dias com nossa mãe, lllhos, amigos, colegas ele trabalho ao
qual chamamos ele telefonemcJ;
• há o telefonema que mandamo~ a companhia telefônica dar por nó~
e se chama de telegrama fmwdo;
• há o teldonema na forma ele um recado gravado ou reccJdo em ~ecre­
tária eletrômca:
• há os telefonemas de anivers(ino, casamento etc., através de agências
e guc chamamos comumentc de telememagens.

Com efeito. há muito mais form c1~ de usar o telefone do que o simples
telefonema. O qne é então 11nt telefonema (enquanto gênero) diante ele tanta
variação na forma e nos recursos 11tili1.ados? Es~ s1luação \Ji repetir-se com a
carta. o fom1u lário. o resumo, a lista e. assim por diante, de modo que a ques-
tão de dar nomc. aoi. gêneros é algo de enonne complexidade.

Poderíamos apelar aqui para a conhecida noção de constelação textual


ou colô111a de textos ou então a idéia ele sistema ele gêneros. tal como o faz
Charles Bazerman (2005). como aind.i \cremos mais adiante.

2.s Gêneros textuais como sistema de controle social


Os gêneros ~ão ati,·idade~ discurmas socialmente estahil1zadas que ~e.
prestam aos mais \ariados tipos de controle social e até m e~mo ao excrc1cio
de poder. Pode-se, pois, din•r que os gêneros textua is são nossn fonna de 1mer-
ção, ação e control e social no dia-a-<l1a. Toda e qualquer atividade di~curs1va
~e dá cm algum gênero que nao é decidido ad hoc. como 1á lembrava Bakhtm
([ 195 3IJ 979) em seu célebre ensaio sohre oc; gêneros do discurso. Daí tam-
bém a imensa plurnlidade de gêneros e seu caráter essencialmente sócio-hi~ló­
rico. o~ gênero~ são também necessários para a 111terlocução humana.
Luiz Antônio Marcuschi 1 Produ4ão textual, análise de gêneros e compreensão

Um simples exemplo pode dar a dimensão disso: tomemos a atividade


discursiva na \'ida acadêmica: guem controla a cientificidade em nosso traba-
lho investigativo diário? Em boa medida, os gêneros por nós produzidos dão,
pelo menos em uma primeira instância, legitimidade ao nosso discurso. Nesse
particular, certos gêneros tais como os ensaios, as teses, os artigos científicos, os
resumos, as conferências etc., assumem um grande prestígio, a ponto de legiti-
marem e até imporem determinada fom1a de fazer ciência e decidir o que é
científico. E com isso chega-se inclusive à idéia de que não são ciência os
discursos produzidos fora de um certo cânon de gêneros da área acadêmica.

Ac;sim, podemos dizer que o controle social pelos gêneros discursivos é


incontornável. mas não determinista. Por um lado, a romântica idéia de que so-
mos livres e de que lemos cm nossas mãos todo o sistema decisório é urna quime-
ra, já que estamos imersos nwna sociedade que nos molda sob vários aspectos e
nos conduz a detem1inadas ações. Por outro lado, o gênero textuaJ não cria rela-
ções deterministas nem perpetua relações, apenas manifesta-as em certas condi-
ções de suas realizações. Desde que nos constituímos como seres sociais, nos
achamos envolvidos numa máquina sociodiscursiva. E um dos instnimcntos mais
poderosos dessa máquina são os gêneros textuais, sendo que de seu domínio e
manipulação depende boa parte da forma de nossa inserção social e de nosso
poder social. Enfim: quem pode expedir um diploma, uma carteira de identidade,
um alvará de soltura, uma certidão de casamento, um porte de arma, escrever uma
reportagem jomalística, uma tese de doutorado, dar uma conferência, uma aula
expositiva, reali7.ar um inquérito judicial e assim por diante?
Diante disso, parece possível djzer que a produção discursiva é um tipo
de ação que transcende o aspeclo meramente comunicativo e informacional.
Daí que não se pode ter na atividade informacional a função mais importante
da língua. Eu me atreveria a dizer que a informação é um fenômeno eventual
e talvez um simples efeito colateral do funcionamento da língua. Todos nós
sabemos que a língua não é apenas um sistema de comunicação nein um
simples sistema simbólico para expressar idéias. Mas muito mais uma fonna de
vida e uma forma de ação, como dizia o velho Wittgcnsl:ein.
' talvez seja possível defender que boa parte de nossas atividades djscursiva
servem para atividades de controle social e cognitivo. Quando queremos exer-
cer qualquer tipo de poder ou de influência, recorremos ao discurso. Nil"-
guém fala só para exercitar as próprias cordas vocais ou os Lfmpanos alheio\
a realidade, o meio em que o ser humano vive e no qual se acha imerso
Segunda Parte 1 Gêneros texhlals BO ensino de língua

muito maior que seu ambiente fíc;ico e contorno imediato. 1ã que está envolto
também por sua história e pela sociedade que (o) criou e pelos seus discursos.
,\ vivência cultural humana está sempre envolta cm linguagem, e todos os
nossos lexlos siluam-se nessas vivências estabilizadas em gêneros. Nesse con-
texto, é central a idéii:l de que a língua é urna atividade sociointerativa de
Ci:lráler cognitivo, sistemática e instm1radora de ordem diversas na sociedade.
O funcionamento de urna língua no dia-a-<lia é, mais do que tudo. um proces-
so de integração social. Claro que não é a língua que d1scnm111a ou que age.
mas nó!> que com ela agimo~ e produzimos senudo~.

;bpecto que mereceria aqui pelo menos uma nota é a distinção que po-
demos fazer entre um evento e um gênero textual. Sabemos que consolar uma
criança chorosa é um evento ou uma ação bastante complexa e, nesse caso,
não vamos recitar um poema, mas dar um conselho, contar algo alegre etc. O
gênero investido para consolar distingue-se do e\'ento, assim como uma audi-
ência no tribunal é um evento e neste evento ocorrem alguns gêneros especí-
ficos. O e\·ento é marcado por um con 1unto de ações e o gênero é a ação
lingüística praticada corno recorrente cm situações típicas marcadas pelo even-
to. Um jogo de futebol é um C\'ento, assim como um congresso acadêmico ou
u111a sessão do Congresso :Nacional. '\t1as em cada situação dessas temos gêne-
ros adequados e não adequados. Portanto, podemos distinguir com alguma
clareza cnlre um evento e um gênero.

2.6 A questão da intergenericidade:


que nomes dar aos gêneros?
Como é que se chega à denominação dos gêneros? Com certeza, as de-
signações que usamos para os gêneros não são uma invenção pessoal, mas
11111a denominação histórica c socrnlmen.te constituída. E cada nm de nós já

deve ter notado como costumamos com alta freqüêncin designar o gênero
que produzimos. Possuímos, para tanto, uma metalinguagem riquíssima, in-
tuitivamente utilizada e, no geral , confiável. Contudo, é difícil deternúnar o
nome de cada gênero de texto. Como já notaram muitos autores, em especial
Bakhtm (1979), os gêneros se imbricam e interpenetram para comtituírem
novos gêneros. Como observamos anlenormcnte, não é uma boa atitude ima-
ginar que os gêneros têm uma relação biunívoca com formas textuais. E isso
llc.:u comprovado no caso de um gênero que têm a função de outro, como é
IMiz Antônio Marwschl 1 Pro4u4io textval, análise de 9inttros e compreensão

hp1co das publicidades. 1ome-se o caso da epfgrafe que aparece em múltiplos


lugare,, mas de modo p<1rlicular nos liHOS didáticos. Uma epígrafe é constihtí-
da de um poema, llllla fra:.c, um conto breve, uma máxima ou qualquer outro
gênero e não tem 11ma característica específica, a não !>CT um determim1do
loca l no texto, que nos suge re se tratar de urna epígrafe .. \ssim, cm muitos
casos, apenas o local cm que um tei..to aparece permite que determinemos
com alguma prec1,Jo de que gênero se trata.

Fm geral. damos nomes aos gêneros usando um dcs\es critérios:


t forma estrutural (#âfico: roda pê; debate: poema) 4. meio de transmissão (telefonema; telegrama. e-mail)
2. propósito comunicativo (errata. endereço) 5. papéis dos interlocutores (exame Ol'al; autorização)
3. conteúdo (nota de compra: resi.mo de novela) 6. contexto s1tuacfonal (conversação esp.; carta pessoal)

Mas vários desses cri térios podem atuar em co11ju11lo. Basta ver os nomes
que encontramos para os mais variados gêneros para imcdialamenle constata r
que na constituic;ão do nome sempre atua mais ele 11m critério. Mas o certo é
que quando se tem algum problema ou conílito na designação, eJa surge cm
atenção ao propósito comunicath·o ou função.

li Veja-se a complL\ida<lc do caso do te:-.to abaixo, que apareceu em quase


todos os periódico) se 1fü111;11s e jornais diários. por ocasião da despedida do
autor do personagem Snoopy.

,
l
i

Na parte esquerda, 111rn1 carta de despedida e, ~ direita, um quadrinho


com a figura cio Snoopy pensativo diante de uma máquina de escrever antiga.
Tratava-se de uma tinnha? Uma carta pessoal? l•:rn 11111 tei..lo produzido mm 1
mlerdiscurso cujo espaço fora construído por meio século no contexto ele uma
t1ri11ha de jornal 011 uma história em quadrinho.

,\ questão central não é o problema ela nomeação dos gêneros, mas a <le
:;ua identificação, pois é comum burlam10s o <..ânon de um gênero fa.tcndo
uma mescla de formas e funções. l\o geral, os gêneros estão bem fixados e não
oferecem problemas para sua identificação.
Segut1da Parte 1 Gêneros textuais no enslao de língua

'\o caso de mistura de gêneros, adoto a sugestão da lingíiisla alemã l.Jlla


Fi' ( 1997 97 . que usa a C'\prcssão ''mtertextualidade tipológ1ca" para desig-
nar esse aspecto da hibridi1:ação 011 mescla de gênero~ cm que um gênero
assume a função de outro. Pc\soal111c11Lc, estou usando 111lc.rgu1e11C1tl idt como
a exprcs\ão qne melhor traduz o fenômeno. Essa violação de cânones ~ubver­
Lcndo o modelo global de um gém:ro poderia ser visualizada num diagrama
semelhante a outros aqui dcscn\'Oh idos. A título ck C'\cmplo, Lomemo~ um
gênero A. por exemplo. uma publicidade e um gênero B. por exemplo, urna
bula de remédio. como no exemplo lratido por Ulla Fi:. )997 100), da edito-
ra alemã Diogenes. que aparece na quarta capa- dos ltnos Vqa a lraduçâo:

Viva saudável com os livros


DIOGENES9
r Os livros Oiogenes acham·se internacionalmente introduzidos na biblioterapia

Posologia
As áreas de aplicação são muitas. Principalmente resfriados. corizas. dores de garganta e
rouquidão. mas também nervosismo. irritaçoes em geral e dificuldade de concentracão. Em
geral. os livros Oiogenes atuam no processo de cura de quase todas as doenças para as quais
prescreve-se descanso. Sucessos especiais foram registrados em casos de convalescença
Propriedades
Oefeito se faz notar pouco tempo apos iniciada a leitura e tem grande durabilidade. Livros
Diogcnes aliviam rapidamente a dor. estimulam a circulação sangüínea e o estado geral melhora
Precauções/riscos
Em geral. os Livros Diogenes são bem tolerados. Para miopia aconselham se meios de auxílio à
leitura São conhecidos casos isolados nos quais o uso prolongado produziu dependência
Dosagem
Caso não haja outra indicação. sugere se um hvro a cada dois ou tres dias. Regularidade no uso
é o pressuposto essencial para a cura. leitura diagonal ou desistência prematura podem
interferir no efeito.

~ '\.lo é o ca<ÇO de d1~c11hrn1m aq111 , 111.1, nuulo> autores tratam a quurlu cupu como um gênero.
Co11tuclo••1<111;1rta cap:1 C:. a meu \CT. mui ln rn;m 11rn lu~ar talvez até mesmo um ~11porle) t~p<·cial para
i:êm:ro' di,e!"m l\ lu iw~ \eLe' .1cha-~c .ih um c;\ccrto do te>.lo q11c \tlll 110 111krior do livro 011 um
par. grafo 11.1 aprncntação frita por alg11ém 11uc n1o o autor: mas pode ap;ircccr .1 rd.1c;.10 dm li\To> da
C'(Jl~c;io da qu.il fal parte aquele Ih ru. Em 111u1tos t':lw" na quarta c;ipa, aparcH m clo~1m de autore5
cm1hcc-1dm ao a11tor do lino Portanto. a quJ1ta c.1p.1 (:um lugar em que liguram a~ 111Ji> \ariadas fonna>
k\hU1' l º'ma" \'llnado, género' c w io1 to111.1da como gêntro é difícil determm.11 ité mesmo a funçjo
1lcle, po1' c·m c.1d.1 cJso 1>lo \a1 ''mar 111u1to. U111.1 <l"tmsão mai~ co111plit<1da e u4uda que <lbcutc 'e
a l'ªP'' ele lino e um gênero e se a cap•l dt• rc\ 1\l:i é nutro género F\1.1 quntào do que é ou nJo um
gênero 1111d.1 11Jo está muito c~clarccida e 111crccc 111ai1 d1~cussõc~.
1

luiz Antônio Marcuschi 1 Prod8~ão textuel, análl10 de gê11eros e compree111ão

Composição
Papel. cola e cores na impressão. Os livros Oiogenes são ecologicamente produzidos. Neles são
usados somente papéis fabricados sem cloro e sem ácidos. o que garante alta durabilidade.
Também, no caso de qualidade de vida, garante-se
ótima distração.
LIVROS DIOGENES
São menos aborrecidos
mm: Ulla FIX (1997: 100) - traduçao de luiz Mlônio Marcuschi

O diagrama que se segue é uma tcntath·a ele represenlar a inlcrtextualidade


tipológica aqui \Crificada. '\iio obstante a impressão de 11.1turalidadc desse
fenômeno, gostaria de chamar a atenção para problemas bastante complexo~
no caso dessa análise. Não é cddcnte que se possa distinguir com clareza total
entre formas e funções como aqui se dá a entender. Também é provável que a
intergenericidadc se ja uma situJção bem rnai~ natural e normal do que imagi-
namos, e os textos convivem cm geral em interação constante.
INTERGENERICIDADE

Função do
Gênero A

publicidade

Forma do -----+------ Forma do


Gênero A Gênero B

bula de remédio

Função do
Gênero 8

A intergencricidade de funções e fo rmas de gêneros cfücrsos num dado


gênero deve ser distinguida da questão da heterogeneidade tipológica do gêne-
ro, que diz respeito ao fato de um gênero realizar seqüências de vários tipo~
textuais (por e'emplo. uma carta pessoal, como já vimos. pode conter uma
narrativa, uma argumentação e uma descrição, entre outras). o exemplo at -
ma, lemos um gênero (publicidade) com o formato de outro (bula de remédio
Em princípio. isso nf.io deve Lrazcr dificuldade alguma para a interpretabilidade
já que impera o predomínio da função ~obre a forma na determinaç ..
mterpretativa do gênero, o que evidencia a plasticidade e dinamici<ladc dos
gêneros. Resumidamente, no caso dos gêneros, temos:
sesunda Parte 1 Gêneros textuais no ensino de llngua

( 1) intergenericidadc ~ um gênero com a função de outro


(2) heterogeneidade hpol6gica ~ um gênero com a presença
de vários tipos
A publicidade opera de rnm1cira particularmente prod11tiva na subversão
da ordem instituída para chamar a atenção sobre um produto. Parece que
desenquadrar o produto de seu enquadre normal é uma fonna de rcenquadrá-
lo em novo enfoqu e para que o vc1.11no!> de forma mais nítida no mar de ofer-
ta~ ele produtos.

Obsene-se o ca!>O abaixo, um texto da Folha de S.Paulo, caracterizado


como artigo de opinião, produ:i:ido por Josias de Souza. 'lemos aqui um poe-
ma produzido numa nítida 111tcrlcxtualidade com o conhecido poema de
Oru111111ond de Andrade. Cont11do. na Folha de $.Paulo, lrala-sc de um artigo
de opiniao na forma de um poenw.

Um novo José
r Josias de Souza

-São Paulo- mas nem tudo acabou,


nem tudo fugiu.
Calma, José. nem tudo mofou.
A festa não recomeçou, Se voltar a pergunta,
a luz nao acendeu, Eagora, José?
a noite não esquentou, Diga: ora. Drummond,
o Malan não amoleceu. Agora FMI.
Mas se voltar a pergunta: Se você gritasse,
e agora. José? se você gemesse,
Diga: ora. Drummond, se você dormisse.
agora Camdessus. se você cansasse.
Continua sem mulher. se você morresse...
continua sem discurso, OMalan nada faria,
contínua sem carinho, mas já há quem faça
ainda não pode beber, Ainda só, no escuro,
ainda não pode fumar, qual bicho-do-mato,
cuspir ainda não pode. ainda sem teogonia,
a noite ainda é fria. ainda sem parede nua.
o dia ainda não veio, para se encostar.
o riso ainda não veio. ainda sem cavalo preto.
não veio ainda a utopia. Que fuja a galope.
o Malan tem miopia, você ainda marcha. José!
lulr Antônio Marcuschi 1 ho494ão t11tval, 911tilise lla 1ineros e compreensão

Se voltar a pergunta: Elementar. elementar.


José. para onde? Sigo pra Washington
Diga: ora, Drummond. e, por favor. poeta,
por que tanta dúvida? não me chame de José.
Me chame Joseph.
100t11. fOl.HA OE S.PA/JlO, Caderno l p. 2 Opimao. 04/10/1999

É bastante comum que nos órgãos de imprensa \C usem as <.:ontamma-


çõcs de gêneros ou se proceda a h ibridi:tação como fonna de chamar mais a
atenção e motivar a leitura. De algum modo. parece que essa estratégia tem o
poder quase mágico ele levar as pessoas a intcrpretarc111 muito mai~ e com
mais intensidade o que ali está bse aspecto mereceria um estudo à parte.

O gráfico ahai"\O representa a intergcncrieidadc <.: intcrtexhtalidade cxi~­


tcnles 110 texto de josias de Sou/a. De um lado. temo~ duas funções sobrepos-
tas (í11ter{i.mc10rzal1dac/e) e dois gêneros se fun<lmdo com um poc ma no artigo
de opinião (i11terge11eric:idade) e, por fim, uma séne d<: elemento\ do conhec1-
clo poema dnimmondiano "E agora. José?" aparecendo no interior do artigo
ele opi111ão (i11terte.\l11ulidade). Poderíamos falar tambem em interdomínios
discursirn:s, 1á que são dois domínios sobrepo~tos (!iterah1ra e propaganda).
Isto mostra o complexo 11íve1 de hibridi7.ação desse lcxlo.
Função do
/ G ê n ero A '

artigo de função de um artigo


opinião de opirião no foonato

7 ""
/
de um poema _.... Forma do
Forma do
Gênero A GêneroB

/'~
flllÇâodo
Gênero B

Poderíamos citar também o famoso ca~o do relatório de Graciliano Ra-


mos como prefeito de Palmeira do!. Índio~. ll1tre 1929 e 1930 e agora publi-
cado como uma obrJ literária e que na época foi muito discutido por ter uma
função Clllll forma não era adequada. mas que foi bem acei to pelo governador
das Alagoas. a quem ele se der;lln;l\·a. Co1110 ~e obscna, este caso é di\·erso clm.
Seguetla Porto 1 Generos textuais no ensino de lín9ua

dois anteriores porque ali tínhamos uma atividade de mescla de gênero'> (bula
de remédio 6 publicidade! ou m~cla de. gênero' com 111tertc\.lualtdade (poe-
ma 6' arllgo de fundo), sendo que agora temos um te-do que não perde sua
função. mas assume um novo lugar, 011 c;eja, m1wa, .10 longo ela hi~lória, de
um domfnio (política) para um outro (literatura ). sem deixar de continuar
sendo um relatório. Trata-se de um 1110\ 1mento histórico que se dá pela funcio-
nalidade do gênero e pela particular <,1 luação de seu autor. '\ão é comum que.
os texto~ procedam a c~~a migração. f\ las isso C\.islc e pode ser notado cm
muitos textos histórico~

\'ejamos uma parte do relatório ck Gracilmno Ramos.

Parte inicial do Relatório de Graciliano Ramos ao governador do estado de Alagoas, entregue


em 10 de janeiro de 1929 (citação da abertura, pp. 37-38 e conclusão. pp. 45-46)
PREFEITURA MUNICIPAL DE PALMEIRA DOS ÍNDIOS
RELATÓRIO
Ao Governo do estado de Alagoas

Exmo. Sr. Governador:


Trago a V. Exa. 11n resumo dos trabalhos realizados pela Prefeitura de Palmeira dos hidios em ma
Não foram muitos, que os nossos recursos são exíguos. Assim minguados. entretanto. quase
insenslveis ao observador afastado, que desconheça as condições em que o Município se
achava, muito me custaram.

COMEÇOS

OPRINCIPAL o que sem demora inicial, o de que dependiam todos os outros, segundo creio. foi
estabelecer alguma ordem na administração.
Havia em Palmeira dos Índios inúmeros prefeitos: os cobradores de impostos. o Comandante do
Destacamento. os soldados. outros que desejassem administrar. Cada pedaço do Município
tinha a sua administracao particular. com Prefeitos coronéis e Prefeitos inspetores de quartei-
rões. Os fiscais, esses resolviam questões de polícia e advogavam.
Para que semelhante anomalia desaparecesse. lutei com tenacidade e encontrei obstáculos
dentro da Prefeitura e fora dela - dentro uma resistência mole. suave. de algodao em rama:
fora. uma campanha sorna. oblíqua. carregada de bílis. Pensavam uns que tudo ia bem nas
mãos do Nosso Senhor. que administra melhor do que todos nós; outros me davam três meses
para levar um tiro.
Dos funcionários que encontrei em janeiro do ano passado restam poucos. Saíram os que
faziam política e os que nao faziam coisa nenhuma Os atuais não se metem onde não são
necessários, cumprem as suas obrigações e. sobretudo. não se enganam em contas. Devo
muito a eles.
luiz Antônio Morcuschi 1 Produciso textual, analise de generos e compreensao

Não sei se a administração do Município é boa ou ruim. Talvez pudesse ser pior.
(o autor relata aqui uma série de assuntos administrativos e presta contas)

CONCLUSÃO

Procurei sempre os caminhos mais curtos. Nas estradas que se abriram só hã curvas onde as
retas foram inteiramente impossíveis.
Evitei emaranhar·me em teias de aranha
Certos indivíduos, não sei por que. imaginam que devem ser consultados: outros se julgam
autoridade bastante para direr aos contribuintes que não paguem impostos.
Não me entendi com estes.
Há quem ache tudo ruim, e ria constrangidamente, e escreva cartas anônimas, e adoeça, e se
morda por não ver a infalível maroteirazinha, a abençoada canalhice, preciosa para quem a
pratica, mais preciosa ainda para os que dela se servem como assunto invariável; há quem não
compreenda como um ato administrativo seja isento de lucro pessoal; hã até quem pretenda
embaraçar·me em coisa tão simples como mandar quebrar as pedras dos caminhos.
Fechei os ouvidos, deixei gritarem, arrecadei 1:325$500 de multas.
Não favoreci ninguém. Devo ter cometido numerosos disparates. Todos os meus erros, porém,
foram da inteligência, que é fraca.
Perdi vários amigos, ou indivíduos que possam ter semelhante nome.
Não me fizeram falta.
Hã descontentamento. Se a minha estada na Prefeitura por estes dois anos dependesse de um
plebiscito. talvez eu não obtivesse dez votos.
Paz e prosperidade.
Palmeira dos Índios. 10 de janeiro de 1929
Graciliano Ramos.

Aspecto interessante na identificação de um gênero textual é a dificuJda-


de, que às vezes sentimos, de determinar o início e o final do texto enquan to
entidade empírica, como já lembramos acima . Suponhamos o caso de um
livro didático como gênero. Logo ocorre a dúvida de se de fato temos aí um
gênero ou nm suporte muito específico. Pois o livro didático contém textos dos
mais variados gêneros, tais como contos, poemas, Lirinhas de jornal, noLícias
jornalísticas, adivinhas, atas, cartas f)essoais etc., sem contar com gêneros
como sumário, expediente da editora, ficha catalográfica, exercícios, bibliogra-
fia e outros. Pessoalmente, defendo a posição de que o livro didático é um
suporte e não um gênero.

No caso do livro didático, aqlleles textos por ele trabalhados não estão ali
de tal modo aglutinados a ponto de fonnatern um todo orgânico como obser-
vava Bakhtin [ 1979] para o romance. Embora o livro didálico constitua um
Segunda Parte 1 Gêneros textuais no ensino de li ngua

todo, ele é feito ele partes que mantêm suas características. Por exemplo: um
poema não deixa de ser poema só porque entra no livro didático. Ele al i não
passa a operar como a bula no caso da publicidade citada acima. Ou seja: o
poema no livro didático não passa a ser poema didático. Contudo, ainda deve-
mos pensar o problema da didatização dos gêneros.

Mu itos são os problemas envol vidos na questão da intergenericidadc e


ainda não há trabalhos conclusivos sobre o tema. Seria oportuna uma discus-
são para identificar os aspectos novos envokidos e a renovação da discussão
dos gêneros. Daqui pode surgir até mesmo uma maior reflexão sobre o papel
dos propósitos (funções) e da fonna (organização textual) para a determinação
do gênero. Essa discussão está por ser feita e deve iniciar em breve.

2.1 A questão intercultural


A autora alemã Susanne Cünther (1991: 400), ao analisar o uso
interculh1ra] do gênero provérbio, observa que os gêneros não têm a mesma
circulação situacional cm todas as culturas. Cita o caso da piada que recebe
ava liação diversa por parle de alemães e chineses em contextos de negócios.
1.embra a autora:

A escolha de um gênero que pode ser usado para servir a uma certa função interativa
crn nossa ctiltura pode se tornar inadequada numa situação cultural diferente. Um
sinólogo alemão, que trabalhava como intérprete em encontros de negócios entre
co111erciantc:s chineses e olemães, me apontou a preferência dos comerciantes ale-
mães por contar piadas em negociações comerciais. Para os chineses, é considerado
inapropriado contar piadas durante encontros de negócios, e as piadas não são espe-
radas nesse conte:-.io.

Esta observação é sintomática das diferenças interculturais na circulação


dos gêneros. Tais diferenças se manifestam também no uso do "pequeno gê-
nero provérbio" na relação entre alemães e chineses, lembra Günthcr ( 1991:
401 ) ao informar que em 12 conversações interculturais, ocorreram 21 pro-
vérbios por parte de chineses e nenhum por parte de alcrnães. O uso de pro-
vérbios tanto na oralidade como na escrita chinesa é um sintoma de boa edu-
cação, diz Cünther (1991: 413 ). Isso não tem a mesma função em nossas
culhtras ocidentais de maneira geral, em especial em zonas urbanas.

O aspecto intercultural é crucial quando se trata do ensino de uma se-


gunda língua. como lembra com bastante acuidade Bhatia (1993). Não pode-
luiz Antônio Marcuschi 1 Producão te1tval, análise de gêneros e compreensão

mos supor que em todas as culturas se escreva uma carta do mesmo modo,
nem que se dê um telefonema da mesma maneira. Esse aspecto é de particular
importância e, muitas vezes. notamos que as embaixadas de um país distri-
buem aos membros de sua comiliva em visitas ao exterior instmções de como
se comportar em situações diversas. Não se trata de uma banalidade. mas de
modos de respeitar a diversidade cultural.

Haveria ainda um aspecto importante a tratar nesse caso, ou seja, o pro-


blema da variedade cultural dentro de um mesmo país e como isso deveria ser
encarado pelo próprio livro dichílico. Tomemos o caso do Brasil, bastante
heterogêneo culturalmente falando. Será que a heterogeneidade cultural se
manifesta também nos gêneros e isso deveria passar para o ensino formalmen-
te? A questão está aberta e deve ser debatida.

Não resta dúvida de que o ensino deve ser culturalmente sensível. O


problema central é: como isso pode e deve passar para o livro cüdático num
país culturalmente heterogêneo corno o nosso? Este aspecto é muito polêmi-
co e sobre ele não há consenso. A questão é a seguinte:

• Os manuais de ensino deveriam ou não ser construidos com especial


alenção para a cultura local e regional, sem descuidar da grande
cultura nacional?
• Qu:.il o lugar e o papel da cultura regional no ensino? Por que ela
aparece tão pouco? A cargo de quem fica esse trabalho?
• Caso os aspectos regionais devessem estar refletidos no LD, quais se-
riam eles? Os encapsulados no lé.XJco? A literatura, os costumes, as
formas <lc comportamenlo típicas?

M ínha resposta a estas questões não vai além de uma declaração de prin-
dpios. Creio que se deveria oferecer um ensino culluralmcnle sensível, tendo
em vista a pluralidade cultural. ão se deveria privilegiar o urba111smo clitizado,
mas frisar a variação lingüística, social, temática, de costumes, crenças, valo-
res etc. Os livros didáticos atuais não refletem de maneira muito clara essa
posição. mas já são muito mais abertos a essa 'isão e sugerem atividades
extraclasse que conduzem a esse caminho. Visitas a museus, parques, fábricas,
instih.1ições, universidades, fe iras, mercados, tealros e assim por diante são su-
gestões comuns hoje em dia.

Quanto a ternas, hoje, desde a r• série se observa um trabalho com as


doenças endêmicas, a ecologia, as artes plásticas, a música, o sistema de trân-
sito, a literatura, as lendas e os mitos, os meios de comunicação de massa, a
Seg.nda Parte 1 Gêneros textuais no ensino de língua

geografia, a gcopolíhca, a sih1ac;ão de trab:1lho, a fauna e a flora, as relações


in terpessoais e assim por cliJnte. 1\1a'.) o que tem isso a \'Cr com a língua? \pa-
renlemenle nada, ~e não cons1dcramos que a linguagem é uma forma de ação
e inserção social e c.ultural.

Com efeito, quando nos indagamm a respeito dos limites da au la de


língua. 011 da inserção da aula de língua na 'ida di<íria, estamos nos mdagan-
clo sobre o papel da linguagem e da cultura. Nessa \'isão. é possÍ\c] dizer que
.1 aub dL lí11g11a materna é nm tipo ck aç;io que lramcu1dt o ª'pecto mera-
mente inter 10 ao ~1stl 11a d 1 lín!:>ua L \ai alem d" ,1tividadc co1111m1cali'<1 e
informacional O meio cm que o ser hum.1110 \Í\'e e no qual ele se acha imerso
é muito maior que seu ambiente fís1t:o e seu contorno imediato, já que está
envolto também por sua h1stóri.1, sua sociedade e seus discursos. A vivência
cultural humana está sempre emolta em linguagem e todos os tc:\IOs situam-se
nessas vivências estabilizada~ simbolicamente. Isto é um convite claro para o
cm.ino situado em contcxtm reais da vida cotidiana.

2.a A questão do suporte de gêneros textuais


Discus.,ào ainda em andamento é a que di/. respeito ao suporte dos gêne-
ros. Muitos livros didáticos falam em portadores de gêneros, lembrando com
isso os d1\'erso~ locais ou continentes de gêneros como um jornal, um livro e
uma revista semanal. 1\o entanto, equivocam-se os manuais quando falam no
dicionário como portador de gênero. pois ele própno é um gênero. E cqu1\0-
cam-se ao tralar a embalagem como gênero, já que ela é um suporte. Essa é
uma questão comple\a que não tem uma decisão clara..\mda ine\lstem estudos
1

sistemáticos a respeito do suporte do~ gêneros te:-..h.1ais. Apenas agora iniciam as


investigações si<íl:emáticas a este respeito e muitas são a~ indagações.

Dominique Mainguencau (200 1: 71) obser•a que "é necessário reservar


um lugar importante ao modo de manifestação material dos discmsoi., ao i.eu
suporte, bem como ao seu modo <k difusão: enunciildos orais. no papel,
raruofônicos. na leia do computador ele." (ênfase do autor). O mfdíum. como
o chama \la111gueneau (200 1: 71) é importante. ma~ costumávamos dcsprezá-
lo porque nos concentrá\'amos no texto como tal. L. interessante a ob~crYação
do autor quando afinna que "o mídium não é um simples 'meio'. um instru-
mento para transportar uma mensagem cstá\'cl: uma m11dançu importante do
núdium mod1fica o conjunto de gênero de d1.mm;o" (2001: 71-72). Isso diz
Luiz Antonio Morcuschi 1 Produ<ao textual, analise de gcneros e <ompreensao

respeito tanto ao modo de circulação como ao modo de consumo dos gêne-


ros e ainda mais ao modo como eles são estabilizados para serem ''transporta-
dos" eficazmente. Um dia só transmitíamos os textos oralmente; depois passa-
mm a fazê-lo por escrito; mais tarde, por telefone; e então pelo rádio, tc1cvi-
siio e recentemente pela internet. Esses mídiuns são ao mesmo tempo modos
ele lransportc e de h\ação, mas interferem no cfücurso.

Diante dessas poucas observações introdutórias, podemos indagar: qual


o papel do suporte na relação com os gêneros? Tem o gênero características
<l1stinh\'as adicionais quando realin1do e acessado cm um ou outro suporte?.\
idéia central é que o suporte não é neutro e o gênero não fica mdiferentc a ele.
\fa~ ainda estão por ser discutido'i a natureza e o alcance dessa interferência
Oll desse papel. Uma observação preliminar pode ser feita a respeito da im-
portância do suporte. Ele é imprescindível para que o gênero circule na socie-
dade e de,·e ter alguma iníluência na natureza do gênero suportado. Mas isso
não significa que o suporte determine o gênero e sim que o gênero exige um
suporte especial. Contudo, essa posição é questiomhcl, poi., há casos complc-
\.Os cm que o suporte determina a distinção que o gênero recebe. Tome-se o
caso deste breve texto:

"Paulo, te amo, me lrgue o mais rápido que puder.


Te espero no fone 55 -14 33 22. Verônica''.
Se isto estiver escrito n11m papel colocado sobre a mc~a da pessoa indicada
(Paulo), pode ser um bilhete; se for passado pela secrcl<íria eletrônica é um
recado; remetido pelos correios num formulário próprio, pode ser um telegrc1-
ma. O certo é que o contctído não muda, mas o gênero é sempre identificado
na relação com o suporte. Portanto. há que se co11siclcrar esse aspecto como
um caso de co-emergência, já que o gênero ocorre (su rge e se concretiza)
numa relação de fatores combinados no conte>.to emergente.

Mesmo sem ter segurança a rei.peito da questão, parece-me bastante ra-


1:oável tratar o suporte na relação com pelo mc11os outros três aspectos já
mencionados até aqui. l\ssim, gostaria de ver um contínuo ele categorias repre-
sentadas no quadro da p<ígina seguinte.

DL rl'IÇ\O m. Sl POR 11·.: c11le11demos aqui como 'uporte de um gênero um


locm físico ou rirtual com {onnato específ1co que ~en·e de base ou ambiente de
(iwçiio do gênero mafcricrli::ado como texto. Pode-se di7.er que suporte de um
gênero é uma superfície física em fom1ato específico que suporta, fixa e mos-
trn um texto. Essa idéia comporta três aspectos:
Segunda Parte 1 Gêneros textuais no ensino de língua

a ) suporte é um lugar (físico ou v1rtua/)


bJ suporte tem fonnalo específico
e) suporte sen'e para fixar e mostrar o texto.

QUADRO GERAL DAS CATEGORIAS ANALITICAS

domlnios discursivos

~~--i---~
discursos

texto

evento
suporte discursivo

9lnero

grandes
continentes tipos textuais

\ servico canal instituição

Com (a ) supõe-se que o suporte deve ser algo real (pode ter realidade
virtual como no caso do suporte representado pela internet). Es'\3 materialidade
é incontornável e não pode ~er prescindida. Com (b) admite-se que os supor-
te~ não são informes nem umformes, mas sempre aparecem cm algum forma-
to C!>pceffieo, tal como um 1iwo, urna revista, um jomal, um outdoor e assim
por diante. Além disso, o falo de ~er específico significa qlle foi comunicativa-
mente produzido para portar textos e não é um portador eventual. Com (e)
admi te-se que a função b<hica do ~uporte é fixar o texto e as~im torná-lo
aec~sível para fins comunicativos. Mas como o suporte tem um formato es-
pecífico e é convencionalizado, ele pode ter contribuições ao gênero. Con-
tudo. isso é problemático, pois também se pode dizer que os gêneros são
ecológicos, no sentido de que de!>envolvem nichos ou ambientes de realiza-
ção mais adequados, seja para se fo.arem ou circularem. Seria interessante
anali~ar a hipótese de que o~ gêneros têm preferências ~ não se manifestam
na indiferença a suportes.
É muito difícil contemplar o contínuo que surge na rcla<;tio entre gênero,
suporte e outros aspectos. pois não se trata de fenômenos discrelos e não se
pode di7cr onde um acaba e outro começa. 'fome-se o caso de uma carta
pessoal. Pode-se estabelecer esla cadeia:

carta pessoal (GÊNERO) -.. papel-carta (SUPORlE) ~ tinta (MAlIRIAl DA ESC!aTA) ~ correios (SERVIÇO OE
TRANSPORm -

Não é fácil estabelecer a mesma cadeia para lodo~ os gêneros, ma~ isso
serve para pensar as unidades componentes dessa cadeia. O suporte firma ou
apresenta o texto para que se torne acessh cl de certo modo. O suporte n<lo
de'c ~cr conhtndido com o contexto nem com a \1tl1ação, nem com o c.rn:il
cm si. nem com ,1 natureza <lo -.crviço prestado. Contudo. o rnporte não dci\a
de opcrn r como um tipo de conlcxlo pelo seu pnpel de selcli,·idade. A idéia
central é que o \Uporte não é neutro e o gên<.:ro 11ão fica indiferente a ele. \fo.,
ameia cst<í por ser analisada a natureza e o alc:ance deSSJ mlcrfcrência.

