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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SANTOS

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS E DA SAÚDE

CURSO DE PSICOLOGIA

LARISSA REIS MAURIZ

O IMPACTO DA MÚSICA NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM

UM ENFOQUE NEUROPSICOPEDAGÓGICO.

Santos

2021
O IMPACTO DA MÚSICA NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM - UM ENFOQUE
NEUROPSICOPEDAGÓGICO.

Larissa Reis Mauriz 1


Daisy Inocência Margarida de Lemos 2
Iara Candida Chalela Genovese 3
Resumo

A música é uma das características exclusivas dos seres humanos, e faz parte do
processo evolutivo. Ela tem sido objeto de estudos de diversas áreas do conhecimento
nas últimas décadas, principalmente das Neurociências, e estes têm mostrado que a
música tem um impacto extraordinário, afetando diversas áreas cerebrais. Este artigo se
baseia em um Trabalho de Conclusão de Curso, cujo objetivo foi analisar como a música
pode influenciar no processo ensino-aprendizagem, utilizando-se de um enfoque
neuropsicopedagógico. Sendo uma pesquisa bibliográfica, o caminho investigativo para
tal iniciou-se no entendimento da música, suas definições e características, passando
pelo resgate histórico da música, inclusive no Brasil, e suas conexões com a educação.
Após, foi investigado o efeito da música no cérebro, sendo abordada como ocorre a
percepção do som, e as relações entre a música, sistema límbico e memória, linguagem e
sistema motor; em todos eles, primeiro foi feito o estudo de como cada parte/sistema
funciona neurologicamente, para após ser entendido suas relações com música. Por fim,
analisou-se os efeitos da música no processo ensino-aprendizagem, no que tange ao
desenvolvimento socioafetivo, cognitivo/linguístico e psicomotor, considerando os
aspectos neuropsicológicos elencados anteriormente. Deste modo, foi possível entender
como a música pode impactar no processo ensino-aprendizagem à partir da
neuropsicopedagogia.

Palavras-chave: Neuropsicologia. Música. Ensino Aprendizagem. Neuropsicopedagogia.

THE IMPACT OF MUSIC IN THE LEARNING–TEACHING PROCESS – A


NEUROPSYCHOPEDAGOGICAL FOCUS

Abstract

Music is one of the exclusive characteristics of human beings, and it makes part of their
evolutive process. It has been study object of various knowledge fields in the last decades,

1 Autora: Discente do 10º semestre de graduação em Psicologia da Universidade Católica de Santos


2 Docente: Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São
Paulo, Professora do curso de Psicologia na Universidade Católica de Santos
3 Docente: Mestra, orientadora do Trabalho de Conclusão de Curso de Psicologia da Universidade Católica

de Santos.
1
mainly Neuroscience, and these studies have showed that music has an extraordinary
impact, affecting several brain areas. This article is based in a final paper, which objective
was to analyze how music can influence in the teaching-learning process, by using a
neuro-psychopedagogical focus. Being bibliographical research, the investigative path to
do so started in the understanding of music, its definitions and characteristics, going
through the historical recovery of music, including in Brazil, and its connections with
education. Then, it was investigated the effect of music on the brain, being addressed how
the perception of sound happens, and the relations between music, limbic system and
memory, language, and motor system; in all of them, first it was made the study of how
each part/system works neurologically, and then it was understood its relations with music.
At last, it was analyzed the effects of music in the teaching-learning process, with regards
to the socio-affective, cognitive/linguistic and psychomotor development, considering the
neuropsychological aspects listed previously. Thereby, it was possible to understand how
music can impact in the teaching-learning process based on the neuro-psychopedagogy.

Key words: Neuropsychology. Music. Teaching-learning. Neuro-psychopedagogy.

Introdução

A música, junto à linguagem, é uma das características exclusivas dos seres


humanos. Além disso, a música é tão antiga na vida do homem, que é anterior à própria
linguagem e à agricultura.

A música tem sido objeto de estudos de diversas áreas do conhecimento nas


últimas décadas, principalmente das Neurociências, impulsionado por avanços nos
exames de neuroimagem funcional e imagem por ressonância magnética, que permitem
observar o efeito musical no cérebro. Estes estudos têm demonstrado que a música tem
um impacto extraordinário, afetando diversas áreas cerebrais e influenciando tanto o
comportamento quanto a cognição.

Estes estudos têm demonstrado que a música tem um impacto extraordinário,


afetando diversas áreas cerebrais e influenciando tanto o comportamento quanto a
cognição. A música ativa diversos sistemas cerebrais, como o límbico (e portanto, tem um
forte efeito afetivo-emocional, afetando inclusive o humor) e o motor, e depende de uma
grande rede cerebral para ser compreendida (tonalidade, ritmo, harmonia, conteúdo) e
ainda tem funções sociais.

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O principal local onde o ser humano desenvolve todos esses aspectos é a escola.
Esse é o espaço em que o processo de ensino-aprendizagem se dá, levando o ser
humano a se desenvolver tanto na esfera cognitiva, quanto na afetiva e psicomotora.

Apesar desses estudos crescentes na literatura acerca da música nas


neurociências, os trabalhos publicados em geral se debruçam sobre apenas um aspecto
(a música e a linguagem, por exemplo). Ou ainda, com relação à educação, analisam
apenas como a música pode influenciar o processo ensino-aprendizagem, mas sem se
justificarem em aspectos neuropsicológicos.

