Você está na página 1de 23

MÚSICA E AUTISMO – UM ENCONTRO PERFEITO:

Musicalização e Expressão corporal em uma Escola de Educação Especial

MUSIC AND AUTISM – A PERFECT ENCOUNTER:


Musicalization and corporal expression in a special education school

Cátia Regina Suzano da Silva1


Jorge Cézar da Silva2

RESUMO
Nosso projeto abordou a contribuição das aulas de Música na vida de um grupo
de crianças com TEA (Transtorno do Espectro Autista) e como esta pode ser utilizada
para melhorar a qualidade de vida, o desenvolvimento intelectual e sua prática musical.
Para entender como a música age em nosso cérebro, recorremos a Howard Gardner
(1994) e à psicologia cognitva que nos auxilia com sua Teoria das Inteligências
Múltiplas, aqui, a Inteligência Musical. Nos apoiamos nos conceitos do neurologista
Salomão Schwartzman (2011) para entender com mais precisão sobre o transtorno e
Viviane Louro (2006), educadora e pesquisadora em educação musical e inclusão, com
sua contribuição nesta área. Por fim, apresentamos nossa pesquisa de campo realizada
em uma escola de Educação Especial, durante as aulas de Musicalização e Expressão
Corporal, com a confecção de instrumentos musicais e apresentação artística do grupo
de dança formado somente por crianças autistas.
PALAVRAS CHAVE – educação musical, musicoterapia, autismo, aprendizagem.

ABSTRACT
Our project addressed the contribution of music classes in the life of a group of children
with ASD (Autistic Spectrum Disorder); How it can be used to improve the quality of
life, intellectual development and its musical practice. To understand how music works
in our brain, we turn to Howard Gardner (1994) - cognitive psychologist who assists us
with his Multiple Intelligences Theory, here, Musical Intelligence. We support the

1
Graduada em Pedagogia , formação em canto lírico; pós graduada em Musicoterapia e
Deficiência Intelectual; graduanda em Educação Musical.
Trabalha como Professora de Música e Musicoterapeuta com crianças e adolescentes com
deficiência intelectual e TEA.
2
Graduado em Pedagogia e pós graduado em Educação musical
Trabalha como educador social há 20 anos.

0
theoretical concepts of the neurologist Salomão Schwartzman (2011) to explain and
understand a little more about the disorder and, Viviane Louro (2006), educator and
researcher in music education and inclusion, with his great contribution in this area.
Finally, we present our field research carried out in a special education school, during
Musicalization and Body Expression classes, with the making of musical instruments
and an artistic presentation of the dance group formed only by autistic children.
KEY WORDS - music therapy, music education, autism, learning, case study.

Introdução
Este projeto aborda a temática das aulas de música e o que isso traz de benefício
e mudanças no desenvolvimento cognitivo e social das crianças com o transtorno do
espectro do autista. Pretendemos possibilitar algum conhecimento acerca do que falam
alguns pensadores sobre a influência do ensino da música no desenvolvimento das
crianças – Violeta de Gainza – como ela age no cérebro – e o que faz com o nosso
corpo, H. Gardner – como pode contribuir para o desenvolvimento e a capacidade
intelectual e artística da criança autista, Salomão Schwartzman – quais as características
de uma criança autista, Viviane Louro – não só como terapia mas como disciplina que
trabalha com conceitos teóricos que vão promover uma maior desenvolvimento neste
individuo, levando-o a se expressar experimentando, tocando, cantando, dançando como
fazem tantos outros sem autismo.
Mostramos as diferenças e semelhanças entre Educação Musical e
Musicoterapia, muitas vezes confundidas quando se fala em autismo.
Por fim, mostramos a pesquisa de campo realizada nos meses de abril a junho de
2017, em uma escola de Educação Especial, no município de Ribeirão Pires – São
Paulo, fundada em 1967 para atender crianças e adolescentes com deficiência intelectual
e autismo. Este experimento foi realizado em uma das unidades da instituição que
atende também, crianças com TEA.

A Música e o desenvolvimento da criança


Para falarmos em desenvolvimento da criança, recorremos à teoria psicogenética
de Piaget (2002) que nos apresenta as mudanças qualitativas que a criança passa em
seus quatro estágios de desenvolvimento (desde seu estágio inicial no período sensório-
motor até a adolescência, no pensamento lógico-dedutivo).

1
Para Piaget, o indivíduo é produto do meio e a construção do conhecimento se
dá mediante a interação deste sujeito com o ambiente ao qual ele está inserido, isso
levando em consideração as suas condições cognitivas e as condições ambientais, esse
ambiente deve oferecer estímulos para que o sujeito possa desenvolver suas capacidades
de forma rica e significativa. Segundo ele, o indivíduo interage com o meio de forma
diferente conforme suas faixas etárias.
No ensino da música não é diferente, a criança deve receber estímulos ricos em
cada fase do seu desenvolvimento que a ajude a construir seu aprendizado e
consequentemente ampliar suas capacidades. Uma das primeiras pesquisadoras no
Brasil a lançar hipóteses sobre a relação da psicogenética com a música foi Esther Beyer
(1998).
No estágio operatório-concreto de 7 a 11/12 anos, que é a faixa etária dos nossos
alunos estudados nesta pesquisa, as estruturas cognitivas já devem estar mais
desenvolvidas, passando a ter uma abstração total do que vê, já diferenciando os
parâmetros sonoros. No caso da criança autista, quando ela tem uma deficiência
intelectual associada, esses estágios não acontecem da mesma maneira, o que acontece é
um atraso no desenvolvimento cognitivo desta criança que não permite muitas vezes
que ela realize as atividades propostas, nem consiga aprender no mesmo tempo que uma
criança na mesma faixa etária, dita normal.

