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MÜSICA

CRIANÇAS, SONS E

envolvimento das crianças com o universo sono


intrauterina oS
TO Começa ainda antes do nascimento, pois na fase
bebês já convivem com um ambiente de sons provocados pelo COr
e a movi
PO da mae, como osangue que fluinas veias, a respiração
mentação dos intestinos. A voz materna também constitui mate
rial sonoro especial e referência afetiva para eles.
Os bebês e as crianças interagem permanentemente com O
ambiente sonoro que os envolvee - logo - com a música, ja que
ouvir, Cantar e dançar são atividades presentes na vida de quase
todos os seres humanos, ainda que de diferentes maneiras. Podemos
dizer que o processo de musicalização dos bebês e crianças começa
espontaneamente, de forma intuitiva, por meio do contato com
toda a variedade de sons do cotidiano, incluindo aí a presença da
música. Nesse sentido, as cantigas de ninar, as canções de roda, as
parlendas e todo tipo de jogo musical têm grande importância, pois
épor meio das interações que se estabelecem que os bebês desen
volvem um repertório que Ihes permitirácomunicar-se pelos sons;
os momentos de troca e comunicação sonoro-musicais favorecem o
desenvolvimento afetivo e cognitivo, bem como a criação de víncu
los fortes tanto com os adultos quanto com a música.
A criança éum ser "brincante" e, brincando, faz música, pois
assim se relaciona com o mundoque descobre a cada dia. Fazendo
música, ela, metaforicamente, "transforma-se em sons", num per
manente exercício: receptiva e curI0sa, a cr1ança pesquisa materiais
sonoros, "descobre instrumentos", inventa e imita motivos mneló
dicos e rítmicose ouve com prazer a música de todos os povos.
Trazer a música para o nosso ambiente de trabalho exige, prio
ritariamente, uma formação musical pessoal e também atenção e
disposiço para ouvir e observar o modo como bebês e crianças per
cebem e seexpressam musicalmente em cada fase de seu desenvol
vimento, sempre com o apoio de pesquisas e estudos teóricos que
fundamentem o trabalho.
Falaremos de "crianças, sons e mnúsicas" contemplando os se
guintes aspectos:

"Condutas da produção sonora infantil segundo François Delalande.


"Do impreciso ao preciso Uma leitura da trajetória da expressão
musical infantil.

35
BRITO
ALENCAR DE
TECA

produçãosonora
Condutasda François
infantil segundo Delalande
francês, "as condues.
P.ara o compositor e pesquisadorenfase num ou no
produção sonora da crianga
revelam a
de segundo Piaget, à semelhança de seus
estágio de
atividadelúdica,
linguagem musical como um todo., Ele classi-
estudos aplicados à
em: exploração, expressão e constrnço,
as categorias de condutas
referentes
fica ao jogo sensório-motor, ao jogo simbólico e ao jogo com regras,
respectivamente.
seguir éobservar e resbeitar
Convicto de que o melhor caminho a musical
exploram o universo sonoroe
o modo como bebês ecrianças de educadores
a postura
François Delalande afirma que essa deve ser proporcionar
de às criancas
(leigos ou especialistas) diante do desafio
pesquisas, realizadas em insri
o acesso à experiência musical. Suas documentam as etapas de
tuições de educação da Françae da Itália,
com egras,
exploração sensório-motora, jogo simbólico e jogo anos de
envolvendo desde bebês de seis meses atécrianças de doze
tendo diante de si
idade. Como um bebêde seis meses se comporta
aos poucos,
um pequeno tambor? Ele experimenta bater, raspar e,
que
organiza a sua exploração, repetindo gestos e movimentos
atividade,
apreende e internaliza. Nenhum adulto interfere em sua
a não ser para garantir-lhe conforto, bem-estar e segurança!
Ocompositor francês também aponta as transformações ocorridas
possibilida
a partir da segunda metade do século xx por conta da
de de conhecermos a produção musical de outros povos e culturas,
por um lado, e de reconsiderarmos a produção sonora infantil, por
outro. São dele as seguintes afirmações:
"Antigamente, até aproximadamente 1950, nãoviria àideia de ningue
propor uma aproximação entre a linguagem da criança de oito meses euma ai4
questão
de Haendels acompanbada pelo cravo. Para todos, amásica era uma
de melodias eritmos, e osom musical se diferenciava radicalmente do ruido.