Por isso, neste artigo serão apresentados os resultados de um trabalho de


conclusão de curso, cujo objetivo foi analisar como a música pode influenciar no processo
ensino-aprendizagem, utilizando-se de um enfoque neuropsicopedagógico. Para isso,
será mostrado os resultados das análises da literatura acerca dos efeitos que a música
causa no cérebro.

Inicialmente, será analisado como ocorre a percepção do som, e relações entre


música, sistema límbico e memória, linguagem e sistema motor (em um primeiro
momento como esses sistemas funcionam, e depois como, baseado nesse
funcionamento, a música afeta essas capacidades). Por fim, será explorado sobre os
efeitos e como a música pode afetar ou influenciar no processo ensino-aprendizagem, no
que tange ao desenvolvimento socioafetivo, cognitivo/linguístico e psicomotor,
considerando os aspectos neuropsicológicos elencados anteriormente.

A música

A música, do grego μουσική τέχνη - musiké téchne, que significa arte das musas, é
a arte da combinação e transmissão de sons e silêncios de uma maneira organizada no
tempo, sendo esses sons harmoniosos e esteticamente válidos. É uma prática cultural e
humana, tendo suas normas estético-culturais variando de acordo com as sociedades, e
pode ser transmitida através da voz ou de instrumentos musicais.

Neste artigo, a música foi considera como “o processo relacionado à organização e


à estruturação de unidades sonoras, seja em seus aspectos temporais (ritmo), seja na

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sucessão de alturas (melodia) ou na organização vertical harmônica e tímbrica dos sons”
(MUSZKAT, CORREIA, CAMPOS, 2000, p. 70).

Aqui, engloba-se toda combinação de elementos sonoros destinados a serem


percebidos pela audição, e isso inclui variações nas características do som (altura,
duração, intensidade e timbre) que podem ocorrer sequencialmente (ritmo e melodia) ou
simultaneamente (harmonia).

A altura é entendida como o resultado da frequência produzido por um corpo


sonoro, que determina se o som é grave (menor frequência, baixo) ou agudo (maior
frequência, alto). Já a duração é o tempo que duram as vibrações que produzem um som,
e a intensidade é a percepção da amplitude da onda sonora, conhecida como o volume
do som. Por fim, o timbre está associado à forma da onda sonora e nos permite distinguir
sons de mesma frequência, produzidos por instrumentos diferentes (LEVITIN, 2010). Ele
é caracterizado pela composição de frequências que constituem a onda sonora emitida
pelo instrumento, e também é denominado qualidade do som (SECRETARIA DA
EDUCAÇÃO DO PARANÁ, 2012).

O ritmo é a organização de cada som ao longo do tempo, ou seja, ele determina a


sucessão de tempos dentro da música, sequenciando os sons temporalmente e
possibilitando o progresso da harmonia e da melodia. Ele tem como característica a
marcação do tempo (pulso), transmitindo assim sensações para uma música, deixando-a
mais agitada, mais lenta etc. Já a melodia é a sequência coerente de notas tocadas
sucessivamente com identidade própria, isto é, ela é a voz principal que dá sentido a uma
composição, e que encontra apoio na harmonia e no ritmo (LEVITIN, 2010).

Finalmente, a harmonia é o conjunto agradável de notas musicais, ou seja, a


combinação de sons e a relações dos intervalos que existe entre eles (PLANETA
MÚSICA, 2017); em geral, essa combinação pode expressar sensações e emoções.

Há evidências de que a música é conhecida e praticada desde a pré-história, na


era paleolítica: foram encontrados flautas e tambores feitos de ossos, datados de
aproximadamente 35.000 anos a.C., e que provavelmente ocorreu pela observação dos
sons da natureza. Embora não seja possível estabelecer o seu desenvolvimento de forma
precisa, a história da música se confunde com a própria história do desenvolvimento da
inteligência e cultura humana.
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A música e o cérebro

É inegável que a música causa reações no corpo humano, tanto emocionais, como
biológicas. A música tem uma ação neuropsicológica extensa, e é reconhecida por muitos
pesquisadores como uma modalidade que desenvolve a mente humana.

A música tem acesso direto às emoções, controle de impulsos, afetividade e


motivação, estimula a memória não verbal por meio das áreas associativas secundárias,
que permitem acesso ao sistema de percepções integradas ligadas às áreas associativas
de confluência cerebral, e unificam assim várias sensações. As atividades motoras e
cognitivas que são envolvidas no processamento da música exigem várias operações
mentais, tais como a interpretação de ritmos, timbres, harmonias, expressão motora e
demais processos cognitivos e emocionais, fundamentais na formação de um complexo
interpretativo da linguagem musical (MUSZKAT, 2012). Ela auxilia no desenvolvimento
intelectual, bem como estimula a criatividade e também possibilita expressar os diversos
sentimentos por meio dos sons (PEREIRA, 2017, p. 5). Deste modo, a seguir, será
explorado as diversas influências que a música pode ter no cérebro,
neuropsicologicamente falando.

Figura 1 - Como a música afeta as diversas áreas do cérebro.

Fonte: https://i.pinimg.com/originals/6a/7e/4a/6a7e4a682a1ad67b146f07c6b0312c3e.jpg

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1. A música e a percepção do som

A percepção do som envolve uma série de estruturas cerebrais, tais como o córtex
pré-frontal, córtex pré-motor, córtex motor, córtex somatossensorial, lobos temporais,
córtex parietal, córtex occipital, cerebelo e áreas do sistema límbico, incluindo a amígdala
e o tálamo (OVERY; MOLNAR-SZACKACS, 2009 apud ROCHA E BOGGIO, 2013, p.
133).