A psicologia da inteligência já sabia da importância da emoção no


desenvolvimento cognitivo do homem. A emoção está ligada a sentimentos e estes são
estimulados pela prática musical que, quanto mais prazerosa afeta a química cerebral
propiciando respostas comportamentais. Considerando que a música pode levar a uma
mudança de comportamento, ela ajudará no desenvolvimento global desta criança,
levando-a a dançar, cantar, criar, reinventar.
A emoção musical nos promove reações fisiológicas e psicológicas, nos permite
comunicar qualidades uns aos outros e a nós mesmos, é com esta emoção que
trabalhamos em nosso dia a dia. A música favorece a verbalização, seja de que forma
for, cada qual com suas capacidades – o que sabemos é que para a criança com TEA
nem sempre é fácil transmitir suas emoções, falar de si, do que está sentindo, mas ela
propicia à criança se revelar seja através de uma dança, um instrumento, uma canção.

2
Música e o cérebro: Gardner e a inteligência musical

Como será que a música chega ao nosso cérebro? Ainda hoje, há pesquisadores
que debatem para entender como a música chega a nossa estrutura cerebral e, porque,
nos afeta em todo o organismo. É através do ouvido que assimilamos nosso organismo
com o meio em que vivemos e, conexões de grande poder em níveis neuronais se
encarregam de interligar o ouvido com os outros centros superiores cerebrais.
Os estímulos que atuam sobre o ouvido nos afetam por inteiro como se todo o
corpo fosse um complexo instrumento de ressonâncias. Compreender uma música é
decodificar uma estrutura, então, é necessária a existência e o domínio de um código,
ora é um trabalho mental e não simplesmente auditivo. O ouvido é a porta da entrada do
material e da informação sonora. Pode-se afirmar que a atividade musical envolve quase
todas as regiões do cérebro e os subsistemas neurais; quando uma música emociona, são
ativadas estruturas que estão nas regiões instintivas do verme cerebelar (estrutura do
cerebelo que modula a produção e liberação pelo tronco cerebral dos
neurotransmissores dopamina e noradrenalina), e da amídala (principal área do
processamento emocional no córtex).
O ato de acompanhar uma música é capaz de ativar o hipocampo (responsável
pelas memórias) e o córtex frontal inferior. Já para a execução de músicas, são
acionados os lobos frontais - o córtex motor e sensorial. A música repercute em todo o
indivíduo induzindo-o às várias reações, inclusive a criança com TEA. Seu estímulo
abala nosso sistema sensorial, motor, mental, efetivo; provoca mudanças em todo o
nosso metabolismo, acelera a respiração, repercute sobre as glândulas de secreção
interna, atua no córtex cerebral, no ritmo cardíaco, na respiração, na pressão arterial e,
com sons mais agudos, desperta um efeito mais positivo em quem ouve; motiva,
emociona, move a química cerebral e influencia a conduta. (SEKEFF, 2002)
A exposição ao som desperta os processos sensório perceptível do cérebro e,
sabendo usá-lo há o estímulo da atenção, principalmente quando o som se faz em forma
de música. A música pode tensionar ou relaxar, e isto se dá independentemente de nossa
capacidade ou vontade. Dependendo do estilo musical, ela pode dar vigor, melhorar o
ânimo ou deprimir. (SEKEFF, 2002). Porém, não se pode esquecer: a música traz
influência positiva, mas seu emprego deve respeitar as diferentes necessidades de cada
um, os objetivos que se pretende com sua utilização devem ser rigorosamente
estabelecidos e observados, pois ela não traz somente efeitos benéficos. Dependendo do
3
grau de autismo, a criança pode gostar ou não de música, pode suportar ou não alguns
sons.
Esta regra se vale para qualquer pessoa, principalmente para os autistas, que na
maioria das vezes, têm uma grande sensibilidade a alguns sons; mesmo que não se tenha
consciência de seu efeito, o organismo pode sofrer prejuízos com o aumento de
adrenalina, aceleração do ritmo cardíaco, aumento de pressão arterial, levando-o a crises
de comportamento. Isso trará ainda mais prejuízos para a sua saúde.
Os exercícios musicais estimulam o potencial do cérebro, levando-o a maior
eficiência e, alimentando a memória, a música é sem dúvida, um poderoso auxiliar no
desenvolvimento pessoal e da saúde do indivíduo. Com base em experiências vividas no
dia a dia com crianças com TEA, percebe-se que a música pode transformá-los de
alguma maneira, cada um de seu jeito respeitando seu grau de compreensão.
Na década de 80, uma equipe de pesquisadores da Universidade de Harward,
liderada pelo psicólogo Howard Gardner, desenvolveu a Teoria das Inteligências
Múltiplas. A pesquisa identificou e descreveu nove tipos de inteligência nos seres
humanos, e acabou ganhando grande repercussão no campo da educação. Foram assim
classificadas as seguintes inteligências: linguística, lógica matemática, corporal
sinestésica, intrapessoal, interpessoal, existencial, naturalista, espacial e musical.
(Gardner, 1985).
Ele acreditava que cada uma dessas inteligências é relativamente independente,
têm origem e limites genéticos próprios e dispões de processos cognitivos próprios, mas
elas raramente funcionam isoladamente, na maioria dos casos, é necessária uma
combinação de inteligências. Ele acredita que os seres humanos dispõem de graus
variados de cada uma dessas inteligências.
A inteligência musical pode ser percebida em separado das demais, ela é
independente e, também em sua localização cerebral tem limites genéticos e processos
cognitivos próprios. Se manifesta através de uma habilidade para compor, apreciar ou
reproduzir uma peça musical, discriminar sons, ritmos, texturas e timbres. A criança
com habilidade musical especial, desde pequena percebe variados sons no ambiente e
canta bastante.
Para estimular a inteligência musical propõe-se jogos como: ensinar a criança a
ouvir (jogos de percepção auditiva); diferenciar timbres e ruídos (jogos estimuladores
da discriminação de ruídos e sons) e, compreensão dos sons para o domínio da estrutura

4
rítmica. A finalidade essencial do trabalho com jogos não é tornar o aluno "um músico"
e sim, abri-lo à descoberta da linguagem sonora. Após essa descoberta, cabe ao aluno
aprender música ou não.
Mas, existe mesmo a inteligência musical? Na área da deficiência intelectual é
considerado "um milagre, um dom", mas é preciso saber que, existem os fatores
genéticos, existe a pré-disposição, mas que, se for trabalhada esta musicalidade, alguns
serão capazes de sobressaírem nessa área (Antunes, 1998).
Sendo a música um meio para educar e desenvolver o indivíduo em todas as
áreas (afetiva, psicomotor e cognitivo), deve o profissional da música (educador ou
musicoterapeuta) estimulá-lo e lhe permitir experiências que ampliem seus
conhecimentos.

