Você está na página 1de 16

Processos de Contação de Histórias - Arthur Henrique de Oliveria

PROCESSOS DE CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS

Modulo 2
A importância da musicalidade na contação de histórias.

Objetivos específicos
Neste módulo iremos conhecer a história da música na educação, discorrer sobre as dimensões que
a linguagem musical pode assumir no universo da contação de história, tratar das interfaces entre
música, neurociências e contação de história e, por fim discutir acerca das possíveis articulações
entre música, ambiente e literatura infantil.

Complexo Educacional Campos Salles


1
Processos de Contação de Histórias - Arthur Henrique de Oliveria

Temas abordados nesse módulo

1. MÚSICA E EDUCAÇÃO: PERSPECTIVAS HISTÓRICAS................................................................................. 3

1. 1  Os primeiros pedagogos musicais............................................................................................................... 4

2. MÚSICA, NEUROCIÊNCIAS E CONTAÇÃO DE HISTÓRIA: DIÁLOGOS POSSÍVEIS ............................... 6

2. 1  A música, o ambiente e a contação de história.................................................................................... 9

3. O GÊNERO CONTOS DE FADAS........................................................................................................................12

CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................................................................13

MAPA MENTAL DESSE MÓDULO................................................................................................................................15

REFERÊNCIAS................................................................................................................................................................15

Complexo Educacional Campos Salles


Processos de Contação de Histórias - Arthur Henrique de Oliveria

1. MÚSICA E EDUCAÇÃO: PERSPECTIVAS HISTÓRICAS


[...] “educar na música é crescer plenamente e com alegria. Desenvolver sem dar
alegria não é suficiente. Dar alegria sem desenvolver tampouco é educar” (GAINZA,
1988, p. 95).

A sonoridade é um fenômeno que está intrinsecamente relacionado ao cotidiano das pessoas. Os


sons estão presentes nas mais diversas situações e podem ser agradáveis ou não, tudo depende da
forma como nosso cérebro reage. Assim, para muitos o movimento caótico das pessoas e automó-
veis ruas, o som das buzinas, o ronco dos motores, as vozes das pessoas, os sons da natureza, etc.
podem se converter ou não em musicalidade. A música está presente praticamente onde quer que
estejamos: nas ruas, bares, restaurantes, supermercado, igrejas, na televisão, nas rádios, nos celula-
res, enfim, a música nos acompanha analogamente a nossa sombra. As crianças logo cedo apren-
dem a cantar e nas creches, nas escolas de educação infantil e fundamental a música se converte
em um instrumento pedagógico muito importante para a aprendizagem.

Musica é alegria, “quem canta seus males espanta”, diz o ditado popular. A palavra música, do gre-
go mousikê, significa “arte das musas”, é uma referência à mitologia grega em que as ninfas eram
quem ensinavam aos seres humanos sobre as verdades dos deuses, semideuses e heróis, por meio
da poesia, da dança, do canto, do teatro etc. Todas estas manifestações culturais eram acompa-
nhadas por sons. Assim, “Música”, seria a “Arte de Ensinar”. A música era, e continua sendo, para
muitas religiões, uma forma de aproximação com as divindades, ao som das liras os gregos antigos
recitam poemas (ELLMERICH, 1977).

A música é uma linguagem universal, tendo participado da história da humanidade desde os seus
primórdios. Atualmente, existem diversas definições para música, sendo que, de modo geral, ela é
considerada ciência e arte, na medida em que as relações entre os elementos musicais são relações
matemáticas e físicas; a arte manifesta-se pela escolha dos arranjos e das combinações. A música
representa uma forma de linguagem facilmente compreendida pelo indivíduo. Ela estimula, sensibi-
liza, interfere e orienta a sua imaginação (BRÉSCIA, 2003).

De acordo com Borchgrevink (1991, p. 57):


A música pode ser definida como uma progressão sonora não-linguística organizada
no tempo. A maior parte das tradições musicais estabeleceu um sistema altamente
especificado de elementos sonoros característicos, mas cada elemento sonoro
carece da específica conexão simbólica com um conceito/significado/ideia - que é
característica de uma linguagem.

