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CURSO DE PSICOLOGIA
UM ENFOQUE NEUROPSICOPEDAGÓGICO.
Santos
2021
O IMPACTO DA MÚSICA NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM - UM ENFOQUE
NEUROPSICOPEDAGÓGICO.
A música é uma das características exclusivas dos seres humanos, e faz parte do
processo evolutivo. Ela tem sido objeto de estudos de diversas áreas do conhecimento
nas últimas décadas, principalmente das Neurociências, e estes têm mostrado que a
música tem um impacto extraordinário, afetando diversas áreas cerebrais. Este artigo se
baseia em um Trabalho de Conclusão de Curso, cujo objetivo foi analisar como a música
pode influenciar no processo ensino-aprendizagem, utilizando-se de um enfoque
neuropsicopedagógico. Sendo uma pesquisa bibliográfica, o caminho investigativo para
tal iniciou-se no entendimento da música, suas definições e características, passando
pelo resgate histórico da música, inclusive no Brasil, e suas conexões com a educação.
Após, foi investigado o efeito da música no cérebro, sendo abordada como ocorre a
percepção do som, e as relações entre a música, sistema límbico e memória, linguagem e
sistema motor; em todos eles, primeiro foi feito o estudo de como cada parte/sistema
funciona neurologicamente, para após ser entendido suas relações com música. Por fim,
analisou-se os efeitos da música no processo ensino-aprendizagem, no que tange ao
desenvolvimento socioafetivo, cognitivo/linguístico e psicomotor, considerando os
aspectos neuropsicológicos elencados anteriormente. Deste modo, foi possível entender
como a música pode impactar no processo ensino-aprendizagem à partir da
neuropsicopedagogia.
Abstract
Music is one of the exclusive characteristics of human beings, and it makes part of their
evolutive process. It has been study object of various knowledge fields in the last decades,
de Santos.
1
mainly Neuroscience, and these studies have showed that music has an extraordinary
impact, affecting several brain areas. This article is based in a final paper, which objective
was to analyze how music can influence in the teaching-learning process, by using a
neuro-psychopedagogical focus. Being bibliographical research, the investigative path to
do so started in the understanding of music, its definitions and characteristics, going
through the historical recovery of music, including in Brazil, and its connections with
education. Then, it was investigated the effect of music on the brain, being addressed how
the perception of sound happens, and the relations between music, limbic system and
memory, language, and motor system; in all of them, first it was made the study of how
each part/system works neurologically, and then it was understood its relations with music.
At last, it was analyzed the effects of music in the teaching-learning process, with regards
to the socio-affective, cognitive/linguistic and psychomotor development, considering the
neuropsychological aspects listed previously. Thereby, it was possible to understand how
music can impact in the teaching-learning process based on the neuro-psychopedagogy.
Introdução
2
O principal local onde o ser humano desenvolve todos esses aspectos é a escola.
Esse é o espaço em que o processo de ensino-aprendizagem se dá, levando o ser
humano a se desenvolver tanto na esfera cognitiva, quanto na afetiva e psicomotora.
A música
A música, do grego μουσική τέχνη - musiké téchne, que significa arte das musas, é
a arte da combinação e transmissão de sons e silêncios de uma maneira organizada no
tempo, sendo esses sons harmoniosos e esteticamente válidos. É uma prática cultural e
humana, tendo suas normas estético-culturais variando de acordo com as sociedades, e
pode ser transmitida através da voz ou de instrumentos musicais.
3
sucessão de alturas (melodia) ou na organização vertical harmônica e tímbrica dos sons”
(MUSZKAT, CORREIA, CAMPOS, 2000, p. 70).
É inegável que a música causa reações no corpo humano, tanto emocionais, como
biológicas. A música tem uma ação neuropsicológica extensa, e é reconhecida por muitos
pesquisadores como uma modalidade que desenvolve a mente humana.
Fonte: https://i.pinimg.com/originals/6a/7e/4a/6a7e4a682a1ad67b146f07c6b0312c3e.jpg
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1. A música e a percepção do som
A percepção do som envolve uma série de estruturas cerebrais, tais como o córtex
pré-frontal, córtex pré-motor, córtex motor, córtex somatossensorial, lobos temporais,
córtex parietal, córtex occipital, cerebelo e áreas do sistema límbico, incluindo a amígdala
e o tálamo (OVERY; MOLNAR-SZACKACS, 2009 apud ROCHA E BOGGIO, 2013, p.