O mais imporl:inte é distinguir entre suporte e gênero, o que nem sempre


é feito com precisão. Eu 111es1110, cm trabalhos anteriores. havia identificado o
outdoor como gênero. o que é feito por ,-ários autores. mas hoje admito clara-
m<.:11tc que o ouidoor é um suporte püblico para ,·ários gêncros, com prefcrcn-
cia para publicidadC!li, anúncios. propagandas, comunicadofl, convites, declara-
ções, editais. Não é qualquer gênero que aparece num outdoor, pois esse é 11m
~uportc para certos gêneros, prcícrcncialmcntc na esfera discmsiva comlfc1al
ou política fate <..xcmplo sugere que se trate o suporte na relação com outros
a5p(;clos, tais como. domínio disc:11rsl\'o, {onnaçêio discursi1·c1, gênero e ti/Jo tex-
t11e1/. 1\ relação entre eles não constitui uma ordem hierárquica, já que não há
um sistema de 'uhordinação inlçrna. Vcj<HC que o jomalismo é um domínw
disc1mivo, ao p.i~so que o jomal é seguramente um suporte e que a ideologia
capitalista norte-amenccma se oferece corno uma esfera de fomwçào discun.Í\'a
bastante nítida, sendo a reportagem 1omalfst1ca o gênero textual cm questão e
a~ seqiiências 11arralil'as internas seriam o tipo textual dominante no caso de
uma reportagem ~obre a Guerra no Iraque publicada no lxew fork Time.'>. O
gráfico da página seguinte dá uma idéia melhor disto.

Jií \imos que todos os textos se realizam cm algum gênero e que lodo~ os
gêneros comportam uma ou mais seqüências tipológicas e s~o produzidm em
algum domliuo discursiYO que, por sua \'CZ, se acha dentro dl' uma formação
d1scur<.ha, sendo que os textm ~empre se fixam cm algum ~uporte pelo qual
atingem a sociedade.
Segunda Parte 1 Gêneros textuais no ensino de hngua

REPORTAGEM
JORNALISTICA
gênero]

TLPOS DE SUPORTE: (a) convencional;


( b) incidental.

Há suportes que foram elaborados tendo em vista a sua função de porta-


rem ou fixarem textos. São os que passo a chamar de suportes com·encionais. E
outros que operam como suporles ocasionais ou e\'enh1ais, que poderiam ser
chamados de suportes incidentcJ1s, com uma possibilidade ilimitada de reali-
zações na relação com os te,los escritos. Em princípio, toda superfície física
pode, cm alguma circunstância, funcionar como suporte. Vejam-se os troncos
de árvores em florestas com declarações de amor ou poemas em suas cascas.
Por isso, convém restringir a noção de suportes textuais para o caso dos supor-
tes convencionais. Não obstante isso, vamos analisar outros suportes incidentais,
até porque eles são freqüentes na \.ida urbana.

Assim, o corpo humano pode sen ir de suporte para tc'\los. mas não é um
suporle convencional. Hoje está se tornando cada \'CZ mais comum tatuar o
corpo com uma imagem , um poema ou uma declaração de amor. O corpo
lambém pode servir para os alunos inscreverem (em espec ial na perna ou
coxa) suas colas para provas ou exames. O rosto de muitos estudanles funciona
como suporte para slogans de protesto político, como já se ' iu muitas vezes.
Até corpos ele animais como cachorros e cavalos receberam 111scrições de pro-
testo. Contudo, não parece razoável que, do ponto de vista comunicativo, se
possa cla~sificar o corpo humano e o livro na mesma calegoria de suporte
lexlual, Já que o füro foi concebido como suporte de textos desde o início&.

R. \gmleço a Beth Marcusch1 a ~ugc~l<lo dl' C)labclecer algumJ d1st111çilo de mnneira sislem:!tica
pJra identificar o~ suportes em suas categoria\.
1

luiz Antônio Marcuschi 1 Prodlflio textual, analise de generas e compreensão

'\ssim, podemo~ identificar duas categorias de suportes textuais:

(a) a categoria elos suportes convencionais, típicos ou característicos, pro-


duzidos para essa finaüdade;
(b) a categoria dos suportes incidentais que podem trazer textos, mas não
são destinados a esse fim de modo sistemático nem na atividade co-
municativa regular.

EXEMPLOS DE SUPORTES COJ\TVENCTO?\AIS: como a questão ainda


é contro..,crsa, parece comeniente miciar a análise dos suportes discutindo a
natureza do suporte genérico mais comum de todos que é a folha de papel.
Mas não parece que ~e dc\'a tomar a folha de papel como o ~uporte do gênero
de uma maneira geral, pois \e no caso de uma carta pessoal ela seria, já no
caso de um livro a página não é o suporte e ~im o livro. No livro, a página é
uma parte do lodo. Se ffüsemos tomar o papel impresso como um suporte ele
uma maneira geral. não teríamos distinções entre livros, revistas, livros didáti-
cos, quadro de aviso~ e outros como suportes distrnlos. Com base nesta obser-
\·ação preliminar, \Cjamos vários suportes e suas características. '\Ião se trata
de uma classificação nem de um levantamento exaustivo.

( l ) Livro

Seguramente, lodos vamos concordar que o livro não é um gênero lcx-


tual. Seja ele qual for, desde que \.isto como livro. Trata-se de um suporte
maleável, mas com fom1atos definidos pela própria condição em que se apre-
senta (capa, p<íginas, encadernação etc.). O livro comporta os mais diversos
gên eros que se queira. Contudo, podemos ter um livro que ao mesmo tempo
realií'a apenas um gênero. como no caso do romance 011 da tese de doutorado.
Nesses casos, distinguimos entre os gêneros textuais romance e tese ele douto-
rado e o 1;uporte textual lino. Tomemos um livTO com cartas pessoais de al-
guén1. Aquelas cartas já não são mais pessoais desde o momento em que fo-
ram publicadas. Passaram a ser documentos públicos e até seu status pode ter
mudado se forem cartas de algum escritor. fas com a divulgação em livro
passam a operar como uma obra literária. O problema é que mudou a função
e a natureza daqueles textos no gênero carta pessoal. Trata-se de um li\·ro com
muitos exemplares de um gênero ou simplesmente um gênero como tal? O
livro é, neste caso, um suporte e o gênero é carta pessoal.

Em suma, um livro é sempre um suporte, sendo que em algum casos


contém um só gênero (um li\To de poemas), em outro$ casos contém muitos
gêneros diversos (uma obra com as publicações de um determinado jornal) ou
Segunda Parte 1 Gêneros textuais no ensino de hngua

então um único gênero (romance). Em lodos os casos. o livro é um suporte


para os gêneros ou gênero que comporta. O problema parece ser se o Jino
didático, por exemplo, ''engole" ou "transmuta" os gêneros do mesmo jeito
que o romance. Vejamos o caso mais de perto.

(2) Livro didático

Em primeiro lugar. é conveniente considerar que não fazemos uma dis-


tinção sistemática entre "lii•ro" e ''livro didático", já que se trata de fenômenos
similares. Contudo, como há elementos muito específicos do livro didático e
uma func1om1lidadc típica. tratamos a questão em separado, mas todos são
li\TOS. O livro didático é nitidamente um suporte textual, embora a opinião
não seja unânime a esse respeito. Não obstante os argumentos cm contrário,
ainda se pode dizer que o livro didático (1.n), particularmente o 1D de língua
portuguesa. é um suporte que contém muitos gênero~. pois a incorporação
cios gêneros textuais pelo 1 o não muda esses gêneros cm suas identidades,
embora lhe dê oulra func1onalidade, foto ao qual denominei re\ersibil idade
de função. Falo aqui em ft111cio11alidade e não {u.nç(io para que se lenha claro
esse aspecto. Por exemplo. uma carta, um poema, uma história cm quadri-
nhos, wna receita culinária e um conto continuam sendo isso que represen-
tam originalmente e não mudam pelo falo de migrarem para o interior de um
1.n. ão é o mesmo que se ch.1, por exemplo, no caso de um romance que
incorpora carias. poemas e anúncios, entre outros.

Certamente. Bakhtin nunca teria classificado o i., ro didático entrt os gêne-


ros secundários e sim como um conjunto de gêneros. A~pecto importante é a
vasta produção de gêneros tipicamente da esfera do discurso pedagógico, tal
como a explicação textual, os exercícios escolares, a redaçao. instruções para pro-
dução textual e muitos outros que se acham no LO. O espaço pedagógico tem
muitos outros gêneros que circulam nessa área e não migram para o 1.n, lais
como as confcrências, os relatórios, as atas de reuniões ele. Tudo indica, pois,
que o LD pode :.er tratado como um supo1te com caraclcríslicas muito especiais.

(3) Jornal (diário)

O jornal, diário e mesmo o jornal semanal, é nitidamente um suporte


com muitos gêneros. fütes gêneros são. cm boa medida, típicos e recebem.
cm função do suporte, algumas características em certo' casos. tal como o da
notícia. Aqui :.1tuam-se também as cartas do leitor e as notas soc1a1s. entre
outros. No jornal, temos gêneros que 11ão aparecem cm revistal> semanais,
como: anúncios fúnebres, convlles para missas de sétimo dia , previi;ões
meteoro/6gicas, resumos de filmes, horóscopo duírio e assim por diante. Mas há
outros comuns com ru. revista!>. como notícw~. reportagens, editoriais, receitas
culincírias, história em quadrinhos, charge, entrevistas etc.
(4) Revista (semanal I mensal)

A re,ista semanal poderia ser \1sta no contc-.to do 1omal diário, mas além
de conlcr sensivelmente menos gêneros textuais que o jornal, lem uma pcc:ulia-
ricladc no processo <le lextnalii'.ação, como se frisou há pouco. Jornais diários
e revistas divergem em algun<; aspectos. f<,m primeiro lugar, muilos gêneros são
mais específicos de 1omais diários do que rc,·1stas semanais. De\'e-se ter cm
mcnle que as revistas semanais, quinzenais ou mensais também di\'ergcm en-
tre si e os jornais são em geral diários. Assim certos gêucros que circulam com
notícias ou fatos apenas do dia (p. ex., anúncios ftínebrcs e classificados) pou-
co aparecem cm re' istas. ~la~ apenas uma análise detalhada eh ria se hií dife-
renças específicas. O certo é que a titulação (rnanchclagcm ) em rc\.1Stas e
jornais tem diferenças notáveis.

( 5) Revista cientí6ca (boletins e anais)

Seguramente, as re\istas científicas, os anais de congressos e os boletins


de associações cic11tíficas, por exemplo, são suportes de gêneros bastante es-
pecíficos e ligados a um domíuio discursivo (o científico, acadêmico o u
1mlrucional). Ali encontramos artigos científicos. resenhas, resumos, comunica-
ções, bibliografias, debates científicos. programação de congressos, programas
de cursos e oulros dessa nature7.a. São suportes hoje tradicionais e que se espe-
cializam de maneira muito ch1rn. Pelo fa to ele serem considerados científicos,
há inclusive um 1>iatus dos gêneros por eles vc1culados que é diferente dos
textos similares que aparecem em 1omais diários ou em renstas semanais de
divulgação ou 11olic1osas.

(6) Rádio

Não obstante ter dito no início que não me reportaria aos gêneros orais
de maneira sistemática. lembro o rádio como suporte pela sua relevância e
por ter sido desenhado para esse fim. Conludo, friso que o rádio é um caso
problemático porque pode ~er considerado um suporte num sentido reslrilo
como um lugar de fixação, mas é um scn iço ou meio quando tomado como
uma emissora. O rádio porta com uma multiplicidade de gêneros. \1as como
ele conta com a lransmissão sonora sem o recurso visual, certamente terá uma
interferência diversa da televisão. As notícias na TV, no rádio e no jornal não
têm o mesmo tipo de tratamento em relação ao discurso relatado ou reporta-
do. Há pouco discurso direto (citações de fala) no rádio e na w, ao passo que
isso ocorre mais no jornal e na revista.

(7) Te1evisão

A televisão acha-se no mesmo caso de ambigüidade que o rádio (é simul-


taneamente vista como suporte, meio e serviço), mas com a diferença de que
aqui temos a imagem e não só o som. Além disso. poderíamos pensar em
meios ou sistemas de transporte diversos na TV, já que ela pode servir-se de
outros suportes e até de even tos complexos, pois na JV podemos ter a transmis-
são de teatro, cinema, novela e assim por diante. Mas ela não seria o suporte
do teatro ou do cinema e sim um meio de transmissão. De resto, não sabemos
ainda como tratar o caso do cinema e do teatro. Estes não são propriamente
suportes e sim ambientes (casa de espetáculo) ou até instituições (o Cinema, o
Teatro). Já a peça de teatro e o filme em si são gêneros.

(8) Telefone

lguahnente ao caso do rádio. temos aqui um suporte para gên eros orais.
O telefone está no mesmo plano que os anteriores e é um suporte quando não
se pensa apenas na tecnologia nem no sistema funcionando como meio. Clas-
sifico como um suporte-meio. Nele se dão muitos gêneros, mas haveria que
discutir se distinguimos entre o telefone enquanto um aparelho e a telefonia
como uma técnica de comunicação. Assim, a telefonia permite a realização
de gêneros que o telefone não permitiria. Não me parece clara a distinção que
se foz entre ambos e isso deveria ser mais bem pensado.

(9) Quadro de avisos

Este é um caso interessante que pode ser tido como um suporte pela
quantidade de gêneros que abriga, mas há quem o considere um gênero
textual, o que parece ser equivocado. Num quadro de avisos, temos pu-
blicidades, avisos, poemas, listagens de notas, informações diversas, car-
tazes de eventos, p lacas, sugestões, propostas, regimento de cursos, re-
cortes de jornal com notícias, editoriais etc. Trata-se de um suporte com
característi cas próprias que contém no geral tex tos de curta extensão.
Mas os quad ros de avisos hoje podem conter outros suportes como os
folders e jornais inteiros afixados. Também contém material visual como
fotos e desenhos isolados.
luiz Antonio Mortuschi Produ(oo f('tfuof onal1';~ dr q"."1'•·~11> e (0!'11fH"C"iViC'O

(10) Outdoor

Trata-~e de um suporte e não de wn gênero. Como lembrado acima, em


algum. momentos eu o classifiquei como gênero, ma!) dada a diversidade que e.<.se
"suporte" \Cio assumindo quanto aos gêneros que alberga e quanto à função des-
ses gêneros, cu o classifico hoje como suporte. O 011tdoor tem peculiaridades
muito interessantes e mereccri<1 um estudo à parte. Ele veicula, como já se viu,
gêneros bastanlc especializado~. mas vem se gcncrnlizando cada vez mais.
( 11) Encarte

Como vamos tratar o encarte cm um jornal diário? \1uitas \C7CS é uma


re' ista completa. em outros ca'>os, é uma publicidade, uma propaganda, uma
campanha publicitária e assim por diante. Mas o encarte sempre 'cm dentro
de um 011lro recipiente ou suporte. Já o próprio nome diz que se trata de algo
dependente. Podemos falar de suportes de suportes? f: importante não consi-
derar a bula de remédio como um encarte por vir situada no interior de uma
embalagem.
( 12) Folder

Tudo indica que o {o/der pode ser tido como um suporte de gêneros
diversos, embora haja quem o trate como gênero. Admito que o {o/der é um
suporte que porta gêneros tais como campcmlwi. publicitárias, campanhas
gol'emamentm.s. publicidades, instrnções de uso. currículos, prospectos e assim
por diante. Existem {o/ders com mais de um gt'.:ncro. :\1as a questão do {o/der
não é clarn e ki pouco consenso sobre o caso.
( 13) Luminosos
Os lumino~os foram produ11dos para \eicularem textos e imagens. São
estruturas comunicativas com as quais os usuário5 têm em geral um contato
bastante fugaz e não tão sistemático. Na maioria dos casos, ai i figuram le:xlos
em movimento e gêneros ligados à publicidade de grandes empresas ou cam-
panhas governamentais.
(H) Faixas

As fai\a~ também são suportes tradicionais e altamente corwcncronais.


São lugares adequados para 'cicular textos para serem vistos de longe. Tam-
bém servem par::i decorar as mesas de abertura ele congressos ou festividades.
As fa ixas constituem uma espécie de suporte bastante comum para eventos
festivos. Elas portam um gênero de cada vez São inscrições, logomarcas ou
Segunda Parle 1 Gêneros textuais no ensino de hngua

então indicação de eventos. Há faixas comemorativas de aniversários de em-


presas, festividades e situações de grande público.

ALGUNS EXEMPLOS DE SUPORTES INCIDENTAIS: os suportes aqui


denominados incidentais são apenas meios casuais e que emergem em situações
especiais ou até mesmo corriqueiras, mas não são convencionais, como os apon-
tados no item anterior. Ninguém nega que uma porta de banheiro porta textos,
mas isso não é comum em todos os banheiros, como não é comum todas as
pessoas terem seus corpos tatuados com inscrições ou que as calçadas, as pare-
des e os muros em geral estejam cheios de inscrições. É inegável que boa parte
dos textos hoje em circulação pelos ambientes urbanos se acham nesses suportes
incidenl'ais. Tratamos deles aqui, já que não devem ser ignorados.
(1) Embalagem

Este é um caso interessante, pois, no geral, a embalagem não seria tida


como um suporte. Contudo, tomamos a embalagem como um suporte na
medida em que nas embalagens podem estar vários gêneros. Embalagens de
produtos comestíveis muitas vezes trazem não só o rótulo do produto, mas
uma receita. Ou então, no caso de remédios, pode-se ter uma breve bula de
remédio e assim por diante. Quanto a este último aspecto, pode-se indagar se
as indicações que estão no rótulo são algo diverso da bula que vem dentro da
caixa de remédio. Se indagarmos de vários especialistas, eles dirão que a bula
é diferente daquilo que vem na embalagem. Mas se observarmos as instruções
que aparecem na embalagem. elas parecem urna bula.

(2) Pára-choqucs e pára-lamas de caminhão

i ão parece haver dúvidas de que estes sejam um su porte de gêneros


muito especiais, tais como frases e provérbios. Certamente o caminhão é um
veículo em vários sentidos, pois transporta tanto o pára-choque como o texto.
Mas não é só o pára-choque do caminhão e sim também de automóveis e
demais veículos como ônibus etc. que servem para essa finalidade. Essa é uma
família de suportes ligada a um meio de transporte. Talvez devêssemos pôr
aqui também as janelas traseiras de ônibus u rbanos, gue hoje se tornaram
suportes sistemáticos, especialmente de publicidades.

(3) Roupas

Embora me decida pelas roupas como suportes. não parece muito claro
se devemos torná-las como tal, por exemplo, uma camíseta. Ela parece ser um
suporte de gêneros, já que hoje em dia porta textos dos mais variados gêneros,
luiz Antônio Marcuschi 1 Producão textual, antillse de gêneros e compreensão

como poemas, provérbios etc. Mas a camiseta não traz de maneira sistemática
textos e talvez devêssemos restringir esse aspecto.

(4) Corpo humano


O corpo humano vem cada vez mais servindo para veicular textos em
geral muito curtos e na forma de tatuagens ou de slogans para protestos em
situações especiais. Nem por isso o corpo humano passa a ser um suporte
convencional. Ele continuará sendo um suporte incidental, que vai variar de
acordo com as culturas. Nas culturas indígenas, os corpos são muitas vezes os
"suportes semióticos" mais convencionais em sih1ações de festa ou de cerimô-
nias especiais. Mas isso pela circunstância de não terem outros suportes espe-
cíficos nem disporem da escrita convencional em alguma de suas formas.
(5) Pared es
Todo tipo de parede está aqui incluído. Podem ser paredes ele casas,
edifícios ou mesmo de interiores como universidades, escola etc. Esses supor-
tes operam muitas vezes em um contínuo como no caso de suportarem um
quadro de avisos que é o suporte de gêneros.

(6) Muros
Hoje em dia parece que os u1uros estão se tomando suportes convencio-
nais para alguns gêneros textuais lais como as propagandas políticas. Eles ser-
vem para inscrições, propaganda~, publicidades e pichações em geral. São
textos pouco desenvolvidos, mas de grande eficácia comunicativa. Mesmo que
os muros sejam usados como suportes em grande escala, eles não são
convencionados para essa fina lidade como as revistas, os jornais e os livros.

(7) Patadas de ônibus

Imagino que as paradas de ônfüus estão sendo tomadas como bons locais
para afixar ou mesmo inscrever textos pela sua condição estratégica como
ambiente favorável à comunicação em grade escala. São locais muito visíveis e
quando há alguma parede ou um muro, comportam vários gêneros. Eles são
para o grande público. Ali encontramos campanhas ou publicidades de apelo
geral como carros, apartamentos, produtos de beleza e outros, mas não de
supermercados nem de produtos perecíveis.

(8) Estações de metrô


Embora as estações de metrô sejam do mesmo estilo que a parada de
ônibus, são sempre maiores e com mais possibilidade de gêneros. Tem algo de
similar com paredes e muros quanto aos gêneros qne comportam, mas há
Segunda Parte 1 Gêneros tellluais no ensino de língua

ainda quadros de avisos e cartazes ou outros suportes que estão nelas afixados,
o que lhes dá um caráter diferenciado nem sempre ligado à idéia de suporte
de gêneros e sim de suporte de suportes.

(9) Calçadas

Hoje as calçadas passaram a ser locais para inscrições, tal como se institui a
calçada da fama, em que pessoas fomosas põem a impressão de seus pés e a
inscrição de seus nomes. Esse suporte em geral porta textos curtos e permanentes.

(10) F ach adas

As fachadas de prédios, em geral de grandes extensões, são similares a pare-


des, mas ficam sempre de frente para grandes locais de circulação pública e
portam inscrições maiores com gêneros de curta ex-tensão. Na maioria das ve-
zes, são logomarcas ou os nomes de empresas, marcas de grandes produtos.

(11) Jan elas de ônibus (meios de transporte em geral)

De alguns tempos para cá, a~ janelas de ônibus, em especial a parte traseira,


tomaram-se um suporte de publicidades e campanhas governamentais. Mas isso
não é comum e não tem regularidade. Trata-se de utn suporte muito incidental.
EXEJ\i1PLOS DE SERVIÇOS EM FUNÇÃO DA ATIVJDADE COMUNI-
CATIVA: os casos abaixo não devem ser situados entre os suportes textuais,
sejam os incidentais ou os convencionais. A tendência é vê-los como serviços.

( 1) Correios

Os correios são menos um suporte e mais um meio de transporte ou um


serviço. É muito diferente do caso da revista e do jornal. Quanto a isso, seria
interessante discutir se o telefone e os correios formam um conjunto de supor-
tes-meio diversos da televisão e do rádio.

(2) {Programa de} E-mail


Aqui está um caso curioso, pois se tomarmos o programa Outlook, por
exemplo, teremos sem dúvida um suporte do tipo "correio eletrônico", mas se
tomam1os os e-mails enquanto correlatos das cartas pessoais, teremos um gêne-
ro. este caso, trato a palavra e-mail como se fosse uma homonímia, ou seja,
um termo com duas acepções tanto de origem como de função. Contudo, o e-
mail na fw1ção de correio eletrônico é nitidamente um serviço que transporta os
mais variados gêneros, tais como propagandas, ofícios, bilhetes, e-mails, cartas
comerciais, relatórios, artigos científicos e assim por diante. ão obstante isso,
luiz António Marcus<hi Producno textual, analise de generos e compreenrno

hoje a idéia mais comum cm relação aos e-maih é que sejam \;stos como um
gênero da área epistolar, assim como obsel'\·ou Juliana de ,\ssis (2002).
(3) MaJa-direta

A mala-direta se assemelha a um servíço e deveria ser tratada como tal. No


geral, a mala-direta veicula gêneros diversos do domínio discursivo da publici-
dade até a comunicação enlre empresas e remessa de documentos a clientes de
empresas. A ex-pre~ão 'mala-direta', quando empregada pelos Correios, é ape-
nas uma designação para um suporte. mas enquanto empregada por uma em-
presa pode ser até mesmo a designação de um gênero. como o caso de uma
carta de aniversário. O caso merece um estudo à parte pela complexidade. I lá
malas ili retas para pessoas (uma carta de aniversâno que o gerente do banco
manda no seu aniversário); há malas diretas para 10.000 pes5oas (as cartas que
recebemos de um canclldato a deputado); há ma las diretas com publicidades de
empresas (as promoções de uma loja) e assim por diante. Ma~ há casos muito
mais complexos do que estes sendo chamados de mala direta.
(4) Internet

Trata-se de mais um ca<;o-Jimite. Pessoalmente, trato a internet como um


suporte que alberga e conduz gêneros dos mais diversos formatos. A inlernel
contém todos os gêneros possíveis.
(5) Ilomepage e site

Para alguns autores, a homepage e até mesmo o site são um gênero, mas
para outros são um suporte. Creio que, de modo geral. a homepage é um
gênero bem estabelecido, mas o site é um suporte e não um gênero. Além
disso, parece claro que a homepage institucional carrega uma série de gêneros.
Basta observar a homepage de qualquer universidade pare ver a diversidade de
coisas feitas ali dentro. Entre outras coisas, está ali a possibilidade da matrícu-
la de alunos on-line. Se tomarmos o site de algum seí\ idor da internet como o
UOL, vemos que se trata de um serviço ou suporte de outros suportes, já que
ali estão revistas, 1ornais e liHos.

2. 9 Análise dos gêneros na oralidade

Neste momento, vou me ater aos gêneros tcxh1ais falados, uma área na
qual os estudos não são abundantes. Observe-se que o esh1do da classificação
Segundo Porte 1 Genero5 texluoi5 no cn5ino de hnguo

das interações \'erbais orais é bem mais recente e meno:. si:.tcmático que a clas-
:.ificação dos tcx1os escritos. Quanto a isso, a lingüista alemã Rlizabeth Gülich
( 1986) dedica-se à análil.e das condições empíricas para a determinação dos
gêneros texh1ais orais. A relevância da investigação elo:. gêueros textuais reside,
segundo Giilich (1986: 18), no fo to de serem usados pclol> participantes da
co1m111ícação lingfüstica como parle integrante de seu conhecimento comum.

Nesse sentido, um gênero seria uma noção coticliana usada pelos falantes
que :.e apóiam em características gerais e situações rotineiras para identificá-lo.
ludo 111d1ca que existe um saber social comum pelo qual os falantes se orientam
em suas decisões acerca do gênero de lc,to que estão produlmclo ou que devem
produzir em cada contexto comunicath·o. Esses gêneros não ~urgem natu ralmen-
te, mas se constroem na inlcração comunicativa e são fenômenos sociointerativos.
Para os lingüistas alemães ll cincmann & Viehwcgcr (1991: 110). os fa-
lante~ <lispõem de um "co11hecimenlo específico sobre estruturas textuais glo-
bais" que lhes possibilita determinar um certo texto como membro de uma
classe mais geral. Isso quer di1er que os falantes têm uma 1clé1a bastante clara
elas ei.lratégias de produção de uma narrativa, de um comentário etc.

Apesar de ser inluiti' o e pouco si~lemático, este não deixa de ser um


conhecimento socia l cu ja observânc ia esperamos de todos o~ parceiros de
comun icação. Essa competência classificatória .. ingênua" opera com muita
precisão cm todas as situações di<írias e permite que expre~semos juízos de
,·alor quanto à adequação dos textos produzidos. Apesar disso, lembra Steger,
<;abemm muito pouco a re~pe i to das ruões da di\ersidade de g~ncros textuais
que encontramos pela frente.
Segundo lembram I leinemann & Viehweger ( 1991 · 111 ), os falantes
lançam mão de conhecimentos de três grandes sistemas cognilirns para pro-
cessar seus textos. E!>sas Lrês esferas do saber são:

i. saber lingüístico
ii. saber enciclopédico
iii. saber interacional

\Ião se tem uma noção muito clara de como se organiza cada um desses
saberes. mas é certo que eles não agem de forma sucessiva e sim interativamente.
l\Ias eles não são uma espécie ele "depósito de conhecimento~" do qual os
falantes lançam mão. São processadores que operam como mecanismos que
alivnm a produção.
luiz Antõnio Marcuschi 1 ProduJão textual, análise de géneros o compreensão

É mllito com,1111 que, com base nesses conhe<.:imcntos, os interlocutores es-


pecifiquem o gênero de texto que estão produzindo durante sua fala, como ob~er­
vou Gülich ( 1986: 21 ). Assim, om imos com freqüência as pessoas di7crcm:

- no telefonema de ontem.• - o bate-boca daquela noite...


- na aula de hoje... - a piada do dia é a seguinte.•
- nessa discussão•. - a reportagem de ontem...
- minha conferência foi... - aquela transmissão de futeboL.
- o debate de ontem... - o noticiário desta noite-etc.

Essas designações, além de Sllporem conhecimentos globais, não são pre-


cisamente conhecimentos t1pológ1cos no sentido técnico do termo. :\tu1tas
vezes essas formas textuais têm marcas lmgifüticas mais ou menos estereotipa-
das identificáveis desde o 111ício. ssi m é o caso das forma!> abaixo e outras
marcas ba~tante conhecidas faci lmente identificadas.

- "era uma vez ..." (abertll'a de narrativa) - "tome dois quilos de açúcar e
adicione..." (receita de bolo)
- "prezado amigo" (abertura de uma carta) - "alô. quem é'?' (telefonema)
- "conhece aquela do português que..: (piada) - ·o tema de hoje será a Revolu·
ção Francesa" (conferência)
- "eu o condeno a cinco anoS' Uulgamento em tril>lllal) - "atenção. silêncio" (aviso)

Muitas delas são fórmulas hbtóricas surgidas ao longo do tempo e de


práticas sociais que têm suas característica~ específicas tanto na fala como na
escrita. D.ií dizer-se que os gêneros são modelos comunicativos. Servem, mui-
tas 'vezes. para criar uma expectativa no interlocutor e prepará-lo para deter-
minada reação. Operam prospeclivamente preparando o cam inho da com-
preensão, como muito bem frisou Bakhtin (1979).

Para Gülich ( 1986: 28), os interlocutores seguem em geral três critérim


para designarem seus texto~:

a) c.111.JI / meio de com11mc,1i;.ão (lclcfonema, telegrama )


b) u1lério~ formais (conto. debate. contrato. ata, poema )
c) 11.iturcz;1 do contendo (piada, prefácio de livro. comentá rio)

Contudo. isso não chega a oferecer critérios para formar uma classifica-
ção geral. O lingüista inglês Douglas Biber ( 1988: 170) lembra que os gênc.-
ros são geralmen te determinados com base nos objetivos dos falantes e n
Segunda Parte 1 Gêneros textuai1 no ensino de língua

natureza do tópico tratado, sendo assim uma questão de uso e não de forma.
Mas seria possível pensar numa determinação Lipológica fundada em catego-
rias internas, ou seja, de natureza forma] e lingüística.

Ta]ve;: pudéssemos propor uma máxima de adequação tipológica segun-


do a qual deveria haver, em cada gênero textual, uma relação estreita entre:

- natureza da informação
- nível de linguagem
tipo de situação
relação entre os participantes
natureza dos obíetivos

É provável que essa relação obedeça a parâmetros de relativa rigidez (roti-


na social) em cada contex1o cultural e social , de maneira que sua inobservância
pode acarretar problemas. Nesse sentido, os indicadores aqui levantados serYi-
riam para identificar as condições de adequação tipológica. Como os gêneros
independem de decisões individuais e não são facilmente manipuláveis, eles
operam como geradores de expectativas de compreensão mútua. Em suma: os
gêneros lextuais não são fruto de invenções individuais, mas formas socialmente
maturadas em práticas comunicativas na ação linguageira.

Também poderia ser estabelecida uma certa correlação entre gêneros


textuais e formas de condução dos tópicos discursivos. Assim, no caso de um
debate ou de uma conferência caberiam observações do tipo:

"Gostei porque ele se ateve ao tema do começo ao fim" .


"Não gostei porque ele dimgou demais e toda hora entrava noutros lemas."

No entanto, já não se poderia dizer o mesmo a respeito de uma conver-


sação rea lizada durante um encontro casual num bar da esquina. Seria até
estranho que alguém dissesse o seguinte a propósito de uma conversa de bar:

"Não gostei porque eles não aprofundavam os temas e variavam demais".

Eventos com definição temática restringem as digressões e forçam o cum-


primento de uma agenda de assuntos. Já even tos sem defin ição temática per-
mitem maior maleabilidade na evolução da agencia de assuntos. Contudo.
vale salientar que constitui uma questão aberta se os gêneros textuais são uni-
versais ou se cada cultura e sociedade produz seus gêneros específicos. Como
os gêneros textuais não só refletem, mas constituem as práticas sociais, é de
supor que também haja variações culturaJmente marcadas quanto às formas
produzidas, já que as culluras são diversas em sua constih.tição.
2.10 A análise de gêneros textuais na
rela~ão fala e escrita

Um dos aspectos fascinantes e pouco c~clareddos nesse quadro é o que


diz respeito à correlação dos gêneros textuais com a fala e a escrita. Parece
que o contínuo verificado enlre a fala e a escrita lambém tem seu correlato no
contínuo dos gêneros textuais enquanto forma de representação de ações so-
ciais. Se observarmos a questão sob esse ângulo, veremos que a comparação
entre fala e escrita suscita novas hipóteses para a análise do fenômeno.

Como os gêneros textuais ancoram na sociedade e nos costumes e ao


mesmo tempo são parte dessa sociedade e organizam os costumes, podem
variar de cu ltura para cullura. Muitas vezes, refletem situações sociais peculia-
res com um componente de a<lcqüabilidade estruh1ral, mas há um forte com-
ponente de caráter sociocomunicativo. Assim. deve-se levar em conta o aspec-
to que di;; respeito ao uso comunicativo dos cli\ersos gêneros como determinante
de fonnas estruturais.
É sabido que as atividades comunicativas são uma das formas de orga-
nização da sociedade e condicionam boa parle dai. demais ações pratica-
das em sociedade. Tal como lembram Bergmann e Luckmann (1995: 297),
um dos traços freqüentes nos gêneros é "um e~toque comum de conheci-
mentm diários sobre normatividade e reputação social da ati\'1dade comu-
nicativa prescritos e moldados pelos gêneros". bto faz com que tenhamos
uma noção clara do que convém ou não convém cm determinados mo-
mentos. Nesse sentido. os gêneros estão muitas vezes "imbuídos de valo-
res" e "são muito mais do que guias neutros para a realização de certas
atividades comunicati"as" (p. 297).

Essa questão diz respeito também à distribuição dos gêneros na socieda-


de. Tal como frisava Bakhtin ( 1979), os gêneros são apreendidos no curso de
nossas vidas como membros de alguma comunidade. Nesse caso, os gêneros
são padrões comunicativos socialmente utilizados, que funcionam como uma
espécie de modelo comumcatl\O global que representa um conhcc11ncnto
social localit:ado em situações concretas. Sociedades tipicamente orais desen-
volvem certos gêneros que se perdem em outras tipicamente escritas e pene-
tradas pelo alto desenvolvimento tecnológico. ~: assim que em centros urba-
nos sofisticados são quase desconhecidos gêneros como os cantos de guerra
indígenas. os cantos medicinais dos pajés ou a~ ben;;eções das rezadeiras, os
Segunda Parte 1 Gêneros textuais no ensino de linguo

lamentos das carpideiras. Tudo isso surge naquelas sociedades como práticas
culturais rotineiras, tal como o editorial de um jornal diário ou urna bula de
remédio em nossas sociedades.
Uma carta pessoal, um bilhete casual, um telefonema pessoal e uma conversa-
ção espontânea têm uma série de aspectos em comum que tanlo se revelam nas
seleções morfossintáticas, como na natureza do léxico e no grau de monitoramento
da enunciação. São gêneros comparáveis e apresentam traços comuns que não
necessariamente precisam revelar-se na materialidade lingüística.

A tentativa de observar os gêneros na relação li'-E resultaria uma visão


antidicotômica ao sugerir que eles:

J. são históricos e têm origem em práticas sociais


2. são sociocomunicativos e revelam práticas
3. estabilizam determinadas rotinas de realização
4. tendem a ter uma forma característica
5. nem tudo neles pode ser defmido sob o aspecto formal
6. sua funcionalidade lhes dá maleabilidade e definição
7. são eventos com contrapartes tanto orais como escritas.
Aspecto central nesta questão é a impossibilidade de s it uar a
oralidade e a escrita em sistemas lingüísticos diversos, de modo que ambas
fazem parte do mesmo sistema da língua. São realizações de uma gramá-
tica ún ica, mas, do ponto de vista serniológico, podem ter peculiarida-
des com diferenças bem acentuadas, de tal modo que a escrita não re-
presenta a fala. Portanto, não postulamos uma simetria de representação
entre fala e escrita, mas uma relação sistêmica no aspecto central das
articulações estritamente lingi.iísticas.