Nota
Para saber mais sobre os efeitos dos sons no cérebro:
https://super.abril.com.br/saude/o-caminho-do-som-aparelho-auditorio/

Complexo Educacional Campos Salles


3
Processos de Contação de Histórias - Arthur Henrique de Oliveria

Saiba mais
Qual o processo pelo qual o cérebro processa, codifica, armazena e pro-
duz música?
Leia o artigo “Música e Cognição”, disponível em:
https://drive.google.com/file/d/1MfJhfaWIuLjoqHJlnz8HQ-0is1XTYrLa/view
Para conhecer mais sobre a importância da musicalidade para o desenvolvimento cogniti-
vo assista o vídeo “Musicalização traz benefícios ao desenvolvimento cognitivo”, clicando no
link: https://www.youtube.com/watch?v=5jzpIsYck3c

1. 1  Os primeiros pedagogos musicais

Atenção
Crianças em ambientes sensorialmente enriquecedores apresentam res-
postas fisiológicas mais amplas, maior atividade das áreas associativas
cerebrais, maior grau de neurogênese (formação de novos neurônios em
área importante para a memória como o hipocampo) e diminuição da perda neuronal (apop-
tose funcional). A educação musical favorece a ativação dos chamados neurônios em espelho,
localizados em áreas frontais e parietais do cérebro, e essenciais para a chamada cognição
social humana, um conjunto de processos cognitivos e emocionais responsáveis pelas fun-
ções de empatia, ressonância afetiva e compreensão de ambiguidades na linguagem verbal e
não verbal (MUSZKAT, M. Música, neurociência e desenvolvimento humano, p. 69).

No módulo 1 fizemos referência ao filósofo J. J. Rosseau, aqui novamente destacamos sua importân-
cia, já que o francês se dedicou também ao estudo da música, exercendo uma forte influência sobre
o pensamento musical da época, pode-se afirmar, segundo Bromberg (2014, p.2), que a música
imiscui-se em grande parte da sua obra:

Pode-se afirmar que essa literatura reflete vieses historiográficos, como a


abordagem de cunho estético da música, e suas relações com a ideia de gosto; a
problemática da música com as noções de imitação e representação, que muitas
vezes são abordadas dentro de uma temática maior, a da relação da música com
a linguagem; e o enfoque na relação entre Rousseau e o teórico Jean-Philippe
Rameau (1683-1764), que se desenvolve a partir e para além da Querela dos

Complexo Educacional Campos Salles


4
Processos de Contação de Histórias - Arthur Henrique de Oliveria

Bufões. Todavia, a Música da época de Rousseau era ainda classificada como uma
ciência matemática e possuía forte influência da tradição escrita, principalmente
de teóricos dos séculos XVI e XVII. Desse período, os autores mais citados por
Rousseau foram Johannes Kepler, Gioseffo Zarlino e Vincenzo Galilei, Marin
Mersenne, Sébastien de Brossard, René Descartes e o já mencionado Rameau.

Ao romper com a pedagogia tradicional musical da época, Rousseau instaurou um novo marco
educacional cujo foco estava centrado na infância:

Para Rousseau, a produtividade dos processos pedagógicos musicais só é alcançada


por meio de investigações específicas para identificam o modo de aprendizado dos
sentidos e os conhecimentos prévios já adquiridos de cada criança, esse processo
já foi defendido por vários estudiosos como fundamental no ato pedagógico partir
do conhecimento e experiência de cada criança para depois ampliá-los, tornando
esse aprendizado significativo, pois a criança não é uma tábua rasa e vazia na
qual devem ser depositados conteúdos, mas ela é um ser em construção com
conhecimentos e necessidade específica de aprendizagem (Barbosa, 2012, p.7).

Para Rousseau, os primeiros passos no caminho da pedagogia musical deveriam ser ouvir e viven-
ciar a música por meio dos sentidos, trabalhando o pulso, os movimentos e o corpo, para somente
depois, se fazer uma leitura da música em si (BARBOSA, 2012).

Influenciado pelos princípios propostos por Rousseau da educação segundo a natureza, da educa-
ção familiar e da finalidade ética da educação, ainda no século XVIII, destaca-se a obra e os ideais
do pedagogo suíço Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827). Em sua obra Como Gertrude instrui seus
filhos (1801), o ensino deveria sempre partir da intuição e do contato direto com os elementos da
realidade, assim a educação da criança deveria ocorrer por meio da ação, das atividades e não ape-
nas por meio das palavras, evidenciando dessa forma a importância do movimento na sua proposta
pedagógica (MARTINS, 2009).