A criança autista: o que é TEA?

Em 1943, tivemos a primeira definição de autismo como quadro clinico feita


pelo médico Leo Kanner, quando observou um grupo de crianças com idades entre 2 a 8
anos, cujo transtorno denominava de “distúrbio autístico de contato afetivo”. Apesar de
em 1906, o autismo já ter sido descrito como sinal clinico de isolamento (Camargos, et
al. 2005), a descrição de anomalismo feitas pelo Kanner permitiu diferenciar o autismo
dos quadros de esquizofrenia e psicoses infantis. Seu trabalho foi de grande importância
para formar as bases da Psiquiatria da Infância no mundo todo.
Nas décadas seguintes foram feitas inúmeras pesquisas, estudos clínicos, artigos,
livros, movimentos dos pais de autistas. O trabalho de Rutter (1978), foi fundamental
pois, trouxe a caracterização da síndrome em relação ao nível de desenvolvimento
psicomotor e cronológico, além da coexistência ou não de deficiência intelectual e
problemas neurológicos. Tudo isso contribuiu para as diretrizes de educação e os
atendimentos especializados.
Vários foram os nomes dados ao autismo infantil, hoje chamamos de Transtorno
do Espectro Autista (TEA).
O TEA - Transtorno do Espectro Autista, são distúrbios neurológicos que afetam
a comunicação e a socialização de pessoas em todo o mundo, e já equivalem a 1,47% da
população segundo CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças), nos EUA.
Atualmente o autismo está incluído no DSM-V (Manual de Diagnóstico de Transtornos
Mentais) e no CID-10 (Classificação Internacional de Doenças). Outro sistema
5
classificatório também importante na avaliação diagnóstica e no planejamento
terapêutico é o CIF (Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e
Saúde). De acordo com Schwartzman (1997):

O autismo pode ser considerado distúrbio do desenvolvimento


caracterizado por quadro comportamental peculiar e que envolve
sempre as áreas da interação social, da comunicação e do
comportamento em graus variáveis de severidade; (LIPPI apud
SCHWARTZMAN 1997).

O rastreamento deve ser feito através de observações da criança e entrevista com


pais ou cuidadores, escalas e instrumentos de triagem - aqueles que detectam sinais
relativos relacionados ao espectro, mas não determinam o diagnóstico, fornecem
informações que levantam a suspeita de sinais associados ao diagnóstico; deve ser feito
por um profissional capacitado.
Nem sempre é possível chegar a um diagnóstico preciso, mas o objetivo da
avaliação não é só esse, mas sim, identificar as potencialidades dessa criança e de sua
família; daí a importância indispensável do trabalho em equipe com no mínimo
psiquiatra, neurologista, pediatra, psicólogo e fonoaudiólogo.

A avaliação médica consiste em anamnese, exame físico, exames laboratoriais e


de imagem; dependendo do caso podem ser necessárias intervenções medicamentosas,
com especialistas das áreas da psiquiatria e neurologia.
O autismo é um transtorno infantil mais comum em meninos que em meninas,
no entanto, quando as meninas são afetadas, isto ocorre com maior gravidade. As
habilidades de uma criança autista podem ser altas ou baixas, dependendo tanto do nível
de coeficiente intelectual, como da capacidade de comunicação verbal. Tem como
características comportamentais: comprometimento qualitativo na interação social,
alteração cerebral que afeta a capacidade da pessoa se comunicar, estabelecer
relacionamentos e responder apropriadamente ao ambiente.
Algumas crianças apesar de autistas apresentam inteligência e fala intacta, outras
apresentam também deficiência intelectual, mutismo ou importantes atrasos no
desenvolvimento da linguagem. Alguns parecem fechados e distantes, outros presos a
comportamentos restritos e, rígidos padrões de comportamento.

6
A existência de sintomas que permitam reconhecer critérios diagnósticos para
transtornos num mesmo indivíduo, caracteriza uma comorbidade. Cabe sempre lembrar,
como são muito importantes o aconselhamento genético e a prevenção.
As causas do autismo ainda são desconhecidas, porém, existem relatos de
anormalidades orgânicas, neurológicas, biológicas, além de fatores genéticos, imunológicos
e perinatais, achados bioquímicos e neuro anatômicos relacionados o autismo. No entanto,
ainda não há uma explicação concreta em termos neurológicos do que é o autismo.
Alguns comportamentos atípicos, repetitivos e estereotipados severos, indicam
a necessidade de encaminhamento para avaliação diagnóstica de TEA. De acordo com
as Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com TEA (Ministério da Saúde),
algumas características nas áreas motora, sensorial, emocional e social, são comuns nas
crianças autistas:

a) Não estabelece contato com os olhos;


b) Às vezes age como se fosse surdo;
c) Tem isolamento em graus variados;
d) Retardo na aquisição da linguagem, por um déficit na compreensão da
linguagem falada;
e) Age como se não tomasse conhecimento do que acontece com os outros;
f) Ataca e fere outras pessoas mesmo que não exista motivos para isso;
g) Tem dificuldade de criar vínculos de amizade e cooperação em brincadeiras de
grupo:
h) Não utiliza objetos de acordo com sua função;
i) Tem resistência a mudança de rotina e de ambiente:
j) Tem rotinas e estereotipias (mãos, balanceio do corpo) e às vezes,
automutilação;
k) Tendência a tocar, cheirar e lamber pessoas e objetos;
l) São raras as brincadeiras de faz de conta:
m) A imitação é prejudicada;
n) Tem atenção excessiva em detalhes;
o) Ecolalia imediata ou tardia
p) Distração;
q) Pensamento concreto e literal;
r) Hiperatividade; passividade;