O gráfico a seguir, produzido com base em sugestões colhidas em Koch


& Oesterreicher ( 1990)9, representa as mesclagens dos gêneros na relação
fala-escrita, considerando-se as condições de produção (concepção) e recep-
ção oral e escrita (aspecto medial, gráfico ou fônico). Essa visão deve ser to-
mada com cautela porque tem alguns inconvenientes de ainda situar a obser-
vação em patamares que podem conduzir a uma percepção que continua
dicotômica. Assim, apresento aqui a sugestão com esta ressalva,

9. Pcter Koch; Wulf Oestcrrcicher ( 1990). Cesprochene Spraclie in der Rornania: Franzosisch.
Jtalíenisch, Spunísch. Tübingen: Max iemeyer, pp. 8-17.
Luiz Antonio Marcuschi 1 Producao lcxlual, anafüe d., g•nero' e> <0mprecn;oo

Concepção
(oral)
F

a b

Mei o Meio
(sonoro) F (gr6fico)

E
Concepção
(escrita)

Nesta representação, temos em [a] o domínio elo tipicamente falado quanto


ao meio e quanto à concepção, que é a produção original. Já a sua contraparte
seria o domínio [c] corresponden te ao tipicamente escrito. Por outro lado,

li tanto [b] como [d] scnam os domínios mistos das mcsclagens de modalida-
des. Note-se que a concepção diz respeito à versão original e o meio diz res-
peito ao modo de recepção. Se fom1os fa7.er uma análise mais fina, leremos
que distinguir os pesos de~sas duas maneiras de contemplar o texto.

Uma observação term inológica deve ser aqui feita para evitar mal-enten-
didos a respeito do que se tem em mente com a~ expressões "concepção oral"
e "concepção escrita". :-.Ião ~e trata de postular que o te·\'to é concebido oral-
mente ou concebido por cscnto sob o ponto de \isla cognitivo, mas que a
forma original de sua produção é escrita ou oral. Assim, a expressão "concep-
ção" aponta para a natureza do meio em que o texto foi originalmente expres-
so ou exteriorizado. É assim que um poema declamado não se torna uma
lingu agem falada no ato da declamação e sim um texto escrito oralizado , já
que sua concepção foi no formato escrito. Com base nessa sugestão. defeudo
que o som não é uma condição suficiente para a definição da língua falada. O
som é apenas uma condição necessária da ornlidade. pois sem ele. segura-
mente não teremos língua oral, mas não suficiente Portanto, a concepção
(oral ou escrita) indica o meio originário de produção, mas não a nature.la do
ato cognitivo de criação, já que seria inoportuno postular que se possa conce-
ber textos por escrito ou oralmente sob o ponto de vista cognili' o. O quadro
abaixo revela os cruzamentos possíveis, tomanclo-i.e quatro gêneros:
. S91u11do Parte 1 Gêneros textHls no ensino de língua

Gênero textual

Conversação espolt.inea [a] X X


Texto cientifico [e] X X
Noticin de IV [d] X X
Entrevista p00licada na Veja [b] X X

Textos da escrita
GE,_ GE2••• GE.

ESCRITA
GE,

GF,
FALA
' - - Textos da fala
GF1 , GF2... GF,

Outra maneira de ver as relações de complementandade seria na grade


do rnntmuo tk genero> já proposta quando anahsamos a relação fala e escrita •
[Ui IDADF 1 . i\essa forma de representar as relações cn lre língua fa lada e
língua escrita, temos uma visão contínua que se dá na comparação com gêne-
ros textuais tal como representada acima.
No gráfico, observa-se que tanto a fala como a escrita se dão cm dois continua:
(a) na linha dos diversos gêneros textuais (CF., CFZ""' GF,.; C E1, GE2... CE")
(b) na linha das características específicas de cada modalidade.

111 Domínios discursivos e gêneros textuais na


oralidade e na escrita
Partindo das reflexões feita:, até aqui, podemos tentar \'árias distribuições siste-
m<Íhcas cios gêneros, o que não significa que estejamos fazendo classificações. :Mas
será difícil decidir por uma ou outra dei~, tendo cm vista a diversidade de critérios.
Scgumdo alguns critérios gerais e subdi' idmdo a produção te,tual entre fala e escri-
ta, poderíamos sugerir um quadro gemi bastante amplo com denominações varia-
d~ que se submeteriam a uma análi<.c como a que fizemos no item anterior.

Já 'imos que os textos \ÍhianH,c cm domínios discursivos que produzem


contextos e situações para as práticas sociodiscursivas características. Tal como
luiz Antônio Mar<uschi : Producao textual, analise de generos e compreensao

exposto acima, ente11demos <.:omo domínio discur.im uma c.,fcra da vida social
011 instih.Jcional (religiosa, 1uríclica, jornalística, pedagógica, políhca, industrial,
militar, familiar, lúdica ele.) na qual se dão práticas que organil.élm formas de
comunicação e rcspccliv::ts estra tégias de compreensão. Assim, os domí111os
discmsivos produzem 111odclos de ação comunicativa qnc se estabilizam e se
transmitem de geração para geração com propósitos e efeito~ definidos e claros.
Além disso, acarretam formas de ação, rcílexão e avaliação social que detem1i-
11am formatos textuais que cm úlhma instância desembocam na estabilização de
g€neros textuais. L eles também organl/..am as relações de poder.
É justamente pelas distintas práticas sociais <lesem olndas aos diversos
domínios discursivos <tUC sabemos que nosso comportamento discursivo num
circo não pode ser o me~mo que numa igreja e que nossa produção textual na
u11ivers1dadc e numa revista de variedades não será ;:i mesma. Conseqüenle-
111 enle, os domínios discur~irns operam como enquadres globais de

supcrordenação eo111un1<.:al1va, subordinando práhcas sociodiscursivas orais e


escritas que resultam no~ gêneros.

1 O quadro geral que se segue é uma tcntali\a dt distr1huição dos gêneros


da oralidade e escrita no enquadre dos respechrns domí111os discursi\'os Resta

li dizer que muitos gêneros "ão comuns a ,·ário!I domínios. \'ejamos uma brc\·c
relação que não é definillva nem representativa.

GÊNEROS TEXTUAIS POR OOMÍNIOS OISCURSIVOS E MOOALIDADES

MODALIDADES DE USO DA LÍNGUA

1ESCR1TA . ORAUDADE .. '·

artigos científicos: verbetes de enciclopédias: relatórios conferências: debates:


cientfteos: notas de aula: nota de rodapé: diários de discussões: eJPosições:
campo; teses: dissertações: monografias: glossm: comunicações; aulas
artigos de divulgação cientifica; tabelas: mapas; participativas: aulas
grfiicos: resumos de artigos de tivros; resumos de expositivas: entrevistas
livros: resumos de conferências; resenhas: de campo; exames
comentáios: biografias: projetos: solicitação de bolsa; orais; exames finais:
INSTRUCIONAL cronograma de trabalho; organograma de atividade: seminários de
(ctentfflco, monografia de curso; monografia de disciplina: iniciantes; seminários
acad~mico e definição; autobiografias: manuais de ensino: avançados: seminários
educacional ) bibliografia: ficha catalogrfiica; memorial: curriculum temaicos: colóquios:
viae; parecer técnico: verbete; parecer sobre tese: prova oral: argüição de
parecer sobre artigo; parecer sobre projeto; carta de tese: argüição de
apresentatao: carta de recomendação: ata de reunião: dissertaçã>: entrevista
summ; índice remissivo: diploma: lodice onomãstico; de selec;ã> de curso:
dicionm: prova de ~ngua: prova de vestibular. prova aula de concurso:
de múltipla escolha: diploma: certificado de aulas em vídeo: aulas
especialização: certificado de proficiência: pelo liilio;
arestado de participação: epígrafe aconselhamentos
Segunda Parte 1 Generos textuais no ensino de língua

editoriais: notícias: reportagens: nota social; artigos de entrevistas jornalísticas:


opinião; comentário; jogos: histórias em quadrinhos; entrevistas televisivas;
palavras cruzadas; crônica policial: crônica esportiva: entrevistas radiofônicas;
entrevistas jornalísticas; anúncios classificados: entrevista coletiva;
anúncios fúnebres; cartas do leitor; carta ao leitnr, notícias de rádio;
resumo de novelas; reclamações; capa de revista: noticia de tv;
Jomalistico
expediente; boletim do rempo; sinopse de novela: reportagens ao vivo;
resumo de filme; cartoon; caricatura; enquete; roteiros: comentários;
errata; charge; programação semanal; ágenda de viagem discussões: debates;
apresentações:
programa radiofônico;
boletim do tempo

orações; rezas: catecismo: homilias: hagiografias; sennões; confissão;


cânticos religiosos: missal: bulas papais; jaculatórias; rezas: cantorias:
Religioso penitências; encíclicas papais orações; lamentações:
benzeções;
cantos medicinais

receita médica; bula de remédio; parecer médico; consulta:


Saúde receitas caseiras: receitas culinárias entrevista médica;
conselho médico:
rótulo: nota de venda: fab.Jra; nota de compra; publicidade de feira:
classificados; publicidade; comprovante de pagamento: publicidade de TV:
nota promissória; nota fiscal: bolem; boletim de precas; publicidade de rádio;
logomarca: comprovante de renda; carta comercial; refrão de feira;
parecer de cnnsultoria: formulário de compra: refrão de carro de
Comercial carta-resposta: comercial: memorando; nota de servic;o: venda de rua
controle de estnque: controle de venda: copyright;
bilhere de avião: bilhete de ônibus: carta de
representação; certificado de garantia; atesmdo de
qualidade: lista de espera: balanço comercial

instruções de montagem; descrição de obras; ordens


código de obras; avisos; controle de estoque;
Industrial
aresmdo de validade: manuais de instruçãl

contratos; leis; regimentos; estatutos: certidão de IDmada de depoimenlD;


batismo: certidão de casamento; certidão de õbitD; argüição;
certidão de bons antecedentes: certidoo negativa; declarações; exortações:
atestados: certificados; diplomas: nonnas; regras; depoimento;
pareceres: boletim de ocorrência: edital de convocacão: inquérilD judicial;
edital de concurso; aviso de licimção; auto de penhora: inquérito policial:
Jurídico auto de avaliação; documentos ~essoais: requerimento; ordem de prisão
autorização de funcionamenlD: alvará de licença; alvará
de soltura; alvará de prisão: sentença de condenação:
citação criminal: mandado de busca: decreto-lei:
medida provisória; desmentido: editais; regulamentos;
contratos; adverténcia
j
Luiz Antônio Marwschi 1 Producio textual, anàllse de gõaeros e compreensão

propagandas; publicidades: anúncios; cartazes; folhetos; publicidade na tv;


logomarcas: avisos; necrolõgios: outdoors; inscrições em publicidade no rádio
Publicitário
muros; inscrições em banheiros; placas; endereço postal:
endereço eletrônico; endereço de internet
-
piadas; jogos; adivinhas; histórias em quadrinhos: fofocas; piadas;
Lazer palavras cruzadas; horóscopo adivinhas
jogos teatrais
cartas pessoais; cartas comerciais: cartas abertas: cartas recados;
do leitor; cartas oficiais; carta-convite; cartão de visita; e- conversações
mail; bilhetes; atas; telegramas; memorandos: boletins; espontâneas;
relatos: agradecimentos; convites; advertências; informes; telefonemas;
diMo pessoal; aviso fúnebre; volantes: lista de compras; bate-papo virtllal:
Interpessoal endereço postal; endereço eletrônico; autDbiografia; convites;
formulários; placa; mapa: catálogo; papel timbrado agradecimentos:
advertências;
avisos;
ameaças;
provérbios
ordem do dia; roteiro de cerimônia oficial; roteiro de ordem do dia
Militar
formatura; lista de tarefas
épica - lírica - dramiica; poemas diários; contos; mito; fábulas;
peça de teatro; lenda; pa~endas; fábulas; histórias em contos;
Ficcional
quadrinhos; romances: dramas: crônicas; roteiro de filme lendas:
poemas;
I declama'!1ies;
encenaçoes

Esta lista é reveladora de um aspecto singular: hei domínios discursivos


mais produtivos em djversidade de formas textuais e outros mais resistentes.
Além disso, se fôssemos fazer este quadro considerando culturas diversas, tería-
mos grande~ surpresas. Pois há culturas em que a situação se inverteria total-
mente em relação ao que se tem nesses quadros. Por fim , parece que hoje há
mais gêneros textuais na escrita que na fala.

2.12 Distribu~ão dos gêneros no tontinuum


da rela~ao fala·escrita
No quadro a seguir, tomam-se os critérios definidos aci ma para a corre-
lação entre fala e escrita no contexto do continuo em sobreposição dos gêne-
ros lextuais. A rigor, trata-se da mesma proposta feita, mas agora com um;;.
tentativa de agrupar os gêneros e indicá-los ao longo do continuo.

O valor de um quadro geral como o proposto acima acha-se na possibilida-


de de relações mais do que intuitivas. Um aspecto interessante é o que se dá n
DISTRIBUIÇÃO DOS TEXTOS DE USO FALADOS E ESCRITOS NO CONTINUO GENÉRICO

COMUNICAÇÕES COMUNICAÇÕES TEXTOS TEXTOS


PESSOAIS PÚBLICAS INSTRUCIONAIS ACAO~MICOS
•textos acadêmicos
•anigos cienn ficos
• divulgação cientifica • legislação

• textos profissionais • documentos oficiais


• editoriais de jornais
• textos publicitános • manuais escolares • relaiórios técnicos
• resumos
• noticias de jornal • cartas comerciais • pareceres em
• cartas do leítor• instruções de uso • processos
• formulários • narrativas
•canas pessoais • entrevisw • telegramas
• bilhetes • convocações • bulas
• volantes de rua • atas de reuniões • comunicada&
• inscrições em paredes • anúncios classificados ESCRITA
FALA ----------- • noticillno de Tv • exposição academica
• conferência
• inquéritos ulas • discursos oficiais
• reportagens ao vivo • discursos
• entre vistas pessoais - - --....,,,.,.;,,m;mll!ínTãano vivo • relatos
• encrevistas no radio/TV • noticiário de rádio ao vivo • narrativas
• inquéri LOS • exposições informais • piadas
• debates
• discussões no
• conversas públicas rádio e TV
•conversa teleronica
• conversa espontânea
APRESENTAÇÕES EXPOSIÇÕES
CONVERSAÇÕES ENTREVISTAS E REPORTAGENS ACAD~MICAS
Luiz Antonio Morrnschi 1 Produ1ao tertual, analise de 9"""'º' " 1omprrensao

círculo intcm1edi;írio que en\'oh-e alguns gêneros (inlcrmodab?) que ~o de difí-


cil locali7ação em uma ou outra modalidade de maneira muílo clara. 1 rata-!>e
dos chamados gêneros mistos 011 híbridos sob o ponto ele \'Í\ta da modalidade

2.13 Os gêneros emergentes na mídia virtual e o ensino

\1ais do que em qualquer outra época, hoje proliftram gÇneros novos den-
tro de nO\as tecnologias, p<1rhculanncnle na mícha ddrônica /digital). Diante
disso. \'ale indagar-se se a cscoh dc,·er-J amanhã '>C ocupar d~ como se produz um
e-mail e outros gêneros do di~cur,o do mundo 'irlual m1 se is'>o não é sua atribui-
ção. Pode a escola tranqüilamente continuar ensinando como se escreve cartas e
como se produz um debate face a face? Será que o modelo ele interação face a
face proposto por Sacks, Schegloff e Schiffrin nos anos 1970 já deve ser re\'Íslo e1n
ponto~ essenciais, consic.lcrand<>-sc a presença nos bate-papos?

Em princípio, é posSl\·el concordar com 1om l•:rickson {199~). para quem


o c~tudo da comumcação 'irtual na perspecti\'a dos gcneros é particulanncntc
interessante porque "a interação on-line tem o potencial de acelerar enonne-
llH:nte a evolução elo!> gênero!>". tendo em \ista a naturc1a cio meio tecnológico
c os modos como se de!>envoh e. Esse meio prop1c1<1, ao conlráno do que se
imaginava, uma "interação allamentc participati,·a'', o que obrigará a rever
algu mas noções já consagrada~.
Se tomarmos o gênero enquanto te,to concreto, situado histórica e socialmen-
te, culturalmente sensível, recorrente, "relativamente cst.hel" do ponto de 'ista
estilístico e composicional, SCf\ indo como mstnimento c:omunicabvo com propósi-
to~ específicos como íonna de <ição social. é fácil puccbcr que um no\'o meio
tecnológico, que interfere cm boa parte de~ condiçêx..~. c.lc\e também interferir na
nah1reza do gênero prod111ido 'fomemos o gênero mais praticado no nosso clia-a-
dia, a co11l'ersação es/xmtêmea reall/.ada face a face, e pensemo!; na descrição ofere-
cida por Sacks, Schcgloff e Schiffrin (197+). Tentemos agorn aplicar essa descrição
a um bate-papo on-line. Que a:.pe<.:Los da relação face a face transferem-se para o
110\0 meio? Oual a interferência do anonimato mantido num apelido (nickname)?

O que muda quando a relação interpessoal passa a 5er uma relação hrperpessool,
como no caso de um bate-papo em aberto? i\ão c propriamente a estn1tura que se
reorganiza, mas o quadro que fonna a noção do gênero. Em ~uma: muda o gênero.
'\ão obstante essas pondernçõe~. é bom ter cautela quando se afim1a que
algo de novo está acontecendo em relação à lingtiagem, poii. fa7 muilfssimo
tempo que o ser humano foh.i e ba~lantc tempo que e~cn:ve. A idéia de que a
Segunda Part e 1 Gêneros textuais no ensino de hngua

cada nova tecnologia, como lembra David Crystal (2001: 2), o mundo todo
se renova por completo, é uma ilusão que logo desaparece. Novidades podem
até acontecer, mas com o tempo percebe-se que não era tão novo aquilo que
foi tido como tal. E, particularmente suas influências não foram tão devasta-
doras ou tão espetaculares como se imaginava. Daí a pergunta: quanto de
novo vem por aí com a internei nos nossos vídeos?

Justamente por não encontrar grandes respostas para essa questão, Crystal
escreveu seu livro A linguagem e a internet, na Lenlafüa de descobrir algo
sobre "o papel da linguagem na internet e o efeito da internet na linguagem"
(2001: viii). Quanto a isso, para o autor, sumariamente, três aspectos podem
ser frisados:

( 1) do ponto de vista da linguagem, temos uma pontuação minimalista, uma


ortografia um tanto bizarra, abundância de abrevial'uras nada convencio-
nais, estruturas frasais pouco ortodoxas e uma escrita semi-alfabética;
( 2) do ponto de vista da natureza enunciativa dessa linguagem, integram-se
mais semioses do que usualmente, tendo em vista a nah1reza do meio;
(3) do ponto de vista dos gêneros realizados, a internet transmuta de
maneira bastante radical gêneros existentes e desenvolve alguns real-
mente novos. Contudo, um fato é inconleste: a inlcrnel e todos os
gêneros a ela ligados são eventos textuais fundamcnlalmcnte basea-
dos na escrita. Na internet a escrita continua essencial.

Tudo indica, ainda segundo Crystal (2001 ), que a internet seja menos
uma revolução tecnológica do que uma revolução dos modos sociais de interagir
lingüisticamente. Pode-se dizer que o discurso eletrônico ainda se acha em
estado meio selvagem e indomado sob o ponto de vista lingüístico e organiza-
cional. O próprio estado de anonimato dos bate-papos favorece o lado instin-
tivo, desde a escolha do apelido até as decisões lingüísticas, estilísticas e libe-
ralidades quanto ao conteúdo. Trata-se de uma estética em busca de seu cânon,
se é que isso ainda pode acontecer.

De maneira geral, a comunicação mediada por computador abrange to-


dos os formatos ele comunicação e os respectivos gêneros que emergem nesse
contexto. Futuramente, é provável que a exlJressão internet assuma a carga
semântica e pragmática do sistema completo, já que se trata da rede mundial
de comunicação ininterruptamente interconecta<la a todos os computadores
ligados a ela. Analisa, de modo particular, um conjunto específico de novos
gêneros textuais. desenvolvidos no contexto da hoje denominada mídia vir-
tual, identificada centralmente na tecnologia computacional a partir das três
últimas décadas do século XX. Daí surge um novo tipo de comun icação co-
luiz Antônio Marcuschi 1 Producão tHtual, analise de g-.,eras • compreensão

nhccido como comunicação mediada por computador (C \fC:) ou comunicação


eletrônica, que descnvoh e uma espécie de "discurso eleir611ico" .

A relevância de se lralar desses gêneros textuais reside cm pelo menol>


quatro aspectos:

( 1) são gêneros cm franco clcscnvolvimenlo e fo~L' <k fixação com uso


c.·ada \'ez mai" gcncrali1<1do:
(2) aprc~entam pec11li:1ricbclcs fom1ais própria~. 11ãu obstante terem
contrapartes em gêneros pré\ios:
( 3) oferecem a po,sihilid.1dc dl' ">C re\er alguns cm1ccilos tradicionais a
respeito da te:-.tualidadc:
(4) mudam scnsi\'clmcntc 110\\H relação com a or.didade e a escrita, o
que nos obrigA ,1 rcpcm:í-la.

Para melhor compreensão do problema e para que a anál ise tenha mais
autonomia, introduzimos, imcialmente, alguns conceitos com elementos teó-
ricos e metodológicos. O tema cm si - gêneros textuais não é norn e 'em
sendo tratado desde os anos 1960, quando surgiram a lingüística de texto e a
análise conversac1onal. mas o enfoque dado aqui com atenção particular aos
gêneros textuais no domínio ela mídia \'irtual é mais recente e carece ainda de
trabalhos, embora já apareçam estudos especfficos 10 sobre esse novo modo
discursivo também deno111i!lado "discurso eletrônico".

Entremos agora na análi~e dos gêneros emergentes nesses ambientes


Desconheço le"antamenlo~ exato~ de quantos gêneros poderiam ser identifi-
cados na mídia virtual e ignoro se já há uma designação consagrada para o~
mesmos 11 . Também deixo claro que esta listagem é uma amostra e não uma
relação exaustiva, pai~ pode haver mais gêneros, além de lhes serem dada'.>
outras definições e caracterizações. De todo modo, entre os gêneros mais
conhecidos e que vêm ~en d o estudados no momento, podemos situar pelo
menos estes (com designações tentativas):

10. Toma-se impcrati.-o citar aqui o li1ro lnteraçilo eaprendiw~em em ambiente 1irtual. rcccnk'-
mente organizado e editado por \'era \lcm:zcs (f \LE-UF\fC. Belo Horizonte, 20011 com uma ~éne
de textos. a ma1ona deles refenda ao longo deste trabalho.
11. Não gostari.i que \C torn.t\\Cm º' nomes aqui dado, .10' gen1:ros como des1gruções defu11h-
11as. Na pnmeira vers.'io deste c~ludo, c1l.ida por muitos que a el.i tiveram a<;cs~o. cu dcnommava ..bale-
papos educacionais" o que agra ch.1mo de "chats educacio111m", termo que \Cm se consagrando. Tàrn-
htm prefiro hoje o nome "com•e111açõe~ chat" ou apenas •e/ia(' ao nwcs de 'bate-papos virt11ais'.
S•gunda Parte 1 Géneros textuais no ensino de lingua

1. c-maiP= - correio eletrônico com formas de produção típicas e j<í padroniza-


das. Inicialmente um semço (c/ectromc mail). resultou num gênero (surgiu em
1972/3 nos hUA e esta hoje entre os mais praticados na escrita)
2. chal em aberlo (bate-papo virtual em aberto - room-chat) 11 - inún1eras pessoas
interagindo simultanca111cnlc cm relação síncrona e no n1c~1110 m11bícntc. Sur-
giu como íRC na Finlândia cm 1988.
3. ch<lt reservado (bate-papo \Írh1al reservado) - variante <lo~ room chats do tipo (2)
mas com as falas pessoais acessíveis apenas aos dois mlcrlocu tore~ mutuamente
selecionados, embora po!>l>am continuar ,·endo todo~ os demais cm aberto.
4. chat agendado (bate-papo agendado - TCQ) - \'ariante de (1), mas com a carac-
terística de ter i.ido agendado e oferecer a possibilidade demais recursos
tecnológicos na recepção e cm 10 de ~irquivos.
5. c.:hat prirndo (bate-papo virtual cm salas pri,·adas) - são os bate-papos cm sala
privada com apena!> os dois parceiros de diálogo presente~; urna c~pécie de varia-
ção dos bate-papos de llpo (2).
6. entre•ista com com1dado forma de diálogo com perguntas e respostas num
esquema diferente <los dob anteriores
7. e-mail educacional (aula \irtual) - interações com número limitado de alunos
tanto no fonnalo de e-mail ou de arquii'Os hipertextuars com tema defimdo em
cont<1tos geralmente as~íncronos.
S. aula chat lchat educa<:ional) - interações síncronas no estilo drn. e/um com
finalidade educacional, geral mente para tirar dúvidas, dar atendimento pessoal
ou cm grupo e com temas pr~vios.
9. vídeoconferêncía i11lcraliva - reali.Gada por compuh1dor e similar a nma
interação face a face: nso ela vo/ pela rede de telefonia ou o cabo
1O. lista de discussão (marlilzg lrst) - grupo de pes.o.oos com interesses específicos,
que ~e comunicam em geral de fonna assíncrona, mcc.ltada por um responsável
que organw1 as mensagens e e\entualmente faz triagens.
11 . endereço eletrôruco (o endereço eletrônico, seja o pe\\Oal para e-mail ou para a
ltome-page, tem ho1e carnctemt1cas típicas e é um gênero).

12 Note-se qne o tenno 1á vem sendo dic1onarii.ado n~sa forma tm 1to pelo D1c1onáno Auré/10
Século XXI, como pelo Dicionário Eletdir1ico Houcm~ da Ungua Portuguesa 1.0. ~~im, niiu traduzo para
"correio eletrônico ... como 5ena o nonnal Í.llê-lo.
l l Q; gêneros denominados c:hal$ s;'lo nn realidade bate-papos nrtua1~ cm tempo real (on·line)
e provém de um programa ou si>tema chamJdo IRC llntemet Relai• Chal) F~1stem muitos s1stemJs
dc"c) Quanto ao ICQ f1 Seek fou1 eº' \ll/O~ \lultiple Ustr Domam~). lcalil->e de \an.içõc~ que aqui
njo ~er~o distmguidas de maneira mlcmahca. ioí que \"anam apenas como fonnas operacionalS de
pro~ram.ir ,1, í.1(,1, e estabelecer o~ contatos. mas J produção te:1.1ual não \ana >llh\t:mtivamcnte. a não
~Lr <JUando se traia de mostrar a naturc1a dm d1,1logo\ Também thamo alençJo para o fato de o termo
1.1 se achM d1c1onam.ado tmto no :\11rél10 como no llouarss. Ne\tc, lc1110\, par;i o \erbete chat., o
sc~uintc· ..fonna de comumcaçdo o d1stdrma. utr/1:a11do computadores ligt1do$ a 111lrmet. na qual o que se
digita 110 teclcido de um deles apmcce em tempo real 110 vídeo de todos os port1c1pan/e.1 do b<1te-papo ...
luiz Antônio Marcuschi 1 Producõo le1lual, analise de generos e compreensco

12. weblog (blogi.; cl1Jnos ,·irtuais) - são os d1áno~ pcS,O<lt\ na rede; uma escrílJ
autobiogr.ífica tom olN:í\·ações dnírias ou não, agendas, anotações. em geral
muito praticados pelm adolc~centes na fom1<1 <lc diário~ participatÍ\'OS.

Entre os mais praticados estão os e-mails, os chats cm todas as modalida-


<.b. listas de discussão e wehlogs (diários) . Hoj e co111c:ça111 a se popularizar
também as aulas chat e por e-mail no ensino a distância. Em todos esses gêne-
ros, a comunicação se dá pela linguagem escrita. Como veremos, essa escrita
tende a uma certa informalidade, menor monitoração e cobrança pela fluidez
do 111e10 e pela rapidez <lo tempo.

Em certos casos, esse~ géneros emergente' parecem projeções ou


•·tramrnutações" de outros como :.uas contrapartes prfrias. o que sugere a per-
g11nt<1 de se os designers de softwares seguiram padrões prcc:-.1slcntcs como base
para a moldagem de seus programas. Como os novos gêneros só são possíveis
dentro de determinaclm programas, parece que a re~posta eleve ser sim 14 • Mas
não devemos confundir um programa com um gênero, pois mesmo diante da
ngicle7 ele um programa. não h;í rigidez nas estratégias de realização do gênero
como instrumento de ação social. O que se dneria imestigar é qual a real non-
dade das práticas e não a simples estrutura interna ou a natureza da linguagem.

Por exemplo: nos bate-papo~ 1-irtuais abertos. são conslruíclas identidades


sociais muito diversas das <1uc se constroem nas com·ersações (c1ce a face. Esse
aspecto não está nos domínios de controle ele nenhum engenhei ro de softwure.
O engenheiro pode, quando muito, controlar a ferramenta conceituai, mas
não os usos e, muilo menos os usuários. Isso significa que os usos não podem
'ler controlados em loclu a sua C.\tcnsão pelo sistema. A'>sim ocorre também
com as línguas naturais de.: um modo geral. Embora haja um sistema lingüístico
rnbjaeente a cada língua, ele não impede a \ariação. \ s ,·aríações não são
alcatónas e sim sistemáticas. no caso dos usos lingüísticos. Já no caso dos uso'
de i;oftwares interatiros, que fundam usos resultantes cm gêneros textuais, a~
projeções dos engenheiros ~ã o ainda mais fracas. A ng1dc:1 do programa fic:a

H . Essa questão é de cxlrl'ltla 1111porLi11<:rn e. como \imos nas p.1lavr.is do eni:enhc1ro de roftll'urc,
'I hom.H í nckson 120001. ao exphtar a construção e o funcionJme11to do programa B.'\BBLE. os
designer\ h\Cram como 111odelo-p.1dr;io º' gê11crch pré,;os que compõem aquele programa. Assim. um
rhat se1:uiria as estratégias de produção <l1altigica de uma com cr-a~"ào wm 'irnubç.io da~ atl\·1cbde; ah
dc,cmohidas. 1lla1s adiante, TIO\ reportaremo' a este a.spedo JO tratJrmo~ <los chat. em ambientes
.1bertos. Outro engenheiro dn~ linha de lrdhalho e L\"ll Pcmhertnn 1:!000). que cm Cc11rc as a Slruclurc
ConC'i'pt for lnteract1on D1,1g11 Pattcm / ,a11g1111gC"<, ·explora a idéiJ de c111c gincro 1)()(k \cr uma fermmenta
conceitua] útil para cslruturar padrões intuaciona1; de suhlmguagem e com '''º map<car o tcrntóno
para a construção de wfis O auto1 to111J o trnbulho de Swales (1990) como ponto de partida par;1 sua
noç.10 de gênero dJ º\ida rcJI'.
Segundo Porte 1 Géneros textuais no ensino de hngua

por conta de sua característica fonnulaica, já que em última análise Lodos os


gêneros produzidos no contexto da mídia virtual têm um sabor de fonnulários
mais ou menos discursivos e não de múltipla escolha.

Aspecto reiteradamente salien tado na caracterização dos gêneros emer-


gentes é o intenso uso da escrita, dando-se praticamente o contrário em suas
contrapartes 11as relações interpessoais não virluais. Será isso relevante na carac-
terização do gênero emergente ou é um aspecto que nos leva apenas a repensar
a nossa relação com a escrita e com a oralidade, mas não a relação entre ambas?
Se nos dedicannos a uma amílise de detalhe dos gêneros emergentes na mídia
eletrônica em geral (teleforua, rádio, tele\~sâo, internet), veremos que algumas
das idéias a respeito da interação verbal deverão ser revistas. Por exemplo, a
presença física não caracteriza a interação conversacional em si, mas sim deter-
minados gêneros, tais como os que se dão nos encontros face a face. De igual
modo, a produção oral não é necessária, ma~ apenas suficiente para determinar
a interação ,·erbal, pois é possível uma inleração síncrona, pessoal e direta pela
escrita transmitida à distancia, o que já era cm parte possível pela comunicação
pelo telégrafo e pelo código Morse. Mas no caso atual há urna série de novida-
des que não apenas simulam, mas realizam cfelirnmente a interação.

Todos os gêneros aqui tratados dizem respeito a inlerações cnlre indiví-


duos reais, embora suas relações sejam no geral virtuais. Por isso optamos por
não lratar do "gênero lextual" no contexto do mundo imaginário dos MUDs
(Multi-User-Dungeon). Trala-se de um programa de jogos muito conhecido
nos anos 1970 e que posteriormente redundou em algo que poderia ser cha-
mado de fogo de combate ou Luta com dragões. Como opera numa relação
com um mw1clo imaginário, pareceu não caber nesse contexto de análise. No
caso dos MUDs, temos um tipo de relação irreal, relação com a fantasia e não
com seres reais e trata-se <le um jogo. Por essa razão, foi daqui exclu ído 15 .

Dian le de tudo isso, é possível indagar-se que tipo de prática social emer-
ge com as novas formas de discurso virhrnl pela internet. Pode-se fa lar em
letramento digital. como foi inicialmente sugerido? Creio que é cedo para
tanto. Mas já se pode dizer que temos novas situações de letramento culhtral.

Tomando-se os gêneros apontados acima e seguindo-se a idéia de que


eles podem representar um contínuo com base em alguns vetores, tal como já
havia sido sugerido para a relação fala-escrita cm Marcnschi ( 1997), é possí-
vel. com base na sugestão de Yates (2000: 2 36-236), lraçar os dois gráficos
abaixo como dois contínuos contrapostos.

15. Para infom1ações mais cletnlhadas a rc•pe1to da linguagem e dos formatos dessas inleraçõc;
imaginárias, sugiro a leitura do cap. 6 de Cr~tal (2001), pp. 171-l'H
luiz Antônio Marcuschl 1 Produtao tcstua1, análisa da giaeros a compreensãe

O gráfico 1 mostra o contínuo entre alguns gêneros tradic1onais na fala e es-


crita, tendo como vetores os e1xo5 da comunicação síncrona versus comunicação
a~íncrona, ou seja, comunicação que se dá no tempo real (caso da comunicação
face a face) e a comunicação escrita (em geral defasada no lcmpo). Além disso,
temos os outros doLs vetores, a comwlicação gnipal (de um para muitos, de mu i to~
para um ou de muitos para muilos) e a comunicação bilateral (de um para um).

O gráfico 1 representa o contúmo entre os gêneros de uma certa escrita


(cartas informais até a fala espontânea nas comcr,ações dialógicas. Há um
movimento do relati\amcntc formal, pois as cartas podem receber vários esti-
los quanto a esse aspecto, até o baslante informal. E igualmente do mais dis-
tanciado (comunicação assíncrona) até a comunicação cm tempo real, face a
face. Por outro lado, pode-se 1r desde a comunicação em grupo até a bilateral.
Quanto a este aspecto, note-se que uma carta pode ler \'árias formas (desde
u111a carta pessoal de um para um até uma carta circular de um para muitos.

Os gráficos 1 e 2 tra,cm uma relação que tenta eliminar a visão dicotômica


e ao mesmo tempo mostra que há uma certa diferença entre o ambiente sono-

li ro I impresso e o meio d1g1tal.

GRÁFICO 1: O CONTÍNUO DE G~NEROS NA COMUN1CAÇÃO TRADICIONAL IMPRESSA E FALADA


Comunicação assíncrona

Interação Interação
em grupo uma um
conferências

Comunicação síncrona
Fotm. Simeon J. YAlIS (21m 236)
Sesu11da Perte 1 Gineros textuais no ensino de língua

GRÁFICO 2: O CONTÍNUO DE GÊNEROS NA COMUNICAÇÃO DIGITAL MEDIADA POR COMPUTADOR


Assíncronos

Blogs

Interação Interação
multtlaterill bilateral

Síncronos
FOlílt Sineon J. YW (2000; nn
O gráfico 2 traz os me~m~ \etores acima. mas desta \C1 aplicando-os à comu-
1úcação digital. Neste caso, o que se observa é que os e-mails são uma comunicação
de fato assíncrona, mas podem ser tanto gntpais como mdi\idLtais, tendo uma prefe-
rência pela realização interindividual. Já a videoconferência dislinguc-sc quanto a
is.~o. Por outro lado, o uso da rede (www) em todas as suas mo<l::ili<lades e gêneros
abrigados, está num entrecruzamento que pcnnite enon-ne variedade ele realizações
em termos de formalidade, informalidade, relações comunicativas e produção
síncrona ou não. Mas os bate-papos \'Írluais ocupam a base que, em certo sentido,
corresponde à situação da comunicação fuce a face. com as diver;as possibilidades
apontadas cm relação a serem comunicações grupais ou interindi\iduais.
A di~tribu1ção dos gênero~ por esse contínuo poderia ser feita num quadro
mullidimcnsional, tomando os parâmetros trazidos no quadro acima e conside-
rando os onze gêneros Lratados. Veríamos que há uma ordem muito clara entre
eles e sua distribuição se dá ele forma não aleatória e sua produção obedece a
critérios bastante rigorosos. Caston l lilgert (2000) já mostrnva essa questão com
muita precisão ao identificar "o contínuo em que se distribuem os gêneros de
lc\.lO!> escritos" (2000: 52) correlacionando-os dentro do ambiente digital.