A figura 2 mostra as vias cerebrais relacionadas à integração das informações


auditivas, e a posterior reação comportamental. O processo de percepção auditiva ocorre
no córtex auditivo, que é responsável desde o processamento do som, até o
reconhecimento de seus parâmetros básicos (altura, duração, timbre e intensidade) e as
relações entre eles. Além disso, a percepção musical envolve, também, o entendimento
da forma e a compreensão de organizações hierárquicas (sintaxe musical) (ROCHA,
BOGGIO, 2013, p. 133).

Figura 2 - Esquema de vias cerebrais relacionadas à integração das informações auditivas.

Fonte: http://www.cochlea.eu/po/cerebro-auditivo

As ondas sonoras são conduzidas pelo meato acústico (ou canal auditivo),
localizado na orelha externa, até o tímpano, que é altamente inervado, fazendo-o vibrar.
Essa vibração aciona os ossículos (3 ossos minúsculos, localizados no ouvido médio),
que amplificam essas vibrações e as transmitem para o ouvido interno.

Lá, as ondas sonoras estimulam a ação de dois líquidos: a endolinfa e a perilinfa,


que por sua vez incitam os receptores da cóclea (as células ciliadas), a converter as

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vibrações mecânicas em impulsos nervosos, que serão então captadas pelo nervo
auditivo.

Características como frequência (agudo-grave) e intensidade (volume) do som


serão processadas posteriormente pelo cérebro de acordo com a forma com que as
ondas sonoras atingem as células ciliadas. A localização da célula ciliada determina a
frequência de som a que ela responde (isto porque diferentes frequências são captados
por diferentes regiões da cóclea). Da mesma forma, a intensidade está relacionada ao
número de fibras que entram em ação.

Quando chegam ao nervo auditivo (neurônio aferente), as ondas sonoras, agora


transformadas em impulsos nervosos, são enviadas ao núcleo coclear (localizada no
bulbo, integrante do tronco encefálico), e depois ao complexo olivar superior (que fica na
ponte, também parte do tronco encefálico). Este é o primeiro ponto que reúne as
informações dos ouvidos direito e esquerdo; essa característica torna possível a audição
binaural, e dá “tridimensionalidade” ao som, permitindo, por exemplo, que o cérebro
interprete a direção do som.

Deste ponto, as informações auditivas seguem para o colículo inferior, localizado


no mesencéfalo. Esta conexão permitirá o primeiro acesso às áreas motoras,
possibilitando, por exemplo, que a cabeça do ouvinte se vire na direção do som para
melhor percebê-lo. Depois disso, o som é enviado ao corpo geniculado medial, localizado
no tálamo (integrante do diencéfalo), que terá como função transmitir, finalmente, as
informações ao córtex auditivo; este se localiza na parte póstero superior do lobo
temporal, no interior do sulco lateral (figura 5).

O córtex auditivo inicia então a decodificação das características dos impulsos,


como timbre, altura, contorno e ritmo. Ele está organizado em termos de frequências de
som, em que algumas células respondem a baixas frequências, e outras às altas. No
núcleo do córtex encontra-se a decodificação de elementos básicos como tom e volume,
e nas regiões circundantes elementos mais complexos como timbre, melodia e ritmo.

Além do córtex auditivo (que corresponde à área 41 de Broadmann), há também a


área de associação auditiva (42 de Broadmann) – como mostra a figura 5, que é sensível
aos processamentos mais complexos lineares como a melodia, e não lineares, como a
harmonia.
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Figura 3 - Áreas 41 e 42 de Broadmann

Fonte: https://psicologiaymente.com/neurociencias/corteza-auditiva

O som não é decodificado da mesma forma nos dois hemisférios cerebrais, tendo
tantas características para interpretar. Assim, o corpo caloso conecta os dois lados,
permitindo que o lado direito interprete informações relacionadas ao contorno melódico,
ao aspecto emocional da música e aos timbres nas regiões temporais e frontais. Já o
ritmo, a duração, a métrica e a discriminação da tonalidade ocorrem no hemisfério
esquerdo do cérebro, o qual também processa a altura (MUSZKAT, 2012 apud PEREIRA,
2017, p. 13)

2. A música, o sistema límbico e a memória

A emoção é uma função mental superior e apresenta um substrato


neuroanatômico: o sistema límbico. Ele está relacionado aos comportamentos emocionais
e sexuais, aprendizagem, memória e motivação, e exerce função primária em uma gama
de emoções como prazer, dor, docilidade, afeto, medo e raiva, além de estar implicado na
olfação. Em suma, sua principal função é a integração de informações sensitivo-
sensoriais com o estado psíquico interno, onde é atribuído um conteúdo afetivo a esses
estímulos; a informação é registrada e relacionada com memórias pré-existentes, o que
leva à produção de uma resposta emocional adequada, seja ela consciente ou autônoma.
O sistema límbico é composto por partes do tronco encefálico, diencéfalo e córtex
cerebral, e também por estruturas como o corpo caloso e o cíngulo (figura 4).