7
s) Pode estudar um tema único até saber tudo a respeito, falando incessantemente
sobre o assunto;
t) Podem ter deficiência intelectual associada;
u) Podem ser super ou sub-responsivos aos estímulos sensoriais;
v) Alguns têm boa coordenação motora, enquanto outros, têm déficits motores
variados;
w) Muitos têm resposta alterada à dor, podendo ferir-se gravemente sem chorar;
x) Podem apresentar distúrbios do sono e epilepsia;
y) Muitos são alegres, outros, porém, irritadiços, demonstram descontentamento
crônico, outros agressivos podendo bater sem provocação.
O comprometimento destas áreas deve estar presente aos 3 anos de idade, quando
então pode ser dado o diagnóstico. Muitas destas características também podem ser
vistas em outros distúrbios do desenvolvimento e em certas doenças psiquiátricas. O
que distingue o autismo são o número, a gravidade, a combinação e a interação de
problemas, os quais resultam em danos funcionais importantes. Somente um
profissional especializado se encarregará de confirmar ou negar o diagnóstico.
Alguns casos podem ter limitações funcionais e interações sociais e podem
necessitar de cuidados específicos de habilitação e reabilitação. O projeto terapêutico
para esta criança deverá ser individual e de acordo com pacientes e familiares; não há
propriamente um tratamento, o que há é um treinamento para o desenvolvimento de
uma vida tão independente quanto possível. Basicamente a técnica mais usada é a
comportamental, além dela, programas de orientação aos pais. Deve ter livre acesso a
educação, cultura, lazer, trabalho, melhorando sua autonomia e independência.
Na sociedade atual, a inclusão assume um grande protagonismo no cotidiano das
nossas escolas e na vida da criança; tal como preconiza a Declaração de Salamanca
(1994), o seu principal objetivo deverá ser tornar o ensino regular num espaço de
acolhimento à diferença e de equidade de oportunidades.

As escolas devem acolher todas as crianças, independentemente de


suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas
ou outras. Devem acolher crianças com deficiência e crianças bem
dotadas; crianças que vivem nas ruas e que trabalham; crianças de
populações distantes ou nômades; crianças de minorias linguísticas,
étnicas ou culturais e crianças de outros grupos ou zonas
desfavorecidas ou marginalizadas. (DECLARAÇÃO DE
SALAMANCA p. 17-18).

8
A inclusão não pode ser assumida como um privilégio, ou uma mera opção
estratégica, é um direito e, sobretudo, um exercício de cidadania a executar diariamente
e que abre caminho rumo a uma escola na qual todas as crianças devem ter um lugar,
independentemente das suas diferenças.
Em 2014, o Ministério da Saúde lançou as “Diretrizes de Atenção à Reabilitação da
Pessoa com Transtornos do Espectro do Autismo (TEA)”, e desta forma explica:

O conceito do Autismo Infantil (AI), portanto, se modificou desde sua


descrição inicial, passando a ser agrupado em um contínuo de
condições com as quais guarda várias similaridades, que passaram a
ser denominadas de Transtornos Globais (ou Invasivos) do
Desenvolvimento (TGD). Mais recentemente, denominaram-se os
Transtornos do Espectro do Autismo (TEA) para se referir a uma parte
dos TGD: o Autismo; a Síndrome de Asperger; e o Transtorno Global
do Desenvolvimento sem Outra Especificação, portanto não incluindo
Síndrome de Rett e Transtorno Desintegrativo da Infância (BRASIL,
2013, p.14):

Assim, temos até aqui a legislação e conceitos teóricos sobre educação e


autismo. A presente pesquisa busca relacionar essas questões à prática musical.

A Música para crianças com TEA

Na vida de todo ser humano o ouvir, cantar e dançar são ativamente presentes no
seu cotidiano: existem músicas para dormir, dançar, comer, acordar, brincar, chorar,
festejar, e isto faz com que, desde muito cedo a criança tenha contato com a cultura
musical do seu povo. A criança brinca de roda, aprende canções, participa de
brinquedos rítmicos e assim desenvolve sua percepção utilizando a música. Ela faz
música brincando.
Não há dúvidas de que ensinar música em uma sala de aula com crianças com
TEA é um ponto crítico apontado por professores que trabalham com a educação
inclusiva. Viabilizar esta aprendizagem é um desafio que pode ser enfrentado atentando
para o fato de que muitas vezes, algumas dessas crianças vivenciam este fenômeno da
aprendizagem de maneira mais lenta devido a dificuldade que tem, necessitando que se
enfatize mais todos os conteúdos, ou até mesmo, não conseguem acompanhar os outros
colegas de classe devido a seus comportamentos atípicos. E é aí que entra a figura do
musico terapeuta, como mais um profissional que irá auxiliar no desenvolvimento, não