Obser\'ação interessante no contexto do discurso virtual é a construção


das identidades sociais numa espécie de contínuo. Podemos dizer que ali se
dão interações entre indivíduos no seguinte leque geral, com1derando apenas
a nalt1re1.a das relações entre os p:irticipan les e os gêneros aqui vi~Los.
l•iz Antônio Marcuschi 1 Produ~ão textual, onalise de 9inlfos • compreensão

1loje de\'eríamos ob::.ervar com algum cu1<lado o c:m.o do orkut, que não
é um gênero e sim uma maneira de construir redes sociais.

conhecidos anônimos irreais

1 1 1
e-mail
bate-papos agendados listas de discussão bate·papos abertos MUDs
bate-papos educacionais bate-papos abertos hate·papos em salas privadas
aulas virtuais bate-papos reservados
videoconferência endereço eletrónico
endereço eletrônico e-mails
listas de discussão entrevistas
entrevistas

:\e::.te momento, deveria ser feita aqui uma obser.Jçâo sobre os gêneros
textuai~ virluais que não foram mencionados nc~ta listagem, tais como os blogs,
um tipo c.le diário eletrônico, não raro escrito cm duplas ou cm n-tuplos de
participantes que colaboram para construir um texto sempre em evolução

2.14 A questão dos gêneros e o ensino de língua

Diante da multiplicidade de gêneros existentes e dmnte da necessidade de


escolha. pergunta-se: será que existe algum gênero ideal para tratamento cm
sala de aula? Ou será que CJo.1stem gêneros que são mais 1mportanks que oulr0!)7
Esta questão será enfocada no momento em que nm dedicarmos a analisar e
sugerir \cquênci<1s didáticas, mas desde logo de,·c ficar claro que não há uma
resposta consensual. Os próprios PCNs têm grnnde dificulc.lade qm111do chegam
a este ponto e parece que há gêneros mais adequados para a produção e outro~
mais adequados para a leitura. pois tudo indica que em certos Ca\OS somos con-
frontados apenas com um consumo receptivo e em outros casos lemos que pro-
duzir os tc>..'i:os. A\~im. um bilhete, uma carta pessoal e uma listagem são impor-
tantes para todos os cidadãos, mas uma notícia de jornal, uma reportagem t' u-
editorial siío gêneros menos prabcados pelos indi\'íduos, mas lidos por todm.
Questões deste tipo devem ser por nós c11frentadas na hora de decidir
trabalho efetho e nos \'Oltaremos a elas adiante. ti.las \ejamos aqui algum
caractcrMicas de alguns gê11cros e como eles se organ izam.
A 1meshgação até aqui truida é de interesse para os que trabalham e
militam na área do ensino de língua de modo geral, se1a de língu<1 materna ou
Sevunda Parte 1 Gêneros textuais no ensino de língua

de segunda língua/língua estrangeira Também deve ser um indicador de quão


redutora está sendo a '1são dos Parâmetros Curriculares "\'acionais, lançados
pelo \ ·lEC para o ensmo fundamental e médio, no que diz rcspeilo à diversi-
dade de produção text11al1r Essa redução ou, mais especificamente, essa po-
1

hre7.a se fazia lamcntavcl111cntc presente nos manuais de ensino de língua


trac.lictonnis e talvez agora se torne possível dar um pa:>so à Í1cnte.

Uma análise dos manuais de ensino de língua portuguesa mostra que há


uma relativa \'ariedade de gêneros textuais presentes nessas ohras. Contudo,
uma ohsen-ação mais atenta e qualifi<.ada revela que a essa 'ancdade não
corresponde uma realidade analítica. Pois os gêneros que aparecem nas se-
çôc!> centrais e básicas. analisados de maneira aprofundada '>ão sempre os
mesmo~. Os demais gêneros figuram apenas para "enfeite" e alé para distração
dos alu110!>. São poucos os casos de tratamento dos gênero~ de 111;.111eira siste-
1mitica. Lentamente, surgem non1s perspectivas e novas abordagens que inclu-
em até mesmo aspectos da oralidade. r..las os gêneros orais cm geral ainda não
~1o lralaclos de modo s1stemáhco. Apenas alguns, de modo particular os mais
fon11ai-;, são lembrados cm suas características básica!>.
'\ão é de se supor, no entanto. que O!> alunos aprendam naturalmente a
prod11zir os di,·crsos gêneros escritos de U!>O diáno. :'-/em é comum que se apren-
dam naturalmente os gêneros orais mais fom1ais, como bem ob!>cn am Dolz &
Schneuwly (1998). Por outro lado, é de se i11dagar se l1á g2nerrn. textuais ideais
para o ensino de língua. Tudo indica que a resposta seja não. l\.las é provável
que se po:isam identificar gêneros com dificuldades progrcS:>ivas, do nível menos
formal ao mais fonnal, do mais pmado ao mais público e assim por diante.
Deve ter ficado claro que há muito mais gêneros na escrita do que na
fala, o que é de certo modo surpreendente, mas ex-plícá,cl pela d1,crsidade de
açôc~ lingüísticas que praticamos no dia-a-dia na modalidade escnta. As ci\;li-
zaçõe~ cm que a escrita tem um papel central nas tarefas do dia-a-dia, mor-
mente no comércio, indústria e produção do conhecimento, lcndem a diversi-
ficar de n1aneira acentuada as formas textuais utilizadas. Essa tendência toma
de algum modo difícil a \'ida do cidadão comwn, que já não consegue domi-
nar com facilidade essa verdadeira ~clva textual. Por isso é importante que nos
dediquemos a entender melhor essa qucsl1o.

16 Em 111u1Los outro~ J)pecto) o~ !'<..:\.~ SJO ino~adores e muito claro>. ma\ no que tange ao~
gê11uch, h.í uma \ui:cstão pouco cl.1r,1 do 'eu lrat:'lmento. embor.i C)tc1a ai pela primc1r:i vc1 uma
pm1ç:10 clctc rminada e determ111J11tc po1r.1 e\'~ h.1h.1lho. O que eu crihco ~q111 (: :'1 fo1111a como isso 1·cm
'cndo 1rahalh.1do nos PCNs.
luiz Antônio Marcuschi 1 hod~ào tutual, analise de genetos e <ompreensao

Ao lado do problema da di,ersidade textual, há ainda a visão ho1e


comumeote aceita e tão claramente defendida por Bakhtin ( 1979) que aponta
oi. gêneros textuais como esquemas de compreensão e facilitação da ação
comunicativa interpessoal. Essa estabilização de formas textuais repercute não
só no processo de compreensão, mas na própria estabilização de formas so-
ciais de mteração c raciocínio.

Assim, em última an:ilisc, a distribuição da prod11~·ão


cliscursi\'a em gênc.:-
ros tem como e orrcla lc ,1 própri-1 organização da !>OC:Ít! clacle,
o que nos faL
pensar no estudo sóc10-h1~tónco dos gêneros textuais como uma das maneiras
de entender o próprio funcionamento social da língua. Isto nos remete ao
ntícleo da perspectiva teórica dos estudos lingüísticos sobre o Lcxto e do texto
aqui empreendidos, ou seja, a \ i~ão ~ocioi11tcrac101mla.

2. 1s Visão dos PCNs a respeito da questão dos gêneros

Ressalte-se a posição enfática e eÀ-pücita defendida corretamente nos

li PCNs de que a língua falada e a língua escrita não se opõem de forma


dicotômica nem são produções em situações polares (p. 55 ). Além disso, é
notável a posição de que a LF e a L[ se dão relacionadas no contexto do contí-
nuo dos gêneros textuais (p. 56) com diferençai. Lidas como graduais. Um<1
idéia aproximada disso é fornecida nos dois quadro~ (pp. 41 e 4 3) com gêne-
ros similares nas duas 111odalidadcs. Importante é a constatação de que uma
das confusões mais comuns que
circulam na escola a rcspc1lo da relação entre a modalidade oral e a escrita (é)
imaginar a escrita como mera transposição do oral. ou tratar a~ c~pccificidadcs de
cada modalidade como polaridades (p. 55).

A ênfase cle!.se princípio geral deve ser cada \'ez mais accnh1ada, pois não há
equívoco mais inconveniente do que tratar a escri ta como mera transposição da
fala para o papel na fonna gráfica. A escrita não é a representação gráfica da fala.
São, no entanto, vagas e imprecisas as observações de detalhe sobre a qua-
lidade das relações entre fala e escrita, pois parece que fala e escrita se oporiam,
pelo .. interesse pedagógico", como se urna (a fa la) fosse o "vernacular". isto é.
aquela fonna de comumcação espontânea, face a face, cotidiana e coloquial (p.
15 ); e outra (a escrita) a .. norma cuJLa" referente à língua-padrão e socialmente
prestigiada. Mas is5o contrastaria com a obsern1ção de que, precisamente daí
decorrem preconceito~ ou "mitos" dos quais a escola deveria livrar-se. tais como:
Segunda Parte 1 Géneros textuais no ensino de lingua

o (preconce1to de que eXL,te uma tínica fom1a ·certa' de falar, o de que a fala 'certa'
é a ele uma determmada região (a carioca, por exemplo), o de que a fala 'certa' se
aprmima do padrão da e~criW, o de que o brasileiro fala mal. o de que é preciso
·consertar' a fala do aluno para e\ 1lar tiuc ele ~creva errado (p. 15).

Ti das pelos PCNs como "insustenláveis" e culturalmente mutiladoras,


essa!> crenças são nefastas, e a escola deveria eYitá-Jas, mostrando que há diver-
sa~ formas de se cxpre!>sar de acordo com as situações. O!> contextos e os
interlocutores, de modo que:
A questão não é de correção ela fonna, mas de sua adequação ih circumlâncias de
uw, ou ~cja. de utilização adequada da linguagem (p. 16).

Diante de tal afim1atinl, a inc\itável pergunta de todo(a) o(a) profcssor(a)


cm sala de aula será esta: "Enldo o q11e faço com um aluno que diz 'nós vai'?".
Scgurnmente, a posição dos PCNs não dá pistas para a angustiante cx'Pectativa
de uma respmta por parle do(a) profcssor(a) diante de alunos em carne e osso.

2.16 Gêneros textuais na língua falada


e escrita de acordo com os PCNs
Este aspcclo é complexo e uão passa despercebido aos PCNs. Conludo, as
observações são, no geral, vagas. À5 vezes se trata de tipos de texto ou seqüências
discursivas (p. 45) tais como: narrativa. descrição, exposição, argumentação e
converwção. Em outros casos, Lrata-se de gêneros textuais (p. 40 e -+3): entrevis-
ta, debale. palestra, conto, novela. artigo, reportagem etc. >-Ião se fa:t uma dis-
hnção c;istemática entre tipos enquanto construtos teóricos) e gêneros (enquanto
fom1as textuais empincamcntc rcali:tadas e sempre heterogêneas).
Cons ideram-se apenas os gêneros com realização lingüíi.tica ma is
formal e não os mais pratica do!> nas atividades lingüís licas co tidianas.
lslo não seria mim se houvesse atenção para um maior mímcro de casos e
situações. Além disso, falta uma noção da gradação de que se fo la em outras
parles dos PCNs. Também é cu1ioso que se tomem gêneros diversos para
tratar a produção e a compreensão, como se observa no quJdro apenso à p.
40 quando comparado com o da p. 4 3, aqui reproduzidos para observação.
O que mais salta à \ii.ta, no entanto, é a confusão entre oralidade e escri-
ta. Pois não há clare7a quanto a criténos que leriam sido usados para estabe-
lecer csllm, distinções. Mesmo as exposições ao longo dos PCNs não ajudam a
cnlcn<ler o procedimento 11e.m: ponto.
Luiz Antônio Marcvschl 1 Prodvfão textual, •nlillse de 1imeros e conpreensio

O quadro l traz o~ gêneros sugeridos para trabalhar a ··prática de com-


preensão de te:\los"; 1á o quadro 2 apresenta os gêneros sugeridos para traba-
lhar a "prática de produção de textos". Há mais ~llgcstõe'> cm outros momen-
tos, mas aqui vamos nos deter apenas nestes dois quadro~.

(quadro t p. 40)
GÊNEROS PREVISTOS PARA A PRÁTICA DE COMPRENSÃO DE TEXTOS
LINGUAGEM ORAL LINGUAGEM ESCRITA
LITERÁRIOS Cordel LITERÁRIOS Conto
Texto dramatico Novela
Romance
Crõnica
Poema
Texto dramatico
OE IMPRENSA Comentário OE IMPRENSA Noticia
radiofônico Editorial
Entrevista Artigo
Debate Reportagem
Depoimento Carta do leitor
Entrevista
OE DIVULGAÇÃO úposiçao OE OMJLGAÇÃO Verbete enc1clopédíco
CIENTÍFICA Seminario CIENTÍACA (nota I artigo)
Debate Relatôno de experiências
Palestra Didatice (textos, ernn:iados de questões)
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O que se nota é que há muito mais gêneros sugeridos para a atividade de


compreensão do que para a atividade de produção. Isto reflete em parte a
situação atual cm que os alunos escrevem pouco e cm certos casos quase nãc
cscrc,·em. Parece que produ1.1r textos é uma ati"1dade ainda pouco conhecida
e mais conhecida é a que cl11 respeito à compreemão .. \s ati\'i<lades relativas à
compreensão são sempre cm mmor número.

(quaão 2, p. 43)
GÊNEROS PREVISTOS PARA A PRÁTICA DE PRODUÇÃO DE TEXTOS
LINGUAGEM ORAL LINGUAGEM ESCRITA
UTERÃRIOS LITERÁRIOS Conto
Poema
OE IMPRENSA Entrevista DE llAPRENSA Notícia
Debate Editorial
Depoimento Carta do leitor
Entrevista
OE DIVULGAÇÃO Exposição OE DIVULGAÇÃO Relatório de experiências
CIENTIFICA Seminário CIENTÍFICA Esquema e resumo de artigos ou
Debate verbeles de enciclopédia
Segundo Parte 1 Géneros textuais no ensino de lrngua

0:; PC:"\s não negam que haja mais gêneros, mas estes não YO lembra-
dm. Por que não Lrabalhar telcfontmas. comersações espontâneas, consultas.
cliscussões ele .. para a fala? Por que não analisar formulários, cartas, bilhetes.
<loe111ncn tos, receitas, bula:>, ant'111c.:io~. horóscopos, diários, ala de condomí-
nio e assim por diante, para a escrita? Estes são muito mais comuns do que
aqm:les lembrados nos quadros l e 2.

t\a realidade, aqui há um problema de ordem metodológic<1 paradoxal:


por um lado. quando os PCt\s propõem conteúdos program<íl1cos mostram-
sc 111enla\'elmente redutores e. por outro, quando eoncrebtam as ações. tor-
nam-se homogeneizadores, sugerindo que todos os professores trahalhem de-
term10ados fenômenos. O fato é que para p lanos dessa ordem de,er-se-ia ope-
rar no n ível conceituai, explanatório e não de conteúdos. Nesses casos, no-
ções, csln.ilégias e processos com as respectivas exemplificações são mais im-
portantes do que conteúdos específicos. O caso dos gêneros textuais é apenas
um exemplo paradigmático disso.

U111<1 tarefa interessante seria analisar os li\Tos didáticos, ob,enando quais


~ão as propostas por eles feitas para a produção te.....tual com hasc nos gêneros.
Esta análise já foi em parte feita no trabalho de doutorado dt W1lhany ~hranda
da Silva 1 ~, que analisou os C'\ercíc1os de p rodução tc:>..tual com base numa
teoria de gêneros. Su a con statação foi que a escola ainda nilo se preocu pa
com n produção textual basead~1 e111 gênero~.

2.17 Os gêneros textuais em sala de aula: as


"seqüêntias didálitas"
Dolz & Schnemvly preocupam-se cm fornecer elementos de interesse
para o ensino da oralidade em sala de aula, e todo o csforc;o volta-se para a
consccuçtío desse ob jetivo. Cenlral é a metodologia uliliza<la parn constru ir o
que Geou conhecido nessa escola como ensino por seqüências didáticas, reali-
zado com hasc cm gêneros textuais diversos, especialmente os gêneros orais
m<1is clahorados. Para tanto. O!. autores desemolvem uma noção de gênero,
concehido como um instmmenlo de comunicação, que se realiza empiricamente
em tc'\lOS oc..1do a seu alto poder heuríslico, Schncmd ) ( 199-+) chamou os

I~ Refiro-me ao trabalho de \V1ll1am \ lirancl:i ela Silrn ( 200~) O gi'nero textual no espaço
dídálicu. lc\c <lc douloraclo em lingüí~til·a, Pó-.-Cra<l11a1;ilo e111 Letni~ da llFPF. Recife, mimeo (orien-
t.1dJ por l.1111 Antônio 1Y1nrcusch1).
luiz Antônio Morcuschi 1 Producão tu:tual, analise de generos e compreensão

gêneros textuais de mega-instrumentos em outro trabalho, o que é retomado


aqui, corno se observa abaixo.

Como os gêneros se acham sempre ancorados em alguma situação concre-


ta, particularrnente os orais, os autores julgam plausível partir de situações cla-
ras parn trabalhar a oralidade. Assim, sendo o texto um evento singular e situado
em algum contexto de produção, seja ele oral ou escrilo, no ensino, é conveni-
ente partir de uma siluação e identificar alguma atividade a ser desenvoh•ida
para que se inicie uma comunicação. Por exemplo, explicar a migração das aves
diante de uma turma de alunos ou produzir uma entrevista radiofônica.

Em sua postura teórica centra l, Dolz & Schneuwly ( 1998: 64) seguem a
posição bakhtiniana de que:

Para possibilitar a comun1cação, toda sociedade elabora formas relativamente está-


veis de textos que funcionam como íntennediários entre o enunciador e o destinatá-
rio, a saber, gêneros.

E exploram os gêneros com base na metáfora dos "instrumentos que fun-


dam a possibil idade de comuni cação (e de aprendizagem)" (1998: 64). As-
sim, quando alguém tem de agir discursivamen te, deve instrumentalizar-se com
um conj unlo de utensílios, por exemplo, usando o ga rfo para comer, o ma-
chado para cortar uma án rore ou então um gênero como "instrumento para
agir discursivamente". Segundo os autores, o gênero

É um instrumento semiótico constituído de signos organizados de maneira regular;


este instrumento é complexo e compreende níveis diferentes; é por isso que o cha-
mamos por vezes de 'mega-instrumento', para dizer que se trata <lc llm conjunto
articulado <le instrumentos à moda de uma usina; mas fundamentalmente, trata-se
<le um instrurncnlo que pem1ilc realizar uma ação numa situação particular. E
aprender a falar é apropriar-se de instrumentos para falar em situações discmsivas
diversas, isto é, apropriar-se de gêneros ( 1998: 65).

A metáfora do instrumento deve ser muito bem entendida, pois os autores não
ignoram o risco de wna noção instrumental de língua, já que isso seria inadequado.
Por isso indagam-se: "De que modo definir o gênero como instrwnento?" (1998:
65) Para tanto, na linha de Bakhtin (1979), distinguem três dimensões essenciais:

l ) O!) conteúdos que se tomam decidíveis no gênero;


2) a estrutura comunical1W1 particular dos textos que pertencem ao gênero:
3) as configurações específica.~ de unidades lingiiística.ç como traços da
posição enunciativa do enunciador, os conjuntos particulares de se-
qüências textuais e de tipos discursivos que formam essa estrulura.
· Se911nda Perte 1 Gineros textuais 110 ensino de lingua ·

Isto é interessante porque, desse 111odo, na ótica escolar, os gê11cros se


tornam um ponto de referência concreto para os alunos, operando como "enti-
dades intermediárias que pennitcm estabilitar os elementos formais e rituais das
práticas". Torna-se, assim, fácil operar com o~ gêneros que asseguram um qua-
clm de estratégias para a análise e a produção textual. Os gêneros são lido!>, pois,
como as unidade~ concretas nas quais deve dar-se o ensino (1998: 66) .
. a realidade, os dois autores estão interessados na noção de gê·nero na
medida em que ela lhes será tltil no trabalho com a oralidade. J\ preocupação
vai centrar-se. em essência, no que os :rntorcs chamam de gêneros fomwí.ç públi-
cos produzidos cm situações públicas ritualizadas e com modelo.-; de produção
bem definidos, tais como ~ermão, debate telel•isivo, conferência, entrevista
radiofônica e outros dessa natureza trabalhados detidamente pelos autores em
rorma de seqüências didáticas. Pois, a hipótese é a de que os alunos já dominem
os gêneros informais da vida cotidiana ( 1998: 68) não se necessitando de trabalhá-
los de modo especial. Os gêneros formai~ públicos. no entanto, têm formas pré-
cocltficadas e rígidas que não se determinam na situação concreta. Precisam de
eslí111ulo e aprendizagem especial, daí serem um objeto preferencial, 011 até
mesmo "ob1eto autônomo" do ensino na or.1lidade ( 1998: 69).

\Iodeto ele trabalho em seqúêm.im didáticas dC! foaquim Do!::,


fdichàle Noverra:: e Bemard Sclrneuwlv para o ensino de gêneros
nas séries flmdame11luis
Essa proposta apresenta a metodologia e o~ procedimentos para o ensino
de gêneros tal como sugeridos por Joaquim Dolz, Michêlc Noverraz e Bernard
Schneuwly para o ensino fundamental cm francês 1s. A proposta parte da idéia
de que é possível e desejável ensinar gêneros textuais pt1blicos da oralidade e
da escrita e isso pode ser feito ele maneira ordenada.
Os procedimentos têm um caráter modular e levam em conta tanto a
oralidade como a escrita. O trabalho distribui-se ao longo de tod~1s as séries
do ensino fundamental. A idéia central é a de que se clc\em criar situações
reais com contextos que pemulam reproduzir em grandes linhas e no detalhe
a situação concreta de produção textual im:l uindo sua circulação. ou seja,
com atenção para o processo de relação entre prodnlorcs e receplores.
Os autores definem a "seqüência didática" como '"um conjm1to de aln idades
c'dilarcs or5.m111das de. m.tncir, shte1111ht 1, c.m l >rn > <lt ir1 i;ênc.ro k\lual
mal ou ~c:rito ·· (2004: 97). Para tanto, leva-se cm conta a comunicação cm situa-
Luiz Antônio Marcuschl 1 Produ~ão tutual, análise de gineros e compreensão

ção real, pois sabemos que escrever urna carta a um amigo ou uma carta comer-
cial é algo diferente. Falar num barzinho com os amigos ou produzir um discurso
diante de um público não é a mesma coisa. Isso quer dizer que são contempladas
as semelhanças e as diferenças entre os gêneros e entre as duas modalidades de
uso da língua. Os gêneros são tidos como instrumentos comunicativos que servem
para rcali7,ar essas ati,idacles fonnais e infom1ais de maneira adequada.

A finalidade de trabalhar com seqüências didálicas é proporcionar ao


aluno um procedimento de realizar todas as tarefas e etapas para a produção
de um gênero. Segundo os autores (2004: 98), "a estrutura de base de uma
seqüência didática" pode ter esta representação esquemática, tendo em conta
as atividades a serem desenvolvidas no processo de produção:

ESQUEMA DA SEQÜENOA DIDÁTICA

1
Apresentação PRODUÇÃO ~ r-.......
Módulo ~ PRODUÇÃO
da situação INICIAL 1 2 3 INICIAL
~ ~ ~

1
Procedi1nentos envolvidos no modelo das seqüências didáticas
Como se viu no diagrama acima, o modelo de trabalho com base nas
seqüências didélticas envolve -t fases que se explicitam aqui:
1. Apre<;enlação da situação (pp. 99- 101)

(a) Primeiro vem uma apresentação inicial da situação cm que é fonnu-


lada a tarefa a ser desenvolvida pelos alunos. Define-se a modaJjda-
de: se escrita ou se oral.
(b) A primeira dimensão da proposta leva em conta o projeto coletivo para
a produção do gênero a ser trabalhado. Aqui se decide qual o gênero a
ser produzido; para quem ele é produzido, qual a sua modalidade; a
forma que terá a produção: se para ráclio, tebisão, papel, jornal etc.
(e) A segunda dimensão diz respeito aos conteúdos a serem desenvolvidos.
Isto deve ter relação com o gênero e pode exigir alguma pesquisa que

18. Refiro-me ao texto de Joaquim Dolz; Mic hele \Joverraz e Bernard Schneuwly (2004 1
SeqUéncia~ didáticas para o oral e a escrita: Aprese11tação de um procedimento.ln: Bernard SchneU\\I:,
e joaquim Dolz (2004). Gênero.> otais e escritos na escola. Campinas: J\lercado de Letras, pp 95.12&
Segwnda Porte 1 Gêneros tntvais " ellsiN • ......

deve ~er feita em classe. De que árcél se trata e sobre o que fab:I3o
cscre\erão. É importante que nesta fase sejam apre:.entad a 0:01iplr
res do gênero a ~er realizado. Os alunos podem ler texto~ do mesmo
gênero ou ouvir, ~e for o caso de gêneros orais. Os alunos podcn. dlSCU-
tir !>Obre a questão. O primeiro encontro com o gênero pode ter o .icom-
panhamcnto do profes!.or para se discutir aspectos de sua organi1-ação.
II. ,\ pmne1ra produção (pp. 101-10~ )

(a) O segundo passo é a primeira produção. Essa produção inicial é a


primeira formulação <lo texto que pode ser realizada tanto colcliva
como indh;dualme11te. Ela é avaliada formahvamente pelo profes-
sor recebendo nota.
(b) Essa primeira produção pode ser feita cm esboço geral e ainda apenas
trcina11clo o gênero sem uma destinação específica. Posteriormente, se-
rão ÍCilos os a1ustes até a produção final. Es!>e esboço deve ser tido como
o pnmc1ro contato com o gênero. Essa etapa é cnicial, pois representa
a prnm:1ra ati\iclade de produção e111 que o tel\lo \ai ser avaliado e revis-
to tanlas vezes quantas necessárias e sucessivamente passando por
m6d11los nos passo!) seguintes até chegar ao estágio final de elaboração.
III. Q, modulos (pp. 101-l06)

(a) Seguem-se então os módulos, que podem ser v~írios. até que se tenha
tremado suficientemente a produção para a elaboração final do tex-

to com sua avaliação somativa que lesta o aprendizado. -\ constru-
ção dos módulos <lc\e ser de tal modo que dê conta dos problemas
aparecidos até agora. Eles não são fixos, mas seguem uma ~eqiiência
que vai do mais c:ornplcxo ao mais simples pMa, no final, voltar ao
complexo que é a produção textual.
(b} '.\o míc10 dos módulos, trabalham-se os problemas que apareceram
na primeira produção. Trata-se de "dar aos alunos os instrumentos
necessários para supcn1-los" (p. 1O>) após terem sido identificados
os problemas. Por exemplo:
(i} como foi a representação dn situação de comunicação°' (desti-
natários. objct1,·os, gênero, modalidade ele );
(ii) como foi a elaboração dos conteúdos? (\enficar os conlelidos,
analisar as notas que foram feitas, as fontes etc.)
(iii ) como foi o planejamento do texto? (obse1Yt1r se o gênero obede-
ce à organização estrutural adequada. por exemplo, se foi uma
entrc\'Ísta, como está a ordem da P-R. se foi um conto. se foi
uma notícia, uma receita etc.);
lul:r Antônio Mar<uschl 1 Producão textuol, análise de gêneros e compreensão

(iv) como foi a realização do texto? (observar como foi a seleção


lexical, as estruturas sintáticas e todos os elementos 1igados a
esse nível semântico da expressão).
(b) Em seguida. podem-se fuzer atividades de observação e análise de textos
(p. 105) com o objetivo de identificar se o gênero foi bem produzido, se
tem ourras alternativas; podem-se comparar os leÀi:os produzidos c partir
para a análise coletiva de problemas específicos ou gerais etc. Num
segundo momento, pode-se tratar de tarefas simplificadas de produção
de textos, em que se trabalhari"m aspectos pontuais, por exemplo, trans-
fom1ar uma seqliência descritiva em argumentativa ou encaixar LUTI tre-
cho que monte uma argumentação ou uma e:-.'Posição explicativa neces-
sária ou enfüo variar o texto em algum de seus aspectos. Por Rm, trata-se
de chegar à elaboração de uma linguagem comum, tendo em vista o
fato de se poder falar sobre o que se está fazendo. I~ o momento de
elaborar uma fonna de ver o próprio trabalho.
(e) Num terceiro módulo, depois de o aluno ter aprendido a falar sobre o
gênero e adquirido meios de observá-lo sob vários pontos ele vista, ele
deve adquirir uma linguagem técnica para se expressar sobre o que está
fazendo. Pode até elaborar seu glossário a respeito do gênero ou das ativi-
dades desenvolvidas. É o momento de capitalizar todas as aquisições
(p. 106) feitas ao longo dos oulTos módulos sobre o gênero em produção.

IV. Produção fin;,i]

Esta parte ela seqüência é reservada à produção final do gênero. Nesse


momento, o aluno põe em prática o que aprendeu ao longo dos módulos,
após a análise ela produção inicial. Aquí o professor pode proceder a uma
avaliação somaliva e não apenas formativa. Nessa produção final. o trabalho
concentra-se no pólo do aluno (p. 107). Aqui o aluno obtém um controle
sobre sua própria aprendizagem e sabe o que fez, por que fez e como fez.
Aprende a regular suas ações e suas fonnas de produção e seleção do gênero
de acordo com a situação em que ele pode ser produzido. Essa aval iação deve
levar em conta tanto os progressos do aluno como tudo o que lhe falta para
chegar a uma produção efetiva de seu texto segundo o gênero pretendido.

Obsen>ações sobre os procedimentos apresentados (pp. 108-113)


O modelo apresentado aqui lem caráter modular, ou seja, ele procede
por etapas com tarefas específicas. A proposta trabalha com a oralidade e a
escrita. Não privilegia uma das duas modal idades e as vê integradamente e
Segunda Parte 1 Gineros textuais no ensino de língua

num grau ascendente de dificuldades e permite articular a produção do gêne-


ro Lexlual com outros domínios de ensino de língua. Aqui lembramos a sinta-
xe, a ortografia, o estilo etc. Vejamos alguns aspectos de modo mais explícito.

(a) Do ponto de vista teórico, esse tipo de proposta de trabalho com a


1íngua age com a produção textual e não apenas com as palavras
isoladas. Assim, a proposta Lern por trás todos os princípios gerais da
lingüística textual a fundamentarem o trabalho. Além disso, tem uma
visão de língua como um conjunto de práticas sociais e vê os gêneros
nesta mesma linha. Não separa a oral idade da escrita como se fos-
sem dois domínios dicotômicos.
(b) Considera-se que a produção textual é uma atividade que se situa em
contextos da vida cotidiana e os textos são produzidos para alguém
com algum objetivo. Supera-se aquela velha idéia de que a redação
escolar é a única forma de tratar a realidade lingüística.
(e) Tratam-se os gêneros como fonnas históricas com uma relativa esta-
bilidade e que circulam na sociedade para consumo dos falantes e
leitores em geral. Ensina-se a produzir textos e, cm conseqüência de
uma conscientização do processo, aprende-se também algo a respei-
to da teoria do texto e elo gênero.
(<l) Com isso, o aluno se prepara pa ra enfrentar as situações reais da
vida diária, pois a seleção dos gêneros deve estar atenta para esse
lado da vida diária. As produções consideram as características de
cada gênero e suas necessidades.
(e) Interessante perceber que a estratégia de modularidade com que é
desenvolvido o trabalho situa as ações no contexto da realidade e
não naturaliza o trabalho com a língua. Também não fica apenas
em observações impressionistas, conduzindo as ações para situações
concretas do dia-a dia. O aJuno conscientiza-se e desenvolve um tra-
balho mais claro e auto-regulado.
(f) A modularidade permite também nm trabalho diferenciado entre os
alunos e permite que se lenha atenção para problemas específicos de
cada qual na medida em <JUe se acompanham as produções indivi-
duais e se fazem avaliações específicas da produção corrente. A pro-
dução do aluno é valorizada.
(g) O trabalho modula r permite que os casos de insucesso sejam
relrabalhados e recebam atenção especial sem que isso ocasione trans-
tornos. Pode haver, pois, um trabalho diferenciado e de atenções
especiais sem a necessidade de divisão de turmas. A modularidade
deve obedecer a uma ordem normal e não aleatória.
luiz António Mor<uschi 1 Produrno lcxlual, onolisl! dr generos r 1omprr•n•ao

(h ) ;\ oralidade e a escrita devem ser tratadas de forma clara e o ccnlro


da atenção é o gênero. Há gêneros que se prestam parn um trabalho
mais efetivo na oral idade e outros na escrita
(i) \ ati ...idadc modular pode ~er uma maneira de compreender melhor
que o trabalho de escri la é lambé111 um trabalho dl' rccscritt1 (p.
l l2). O proce~~o de produção deve ser de ctlgum modo distinguido
da produção final do texto. Pois o produto final é o resultado de um
processo que pode passar por mui ta~ revisões.
(j) "O tell.tO escrito pode ser c:ons1derado como uma fom1a pemianente,
exteriorinda, do próprio comportamento de linguagem" (p. 113). fü~e
processo, por ser exteriorizado pode ser observado e tornar-se objelo
de reflell.ào. Já para o texto oral. essa observabihdade não é tão natural.
mas pode ser feita na medida em que se grava o texto e se transcrC\'C.
A~sim. um trabalho com estes instru111entos seria de grande uhli<ladc
no c<l!.o da oralidade até para se ob~cr.ar o que se fez
E111 suma, o c1ue se pode dizer é que as seqüências didál1cas "visam ao
aperfeiçoamento das prática~ de escrilJ e de produção oral e estão principal-
mente centradas na aquisição de procedimentos e de práticas" (p. l 14).

Uma perspectiva textual (pp. 11 5-11 9)


O modelo da!> seqüências didáticas segue os princípioi. gerais da lingüística tex-
tual. E nc~ nível podem ser tratadm todo~ os problemas da te\.tualtdJde interliga-
damenle com o dos gêneros tell.tuai~. ,\Jguns desses aspectos são m seguintes:
(a) Questões gramaticai~: aqui podem ser tratados, dentro dos módulos.
de forma sistemática, o problema da organiLação da frase, os tempos
verbais, a coordenação e subordinação, a ponhiação, a paragrnfoção
e assim por diante. Embora a sintaxe não se ligue ao gênero, ela
contribui para a constrnção do gênero e pode ser tratada com uma
abordagem ·'epilingiiística' como o fazem, por exemplo, os PCNs.
( b) Questões de ortografia: o:> problemas de ortografia não são questões de
gênero textual, ma~ podem \Cr tratado' na produção lingüística escnta
sem dificuldade dentro dos módulos e alé na revisão fina l do texto para
a produção final O trabalho da ortografia não <lc\·e sobrepor-se ao tra-
balho efetivo com a produção textual, pois a ortografia é um detalhe
específico que dc'c ser cuidado, mas com oulro tipo de atenção e expo-
sição do aluno. Tramfom1ar a re,isão ortográfica em centTo dos proble-
mas é deS\ntuar todo o trabalho com a seqüência didática.
i
1

j Segunda Parte 1 Géneros textuais no eniino de hngua

Agrupamento dos gêneros e progressão (pp. 119-126)


A quc~tão do agmpamento dos gêneros é importante. pois diL respeito à
seleção dos gêneros a serem tratados na seqüência didMica. Os autores suge-
rem que se agrupem os gêneros por séries e que então se escolha um deles por
vt:z para ser traba lhado.

Por tr<ís cio processo de seleção dos gêneros, está toda uma teoria dos
gêneros textuais e sua atenção para com a 'iocicdade em que esse emino cJe,·e
dar-se. ro geral, de cullurn para cultura, ~e dão as mesmas situações básicas
na vida diárÍél. Ninguém duvida que em todas as culturas as pessoas falam
muito mais do que escrc,cm e que quando faJam dialogam, isto é, produzem
con\'ersações e não textos monologado~

Os a11l orcs propõem o quadro geral que aparece abaixo para tratar o
ensino de gêneros. Esse quadro se organi1a contemplando uma série de as-
pectos já expostos ao longo das bases teóricas aqui tra1idas e considerando os
objeti,·os do ensino proposto. Estes agrupmnentos de gêneros se dão pelas
cinco mod<1lidadcs retóricas que correspondem ao~ lipm textuai:. (uqu i trata-


dos como seqüências tipológicas no interior de cada gênero).

ASPECTOS TIPOLÓGICOS
DOMÍNIOS SOCIAIS CAPACIDADES DE LINGUAGEM
DE COMUNICAÇÃO DOMINANTES
Cubra lter6ria NARRAR Coito maravilloso
ficcional iineses da ação através fjlQa
da criação de Rri8a lenda
Namlivl de mnbn
Narrativa de ficção cinflca
Narrativa de enigma
Novela fantéstlca
Corto parodiado
OOC1111eitação e RWTAR Relato de experiéocia vivida
memorização de Rep-esentação pelo discurso Relato de viagem
ações humanas d~ ed':eriências vividas. Testemunho
situa as no tempo Curriculum vitae
Noticia
Reportagem
Crônica esportiva
Ensaio biográfico
Discussão de ARGUMENTAR Texto de opinião
problemas sociais Sustertação. rehtação e Diãlogo arllftentativo
controversos negociaçio de tomadas Carta do leitor
de posiçlo Carta de reclamação
Deiberaçlo informal
Debate regrado
Dismso de defesa (adw.)
Dismso de acusação adv.
Luiz Antônio Mare11schl 1 Pr~ão textual, analise de 9ê1teros • COlllpreensio

Transmissão e EXPOR Seminârio


construção Apresentação textual de Conferênc1a
de saberes diferentes formas dos saberes Artigo ou verbete de enciclopéóa
Entrevista de especialista
Tomada de notas
Rcsuno de textos expositivos ou ex~icativos
Relatório cientifico
Relato de elperiência cientifica
Instruções e DESCREVER AÇllS Instruções de montagem
prescriçoes Reg~o mtlua de Receita
comportamentos Regulamento
Regras de jogo
Instruções de uso
Instruções
rom: Joaquim Dolz, Mlchêle Noverraz e Bernard Scl\neuwly (lOOA 121).

Segundo os au tores,
o~ agn1pamento5, ª"'~im definido:., não são esbnques un~ l!lll relação aos Ot ttrOlS; não é possível
cbs:;ificarumgênem de mane1rn ab~olut::1 num d()!)agrup.1mentos propc'l',lo!> (p 121).

o~ princípios desta progressão são estei. (pp. 123-125):


1) A progressão é organizada em tomo dt: agrupamenlo de gêneros:
cada grupo se acha formado dentro de uma modal idade discursiva
ou um tipo hásico predominando.
2) .\ progre~são se dá na forma espiralada: o mesmo gênero é domina-
do em d nos níveis.
3) Os gêneroc; são tratado~ de acordo com os ciclos de ensi no: mesmo
assim as escolhas podem ser flexhcis, pois não se pode estabelecer
um grau de d1ficuJdades crescentes nos gêneros.
+) Aprendin1gc111 precoce para assegurar domírno ao longo do tem-
po: os mesmo textos devem ser produzidos em várt os momentos
ao longo <los ciclos.
5) E"itar a repetição, sobrepondo-se diferentes níveis de complexidade:
cada gênero pode ser abordado em níveis diversos de exigência t:
dificuldade, desde uma sofisticação mí11ima até uma máxima, de acor-
do com o avanço do emino. Deveria ser C\ itado o tratamento reite-
rado dos mc))rnos gêneros por séries.