A proposta pedagógica musical de Pestalozzi visava à formação do caráter, nesse sentido, a música
exerceria forte influência na educação moral, os princípios contidos na sua pedagogia musical eram:

Ensinar sons antes de ensinar signos e fazer a criança a aprender a cantar antes
de aprender a escrever as notas ou pronunciar nomes, observar auditivamente e
a imitar sons, suas semelhanças e diferenças, seu efeito agradável e desagradável,
em vez de explicar coisas ao aluno, em suma, tornar o aprendizado ativo, e não
passivo; ensinar uma coisa de cada vez: ritmo, melodia e expressão antes da criança
executar a difícil tarefa de praticar elas de uma vez; fazê-la trabalhar cada passo
dessa divisão até que domine antes de passar para o próximo; ensinar os princípios
e as teorias após a prática; analisar e praticar os elementos do som articulado para
aplicá-los na música; fazer que os nomes das notas correspondam aos da música
instrumental (FONTEFERRADA, 2005, p.52).

Ao adentrarmos no século XIX destacamos a figura de Friedrich Fröebel (1782–1852), que de acordo
com Kramer (1994), foi um dos primeiros a propor o conceito de “Jardins-da-Infância”. Froebel con-
siderava as atividades lúdicas de fundamental importância para o processo de aprendizagem. Sua
proposta educacional caracteriza-se pela presença do lúdico como instrumento pedagógico deter-

Complexo Educacional Campos Salles


5
Processos de Contação de Histórias - Arthur Henrique de Oliveria

minante, por isso, brinquedos, brincadeiras, musicalidade, jogos, histórias, artes plásticas, desenho,
pinturas, recorte e colagem, construção, observação da natureza e horticultura são considerados
por ele atividades fundamentais que não podem estar ausentes nas escolas (KISHIMOTO, 1998).

Como filósofo pertencente ao período romântico, Froebel acreditou na criança, enalteceu sua per-
feição, valorizou sua liberdade procurando conhecer a natureza infantil por meio de brincadeiras
livres e espontâneas. Instituiu uma Pedagogia tendo a representação simbólica como eixo do seu
trabalho educativo, sendo reconhecido por isso como psicólogo da infância, o ensino da música,
para ele deveria ser em formas de cantigas alegres, divertidas, animadas e relativamente simples,
segundo o pedagogo a inclusão do ensino da música teria como objetivo estimular a apreciação
das obras artísticas (FONTEFERRADA, 2005).

Entre os pedagogos que deixaram um legado importante para a educação musical destacamos:
Emile Jacques Dalcroze (1865-1950), Zoltán Kodály (1882- 1967), Carl Orff (1895-19820), Shinichi
Suzuki (1898-1998) e o brasileiro Heitor Villa-Lobos (1887-1959), entre outros.

Villa-Lobos destaca-se por ter sido o principal responsável pela descoberta de uma linguagem
musical tipicamente brasileira, sendo considerado um dos maiores expoentes da música do mo-
dernismo no brasileiro, suas obras contêm nuances das culturas regionais brasileiras, com os ele-
mentos das canções populares e indígenas. Villa-Lobos influenciado pelo nacionalismo vigente na
Europa durante a década de 1920 desenvolveu durante o governo de Getúlio Vargas o programa
mais abrangente de ensino de música no Brasil: o Sistema de Educação Musical através do Canto
Orfeônico (SQUEFF; WISNIK, 2001).

2. MÚSICA, NEUROCIÊNCIAS E CONTAÇÃO DE HISTÓRIA: DIÁLOGOS


POSSÍVEIS
Autores, como Garcia (2005), consideram educação formal como sinônimo de educação escolar, ou
seja, é aquela onde o saber é sistematizado, o que justifica a sua definição. Dessa forma, educar é
proporcionar condições para a aprendizagem.

Por sua vez, a aprendizagem requer diversas funções cerebrais como atenção, percepção, memó-
ria, emoções, função executiva, ou seja, um conjunto de habilidades cognitivas necessárias para se
aprender coisas novas. Por ser um conceito fundamental da educação, a aprendizagem pode ser
enriquecida com os avanços recentes no campo das Neurociências.