9
só musical, mas pessoal desta criança, valendo-se de seus conhecimentos e técnicas para
tanto.
A maioria das crianças autistas respondem de maneira positiva à música, pois o
ritmo favorece disciplina e coordenação, estas muitas vezes, ausentes: a melodia leva à
expressão emocional que é de grande importância tanto para ele como para o
profissional que trabalhe com ele; a harmonia estimula ordem e lógica ao pensamento,
alimentando o equilíbrio de suas funções psíquicas. (SEKEFF, 2002)
A música ainda aumenta o poder de atenção, o que nessa criança não é tão fácil
conseguir, ela satisfaz algumas necessidades inconfessas, permitindo que este indivíduo
às vezes consiga se envolver entre a fantasia e a realidade através de experiências
musicais.
Ela estimula a criatividade, integra experiências que levarão esta criança a um
armazenamento de material em seu consciente.
Seus benefícios fisiológicos e psicológicos são muitos; ao ter a possibilidade de
fazer música, escutar, cantar, vivenciá-la, esta criança poderá mudar seus pensamentos,
alterando suas emoções, trazendo uma maior harmonia entre a saúde física e mental. A
música pode mudar o comportamento desta pessoa.
A música deve agir na vida destas pessoas como um “agente mediatizador” para
auxiliá-las na construção de um diálogo com a realidade.
O acesso à música favorece o indivíduo, integrando-o com o mundo,
propiciando seu desenvolvimento como ser social. E é aí que entra o profissional, ele irá
instruir, auxiliar esta criança a se colocar em ordem, não só seu pensamento, como
também seu corpo, permitindo e inventando atividades musicais que o façam acordar,
descobrir suas emoções, sentimentos, algo além do fazer musical, algo que o faça sentir-
se bem junto com os demais.
O desenvolvimento não é um processo solitário, mas construído na inter-relação
entre as pessoas; a criança autista vive este processo de desenvolvimento dentro de sua
peculiaridade, dentro de um mundo só seu, que envolve dificuldades na compreensão,
linguagem, atenção, memória, raciocínio abstrato, pensamento lógico.
A criança com TEA, assim como qualquer outra, precisa compreender que vive
em um mundo cheio de significados e que estes são apreendidos a partir da relação com
as pessoas, mas, devido as suas características pessoais, esse processo não se dá com
facilidade. Nem sempre o caminho seguido pelos demais será eficiente para esta pessoa,

10
nem sempre os integrantes do grupo irão gostar da mesma música, do mesmo
instrumento; muitas vezes, se faz necessária a construção de caminhos alternativos de
pensamento e ação, cabe ao profissional, observar bem a cada um e escolher qual
caminho tomar.

A aula de música precisa ter uma rotina estabelecida para todos, uma estrutura
fixa, começo, meio e fim, seguindo os objetivos, mas variando conforme necessidades
pessoais que venham surgir. É preciso observar aspectos psicomotores antes de se
programar as atividades musicais (lateralidade, esquema corporal, organização
espacial...). Utilizar vários recursos, materiais concretos, figuras, imagens para facilitar
a aprendizagem desta criança que, muitas vezes, não é verbal.
Em se tratando de comunicação, todo trabalho com canções é um estímulo para
as crianças. As danças, brincadeiras, improvisação com instrumentos musicais, jogos
musicais, canto em grupo favorecem a interação social.
Apesar das crianças de nosso experimento já terem aulas de música
frequentemente, ainda não é possível se trabalhar com aspectos teóricos da música
como leitura e escrita convencionais, devido ao comprometimento cognitivo que todas
têm. Usar dos métodos ativos da educação musical contemporânea, às vezes é um bom
recurso, mas, estas crianças na maioria das vezes, precisam de aulas muito estruturadas
e dirigidas, com rotinas para poderem prosseguir, e sem uma ajuda sistemática do
profissional a maioria não consegue realizar as atividades, muito menos criar sozinho
devido ao comprometimento intelectual. Às vezes uma mudança em sua rotina pode
causar uma crise com comportamentos agressivos, gritos, estereotipias, e daí, o apoio do
profissional é essencial como também, um ambiente favorável.
Os exercícios musicais estimulam o potencial do cérebro, levando-o a maior
eficiência e, alimentando a memória. A música é sem dúvida, um poderoso auxiliar no
desenvolvimento pessoal e da saúde do indivíduo. Com base em experiências vividas no
dia a dia com pessoas com TEA, percebemos que a música pode transformá-los de
alguma maneira, cada um de seu jeito respeitando seu grau de compreensão.

Educação Musical e Musicoterapia


Todas as pessoas com deficiência ou não, se beneficiam da música e fazem uso
dela diariamente. Como nos diz a educadora Viviane Louro: “Música é importante
porque é importante, para todas as pessoas, em todos os momentos de suas vidas
11
independente de suas habilidades ou dificuldades. Isso nem todos compreendem”.
(Louro, 2006).

É muito importante diferenciar aqui a prática da Educação Musical da


Musicoterapia, para que fique claro que, na primeira o foco é a música e na segunda, o
foco é o indivíduo; as aplicações são distintas, os objetivos também, além da formação
profissional. Existem diferenças, mas ambas, são igualmente importantes.
O musicoterapeuta é um facilitador dos efeitos sobre o paciente, ele busca atingir
seus objetivos através de atividades e não através da verbalização. O uso da
Musicoterapia em crianças com TEA é importante para que eles possam adquirir
conhecimentos e habilidades não musicais que sejam essenciais para a sua educação,
sua saúde, seu dia a dia. Aqui, não importa o aprendizado musical, o que importa é a
aquisição de novas habilidades musicais ou não, que servirão de auxílio para que estes
indivíduos se tornem independentes, adquiram conhecimentos e habilidades para uma
vida "normal".
A Musicoterapia pode ser aplicada a qualquer indivíduo, seja ele com TEA,
alguma deficiência ou não, e em qualquer dos casos, ela é de grande ajuda. Ela objetiva
que o homem adquira conhecimentos e habilidades como um meio para alcançar seus
objetivos, sua saúde, enquanto que, na Educação Musical o objetivo principal é adquirir
conhecimentos e habilidades musicais.
Enquanto a Educação Musical preocupa-se com o aprendizado da música
universal, a Musicoterapia enfatiza o mundo musical particular da pessoa; a diferença
maior entre as duas práticas é que a Educação Musical visa a estética, e a outra não.
Percebe-se que há um objetivo comum entre as duas práticas que é o desenvolvimento
global do indivíduo (ajudá-lo a adquirir conhecimentos e habilidades), mesmo trilhando
caminhos e objetivos tão diferentes.