Vejamos aqui a proposta da distribuição <los gêneros por série, tal como
os alttorcs sugerem para o ensino de fra11cês. Seguramente, deveria ha\ cr al-
guma adaptação para o português e para o Brasil em geral, mas esse é um
detalhe que podemos discuttr de maneira concreta a cada momento em q11c
\amos trabalhar os fenôme nos cm si mesmos.
· Scg•nda Parte 1 Gi~ros textvals no ensino de língua

SEQÜÊNCIAS DIDÁTICAS PARA EXPRESSÃO ORAL E ESCRITA: DISTRIBUIÇÃO DAS 35 SEQÜÊNCIAS


CICLO
AGRUPAMENTO
1•- 2' 3• ·4• s•·6• 1•. a•

NARRAR 1. omo para l Oconto 1.0contodo~e 1. A panXia de conto


completar maravilhoso do como
2. Ammt1va de 2. Anarrativa de 2. Anarrativa de ficção
aventura aventura cientifica
3. A novela fantastica
RELATAR 1. Orelato de l. Otestemunho t A notfcia 1. A nota biográfica
experiencia vivida* de uma expe
(Apresentação em riência vivida 2. A reportagem
áudio) radiofônica *
ARGUMENTAR 1. Acarta de t. Acarta de res 1. Acarta de letor l. Apetição
solicitação posta ao~
2.0 debate 2. A apresentação 2. A nota aitica
regrado * de um romance • de leitura
3. Oponto de vista
4. odebate pú!Eo •
TRANSMITIR l. Como funciona? 1. Oartigo l A e~posição escrb l. A apresentaçào de
CONHECIMENTOS enciclopédico documentos
(Apresentação de um 2. A entrevista 2. A nota de síntese 2. Orelatório cientifico
brinquedo e de seu radiofônica.. para aprender
funcionamento)
3. Ae~ição oral '* l Aexposição oral '*
4. A entrevista
radiofônica•
1
REGULAR 1. A receita de 1 A descriçao de t As regras de jogo
COMPORTAMENTOS cozilha * llll it111erário •
(Apres. em áudio)
5 seqüências 8 seqüências 1 9 seqüências 13 seqüências
(sendo 2 orais) (sendo 3 orais) . (sendo 2 orais) (sendo 4 oratS)

1a1n: mqu1m Dol1, Michele Nowerru e Bernard Schneuwlr (2004:126).


Observaçào os gêneros com asteriscos (•) indicam seqüências d11 np1essao oral.

2.18 A proposta de Bronckart

Bronckart (2001) em L'enseígneme11l des discours, lembra que os textos


são um objeto legítimo de estudo e que a análise de ~eus níveis de organização
penmle trabalhar a maioria dos problemas relativos à língua em todo~ 0) ~cu1>
aspectos. O trabalho com gênero~ é inlercssante na medida em que eles ··~ão
instrumentos de adaptação e participação 11a \'ida \Ocial e comunicaliva". Quan-
to ao tratamento dos gêneros para elaborar uma série didática, Bronckart su-
gere uma atividade cm qualro foses:
(1) (•laborar um mode lo didáhco
Luiz Antônio Marcuschi 1 Produ~ao textual, analise de generos e compreensão

O primeiro passo é a escolha de um gênero e sua adaptação aos conhe-


cimentos dos alunos; cm seguida trata-se de analisar as propnedades desse
lc>.to, seus usos, suas fonnas de realização, suas variuções e sem contextos de
uso. Esse modelo assim c~colhído e trabalhado permilc delimitar três grandes
categorias de objetivos de cmino:

(a) analisar as atividades discursivas: aprender o~ critérios <la escolha de


um dado gênero numa dada situação comu11icativa: simular a posi-
ção de um produtor do gênero lmagtnanclo as intenções os inter-
locutores (destinatários etc.): identificar os conhecimentos mobiliza-
dos para produ1ir o gênero nas circunstâncias imagmadas: especifi-
car as estruturas comunicutivas e o formato con\'cncional que o gê-
nero apresenta;
(b) operar com as seqüências típicas (tipos text11ais): saber como coorde-
nar as seqüências que entram para compor u eoerênciu de base tex-
tual, tais como as sequências argumentativa~. narrativas, expositivas
etc.: essas bases globais deYem ser ordenadas e seqüenciadas de ma-
1 neira organizuda;

li (c) dominar os mec<111ismos lingüísticos: nesse caso, trata-se de esh1dar e


analisar os aspectos sintáticos, morfológicos !gramaticais de uma ma-
neira geral) e as propriedades léxicas bem como a escolha dos regis-
tros e estilos; observa-se aqui a organização lc:\lual sob o seu aspecto
local (coesão) e global (coerência);

(II) Identificar a~ c.1pac1dadcs adquindas:

1estar os alunos quan to ao fato de se adquiriram ou perceberam os três


a\pectos trabalhados cm (l) acima, ou seja: as capac1dadcs relativas às açõe.\
discursivas, tipol6gicas, l111güf.<;t1co-textua1s.
(Til) Elaborar e conduzir ati,·iclades de prod11çiio:

Uma vez identificadas as capacidades em relação ao trato dos gênero~


escolh idos, partir para exercícios de produção efetiva de gêneros dando con-
dições específicas e situações determinadas de acordo com os elementos
analisados em (1 e II ) acima . Aqui senam elaborados os módulos de seqüên-
cias didáticas.

(IV) .\\·aliar as nova~ tapacidadcs adquiridas:

Neste ponto trata-se de analisar as produções lc\:lm11s dos alunos dando-


lhes um retorno c~pccífico de maneira que possam prosseguir no traball10
s.,gunda Pari~ 1 Generos textuais no ensino de hngua

com gênero~ similares ou com oulros gêneros dentro dos passos C\l'Ostos até
nqui em (!, 11, III) acima.

L!.ste modelo, desenhado para o trabalho com gêneros tcx.luais escritos,


pode muito bem ser estendido para os gêneros orais. Assim, podemos identifi-
car, como faz Bronckart, a exposiçi'io ora~ como objeto de an.íl ise e tratamen-
to numa série didática. Vejamo~ como se poderia analisar uma exposição oral
tal como as que são feitas por um expert sobre um tema, alunos cm sala de
aula como apresentação de um tema diante da tunna. Scgui11<lo o modelo
acima proposto. temos:

(1) Ji:laboração do modelo cliclcítico:

O modelo escolhido é uma C\pos ição didática que deveria ler sido grava-
da e transcrita para análise:

(a) quanto às atfridade11 discursfra.s uma exposição oral apresenta:


• uma estrutura comunicati,·a institucionalizada e bem definida ou seja,
com cnciona 1i1.ada:
• cm relação aos atores sociais, há um especialista que fala sobre um
tema determinado diante de um auditório mtcrc~\ado;
• há uma assimetria qnanto à posse da palavra e dhponibili<lade de
conhecimento5;
• um dos propósilos da exposição oral é diminuir a assimetria de co-
nhecimentos e partilhar conlcúdo:,;
• o expositor usará de recursos diversos para sua exposição, sejam os
meios próprios tais como a gestualidade, entoação. mírrnca. mas ain-
da outros recursos d1sponhcis (projetor. microfone etc.)
• poderá haver intervenção cio público mediante pcnmssão do e'"Püsi-
lor ou não.
(b ) quanto àJ> seqüência.ç típicas de tipos textuais uma cxpo'>ição oral:
• é um monólogo cm que um cxposilor tem a palavra;
• a organ ização inlcrm1 aµrcse11la uma abertura com a informação cio
tema, delimitação cio objeto e desenvolvimento do tema, recapitula-
ções. sumarizações e observações conclusiva~;
• qunnto às seqüências típicas tem fases descritivas, expositi\'as e
argumentati\"as.
(e) quanto aos mecanismos lingüísticos mobilizado'> numa ex-posição
oral. teríamos:
a. do ponto de vista do lé\1co mobilizado, em geral trata-se de expres-
sões técnicas e um estilo característico de exposições científicas;
luii Antônio Mar<uichi 1 Produ1ão tntual, analise de 9enera1 e compreensao

• a gestículação, a mímica e os elementos suprassegmentais são usa-


dos para criar efeitos;
• uso de marC<.Jdorcs para encadeamento dos emmc1ados e repetições, bem
como clcmcnlo!I unafóricos s;1o utilizados para descnvohcr os temas.
(II) lclen l1ficar a~ capac1<l:.1dcs adquiridas:

Neste ponto, trata-se de analisar alguma produção de exposição oral de-


scnvolvída por um aluno e um profissional, identificando os aspectos aponta-
do., De um modo geral, pode-se pedir para om·ir, tomar nola~. ir se preparan-
do para a fase seguinte que será a da produção de uma C'\po~ição oral.
(III) Elaborar <: umclu1:ir ati,·idades de produc;ão:

Uma vez identificadas as capacidades em relação à exposição oral, parle-


!le para a produção de uma exposição seja por um aluno ou por duplas. Para
a produção seguem-se passos previstos desde as notas escritas para consulta
até o desenvolvimento do tema e sua apresentação em público.

(IV) \,aliar ª' 110\as capacidade~ adqumcJa..,:


A produção na fase antenor é observada e anotada por todos. que agora
analisam e fazem suas sugestões. Observa-se a capacidade de conduzir o tema,
a ~clcção dos tópicos e da linguagem; a adequação ao ptíblico c a capacidade
de envolver os ouvintes.

Neste exemplo, alguns aspectos estão a4ui apontados, mas pode-se ir


mais longe e tratar de muitos outros. Seguramente. para cac.la gênero trabalha-
do, podem-se trazer variaçõc~ e observar a multíplicidade de formas de produ-
71-lo. Também se pode proceder a pesquisas por parte dos alunos que coletam
dados de gêneros da mesma classe ou similares ou com pequenas variações. l
possí\'cl que se tenha exemplares de gêneros que não foram bem-sucedido~ na
sua produção. Uma seqüência didática de gêneros pode dedicar-se a observar
também questões específicas relacionadas a gêneros.

(a) GLOSSÁRIO SOBRE GÊNEROS lEXTUAIS: Dar contituidade à montagem do glossário com termos
tais como os que aparecem nesta unidade:
· · S09u.da Parta 1 Gêneros textuais no ensino de língua .

• autor (autoria) lnjução


• argumentar (argumentação) interação social
canal • interculturalismo interdiscurso
comunicação asslncrona intergenericidade
com unícação síncrona lntertextualidade
comunicaçao discursiva letramento
descriçao • multimodalidade
dialogismo narrar (narrativa)
didatizaçao do gênero oralidade
domínio discursivo poder
estilo • propósito do gênero
etnografia retórica
etnometodologia seqüência didática
evento discursivo socioconstrutivismo
expor (exposição) suporte textual
gêneros da escrita texto multimodal
gêneros orais tipo textual
gênero textual variação e mudança lingülstica
heterogeneidade lingüística

( b) Definir e trabalhar critérios específicos para a noção de domfnio discursivo, tentando escla-
recer o que caracteriza cada um deles. Tentar estabelecer 1.111 qllillko de domínios e justficar
a escolha e a tipificação. Partir do que foi apresentado neste manual. criticand()-().
(e) Escolher alguns gêneros e apontar as seqüências tipológicas subjacentes. identificando
quais são as predominantes. Por exemplo (só para a escrita): li
a) notícia jornalística e) aula expositiva (utilize as aulas transcritas pelo Projeto NURC)
b) crônica f) ata de condomínio
c) entrevista jornalística g) bula de remédio
d) artigo científico etc.

(d) Montar uma seqüência didática com todos os passos, tomando por base tm gênero textual
para uma série definida Seguir os passos dados por Schneuwly, Dolz & Noverraz. Se possíve~
aplicar em sala de aula e analisar os resultados.
(e) Identificar uma série de textos que teriam um alto componente de intergenericidade e
observar se apresentam caracterfsticas peculiares quanto ao processo de textualização
em relação aos critérios da textualidade apresentados na primeira unidade.
(f) Fazer uma análise das concepções e do uso das expressões "gênero textua/ldíscursívo" e
"dpo textuar em rrvros didáticos do ensino fundamental e mostrar sua consistência/incon-
sistência no uso dessa terminologia.
(g) Discutir várias definições de gênero e mostrar em que elas diferem na relação entre privile-
giar ou desprivilegiar a forma e os propôsitos. Mostrar em que estes dois aspectos contW
buem para a produção do gênero.
(h) Em que diferem as noçóes de gênero na linha da análise cn'tica do discurso e na linha das
demais visóes.
. .

Luiz Antônio Marcuschi 1 Produ~ão textual, analise de gêneros e compreensão

rabalhar a compreensão hoje em dia é bastante complexo.


Muitos são os estudos sobre o tema e igualmente variadas
são as posições teóricas. Não há uma teoria hegemônica ou
~~--11--1+-~-----
I , que seja a mais correta e definitiva. Ler é um ato de produ-
'"'1 . ção e apropriação de sentido que nunca é definitivo e
completo. Aqui vamos defender a posição de que ler não é um ato de simples
extração de conteúdos ou identificação de sentidos. Mas não se pode dizer
que ler seja apenas uma experiência individual sobre o texio, oral ou escrito.
Compreender o outro é uma aventura, e nesse lerreno não há garantias abso-
lutas ou completas.

Antes de quaJqucr coisa, deve-se ter clareza quanto ao fato de que nossa
compreensão está ligada a esquemas cognitivos intemalizados, mas não índi\'i-
duais e únicos. Assim, a percepção é, em boa medida, guiada e alivada pelo
nosso sistema sociocultural intemal izado ao longo da vida. Nossas experiên-
cias, por sua vez, são uma construção com base em sensações organizadas e
não um fruto puro e simples de sensações primárias. Essa idéia é muito antiga
e foi defendida já por IJerác1ito no século VI a.C., para quem a harmonia, a
coerência, a unidade e o senliclo eslavam no ocullo e não no aparente, poi!i>
este se mostra atomizado e sempre em mudança. Daí a idéia de que perceber
é reconhecer com categorias ou esquemas inlernalizados e não apenas ver.
sentir, ouvir etc. pela sensação direta dos sentidos puros. Ver algo não é ainda
perceber detenuinado objeto. Eu não vejo w11a cadeira e sim um objeto que e
percebido pelas condições cognitivas internalizadas e que então é idenliucadc
como cadeira. Pensamos com categorias e esquemas e não com as sensações
Nós só tomamos conhecimento de algo e identificamos algo como sendo de-
terminada coisa quando temos categorias ou esquemas cognitivos para isso. Se
cu nunca vi cadeiras nem construí a experiência de cadeira, não reconheç
uma cadeira quando alguém me põe um objeto desse tipo pela frente. A ca-
deira, na sua condição de um objeto físico e cultural para determinada funçã
ou ação cotidiana - por exemplo, sentar - , não é um dado dos sentidos
mas uma elaboração cognitiva. E assim se dá com todo o processo de compn:-
ensão. Mas esses esquemas ou categorias não são elaborações individuais e
sim colclivas, como logo mais veremos. As representações coletivas, já lem-
brava Vygotsky, precedem as elaborações individuais e lhes servem de bast
Essa é a grande novidade da abordagem sociointerativa da cognição cm opo~ -
ção à velha noção de conhecimento como atividade individual (fruto da ps -
cologia cognitiva de origem subjetivista).
Terceira Parte 1 Processos de compreensão

A língua é um sistema simbólico ligado a práticas sócio-históricas e não


funciona no vácuo. Ela se dá, inclusive, com condições inter- e intrapessoais,
como diria Vygotsky. O sociointeracionismo vygotskiano funda-se nas proprie-
dades da menle social. Para Vygolsky, conhecer é um ato social e não uma
ação interior do indivíduo isolado 1• A criança primeiro se apropria da lingua-
gem como uma ação social e depois a intemaliza para, a partir de uma ativi-
dade intrapessoal, fazer um uso interpessoal. Vários outros au tores, como
Tomasello (2003 ), adotam essa visão de que é o social que fw1da a cognição.

É por isso que tomamos a língua como um conjunto de atividades sociais


e históricas e não como um sistema apenas. Com ela guiamos o sentido e
construímos mundos, mas não por força de alguma virtude imanente à própria
língua como tal e sim pelo esforço cios falantes. Diante disso, vamos ver que
compreender não é extrair conteúdos de textos. Por isso mesmo, nem tudo é
vis to por todos do mesmo modo e há divergências na compreensão ele textos
por parte de diferentes leitores.

Resta frisar a inda que os modelos cultura is de determinada sociedade


são uma sólida base para construir as experiências tal corno frisamos acima. É
nesse contexto que a língua terá um papel decisivo. Também há esquemas
maiores que os conceituais, tal como os gêneros textuais que operam como
formas discursivas de enquadre poderoso para guiar o sentido. É dessas ques-
tões que trataremos neste módulo final do curso.

3.1 leitura e compreensão como trabalho


social e não atividade individual
Compreender bem um texto não é uma alividade natural nem uma he-
rança genética; nem uma ação individual isolada do meio e da sociedade em

l . Em sua obra A formação social da mente ( 1984: 30), \'ygotsky afim1a: "A maior mudança na
capacidade das crianças para usar a linguagem como um instrumento para a solução de problemas
acontece um pouco mais tarde no seu desenvolvimento, no momento em que a fala sociali.!:ada (que foi
previamente utiliLada pard dirigir-se a um Jdu lto) é intemali:wda. Ao invés de apelar para o adullo, as
crianças passam a apelar a si mesmas; a linguagem passa, assim, a adqmnr uma {1.mção intra pessoal além
do seu uso interpessoal. No momento em que as crianças de~cnvolvem um método de comportamento
para guiarem a si mesmllS, o qual Li nha sido usado previ:11ne11le c111 relação a outra pessoa. e qua11do elas
organ izam sua próprin atividade de acordo com uma forma social de comporta mento. conseguem, com
sucesso, impor a si mesmas wna atitude social. A hislórta do processo de mtema/i;mçao do fala social
é também a história da socialização do intelecto~ criança~".
Luiz Antônio Marcuschi 1 Produ1áo tutual, analise de gêneros e compreensão

que se \ i\'e. Compreender exige habilidade, interação e trabalho. :\a realida-


de. sempre que ouvimos alguém ou lemos um texto. entendemos aJgo, mas
nem sempre essa compreensão é bem-sucedida. Compreender não é uma ação
<lpenas lingüística ou cognitiva. f: muito mais uma fornrn de imerção no mun-
do e um modo de agir sobre o mundo na relação com o outro dentro de uma
cultura e uma sociedade. Para se ter uma idéia da dificuldade de compreen-
der bem basta considerar qnc cm menos da metade dos casos as pessoas se
saem a contento no!> lestes rcali;•ados em aula ou em concursos. o que se
repete cm muitas situações da \ida diária. É comum OU\1m1os reclamações do
tipo: "l\ão foi bem isso que eu qws di:::er"; "rncê não estcí me entendendo": '·o
CJutor não disse isso", e ass1111 por diante. Contudo, vale a pena indagar-se o
que é que estava sendo dilo ou o que é que o autor queria dizer. fü..istem, pois,
má e boa compreensão, ou melhor, más e boas compreensões de 11m mesmo
texto, sendo estas últimai. atividades cognitivas trabalhosas e delicadas.

Pr0\'<1 da não-naluraltdade da boa-compreensão é o resultado da avaliação


internacional de leitura feita pelo teste PISA em 41 pa™-:s pela Organi1.ação para a
Cooperação e o De!>cmolnmento Econômico íOECO-PlS.\ f\Jcsse exame -
que não é isento de crítica~ , o Br<1sil ficou entre os ultimos cmco paíc;es com uma
nota média inferior a 4 pontos numa escala de 1 a 8. ~o quer dizer que os alunos
com 15 anos (que deveriam estar na I ªsérie do ensino mécho) ~ó responderam bem
a cerca ele 40% d~ questões. Embora o leste PISA seja contro\'crso, tanto na sua
elaboração como nas condições de aplicação. o resultado não deixa de ser aJarman-
te. bto repetiu-se em grau um pouco menor de grm,idadc m1 avaliação ela compre-
u1são realizada, no Brahll. pelo lt\ft:P no teste do Sistema ac1011al de .\,ciliação da
l .ducação Básica (SAEB) cm alunos do ensino básico. O relatório SAEB 1001
re\ ela que a compreensão lC\'C êxito cm cerca de apenas 50-60~ das situações.

Independentemente de resultados de testes, todos nós sabemos como é


importante nos entendermos bem no dia-a-dia, seja no diálogo com outra~
pessoas ou na leitura de textos escritos. Esse não é um assunto apenas escolar
ou acadêmico, mas de nossa vivência cotidiana, pois en tre as experiências
negativas que fazemos cslâ a de sermos mal-entendidos em nossas relações
comunicati\'as. Da má-compreensão podem surgir dcsa\'enças e acabarem
namoros; podemos perder arrngos e dinheiro, sofrer acidentes e até deixar de
conseguir um emprego. \ nota baixa na escola é apenas um detalhe menor
Diante disso, não parece necessário argumentar cm fa\'o r da rele\'ância do
e~tudo da compreensão. já que ela permeia toda~ as nossas ali\'idades, mas é
útil lembrar alguns aspedos relacionados ao tema.
Tercoir• Parte 1 Processos do compreensão

l•.m primeiro lugar, sempre que produzimos algum enunciado, deseja-


mol> que ele seja compreendido, mac; nunca exercemol> total conlrole sobre o
entendimento que esse enunciado possa vir a ter. Isto se deve à própria nature-
"ª <la linguagem, que não é transparente nem funciona corno urna fotografia
ou xerox da realidade.
Em segundo lugar, a interpretação dos enunciados t sempre fruto de
um trabalho e não uma l>tmplcl> C\.tração de informações objetivas. Como o
trabalho é conjunto e não unilateral, pois compreender é uma atividade
colaborativa que se dá na interação entre autor-texto-leitor ou falante-texto-
om inte, podem ocorrer desencontros. A compreensão é também um exercí-
cio de convivência sociocultural.
Ângela Kleiman (2004: 14)2 afinna o seguinte, a respeito da atividade de
leitura e o estudo atual a esse respeito:
A concepção hoje predominante nos estudos de leitura é a de leitura como prática
social que, na lingüística aplicada. f. subsidiada teoricamente pelos estudos do
lclramcnto. :\essa perspccti\'1, os uso~ da leitura estão ligados à situação; são deter-
minados pelas hi.stórias dos partic1pa11tc\, pelas características da instituição em que
se encontram, pelo grau de fornrnltdade ou informalidade da situação, pelo objeti-
vo da ahvidadc de leitura, diferindo segundo o grupo wci<tl. Tudo i~so realça a
diferença e a multiplicidade dos cli~cursos que envohem e con,tilt1c1n os sujeitos e
que determinam esses diferentes modos de ler.

Isto quer dizer que na visão atual o leitor não é um ~u j cilo consciente e
dono do texto, mas ele se acha inserido na realidade social e tem que operar
sobre conteúdos e contexto~ ~oc1ocu lturais com os quais lida pennanentemen-
te. l\a sua análise, Kleiman identifica dois modelos de leitura historicamente
<lesem olvidos nos últimos trinta anos. Um deles, que vai da década de 1970
aos anos 1990, é dominado pelus teorias da psicologia cognitiva e pela lin-
güística de texto de primeira e segunda geração, que ainda se pautavam pela
visão do texto como um continen te. 1loje essa visão já está superada e uma
nova posição surge no interior da lingüística de texto para dar conta dos pro-
cessos de compreensão. O modelo criticado por Kleiman é assim representa-
do pela autora (200-t: 115):

2 Rcfiro-111e aqui ao lrabalho de: A11gda B. Kk·iman (200-f). AbordJgem <1.1 le1lma Scripta, Belo
l lori1.onlc, vol. 7. 14(200-+): 13-22.
luiz Antônio Marcvschi 1 Produ4ão tutaal, analise de 9e11eros e co111preen1ão

r--
t97L Leitor - reage
1 a estímulos
Vertentes teórico-metodológicas
PsicolingDística
Psicologia cognitiva
compreensão - - - - - -•,
funcionamento cognitivo Leitor - sujeito cognitivo
relação linguagem - faculdades mentais do leitor Inteligente
Faz hipóteses
Lingülstica textual Faz inferências
mecanismos de textualização Mobiliza saberes em novas e 1
tipologia textual 1 imprevisíveis combinações._.-~
legibilidadefintertextualidade

fOllJ[; ~gela Kleiman. 2004: 1S

Por essa visão da autora, nota-~e que ela crihca as posições da lingüística
de texto e da psicologia cognitiva gue inspirnram as teonas que viam o leitor
como sujeito ativo que utiliza\a e mobiliza\'a conhecimentos pessoais para
compreender. Para Kleiman, a partir dos anos 1990, ocorreu uma guinada
significativa nesse contc:xlo, indo-se para uma \Ísão que desloca o pólo do
mlcresse da ação do indivíduo sobre o texto para a inserção do !lujeito na
sociedade e no contexto de interpretação hgaelo à realidade sociocultural,
dando meno!> ênfase ao texto em s1, às faculdades mentais e aos conhec1mcn-
tos prévios. lslo estaria caracterizado pelo próximo cliagrama, que lraz os ele-
mentos básico!> ela nova visão agora orientada pelos estudos do letramcnlo, a!>
ciencias sociais, a socJOlmgüística intcracional, a anált!>e do disctmo crítica
ele. Vejamos o modelo tal como proposto por Kleiman (200+ 16):

1990_
Vertentes teõrico-metodolõgicas
Estudos do letramerto Práticas locais de leitura
ciências cociais (antropologia, leituras "ordinárias•
etnografia e história) Textos multimodais
Sociolingüística interacional Múltiplos dominios discursivos
Teorias da enoociação
f4lálise crítica do discurso
interaçao
letramento nas comunidades
Problematização da escrita J
gênero
discurso
FON'IE: Ángela ~lclman. 2004. 16

Isto sugere que atualmente a leitura vem scn<lo tratada em um 110\'0 contex-
to teórico que considera práticas sob um aspecto crítico e ,oltado para ati,·ida-
dcs. sobretudo socioinlcrnlivas. Trata-~c de promover a leitura como uma ação
solidária e coletiva no seio da sociedade.,\ leitura eleve ter assim uma influência
Terceira Parte 1 Processos de compreensão

bastante e.Iara sobre os processos <lc compreensão que não se dão, a não ser
contra es:;e pano de fundo soc1ointcrati\O. i\ão discordo dessa posição, mas
creio que clc' emas Ler mais clareza sobre os aspectos em <liscmsão. Trata-se,
aqui, de uma visão que não desloca o pólo da obseivação, mas desloca o proble-
ma observado. Observam-se atividades sociais e não processos de compreensão.
Concordo com Kleiman na medida cm que ela enfatiza as questões sociais en-
voh idas, tal como já apontei :;obejamente até aqui nus primeiras <luas partes
deste curso, mas não creio que 1~0 entre no núcleo dos problemas relativos às
ali' idade:. de compreensão emok1das. I~ para esses problemas que 'amos nos
voltar aqui, sem deixar de lado as posições da .\O crítica. que alimentam boa
parte ele nossas reflexões ~obre a anál ise de gêneroi. textuais.

Já que praticamente toda!> as nossas ações diárias mais significativas estão


revestidas ele linguagem, é importante saber algo sobre o sc11 Ítlncionarnento. E
esse funcionamen to da li11guagc111 é Lão espontâneo que não nos damos conta
de sua complexidade. Quando falamos ou escre,·emos, não lemos muita consci-
ência da~ regras usadas ou das clecl\ões tornadas. pois essas ações são tão rotinei-
ras que fluem de modo incomciente. Por outro lado. as atividade!. soctais e
cogniti\ClS marcadas pela linguagem ~ão sempre eolaborath·as e não atos indivi-
duais. Por isso, seguidamente operam como fontes de mal~nlendidos Pois, como
~eres produtores de sentidos, não ~omos tão lineares c transparentes quanto seria
de desejar, e a compreensão humana depende da cooperação múlua. Sendo
uma atividade de produção de sentidos colaborativa, a compreensão não é um
simples ato de identificação de informações, mas uma comtrnção de sentidos
com base cm ath;dades inferenciai~. Para se compreender bem um texto, tem-se
que sair dele. pois o te:-.to sempre momtora o seu leitor para além de si próprio
e <.:!>Se é um aspecto notável c1uanto à produção de sentido

1ai quadro teórico traz \ária\ conseqüências que <lc\·crão ser exploradas
neste estudo; entre tais consequências estão, por exemplo, ai. seguintes:

1) e11ie11der um te.\to não equivale cJ entender palvmts 011 /ra:;es.


2) entender as frase:; ou cts pc1lctwc1s é rê-las em 11111 conte\to maior;
3) entender é produ:ir sentido~ e 11c10 extrair conteiído~ prcm/os;
+) e11tc11der o texto é inferir 1111111<1 relação de \'círio~ conhecimentn\.

i\ 1s~o ~ubjazem algumas suposições bastante centrais. como:

1) os textos são em geral lidos com mot1raç<ies muitn dn-er.çú~;


2) diferentes indivíduos produ:cm sentidos dfren;o.~ rnm o mesmo texto;
3) 11111 texto não tem wnct cmnpreen~ào ideal, defi11ith'ú e ti11iw;
luiz Antônio Marcuschi 1 Producão textual, análise de gêneros e co111preensiio

4) me:;mo que variadas. as compreensões de um te;1.to devem ser compatíveis;


5) em condiçõe.\ sociocultt1rais dfrersas, temos compreen:;ões dil•ersas do
mesmo te;1.lo.

Para uma fundamentação dessas posições e uma análise clara dos pro-
cessos de compreensão envolvidos, devemos levar em conta algumas noções
básicas. Entre elas estão três que merecerão atenção particular: língua, texto
e inferência. Duas delas, língua e texto já fo ram trabalhadas na primeira
parle deste cmso. Agora deve ser trabalhada em detalhe a terceira: inferência.
Outras noções além destas serão apresenladas ao longo das reflexões, mas
dessas três dependerá nossa visão da atividade de compreensão. Conceitos
tais como: contexto, sujeito, estilo e gênero textual são fu ndamentais para
uma boa visão da ati\'idadc de compreensão e eles já foram analisados n a
segunda pa rte deste curso.

A idéia hoje mais plausr\'el é a de que a compreensão de texto não se dá


como fruto da simples apreensão de significados literais das palavras. Quanto
a isso, precisamos discutir o que se deve entender com a expressão "significado
literal", que para muitos autores sequer faz sentido. Contudo, trata-se de uma
expressão que, como mostra Sírio Possenti (2002), pode ser usada. Veja-se o
caso de algumas ocorrências que até parecem piadas:

Numa livraria, o livro Raízes do Brasil eslava classificado entre os


livros de botânica;
Turna outra livraria, o livro Dialétíca do concreto estava colocado na

estante dos livros de engen haria civil.

Diante disto, vale a pena perguntar-se o gue é o sentido literal e se ele de


fato existe. De modo especial, a questão se toma mais insistente quando se
consideram os aspectos pragmáticos e não apenas os semânticos. Pode-se ad-
mitir que compreender uma expressão lingüística ou um texlo em uso é entendê-
los em seus contextos. É no uso efetivo da língua e de modo especial no texto
em sua relaç5o com seu leitor ou ouvi nte que o sentido se constitui.

3.2 Breves observa4ões sobre o sentido literal


Muitas são as discussões hoje sobre a questão do sentido literal, e os
autores divergem de maneira bastante acentuada sobre o tema. Adiantando a
posição aqui assumida, diria que o sentido literal nada mais é que um sentido
Terceira Parte 1 Proceuos da compreensão

bá~1co que entendemos quando usamos a língua em situações naturais. ão se


lrala <lo sentido dicionarizado nem de uma oposição ao sentido figurado e
sim claq11cle sentido que é conslrnído como preferencial. Assim, não se pode
\inculai o sentido literal ele forma automática a pala\'ras, pois elas podem ter
vários sentidos literais. O sentido é um efeito do funci01wmento da língua e
não uma simples propriedade imanente ao item lexical como tal. Para um
esclarecimento mais técnico da questão. \'Cjamos mais algumas noções.
Para \lira .\riel (2002: 361)', o sentido literal (sL) foi tido originalmente
como codificado, composicional. contextualmente imarwntc, sentenciai e
\encondic1onaJ (fator releYante para identificar a 'erdadc <los enunciados).
r-v!as muito~ foram os problemas com essa e outras propriedade~ definidora s
cio :;cntido literal, e algumas modificações foram propostas na definição. Al-
guns teóricos incluem interpretações dependentes de contexto cm suas no-
çõc~ ele Renlido literal (como sentido mínimo) ou então que o sr não necessita
ele receber uma esi>ecificação de todas as condições ele \Crdade e alguns até
cleixar<1m de postular a literaltclaclc s<..ntcnciaJ etc. Como comeqliência disso
não há hoje uma definição consensual e teoricamente uníflcada de sentido
literal. 1:. por isso que a questão continua ainda aberta a discussões.

Em contrnpartida, 1\ricl (2002: 362} lembra que o sentido 11ao-literal (S\L) foi
sempre Lido como distinto do sentido literal, do qual se dhli11guma de modo com-
plementar. O s~L seria pragm;ítico, a5sociado ao enunciado e ao fo lante, não
coll\'Cllcionaliza<lo nem composicional. ão seria direto e lena uma origem em
geral de caráter inferencial Também sena dependente do s1 e como tal também
ca11cchhcl. Os S'\L clássicos se dariam nas metáforas, atos de fala indiretos,
implicaturas co1wersac1ona1s e 1ron1~ Jw.tamente por ic;so os enunciados com
sentidos não-literais não poderiam ser \erificávc1s e com eles não se fana ciência.

Outros aspectos tidos como pertencentes ao SL e Sl\L senam (p. 363).


SENTIDO ll1WI. SENTIDO NÃO-LllERAl
Automático Não-automãtico
Obrigatõrio Opcional
Normal Fortuito
Nào·marcado Marcado
Indispensável Dispensável
Não-figurativo Figurativo
Indireto

1 Refiro-me aqui ao trabalho de \1ir.1 \ncl (2002J. 'The Dtnmc of J llniquc Conccpt ofLiteral
f\1c<111i11g. /cmmal 11{ Pragmatic~. H pp ~61-·tn2. l\o momento, farei Jpe11J~ algu111J~ ob~ervações
mhrc o lcm.1. tendo em ~•sta a complc,idadc tlc que ~e re,estc.
luiz Antônio Marcuschi 1 Producao textual, analise de generos e compreensao

:Vias esta listagem não tem grande ser\'entia, pois é tomada de modo
bastante aleatório e alé contraditório entre os diverc;os lingüistas que se ocu-
pam do problema.

Aricl (2002: 362) busca um mo<lo de traba lhar o sentido literal como um
tipo de sentido nidimenlar, mesmo uão sendo possível nma definição precisa
de SL. A autora sugere lrês caminhos pelos quais o SL po<lcria ser tomado como
b<ísico ou mínimo. A autora vai 'e posicionar em defesa ela e"\istência de wn SI.
como um sentido mímmo que pode ser identificado em três aspectos diver.os:

a ) lingüisticamente (que se acha inscrito nos usos comuns dicionarizados);


b) psicolingüistícamente (que se dá como aquele que surge pelos usos in-
tencionais);
e) interacionalmente (que ocon-c nos processos i11lcrnli\'OS negociadamente).

Assim, se um dos asp<.:ctos centrais da noção de s1 era sua invariância


contextual, sendo que sua origem estaria no eo11hcc1menlo lingüístico dos
itens lexicais e suas regras linguísticas de combinação. isto já não é mais Ião
seguro. O SL não pode ser mais tido simplesmente como aquilo que é dito,
completamente determ111a<lo. cxplíc1to e com cncional.

É por isso que hoie hti muitos lingüistas que não julgam possível dislin-
gui r entre SL e S;sL da maneira tradicional. Ariel (2002: 36-+) observa que não
é possíve l distinguir rigicfomenlc entre mnbos, já que:

a) o SL requer um suporte conlc>..tual (tal como o S'IL),


b) o processamento do s1 é por vezes inferencial e o do S'\L é automáti-
co cm muitos casos ( isso sugere que é até ITHllS fácil lidar com o
sentido não-1 iterai);
e) as formas lingüfaticas não estão ob,·iamente da~1ficadas entre SL e S1'1 ..

Aspecto importante, segundo ;\riel (2002: 36~-365) e que, tal como ob-
servou Searle ( 1978), muitos enunciados tomados em sentido literal exigem
contextos para sua interpretação. À~ vezes esses contextos são lão transpare11-
tes e automáticos que passam despercebidos.

O mtercssantc aqui é que, como muitos autores observam (cf .\riel, 2002:
365 ), o Sl exige contexto para <>cr interpretado e o S'\L exige uma certa con-
\ Cnção, assim como no caso dos atos indiretos. \lu i to~ autores, cm espectal
psicolingi.iistas e cognittv1slas, postulam que o processamento do S'.\L e do ~L
não é significativamente diferente. Pois sempre se exige inferências para inter-
pretar o que é dito.
Terceira Par1e 1 Processos de compreensão

Para algum autores, o processamento do SI. e do S'JL se dá pelos mes111os


mecanismos. Além disso, o SNL não depende do ~L para sua interprclação.
Ariel (2002: 366) lembra a posição de Spcrber & W1bon ( 1981 ), para os
q11ais a cancelabilidade não é uma propriedade apenas do~ enunciados proclu-
L1dos pela impJicatura (por S'-L), mas também certas d<.:sambigüizações são
canceláveis embora sejam tidas como parte do que é dito.