O ato de aprender proporciona prazer ao cérebro, e isso ocorre quando o indivíduo descobre uma
nova maneira de realizar uma atividade, de resolver situações problemas, de juntar informações,
etc. O aprendizado é um estímulo importante que atua sobre o sistema de recompensa. Ao re-
conhecer que a variedade e as novidades desempenham papel relevante no processo de ensino/
aprendizagem, o professor percebe como é importante não se limitar a um único método didáti-
co-pedagógico. O professor é figura fundamental não só para ensinar o método, para possibilitar o
aprendizado, mas acima de tudo, para estimular o aprendizado: aquilo que é difícil demais propor-
ciona pouca ativação do sistema de recompensa; fácil demais proporciona pouca ativação do sis-

Complexo Educacional Campos Salles


6
Processos de Contação de Histórias - Arthur Henrique de Oliveria

tema de recompensa, dessa forma “A motivação depende de uma dificuldade adequada, o retorno
positivo sinaliza para o estudante o aprendizado, encorajando-o e permitindo que se empenhe na
prática” (SECRETARIA DE EDUCAÇÃO, 2012 p.11).

O estudo da aprendizagem une duas áreas: a Educação e as Neurociências, e do imbricamento des-


ses dois campos emerge a Neuroeducação.

A Neuroeducação possibilita ao professor conhecer a estrutura e o funcionamento do cérebro, bem


como a relação entre aprendizagem, cognição, emoção, motivação e desempenho. Estimular o cé-
rebro a partir da música, com a combinação ideal de sonoridade tem o poder de causar reações
no corpo, tanto do ponto de vista emocional como biológico. As neurociências têm sido apontadas
como um campo que tem tornado possível à investigação sobre os efeitos que a música produz no
cérebro (SANTOS; PARRA, 2015).

Tecnologias de neuroimagem, como a ressonância magnética, por exemplo, proporcionaram avan-


ços significativos acerca do funcionamento do cérebro e tem sido uma ferramenta de estudo sobre
as reações que a música é capaz de causar no cérebro, pois é possível estudar quais regiões do
cérebro são ativadas quando se ouve música (SANTOS; PARRA, 2015).

De acordo com Antunha (2010, p. 238), o início da experiência musical infantil se dá por meio da
captação sensório/motora advindas das cantigas de ninar, das canções entoadas pelos pais, dos
tipos de sons que circundam o ambiente, ainda segundo o autor:

A sensação musical começa na criança com uma emoção de prazer puramente


auditiva a qual evolui integrando-se aos outros analisadores: táctil-cinestésico,
visual e motor, compondo assim esquemas amplificadores que envolvem regiões
integrativas do cérebro, desde a cóclea até as áreas pré-frontais, aí incluída a
participação subcortical do hipocampo-memória, bem como os centros límbicos
de recompensa: amígdala, septo e nucleus accumbens, facilitadores da produção
de neurotransmissores como a dopamina, serotonina, noripinefrina e endorfina.

De acordo com a Neuroeducação, aprender consiste em desafiar e mudar os padrões cerebrais.


Aprender é mudar o cérebro daí a importância no ambiente externo, dos estímulos e das experiên-
cias e isso tem a ver com neurônios e as sinapses. Então a sinapse adequada é aquela capaz de
processar as informações de maneira significativa formando um processo contínuo que se renova
o tempo todo, pois o cérebro humano não é imutável, ele é capaz de desenvolver novas conexões
a partir de novas experiências, novos estímulos e desafios. Dependendo dos estímulos novas cone-
xões sinápticas são estabelecidas. Tudo isso é possível a partir do comportamento do indivíduo e
da relação que ele estabelece com o ambiente externo, isto é possível graças à plasticidade neural.
A partir do nascimento até a fase adulta, a regeneração funcional do sistema nervoso está aconte-
cendo cada vez que ocorre um novo comportamento aprendido, assim a plasticidade neural é um
processo natural e essencial para o aprendizado, para o desenvolvimento das funções neuropsico-
lógicas e motoras. A aprendizagem ocorre quando o cérebro reage aos estímulos do meio ativando
e tornando as sinapses mais intensas, assim novas conexões entre os neurônios surgem quando
aprendemos coisas novas (SECRETARIA DE EDUCAÇÃO, 2012).

Complexo Educacional Campos Salles


7
Processos de Contação de Histórias - Arthur Henrique de Oliveria

Toda vez que se aprende, este algo novo é assimilado e incorporado à estrutura cognitiva do in-
divíduo, alterando suas estruturas cerebrais, ou seja, aquilo que Piaget (1996 p. 18) denominou de
“acomodação”: [...] chamaremos acomodação a toda modificação dos esquemas de assimilação sob
a influência de situações exteriores. Cosenza e Guerra (2011, p. 38) também reforçam os pressupos-
tos básicos de que:

Estimular conexões neurais leva à reorganização das estruturas cerebrais e ao seu


desenvolvimento e, consequentemente, à construção de novas aprendizagens e
comportamentos. A aprendizagem se traduz pela formação e consolidação das
ligações entre as células nervosas. É fruto de modificações químicas e estruturais
no sistema nervoso de cada um.