de fevereiro de
5.0 compositor Georg Friedrich Haendel
nasceu em Halle, Alemanha, emn 23
1685, e faleceu em Londres, em 14 de abril de
1759.
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CRIANÇAS, SONS E MÚSICA

Qnantoà tagarelice da criança ea todas as suas produções sonoras, eram con


sideradas como uma atividade sensório-motora pela qual ela tomava conbeci
mentodo mundoexterior ao mesmo tempo que exercia suas possibilidades motoras:
uma criana de um an0 que se distrai fazendo tanger uma porta explora uma
relaçãode causa e efeitoentre um gesto e um ruído.
Mas a introdução do gravador, por volta de 1950, alterou radicalmente nos
sa concebção de música, trazendo duas grandes descobertas. Por um lado, certos
compositores puseram-se a fazer másica concreta, quer dizer, a compor musical
mente os ruidos, mas tão bem que se podia ouvir o ranger de portas, realizado,
desta feita, por um compositor como Pierre Henry, gravado em disco, apresenta
do em concerto, e que, numa primeira aproximação, se pareceria bastante com
aqueles produzidos por uma criança pequena.
Por outro lado, opiblico não especialista pöde escutar músicas extraeuropeias
que pouco tempo antes teríamos tido dificuldade em considerar como música. Por
exemplo, os cantos de garganta das mulberes esquimós, que utilizam ruídos insó
litos produzidos com a voz, são certamente mais próximos das pesquisas somoras
de uma criança com sua voz do que uma dria de Haendel.
Noespaço de alguns anos nós tomamos consciência da diversidade de produ
ções bumanas a que chamamos 'música', e não seria mais possfvel reduzi-la às
nossas melodias tonais clássicas nem a nossos ritmos, a três ou quatro tempos.
Há, portanto, um denominador comum em todas as práticas. Mas não é pre
ciso ir buscá-lo nos niveis de estilos nem de objetos masicais, enminentemente dife
rentes, que se podem ouvir em discos. Eles são encontrados no nível das condutas
dos músicos; þo|s, assim como os estilos e as linguagens são variáveis, também é
universal ocomportamento do músico que concentra sua atenção sobre osom que
ele produz com seu instrumento, dominando 0gesto para melbor controlar a sono
ridade. Se as estilos são diferentes, as condutas são bastante vizinbas. Agora
podemmos ter um novo olbar sobre as produções sOnoras das crianças. A aproxima
ção com a música dos adultos vem a ser possível e, aliás, instrutiva nos dois sen
tidos. Compreendem-se melbor as condutas do músico adulto observando-se a
gênese na infância, enós interpretamos as pesquisas da criança de uma perspec
tivamais rica, uma vez que as comparamos àquelas dos músicos.I..."
(François Delalande, 2000, p. 48)

A análise que se segue, fruto da pesquisa de F. Delalande, é um


referencialque sinaliza questões referentes às condutas de explora
ção, expressão e construção - do sonoro ao musical.