De acordo com Barreto e Silva (2010), o chamado lobo límbico é uma margem do
córtex na face medial de cada hemisfério, que inclui o giro do cíngulo (acima do corpo
caloso, que é a maior estrutura de substância branca do cérebro, e interliga os dois
hemisférios) e o giro parahipocampal (que fica abaixo, no lobo temporal). O cíngulo tem
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função de coordenar odores e visões com memórias agradáveis de emoções anteriores, e
participa ainda da reação emocional à dor e da regulação do comportamento agressivo. O
hipotálamo é a parte mais importante do sistema límbico, pois desempenha controle
homeostático e automático dos sistemas e processos do corpo (função vegetativa do
encéfalo). Já a amígdala (ou corpo amigdaloide), localizada no interior da metade anterior
do giro parahipocampal, está altamente relacionada com a memória e suas respostas
emocionais, isto é, ela é responsável por dar o “colorido” emocional às memórias. O
hipocampo, que tem esse nome por conta de seu formato parecido ao de um cavalo-
marinho, localiza-se no lobo temporal (no giro parahipocampal) e sua principal função é a
de transformar as memórias de curto para longo prazo.

Figura 4 - O sistema límbico

Fonte: https://escoladepostura.com.br/main.asp?link=noticia&id=303

Uma outra estrutura importante relacionada à música é o núcleo accumbens, parte


do centro de recompensa do cérebro junto com o sistema límbico. Esse centro é
composto pelo núcleo accumbens (que se localiza nos gânglios da base), pelo córtex
cerebral e pela área tegmentar ventral (parte do mesencéfalo). Os neurônios do núcleo
accumbens têm muitos receptores do neurotransmissor dopamina, “hormônio do prazer”.
O sistema de recompensa é então responsável pela motivação (desejo ou anseio por um
algum retorno), pela aprendizagem associativa e pela validação positiva das emoções
(particularmente as que possuem prazer como seu componente central: alegria, euforia,
êxtase). Estudos diversos indicam que quando se ouve música, o sistema de recompensa
cerebral é ativado.

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Pesquisas indicam que a música é capaz de evocar emoções simples (como
alegria, medo, tristeza e raiva), independente de análises formais. Outros estudos indicam
um padrão comum para a comunicação de emoções entre linguagem falada e música.
Assim, as características manipuláveis em música para se transmitir emoções seriam
semelhantes às da prosódia da fala (JUSLIN e LAUKKA, 2003; SCHERER, 1995).

A música também é amplamente utilizada como recurso mnemônico. A existência


de pacientes com demência que podem se esquecer de fatos da própria vida, mas são
capazes de cantar canções da infância de cor indica que, se não é especial, a memória
para música é, ao menos, diferente da memória para fatos e imagens do cotidiano
(ROCHA, BOGGIO, 2013, p. 137).

3. A música e a linguagem

A música e a linguagem compartilham a característica de serem sistemas de


processamento complexos, pois possuem relação íntima com a atenção, memória e
habilidades motoras. Além disso, nem a linguagem nem a música podem ser
consideradas como organismos únicos, mas compreendem vários níveis de
processamento: morfologia, fonologia, semântica, sintaxe e pragmática na linguagem, e
ritmo, melodia e harmonia na música. Fala e sons musicais valem-se da manipulação dos
diferentes parâmetros acústicos para sua organização sonora, frequência, duração,
intensidade e timbre (BESSON et al., 2011, p. 2 apud BARBOSA, 2014, p. 388).

Primeiramente, é necessário esclarecer que se entende por linguagem não apenas


a leitura e escrita, mas a comunicação oral, a capacidade humana de encadear
pensamentos em sentenças corretas. Na maioria dos seres humanos (cerca de 96%), o
processamento da linguagem relacionado a gramática, vocabulário e construção de
fonemas (a fala) depende predominantemente do hemisfério esquerdo (MENEGOTTO,
2009). A chamada área de Broca localiza-se no córtex pré-frontal (porção póstero-lateral),
e é nela que ocorre o planejamento dos padrões motores para a expressão da fala.

Essa área trabalha em estreito conjunto com a área de Wernicke, que por sua vez
se localiza no lobo temporal (também no hemisfério esquerdo), e é a área de
compreensão da linguagem, processando os sons que reconhece para que sejam

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interpretados como palavras e sejam utilizados, posteriormente, para evocar conceitos
(MENEGOTTO, 2009). A conexão entre essas duas áreas é feito pelo fascículo arqueado,
ou longitudinal medial, como mostra a figura 5.

Assim, quando ouvimos alguém falar, as palavras entram pelo canal auditivo e são
transformadas em sinais elétricos, para então ser interpretadas no cérebro em suas mais
variadas características. Além do som, o conteúdo da fala é decodificado na área de
Wernicke, e a prosódia (isto é, o conteúdo emocional da fala) tem a participação da
amígdala para ser entendida.

Figura 5 – Área de Broca e Wernicke

Fonte: http://neuropoint.blogspot.com/2013/07/a-linguagem-no-cerebro.html

Estudos de Magne et al. (2009, apud BARBOSA, 2017) mostram que se a altura é
um atributo perceptual que corresponde ao som da frequência, este é um importante
parâmetro para a percepção da música quanto para a fala; assim, o aumento da eficiência
no processamento da altura devido à expertise musical deve melhorar a percepção da
altura na fala (p. 390).

Um segundo estudo, realizado por um time de pesquisadores, comparou as


habilidades musicais e de leitura de crianças de quatro e cinco anos divididas em três
grupos. O primeiro grupo recebeu um treinamento semanal em atividades de consciência
fonológica, o segundo grupo recebeu as mesmas atividades semanais de consciência
fonológica e aulas de música, e o terceiro grupo atuou como o grupo controle, não
recebendo nenhum tipo de treinamento específico, por um período de dois anos. Os
resultados indicaram que as crianças do primeiro e segundo grupos tiveram um
desempenho melhor que as crianças do terceiro grupo em atividades de consciência
fonológica. Além disso, as crianças que receberam aulas semanais de música tiveram um
desempenho ainda melhor em atividades de rima do que as demais (ILARI, 2009, p. 90).