A música é uma linguagem artística muito importante para estar dissociada da educação, ela au-
xilia o desenvolvimento da psicomotricidade e estreita os laços entre a criança e a arte. Trabalhar
a musicalidade com as crianças no ambiente escolar é muito importante, pois a música exerce di-
versas funções: estimula a criatividade, ajuda a assimilar novos conceitos, melhora a sociabilidade,
ativa sistemas de controle da memória, da linguagem, da atenção e prepara o clima para a conta-
ção de histórias ou hora do conto (SANTOS; PARRA, 2015).

Em conjunto, Neurociências, música e contação de história constituem uma tríade importante, veja-
mos: Neurociências, no plural, é uma área inter e multidisciplinar que investiga o sistema nervoso;
atividades musicais possuem a capacidade de ativar diversas regiões do cérebro como demonstram
as tecnologias de neuroimagens - tomografia e ressonância magnética -, que permitem monitorar o
comportamento dos impulsos elétricos durante exposição à musicalidade. Sabe-se que no cérebro
não existe algo chamado de núcleo musical, contudo, para interpretar os sons várias áreas cerebrais
são ativadas e com isso o sistema de recompensa pode ser acionado ou não, tudo na dependência
da experiência musical ser ou não prazerosa. Assim, compreender o funcionamento do cérebro da
criança é importantíssimo para a escolha de estratégias corretas de intervenção, o sistema nervoso
“é o responsável pelas conexões e interconexões cerebrais, sendo necessário conhecer a funciona-
lidade desse órgão complexo que é o cérebro, para ser possível entender o papel dos contos de
fadas no desenvolvimento infantil” (LIMA et al., 2018, p. 7). As Neurociências e a conta-
ção de histórias possuem todos os ingredientes para se tornarem grandes parceiras, no passado os
contadores de histórias sabiam que não bastava contar, era preciso motivar, emocionar, prender a
atenção, rir, divertir, brincar de viajar sem sair do lugar, cativar e dar asas a imaginação.

Como vimos, além de divertir, o conto é um grande aliado do professor, pois transmite uma lingua-
gem simbólica e facilita a inserção da criança no mundo das letras. Corroborando tal ideia, destaca
Radino (2003, p. 119):

Introduzindo as crianças em um mundo rico de simbolizações, os contos de fadas


podem auxiliar no processo de alfabetização. Ao ouvir uma história, a criança
aprende a imaginar o que evoca a palavra presente presentificada e, aos poucos,
aprende a memorizar o conto. Ouvir um conto de fadas é diferente de ouvir uma
história realista. Nesta última pode-se até extrair algum conhecimento, mas ele não
contribuirá para o processo de integração do ego e de simbolização. Além disso, os
contos de fadas põem as crianças em contato com diferentes culturas e o momento

Complexo Educacional Campos Salles


8
Processos de Contação de Histórias - Arthur Henrique de Oliveria

da história é de união coletiva. As crianças concentram-se, aprendem a respeitar-se


e, acima de tudo, passam momentos de grande prazer.

2. 1  A música, o ambiente e a contação de história

Pense comigo
As experiências musicais podem modificar as estruturas cerebrais?

Figura 1 – Contação de Histórias

Fonte:  http://g1.globo.com/ma/maranhao/noticia/2013/10/contacao-de-historias-e-diversao-para-criancas-na-7-feira-do-livro.
html. Acesso em 20 Nov. 2018.

Cantar, bater palmas ou pés, trabalhar procedimentos de escuta do ambiente sonoro, improvisar no uso
de instrumentos musicais de maneira artesanal, refletir e atuar de maneira a privilegiar o protagonismo
infantil são ações que possibilitam à criança conhecer e aprofundar suas referências musicais. De ma-
neira geral, as crianças expressam melhor suas emoções através da música do que pela linguagem oral,
por isso, o ambiente é muito importante para estimular o cérebro, nesse sentido, ao utilizar-se de ritmos,
rimas, sons e instrumentos, a música abre caminho para que o momento mágico de contação de história
aconteça. Essa fase pré-contação de história é importante para preparar o psicológico e o emocional da
criança, por isso não apenas a música é importante, mas também figurino, a paixão, o amor, a entona-
ção de voz, o carisma, a afetividade do contador, além da caracterização do próprio ambiente.