6. Pierre Henry nasceu em Paris, em 1927, e foi diretor do Groupe de Recherches de Musigue
Concrète, trabalhando com Pierre Schaeffer.
BRI1Q
DE
ENCAR
TeCA AI
EXPLORAÇÃO
Desdeas prineiras meses de vida a atividade sensório-motora do bebê þode tomar
rutdas. Se a
exploração de.objetasque prodwzem gente
a forma de uma
criança de quatro meses, maic cedo ou mais
tarde pendura
nm
tanzbor no berode somoridadeeleexplorarávasbanda com as
uma
enontrará apele,
ouesfregando. voltade oito meses, observam-se comportamentosunbas,
Porcuja batendo
mais elaboya-
das nosquais a modiftcaçãode gestos introduz variações do vesultado Sonoro. Para
Varlaçöes, mesmo sece ela não éprocurada
repetiça0 C0M
2s nossosmásicos, eSA
alenta: 1nten
conalmente, sÑpodenos
Uma menina de trê anos gira uma bolinha numa lata de conserva. Aboli-
mais ou menos irregular
Mas
produz um rutdo L...] a menina
nba, girando, de introduzir uma variação suplementar.
encontrouwm me10
lata com
Fechando mais ou
ela modifica otimbre. Ela encontra
SHa mão lre.
menos a abertura da
asim oprincipio daguimbarde, que se colocaem frente à boca: aqui também s¹
abertura de uma cavidade.
modifica o timbre agitando sobre a
Nas produ;ôes sonoras das crianças pequenas, de até aproximadamente quatro
ou cinco anas, a forma privzlegiada ea rpenga0, cOmO unma reminiscència
reações circulares da pequena infancia, e esse aspecto as aproxima de uma proþor-
çãoimportante das produyões masicais do mundo inteiro, que adotam Com fre-
qüência a forma repetitiva. Epreciso notar que, Wma vez que bá repetiço de tm
gesto sensivelmente identico num mesmo corpo sonoro, não é tanto sobre oobjeto
material que se faz aexploração, mas sobre a descoberta S0n0ra, que, ela sim, é
lipeiramente variada. Na verdade étuma "ideia musical" que édesenvolvida bne
uriacjes bela menina de três anos, que, colocada em frente a um nicrafone eum
amplificador, repete um mesmo som produzido cOm a boca fechada, mas introd.
zindo progresivamente variações finas que modificam profundamente ocaritr
espressivo. Pasa-se por ligeiras variações, de um "m" sem importância aexpres
sõgs que poderiam ser interprtadas como lamentosas, em seguida a verdadeiras
pequenasfórmulas melódicas ascendentes sobre um intervalo definido.Por infimas
variaões na repetição de um som, a menina explora todo um campo musical..]

EXPRESSÃO
Com essa variação de entonaçãosobre um som vocal, está-se no limiar de uma
vegunda grande familia de condutas observadas na criança: autilização e<res
sna do som. Apalavra "expresso" étalvez precisa demais. Sem dúvida, dee
ria se jalar de maneira mais geral de uma representação do real pelo som, na
qual aexpressão dos estadas afetivos éapenas um caso particular. Avepreenta
ção define, na verdade. 0jogo simbólico da criança. Mas, para justificar ese

1. Instrumento também chamado, popularmente. de berimbau de bOca.


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CRIANÇAS, SONS E MÚSICA

abuso de linguagem, observa-se que, por volta dos quatro ou cinco anos, a repre
sentação do real pelo som éfortemente ligada à vivência afetiva. Mais tarde,
pelos dez anos, por exemplo, orealismo acástico será procurado, mas aos cinco
anos nãohá diferença notável entre a másicade um personagem que anda sobre
gravetos 0u sobre a grama. Por outro lado, qne se suba com dificuldade uma
escadaou que se desça com facilidade, isso se ouve. Euma sequência gestual rein
terpretada por meio da lembrança do esfonço ou da facilidade. Não éa objetivi
dade da cena descrita que impöe sua lei, mas a vivência corporal e afetiva que
está associada aela. O realismo acústico dominará por volta dos sete anos, mas
por volta dos cinco anos é ainda um realismo quinestésico.
Aliás, quando as criaças de cinco anos, em um jogo dramático, realizam a
música do mar calmo ou da tempestade, elas fazem a mímica corporal do estado
do mar ao mesmo tempo que orepresentam pelo som. A música dobra a expressão
gestual. Omar calmo éfeitoþor pequenos movimentos de mãos acompanbando sons
breves, digamos, leves, mas a tempestade éveprasentada por movimentos amplos do
corpo inteiro ede grandes e trágicos perfis sonoras. Af também a comparação com
as músicas eruditas ésurpreendente. São encontradas as mesmas grandes trajetó
rias descendentes em uma obra de Bayle querendo trazer osentimento do trágico.
Se me parece útil insistir sobre a ligação entre a motricidade na criança ea
representação sonora do real, éporque ela nos aproxima da expressão musical.
Assim como a preocupação do realismo do ruido poderia nos afastar da másica,
também o sincretismno que se observa na criança de quatro ou cinco anos entre o
gesto, osomea expressäo épróximo de nossa experiência de músicos. Parece que,
se uma frase musical pode evocar um sentimento, éporque ela é, primeiramente,
aimagem de um gesto, eque nossos gestos -mais ou menos rápidos - estão liga
dos a nossos estados afetivos.