A educação musical
A educação musical também tem suas metodologias que destacam a importância
entre o contato do aluno com a música como experiência de vida. Entre os educadores
musicais mais influentes do século XX, estão: Kodaly, Dalcroze, Suzuki, Orff e
Willems, com seus métodos de educação musical (FONTERRADA, 2005). A partir da
segunda metade do século XX, outros educadores musicais surgiram dando importância

12
à prática e outros aspectos da música, entre eles: Schafer, Paynter, Porena, Self, Gainza
e Fonterrada.
Todos esses educadores trouxeram suas ideias e concepções de ensino musical,
cada um a sua maneira queria que a criança fizesse música, e na maioria das vezes, o
objetivo principal era fazer o aluno adquirir conhecimentos e habilidades musicais. Mas
quando se trata de aulas de música para uma criança com TEA, é possível que o
professor necessite fazer adaptações ou adequações para facilitar a aprendizagem dos
alunos com maiores dificuldades. Em nosso caso, como todas as crianças têm autismo e
deficiência intelectual associada, foram necessárias algumas adaptações no programa e
nas atividades.
Para estas aulas é preciso a criação de materiais, equipamentos necessários,
curso de capacitação para os professores, adaptação de objetivos e conteúdos, adaptação
do método e do material, adaptações técnicas musicais - no caso de haver necessidades
físicas motoras, são feitas alterações na maneira de tocar um determinado instrumento
ou de cantar. O importante é que ninguém fique de fora das aulas.
Em se tratando de uma criança autista, mudar o tom da voz, usar material concreto,
exemplificar de diferentes maneiras, usar uma linguagem simples irá ajudar muito na
sua aprendizagem. Percebe-se que existem diferentes maneiras da música ser acessível
às crianças autistas. O professor é quem deverá adaptar o material para o seu aluno,
mudar de estratégia, objetivos mais específicos, conteúdo, a maneira de falar, criar
arranjos para facilitar a prática instrumental e vocal, criar diferentes instrumentos
musicais, tudo conforme a dificuldade e capacidade de cada um.
Algumas crianças com TEA podem apresentar problemas psicomotores assim,
não conseguem tocar um instrumento da mesma forma que os outros. Isto precisa ser
trabalhado antes de se introduzir os conceitos musicais mais elaborados, pois vai ajudar
muito em seu desenvolvimento e prepará-lo para tal aprendizagem.

A Musicoterapia

Segundo a Federação Mundial de Musicoterapia, 1996:

Musicoterapia é a utilização da música e/ou seus elementos (som,


ritmo, melodia e harmonia) por um Musico terapeuta qualificado, com
um cliente ou grupo num processo para facilitar e promover a
comunicação, relação, aprendizagem, mobilização, expressão,
organização e outros objetivos relevantes no sentido de alcançar

13
necessidades físicas, emocionais, sociais e cognitivas. (RUDD apud
LOURO, 2016).

A musicoterapia pode ser utilizada em escolas, clínicas, hospitais, creches, etc.


Sua clientela são deficientes intelectuais, autistas, casos psiquiátricos, idosos, crianças
com distúrbios de comportamento, e outros. Os objetivos podem ser educacionais,
recreativos, psicoterapêuticos, reabilitacionais e podem atender às necessidades físicas,
emocionais ou sociais do indivíduo. Ela trabalha com diferentes áreas e práticas focando
sempre aquilo que é primordial ao indivíduo. No caso da educação, a musicoterapia se
preocupa em o indivíduo adquirir conhecimentos, comportamentos e habilidades
necessárias para uma vida funcional e independente, sendo complementar a outras
modalidades de tratamento e elemento de apoio. „Musicoterapia nas escolas é a
utilização funcional da música para atingir o progresso dos alunos nas áreas
acadêmica, social, motora ou da linguagem”... (ALLEY and BRUSCIA, 2000, p.273)

A musicoterapia requer planejamento, monitoramento e um profissional da área.


Ela trabalha a relação da música com o paciente e não a música em si mesmo, o que
importa não é a teoria nem a estética musical; não importa o gosto musical do
profissional, mas sim, do paciente, aqueles aos quais ele se identifica. Diferente de uma
aula de música, na musicoterapia o instrumento é apenas um "objeto intermediário", ele
vai tornar possível a comunicação dos dois, não só o instrumento necessariamente, mas
qualquer objeto pode fazer este intercâmbio. O resultado da educação musical e da
musicoterapia podem ser os mesmos, mas, a fundamentação das propostas faz a
diferença.

O atendimento musicoterapêutico para as pessoas com TEA, é uma área de


prática clínica bem organizada, tanto no Brasil como em outros países como Argentina,
Inglaterra, EUA. Segundo Craveiro de Sá (2003) eis alguns objetivos clínicos para se
trabalhar com a pessoa com TEA: entrar em comunicação, desenvolver e/ou ampliar a
capacidade de auto expressão; diminuir ou extinguir comportamentos patológicos
indesejáveis, tais como isolamento, hiperatividade, auto agressividade, estereotipias,
tensões emocionais, desorganizações da linguagem etc.; romper barreiras impostas
pelos comportamentos obsessivos, ultrapassar ou remover obstáculos emocionais e/ou
cognitivos existentes, desenvolver e ampliar a comunicação através de uma linguagem
não verbal e, desenvolver a comunicação e a interação social, dentre outros. Muitos

14
estudos recentes têm comprovado a eficácia do trabalho musico terapêutico e do uso da
música com esta clientela, principalmente em relação aos aspectos de comunicação e
interação social, porém ainda com caráter subjetivo, dependendo das impressões e
considerações do observador.
A música pode facilitar o desenvolvimento destas crianças por ser uma
atividade que se entrelaça a fala e a linguagem (através de canções e jogos musicais), a
interação social (atividades em grupo), e por trabalhar com a funcionalidade do
comportamento, através de aspectos psicomotores , aliás, a Psicomotricidade também é
uma área de grande importância para o desenvolvimento desta criança , pois se
preocupa com o desenvolvimento do movimento humano, das potencialidades físicas,
cognitivas, afetivas e sociais.