A partir da constatação de que a música é uma linguagem, se reconhece que ela é própria do homem
e se manifesta independentemente da etnia, religião, cultura ou época. Existe música para qualquer

Complexo Educacional Campos Salles


9
Processos de Contação de Histórias - Arthur Henrique de Oliveria

ocasião, para cada momento e circunstâncias, seja para relaxar, para excitar, para divertir e obvia-
mente para animar e predispor a contação de história. Utilizar a música para iniciar e/ou finalizar a
contação de história é importante para chamar a atenção e auxiliar na concentração das crianças.

Figura 2 – Amostra de uma partitura

Fonte:  Teoria Musical Fundamental, p. 136. Disponível em: http://www.rastru.com.br/downloads/pessoal/Teoria-musical-


fundamental.pdf. Acesso em 20 Nov. 2018.

Música 1

Uma história eu vou contar;

Preparem os ouvidos para escutar;

Olê, olê, olê olá (bis, várias vezes em ritmos diferentes, com batida de palmas, etc.)

Música 2

Agora, vamos sentar; Bem quietinhos ficar;

Vamos prestar atenção; Dar asas à imaginação;

Porque agora é hora da história; Agora, é hora da história;

Hora, hora da história; Já vai começar.

As letras das músicas devem ser simples, objetivas e alegres para suscitar as mais variadas sensa-
ções naquele que ouve, como tristeza, apreensão, medo, raiva, expectativa, ternura, etc.

Outra maneira de tornar o ambiente propício para a hora do conto é solicitar aos alunos que tra-
gam cortinas ou lençóis para se improvisar “cabaninhas” ou tendas. A montagem de tendas ou
“cabaninhas” transforma o ambiente em um espaço que instiga a curiosidade e a criatividade de
maneira acolhedora e prazerosa tornando os momentos de contação de histórias fecundos, pois
nutre o imaginário e propicia as crianças adentrarem verdadeiramente no mundo de fantasias, e
por fim, cria o gosto pela leitura e pela hora do conto. Esses espaços criam uma inebriante magia
de grande valia para a criança ao permitir que ela mergulhe profundamente no mundo do faz de
conta. “Cabaninha” é uma brincadeira muito antiga, estimulante, deixa o ambiente aconchegante,
completamente atemporal e, além disso, é uma atividade muito divertida. Diante disso, a contação
de histórias pode se converter em uma ótima ferramenta para superar um dos maiores desafios de
pais e professores durante a idade escolar: possibilitar que as crianças tomem gosto pela leitura.

Complexo Educacional Campos Salles


10
Processos de Contação de Histórias - Arthur Henrique de Oliveria

Em Santa Catariana, na cidade de Chapecó, o Centro de Educação Infantil Municipal Maria da Luz Borges
criou o Projeto “História na Tenda” objetivando estimular o gosto pela leitura. A contação de histórias
ocorre em uma tenda confeccionada pelos professores da instituição que utilizaram materiais reapro-
veitados. É nela que a hora do conto acontece de maneira alegre e permeada por momentos de ludici-
dade e encantamento. A cabaninha é uma maneira descontraída, prazerosa e acolhedora que auxilia na
concentração e estimula a imaginação. De Acordo com a Secretária da Educação do município, Sandra
Galera: “desenvolver atividades que incentivem a leitura e o gosto por aprender através de histórias é de
grande valia, por ser nesta idade que as crianças absorvem conhecimentos com maior facilidade, sendo
atividades diferenciadas e realizadas em um espaço preparado e pensado em prol de hábitos que facili-
tem no futuro desejo por aprender mais através de leituras tiradas de livros, é transformador”.

Figura 3 – Educação Infantil: Projeto estimula momentos de leitura em Chapecó

Fonte:  http://undime-sc.org.br/noticias/educacao-infantil-projeto-estimula-momentos-de-leitura/. Acesso em 20 Nov. 2018.

3. O GÊNERO CONTOS DE FADAS


Vimos até aqui que, embora os contos de fadas tenham surgidos há muito, muito tempo atrás, eles
se mantém vivos na memória das gerações, pois escritos em linguagem simples estão carregados
de simbolismos e metáforas. O enredo é muito atrativo e basicamente é composto por três ele-
mentos narrativos que quase sempre se repetem: o herói, o antagonista e o auxiliar mágico (PROPP,
2001).