CONSTRUÇÃO
Ainda hesitamos para falar de música a propásito das sequências que crian
gas de menos de seis anos produzem, ainda muito marcadas pela exploração das
fontes ou pelo desejo de simbolizar diretamente uma cena. Falta um componente
essencial à produçãomusical do adulto: a preocnpação de orgBanizar a másica,
de lbe dar uma forma. Aparece, na verdade, por volta dos seis ou sete anos,
quando o respeito à regra domina no jogo da criança. Nãoé uma coincidência:
pode-se ver, nesse jogo combinatório que , frequentemente, a másica, uma forma
de jogo de regras. Na escrita por imitação da polifonia do século xVI ou do con
traponto de J. S. Bach8, não se pode negar a satisfação intelectual que provém
desses encaixes de uma melodia ede seu duplo. ..]

8. Johann Sebastian Bach nasceu em Eisenach, Turíngia, em 21 de março de 1685, e faleceu


em Leipzig, em 28 de julho de 1750.

39
BRLO
ALENCAR DE
TECA

Asbrinadeinascantadas infantis são. talvez uma das primneiras manifestações


regras. Trata-se de,fazer entrar uma frase em um molde rít-
munsicalcom compaável àquela que consiste,
dojogo conduta é bastante
passeia
quando agente
na calçada,em evitarandar sobre as linbas da pavimentação (conduta
mico, e essa
nojogoda
amarelinba). Mas
sofisticada encontrada
é produzida, é
organizar a música.
muito quando ela uma
oM organizá-la entre crianças criação coletiva.
dimensão na
preoCupação que
verdadeira caracterizam as condutas dos
toma sua
das fontes e asmúsicos são
três grandes fatores que
L...] Os criança: a exploração
SHCeSS0Vamente doninados pela
vida afetiva e,
pesquisas
geralmente, a representação, enfim,
expressão da
SOnOras, a
tais, então a forma.I...1
organizapão das ideias entre (E. Delalande, 2000, p. 51)

das condutas da
de Delalande acerca produção
Se a pesquisa
podenos auxiliar a conhecer melhor 0 modo
sonora da criança sons e m:
crianças se relac10nam COm o universo de
como as é única e que percorre seu
importante lembrar que cada criança
próprio caminho no sentido da construção do seu conhecimento,
área.
em toda e qualquer
CRIANÇAS, SONS E MÚSICA

Do impreciso ao preciso.
Uma leiturada trajetória
da expressão musical infantil
Umodo como as crianças percebem, apreendeme se
relacionam com os sons, no
tempo-espaço, revela o modo como
percebem, apreendem e se relacionam com o mundo que vêm
explorando e deseobrinde a cada dia.) A partir dessa ótica, com a
intenção de complementar a análise de Delalande, falaremos ainda
sobre a expressão musical das crianças seguindo uma trajetória que
vai do impreciso ao preciso.
"Preciso" ou "impreciso" não t¿m, de forma
alguma, conotação
de valor, de certo ou errado, melhor ou pior etc.,
referem-se, sim,
às condutas infantis de exploração e produção sonoras.
Quandoemite sons vocais, em movimentos sonoros ascendentes
ou descendentes, o bebÃnão busca uma afinação coerente com o
repertório dos sons de sua cultura: ele explora as qualidades desse
gesto e vai, à medida que exercita, descobrindo e ampliando novas
possibilidades para seu exercício. Aliás, vale lembrar que, durante
os primeiros meses de vida, o bebêexplora grande quantidade de
sons vocais, preparando-se para o exercício da fala, sem limitar-se,
ainda, aos sons e fonemas presentes em sua língua natal, fato que
passa a ocorrer a partir dos oito meses.
Muitas crianças de dois a três anos de idade acompanham uma
canção com movimentos regulares, seguindo o pulso, sem que isso
seja um critério organizador para elas, que podem desviar-se e pas
Sar a acompanhar a mesma canção de forma não m¿trica, sem a
consciência doque isso implica do ponto de vista musical. O que
estáem jogo, então, ésempre a questão da consciência.
Felipe, como exemplo, tinha quatro anos quando, ao visitar a
escola de música, explorava com liberdade o teclado do piano.
Felipe tocava ora nos graves, ora nos agudos, produzindo blocos de
sons, alguns sons discretos, semm se preocupar em localizar as notas
musicais no teclado. Omenino tocava com alegria e prazer, e resol
veuconvidar sua mãe para tocar junto com ele:
"Vem, mamãe, tocar piano junto comigo".
41
BRITO
ALENCAR DE
TECA