Ariel (2002: 366) mostra a posi<;-5o de Lcc (1990), para quem as palavras
se tornam mais polil!sêmicas em função de sua "idade" e sua freqüência. As
pala\ ras tendem a integrar cm seus sentidos literais algum. dos seus sentidos
dcri,ados contcxtu.ilmcnte ao longo de ma história.

Diante de todas as observações a respeito da anulação da relação da distm -


ção entre SL e SNL. lendo por base o contexto ou outro aspecto, Ariel (368)
sugere que se deixe de lado a distinção como tal e se pense cm outros caminhos.

3.3 Compreensão e atividade inferencial

De maneira geral, hoje podemos distribui r os modelos teóricos que tra-


iam da compreensão cm dois grandes paradigmas qt1e podem ser por sua \'CZ
desmembrados cm muitos outros subconjuntos específicos. Esses dois co111un-
los poderiam ser Jgrupados em duas hipóteses:

( \) compreender é decochfü,u (metáfora do conduto)


(B) compreender <.! inferir (metáfora da planta baixa)

Com isso teríamos, de um lado. as teorias d<t compreensão como


decodificação, baseadas na noção de língua como código e, de outro lado,
aquelas baseada\ na noção de língua como ati\'idade. tomando a compreen-
são como inferência ou pelo meno\ como processo de construção ba:>eada
numa atividade mai~ ampla e de base sociointcrativa. De um lado, está a per~­
peehva de uma semântica lexicalista, uma noção de referência extensional is ta
na relação linguagem-mundo e uma concepção de texto como continente. De
outro lado, está uma noção de língua como atividade sociointerativa e cogniti\'a,
com uma noção de referência e coerência produzidas interativamente e uma
noção de texto como c,·cnto comlruí<lo na relação situacional, sendo o ~enlt­
do sempre situado. Poderia dizer que essta visão se insere ~cm maiores proble-
mas no segundo modelo sugerido por Kleiman (2004).

Seguramente, hmerá necessidade de delimitar com mais precisão esses a~


pcctos, mas des<le logo fica claro que todas as teorias do tipo ( \), que postulam a
luiz Antônio Marcuschi 1 Produ4ao textua l, analise de 9ê nero1 e <ornpreen sa o

compreensão como decodificação. conduzem à metáfora da língua como veículo


ou instrumento de conslmção do senbdo e envolvem um sujeito isolado no pro-
cc~o. Ccntram-~c no código e na forma lingüística como o principal objeto de
anáfüe. Nesse caso, prevalece a função infonnacional e ao autor/f-alante compele
a larcfa de pôr as idéias no papel ou nas palavras. já que a língua Leria a proprieda-
de ele significar com alto grau de autonomia. Os textos seriam portadores de signi-
ficações e conteúdos objetivo-; por eles transportados e nós, como leitores ou
OU\ intcs, teríamos a nmsão de apreender esses sentidos ali objchvamentc instala-
dos. Compreender ~eria uma ação objcbva de apreender ou decodificar o que fora
codificado. De algum modo. aqui c~tão representadas todas a!> teorias que sem-
ram de modelo para o ensino c-.colar nos últimos cinquenta anos.

Jáno caso das teorias no paradigma de tipo (B), que postula a comprecn-
são como inferência, toda compreensão será sempre atingida mediante pro-
cessos cm que atuam plano:i de ali\'idades desenvolvidos cm vários níveis e cm
especial com a participação decisiva do leitor ou ouvinte numa ação
colaborati\·a. Aqui poderíamos adotar a metáfora da compreensão como com-
lrução. A língua é \'ista como uma athidade e não como um instrumento; uma

• ati\idadc sempre interatl\a, ou sc1a. o processo de comprccmão 5e dá como


uma construção coletiva. Ainda veremos que isso sení matizado e diversificado
na\ várias teorias inforcnci<1is. Pois cabe perguntar de onde vêm esses conheci-
mentos que interagem no processo de compreensão e como são usados na
suposição de partilhamcnto.

Se nas teorias <lo paradigma da codificação c;c observa uma ingênua noção
de objetividade, no caso das tcoriac; do paradigma da 111ferência temos uma
crença generalizada na possibil1<lade da comunicação 1ntcrsubjeti\·a e no
partilhamento de conhecimentos como um dado. \credita-se que a capacidade
inferencial é mais ou menos natural e intuitiva. Seguramente, nem tudo é ~im
e mais do que isto, a compreensão, mesmo sendo em boa medida uma atividade
inferencial em que os conhecimentos partilhados vão exercer uma boa dose de
influência, seria ingênuo acreditar que isso se dá de maneira não problemálica,
pois o mal-entendido é um foto. Um desafio no paradigma inferencial é explicar
a suposição de expectativa de partilhamento de conhecimento).

Ec;sas duas perspectivas teóricas não !>ão necessariamente antagôni-


tas, podendo apresentar ponlos de contato. Coutudo. o mais importante
é que cada urna acarretará definições e conscqüêncrns bastante distintas
lanlo na noção de língua como c.le texto e funções <la li nguagem. Particu-
larmente a teoria de comunicação subjacc11tc não será a mesma. como
Terceira Parte 1 Processos de compreensão

bem mostrou D. Schiffrin (1994) em seu estudo sobre os modelos de aná-


lise do discurso.

Na tentativa de evitar confusões, alguns aspectos podem ser agora mais


bem trabalhados, tais como estes que passo a enunciar:

1) Ler e compreender são equivalentes. [Suponha-se que alguém diga:


"Li o livro todo e não entendi nada". Neste caso, é razoável pergun-
tar-se se ele leu o livro, ou pelo menos seria interessante indagar-se
sobre o que se entende com ler no caso de uma expressão como essa.
Em suma: ler equivale a ler compreensivamente. Portanto, recitar de
cor um texto não é garantia de tê-lo compreendido. Memorizar não
é o mesmo que compreender.]
2) A compreensão de texto é um processo cognitivo. [Na compreensão de
texto estão envoh~dos aspectos cognitivos, ou seja, nossas Faculdades men-
tais acham-se em ação. Isso aponta para o fato de que o ser humano é um
sistema (cognitivo) complexo de annazenamento de informações tendo
em vista sempre objetivos muito específicos. Mas wu indivíduo social que
conhece e não um sujeito intencional pura e simplesmente.J
3) No processo de compreensão, desenvolvemos atividades inferenciais.
[Com esta posição admitimos que compreender é parlir dos conhe-
cimentos (informações) trazidos pelo texto e dos conhecimentos pes-
soais (chamados de conhecimentos enciclopédicos) para produzir
(inferir) um sentido como produto de nossa leitura. Compreender
um texto é realizar inferências a partir das informações dadas no
texto e situadas em contextos mais amplos.]
4) Os conhecimentos prévios exercem uma influência muito grande ao
compreendermos um texto. [São estes conhecimentos os responsá-
veis básicos pela nossa compreensão. Destes conhecimentos fazem
parte os seguintes:
(1) Conhecimentos lingüísticos:
(2) Conhecimentos factuais (enciclopédicos);
(3) Conhecimentos específicos (pessoais);
(4) Conhecimentos de normas (institucionais, cultmais, sociais)
(5) Conhecimentos lógicos (processos).]
5) Compreender um texto não equivale a decodificar mensagens. [A
compreensão não é uma espécie de decodificação, como se nossa
atividade de compreensão fosse uma simples depreensão de sentidos
a partir de elementos postos no texto.]
lui1 Antonio Marcuschi 1 Producão textual, analise de géneros e compreensao

3A A importância de conceber a língua como


trabalho social, histórico e cognitivo
O primeiro aspecto 1mpor1anle numa análise da alividade de compre-
ensão é a noção de língua que se adola. Este te111t1 já foi tratado na primeira
u11i<ladc deste curso, ao analisarmos a concepção de língua aqui adotada e
também a noção de texto (cf. pp. 71-81). Os manuab escolares e os autores
mais estruturalistas concebem a língua simplesmente como um código ou
um sistema de sinais autônomo, transparente, sem h1~tóna e fora da realida-
de social dos falantes. t-.las a língua é muito mais do que um sistema de
estrnh1ras fonológica!>, \111tâticas e lexicais. A língua não é sequer uma estru-
lura; ela é estrutnrada simultaneamente cm vários plunos, tais como o
fonológico, o sintá ti co, o semântico e o cogn iti vo. que se organizam no
processo de enunciaçiío. A língua é um fenômeno c11lh1ra l, histórico, social
e cognitivo que varia ao longo do tempo e de acordo com os falantes: ela se
manifesta no seu funcionamento e é sensfrcl ao contexto. ~ão é um sistema
monolítico e transparente. para "fotografar,. a realidade, mas é heterogênea
e sempre funciona situadamente na relação dialógica. como ensina Bakhtin
( 1979). Não pode ser vista e tratada simplesmente como um código. Assim,
a produção textual não é uma simples atividade de codificação e a leitura
não é um processo de mera decodificação.

Portanto, sendo a língua uma atividade conslilutiva, tal como dizia Franchi
( 1977). com ela podemos conslruir sentidos. Sendo uma fonna cognitiva, com
ela podemos expressar nossos sentimentos, crenças, idéia~ e desejos. Em resu-
mo: mais do que uma fom1a. a língua é uma fomw de ação pela qual podemos
agir fazendo coisas. l\ão se confunde com gramállca, ortografia ou léxico
Em conseqüência, a língua se manifesta nos processos d1scursi,·os, no nível da
enunciação, concreU.t:ando-sc nos usos textuaü mais \'ariaclos. Não se dá na
palavra isolada nem no enunciado solto. A língua é um sistema simbólico qt1c
pode significar muitas coisas, mas que não tem uma scmOntica imanente pron-
ta nem plena autonomia significativa. Assim, quando recebemos uma carta ele
uma amiga dizendo:

"Ontem foi um dia emocionante. fi::emos a mctior passeata contra a violê11-


c10 em nossa cidade."

O entendimento das expressões cm destaque só é possível se soubermos a


data da carta e onde mora a amiga. Mas há casos mais co111plcxos como a~
Terceira Porte ! Procenos de compreensão

ironias em que temos de entender praticamente o oposto, por exemplo, quan-


do a mãe que olha o filho todo sujo e diz: "Que bonito, meu fr.lho!''

Nesta perspccfüa. a língua é mais que um simples instrumento de comunica-


ção; mais do que um código ou lITTHI estrutura. Como atividade, ela é indctenninada
sob o ponto de vista semântico e c;mtáhco. Por isso, as sigmficaçõcs e os sentidos
lcxluab e discursi\'Os não podem estar aprisionados no interior dos textos pelas
estruturas lingüísticas, nem podem ser confundidos com conteúdos informacionais.
f\ língua é semanticamente opaca, e o~ textos podem produzir mais de um senti-
do. A língua permite a pluralidade de significações e as pessoas podem entender o
que não foi pretendido pelo falante ou o autor do texto. Certamente, muita:. destas
questões se devem a construções que pcnnitem ambigilidades sintáticas como "o
burro do vi;:mho'' (o \'izinho tem um burro 011 ele é burro?), "o quadro de Di
Cavalcanti'' (Di Cavakanti tem um quadro ou ele pintou'); ambigilidacles semân-
ticas (muitas piadas baseiam-se neste aspecto) e assi111 por diante.

Com essa concepção ele língua, é fácil notar que o texto pode tomar-se
uma "armadillw" e que nem tudo o que queremos dizer está imcrito nele
objetivamente . 'íàmbém não é possível dizer tudo. já que para isso lerfomos
de produzir uma grande quantidade de linguagem e os textos não terminari-
am nunca. Até por uma questão de economia. o autor de um texto sempre
vai ter que deixar muita coisa por conta do leitor ou ouvinte. Um texto bem-
sucedido é aquele que consegue di1.cr o suficiente para ser bem-entendido.
supondo apenas aquilo que é possível esperar como sabido pelo om·intc ou
leitor. Se o autor ou falante de um texto di1. uma parte e supõe outra parte
como de respomabilidade do leitor ou ouvinte, então a atividade de produ-
ção de sentidos (ou de compreensão de texto) é c;empre uma atiwdade de co
autoria. Em suma, os sentidos são parcialmente produzidos pelo tc,to e
parcialmente completados pelo leitor. t esta maneira de ver o funcionu-
menlo da língua, não é justificá\'cl buscar todos os sentidos do texto no tex-
to, como se eles estivessem ali postos de modo objetivo.

3.5 A necessidade de tomar o texto como


evento tomunitalivo
\o lado da noção de língua, é necessáno ter uma noção de texto e de
funcionamento do texto (cf.. sobre isto as pp. 81-86 da primeira parle do
curso). A escola trata o texto como um produto acabado funcionando como
luiz António Marcuschi 1 Prod11cão tntual, analise de gêneros e compreensão

um contaíner, onde se "entra" para pegar coisas. Ma~ o texio não é um puro
produto nem um simples artefato pronto; ele é um processo e pode ser visto
como um evento comunicativo sempre emergente. Assim, não sendo um pro-
duto acabado e objetivo nem um depósito de infonnações, mas um evento ou
um ato enunciativo, o texto acha-se em pem1anente elaboração ao longo de
sua história e das diversas recepções pelos diversos leitores. O texto deve pre-
encher alguns requisitos para sua fonnulação, mas eles nâ.o são condições ne-
cessárias nem suficientes. A lexiualidade se dá como um sistema equilibrado
de relações entre forma e conteúdo e não como a observância de uma gramá-
tica ou conjunto de regras de boa-formação.

O lexto é uma proposta de sentido e se acha aberto a várias alternativas


de compreensão. Mas todo cuidado aqui é pouco, pois o texto não é uma
caixínha de surpresas ou algum tipo de caixa preta. Se assim fosse, ninguém se
entenderia e viveríamos cm elema confusão. Há. pois, limites para a compre-
ensão textual. E esses limites são dados por alguns princípios de compreensão,
como ainda veremos adiante. Nessa visão, a coerência de um texto é uma
perspectiva interpretativa do leitor e não se acha inscrita ele forma completa e
unívoca no texto. Um texto pode ter coerências diversas e, ao carecer de evi-
dências, o leitor constrói a sua. Nem sempre é feliz nesta atividade e não raro
falseia informações. Aqui, os conhecimentos individuais são muito importan-
tes e até mesmo decisivos, não só corno base para a percepção cio que está
sendo dilo, mas para , pura e simplesmente, montar um sentido.

A sugestão é que se tome o texto como um evento comunicativo em que


convergem ações lingüísticas, sociais e cognitivas, Lal como proposto por
Beaugrande (1997: lO). Portanto, se a língua é atividade interativa e não
apenas fonna, e o texto é um evento comunicativo e não apenas um artefato
ou produto, a atenção e a análise dos processos de compreensão recaem nas
atividades, nas habilidades e nos modos de produção de sentido bem como
na organização e condução das infom1ações. Como o texto é um evento que
se dá na relação inlerali\'a e na sua situacíonalidade, sua função central não
será a informativa. Os efeitos de sentido são produzidos pelos leitores ou
ouvintes na relação com os textos, de modo que as comprecnsõcs daí decor-
rentes são fruto do trabalho conjunto entre produtores e receptores em situ-
ações reais de uso ela língua. O sentido não cslá no leitor, nem no texto, nem
no autor, mas se dá conio um efeito das relações entre eles e das atividades
desenvolvidas. Nesse caso, ele aprcsenla um alto grau de instabilidade e
indeterminação por ser um ~islema complexo e com muitas relações que se
Tcueira Parte 1 Procenos de compreensão

completam na ati,idadc enunciativa .\ssim. pode-se dizer que textos são


sistemas 111stá,•e1'i e sua C'itabilidade é ~emp re um estado transitório de adap-
tação a um determinado objetivo e contexto.

l.<.screver não é comumcar ou transmitir para o papel algo que está na


mente ou no mundo e que eleve ~er captado por outra'i mentes. Pois se a língua
não (: um sistema de repre~entação 011 c~pclhamento da realidade ou de idéias,
a escrita é uma imenção pcnnanente do mundo e a lc1turn é urna reimc11ção
Seguramente, essas ati' idades não sJo aleatórias nem 'oluntariosas, mas
regradas pelas \ivências, pelo controk social e pela cultura . ' lànto a escrita
como a fala são atividades situadas e a situação, ou o conte\.io (cogniti\o,
social. cultural. histórico). cm que são produ7icht'i é parte integral do ato de
escrever ou folar. Um texto é produúdo sob certa1. condiçõ<:s, por um antor
com certos conhecimen tos e determinados objetivos e intenções. Em outro
conte,to de recepção. aquele texto assim produ:1ido pode ter outras condições
de recepção. Ler a carta de Pero Vaz de Caminha hoje não é o mesmo que há
qualro ou cinco séculos. Os lexlos têm história, são históricos. Em ge1al, o
autor tem em meule um certo público. mas não climma outros. lsso repercute
diretamente sobre a forma de organização dos materiais linguMicos e as con-
dições de proces~amento. Dní também a dificuldade de se d11.er o que é uma
leitura objetiva, ~e é que bso foz algum sentido.
Os texim sempre se realizam em algum genero textual particuJar, seja
uma notícia de jornal, uma piada, uma reportagem, um poema, uma carta
pessoal. uma conversação espontânea. uma conferência. um artigo c1entíflco,
uma receita culinária ou qualquer outro. E cada gênero tem maneir~ especiais
de ser entendido, não se podendo ler uma receita culiná ria como se lê uma
piada. um artigo científico ou um po<:ma. O gênero textual é um indicador
importante, pois a produção e o trato de um artigo científico são di, ersos dos
de uma tirinhil ele jomal ou um horóscopo. Ü:; gêneros não são simples for-
mas textuais, mas ''formas de ação social", como cli;, Carol}n Miller (1984) e
eles são orientadores da compreensão, como propõe Bakhtin (1979).

3.6 Algumas observa,ões sobre o contexto


no processo de compreensão
M. Dascal & E. Wei:tnian (1987) tentam construir um modelo integrado
para a 111terprctação de tc,to. tendo por pano de fundo a consideração do
luiz António Marcuschi 1 Producao textual, analis e de generos e tompreensôo

contexto e seu papel fundamental. Observam (1987: 31) que já é amplamente


aceita a concepção de que o contexto lem um papel central na interpretação
de textos, sejam eles escritos ou orais. Em geral, postula-se que o leitor/ou\'inte
acha-se exposlo a w11a base (os materiais lingüísticos que por vezes são tidos
como o "sentido literal") a partir da qual, usando o co-texto e o conlexio, se dá
a compreensão. O problema está na relação entre esses dois aspectos e nos
fatores que intervêm em cada um deles.

Em primeiro lugar, parece que o co-texto ou o dado lingüístico não ope-


ra como fator invariante. Dascal & Vv'eizman apontam três questões cm rela-
ção a isso:

( 1) A simples presença de uma mesma expressão lingüística em diferentes


ocasiões indica que estamos em presença do mesmo ''sentido literal"?
( 2) Que tipo de pisla o leilor emprega para chegar desse suposto "senti-
do literal" à interpretação final?
( 3) Como essas pistas guiam o leitor pela multidão de informações cotextuais
e conlextuais exeqüíveis e como esse labirinlo pode ser organizado?

Tomando o contexto como o possível ordenador inlerprelativo, os auto-


res buscam analisar a influência de dois tipos de infom1ações contextuais:

(a) extralingüística;
(b) mctalingüística.

Sabemos que as expressões que entram na formação de um enunciado


podem ser de vários tipos. Entre elas estão, por exemplo, as que expressam
relações e as denominadas dêiticas. No caso de expressões dêiticas, é fácil
supor que infom1ações extratextuais ou contextuais devem fornecer pistas para
a interpretação do significado do enunciado. No caso das relacionais, isto é já
wn pouco mais complexo. No exemplo dado pelo~ autores:

(1) foâo é um sujeito alto.


tem-se que considerar situações diversas. Se isto é dito em relação a um jogador
de basquete, a média talvez seja l,80m e então ele terá mais de l,80m, mas em
relação aos ocidentais cm geral, como a média é de l, 70m, ele terá mais de
l ,70111. Já para os orientais, a altura é menor. Isso revela que a interpretação de
elementos não-indexicais não tem base nos componentes semânticos, mas em
outras relações. Contudo, as pistas não são de todo exiralingüíslica5.

O modeJo proposto por Dascal & Weizman ( 1987: 35-39), que visa dar conta
do labirinto de indícios à disposição do destinatário de um texto, tenta desenhar as
Terceira Parte 1 Procossos de compreensão

1~ibilidades de seleção mais rebantes para um enunciado específico, uma situa-


ção específica e um conhecimento de base específico. Parlem de 5 princípios:

(i) O destinatário de um lcxlo guia-se por dois tipos de pistas contextuais:


cxtralingüística (con hcc1mcnlos de mundo) e melalingüística (conhe-
cimentos de convenções e cslruluras lingüíslicas).
(ii) Em cada tipo de pistas são posh1lados níveis que vão desde o especí-
fico (conhecuncnto 11ncdiatol até o mais distante (propriedades con-
\·encionais, fatos, crença-;)
(ii1 ) Postula-se um paraleli,mo entre os nfreis de cspcc1ficida<le e os dois
tipos de pistal>.
(i\') A exploração dos dois tipo~ de pil>las se dá num processo cm duas etapas
(a) apreciação inicial (primary valuation) de lrnçm. imediatos e
(b) avaliação posterior (further evaluation) com a checagem da apre-
ciação inicial com base nos conhecimcntm de fundo e outros.
(v) Postula-se outro paralelismo entre os dois tipos de pistas, conside-
rando os processo~ de apreciação e avaliação.

Daí surge o modelo e:\.~lo na figur::i abai.xo (Oascal & \Vcizman, 1987: 3"):
PISTAS CONTEXTUAIS EMPREGADAS PARA A INTERPRETAÇÃO DE ENUNOADOS

Significado do enunciado
1

1
T
Co·texto seqüencial
1

1
T
A. PISTAS EXTRALINGÜÍSTICAS B.PISTA.5~

especifica (1) _ (1) específica

superficial (2) _ (2) superficial

deMdo(3)_ _(3)de hnlo

1
T Interpretação
Luiz Antonio Marcuschi Produ<0u t.-xlv'1I anal"( dP gcnero\ e'º"'!""''~'°º

Com base nos pnncípios ac11na, Dascal & \ \ei7man sugerem as seguin-
tes fontes de pistas contcxht<m:

(Al) contexto extralmgü ístico específico: lraços específicos da situação


referida no texto. (Suponha-se que um sujeito referido num texto tem o costu-
me de almoçar no restaurante l"asano de São Paulo. hlo le>a a se poder inferir
que ele gasta muito com cada refeição, que tem muito <linheiro etc.)

(B 1) contexto metal111güístico específico: traços específicos das circuns-


tâ11cias lingüísticas rele\·antes para o enunciado cm questão (Por exemplo, a
apreciação de determinJda expressão como típica de dado 1dioleto de certa
pessoa )

(,\2) conte>.to extralingiiístico "superficial": suposições gerais sobre os traços


de u111 dado conjw1lo <lc si tuações. (Por exemplo, no caso do restaurante
Fasano, pode-se supor as pe-.soa~ que lá comparecem, seu~ 111odos, seus trajes
etc .. algo a'isim como os ''frames" ou "scripts").

(B2) contexto mctalingi.tÍslico "superficial". suposições gerais sobre a cs-


lrulura convencional de um t<..\to montado para <lc:tcrmmado objetivo; supo-
\ições sobre convenções dependentes de um <'crto registro. (Um texto
1ornalíslico e um Lexlo ficcional levam a suposições diversas acerca de certos
fenômenos.)

(A3) conhecimento extra lingüístico de fundo : conhecimentos de mundo


gerais. (conhecimentos <lo tipo: as pessoas se ve~tem, as pessoas comem para
sobre,-i,er; as pessoas trabalham para ganhar dinheiro c:lc.)

(83 ) conhecimento' 111etalingüísticos de fundo. conhecimentos gerai:.


~obre o funcionamento ela comumcação ,·erbal. (Conhec1 111enlos gerais sobre
a língua, tanto para falar como para entender; conhccunenlo de regras gerais
de interação etc.).

L~sscs dois C'Onju 11tos de contextos não são mutu:Hne11te exclusivos, nem
<le,·em ser entendidos em alguma ordem linear, mas podem se combinar cm
várias ordens. De algum modo pode-se dizer que o contexto específico (Al +
B 1 forma algo assim como o "sentido literal", ou seja, um "perfil de trabalho''
(DasccII & \\'eizman, 1%-: 39). ao passo que (A2 f B2) formam os traços
convcnc10nais e (,\3 + B3 J fom1am o conhecimento ele fundo.

'lbmando-se um texto, podem-se identificar m diversos tipos de contextos


que atuam para que o receptor chegue à sua interpretação particular. Textos
Terceira Parte 1 Processos do compreensão

mais complexos e pouco "transparentes" exigem maior 111\CStÍmento cm contex-


tos. Caso o leitor não domme estes conte,tos corre o risco de mal-entender
aquele te\tO Para Dascal & \Vcizma11 (J%7. f)), "todo~ O'> textos são, cm algu-
ma medida, 'opacos' e como tal requerem o contexto para sua interpretação.

É possível ainda distinguir entre dois tipos de op;1c1dade <le um texto:


( l ) <le1tieidade implíc:ita, que se rcsohe com o recurso de elementos co-
textuais ou contextuais imc<l1atos;
(2) in cl ire tude, que é a diferença entre o significado do enunciado
(utterance-memw1g) e o significado do falante (.~peaker-mecming). cuja
solução exige uma espécie de "segundo canal" de informação.

Para tanto, os autores ( 1987: ++) cfü,Linguem entre dois tipos de 111formação;

(b) pblas (c/ues), co-teÀtuais ou contextuais qm: c:onduiem à detcm1ina-


ção do significado do enunciado e do significado do falante;
(e) clicas (clues ), que permitem di~1tngu1r entre opacidade e mdiretude.

O mode lo teórico proposto por Oascal & Weizman (1987) tem uma
série de aspecto~ interessantes, na medida cm que sugere um caminho para
distinguir tipos de contexto !que podem ser refinado~) e determinar a respecti-
va sernânl1ca (ou pragmática). Contudo. deixa em aberto toda a operacionaliza-
ção, pois não permite montar um quadro de indicadores com potencia l empírico
~uficiente parn verificar concretamente quando se d{l uma ou outrn coisa.

Enin-'lripp (1%~ 51-52) lembra que 11ma interpretação de um ato indi-


reto exige uma inferência pragmática a fim de que -;e possa pcrceb<.:r a inten-
ção do fo lante. Assim. quando a mãe di1

- Vocês e.stão brigando?

Dific1lmcnte se pock dizer que é uma forma comcncional de proibir ou


censurar, pob se trata de uma interrogação. Esta, pelo menos, é a pnmeira
apreciação cm termos de pbtas mctalingiiíslicas, tal como se veria no modelo
de Dascal & Weizman ( 198~ ). Os passo!> que se dão para chegar à interpreta-
ção de que se trata de uma censura 011 proibição poderiam ser cm11H:1ados da
seguinte forma.

(a) o omintc ouve u pergunta e a interpreta no sc11ticlo literal


(b) então checa o conte,to
(c) a pergunta não é relevante. pois o contexto é 'isí\el
(d) a intenção da mãe não é, poi\ \olicitar uma informação
luiz Antonio Mnr1uschi 1 PMclu«10 kxtunl, nnol1"' dr 9'"'"'º' ~ 1ompreensáo

(e) como as brigas são proibidas em casa, lrata-!.e de uma censura


(n a interrogação é interpretada como uma proibição.

~: evidente que temos aí um processo inferencial baseado cm uma série


de proccd11nentos que, neste caso, podem ser explicitados com certa facilida-
de, mas. cm geral. a situação é bem mais comple\a, corno ainda ,·eremos na
análise dos dados de que cfo.pomos.

3.7. No~ão de inferência


A terceira noção central numa teoria da compreensão é a de inferência.
Quanto a i~~o. podemos dizer, tal como lembrado acima, que toda~ as teorias
de compreensão se situam num destes dois paradigmas:
(1) compreender é decodificar ou
(2) compreender é inferir

De um hido, temos as teorias da compreensão como decodificação, ba~ea­


das na noção de língua como código e, de oulro lado, aquelas baseadas na
noção de língua como atividade, tomando a compreensão como atividade
inferencial. De um lado, está a perspectiva de uma semântica lexicalt.,ta, uma
noção de referência extensionalista na relação linguagem-mundo e uma con-
cepção de texto como continente. De outro lado. está uma noção de língua
como ati,,idadc sociointcrativa e cognitiva, com uma noção de referência e coe-
rência produzidas interativamente e uma noção de texto como evento, sendo o
sentido sempre ~1tuado. É nesta segunda posição c1nc nos posicionamos aqui.

\s teorias fundadas no paradigma da decodificação sustentam a posição


de que a língua é um sistema de representação de idéias e o texto é um
repositário de informações. Nela~, compreender não passaria de uma tarefa
de identiíicar e extrair iiúorrnaçõcs textuais. Essa postura é bastante comum
nos livros didáticos e é nela que os exercícios se baseiam para não admitir
resposta~ alternativas a perguntas de compreensão. l\o caso, compreender o
texto é apenas decodificar informações inscritas ob1ctivamente. Já as teorias
que postulam a idéia de que compreender se funda cm ati,·idades cooperativas
e infcrc11cia1s, tomam o trabalho de compreensão como construlirn, criativo e
sociointcrativo. Assim, como vimo~, o sentido não está nem no lcxlo nem no
leitor nem no autor, e sim numa complexa relação mterativa entre os três e
surge como efeito de uma negociação.
Terceira Parte 1 Processos de compreensão

A contribuição essencial das 111ferências na compreensão de tex1os é funcio-


narem como provedoras de contexto integrador para 111formaçõcs e estabeleci-
mento de continuidade do próprio texto, dando-lhe coerência. As inferências
funcionam como hipóteses coesivas para o leitor processar o texto. Funcionam
como estratégias ou regras cmb11ticlas no processo. Não se pode, pois, <lefinir e
medir a compreensão pela qu.mtidade de texto reconstruído pelo leitor, pois ler
comprccnsi"amente não é apenas reproduzir informações texh1ais, nem para-
frasear. Isto seria o mesmo que supor que compreender um texto sena traduzi-lo
em outro equh'alente, de modo uní\'oco, já pre,isto pelo original.

"la compreensão infl uenciam condições textuai~. pragmáticas, cognitivas,


interesses e outros fatores, tais como conhecimentos do leitor, gênero e forma
de tcxlualização. Por isso a compreensão de texto é lima questão complexa
que envolve não apenas fenôme11os lingüísticos, mas também antropológicos,
p~icológicos e factuais. As inferências lidam com as relações entre esses co-
nhecimentos e muitos oulro!> a~p<.:clo~. Por exemplo, a simples interpretação
de um pronome do texto (todos os casos de anáforas) são ath idades infcrenciais.
Para detalhe~. vejam-se os estudos de Kleiman (1989, 1988), larcuschi (1999)
e Koch (2002) sobre o a~sunto.
Urna sugestão muito comum para definir inferência é a de Rickheit,
Scltnotz & Strohner (1985: 8): "Uma inferência é a gewçc1o de informação
semântica nova a partir de infom1ação semântica velha m1111 dado contexto".
Na realidade, as inferências na compreensão de texto são processos cognjtivos
nos quais os falantes ou ouvintes, partindo da informação textual e consideran-
do o respeeti\O contexto, con~trocm uma nova representação semântica. Para
tanto, será necessário ter clarc7a não apenas em relação ao que se deve enten-
der por informação, mas também o que vem a ser contexto. D1anlc do exposto,
pode-se dizer que as inferências introduzem informações por vezes mais sali-
entes que as do próprio texto. Na lcnlativa de melhor compreender o proble-
ma, vejamos o exemplo da crônica A verdade, que se enconlra na obra de Luiz
Fernando Veríssimo ( 1984: 62-63). Para uma melhor visualização, os enunciados
foram numerados de acordo com cada proposição.
Exemplo (1)
A VERDADE
1. Uma donzela estava 1.111 dia sentada à beia de 1111 riacho,
2. deixando a água do riacho pmsar por eitre seus dedos mlito lnlcos.
3. quando sentiJ o seu anel de dimnne ser levado pelas éguas.
4. Temendo o castigo do pai.
5. a donzela contou em casa
luiz Antônio Marcuschi 1 Producão textual, analise de g~neros e compreensao

6. que fora assaltada por um homem no bosque


1. e que ele émllcara o anel de cbnante do seu dedo
8. e a deixara desfalecida sobre ll11 canteiro de margaridas.
9. Opai e os irmãos da donzela flnm atrás do assalante
li. e encontraram um homem domindo no bosque,
n. e o mataram,
12. mas não encontraram o anel de clamante.
13. Ea donzela lisse:
14. - Agora me lembro.
15. não era 1111 homem
16. eram dois.
11 Eo pai e os imãos da donzela saíram atrás do segllÓ> homem
18. e o enco11t111am.
19. e o mataram.
20. mas ele também não tilha o anel
21. Ea donzela lisse:
22. Ettão está com o terceiro!
23. Pois se lembrara
24. que havia um terceiro assaltante.
25. Eo pai e os írmâos da doruela safram no encalço do terceiro assalante
26. e o encontraram no bosque.
21. Mas não o mataram.
28. pois estavam fartos de sangue.
29. Etrouxeram o homem JB8 a aldeia.


30. e o revistaram •
31. e e11co11b11 am no seu bolso o anel de cimnalte da <btzela.
32. para espanto dela.
33. Foi ele que assaltoo a dOlllela.
34. e arrancou o íW1el de seu dedo.
35. e a deilOU desfalecida
36. - gritaram os aldeões - .
31. Matem·no!
38. - Esperem!
39. gritou o homem.
40. no momeito em que passavam a corda da forca pelo seu pescoço.
41. - Eu não rWlei o anel
42. Foi ela que me ded
43. Eaportou JB8 a donzela.
44. diante do escândalo de IDdos.
45. ohomem cortou
46. que estava seràdo à beira do riacho.
41. pescando,
48. quando a donzela se aproximou dele
49. e peõu um beijo.
50. Ele deu o beijo.
51. Depois a donzela tirara a~
52. e pedira
53. que ele a possuísse.
54. pois queria saber
55. o que era o êltlllr.
56. Mas como era 1111 homem honrado.
57. ele resistira.
58. e dissera
59. que a donzela ~ ter paciência.
60. pois conheceria o amor do marido no seu leito de OOpcias.
Terceira Parte 1 Processos de compreensão

61. Então a donzela lhe <ierecera o anel,


62. dizendo:
63. "Já que meus encantos não o seduzem,
64. este anel comprará o seu amor·.
65. Eele sucumbira.
66. pois era pobre,
6l e a necessidade é o algoz da honra
68. Todos se viraram contra a donzela
69. e gritaram:
70. "Rameira!
71. Impura!
72. Diaba!"
73. e exigiram seu sacrifício.
74. Eo próprio pai da donzela passou a forca para o seu pescoço.
75. kltes de morrer, a donzela disse para o pescador
76. - Asua mentira era maior que a minha.
n. Eles mataram peta minha mentira
78. e vão matar peta sua.
79. Onde está, afinal, a verdade?
80. Opescador deu de ombros
81. e disse:
82. - Averdade ê que eu achei o anel na barriga de um peixe.
83. Mas quem acreditaria nisso?
84. Opessoal quer violência e mo.
85. não histórias de pescador.

Utilizei esta narrativa num trabalho sobre "O processo inferencial na com-
preensão de textos" realizado entre 1987-1989 (Marcuschi, 1989) aplicando
um teste com 10 perguntas a alunos de escolas públicas e particulares do ensino
fundamental. Sem entrar nos detalhes da pesquisa, vejamos alguns aspectos de
processos i11ferenciais cm apenas três das perguntas feitas após a leitura do texto:

( 1) A donzela sentada à beira do riacho estavc1 muito bronzeada porque


costumava ir à praia?
(2) O pai e os im1àos da donzela revistaram os dois presos antes ou depois
de matá-los?
( 3) Quantos foram os assaltantes da donzela?

A pergunta ( 1), de caráter inferencial, fazia uma suposição que deveria


ser negada (não estava bronzeada). A informação necessária não está direta-
mente no texto e deve ser construída a partir das linhas 1-2: "Uma donzela
estava um dia sentada à beira de um riacho, deixando a água do riacho passar
por entre seus dedos muito brancos" e com base em conhecimentos pessoais de
que moças com "dedos muito brancos" certamente não vão à praia, pois não
iriam usando luvas ou cobrindo apenas as mãos e por isso não estão também
bronzeadas. De acordo com a previsão, a maioria dos informantes respondeu
que "ela nao estava bronzeada porque era toda branca como seus dedos". Al-
Luiz Antônio Marcuschi 1 Produciío lntval, onalise de generos e compreensão

guns disseram que "ela não esta1•a bronzeada porque ali não havia praia". Em
cada um desses elos dois casos, houve uma inferência, mas com base cm ativi-
dades diversas. Os primeiros fi1cram uma generalização a partir de uma infor-
mação presente e conhecimentos pessoais; os segundos particulan;:aram, ten-
do em \'ista o fato de ela estar num bosque e em bosques não haver praias. o
que a impedia de estar bro111eada. ~las houve um $ignificati,·o número de
alunos que disseram: "Essa infomwção não está no texto". Neste ca~o, busca-
vam uma solução diretamente inscrita na textualidade e tratavam a indagação
inferencial como subjetiva ou impertinente.