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Por outro lado, música e linguagem são processadas de maneira independente no
cérebro, havendo predominância do hemisfério direito no processamento musical
(especialmente melodias) e do hemisfério esquerdo para processamento de linguagem
(ROCHA, BOGGIO, 2013, p. 135). Outro exemplo da independência dos sistemas de
processamento de fala e de música é o caso de pacientes com afasia, que mantêm a
capacidade de cantar e de reconhecer música, embora tenham dificuldades na fala
(ZATORRE; CHEN; PENHUME, 2007 apud ROCHA, BOGGIO, 2013).

4. A música e o sistema motor

Um aspecto importante da música, tanto em sua percepção quanto em sua


produção é a capacidade de gerar interações auditivo-motoras no cérebro de quem
executa e, também, no de quem ouve. Um exemplo disso acontece graças ao conceito de
feedforward, que está relacionado à capacidade do indivíduo de prever eventos: quase
todo indivíduo é capaz de bater os pés no ritmo de uma música que escuta.

Uma interessante relação entre a escuta musical e a ativação de áreas motoras foi
observada ao longo dos últimos anos. Em momentos de escuta, ainda que não seja
executada nenhuma tarefa motora, o córtex motor é recrutado (LIGA ACADÊMICA DE
NEUROCIÊNCIAS DA UFJF, 2021). A percepção rítmica também recruta diversas outras
estruturas, tais como gânglios basais, cerebelo, córtex pré-motor dorsal e a área motora
suplementar. Pesquisadores observaram que essas áreas são resgatadas de forma
hierárquica no processamento rítmico, de forma que, quanto mais complexo o padrão
rítmico ouvido, maior seria a atividade neural do ouvinte. (LIGA ACADÊMICA DE
NEUROCIÊNCIAS DA UFJF, 2021).

O sistema motor é aquele que permite ao corpo atuar sobre o meio externo. Ele é
constituído, essencialmente, por músculos e por elementos neurais. Os elementos neurais
estão distribuídos em três funções: podem ser geradores de movimento (medula espinal,
o tronco encefálico e o córtex motor); controladores do movimento (cerebelo e os núcleos
da base), e planejador do movimento (córtex pré-frontal). Algumas dessas estruturas
estão representadas na figura 6.

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Figura 6 - Estruturas neurais envolvidas no controle motor

Fonte: https://docplayer.com.br/61459506-Estrutura-e-funcoes-dos-nucleos-da-base-prof-musse-
jereissati.html

O tálamo (parte constituinte do diencéfalo, que está localizado acima do tronco


encefálico) é a principal estação retransmissora para a maioria dos impulsos sensitivos
que chegam às áreas sensitivas primárias do córtex. Ele contribui para as funções
motoras transmitindo informações do cerebelo e dos núcleos da base para a área motora
primária.

Os núcleos da base exercem uma função básica na iniciação e término dos


movimentos. Duas partes dos núcleos da base, o núcleo caudado e o putame, recebem
influxos provenientes das áreas motora, de associação e sensitiva do córtex e da
substância negra.

O cerebelo localiza-se na fossa posterior do crânio, inferior ao cérebro e posterior à


ponte e bulbo, e é uma grande massa encefálica, constituído por dois hemisférios. Além
da manutenção apropriada do equilíbrio e da postura, o cerebelo é ativo na aprendizagem
e na realização de movimentos muito precisos, coordenados e rápidos (por exemplo,
nadar ou tocar um instrumento).

Assim, os circuitos neurais no encéfalo e medula espinal orquestram todos os


movimentos voluntários e involuntários. Os sinais que controlam o movimento (que podem
ser excitatórios ou inibitórios) convergem para os neurônios motores alfa, que se

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prolongam para fora do sistema nervoso, inervando os músculos esqueléticos na cabeça
e corpo.

Também conhecidos como neurônios motores inferiores (NMI), os neurônios


motores alfa têm seus corpos celulares no tronco encefálico e medula espinal, e seus
axônios se estendem, respectivamente, pelos nervos cranianos para os músculos da face
e cabeça, e pelos nervos espinais para os músculos esqueléticos dos membros e tronco
(TORTORA, 2010, p. 575).

Segundo Tortora (2010), a organização das vias dos neurônios motores se dá da


seguinte maneira: as vias podem ser diretas ou indiretas. As vias motoras diretas (ou
piramidais) fornecem influxos para os neurônios motores inferiores, via axônios que
partem do córtex (tendo controle, portanto, dos movimentos voluntários ou autônomos), e
podem ocorrer por vias corticoespinais (músculos dos membros e tronco) ou
corticonucleares (músculos da cabeça). As vias motoras indiretas (ou extrapiramidais)
também têm influxos para os neurônios motores inferiores, mas partem dos centros
motores no tronco encefálico (tendo controle, portanto, dos movimentos involuntários ou
somáticos).

Deste modo, as vias motoras somáticas são formadas por neurônios em quatro
circuitos neuronais, participando no controle do movimento e fornecendo influxos para os
neurônios motores inferiores, como pode ser visto no esquema da figura 7:

Figura 7 - Esquema de funcionamento do sistema motor

Fonte: Princípios de Anatomia e Fisiologia, Tortora, 2010, p. 575.