No livro Morfologia do Conto Maravilhoso (1928), Vladimir Propp analisando cem contos de magia
do folclore russo percebeu a verossimilhança nos esquemas narrativos entre povos que provavel-
mente jamais tiveram contato entre si, percebendo entre eles a presença constante de determina-
dos elementos. De acordo com Propp (2011, p. 16):

Quais os métodos que permitem obter uma descrição exata do conto maravilhoso?
1. O rei dá uma águia ao destemido. A águia o leva para outro reino;

Complexo Educacional Campos Salles


11
Processos de Contação de Histórias - Arthur Henrique de Oliveria

2. O velho dá um cavalo a Sutchenko. O cavalo o leva para outro reino;


3. O feiticeiro dá a Ivan um barquinho. O barquinho o leva para outro reino;
4. A filha do czar dá a Ivan um anel. Moços que surgem do anel levam Ivan para
outro reino.
Nos casos citados encontramos grandezas constantes e grandezas variáveis. O que
muda são os nomes (e, com eles, os atributos) dos personagens; o que não muda
são suas ações, ou funções. Daí a conclusão de que o conto maravilhoso atribui
frequentemente ações iguais a personagens diferentes. Isto nos permite estudar
os contos a partir das funções dos personagens.

De acordo com Propp (2001, p. 17), deve-se destacar em primeiro lugar aquilo que é de fundamental
importância nos contos, ou seja, as funções dos personagens. “Por função, compreende-se o pro-
cedimento de um personagem, definido do ponto de vista de sua importância para o desenrolar da
ação”.

Embora a proposta de Propp (2001, p.44) esteja limitada as funções e não aos personagens pro-
priamente ditos, ele não deixa de abordar as funções entre os sete personagens que ele identifica:

Tabela 1 – Esfera de ação dos Personagens

Fonte:  Propp (2001, p. 45)

Na sua morfologia, Propp (2011), apresenta trinta e uma funções narrativas das situações dramáti-
cas, entre essas destacamos a punição do antagonista, a vitória do herói, o confronto entre o herói
e o antagonista, o casamento do herói, etc.

Os Contos de Fadas ou contos maravilhosos, apesar de remontarem a períodos longínquos, são con-

Complexo Educacional Campos Salles


12
Processos de Contação de Histórias - Arthur Henrique de Oliveria

siderados clássicos literários carregados de metáforas e simbolismos, de enredo chamativo, de teor


aparentemente inocente e sem muitas pretensões, apresentando um tipo de narrador onisciente,
segundo Bettelheim (2007, p. 7):

É característico dos contos de fadas colocarem um dilema existencial de forma


breve e categórica. Isto permite a criança aprender o problema em sua forma mais
essencial, onde uma trama mais complexa confundiria o assunto para ela. O conto
de fadas simplifica todas as situações. Suas figuras são esboçadas claramente; e
detalhes, a menos que muito importantes, são eliminados. Todos os personagens
são mais típicos do que únicos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Contação de história, musicalidade e neurociências formam uma tríade interessante do ponto de
vista didático-pedagógico. As neurociências estão focadas em investigar os processos de como
o cérebro se desenvolve, estuda o seu funcionamento desde o nível celular até as áreas corticais.
Literalmente, Neurociência é a ciência cujo objeto de estudo é o sistema nervoso, a “neurociência”
forma na verdade um imbricamento de áreas, por isso a palavra deve estar grafada sempre no plu-
ral: Neurociências. Aprender consiste em desafiar e mudar os padrões cerebrais. Aprender é mudar o
cérebro daí a importância no ambiente externo, dos estímulos e das experiências. E o que isso tem
a ver com neurônios e sinapses?

O processamento das informações, as conexões entre os neurônios ou células nervosas só é pos-