A pergunta (2), também inferencial, enrnh ia uma armadilha, pois o tex-


to não dizia que ele~ "foram presos". Foi por is5o q11c alguns responderam: "Os
homens não foram presos. Foram mortos depois de revistados". Um aluno chsse:
"Só um foi preso e esse ncio foi morto". No geral, aqui operaram inferências
pragmáticas, como: "Revistaram depois de matcí-los. ~enão não tinham mata-
do. E isto ser\'Íll de líção para o terceiro suspeito". '\lo entanto, nas primeiras
séries, os alunos diziam não saber se os presos tinham sido revistados porque o
texto não fa la sobre isso.

A pergunta (3) lidava com vários níveis de ve rdade no texto, pois não
havia assaltantes. No entanto, presos às "infonnações textuais", 80% do~ alu-
nos da -1-• série e 603 da 7ª série da escola pública disseram que eram três
assaltantes. Distinguir entre verdade e falsidade em relação às vozes do texto
não parece algo tão natural.

Os pouco!> exemplos aqui trazidos mostram como se lida inferencialmente


com infonnações textuais, conhecimentos pessoais e ~uposições. É preocupante
quando se observa que, em sua maioria, os jovens le1torei. desse texto acharam que
a donzela da história foi enforcada porque agiu como prostituta. E muitos não
souberam sequer dizer qual era a profissão do homem preso e lev<1do à forca.

Muitas vezes, partic ularmente na fala, as inferências são estabelecidas,


como observa Gumperz ( 1982). a partir de pii.tas tais como a prosódia
(entonação, volume e qualidade da \OZ, pausa, velocidade e ritmo da fala ),
escolhas léxicas, distribuição sinláhca, estilo, mímica, gestos, posh.Jra corporal
e assim por diante. O certo é que as inferências são produzidas com o aporte
de elementos sociossernânticos, cognitiYos situaeiona1~. históricos, lingiiísticos,
de vários tipos que operam integrndamenlc. Compreender é, essencialmente,
uma atividc1de de relacionar conhecimentos, experiências e ações num mo1•imen-
to interativo e negociado.
Terceiro Porte 1 Processos de compreensão

A ati"idade inferencial, quando '1~ta na sua complexidade, não pode ser


tida como um mecanismo espontâneo e natural. Pode ocorrer que, em dado
momento, determinada estratégia seja mais eficaz do que outra para dada
operação inferencial. Veja-se o caso do aviso como um gênero textual bastan-
te comllm. Suponhamos que na porta de certo estabclccimcnlo comercial
esteja escrito: "Aberto ao.~ domingos". Com isso posso cnlcndcr, por exemplo:

(a) Este estabelecimento só abre aos domingos.


(b ) Este estabelecimento abre também aos domingo~.
(e) Este estabelecimento abre todos os dias da semana.
Qual dessas interpre l açõe~ é a mais provável? Seguramente, todos diriam
que a intenção do autor desse aviso foi dizer que o estabelecimento abre todos
os <lias, inclusive aos domingos. Assim, parece que (e) seria a interpretação
preferencial e implicaria (b). Mas (a) também não estaria errada: só não seria
usual, porque o normal é abrir durante os dias não-feriados.

Imaginemos agora um outro aviso também comum em portas de fábri-


cas: "l':ao hcí mgas'". O que se dc,·e entender por isto?

(a) Todas as vagas desta empresa estão ocupadas.


(b) Esta empresa não emprega ninguém.
(c) Nesta empresa nao se trabalha.

Imagino que a altemati\'a (a) seja a mais usual, pois a empresa deve ter empre-
gados cm número suficiente e, portanto, ali se trabalha, o que invalida (b) e (c). Por
fim, na relação com misos, deve-se ler claro que as expressões têm muito menos uma
função referencial do que uma 111tcnção per{ormativa, isto é, elas pretendem incitar
a uma ação fütura. A5Sim, ao lermos na parede de um reitaumntc a expressão "Fu-
mantes", não entendemos que ali há pessoas que fumam , mas que ali se fxxle fumar.
lgualmcntc, ao lermos na frente de um prédio uma tabuleta que diz "Saída de
''eículos", não se trata de mmi simples informação de que dali saem veículos, mas
sim de que ali há perigo e deve-se ter algum cuidado ao passar.

Quanto às inferências, cu identificava (Marcuschi, 1989) uma série de-


las. tal como se pode observar no quadro geral abaixo. O curioso é que embo-
ra haja ,·ários tipos de inferências, no nosso dia-a-dia. procedemo!> muito mais
por raciocínios práticos do que por raciocínios lógicos cm sentido estrilo. Esse
aspecto de nossa atuação discursi\a é importante porque mostra que em geral
somos seres práticos. ossa \ivência é, sobretudo, inslítucional e com·enciona-
lizada e não se funda em relações estritamente lógicas. f: assim que lidamos
lui1 Antonio Mar1usihi Produ1õo l~•tual, analis~ d" g~ncros e 1omprccnsoo

com a maioria dos avi~os no dia-a-dia e nunca nos irritamos com sua obvicdade.
Ninguém acha estranho ler "banheiros": "saída", "escada", "extintor de incên-
dio", pois aquilo não é uma etiqueta para designar referencialmente coisas do
mundo e sim um indicador de possíveis ações.

QUADRO GERAL DE INTERFERÊNCIAS

~,,,,.;.,,
lógicas indedutivas
abdutivas
condicionais
De base
textual

INFERÊNCIAS - - - De base
contextual

- - - - - - - - - - - falseadoras
Sem base textual
e contextual
- extrapoladoras

Neste sentido, a inferência que no final resulta numa compreensão espe-


cífica se dá corno fruto de uma operação co-textual/contextual e cognitiva
regida por certas regras. Fundados no esquema acima, podemos agora esta-
belecer um quadro de operações que permite entender o que ocone com
essas inferências. Este quadro não é uma dcfimção clara nem cxausti\'a dos
processos e procedimentos envolvidos na imensa quanlidade de atividades
implicadas no esquema exposto.

Esta série de operações e ~uas respectivas condições de realização po~\i­


bilitam que se avalie,, o que é fo1 lo em termos infcrenciais quando compreen-
demos um texto.
Terceira Parte 1 Processos de compreensão

QUADRO DE OPERAÇÕES

Tipo de operação
inferencial
lógica Reunião de duas ou mais infonnações texllla1s que
funcionam como premissas para chegar a outra
1. dedução
infonnação logicamente. Aconclusão será necessária se a
operação for vtilda. Operação pouco comum em narrativas.
lógica Tomada de várias infonnações textllais para chegar a uma
2. indução conclusão com valor de probabilidade de acordo com o
grau de verdade das premissas.
Íiexical Tomada de um elemento geral de base lexical ou
semântica fundado em experiências e conhecimentos pessoais
3. particularização
pragmática individualizando ou contexlllallzando num conteudo
1 particular com um lexema específico.

lexical Saída de uma infonnação especifica. por eJemplo. um


4. generalização
pragmática lell!ma. para chegar â afmnação de outra mais geral
lexical Condensação de várias infonnações tomando por base
5. sintetização semântica saliências lexicais sem que ocorra uma eliminaçao de
pragmática elementos essenciais.
- --
6. parafraseamento llexical Alteraçao lexical para dizer a mesma informaçikl sem
semâltica alteração fundamental de conteúdo proposicional

lexical Afinnação de uma infonnação obtida através de saliências


7. associação semflltica lexicais ou cognitivas por associaçao de idéias.
[pragmática
lexical Atividade de explicitacao dos atns iloculórios com
8. avaliação semâltica e1pressoes perfonnativas que os representam. Funciona
ilocutórla pragmática como montagem de um quadro para explicitação de
intenções e avaliact>es mais globais.
cognitiva Reordenação ou refonnulação de elementos texlllais com
pragmática quadros total ou parcialmente novos. Diverge do
1

9. reconstrução experiencial acréscimo na medida que insere algo novo siruado no


velho. No caso das narrativas, opera como uma estratégia
de mudar o discurso direto em indireto e vice-versa.

cognitiva úclusão pura e simples de infonnações ou dados


10. eliminaçio experiencía relevantes e indispensáveis. impedindo ate mesmo a
lexical compreensão dos dados que pennanecem.
pragmática lntroduçao de elementos que não esl:OO implícitos nem
11. acréscimo experiencial são de base texlllal. sendo que muitas vezes podem levar
1 Iaté a contradições e falseamentos.
cognitiva Atividade de introduzir um elemento e afinnar uma
12. falseamento experiencial proposição falsa que não condiz com as informações
teJiluais ou não pode ser dali inferida.
luiz António Marcus chi 1 Produrno !ex tuol, anafüe de 9enero' (' comprccnsao

3.8 Compreensão como processo

Uma das idéias centrais nesse con texto teórico é a concepção da compre-
cmão como processo. Quanto a isso, podemos identificar pelo menos quatro
aspectos na forma de operacionalização desse processo, ou sejam:

1. Processo cstrJlégic:o esta noção sugere que a compreensão não é


uma atividade com regras formais e lógicas que dão resultados auto-
máticos. Os processos estratégicos permitem supor que as ath·idades
estão voltadas para uma ação eomunicati,·a otimizada, com escolha
das alternati\'as mais produtivas. É por isso que as inferências mais
comuns não são as lógicas e sim as pragmáticas, semânticas ou
cognitivas de uma maneira geral.
2. Processo flexl\·cl· esta idéia afirma que não l1á uma orientação úni-
ca, podendo a compreensão dar-se tanto num movimento global (top-
down) como local (bo ttom-up), a depende r da~ necessidades dos
interactantes e cio contexto discursivo. A compreensão pode se dar
1


num ir e 'ir em mO\ imento<; do todo para as partes e vice-versa .
3. Proces~o 111h..rJl1\o. ponto-cha\•e aqui é o falo de que a compreen-
são, em especial na~ allvidadcs interativas real izadas na relação face
a face (textos orais cm geral), é negociadn, ou seja, é co-constrnída e
não unilateral. Uma negociação com as proposlHs textuais e com o
interlocutor. Mas isto ocorre também no caso da leitura de textos
escritos, já que eles são sempre interativos e possuem marcas com
essas orientações. Os dêiticos discursivos. por exemplo, são sempre
monitorações cogniti\'as interpessoais.
+. Proc.esso mfurnt JI· como se \'Íu detalhadamente. esta noção d1.t
respeito ao modo da produção de sentido que não se dá pela identi-
ficação e extração de informações codificadas, mas como wna ativi-
dade em que conhccimcnlos de diversas procedências entram cm
ação por formas de raciocínio variadas, ta l como listado acima.

Concebendo a compreensão como processo, fica evidente que e]a não é


uma athidade de cálculo com regra~ precisas ou exatas. Contudo, se compre-
ender não é uma ati\'idade de precisão. isto também não quer dizer que seja
uma atividade imprecisa e de pura adi\inhação. Ela é uma ali\ idade de sele-
ção, reordenação e reconstrução, cm que certa margem de criatividade é per-
mitida. De resto, a compreensão é uma atividade dialógica que se dá na rela-
ção com o outro.
Tcucira Parte Proces.sos de compreensão

Diante de tudo o que dissemos até aqui, é ratoá\'cl admitir que leitu-
ra e comprcenc;ão de te,to não é umu ath idade de \'ale-tudo. Um texto
permite muitas leituras, mas não infinitas. Não podemos di7er quantas
são as compreensões possí\'cis de determinado texto, mas podemos dizer
que alg11mas delas não são possíveis. Portanto, pode haver leituras erra-
das. incorretas. impossíveis e não-autorizadas pelo texto, como tão bem
explicou Síri o Possc11ti t 1990 e 1991) Por exemplo. não podemos en-
tender o contrário do qt1c está afirmado, ou seja, nossa compreensão não
pode entra r em contradição com a verd ad e das proposições do texto:
compreender é produnr modelos cognitivos compatíveis preser\'ando o
va lor-verdaclc.

Na tentativa de melhor vi~ualitar a questão, sigo sugestão de Mar-


celo Dascal ( 1981 ), imaginando o texto como uma cebola . !'\ mctMora
não é a melhor, mas pode ajudar a perceber a questão com algum grau
de plasticidade. As camadas internas (as cascas cen trais) seriam as in-
formações objetirns: uma espécie de núcleo informacional que qualquer
11111 te ria de admitir sem mudar o contct'1do (por exemplo, dados factuais, -
nomes, lugares etc.). Seriam os elementos tipicamente informacionais -
que nunca \'ão além de 30 a 50'7c do que entendemos no tc\.to. Em
seguida, vem uma camada (as cascas 1ntcrmediánas) que é passível de
receber interprctaçõcs diversas, mas vá lidas; esse é o terreno das inferên-
cias (cm gera l ali estão as implicaturas, as intenções, uma espécie de
terreno do, 'iubentenclidos e das suposições). l!.ssa camada perfaz um
conjunto corn.1derável que, em certos textos, tal como os publicitários.
constitu e n1 mais de 50%. t\ camada seguinte (as cascas mais longe do
núcleo) é mais complexa e está sujeita a muitos equívocos, já que é o
domínio de nossas crenças e l'alores pessoais. Textos poéticos, textos da
c<;fera religiosa e te\tos de alto teor ideológico como os discursos polí-
ticos operam de modo bastante acentuado nesse nível de interpreta-
ção. Por fim, existe uma camada (as tíltimas cascas) que é a mais v1.1l nc-
rá\'el e sobre ela podemos discutir, pois c~ t <í no domínio das
extrapolaçõe.s. É aqui que costuma surgir o equí\OCO mais e' 1cknle nas
111terpretações textuais, e a discussão é inlerminá\'el.

Traduzindo a imagem da cebola num diagramu para entender melhor


como se dá a compreensão. poderíamos usar a figura abaixo. m1 qual estão
desenhados cmco hon7.ontcs que ilustra111 o que se passa com a compreen-
~ão. Vejamos:
luiz Antônio Manuschi l Produ1ao lutual, analise de generos e 1ompreensâo

HORIZONTES DE COMPREENSÃO TEXTUAL

TEXTO ORIGINAL

FALSEAMENTOS

EXTRAPOLAÇÕES

INFERÊNCIAS POSSÍVEIS

PARÁFRASES

CÓPIA

FALTA DE
HORIZONTE

HORIZONTE MÍNIMO

HORIZONTE MÁXIMO

HORIZONTE PROBLEMÁTICO

HORUONTE INDEVIDO

O texto original é aquele que recebemos para leitura, por exemplo, o


texto de Luiz Fernando Veríssimo. Certamente, podemos ler esse texto de
várias maneiras. Essas diferentes maneiras são hori:::o11leb ou perspectivas dh er-
sas. Tentemos uma brc'c explicação:

1. Falta de honzontc - uma leitura nessa perspecliva apenas repete ou


copia o que está dito no texto. Permanecer ncss<.: nível de lei tura é agir como se
o texto só tivesse informações ob1ctivas inscritas de modo transparente. A atid-
da<le do leitor se rccluúria a mera atividade de repetição. Essa é a perspeeti,·a
dos exercícios escolares. Ela existe, mas não é a única e é muito óbvia. Por
outro lado, repetir um texto nem sempre é garantia de que se compreendeu
efetivamente, pois sabemos que decorar um texto não garante compreensão.

2. Horizonte mínimo ne~se caso, teremos o que aqui se chama de


leitura para{rástica, ou seja, 111na espécie de repetição com outras palavras em
Terceira Parte 1 Processos de compreensão

qHe podemos deixar algo de lado, selecionar o que dizer e escolher o léxico
que nos interessa. Certamente, vmnos colocar alguns elementos novos, mas
nossa interferência será mínima e a leitura fica ainda numa atividade de iden-
tificação de informações objetivas que podem ser ditas com outras pala,ras.

3. Hori7onte m<himo - essa é a perspectiva que considera as atil'idades


inferenciais no processo de compreensão, isto é, as atividades de geração ele
sentidos pela reunião de várias informações do próprio texto, ou pela introdu-
ção de informações e conhecimcntoc; pessoais ou outros não conticlm no lt:x-
to. i:: uma leitura do que m i nas entrel inhas; não se limita à paráfrase nem fica
reduzida à repeltçào. Esse honzonle representado pelas inferências constitui
o horizonte má:-.imo da produção de ~entido.

+. Hor.lzontc problemático - embora esse horizonte não seja c111 princí-


pio descartá,·el como inadequado, ele vai muito além das informações do pró-
prio te:-..io e se s1h1a no limite da interpretabilidade. Trata-se do âmbito ela
extrapolação. São leituras de caráter pessoal, onde o invest imento de conheci-
mentos pessoais é mt11to grande. Na escola, essa esfera é tida como a da "opi-
nião pessoal" e ali se instala quase que um vale-h1do. Assim, por exemplo,
parece possível , ma'> é problemcitico dizer que, no caso cio conto de Veríssimo,
os habitantes do povoado em que morava a don1ela eram sanguínários e in-
tramigentes com a prostituição, ou afinnar que o te:'l.tO mostra como o~ pc~ca­
dores são mentirosos.

5. Horizonte indevido - finalmente, identificamos uma zona muito ne-


bulosa que qual ificamos como indevida ou proibida. I~ a <írea da leitura erw-
da. Por exemplo, '>t1ponliamos este te:'l.to publicado no 01 \IUO DE PER."-':\\181.:co:

·· fodas as m1h1cas tocadas e cantada~ no camaral pemambucano de 1996 fica-


ram entre o frl!l'O e o maracatu numa demonstração inequívoca da supremacia da
cultura local".

Se, com base ncslc te>..io, alguém dissesse que entre as músicas tocada~ no
carnaval pernambucano estavam o chorinho e a axé mw1ic, ele estaria contes-
tando o te:'l.tO, mas não compreendendo ou interpretando, pois o te:-..to não
permitia aquela leitura. Contudo, !>e alguém tivesse lido esse texto numa !lcçfio
de variedades da revista Veja, poderia achar que se trn lava de uma ironia.
Nesse caso, baseado em suposições v;írias, ele poderia inferir que o antor do
lc:-.lo quis dar a cnlencler de maneiru irônica que em Pernambuco não há ~6
fre\O e maracalu no camavaL ficando num hori;:;onte problemático.
Luiz Antonio Marcuschi : Produ<ao 1.. 1 tuol, analise de y<'ncros ~ rnmprecnsaa

Com esta última observação, entramos num terreno delicado e limítrofe,


que é o de perceber as intenções no texto. É difícil desenvoh·er uma teoria
consistente e clara para essa fina lidade. Existem vári<lS delas, por exemplo, a
teoria das máximas convc~acionais de H. P. Crice (1975), que explica como se
dão as implicaturas (inferências ele natureza pragmática), de que não tratare-
mos aqui. Essas teoria~ defonclem que é possível, com uma frase ou um texto,
dar a entender o contrário daquilo que é expresso pelo Mtposto 'sentido literal'.
!\la~ aí entramos numa quc~Wo bastante complexa, ou se ja: existe ou não o sen-
tido literal? Embora rebante para o trabalho com a compreensão, esta questão
~1 de nosso campo. Para observações interessantes sobre o a~ unto, remeto ao
csh1do de Possenti (2002), para quem o sentido literal existe, mas de uma ma-
neira geral as palavras não funcionam 'literalmente'. Nós dificilmente vivemos
cm "estado de dicionário". Parece que os autores de livros didáticos ainda se
baseiam de modo muito cnfi.ílico no dicionário para identificar sentidos de pa-
lavras e não se fundam no "funcionamento textual do léxico".

3. 9 A compreensão interdialetal
Gumperz (1982) trata da questão da compreensão mtcrcultural e mostra
como visões de mundo diversas repercutem também na relação interpessoal.
bto quer dizer que a linguagem e sociedade lêm uma relação muito estreita
sob este aspecto. Uma prova contundente disso é Lambém o estudo de Bortoni-
Ricardo (1984} que será aqui analisado com algum detal he.
Stella Maris Bortoni-Ricardo ( 1984: 9) toma como base de sua análise a
premissa de que é um "mito" a unidade lingüística no Brasil. Pois nosso portu-
guês acha-se enormemente <li\ 1dido em dialetos (\ariedadcs socioletais) muitas
vc7.es mutuamente inintclígivcis. Isso por razões essencialmente sociolingüísticas.
1-!:xistc, sim, uma variedade diat6pica de validade suprarregional que conhece-
mos como língua portL1gt1e11a /Jadrão, no entanlo, o padrão não se verifica mais
do q11c na escrita, sendo que na fala ele é, no máximo, um bem social distribuído
apena.~ entre as camadas mais cultas da população. Isto é identificado por Bortoni
(1984: IO) dentro de mn continuum lingüístico cm que de um lado estariam os
fa lares ('"dialetos rurnis") de populações em situação isoladas e, de outro, a fala
das camadas de maior 1nslrução e com acesso aos meios de comunicação.
Borloni-Ricardo se dedica à análise dos dialetos rurbanos (rurais+urbanos),
m1 seja, àqueles dialetos fa lados pelas camadas populares que se situam na
Terrelre PÍirte 1 Processos de compreensão

zonas periférica:; das cidades, que têm pouco acesso à escolari1ação e vêm do
interior. Essas populações rurbanas têm grandes dificuldades de compreensão
quando entram em interação com os urbanos. Os dados que constituem o
objeto de análise de Bortoni-Ricardo (1984: 10) foram e:-..traídos de entrc\ls-
tas feitas com migrantes da tona rural e fi-:ados em Brasilândia (uma cidade-
satélitc de Brasília). Os entrevistadores eram alunos universitários da UnB.
A variedade dialetal oferece, sem dú' ida, dificuldades (barreiras) à com-
preensão. \las, certamente, muitas das dificuldades encontradas têm sua ori-
gem na natureza do evento trabalhado, ou !>eja, a entrevista, que tem formas
próprias de conclução. como já vimos antcnormente. A questão ela relação
entre os pares adjacentes (11a organização do própno evento comunicati'o
enlre\'ista) é sempre problemática (cf. Coffman, 1976), poi~ uma pergunta
coloca certas demandas que o parceiro. na resposta, deve satisfazer.
J3ortoni-R1cardo ( 1984: 12) observa que para <1 análi5e da interação nes-
sa11 entre' istas, três aspectos de' cm ser considerados:
assimetria entre os interlocutores - é um fa to que di7 respeito à
própria d1~tnbu1çâo dos papei~ sociais do~ interlocutores e regu-
la o poder que emerge nessas situações. esse ca~o. lemos, por
um lado, a própria naturern do C\cnto (entrevista ). que é
assimétrico e, por outro, a realidade '>Ocial do!> folantes (unh·cr-
si tá rios-a naifa belos).
2. disposição para a convergência - trata-se da dispo~ição por parte
dos falantes. sobretudo dos de mais alta 111strução, ele adaptar-se à
fala do interlocutor, facilitando a compreensão. É uma estratégia
que vba minimizar as diferenças e satisfazer um processo de acomo-
dação. Pode manifestar-se na mudança ele código, mudança de pro-
núncia, \ariação de registro etc.
3. insegurança lingüística - a 111scgurança lingüística leva a que a~ pes-
soas por vezes suponham que compreenderam e, outras, que se en-
treguem minimizando-se ou infcriorizando-!>e como incultal>, anal-
fabetas etc.
Antes de prosseguir com as observações de Bortoni-Ricardo, gostaria
de tra7er um e'\cmplo ba11tanle intere~san te de uma empregada domé~tica
do qm1l eu gosto muito e cito em vários trabalhos meus. É uma seqüência
muito iluslrativa que mostra com clareza como se organizam os procc~sos
de compreemão na interação verbal. Trata-se de um trecho em que uma
Luiz Antônio Mar<uschi 1 Produ1ao lclllual, analistr de género• e co111preensoo

entredstadora uni' crsitária pergun ta a uma empregada doméstica analfa-


beta ~obre s ua~ atividades diárias~:
(Exemplo 2)
I - (Ítala - entrevistadora, mulher)
S - (Severina - entrevistada, analfabeta, 28 anos)
1 1- há quanto tempo está nesta casa?
2 S- há lfll ano e um mês
3 1- que é que você faz aq111"1
4 S - eu cozinho e arrumo
5 1- você cuida também de crianças?
6 s - ctido l1llitcho bem
1 1- fica muito tempo durarte/ com ela_ com elas?
8 S- depende do te~ se ela for sac e não tivé quem fique eu fico até: o:
9 tempo todo _ se nao tivê oltra eu eu posso ficã ~ lfll ano_dois _ depende
10 1- você gosta de crianças?
11 S - gosto bastante
12 1- qual a idade das crianças?
13 S - ah: ... seis me:)s um a:no dois a:no_ até:... deiz ano/ depende
14 da ctiança _ se ela for muito boazinha comigo eu gosto dela
15 1- e nesta casa?
16 S - bom nessa qui eu gosto BAStante da casa - gosto dela _ minha
17 patroa é muito boa. nao tenho o quê <izê dela
18 1- e das crianças?
19 S - gosto realmente também
20 1- quais as idades?
21 S - essa daqli éh: se::is ano _ só tem uma
22 1- llll8?
23 S - só sim sim senhora

No caso desta entrevista, o que temos é urna siluação bastante singular,


c111 que ~e dá uma confnsão baseada na não-idcnliflc~1çiio correta dos referen-
tes, e a enlrevistadora procura refazer o rumo da entre\ 1sta, mas não consegue
resolver a questão.
Bortoni-Ricardo (198+ 14) traz um caso que ilustra o problema da con-
\ergência num caso de incompreensão. \'eja-se:
(Exemplo 3 )
1 E- e do INPS, ou do FUNRIJRAI., você já recebeu algum benefício?
Assim que você estivesse doente. tivesse assistência. alguma coisa assim?
2 MO - Como que a senhora fala?
3 E- Oo instituto. Lá na roça. vocês não tinham institutn, não é?
4 MO - lá? Assim de ganhã?
5 E- Assim de tê médico de graça..

'\ote-se que aqui a comergência deu-se mediante um processo de refor-


mulação ou ~ubstiluição le\ic.cll da sigla Ii\ PS e FU'\ RURAL para outro regis-
tro e uma e\phcação.

-+. Dados extraído; do l'ro,elo sobre <1 linguagem falada pela emprC'gada doméstica. entrevista
colct.idJ em l9i8 e transcntJ por 1.1111 t\nlõn10 \1arclllichi
Terceira Parte 1 Processos de co111preensão

Em outros casos, as próprias mformanles tomam a miciativa de confessar


sua insegurança lingüística e de aulodcgradarem, atribuindo a incompreensão
a fraquezas como a falta de memória ou outras coisas. Veja-se este caso:
(Exemplo 4 - p. 15)
1 E- Omédico jUisse o que é?
2 LS - Nlm disse.. disse sin. mais eu llllTl compreendo muito bem, eu me esqueco,
é um nomezinho esquisitn, nllll sei bem como é não.
{Exemplo 5 - pp. 15-16)
1 E- Mas tem um programa especial (no rádio) que a senhora gosta?
2 MT - Tem maisi eu num entendo daqt.ilo, eu vejo eles falá. eu esqueço, tô c'a cabeça ruim..

Há casos cm que a entrevistada fornece respo~tas sem entender a per-


gunta. Veja-se esta situação:

(Exemplo 6 - p. 16)
1 E- Eassim de grupos de igreja. de dança. a senhora participa de alguma coisa?
2 Mil - participo
3 E-de quê?
4 Mil - Ah. eu sõ boba eu num sei de que que é. cllllé que é que responde a serilora.

Veja-se que cm alguns caso!> trata-~c de uma fonna lingüística com a sua
pronúncia alterada que leva à incompreensão corno neste caso:
(Exemplo 7 - p. 17)
1 B- Outros traz um agradinho, um sabão assim_
2 E- Traz o qué?
3 B - Traz llTI agradinho de - alimerto. né?
4 E- Como é que a senhora ctana?
5 B- Conceição Moreira!
6 E-Hão!
7 B-Ah!

É curioso que o turno 5 não lcm nada de não-cooperativo como observa


Bortoni-Ricardo. mas se trata de uma incompreensão. pois a expressão:
- Como é que a senhora chama?

pode lanto s1gniíicar:


a) como é iicu nome?
b) como é o nome disso?

~cndo que a entre\istadora tinha em mente a compreemão (b). Mas no dialeto


da cntre,·istada, o verbo chamar não é pronominal e só entendido na \Crsão
(a ), ao passo que para a versão (b) ela usa o verbo ''falar", ou seja:
- como é que fala isso?

Talvez a solução tivesse sido dizer:


- como é que a senhora chama isso?
Luiz Antonio Marcuschi ' Produrno lexlunl, analise de yénNo• e <0mprce"'ªº

Bortom-Ricardo dividiu os casos de incompreensão ern cinco grupos:

a) regras fonológicas
b) regras morfológicas ou 11i ntáticas
c) d) e) regras pragmáticas, questões lexicais ele.

O exemplo mais marcante para regras de naturc7a fono lógica que inter-
ferem na compreensão é o seguinte:
(Exemplo 8 - p. 19)
1 E- llfpende de que o sucesso da gente? Pra gente conseguir alguma coisa.
2 depende de qué? de quem?
3 MP - uai, depende da... da sistença da gente e da boa vontade. né? Num õisisti
4 daquilo l sempn.
5 E- Mas que tipo de assistência seria essa?
6 MP - Não assistença assim da gente mesmo falá: ieu võ fazê aquilo. aquilo que reu
7 tenho vontade, né, de trabalhá pra... pra se consegui aquilo, a gente trabalha e
8 consegue, o faiz aquilo que a gente tem vontade de fazê, né?

'\lo caso da primeira rcspo!>la da informante, elJ em (3) mou a ex.'Pressão


si.,tença em que a pala, ra insistência "sofreu uma afércsc da sílaba inicial e
reclnção do ditongo crescente na sílaba átona final"' (Bortoni-Ricardo. 1984-:
19). \ entrevistadora interpretou essa pala\Ta como assistência e, como não
entendeu, pediu esclarecimentos.
Mas, de acordo com o que observa Bortoni-Ricardo, parece que a maior
parte de problemas na compreensão nestas entrevi~tas deve-se, sobretudo, a
questões de natureza lexical. Vejamos alguns casos.
(Exemplo 9 - p. 22)
1 E- Dona Maria, nos próximos dez anos, o que a senhora pretende íazé?
2 MT - Dez ano agora ou...
3 E- É. nos próximos dez anos
4 MT - Pra trais?
s E- Não. daQti pra rrerte
Note-se que o turno (2) é um pedido de esclarecimento. tal corno o turno
(4). Trata-se de uma scqüC!ncia paralela ou lateral (side sequence na termino-
logia de Jefferson ( 1972)). Vejamos mais alguns exemplos dentro dessa mesma
série de questões lexicais:
(Exemplo 10 - p. 23)
1 E- Osenhor vai freqüentemente a Taguatinga?
2 Cf - Uhm?
3 E- Osenhor vai muito a Taguatinga?
4 (} - VÔ, airda ontOlte mesmo eu vim de lá.

(Exemplo 11 - p. 24)
1 E- Na sua opinião, uma pessoa que nasce pobre, pode melhorar sua condição econômica?
2 MC - ??????
rarcalra Parte 1 Processos de compreensão

3 E- Osenhor acha que ela pode melhorar sua cond~ão econômica? Pode vir a ser rica.
pode pelo menos ter vida boa, folgada?
4 MC - Tem e'as que miara a s«uação. né, a pessoa é pobre. mas no fim ganha as coisa né?
(Exemplo 12 - p. 28)
1 E- A senhora esteve presente nas duas últimas re111íões da novena?
2 FS - Se eu tive?
3 E-t
4 FS - Não.
5 E- Asenhora nao foi?
6 (intelferema da filia da irlormante) - Ea senhora não foi naquela Liima novena?
1 FS - Tive na novena. mas nao tive presente!

Esle último c~so é muito significati\O. pois mo\lra como um termo pode ser
polissêmico (presente = adietivo e presente'- substanll\O). Lembro que é esse um
dos caminhos pelos quais ~urgem também piadas ou xistes que trabalham com
reelaborações ou rcanáfoe~ morfológicas da língua para que <1utjam as piadas, tal
como muilo bem obsem1 Possenti cm seus Lrabalhos sobre o assunto.
Um a~pecto muito importante no processo de compreensão na interação
face a face é o relati\'o à identificação dos referente~. Os referentes podem 11ão
ser corretamente identificados por razões \árias. \'eja-se c~tc caso trazido por
Bortoni-Ricardo ( 198+: 28) em que tudo radica no fato de o referente ser
designado por um item le\.ical de~conhecido.
(Exemplo 13 - p. 28)
1 E- A senhora participa de alguma associação de moradores?
2 BP - Moradõ?
3 E- Capaiz que aqli não devi tê não. associacão de moradores. tem?
4 BP - Tem
5 E- A senhora participa?
6 BP - Participo sim. Oque é isso, associação de de moradores?

U1m das observações de Borloni-Ricardo ( 198+ 29) que merecem des-


taque neste momento é a que lembra a cmúusão que é feita entre monolíngüwno
(que é o fato de termos uma só língua, a portuguesa ) e homogene1dade Lingüís-
tica. Pois se o segundo i111plica o primeiro, o primeiro não implica o segundo.
'\Jão se lrala de uma implicação mútua e sim de uma unidirecionalidade nessa
implicação. A conseqüência mais grave aqui é a que dt.t: respei to à própria
cidadania. Pois as pessoas em ambientes rurais ou rurba11os. que ec;tão sendo
bombardeadas por mensagens (até mesmo oficiais) para ~eu próprio bcm-
eslar, seja pelos noticiários ou pelos esclarecimentos, não e/itão !lendo atingi-
das. Ficam à margem cio próprio dcsem·ohimento c;ocial Quando isso chega
à escola, temos uma situação ainda mais preocupante~ .

5. Sem hom ÇOO\t1ltar a Rc:\ 1sta f emp() Brm.ilerm n1H ( 19-81. que tr;ita do tema geral linglii~hca e
ensmo do >'Cmcículo. ,\ di...,ertaçiio de lnalda Ro<lrigue~ de Smva 119/iO) sobre J in teração médic:o-p,1dcnte
pode ser um bom ponto de apoio para se ob,t·rvar algumas elas llllt,tõcs lcvanbd.t!. ne-.tc contc.xto
luiz Antônio Marcuschi 1 Producão tntual, analise de generos e compreensão

Sena um bom ob1eto de estudo a questão da compreensão de noYelas, de


noticiários. de porta-Yozcs do go,•crno por parte de no~sa população média.

3.10 O tratamento da compreensão nos livros didáticos


!'\este momento, Ycrcm o~ nm tema de grande importância que hoje, qua-
~e uma década após os PCNs, já está sendo tratado dl. forma mais séria e mais
adequada do que há de1. anos, quando fiz uma análise minuciosa de uma série
de manuais de ensino de língua portuguesa (cf. \ 1arcu~c.h1, 1996; 1999). a-
queles trabalhos, observei que quase todos os manuais apresenta,·am pelo meno)
uma seção de exercício~ chamada Compreensão, lnterpretaçéio, Entendimento
de texto ou algo semelhante. Essa parte do trabalho deveria exercitar a com-
preensão, aprofundar o cntc11dimcnto e conduzir a uma reflexão sobre o tex-
to. A iniciativa é e l ogi<~vel e extremamente necessária, pois a compreensão
dc\c ser treinada. /\lém di~so, a compreensão de texto é um dos aspectos bási-
cos no domínio do uso da língua. Pode-se até dizer, de forma ba~tan te radical,


que compreender é incontomái·el.

A constatação feita com base nos livros didáticos da época foi bastante
111cla11cólica ao descobrirmos que, cm sua maioria, esses exercí<.:ios não passa-
vam de uma descomprometida "atividade de copiaç<io" e, na melhor das hipó-
Lcscs, se prestavam como exercícios de caligrafia, nw~ não estimulavam a re-
ílcxão crítica. As observações a seguir foram e:draídas parc ialmente de
~ larcuschi (1996 e 1999).

Já que todos os autores de livros didáticos 1ulgam relevante o trabalho


com a compreensão Lcxtual. inserindo farta dme de exercícios, o problema
não é a ausência desse tipo de trabalho e sim a nalt1re::a cio mesmo. Entre
esses problemas, identificamos os seguintes:

( 1) A compreensão é considerada, na maioria dos casos, como urna sim-


ples e natural atividade de decodificação de um conleúdo objetiva-
mente inscrito no texto ou uma atividade de cópia. Compreender
texto resume-se, no geral. a uma ati' idade de identificação e extra-
ção de conteúdos. Como se verá, mesmo nos ah1ais descritores suge-
ridos pelas l\1atnzes do SAEB persiste em boa medida essa idéia .
( 2) A5 questões típica~ de compreensão vêm rmsturadas com uma série
de outras que nada têm a ver com o assunto, c!>pccialmente ques-
tões formais.
Terceira Parte 1 Processos de compreensão

( 3) É comum os exercícios de compreensão nada lerem a ver com o


texto ao qual se referem, mas serem apenas indagações genéricas ou
apenas indagações de ordem !>ubjeti\'a que podem ~cr respondidas
com qualquer <lado.
(+) Os exercícios de compreensão rararnenle levam a reflexões críticas so-
bre o texto e não pem11tcm expansão ou construção de sentido, o que
reforça a noção de que compreender é apenas idenliftcar conteúdos.

Estas constatações e,idenciam não apenas a fulta de claret.a quanto ao tipo de


exercício que eleve ser feito no caso ela compreensão. mas principalmente a falta de
clare7.a quanto aos procc~sos envolvidos. Perde-se 11ma cxcelenle oportunidade de
treinar o raciocínio, o pcn!l<lmeuto crítico e as habilidades argumcntali\'as. lambém
se perde a OJX>rhmidade de incentivar a fonnação de opinião.