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Conforme a figura, a coordenação e controles dos movimentos ocorrem da
seguinte maneira: os neurônios motores inferiores recebem influxos diretamente do
circuito local (seta púrpura) e dos neurônios motores superiores no córtex cerebral e
encéfalo (setas verdes). Os circuitos que envolvem os neurônios dos núcleos da base e
os neurônios cerebelares regulam a atividades dos neurônios motores superiores (setas
vermelhas).

O controle dos movimentos do corpo ocorre via circuitos neurais em diversas


regiões do encéfalo. O córtex pré-frontal, conforme dito no início deste subcapítulo, está
no topo da hierarquia executiva dos movimentos, e está envolvido na formulação da
intenção ou da tarefa motora em si. Ele elabora um programa de ação e monitora seu
curso, podendo reformular suas estratégias em função de contingências externas,
dependendo das informações somatossensoriais e motoras que chegam até ele.

Figura 8 - O córtex motor (área motora primária)

Fonte: Princípios de Anatomia e Fisiologia, Tortora, 2010, p. 573.

A área motora primária (figura 8), área 4 de Broadmann, localizada no giro pré-
central do lobo frontal do córtex, é a principal região de controle para execução de
movimentos voluntários. A área motora suplementar (área 6 de Broadmann, representada
na figura 9) também contribui com axônios para as vias motoras descendentes. Como é
possível ver em sua representação na figura acima, diferentes músculos são
desigualmente representados; maior área cortical é dedicada àqueles músculos
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implicados em movimentos complexos e precisos (como os dedos das mãos, lábios,
língua e cordas vocais).

Figura 9 - Áreas cerebrais envolvidas no controle motor

Fonte: https://images.app.goo.gl/qegjADeVb2WyWtB8A

Assim, é possível então agora analisar as relações entre música e a motricidade; a


primeira delas diz respeito à interação auditivo-motora. Baumann et al. (2005)
investigaram as áreas cerebrais envolvidas quando pianistas tocavam sem feedback
auditivo e ouviam as mesmas peças previamente tocadas sem tocar o instrumento. Os
pesquisadores observaram recrutamento tanto de áreas motoras quanto auditivas durante
as duas tarefas - uma puramente motora e outra puramente auditiva (BOGGIO, ROCHA,
2013, p. 134).

A sincronia corporal com o ritmo da música é um fenômeno que tem diversos


efeitos. Por exemplo, se observa que uma das reações mais naturais à música é bater
palmas, estralar os dedos ou bater os pés em sincronia com o pulso da música. De
acordo com Braun et al. (2009), pesquisas têm mostrado que os seres humanos possuem
uma capacidade muito grande de sincronizar a batida do dedo com estímulos temporais
externos, pois pessoas sem qualquer experiência musical podem realizar tarefas de
sincronização a estímulos rítmicos.

Um outro exemplo dessa sincronização é que ela pode promover um uso mais
eficiente de energia quando utilizada na atividade física, pois diminui a necessidade de
ajustes de coordenação. De acordo com Teixeira (2020), uma pesquisa demonstrou que o
consumo de oxigênio é 7% menor quando se pedala sincronizado com a música, e que já
existem inclusive aplicativos que selecionam as músicas de acordo com a frequência

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cardíaca almejada. Assim, aqui também é demonstrada a interferência da música nos
processos fisiológicos do corpo humano.

Músicas com andamentos lentos, harmonias simples e variações musicais leves


seriam as sedativas, podendo elas tornarem uma atividade física leve ou aumentar a
capacidade de contemplação do ser humano com a redução da frequência cardíaca e a
pressão arterial (que é, por exemplo, proposto pela Igreja na utilização do canto
gregoriano) (SANTOS NETO, 2018 p. 23).

Por essa razão, a música é uma das atividades humanas na qual a sincronização
sensório-motora é fundamental (BRAUN et al., 2009). Assim, o sistema motor é
obviamente primordial na execução musical, ou seja, para se tocar instrumentos.
Pesquisadores observaram que a integração de áreas auditivas e motoras é semelhante
em músicos e não-músicos, diferenciando-se na intensidade do fenômeno observado.
Devido ao treino, músicos apresentam maior volume em estruturas como o corpo caloso,
cerebelo, córtex auditivo e no córtex motor, além de possuírem maior amplitude na
atividade cerebral em resposta a estímulos auditivos, e habilidades linguísticas mais
apuradas, como discriminação fonológica mais clara a partir do treinamento musical
formal, envolvendo a percepção rítmica e melódica (LIGA DE NEUROCIÊNCIAS DA
UFJF, 2021a).

Em músicos, as áreas auditivas também serão responsáveis pela captação sonora


e imagética musical, porém de uma forma mais apurada (por meio do sistema de
feedback). Uma vez que o som é devidamente reproduzido, a percepção torna-se
responsável pelo monitoramento sonoro do trecho em questão, para que possíveis erros
sejam corrigidos, e garantir uma performance condizente com a proposta (LIGA DE
NEUROCIÊNCIAS DA UFJF, 2021b). De acordo com Weingartner (2019), Tanaka e
colaboradores observaram uma reconfiguração dinâmica da rede da área motora
suplementar durante execução musical imaginada. Os pesquisadores propõem que a
rede cerebral que envolve essa área como núcleo central construa a “representação
interna da execução musical”, integrando informações multimodais necessárias à
execução.