A música através dos olhos e da alma de um autista


A pesquisa foi realizada em uma escola de Educação Especial no município de
Ribeirão Pires, no estado de São Paulo, que atende atualmente cerca de 700 usuários,
entre crianças (a partir dos 2 anos) adolescentes e adultos, com deficiência intelectual e
transtornos do espectro autista. É formada por 4 unidades escolares, divididas por faixas
etárias e diferentes atendimentos. Nosso trabalho foi realizado na unidade central com
crianças com TEA e deficiência intelectual, com idades entre 8 e 12 anos.
Para o experimento partimos da observação da seguinte figura:

Figura 1: Música -1910 – Henri Matisse

Fonte: http://pt.wahooart.com/@@/5ZKCND-Henri-Matisse-La-Musique

15
Na visão do artista, os personagens sentados na grama verde sob o céu azul,
estão fechados e concentrados em seu mundo interior, e olham para fora na direção de
alguém imaginário; é esta visão ao imaginário, esta centralização neste mundo interior
que nos remete ao espectro do autismo – um mundo particular e genuíno, cheio de
olhares que só enxergam o seu próprio mundo. É na esperança de uma quebra nesses
olhares que trabalhamos o movimento, a espontaneidade, a criatividade escondida em
cada um deles; buscamos o contato com o outro, com o mundo exterior, queremos que
se relacionem, que joguem, cantem sua música, toquem os instrumentos que muitas
vezes são a extensão de seu próprio corpo, coloquem para fora toda a sua arte e sua
capacidade. A dificuldade do autista é a comunicação verbal, mas podemos através da
música facilitar esta expressão.
Esse experimento usou materiais e metodologias adquiridos através de pesquisas
e experiências pessoais. O primeiro, a partir da exploração de instrumentos musicais
(xilofone, clavas, maracas, tambor, castanholas, pandeiro, guizos e outros não
convencionais como oshundrum, pau de chuva, xilindró, cabuletê, kalimba) e em
seguida, a confecção de dois instrumentos - o pau de chuva e o oshundrum.

3.1 – Musicalizando uma criança autista


O experimento foi realizado durante as aulas de Música, uma vez por semana,
com duração de 50 minutos, na própria sala de música, tendo como recursos alguns
instrumentos musicais com o objetivo de proporcionar à criança um maior contato com
estes e a confecção de dois instrumentos.
Figura 2. Instrumentos musicais

Fonte: Acervo pessoal


16
Tudo era muito estruturado e organizado para não perder o foco e a atenção da
criança. Durante nossos encontros os alunos puderam explorar os sons de diferentes
instrumentos, desde aqueles mais comuns até outros mais específicos e que nunca
haviam visto, o que possibilitou uma rica experiência sonora para todo o grupo. Durante
as aulas todos tocaram suas músicas preferidas e até criaram uma música em grupo
usando os instrumentos de sua preferência seguindo um ostinato sugerido por um deles.

Figura 3 e 4 – A aula de Musicalização

Fonte: acervo pessoal

Em um segundo momento foi sugerido que construíssem seu próprio


instrumento com materiais recicláveis: confeccionamos um oshundrum e um pau de
chuva com a participação de todos.

Figura 5 e 6. Confecção do pau de chuva e do oshundrum

Fonte: Acervo pessoal


17
Desde o início, o grupo mostrou bastante interesse pelas aulas, participaram
assiduamente com perguntas e atenção querendo saber sobre cada instrumento; como
são aulas bem práticas, eles têm os instrumentos as suas mãos e ficam muito agitados
querendo tocar, mas os professores trabalharam com a questão da espera, atenção,
respeito e o grupo foi ficando mais atento e tranquilo. Foi muito interessante e
enriquecedor trabalhar com a questão dos instrumentos, pois a curiosidade fez com que
todos quisessem mexer, explorar os sons, e até criar sua própria música tornando as
aulas participativas e cheias de descobertas. A cada aula o grupo foi participando mais.
Este é um grupo de crianças autistas com deficiência intelectual associada, e alguns
ainda apresentam certa dificuldade motora para tocar uma sequência rítmica e também
memorizá-las, mas observamos que com o passar das aulas, todos foram se integrando e
realizando melhor as atividades propostas.

Alma de Artista: projeto de expressão corporal


“E os que foram vistos dançando foram julgados insanos pelos que não
conseguiam ouvir a música” (Friedrich Nietzsche)

Para o experimento partimos da observação da seguinte figura:

Figura 7: A Dança 1909 – Henri Matisse

Fonte:http://noticias.universia.com.br/destaque/noticia/2012/04/05/921917/conheca-danca-
henri-matisse.html

Usamos esta figura para representar toda a expressividade corporal de uma


criança autista, particularmente aquelas que foram por nós observadas durante este
18
projeto. Há uma simplicidade, com movimentos expressivos e isto foi procurado
desenvolver nas nossas crianças. A obra é a visão de uma simples dança de roda, que foi
também feito originalmente em nosso grupo, para que eles se sentissem livres, que
pudessem se movimentar a vontade, sem regras ou coreografias prontas. Assim como
nesta dança da obra, todos os movimentos foram observados para que cada um pudesse
se expressar da melhor maneira possível. O olhar que não olha, não encontra um ponto
no outro, isso também lembrou o autista.
Nosso objetivo era mostrar como a expressão corporal é capaz de promover um
maior desenvolvimento nesta criança, levando-a a se expressar e perceber cada parte de
seu corpo através dos movimentos, mostrar como a música pode ser utilizada como
recurso para desenvolver potenciais, assim como, para melhorar a sua qualidade de
vida. Utilizamos o som, a música e o movimento para facilitar e promover canais de
comunicação, expressão e organização. Ao movimentarem-se, as crianças expressam
sentimentos, emoções e pensamentos, ampliando as possibilidades do uso significativo
de gestos e posturas corporais. As experiências musicais ajudarão a criança a encontrar
recursos e, a aumentarem seu potencial de bem estar melhorando suas relações sociais,
produzindo possíveis mudanças do comportamento. Ajudarão a criar uma estrutura que
deverá facilitar o aprendizado das habilidades cognitivas que facilitem o funcionamento
social, comunicativo e emocional.
As aulas de expressão corporal iniciaram após o professor observar a dificuldade
que alguns alunos tinham em se expressar, mexer o corpo, ter coordenação motora,
imitar o outro, organização espacial do corpo, memória, enfim, enquanto alguns tinham
isso mais desenvolvido. Então, um grupo foi formado para que se trabalhassem estas
questões com algumas crianças, além das que já foram ditas: atenção e concentração,
movimentos corporais, coordenação motora, ritmo, percepção auditiva e visual, atenção,
concentração, coreografias.
Foi explicado ao grupo que teríamos aulas semanais onde iríamos dançar
bastante de forma lúdica e alegre. Durante um período de 2 meses trabalhamos
exercícios e uma coreografia que culminou com uma apresentação artística. Tivemos
uma sequência de 10 aulas com aquecimentos, alongamentos, jogos musicais e teatrais.
Os aspectos psicomotores foram observados e pensados em cada atividade musical. É
importante considerar o quanto a criança com autismo tem preservado ou não as
funções de esquema corporal, lateralidade, estruturação espacial, orientação temporal.