Aspecto importantíssimo, e que persiste ainda hoje, é o foto de a maioria


absoluta dos exercícios de compreensão dos manuais escolares rei.umir-se a
perguntas e respostas. Poucas ~ão as atividades ele reflexão. Em geral, trata-se
de perguntas padroni1adas e repetitivas, fei tas na mesma seqüência do texto
Quase sempre se re~tringe m às conhecidas indagações objetivas:

O quê?
Quem?
li
Quando?
Onde?
Qual?
Como?
Para quê?
Ou enl:io contém ordens do tipo: copie, lígue, retire, complete, cite, trans-
creva, escreva. identifique, reescreva ... partes cio texto.
Apesar desta observação negc1tiva, é bom lembrar que esses exercícios não s.'lo
inúteis. Eles podem ser feitos, e t.alve7 sejam necessário11, mas se levarmos em conta
o que aqui foi C\-posto a respeito cio~ proces.c:>\ de compreensão. eles não são exercí-
cios ele compreensão, pois se preocupam apenas com aspectos formais ou então
rcdu1cm o trabalho à identificação de informações objetivas e superficiais. Essa é
uma forma mmto restrita e pobre ele \'er o funcionamento da língua e do texto.

Tal como obser\'ado, perguntas muito comuns nos exercícios de compre-


ensão são aquelas que indagam sobre a~pcctos formais, sem necessidade de
análise. Entre elas encontramos:
Luiz Antonio Mar<uschi 1 Produ<ao lntual, analise de generos e conopreensao

• Qual o título do texto?


• Quantos versos tem o pocmn?
• b11 quantos parágrafo~ apareceu a fala das personagens?
• Quantos parágrafos tem o te'\to?
• Numere os parágrafos do texto.

Estas perguntas têm sua utilidade em outro contexto, pois conduzem a


conhecimentos fo rmais interemrnles. Exigem que se saiba, por exemplo, o
que é parágrafo, verso, título ele. Contudo. não se trata de queslôe!i de com-
preensão. O máximo que elas conseguem é evidenciar a má noção do que seja
compreender um texto. Ao invés de indagar qual o título do texto, seria inte-
ressante uma atividade de reflexão sobre o tíh1 lo c não uma simples ação de
copiar o título.

Vimo~ que é possível haver leituras diferenciadas e ainda corretas do


mesmo te~to. A proposta dos exercícios escolares falha sob esse aspecto por-
que concebe o texto como uma soma de informaçõ<.:s objetivas e c"\ch1s1\·as.
Com um conceito de língua tal como o aqui adotado, que se recusa a restrin-

li gir a língua a um simples instrumento com a função de transmitir iníom1ação


e uma noção de texto como proposta de sentido, podem-se sugeri r exercícios
e tarefas mnito mais instigantes aos alunos. Compreender o texto não será
mais uma athidade de garimpagem, mas uma atividade reflexiva.

É muito difícil, cm qualquer situação de uso da língua, obter a e,pJicitude


completa nos texlos, pois eles sempre estão contex1ualizados numa detennina-
da situação, eu llura , momento histórico, campo ideológico, crença e assim
por diante. 1\lém disso. uma pessoa pode entender mais do que outra quando
lê um texto, já que a compreensão dependerá também dos conhecimentos
pessoais que podem ser muito diversificados: conhecimentos lmgüfsticos, co-
nhecimentos de regras de comportamento, conhecimentos sociais, antropoló-
gicos, históricos, factuais, científicos e outros. Também são importantes as
nossas crenças, ideologia e valores.

Tomemos um exemplo para \er como ah1am os conhecimentos partilha-


dos em s1luações interpessoais e como o processo inferencial se 1mtala de
maneira crncial. Suponhamos que Pedro e João, ao se encontra rem, mante-
nham o seguinte diálogo:

Pedro: Acabei de vender meu carro!


João: mas que cara de sorte. hein?!
Terceira Parto 1 Processos de compreensão

A observação de João mostra que ele tomou (compreendeu) o enuncia-


do de Pedro não como sendo uma informação, mas como urna expressão
de alh io. Isso só foi possível porque João conhecia muito bem o ca rro de
Pedro - velho, completamente enferrujado e caindo aos pedaços. A
inferência que o levou a considerar a venda como um lance de sorte e
não uma s11nples transação normal. baseou-se nos conhecimentos parti-
lhados por ambos e não em uma informação textual exp lícita. Pnra infe-
rir, João reuniu conhecimentos de que dispunha e informações dadas
por Pedro. Isso é o que fazemos quando lemos as publicidades, avisos,
listas, cardápios ele., que são lcxtos muito curtos e com poucas informa-
ções, sendo que mais da metade do que entendemos é literalmente posto
por nós. Em maior ou menor grau, somos sempre co-autores dos textos dos
quais resultam nossas comprc..:ensões.

A estas alturas é fácil perceber que os exercícios de compreensão dos


11\'ros didáticos costumam falhar em pelo menos Lrês aspectos centrais:

( 1) supõem uma noção instTUmental de língua e imaginam que ela fun-


ciona apenas literalmente como transmissora de infonnac;i:io; é a ve-
lha metáfora da língua como um conduto;
(2) supõem que os textos são produtos acabados que contêm em si obje-
tivamente imcritas todas as informações possÍ\ eis;
( 3) supõem que compreender, repelir e memorizar são a mesma coisa,

ou ~eja, compreender é identificar informações textuais objcti,as.

Estas suposições fundam-se numa noção equivocada de língua, de texlo


e compreemão. Partem de uma \isão da comunicação teoricamente falha e
empiricamente inadequada. A língua vista como código autônomo com pro-
priedades imanentes condu7. uma teoria da compreensão em que compre-
ender eqm\ale a decodificar. Mas como nós \llllOS, compreender não é o
mesmo q11e decodificar palavras e frases do texto. J\ noção de compreensão
como simples decodificação só será superada quando ad111ilim1os que a com-
preensão é um processo criador, ab'o <.. construti'o que \'a1 além da infor-
mação estritamente texlual.
Além do mais. os textos trabalhados nos manuais escolares são pouco
representativos da cliversidade tcxtuaJ encontrada no dia-a-dia. A escola pode-
ria oferecer mais oportunidade de contato com textos não narrativos, tais como
as bulas de remédio, as instruções de uso de aparelhos, os contratos de alu-
guel, as atas de condomínio, as propagandas, as notícias de jornal.
luiz António Moriuschi 1 Producoo textual, unalise de genero' e 1ompreen,ao

3J1 Tipologia das perguntas de compreensão


nos livros didáticos
Ao fazer a análise dos exercícios de compreensão nos livros didáticos, de-
senvolvi uma tipologia de perguntas que encontramo~ nas seções dedicadas à
compreensão textual (cf. detalhes em ~Iarcuschi, 1999). Esta tipologia deveria
hoje sofrer alguma mudança, mas em princípio ainda continua válida. Apenas
os resultados quantitativos que apresento não são mais os mesmos e seria inte-
re.<;.c;ante tomar isso como uma tarefa útil até para perceber quais foram as mu-
danças ocorridas neste terreno dos anos 1980 até hoje. Certamente, essa tipologia
não é a única nem a mais correta, mas serve para indicar alguns aspectos ccn-
lrnis da prática escolar quunto ao fenômeno da compreensão.

Não obstante o fato de hoje haver uma maior c:ousciênc:ia ele que a com-
preensão não é um simples ato de extração de informações de textos mediante
a leitura superficial, ainda continua muito prcl>cntc nos LDs atuais a ati\·idade
de leitura superficial. Algumas análises recentes sobre o tema têm re\·elado
que as mudanças nesse particular têm sido mínimas. 1 udo indica que a ques-
tão acha-se ligada em especial à ausência de reflexão crítica em sala de aula.
Pois o trabalho com a compreensão dentro de um parndig111a que se ocupa
com a interpretação e análise mais aprofundada exige que se reílila e cliscula
o lema e isto não é uma prática comum em sala de aula. A~ próprias análises
dos LOs, na avaliação do MEC, revelam esse descuido Porlanlo, aí continua
mais um ponto de análise e investigação aberto a novos trabalhos.

Considerando a leitura como uma atividade socia l e crítica, poderíamos


encaminhar uma nova proposta ele construção de uma tipologia de pergun-
tas. Por exemplo, obscr\'ar se elas têm caráter crítico, se elas consideram o
aspecto multimodal dos lexlos e se elas dão conta da atividade solidária desen-
volvida na leitura de lexlos cm situações da vida diária. Disso deveria resultar
um<l nova visão tipológica q11e provavelmente daria em resulLados similares
aos que aqui se postulam. Enquanlo ainda não temos essa nova visão tipológica,
vejamos o que ocorre com a que aqui se apresenta.

Os tipos de perguntas encontrados nos e:\ercíc:ios de compreensão dos


LDP analisados foram identificados de acordo com as estratégias que utifoa-
\ am . Os nomes dados podem ser outros. Eles scncm de guia para indicar a
ação básica pretendida cm cada categoria.

Vejamos aqui os Lipos e suas definições com alguns exemplos.


Tercelr• Pari• 1 Processos de compreensão

TIPOLOGIA DAS PERGUNTAS DE COMPREENSÃO EM


LIVROS DIDÁTICOS OE ÚNGUA PORTUGUESA NOS ANOS 1980-1990

TIPOS DE -
PERGUNTAS EXPLIClTAÇAO DOS TIPOS EXEMPLOS

São P não muito frequentes e de •ligue:


perspicácia minima, sendo jã auto· Lilian NíiJ preciso falar soóre o que
1.A cor do
cavalo branco
respondidas pela própria fonnulação. aconteceu.
de Napoleão Assemelham-se as indagações do tipo: 1 Mamãe Mamãe, desculpe. eu menti
"Qual a cor do cavalo branco de 1 pam wce.
Napoleão?"

Sã.o as P que sugerem atividades •Copie a fala do trabalhador.


mecMicas de transcrição de frases ou •Retire do texto a frase que ...
2. Copias 1palavras. Verbos freqüentes aqui sM: •Copie a frase comgindo-a
copie. tetire. aponte. indique. flansctera, de acordo com o texto.
complete. assinale, identifique etc. •Transcreva o trecho que fala sobre...
•Complete de acordo com o texto
São as P que indagam sobre conteúdos •Quem comprou a meia azul?
objetivamente inscritos no texto (O que, • Oque ela faz todos os dias?
3. Objetivas quem. quando. como, onde. .)numa •De que tipo de música Bruno mais
atividade de pura decodificação. A gosta?
resposta acha-se centrada só no texto. •Assinale com um x a resposta certa.

Estas P sao as mais complexas, pois •A donzela do contD de


exigem conhecimentos textuais e outros. Veóssimo costumava ir à
sejam eles pessoais, contextuais. praia ou não?
4. lnferenciais
enciclopédicos. bem como regras
inferenciais e análise cnãca para busca
de respostas.

São as P que levam em conta o texto •Qual a moral dessa história?


como um todo e aspectos ematextuais. •Que outro título você daria?
S. Globais envolvendo processos inferenciais • levando-se em conta o
complexos. sentido global do texto,
pode concluir que ...

Estas P em geral têm a ver com o texto •Qual a sua opiniao sobre.. .?
de maneira apenas superficial sendo Justifique.
que a Rfica por conta do aluno e não •O que você acha do...? Justifique.
6. Subjetivas •Do seu ponto de vista, a atitude
há como testá-la em sua validade. A
justificativa tem um cartier apenas do menino diante da velha
externo. senhora foi correta?

Sáo as P que indagam sobre questões •De que passagem do texto você
que admitem qualquer resposta, não mais gostou?
1
havendo possibilidade de se equivocat • Se você pudesse fazer uma cirurgia
Aligação com o texto é apenas um para modificar o funcionamento de
l Vale-tudo
pretexto sem base alguma para a seu corpo. que áfgão você operaria?
resposta. Oistinguem·se das subjetivas Justifique sua resposta.
por nào exigirem nenhum tipo de •Você concorda com o autnfl
justificativa ou relação textual
luiz Antõnio Mar<uschi 1 Producao tu tuol, analise de grneros e compr-.ensao

Estas P exigem conhecimentos externos • Dê um exemplo de pleonasmo


ao texto e só podem ser respondidas vicioso (Não havia pleonasmo no
com base em conhecimentos texto e isso não fora eipicado na
8. ~posslveis enciclopédicos. São questões antípodas tição)
às de cõpia e ~ objetivas. • Cuambu fica onde? (O texto nikl
falava de Caxambu)

São as P que indagam sobre questões •Quantos pa,.rafos tem o tellto?


fonnais. geralmenle da esbulura do •Qual o llulo do ledo?
ledo ou do léllico. bem como de partes • Quantos veisos lem o poema?
9. Metain·
tellblais. Aqui se siluam as P que levam • Numere os pancrafos do ledo.
gllfsticas
o umo a copiar vocábulos e depois • YA ao dicionn e copie os
idenliicar qual o significado que mais se significados da palavra..
adapta ao teim.

Quanto às perguntas subjetivas, é bom ter presenl'e que os alunos se sen-


tem comprometidos com o parndigma da escola e às vezes dizem o que imagi-
nam que vai agradar à professora. Num livro (consumível ) consultado, que
continha as respostas dada~ pelo aluno, encontrei o seguinte:

P - Você gostou da história do menino que riria su10?

• R - :-.Ião, porque a professora disse que dewmos tomar banho todos os dias.
O aluno falou na perspectirn da escola e não na sua. Mas também há
respostas deste tipo:

P - Você gostou do texto que acabou de ler?


R - 1\tfaís ou menos, mas é mais para meno~.

A tipologia aprescnta<la foi montada tendo em ,·ista uma análise de 25


liHos do ensino fundamental, passando por todas as séncs. O total de pergun-
ta\ anal isadas em todos os C\Crcíc1os computados foi de 2. 360 questões. A
e~tatística contou com alguns manuais em que predominarnm as cópias e per-
gunt<1s objetivas, bem como oulros manuais em que houve acentuada presen-
ça de perguntas infercnciais e globais. Isso deu uma média equil ibrada e é de
supor que os percentua is aba ixo sejam bastante próximos da realidade dos
::mos 1990. O resul tado. cm percenluais. evidencia um quadro preocupante.

Uma análise, mesmo que sumária, destes dados rc,·cla que há um predo-
mínio impressionante ("'0%) de questões fundada~ t\clusi\amente no texto,
~cndo que quase um quinto d,1s perguntas é pura cópia e mais da metade só
precisa de uma olhada cm 111fom1açõcs texh1ais para re~posta. I\.lais preocu-
pante, no entanto. é o fato de se ter somente um déc11no das questões situadas
na classe de perguntas que exigem alguma reílcxão mais acurada para r~pon-
r~rceira Parta 1 Processos lle compreensão ·

der, ou seja, algum tipo de inferência ou raciocínio crítico, sendo que elas
equivalem ao mesmo percentual de indagações que podem receber todo tipo
de resposta. já que nas questões subjetivas e vale-tudo. aceita-se qualquer res-
posta, 5em critérios mais refinados para sua produção. Por fim, questões de
nature1.a estruturnl também aparecem com relati,-a freqüência (9%) como se
fossem questões de compreensão.
PERGUNTAS OE COMPREENSÃO EM LIVROS DIDÁTICOS 00 ENSINO BÁSICO

2. Cópias
3. Objetivas 53
4. lnferenciais 6
--
5. Globais 4
6. Sub;etivas 15
l Vale tudo
8. Impossíveis
1 053 TI%

9. MetalingOísticas 9 9%

Os resultados apresen lados aqui s11gerem dois tipos de cxplícação:


(a ) Por um lado. tratar-se-ta de uma total falta de critério para a organi-
zação dos exe rcíc ios de compreensão, ou seja, nesses exercícios,
entrana tudo o que teria minimamente a ver com te:xto ou com inda-
gações que não caberiam na gramática, na ortografia e em outros
aspectos mais técnicos no estudo da língua.
(b) Por outro lado, parece faltar clareza quanto ao que se deve entender
por compreensão de te,lo, o que redundaria nessa mistura de qttcs-
tões dentro de um mesmo conjunto inadequadamente.
Não é possível decidir aqui por uma ou outra dessas hipóteses. 1u<lo
indica que se trata de um misto de ambas. Seguramente. os anos 2000 apre-
sentam mudanças substantivas nesse quadro, pois já há uma consciência mui-
to maior em relação ao problema. Um exercício in teressante para quem dese-
ja fazer uma anáfoe mais aprofundada da questão aqui levantada seria a ;rná-
ltse comparativa enlrc os manuais de cn:.ino ele língua referentes ao período
anterior ao rnrgimcnto dos PCNs e os manuais que já foram produzidos com
uma nova mentalidade a respeito do ensmo de língua.

Em trabalho recente '>Obre compreensão nos linos didállc:os (\ larcuschi,


2003 ), cledtqttei-me de maneira especial a ver como ~e trabalhava o vocabulá-
luiz Antônio Morcuschi 1 Producão textuol, analise de generos e compreenséío

rio no contexto dos exercícios de compreensão. Numa análise não muito ex-
tensa, constatei que mais da 111cladc dos exercícios com o vocabulário se situa
no trabalho com a sinonímicJ. Outra parte trabalha questões de linguagem
figurada, cabendo ainda um bom percentual de cx:ercícios com a fonna (gê-
nero, número, grau, denvação, neologia etc). O nom1al é uma visão de~contex­
tualizada do léxico. Daí o acúmulo de comandos do tipo:

• Explique o sentido da palavra grifada.


• Escreva outras palavras que signifiquem o mesmo que [.•].
• Qual o significado da palavra [ ..•].
• Sublinhe as palavras que você desconhece e procure seus significados no dicionãrio.
indicando qual deles é o mais apropriado.
• Substitua as palavras grifadas por um sinànimo e se você desconhece vá ao dicionário.
• Reescreva as frases com um sinànimo para as palavras sublinhadas.
• Ligue as palavras da lista à esquerda com sua equivalente na lista à direita
• Relacione de duas em duas as palavras que dizem o contrário.
• No texto você encontra algumas palavras grifadas que são gírias: substitua-as pelo equiva-
lente em linguagem culta.
• Identifique as expressões idiomáticas e dê o seu sentido.

Este tipo de atividade e tratamento do vocabu lário nos dá uma idéia


bastante clara da noção de língua que os autore!> têm e da função meramente
representac1onal dos vocábulos da língua. Até parece que sabendo o léxico,
cnlende-~e o texto. No entanto. é necessário ter claro que o conhecimento do
léxico de uma língua é apena1> urna condição nccc~s~hi a, mas não suficiente
para a compreensão de um texto.

3.12 Os descritores para a compreensão textual no


ensino fundamental

Após as observações !>Obre o que ocorria e ainda ocorre nos manuais de


língua portuguesa, é importante considerar o que há de novo nesse terreno
tão importante e ao mesmo tempo pouco claro da compreensão textual.
Existe ho1c um programa nacional em andamento no MEC, que se destina a
avaliar <1 proficiência de língua materna no Brasil. l•:ssa aferição do rendi-
mento escolar 110 ensino fundamental e no médio vem se dando a partir ele
matrizes ele referência, elaboradas pelo SAEB (Sistema Nacional de Avalia-
ção da Educação Básica), às quais nos referimos inicialmente, que são aprmei-
Terceira Parte 1 Processos de compreensão

tadas, com algumas mudanças, pelos estados e municípios. Essas malnzes


concebem a linguagem como sendo "ao mesmo lcmpo, atividade cognitiva
e aç[io entre indivíduos", de modo que um indivíduo domi na a língua quan-
do "sabe fazer uso de seus recursos expressi\'Os cm diversas sih1ações". Nessa
tarefa, a fim de "cumpnr melhor sem objetivos eomunicah \OS, sua~ inten-
ções in tcrloct1tónas", o indivíduo deve dominar bastan te bem o funcíona-
mento do léxico e dos gênero~ (SAE B 2001: 17). A rigor, podemos concor-
dar com essas posições. Com efeito, o problema está na limitação do exa-
me, pois para a avaliação <las competências comunicati\'as <lo aluno no uso
da língua. o SAEB decidiu-se por observar apenas a compreensao text11C1l De
acordo com o próprio documento:

'\o S \EB 2002, na área de Língua Portuguesa, optou-se por avaliar somente habili-
dades de leitura. Um bom leitor, além de mobili1ar esquemas cognitivos bá~1co\, de
ativar conhcc11ncntos prénos parhlhado~ e relc\anlC!> ao conte,to. recorre a ~cus
conhecimentos l111guísticos para ser capai de perceber os sentidos, as intençõc~ -
implícitas e explícitas - do lexto e os recursos que o autor utilizou para significar e
atuar verbalmente" (Si\lrn 2001: 18).

\ão creio que esteja errada essa onentação, mas por sua limitação à
compreensão, ela lcm como conscqiiência que na escola só se passa a
trabalhar a compreensão, entrando cm segundo plano a produção lc\lual.
Tudo fica dentro da velha filosofia: ensina-se o que se ai·alia. Deixemos,
porém esse aspecto político de lado, e ,·ejamo:; apenas o que nos di1 res-
peito. A matriz geral, tal como indicado abaixo, apresenta 21 descritores
di<;lribuídos em \'I tópicos diYerso~ ,\presento um quadro com todo~ os
descritores, obse rvando que as primeiras série~ vão se servir de algum e
não de todos ao mesmo lcmpo. Só na 8" do Fu11darnenla l e 3" do l ~nsino
Médio eles sào aplicado5 cm !lua integralidade

MATRIZ DE REFERENCIA PARA OS DESCRITORES DE LÍNGUA PORTUGUESA OOSAEB 2001

Inferir o sentido de uma palavra ou e)lj'.lressão.

1Procedimentns de leilllra Inferir o sentido de uma palavra ou e11Pressão.

Identificar o tema de um texto.

Distinguir um fato da opiniã> relativa a esse fatD


Luiz Antônio Marcuschi 1 Produ•íio text•ol, 1111álise de 9i 1uiros e co111preensão

l lmpbções do Sl..,orte. Interpretar teJln com auiio de material grfico dimso (propagandas,
do género e.QJ do quadrinhos, foto, etcl
enunciador na
co~dotexto Identificar finalidade de teJlns de dlerentes gêneros

Reconhecer diferentes formas de tratar uma informação na comparação


de textos que tratam do mesmo tema, em função das condições em que
Ili. Relação erue textos ele for produzido e daquelas em que será recebido

Reconhecer posições distintas entre duas ou mais opiniões relativas ao


mesmo fato ou ao mesmo tema

Estabelecer relações entre partes de um teJln. identificando repetições


ou substilUições que conbiluem para a continuidade de um teJln

Identificar a tese de um teJln

Estabelecer relação entre a tese e os argumentos oferecidos para


sustentá-la

IV. Coerêrria e coesão oo Diferenciar as partes principais das secundáias em um teJln


processamento do texto
Identificar o conflito gerador do enredo e os elementos que constroem a
na1TBliva

Estabelecer relação causa!conseqüência entre partes e elemenlDs de um


telllO

Estabelecer relações lõgico-discursivas presentes no teJln. maitadas por


con;inr;ões, advérbios. etc.

Identificar efeitos de ironia ou humor em teJlns variados

Reconhecer o efeito de sentido decorrente do uso da pontuação e de


V. Relações entre recursos outras notações
expressivos e efeítos de
sentido Reconhecer o efeito de sentido da escolha de uma determinada palavra
ou ellpressão [8' e J•]

Reconhecer o efeito de sentido decorrente da ellploração de recursos


ortDgriflcos e~u morfossinliicos

VI. Variação lngi»stica , ldentficar as marcas ~ngüístícas que evidenciam o locutor e o inteitocutor
' de um temi

Pela formulação desses descritores no interior dos tópicos cm que foram


mseridos, podemos observar que eles seguem uma 'isão textual sob o aspecto
processual e não apenas de conteúdo. Esses descritores dão margem a um
trabalho inferencial, o que é um <l\atlÇO em relação àquele que só se ocupa da
informação objetiva e direta. Um trabalho interessante SC;na identificar agu1
quais desses descritores são de caráter infcrcncial ou não. Alguns deles são
pontualizados e ou tros são globais. Mas, em nenhum momento, se pensa na
produção textual.
Ter<eira Parte 1Processos; de compreensão

Se a fo rmulação dos descn torc!. é razoáveJ, analisando os testes elabo-


rado~ a part ir dessas matn.1.es, percebe-se que algumas questões dizem res-
peito a fenômenos ba~lantc local i1.ados e até isolados. Ve ja-se este caso da
prova de Avaliação de Língua Portuguesa pelo SAEB 200 l para a 8ª Série
cm que se lesta o descri tor: "F:slctbelecer relações entre partes de um texto,
identificando repetições ou substituições que contribuem para u continuida-
de de um texto".
Exemplo (14)

Prejuízo em estacionamento
Sou freqüentador quase que diário do estacionamento de um shopping eq>lorado por ooia empresa No ütimo dia
21 estacioneí à tarde e à noite. Quando sai à noite, notei que o rádio do meu carro estava loocionando mal, motivado
pelo roubo da antena No dia seguinte, preenchi um formulário anexando os dois comprovantes do pagamento,
solicitando a reposição da antena. pleito que me foi negado dois dia após, por telefone. Fiz outro requerimento
solicitando uma justificativa da negaçao e náo fui atendido. Qual o direito que temos ao estacionar em um shopping
pagando RS 2.50?
Texto adaptado. OGLOBO
21 de janeiro de 2001. p. 32
Apalavra "pleito·. no texto. refere-se
(A) ao mlÊO da antena.

A
15
(B) à reposição da antena.
(C) à just:Jicativa da negaçao.
(O) ao comprovante do pagamento.

B
33
Percentual de respostas às alternativas
e
35
o
14
Em branco e nulas
3

fo111: SAfB 2001 Sistema Nacional de AvaflaçBo di [ducaçlo 84su Relat6rio Saeb 2001 - lfn1u1 Portusuesa, Brasília. 2002. p. 68

O que se vê neste pequeno exemplo dá uma idéia aproximada da forma


como se trabalha a questão 111fcrenc1al na base de um item lexical e não de
relações mais amplas. Muito preocupante é que apena~ um terço dos alunos
(33% ) nesse nível de em1110 tenham conseguido acertar a rcsposla que apa-
rcntcmc11te não seria complicada.

Mas há ainda o problema da formulação da pergunta em casos nos quais


o aluno é induzido a erro ou a raciocínios equivocado). Vcj.imo) um exemplo
bastante complexo e que continha, a meu ver. um equívoco na fonnulação da
pergunta. Trata-se da ª'aliação com base no descritor: "Reconhecer diferentes
fonnas de tratar uma informaçao 11a comparação de texloi; que tratam do mes-
mo tema, em função das condições em que ele for produzido e daquelas em que
será recebido". Foi aplicado em 2001 para alunos da ~ · série do ensino rnémo.
Vejamos os dois textos e o le~ le:
luiz Antônio Marcuschi 1 Prodt1(ÕO textual, anali1e de géneros • com,recnsão

Exemplo (3)
TEXTO I TEXTO 11
Divorciadas são assassinadas em Médica é assassinada ao deixar
São Paulo e Fortaleza centro espírita
Polícia crê em crime passional Apolcia ja tem o suspeito de asSMSi~ da méd~
ca alergista do ~ das Clnicas Isaura Yrginia
Oassassilato de Wa.s ndleres. uma em São Pau
Santos Rosa Pinczowski, de 35 anos. Ela morreu
lo e outra em Fortaleza (CE), intriga a poíicia, que
ontem com umtiro no peito quando safa do centro
atê a noite de ontem não havia prendido os autores. espírita Seara Bendita. na rua Demóstenes. em São
Apesar de não haver nenhtlna relação eotre os dois
Paulo. em seu Golf prata. ~ CKC-5686. de São
crimes. há mlitas coincidências. Bernardo do ~· Segwdo testemtllhas. lsaLl'a
As lklM ndleres estav1111 na íaiJa entre 30 e 40 teve seu veiculo mrceptado por um Vectra preto
anos. As duas trabalhavam na área médica (uma que swa na contramão a rua Constantino de Sou-
era legista. a outra. bióloga). Ambas eram divorci· za. altura do número 454.
adas. moravam sozinhas e nos dois casos há sus·
peita de crine passional.
Folia de 5.Paulo
º"""º
Sobre os textos. pode-se afirmar que:
(A) Otexto l livu~a a morte de duas mtJieres. ressaltando os portos comlllS aos casos.
(B) Os dois jornais notician a morte de Wa.s llllleJes.
(C) Os dois jornais relatam assassinatos cuja violência revoltou os médicos.
(O) Otexto 1é uma notí:ia e o texto li é um artigo.
([) Os jornais enfatizam o crescente assassinato de mulheres no pais.
Percentual de respostas às alternativas
B , C 1 D 1 E 1 Embranco e nulas
s,---+--l__,s=-----+-1- 31 1 1a 1 2 - --t

1am: SAfB 2001 · Sistema Nacional de Araliaçiio da Educaçao Básica. Helatdr/o Saeb 2001 - Ungua Portuguesa. Brasília, 2002, p. 96

Observe-se que, não obstanlc a facilidade com que se poderia responder


a essa questão, somente pouco mais de 1/3 dos alunos acertou. Tudo indica
ql1c a formulação induziu a equírncos, pois é inadequado indagar a respeito
dos dois te>..1os. quando a rcspo!>ta estava em um deles apenas. ,\ indagação
tena sido melhor formu lada assim: ''Lendo os dois textos, pode-se afirmar que".
ão se buscava uma dada informação em ambos, como sugeria a formulação
"sobre os textos" No caso, parece que ambos de"cssem dizer algo, quando
apenas um sugeria aquele entend imento. Portanto, de nada vale ter bons
descritores, se o problema surge cm outro campo. Muitas vezes. o maior desa-
fio não está cm entender o texto, mas no teste.

Sabemo:-. que essas matrizes não são um programa de ensino de língua,


mas como servem para avaliar habilidades. acabam orientando a formulação de
programas de cmino. 0-esse caso. ao se descuidar da produção textual, dá-se a
impressão de que a compreensão pode ser desligada da produção. No entanto,
ao expressarmos nosso cnlcndinien lo de um texto (desde que não estejamos
apenas respondendo a perguntas isoladas), estaremos também prodlll.indo um
Tercclr• Parte 1 Proceuos de compreensão

outro texto. poi\ a compreensão ele um texto x se manifesta em um texto )'·


Ac;sirn, uma das críticas aos atuais descri tores é a sua tendência absoluta a ima-
ginar que a compreensão se manifesta na resposta a perguntas. Não htí um
único descritor que se declique a sugerir produções te\tuais como formas de
C'v1denciar compreensão. E nós sabemos que no dia-a-dia ninguém \Íve respon-
dendo a perguntas 5obre textos e sim fa lando sobre eles, resumindo-os, repor-
tando-os ou opinando. Por que não ~e dedicar a essas tarefas da vida real?

. . .
EXERCÍCIOS DA TERCEIRA PARTE:
Processos de compreensão
(a) GLOSSÁRIO SOBRE PROCESSOS OE COMPREENSÃO: Continuidade da montagem do glossário
com os termos centrais desta parte:
anâlise crítica do discurso inferência
codificação lexema
cognição léxico
compreensão memória
• conhecimentos partilhados metáfora
consciência metalinguagem
decodificação sentido
esquemas cognitivos sentido figurado
estrategia sentido literal
experiência significação
frames/ enquadres sociointeração
sujeito
(b) Explicitar os conceitos centrais desenvolvidos neste ensaio (língua, compreensão. texto,
inferência, sociointeração) e demonstrar como eles repercutem na forma de se trabalhar
o processo de compreensão.
(c) Identificar as teorias ou as posições contra as quais este ensaio se volta e expor os
argumentos desenvolvidos para mostrar que elas não são produtivas.
(d) Quais são as passiveis conseqüências de se trabalhar a compreensao na suposição de que
a língua seja um simples instrumento de condução e representação de idéias?
(e) Veríficar quais dentre as sugestões dadas nas Matrizes de Descritores do SAEB são as mais
pertinentes segundo as posições defendidas neste ensaio
(f) Sugerir algum tipo de Matriz de Descritores para o ensino superior e explicitar que tipos de
atividades seriam mais interessantes nesse nível de ensino.
(g) Propor um trabalho com o vocabulãrio no seu funcionamento textual. Tentar elaborar uma
proposta em que os itens seriam trabalhados na perspectiva textual.
(h) Tomar uma coleção de livros didáticos do Ensino Fundamental de 1ª a 8ª Séries e analisar as
perguntas nos exercícios de compreensão de acordo com a tipologia aqui sugerida ou uma
outra que você mesmo construiu.
TEMAS SUGERIDOS PARA O PRIMEIRO EXERCÍCIO
1. Noções de língua e suas conseqüências
2 Noções de texto ao longo dos últimos 30 anos
3. Noções de sujeito de acordo com as várias teorias
4. Critérios gerais de textualização
5. Organização tópica e progressão textual
6. Noção de gênero textual: visão teórica. definição e exemplares característicos
l Tipos textuais: definições e análise de exemplos
8. Gêneros textuais surgidos na relação com as tecnologias eletrônicas
9. Os bate-papos e a conversação espontânea: Uma comparação.
10. A hibridização e a intergenericidade no caso específico da publícidade
11. Os gêneros textuais no contínuo fala-escrita (levantamento e breve caracterização)
12. Aquestão do suporte dos gêneros textuais: relação entre gênero e suporte
13. A questão do livro didático como suporte ou como gênero
14. Os géneros na área literária
15. Gêneros do domínio discursivo do jornalismo
16. Gêneros do domínio discursivo da área pedagógica
17. Aposição dos Parâmetros Curriculares Nacionais em relação aos gêneros textuais
18. Presença de gêneros textuais e seu tratamento nos livros didáticos de Português de 1ª a 4ª séries
19. Presença de gêneros textuais e seu tratamemto nos livros didáticos de Português de 5ª a 8ª séries
20. Presença de gêneros textuais e seu tratamento nos livros didáticos de Português no Ensino Médio

TEMAS SUGERIDOS PARA O SEGUNDO EXERCÍCIO


1. Teoria(s) da compreensão - perspectivas teóricas existentes (pelo menos três)
2 Oprocesso de compreensão e sua relação com os gêneros textuais
3. Compreensão e processos inferenciais
4. Papel do léxico na atividade de compreensão e produção de sentido na perspectiva dos gêneros
5. Conhecimentos pessoais e sua importância na compreensão textual e sua relação com gêneros
6. Gêneros textuais e processos inferenciais: o caso das charges
l Compreensão de piadas no confronto com bulas de remédio
8. Compreensão no texto oral e no texto escrito: semelhanças e diferenças exemplificadas em géneros
9. Análise do tratamento da compreensão nos livros didáticos e sua relação com os gêneros
10. A compreensão de gêneros textuais da literatura: o poema e o romance
11. A compreensão nos gêneros do noticiário da televisão
12. Acompreensão da publicidade na TV e no jornal
13. A compreensão na atividade face a face e nos bate-papos pela internet
14. Otratamento da compreensão e sua relação com gêneros no livro de 1ª a 4ª série
15. Otratamento da compreensão e sua relação com gêneros no livro de 5ª a 8ª série
16. Otratamento da compreensão e sua relação com gêneros no livro do Ensino Médio
17. Análise dos descritores do SAEB em comparação com os descritores do SAEPE
18. Uma análise crítica dos exames nacionais do SAEB para avaliação de alunos
19. Uma análise dos PCNs na sua posição a respeito dos processos de compreensão
20. Compreensão da publicidade considerando as camadas sociais da população
1on1es oe
rer erencia oas
~

_,_

CiTaçoes
A' 11 'WS, 1 (200S ). Lutar com palawa\. Coc~cJo e c:ocrência São Paulo Pm.1bol;1 Fd1tori.1l
,\,,, 'llES, 1. (ZO<H J. Aula de port11g111!.\ F.nmnlro <> 111tcração. São Paulo: Para bola 1 <l1tonal
,\ll\l IO, .\. O CWOO ,_Análise de i:êncro: uma Jbordagem al temah\'a para o cmmo da rcdaçiio ata<lê-
míca ln· Fmni-.\.\IP \ 1. R. \I e To\tffi li, L. \ 1. B. (o~ 1. •-\spccto.ç d<J lmgüf~tica aplicada.
Floridnópolis: Insular. pp 1~5.200
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Boas, F. H Escola de CcncbrJ 152
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Ce11ette. e 1>0 \1iller, C R. 149, f;I, 152. 153, 154. 159, 243
Ceraldi, J. \\'. 106 M1lroy. J 39
Civón, T. IH Milror, J.. 39
Coffman, 1:. 261 \foeschlcr, J. 140
Grei mas. A 1H \ londada. L m. 139, 140, 142
Cnce, H P 16, 127, 260 \ lotta-Roth. D 146, H7
Guimarães, E. 41 .\lounin, e ~6
Culich, C. 152, l'i7, 188 \l us~alim , F. 27, H, 16, 37. 45. 46
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Hasan. R. 1>8. 104. 108, Ili , 153 Oesterreicher. W. 191
Hememann, \\' 135, BS, 18- Oomen U. 103
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Hjelmslev, L. B
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Platão 26, 14"'. 1;z
J Possenli, S 68, 70, 234, 257, 260, 265
)akobson, R. 3l Putnam, H. 15
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K Ramo~. R 101. 104, 105. 106. 10;, 119, 122. 132
Nirwo$Li. A \1. 146 Reboul . .\. 140, 148
Kato. \I 53 Reboul, O 148
Kle1man, -~ 231, rn. 233, 237, 249 R1ckhc1t, C 249
Koch. 1. V 61. i), 99, 104, 108, 114, 118. 121, Rojo, R li 53
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Koch, P. 249 s
Krcss, G. 152, 153 Sack.s, H. 198
Krnteva, J 131 Santo), B. 31
Sapu. E. H
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Labov, W. W, 1H 59, 74
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Luckmann. T. 190 Schiffrm, D. 19$, 239
Schle1chc1, A. 64
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Machado, R. 105, 106, 107 220, 221. Z2 5
Mamguc11cau, D 46, S3, 113, 130, 131, 151, Schnoll. \\ . 249
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