Amãe aproveitou para reforçar o sentido da visita a uma escola

de música:
"A mamãe não sabe tocar pian0. Só o papai sabe, porque a
tocar!"
não aprendeu a
mamãe não estudou, disse então, respondeu:
quesua mãe
Felipe escutou o você. Eu já sei. É
tocar, sim, que eu ensino só
"Pode vir
saj!"9
apertar
queEleosom
traduziu muito bem o que signiticava para ele, aos quatro
anos, tocar piano ou, em outras palavras, fazer música. Opiano era
qualitativamer.
um grande bloco de sons que ele explorava
ao agudo), a intensidade, tocava sons
variava as alturas (do grave
sucessivos, depois simultâneos etc., exercitando gestos necessários

eadequados à
realização musical pelo pian0, que ele já tivera a
chance de observar. No entanto, rellpe nao se Preocupava em sabe.
dóe tampouco buscava reproduzir Ou imitar
onde estava a notaconhecidas. Acima de tudo, ele criava sua
estruturas sonoras pró
reproduzindo gestOs, experimentando, criando.
pria música,
lado dos demais
A exploração sonora de Felipe ao piano, ao
exemplos, ilustra o significado de "imprecisão" no contexto do
fazer musical: lidando com elementos pertinentes à música, Felie
produzia
não se preocupava em precisar as altuYas e durações que
tocando aleatoriamente e encantando-se com os sons que percebia.
Sua música não era, ainda, figurativa, desconhecendo os conceitos
de melodia, ritmo e harmonia em sua forma tradicional.
E, com certeza, o mesmo menino, tempos depois, teria interes
se emn reproduzit uma pequena canção ou linha melódica, criada
por ele ou aprendida. Também éprovável que, se fosse estimulado
na área musical, viesse a manifestar o desejo de tocar um instru
mento em particular. Aproximando-se da etapa do jogo com re
gras, a música passa a ser também um vasto domínio para a siste
matização e a organização do conhecimento.
Faz sentido estabelecer uma ponte entre a expressão musical ea
expressão gráfica das crianças até a idade de seis anos, com base nas
colocações acima? Da exploração sensório-motora das formas cir
culares e verticais, desenhadas com força e ocupando o espaço o
papelglobalmente, àprodução do desenho figurativo, que repro
duz uma cena, um lugar, épossível perceber pontos de converge
Cla entre a expressão nas duas linguagens (e, aliás, entre quaisquer
Iormas de pensamento e ação infantis): a ausência de formas defi
nidas, a exploração concreta dos materiais, o gesto que ação, a
utilização não convencional do espaço, transformando-se até o
CRIANÇAS, SONS E MÚSICA

estágio em que o desenho persegue conexões cada vez mais próÐx0


mas com o real, delimitando espaços e usando cores intencional
mente, sintonizam-se com a exploração sonora que vai do gesto à
criação de formas sonoras.
Oprocesso de aquisição da linguagem tamb¿m facilita a com
paração com a expressão musical: da fase de exploração vocal à eta
pa de reprodução, criação e reconhecimento das primeiras letras,
daí àgrafia de palavras, depois a frases e, enfim, à leitura e àescri
ta,existe um caminho que envolve a permanente reorganização de
percepções, explorações, descobertas, construções de hipóteses,
reflexões e sentidosque tornam significativas todas as transforma
Ções e conquistas de conhecimento: a consciência em contínuo
movimento. Isso ocorre também com a música.

A "garatuja sonora" do bebÃe da criança pequena sintoniza-se com


o modo comoela explora os materiais sonoros que tem em mãos, com
a exploração de sons vocais com que se entretém por longos períodos,
sem que importeo resultadoe sem que o uso de "regras gramaticais"
dessa linguagem taça o menor sentido, como, aliás, sÑ poderia ser.
Importa explorar os materiais, imitar a ação, nessa fase que o peda
chama de
gogo e pesquisador musical inglês Keith Swanwick
"manipulativa", com ênfase na exploração dos materiais, e que,
para François Delalande, corresponde ao período de exploração
sensório-motora, ambos apoiando-se nas pesquisas de Jean Piaget.
Variar a velocidade, a intensidade, explorar e realizar sons de
diferentes alturas, diferentes durações, sem aorientação de um pul
43
maneira de tazer música sintonizada
soregular, é as Conm
muitas
até dois ou três anos, ainda que
em virtude de aspectOs que podem
di ferenças
dizer possam SerCTanças de
respeito ao ouvIas,
sociOeCONOMCOdesevolveI-m
mentoe aO perCurso individuais, ao cONtexto
maior ou menor
que vivem as crianças, ao ContatO COm
musicais, aOs estínnulos de amor, afeto, segurança etc.
Quando a criança descobre as letras de seu nome (as
uma!), ela passa a assinar seus desenhos. a
marcar suas
manitVeZes,estaçies