19
Figura 8 e 9 – Crianças fazendo o aquecimento

Fonte: acervo pessoal


Figura 10 e 11 – Crianças dançando

Fonte: Acervo pessoal

A princípio, todos estavam muito quietos, com vergonha de se mexerem, de se


mostrar, de emitir sons, imitar os animais, um olhava para o outro e quase ninguém
começava. Com o passar das semanas, foram relaxando e prestando atenção em cada
movimento do corpo, cada trecho da coreografia e encantadoramente, foram se
soltando, memorizando os movimentos, cantando, sorrindo, e com certeza, a
apresentação final foi um momento de grande emoção para eles. Até mesmo aqueles
com maior dificuldade conseguiram se expressar à sua maneira.

20
Conclusão
Nossa proposta era de trabalhar o desenvolvimento cognitivo através da música
com um grupo de crianças com TEA, e para isso buscamos autores que nos dessem
embasamentos técnicos e teóricos e que nos ajudassem a entender como realmente isto
funciona. Como é possível a música para este público? Vimos que a construção do
conhecimento se dá através da interação do sujeito com o meio e esse meio deve ser
repleto de estímulos (PIAGET, 2002) daí nosso trabalho para que a música seja um
estímulo para auxiliar no desenvolvimento dessas crianças; aprendemos que a criança
com TEA tem afetada a sua comunicação e a interação social (SCHWARTZMAN,
1997) daí utilizar a música como um canal de comunicação desta criança com a
sociedade; vimos que as inteligências devem ser trabalhadas em cada indivíduo
(GARDNER, 1994) e que a prática musical é um caminho para isso e como é
importante garantir a expressão plena destas crianças encarando-os como seres criativos
e com potencialidades artísticas (LOURO,2006). Foram atendidos doze educandos e ao
final do experimento tivemos como principais resultados: reforço da autoestima,
estímulo da interação social e um melhor desenvolvimento psicomotor.

Referências
ANTUNES, Celso. As Inteligências múltiplas e seus estímulos, 14ªedição, Campinas,
SP: Papirus, 1998

BEYER, Esther S.W. A abordagem cognitiva em música: uma crítica ao ensino da


música, a partir da teoria de Piaget. Rio Grande do Sul, Dissertação (Mestrado em
Educação). Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 1988.

BRASIL. Declaração de Salamanca: sobre Princípios, Políticas e Práticas na área


da Necessidades Educativas Especiais. Brasília: UNESCO,1994

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de


Ações Programáticas e Estratégicas. Diretrizes de Atenção à Reabilitação da
Pessoa com Transtornos do Espectro do Autismo (TEA) – Brasília: Ministério da
Saúde, 2014

BRUSCIA, Kenneth E. – Definindo Musicoterapia – 2ª Ed. – Rio de Janeiro;


Enelivros, 2000

CAMARGOS Jr., Walter (coord.) Transtornos invasivos do Desenvolvimento: 3º


milênio – Brasília: Presidência da República, Secretaria Especial dos Direitos
Humanos, Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência,
2005

21
CORDE. Declaração de Salamanca e Linhas de ação sobre Necessidades
Educativas Especiais. Brasília: CORDE, 1994

CRAVEIRO DE SÁ, L. (2003). A teia do tempo e o autista: música e musicoterapia.


Goiânia: UFG.

FONTERRADA, Marisa T.O. De tramas e fios – um ensaio sobre música e educação.


São Paulo: Editora UNESP, 2005

HOWARD, Gardner – Estruturas da Mente e a Teoria das Inteligências Múltiplas.


Porto Alegre: Artes médicas, Sul, 1994

LIPPI, José Raimundo da Silva, AUTISMO e Transtornos Invasivos do


Desenvolvimento - Revisão história do conceito, diagnóstico e classificação –
Anotações do Seminário apresentado por Jack Wall no IV Encontro de Amigos do
Autista – 1997. Livro Autismo Infantil – J. Salomão Schwartzman e col. Livro Profª
Márcia – ASTECA – Brasília.

LOURO, Viviane. ALONSO, Luís Garcia. ANDRADE, Alex Ferreira de. Educação
musical e deficiência: propostas pedagógicas - São José dos Campos, SP: Ed. do
Autor, 2006.

LOURO, Viviane. Música e Inclusão: múltiplos olhares – São Paulo: Editora Som,
2016
MANTOAN, Maria Teresa E. e colaboradores. A integração de pessoas com
deficiência: contribuições para uma reflexão sobre o tema. São Paulo:
Memnom: Editora SENAC, 1997

PIAGET, Jean. Epistemologia genética. – 1. Ed. - São Paulo: Martins Fontes, 2002.

SEKEFF, Maria de Lourdes – Da música: seus usos e recursos. Editora UNESP, São
Paulo, 2002

SCHWARTZMAN, José Salomão. Integração: do que e de quem estamos falando?


In: MANTOAN, Maria Teresa E. e colaboradores. A integração de pessoas com
deficiência: contribuições para uma reflexão sobre o tema. São Paulo:
Memnom: Editora SENAC, 1997.

22

Você também pode gostar