133).
Fonte: http://www.cochlea.eu/po/cerebro-auditivo
As ondas sonoras são conduzidas pelo meato acústico (ou canal auditivo),
localizado na orelha externa, até o tímpano, que é altamente inervado, fazendo-o vibrar.
Essa vibração aciona os ossículos (3 ossos minúsculos, localizados no ouvido médio),
que amplificam essas vibrações e as transmitem para o ouvido interno.
6
vibrações mecânicas em impulsos nervosos, que serão então captadas pelo nervo
auditivo.
Fonte: https://psicologiaymente.com/neurociencias/corteza-auditiva
O som não é decodificado da mesma forma nos dois hemisférios cerebrais, tendo
tantas características para interpretar. Assim, o corpo caloso conecta os dois lados,
permitindo que o lado direito interprete informações relacionadas ao contorno melódico,
ao aspecto emocional da música e aos timbres nas regiões temporais e frontais. Já o
ritmo, a duração, a métrica e a discriminação da tonalidade ocorrem no hemisfério
esquerdo do cérebro, o qual também processa a altura (MUSZKAT, 2012 apud PEREIRA,
2017, p. 13)
De acordo com Barreto e Silva (2010), o chamado lobo límbico é uma margem do
córtex na face medial de cada hemisfério, que inclui o giro do cíngulo (acima do corpo
caloso, que é a maior estrutura de substância branca do cérebro, e interliga os dois
hemisférios) e o giro parahipocampal (que fica abaixo, no lobo temporal). O cíngulo tem
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função de coordenar odores e visões com memórias agradáveis de emoções anteriores, e
participa ainda da reação emocional à dor e da regulação do comportamento agressivo. O
hipotálamo é a parte mais importante do sistema límbico, pois desempenha controle
homeostático e automático dos sistemas e processos do corpo (função vegetativa do
encéfalo). Já a amígdala (ou corpo amigdaloide), localizada no interior da metade anterior
do giro parahipocampal, está altamente relacionada com a memória e suas respostas
emocionais, isto é, ela é responsável por dar o “colorido” emocional às memórias. O
hipocampo, que tem esse nome por conta de seu formato parecido ao de um cavalo-
marinho, localiza-se no lobo temporal (no giro parahipocampal) e sua principal função é a
de transformar as memórias de curto para longo prazo.
Fonte: https://escoladepostura.com.br/main.asp?link=noticia&id=303
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Pesquisas indicam que a música é capaz de evocar emoções simples (como
alegria, medo, tristeza e raiva), independente de análises formais. Outros estudos indicam
um padrão comum para a comunicação de emoções entre linguagem falada e música.
Assim, as características manipuláveis em música para se transmitir emoções seriam
semelhantes às da prosódia da fala (JUSLIN e LAUKKA, 2003; SCHERER, 1995).
3. A música e a linguagem
Essa área trabalha em estreito conjunto com a área de Wernicke, que por sua vez
se localiza no lobo temporal (também no hemisfério esquerdo), e é a área de
compreensão da linguagem, processando os sons que reconhece para que sejam
10
interpretados como palavras e sejam utilizados, posteriormente, para evocar conceitos
(MENEGOTTO, 2009). A conexão entre essas duas áreas é feito pelo fascículo arqueado,
ou longitudinal medial, como mostra a figura 5.
Assim, quando ouvimos alguém falar, as palavras entram pelo canal auditivo e são
transformadas em sinais elétricos, para então ser interpretadas no cérebro em suas mais
variadas características. Além do som, o conteúdo da fala é decodificado na área de
Wernicke, e a prosódia (isto é, o conteúdo emocional da fala) tem a participação da
amígdala para ser entendida.
Fonte: http://neuropoint.blogspot.com/2013/07/a-linguagem-no-cerebro.html
Estudos de Magne et al. (2009, apud BARBOSA, 2017) mostram que se a altura é
um atributo perceptual que corresponde ao som da frequência, este é um importante
parâmetro para a percepção da música quanto para a fala; assim, o aumento da eficiência
no processamento da altura devido à expertise musical deve melhorar a percepção da
altura na fala (p. 390).