tando para a consciência de que existe um cooi
código sas , apon-
meio do qual épossível representar algo o(no caso, ela
sem a preocupação de estar ou não usando de
maneira
sim ból i
mesma)c o,
por
mas
reta esse mesmo codigo, porque, por ora, basta saber precisae COr-
te! A primeira assinatura de Mairah, aos quatro anos, que
era a
ele exis
Talvez por ser o Huma letra não tão presente (ao
menos no
letra Ht.
so de uma criança de quatro anos), foi a primeira com a univer-
conectou. Ouando fazia qual ela se
um desenno, marcava seu nome com ues
He, se lhe perguntassem o que estava escrito
ali, logo:respondia
"MAIRAH". Era o início de um novo tempo, em que ela
lidar de modo diferente com signos e símbolos. começava
a
depois, Mairah passou a gratar MRAIHA, MHAIRA, HAIRAM...tempo Algum
Para
ela. a ordem dos fatores ainda não alterava o produto: se estaua
ciente dos sinais gráficos que devia usar, a ordem exata não era.
ainda, questão a considerar. Enquanto isso, sua música também se
transformava: reproduzia ritmos medidos simples e era capaz de
sentir e manter um pulso regular. Seu repertório de canções se
ampliava, e ela cantava expressivamente. Sabia da existência das
notas mnusicais e, às vezes, pedia uma partitura para colocar na
estante do piano e "ler" o que tocava. E, quando tocava, a ordem
dos fatores tambémn não alterava o produto. As vezes dizia: "Vou
tocar Airei o pau no gato", ou outra canção. Então, cantava, acom
panhando-se ao piano, realizando o ritmoda canção com bastante
proximidade do modelo, mas explorando livremente o teclado,
conferindo equivalência aqualquer altuca, qualquer nota musical,
sem a consciência de que o perfil ou a definição daquela melodia
dependiam também da organização precisa dos tons musicais.
Até que Mairah, entre cinco e seis anos, não mais trocava a
ordem das letras de seu nome, e de muitos outros queaprendeua
escrever. Também já sabia que, para tocar "dó, r¿, mni, få,
fá, fí..."
efa necessário respeitar essa ordem.Criare reproduzir linhas com
dicas pasSou ater importânciaj para ela, Oquesucediacambém
mostrava mais
relação ao aspecto rítmico. Aescuta se afiava, ela se
44
CRIANÇAS, SONS E MÚSICA

interessada em reconhecer timbres, em perceber partes diferentes


ou repetições de uma obra musical. As regras da linguagem musi
cal começavam a lhe interessar, e um novo mnodo de ouvir e de se
expressar se estabelecia, exigindo outro tipo de atenção e de con
centração, disposiço para repetir atéacertar, para descobrir motivos
e 1déras musicais, e até mesmno para querer decifrar o sistema de
notação musical tradicional. Sua interação com o meio sociocultu
ral tornava-se cada vez mais evidente.
Obviamente, respeitar o precesso de desenvolvimento da
expressão musical infantil não deve se confundir conma ausência de
intervençoes educativas. Nesse sentido, o_professor deve atuar
$empre Como animador, estimulador, provedor de informações e
Nivências que irão enriquecer e ampliar a experiência e o conheci
mento das crianças, não apenas do ponto de vista musical, mas
integralmente, o que deve ser oobjetivo prioritátio de toda pro
posta pedagógica,especialmente na etapa da educação infantil.
Entretanto, éimportante considerar legítimo omodo como as
crianças se relacionam com os sons e silêncios, para que a constru
ção do conhecimento ocorra em contextos significativos, que
incluam criação, elaboração de hipóteses, descobertas, questiona
mentos, experimentos etc. Como afirmou César Coll:

"A finalidade áltima da intervenção pedagógica é contribuir


para que o alunodesenmolva as capacidades de realizar aprendiza
gens significativas por si mesmo [...]eqw aprenda a aprender:"
(C. Coll, 1990, Þ. 179)

45
BRITO
ALENCARDE
TECA

Concusão
K-Aerir sobre as capacidades presentes em
tantas cada etapa
infantil, bem como sobre as
do desenvolvimento
o
conqui
só tem razão de ser se respeitamos o processo único e
cada ser humano, como já foi
lembrado
anteriocom si stas
engular de
rmentoe, mes).
, Se
deramos que esse proCesso Se da na interação conSi-
ambiente de amor, afeto e respeito. Além disso, um trabalho
gógico-musical deve se realizar em Contextos
educativOS que peda-
enten
dam a música como processo contínuo de
perceber, sentir, experimentar, imitar, criarconstrução, que envolve
e refletir.
Nese sentido, importa, prioritariamente, a
criança, odesujeito da
experiência, e não a música, Como muitas situações
musical insistem em
considerar/A educação musical não deve visar
àformação de possíveis músicos do amanhã, mas sim à
integral das crianças de hoje. )
Épreciso cuidado para não
formação
las abertas para a música (assim
contundir estimulação precoce, iane.
comno para qualquer área) com trei.
namento mecanicista ou sIstematizaçao fofmal
aresultados que nem precOce, que visam
sempre são os que mais importam e interes
sam àcriança. Os cursos de música para
bebês, por exemplo, que
podem ser maravilhosos espaços para o
tivo, transformam-se, algumas vezes, em exercíCio sensível ecogni
aulas de sistematizada
repetição, propondo e cobrando atitudes e
no mínimo, não fazem muito
sentido para
comportamentos
eles.
que,
solicitam que o bebê Atividades que
acompanhe o pulso de uma música com um
pequeno instrumento, brinquedo ou objeto sonoro
fazer sentido para seres humanos que se podem não
ceito de tempo. Colocar a criança em relacionam com outro con
interação com músicas métricas é bom e,contato com situaçoEs ae
difere da insistência em submetê-la à mesmo, necessário, mas
buscam desenvolver o pulso como idealrealização de exercíCi0S que
e como única possibilida-
de de realização musical.9 Da
de oito meses entender que é
mesma forma, é dificil para um bebe
chegada a hora de trocar seu inslu
mentocom oamigo, conforme propõe o
sa de unm tempo adulto, quando elé Plcc
maior para explorar as potencialidades do mate-
fial e para brincar com ele, no real sentido do
9.
termo.
Basta lembrar as muitas maneiras de organização musical, conforme vimos no capítulo 2.
46
FIQUE ATENTO

E preciso estar alerta para estimular obebé, responder a ele e interagir


com ele a fim de ajudá-lo a crescer de modo sadio e equilibrado, tendo
o cuidado essencial de respeitar seu percurso individual.
" O que você, na sua prática como educador ou educadora, tem perce
bido com relação à maneira como as crianças se expressam musical
mente? Elas cantam? Como? Retêm na memória as canções que
aprendem? Inventam canções? Afinam?
" As crianças se interessam em ouvir? Que tipos de música preferem
escutar? Elas se movimentam ou tazem gestOs enquanto escutam oU
cantam algo? E com relação aos sons do entorno?
" Gostam de tocar instrumentos e de transformar objetos en instrumen
tos musicais? Criam com seus materiais sonoros?

" Demonstram alegria e entusiasmo quando participam de atividades


musicais? Fazem perguntas sobre questões musicais?
"Que experiências musicais elas trazem consigo? Você conhece as
familias das crianças? Tem algum tipo de informação sobre a vida
musical delas?
"Que idade têm as suas crianças? O que vocêpercebe que é diferente
com relação às mais velhas? Ecom relaço às mais novas?
"Que outras questões poderiam ser elaboradas paraampliar e enrique
cer o trabalho nessa área?

Essas e outras indagações, que poderemos estar formulando a cada


dia, devem acompanhar nosso trabalho musical com as crianças. Obser
var, comparar (sem juízo de valor,sem considerar melhor oupior) e reqis
trar o que percebemos émais importante do que apenas acreditar no
que dizem os livros. Sóassim criaremos condições para ampliar as pos
sibilidades de percepção, criaço, reflexão, expressão e comunicação
musical das crianças.

41

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