Outro aspecto importante é a relação do sistema de neurônios espelho com a


música. Eles são um grupo recrutado tanto na ação quanto na observação da mesma

17
ação executada por outro indivíduo. São recrutados, também, em resposta à audição de
sons relacionados à ação executada por outro indivíduo (RIZZOLATTI; CRAIGHERO,
2004 apud ROCHA, BOGGIO, 2013). Acredita-se que o sistema de neurônios espelho
esteja relacionado ao aprendizado por imitação, tendo sido, possivelmente, responsável
pela aquisição da linguagem nos seres humanos. (MOLNAR-SZACKACS; OVERY, 2006;
OVERY; MOLNAR-SZACKACS, 2009; LEVITIN, 2008 ROCHA, BOGGIO, 2013).

Não só no momento de aprendizado de um instrumento, por exemplo, os


neurônios-espelho podem ser recrutados no momento de se experienciar uma
performance musical, contribuindo para que o ouvinte compreenda a mente do músico e
experimente suas emoções, e entre os músicos, facilitar para que os artistas executem
uma performance sincronizada (LIGA DE NEUROCIÊNCIAS DA UFJF, 2021b). De acordo
com pesquisas, essa sincronia pode ser observada a nível de atividade cerebral (ondas),
do público e do artista.

Ainda, outros estudos encontraram maior ativação dos circuitos motores para
emoções musicais altamente prazerosas de alto alerta, como alegria e força. Essas
emoções, na música, tipicamente, impulsionam a ação de se mover ou dançar.

As interações auditivo-motoras podem ainda beneficiar pacientes com doenças


neurológicas. Este é o caso daqueles com doença de Parkinson que, apesar da
dificuldade em se locomover, conseguem, por meio da música, adquirir um andar mais
fluente. Nessa doença, os circuitos que normalmente engajam áreas relacionadas à
locomoção vão perdendo sua função. A música, no caso, atuaria como um agente
diferente ao normalmente utilizado no engajamento de tarefas motoras (BOGGIO,
ROCHA, 2013, p. 134).

O impacto da música no processo ensino-aprendizagem

Considerando então que, neuropsicologicamente falando, a música afeta o ser


humano em todas as suas esferas, é possível dizer que ela se torna recurso fundamental
no processo ensino aprendizagem.

“A música é um elemento de fundamental importância, pois movimenta, mobiliza e


por isso contribui para a transformação e o desenvolvimento. A música não

18
substitui o restante da educação, ela tem como função atingir o ser humano em
sua totalidade.” (ONGARO et al., 2006, p. 4)

Cuervo (2018) realizou uma revisão sistemática acerca dos benefícios da música
para o cérebro, e concluiu que a capacidade de regulação de emoções, a promoção da
integração, do pertencimento e da partilha social, o engajamento motivacional, as
articulações com as linguagens e os mecanismos cognitivos e o prazer que o fazer
musical gera, são argumentos amplamente consolidados no campo científico que
justificam a relevância da música para o desenvolvimento global humano.

“As atividades que envolvem a musicalização permitem que a criança conheça


melhor a si mesma e ao próximo, desenvolvendo sua definição de esquema corporal, e
também oportuniza a comunicação com o outro“ (ARAÚJO, 2015). Assim, a música pode
auxiliar, de forma duradoura, no desenvolvimento socioafetivo, cognitivo/linguístico e
psicomotor da criança.

1. A música no desenvolvimento socioafetivo

A música influencia em diversos aspectos do desenvolvimento socioafetivo; nesse


processo, a criança está formando sua identidade e aprendendo a conviver em
sociedade. Considerando que a música ativa o sistema límbico e o sistema de
recompensa do cérebro, pode-se dizer que a música é prazerosa, e favorece a
identificação e expressão de sentimentos e emoções, o que é fundamental para que esse
desenvolvimento socioafetivo seja pleno.

De acordo com Lemos e Silva (2018), a música na educação infantil torna-se uma
experiência prazerosa na qual a criança pode reconhecer a si mesma e ao outro,
expressar as suas formas de sentir, pensar e fazer música, identificando quais os sons da
sua realidade circundante. Ainda, outros ganhos que a estimulação musical traz diz
respeito à criatividade, expressão, sensibilidade e socialização, uma vez que a música
costuma ser uma construção cooperativa (PEREIRA, 2017, p. 10).

Desta forma, as possibilidades de a criança desenvolver o pensamento, a


identidade, a noção de si própria, de como expressar emoções e relacionar-se em grupo,
respeitando regras de convivência, dependem das oportunidades de participar de
diferentes experiências, em espaços e tempos que propiciem o movimento, a dança, a
19
interação com a natureza, a música, a literatura, a artes, o brincar, a interação com outras
crianças e adultos, a apropriação e a expressão de diferentes linguagens (RODRIGUES,
2013 apud MARTINS, 2017).

2. A música no desenvolvimento cognitivo/linguístico

A música é fundamental para o desenvolvimento cognitivo e linguístico.


Primeiramente, conforme foi demonstrado anteriormente, a música contém linguagem, o
que por si só já justificaria sua importância para esta capacidade. Além disso, a música
também tem relação com o sistema límbico e a cristalização mnemônica, fundamental
para o aprendizado. Não apenas, a música também demanda atenção, concentração e
raciocínio lógico para sua compreensão, relacionando-se assim com o aspecto cognitivo
do desenvolvimento.

De acordo com Chiarelli, quando se faz uso de atividades de musicalização que


explorem o universo sonoro, levando as crianças a ouvir com atenção, analisando,
comparando os sons e buscando identificar as diferentes fontes sonoras, desenvolve-se a
capacidade auditiva, exercita-se a atenção, concentração e a capacidade de análise e
seleção de sons (2005, p. 5). Quando se utiliza jogos musicais de forma lúdica, por
exemplo, além de ser uma fonte de motivação e neurodesenvolvimento, podem-se
estimular os sistemas de controle da memória, da linguagem, de atenção e do
pensamento superior. A brincadeira com os sons e os silêncios apresenta-se como um
divertido jogo de atenção, memória e concentração (LEMOS, MARANHOS, 2005).