11
Por outro lado, música e linguagem são processadas de maneira independente no
cérebro, havendo predominância do hemisfério direito no processamento musical
(especialmente melodias) e do hemisfério esquerdo para processamento de linguagem
(ROCHA, BOGGIO, 2013, p. 135). Outro exemplo da independência dos sistemas de
processamento de fala e de música é o caso de pacientes com afasia, que mantêm a
capacidade de cantar e de reconhecer música, embora tenham dificuldades na fala
(ZATORRE; CHEN; PENHUME, 2007 apud ROCHA, BOGGIO, 2013).
Uma interessante relação entre a escuta musical e a ativação de áreas motoras foi
observada ao longo dos últimos anos. Em momentos de escuta, ainda que não seja
executada nenhuma tarefa motora, o córtex motor é recrutado (LIGA ACADÊMICA DE
NEUROCIÊNCIAS DA UFJF, 2021). A percepção rítmica também recruta diversas outras
estruturas, tais como gânglios basais, cerebelo, córtex pré-motor dorsal e a área motora
suplementar. Pesquisadores observaram que essas áreas são resgatadas de forma
hierárquica no processamento rítmico, de forma que, quanto mais complexo o padrão
rítmico ouvido, maior seria a atividade neural do ouvinte. (LIGA ACADÊMICA DE
NEUROCIÊNCIAS DA UFJF, 2021).
O sistema motor é aquele que permite ao corpo atuar sobre o meio externo. Ele é
constituído, essencialmente, por músculos e por elementos neurais. Os elementos neurais
estão distribuídos em três funções: podem ser geradores de movimento (medula espinal,
o tronco encefálico e o córtex motor); controladores do movimento (cerebelo e os núcleos
da base), e planejador do movimento (córtex pré-frontal). Algumas dessas estruturas
estão representadas na figura 6.
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Figura 6 - Estruturas neurais envolvidas no controle motor
Fonte: https://docplayer.com.br/61459506-Estrutura-e-funcoes-dos-nucleos-da-base-prof-musse-
jereissati.html
13
prolongam para fora do sistema nervoso, inervando os músculos esqueléticos na cabeça
e corpo.
Deste modo, as vias motoras somáticas são formadas por neurônios em quatro
circuitos neuronais, participando no controle do movimento e fornecendo influxos para os
neurônios motores inferiores, como pode ser visto no esquema da figura 7:
A área motora primária (figura 8), área 4 de Broadmann, localizada no giro pré-
central do lobo frontal do córtex, é a principal região de controle para execução de
movimentos voluntários. A área motora suplementar (área 6 de Broadmann, representada
na figura 9) também contribui com axônios para as vias motoras descendentes. Como é
possível ver em sua representação na figura acima, diferentes músculos são
desigualmente representados; maior área cortical é dedicada àqueles músculos
15
implicados em movimentos complexos e precisos (como os dedos das mãos, lábios,
língua e cordas vocais).
Fonte: https://images.app.goo.gl/qegjADeVb2WyWtB8A
Um outro exemplo dessa sincronização é que ela pode promover um uso mais
eficiente de energia quando utilizada na atividade física, pois diminui a necessidade de
ajustes de coordenação. De acordo com Teixeira (2020), uma pesquisa demonstrou que o
consumo de oxigênio é 7% menor quando se pedala sincronizado com a música, e que já
existem inclusive aplicativos que selecionam as músicas de acordo com a frequência
16
cardíaca almejada. Assim, aqui também é demonstrada a interferência da música nos
processos fisiológicos do corpo humano.
Por essa razão, a música é uma das atividades humanas na qual a sincronização
sensório-motora é fundamental (BRAUN et al., 2009). Assim, o sistema motor é
obviamente primordial na execução musical, ou seja, para se tocar instrumentos.
Pesquisadores observaram que a integração de áreas auditivas e motoras é semelhante
em músicos e não-músicos, diferenciando-se na intensidade do fenômeno observado.
Devido ao treino, músicos apresentam maior volume em estruturas como o corpo caloso,
cerebelo, córtex auditivo e no córtex motor, além de possuírem maior amplitude na
atividade cerebral em resposta a estímulos auditivos, e habilidades linguísticas mais
apuradas, como discriminação fonológica mais clara a partir do treinamento musical
formal, envolvendo a percepção rítmica e melódica (LIGA DE NEUROCIÊNCIAS DA
UFJF, 2021a).