sível através das sinapses, que possuem a capacidade de remodelar o que acontece no cérebro.
Então a sinapse adequada é aquela capaz de processar as informações de maneira significativa
formando um processo contínuo que se renova o tempo todo, pois o cérebro humano não é imu-
tável. As mudanças no cérebro por meio da experiência formam a base do aprendizado, assim de
acordo com os pressupostos atuais com que as neurociências trabalham, o aprendizado consiste,
justamente, na modificação das conexões entre os neurônios no cérebro, ou seja, nas sinapses.
O ato de aprender proporciona prazer ao cérebro, e isso ocorre quando o indivíduo descobre uma
nova maneira de realizar uma atividade, de resolver situações, de juntar informações, etc. O cérebro
nessas situações ativa um sistema de motivação ou recompensa, isso ocorre porque experiências
satisfatórias fazem com que o corpo libere neurotransmissores como a dopamina, ajudando o cé-
rebro a se lembrar dos fatos agradáveis com mais facilidade e rapidez. Assim, é cada vez maior a
evidência de que a diversão é uma experiência muito positiva para o aprendizado. Em situação de
bom humor o cérebro amplia a capacidade de aprender e quanto mais vias sensoriais são estimu-
ladas, mais informações chegam ao Sistema Nervoso Central, daí a importância do ambiente, da
musicalidade, durante as fases pré e pós contação de história.

Complexo Educacional Campos Salles


13
Processos de Contação de Histórias - Arthur Henrique de Oliveria

MAPA MENTAL DESSE MÓDULO

REFERÊNCIAS
ANTUNHA, E. L. G. Música e mente. Boletim Academia de Psicologia São Paulo, Brasil – v.78, nº 01/10
pp. 237-240, 2010.

BARBOSA, A. A música como um instrumento lúdico de transformação. Revela - Periódico de Di-


vulgação Científica da FALS. Ano VI – n XIV-Dez/ 2012.

Complexo Educacional Campos Salles


14
Processos de Contação de Histórias - Arthur Henrique de Oliveria

BETTELHEIM, B. A Psicanálise dos Contos de Fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007.

BORCHGREVINK, H. M. O cérebro por trás do potencial terapêutico da música. In: Even Ruud (Org.)
Música e Saúde. São Paulo: Summus Editorial, 1991.

BRÉSCIA, V. L. P. Educação musical: bases psicológicas e ação preventiva. São Paulo: Átomo, 2003.

BROMBERG, Carla. A classificação da música na obra de Jean-Jacques Rousseau. Opus, Porto Ale-
gre, v. 20, n. 1, p. 39-54, jun. 2014.

COSENZA, R. M.; GUERRA, L. B. Neurociência e educação: como o cérebro aprende. Porto Alegre:
Artmed, 2011.

ELLMERICH, L. História da Música. São Paulo: Fermata do Brasil, 1977.

FONTERRADA, M. T. O. De tramas e fios: um ensaio sobre música e educação. São Paulo: UNESP,
2005.

GAINZA, V. H. Estudos de Psicopedagogia Musical. São Paulo: Summus, 1988.

GARCIA, V.P.C. Prática Pedagógica e necessidades educacionais especiais: a relação diádica em


sala de aula. Dissertação de Mestrado em Psicologia Aplicada. Universidade Federal de Uberlândia,
Uberlândia, 2005.

KISHIMOTO, T. M. O brincar e suas teorias. São Paulo: Pioneira, 1998.

LIMA, M.; RIBEIRO, F.; DUARTE, A. P. O trabalho com contos de fadas na atuação neuropsicopeda-
gógica. ACADEMUS – Revista Eletrônica Dialogando Saberes, v. 2 n. 2, set. 2018.

MARTINS, C. O. A influência da música na atividade física. 1996. Dissertação de Mestrado. Universida-


de Federal de Santa Catariana – UFSC. Santa Catarina (SC)- Centro de Desportos, 1996.

PIAGET, J. Biologia e Conhecimento. Vozes: Petrópolis, 1996.

PROPP, W. Morfologia do Conto Maravilhoso. São Paulo: CopyMarket, 2001.

RADINO, G. Contos de fadas e realidade psíquica: a importância da fantasia no desenvolvimento.


São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.

SANTOS, L. S.; PARRA, C. R. Música e Neurociências: inter-relação entre música, emoção, cognição
e aprendizagem. Revista Eletrônica. Portal dos Psicólogos/2015. Disponível em: http://www.psicolo-
gia.pt/artigos/textos/A0853.pdf acesso em 14 Julho/2018.

SÃO PAULO (SP). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Divisão de Ensino
Fundamental e Médio. Direitos de aprendizagem dos ciclos interdisciplinar e autoral: Arte. – São Paulo:
SME / COPED, 2016.

Complexo Educacional Campos Salles


15
Processos de Contação de Histórias - Arthur Henrique de Oliveria

SECRETARIA DE EDUCAÇÃO. O impacto da neurociência na sala de aula. Secretaria de Educação.


Recife: Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco, 2012.

Complexo Educacional Campos Salles


16

Você também pode gostar