De acordo com Aurilene Guerra, mestre em neuropsicologia e professora de


Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), mesmo que nem todos os alunos estejam
destinados a tornar-se profissionais, o processo de interpretação musical desenvolve em
certo nível a coordenação motora, concentração e raciocínio lógico, além de ser uma
atividade que proporciona bem-estar, otimizando a fixação de conteúdos escolares. "Ela
favorece muito o desenvolvimento cognitivo e sensitivo, envolvendo o aluno de tal forma
que ele realmente cristalize na memória uma situação" (PEREIRA, 2017, p. 15-16).

Com relação à linguagem, autores como Siqueira e Bonfim afirmam que a música,
acompanhada de brincadeiras, beneficia o desenvolvimento da fala, pois se trabalha

20
sílabas com rimas repetitivas, fazendo com que a criança entenda o significado das
palavras, através dos gestos que se fazem ao cantar (2017, p. 7). Da mesma forma, Faria
(2001) e Fernandes (2008) relatam que música em um contexto educacional contribui
com inúmeros benefícios: proporciona um estilo de novos vocabulários e traz consigo
vários aspectos que podem ser estudados, tanto lexicais, gramaticais como culturais, e
auxilia na concentração e memorização.

3. A música no desenvolvimento psicomotor

O desenvolvimento psicomotor diz respeito à formação da noção corporal, de si, do


equilíbrio, organização espacial, temporal, das habilidades motoras e da coordenação
motora grossa e fina; todas elas podem ser desenvolvidas por meio da música. Um
estudo de Derri et al. (2001) investigou o efeito de um programa de música e movimento
sobre as habilidades motoras em crianças de 4 a 6 anos: os resultados indicaram que a
música melhorou significativamente as qualidades das habilidades motoras mais
complexas. A educação musical e o movimento modulam a capacidade rítmica, e esta
estrutura temporal-dinâmica melhora as habilidades motoras (ZACHOPOULOU;
TSAPAKIDOU; DERRI, 2004).

Ainda, segundo Ilari (2003), estudos indicam que o aprendizado instrumental ainda
na infância auxilia no desenvolvimento dos sistemas de controle de atenção, de memória,
de orientação espacial, de ordenação sequencial, motor e de pensamento superior.
Atividades como cantar fazendo gestos, dançar, bater palmas e pés, são experiências
importantes para a criança, pois elas permitem que se desenvolva não só o senso rítmico,
a coordenação motora, mas também fatores importantes para o processo do
desenvolvimento da escrita e leitura (GARCIA, SANTOS, 2012).

Isto ficou evidenciado nos estudos de Severo (2017). Nele, verificou-se a estratégia
do ensino com música o desempenho motor e verbal de crianças com 4 e 5 anos. Os
resultados indicaram que houve um aumento significativo no desenvolvimento motor, pois
houve uma melhora na motricidade global, equilíbrio, esquema corporal, organização
espacial e temporal.

Uma outra evidência da influência da música no desenvolvimento motor se mostra

21
nas crianças com dificuldades escolares, como problema de atenção, leitura, escrita,
cálculo e socialização (GREGÓRIO, 2002). Um estudo de Goez e Zelnik (2008) afirmou
que 50% dos escolares que continham dificuldades de aprendizagem apresentavam
desordem no desenvolvimento da coordenação motora.

Considerações finais

Conforme foi constatado neste estudo, a música está presente na vida humana
desde seus primórdios. Ela evoluiu junto com o homem e também é um dos primeiros
fenômenos com os quais o bebê, na barriga da mãe, tem contato. Conforme Bréscia,
"conhecemos a música desde o início de nossas vidas. Com um pulsar de célula se
dividindo dentro do corpo de nossa mãe, já somos apresentados ao aspecto mais
fundamental e universal da música: o ritmo" (2003, p. 67).

Assim, ela está presente em todos os aspectos do desenvolvimento humano,


influenciando o processo de ensino-aprendizagem de todas as formas. Por afetar,
neuropsicologicamente, o sistema límbico, de recompensa, e a memória, a música
impulsiona o desenvolvimento socioafetivo ao favorecer a formação da identidade, a
identificação e expressão de sentimentos e emoções, e a socialização.

No que concerne ao desenvolvimento cognitivo/linguístico, a música é muito


importante porque, já que afeta a memória, é útil para o aprendizado. Além disso,
demanda atenção, concentração e raciocínio lógico, desenvolve a capacidade de
discriminação sonora e desenvolve a linguagem por proporcionar aspectos como novos
vocabulários, e o entendimento de conceitos e significados de palavras.

Por afetar o sistema motor, a música favorece o desenvolvimento psicomotor da


criança. A noção corporal, de si, o equilíbrio, a organização espacial, temporal, as
habilidades motoras e a coordenação motora grossa e fina são aspectos que podem ser
mais bem desenvolvidos quando a criança tem contato com a música.

Ainda que essa importância esteja cada vez mais baseada em evidências
neuropsicológicas do efeito da música no cérebro, ainda se faz necessário mais estudos
na área. Considerando que a neuroimagem surgiu há pouco mais de duas décadas, e o
efeito da música é extenso, ainda há muito para investigar.
22
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