17
ação executada por outro indivíduo. São recrutados, também, em resposta à audição de
sons relacionados à ação executada por outro indivíduo (RIZZOLATTI; CRAIGHERO,
2004 apud ROCHA, BOGGIO, 2013). Acredita-se que o sistema de neurônios espelho
esteja relacionado ao aprendizado por imitação, tendo sido, possivelmente, responsável
pela aquisição da linguagem nos seres humanos. (MOLNAR-SZACKACS; OVERY, 2006;
OVERY; MOLNAR-SZACKACS, 2009; LEVITIN, 2008 ROCHA, BOGGIO, 2013).
Ainda, outros estudos encontraram maior ativação dos circuitos motores para
emoções musicais altamente prazerosas de alto alerta, como alegria e força. Essas
emoções, na música, tipicamente, impulsionam a ação de se mover ou dançar.
18
substitui o restante da educação, ela tem como função atingir o ser humano em
sua totalidade.” (ONGARO et al., 2006, p. 4)
Cuervo (2018) realizou uma revisão sistemática acerca dos benefícios da música
para o cérebro, e concluiu que a capacidade de regulação de emoções, a promoção da
integração, do pertencimento e da partilha social, o engajamento motivacional, as
articulações com as linguagens e os mecanismos cognitivos e o prazer que o fazer
musical gera, são argumentos amplamente consolidados no campo científico que
justificam a relevância da música para o desenvolvimento global humano.
De acordo com Lemos e Silva (2018), a música na educação infantil torna-se uma
experiência prazerosa na qual a criança pode reconhecer a si mesma e ao outro,
expressar as suas formas de sentir, pensar e fazer música, identificando quais os sons da
sua realidade circundante. Ainda, outros ganhos que a estimulação musical traz diz
respeito à criatividade, expressão, sensibilidade e socialização, uma vez que a música
costuma ser uma construção cooperativa (PEREIRA, 2017, p. 10).
Com relação à linguagem, autores como Siqueira e Bonfim afirmam que a música,
acompanhada de brincadeiras, beneficia o desenvolvimento da fala, pois se trabalha
20
sílabas com rimas repetitivas, fazendo com que a criança entenda o significado das
palavras, através dos gestos que se fazem ao cantar (2017, p. 7). Da mesma forma, Faria
(2001) e Fernandes (2008) relatam que música em um contexto educacional contribui
com inúmeros benefícios: proporciona um estilo de novos vocabulários e traz consigo
vários aspectos que podem ser estudados, tanto lexicais, gramaticais como culturais, e
auxilia na concentração e memorização.
Ainda, segundo Ilari (2003), estudos indicam que o aprendizado instrumental ainda
na infância auxilia no desenvolvimento dos sistemas de controle de atenção, de memória,
de orientação espacial, de ordenação sequencial, motor e de pensamento superior.
Atividades como cantar fazendo gestos, dançar, bater palmas e pés, são experiências
importantes para a criança, pois elas permitem que se desenvolva não só o senso rítmico,
a coordenação motora, mas também fatores importantes para o processo do
desenvolvimento da escrita e leitura (GARCIA, SANTOS, 2012).
Isto ficou evidenciado nos estudos de Severo (2017). Nele, verificou-se a estratégia
do ensino com música o desempenho motor e verbal de crianças com 4 e 5 anos. Os
resultados indicaram que houve um aumento significativo no desenvolvimento motor, pois
houve uma melhora na motricidade global, equilíbrio, esquema corporal, organização
espacial e temporal.
21
nas crianças com dificuldades escolares, como problema de atenção, leitura, escrita,
cálculo e socialização (GREGÓRIO, 2002). Um estudo de Goez e Zelnik (2008) afirmou
que 50% dos escolares que continham dificuldades de aprendizagem apresentavam
desordem no desenvolvimento da coordenação motora.
Considerações finais
Conforme foi constatado neste estudo, a música está presente na vida humana
desde seus primórdios. Ela evoluiu junto com o homem e também é um dos primeiros
fenômenos com os quais o bebê, na barriga da mãe, tem contato. Conforme Bréscia,
"conhecemos a música desde o início de nossas vidas. Com um pulsar de célula se
dividindo dentro do corpo de nossa mãe, já somos apresentados ao aspecto mais
fundamental e universal da música: o ritmo" (2003, p. 67).
Ainda que essa importância esteja cada vez mais baseada em evidências
neuropsicológicas do efeito da música no cérebro, ainda se faz necessário mais estudos
na área. Considerando que a neuroimagem surgiu há pouco mais de duas décadas, e o
efeito da música é extenso, ainda há muito para investigar.
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Referências
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