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Revisão
Resumo
Este artigo apresenta evidências dos fundamentos neurobiológicos e evolucionários da música e suas
implicações terapêuticas. Primeiro, a música é um comportamento universal, presente em toda cultura.
Segundo, apesar de evidências de alguns mecanismos músico-específicos, estudos de lesão e de neu-
roimagem revelam que a música é também altamente supramodal e interage com múltiplos domínios
cerebrais, recrutando ativação bilateral em regiões envolvidas com o processamento linguístico, motor e
espacial. Terceiro, os padrões básicos de organização melódica e temporal da música são compartilhados
entre as culturas, uma propriedade análoga às regras universais da sintaxe compartilhadas por diferentes
línguas. Quarto, as respostas dos ouvintes à música também são universais através das culturas. Quinto,
estudos de neurodesenvolvimento mostram que bebês processam padrões musicais semelhantemente
aos adultos, fornecendo evidências de mecanismos transcendentes à cultura. Sexto, a música evoca
emoções genuínas e fortes, ativando estruturas cerebrais filogeneticamente antigas do sistema límbico.
Finalmente, consideramos uma redefinição da música como uma forma de comunicação baseada no som,
corporificada, não-referencial e polissêmica, cujo conteúdo é essencialmente emocional. Como a música
ativa áreas cerebrais envolvidas no processamento linguístico, espacial, motor e emocional básico, in-
duzindo neuroplasticidade, ela representa uma possibilidade terapêutica de baixo risco e de baixo custo.
Correspondência: Paulo Estevão de Andrade, Rua Sperêndio Cabrini, 231, Jardim Maria Izabel II 17516-
300 Marília SP, E-mail: paulo_sustain@yahoo.com, Tel: (14) 3301-7944
172 Neurociências • Volume 7 • Nº 3 • julho/setembro de 2011
Abstract
This article presents evidence for the neurobiological and evolutionary foundations of music and its
therapeutic implications. First, music is a universal behavior present in every culture. Second, despite
evidence for some music-specific mechanisms, studies by lesioning and neuroimaging reveal that music is
also highly supramodal and interacts with multiple brain domains, recruiting bilateral activation in regions
involved in language, motor and spatial processing. Third, the basic patterns of melodic and temporal
organization of music are shared among cultures, a property that is analogous to the universal rules of
syntax that are shared among different languages. Fourth, the responses of listeners to music are also
universal across cultures. Fifth, neurodevelopmental studies show that infants process musical patterns
in a way similar to that of adults, providing evidence for culture-transcendent mechanisms. Sixth, music
elicits genuine and strong emotions, activating phylogenetically old brain structures of the limbic system.
Finally, we consider a re-definition of music as a sound-based, embodied, non-referential and polysemic
form of communication whose content is essentially emotional. Since music activates brain areas involved
in language, spatial, motor, and basic emotional processing, inducing neuroplasticity, it represents a low
risk and low cost therapeutic possibility.
nação dos sons linguísticos e, conse- envolvendo a audição ativa para a discri-
quentemente, para o desenvolvimento minação de padrões melódicos revelam
das representações morfossintáticas ativação de estruturas cerebrais classica-
da linguagem [11,31]. Análises mais mente tidas como envolvidas na lingua-
detalhadas demonstram que lesões no gem, na motricidade e no processamento
HD também afetam as entonações da lin- visuo-espacial, consistentemente com os
guagem e que os indivíduos com amusia comportamentos musicais universais pre-
congênita também têm dificuldades na viamente descritos. Dentre estas regiões
discriminação tonal fina (capacidade de destacamos a área de Broca e o córtex
discriminar sutis diferenças de frequência parietal inferior esquerdo, conhecidas por
como entre duas teclas adjacentes do seu envolvimento na memória de trabalho
piano) tanto da música, quanto das en- verbal e na sintaxe linguística, os córtices
tonações linguísticas. Entretanto, déficits premotores, e áreas visuo-espaciais como
na percepção tonal fina não prejudicam cúneo e precúneo, dentre outras [11,12].
significativamente a percepção das en- Finalmente, as respostas emocionais
tonações da fala, particularmente a dis- à música são acompanhadas por altera-
tinção entre perguntas e afirmações que ções psicofisiológicas ou autonômicas,
na maioria são variações da ordem de 6 tais como alterações na circulação san-
semitons (a distância entre a primeira e a guínea, na condutividade elétrica da pele,
sexta de seis teclas adjacentes do piano), na temperatura corporal, dentre outras
nem tampouco a percepção fonêmica. [37,46). Essas respostas são geralmente
Se na dimensão tonal a música e lin- descritas pelas pessoas como arrepios,
guagem possuem relativa independência, calafrios, lacrimejamento, etc e estão
na dimensão temporal, particularmente relacionadas a ativações de áreas sub-
no ritmo, há claros indícios de que ambos corticais envolvidas no comportamento
os domínios compartilham mecanismos aversivo (de fuga), tal como o giro pa-
cognitivos e recursos neurais. Déficits rahipocampal e a amígdala, ou de áreas
seletivos no ritmo com preservação da que compõem o circuito de recompensa,
percepção tonal e reconhecimento mu- como o sistema mesolímbico e o córtex
sical, normalmente decorrem de lesões orbitofrontal [47].
ou alterações genético-neurológicas que Argumenta-se que, a despeito de pos-
envolvem áreas parietais e/ou frontais suir alguns aspectos modulares ou domí-
inferiores do HE envolvidas na sintaxe lin- nio-específicos, é a natureza supramodal
guística e na memória verbal de trabalho, e interativa da música, envolvendo muitos
respectivamente, e, além disso, também domínios biologicamente relevantes tais
estão frequentemente associados a sin- como linguagem, motricidade, espaço e
tomas afásicos [11,12]. emoção, que representa sua maior força
Se os estudos de lesão revelam as evolutiva. E não há dúvidas de que são
áreas que parecem ser cruciais para cer- estes os principais aspectos que fizeram
tas tarefas, tais como os córtices perissil- com que a música fosse universalmente
vianos do HD para o processamento tonal, usada pelas diversas culturas como ins-
os estudos de neuroimagem mostram as trumento de cura [1,48], e que atualmente
áreas que estão envolvidas nestas tarefas, suportam uma abordagem musicoterapêu-
não apenas as áreas cruciais. Tarefas tica baseada em evidência [49,50].
180 Neurociências • Volume 7 • Nº 3 • julho/setembro de 2011