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PSICOLOGIA DA MÚSICA

José Davison da Silva Júnior

Igreja Batista Emanuel em Boa Viagem (Recife/PE)

adoracao@ibebv.org.br

INTRODUÇÃO

De acordo com Moreno (1995), a Psicologia da Música surgiu como


disciplina no início do século XX, cujo foco era a aptidão musical e a
aprendizagem, utilizando métodos de orientação psicométrica. A partir dos
anos de 1960 torna-se tema de interesse no campo da Psicologia do
Desenvolvimento, buscando a conceitualização da natureza do talento
musical.

Alguns aspectos tanto no nível individual quanto grupal tratados na


Psicologia da Música são: gosto musical, experiência subjetiva, influência da
música, condições sociais, memória musical, compreensão dos elementos
musicais, dentre outros.

Existem algumas teorias que fundamentam a Psicologia da Música,


como a Teoria comportamental, a Psicologia Social, a Teoria psicométrica e
a Teoria cognitivista.

O núcleo da Teoria comportamental ou behaviorista mostra que a


aprendizagem e a conduta musical são consequência de um método
comportamental adequado baseado em estratégias, princípios e técnicas de
reforços e recompensas. A fundamentação teórica é o behaviorismo
comportamental, relação estímulo-resposta, efeitos das recompensas e
castigos.

I.P.Pavlov (1849-1936) introduz o conceito de “reflexo condicionado”.


Exemplo: Um cão associa um estímulo que é neutro a sua origem (o som da
campainha), ao estímulo incondicionado (a apresentação da carne); depois
de repeti-lo várias vezes, o estímulo neutro se converte em condicionado e
a resposta da salivação aparece somente com o soar da campainha. Skinner
introduz a ideia do Condicionamento operante: o sujeito tem que atuar para
produzir o reforço. Exemplo: o animal que manipula uma alavanca para
conseguir seu alimento.

A Teoria comportamental apresenta importantes dificuldades e


entraves aos aspectos mais inerentes da música, tais como: atitudes,
emoção, intuição, conhecimento, entre outros, já que sua fundamentação
reside na observação do comportamento externo e sua modificação, sem
considerar os estados de consciência, ou seja, a música como reforço para a
aprendizagem, como variável independente.

A aprendizagem musical seria puramente mecanicista na teoria


comportamental, já que se reduziria às associações e adaptações mais ou
menos afortunadas entre estímulos e respostas. Consegue-se algum êxito
em tarefas centralizadas na obtenção e melhora de habilidades básicas da
aprendizagem musical, sobretudo nos primeiros anos de aprendizagem. Há
trabalhos de investigação sobre a utilização de música como reforço para
aprendizagem e por outro lado, da utilização de outros reforços para a
aprendizagem musical. Existem métodos para a aprendizagem musical e
estudos sobre respostas à música baseados nessa Teoria.

A Psicologia Social nasce como ciência diante da necessidade de


estudar e sistematizar as condutas e as relações entre indivíduos e grupos,
a partir do desenvolvimento da sociedade industrial. Era prioritário conhecer
as motivações humanas, as necessidades e os desejos de possuir
determinados objetos materiais e culturais.

O objeto primeiro da Psicologia Social é o estudo, do ponto de vista


científico, da conduta social humana, portanto, interessa-lhe a influência
que as pessoas têm sobre a conduta e atitudes dos outros. Utiliza-se de
outras ciências como a antropologia cultural, sociometria, estatística,
psicometria, psicologia experimental, etc.

Baseada na Psicologia Social desenvolveu-se a Psicologia Social da


Música, na qual cada cultura tem uma música própria, que se caracteriza
por um estilo que se materializa em suas formas musicais; relação entre
música e sociedade. Existe uma inter-relação entre as formas musicais e os
grupos sociais, já que se influenciam mutuamente.

Um dos problemas que Psicologia Social da Música trata de elucidar é


compreender de que maneira as forças sociais ou grupo de pressão formam
as reações psicológicas à música. Existiriam uns processos também
relacionados entre si que explicariam como a estrutura social pode
influenciar o gosto musical.

A Psicometria seria a medida de fenômenos psicológicos a partir de


provas e testes específicos com a finalidade de comparar sujeitos ou grupos
com certos aspectos de comportamento que possam interessar ao
investigador.

A aproximação entre a Teoria psicométrica e a música resultou no


objetivo de averiguar a medida da habilidade musical específica, a aptidão
musical e a realização música-aprendizagem através de testes. Os testes
têm sido utilizados, por exemplo, para medir a habilidade musical e a
relação música-aprendizagem. Exemplos de testes aplicados à música:
Testes de habilidade musical; Teste Perfil de aptidão musical; Testes de
realização musical (para avaliar os efeitos da instrução musical); Testes de
preferência musical; Testes sobre a criação musical.

O educador musical inglês Keith Swanwick (1991) chama a atenção


para o fato de definir o talento musical de forma tão rígida e de utilizar
estímulos musicais reduzidos a fragmentos sonoros que não guardam
relação alguma com o que nós conhecemos como música.

Nas teorias de orientação cognitivista, o sujeito é o quem coloca um


papel decisivo na atividade intelectiva, desenvolvimento mental e
aprendizagem. O objetivo da fundamentação da Psicologia da Música a
partir da Teoria cognitiva é elaborar uma teoria musical que seja capaz de
configurar um modelo psicopedagógico que proporcione uma atividade
musical estimulante.

Hargreaves (1986, p.31) afirma que : “... se nós podemos


compreender como uma criança pensa, nós podemos provavelmente
compreender a maioria dos outros aspectos de seu comportamento”.
Na Teoria cognitiva, a criança deverá desenvolver e exercitar seu
comportamento e relação com a música de maneira progressiva e adaptada
ao seu estágio de desenvolvimento, às suas estruturas cognitivas,
respeitando as características e diferenças individuais. Uma das grandes
fundamentações teóricas são os estágios de desenvolvimento formulados
por Jean Piaget.

A maior produção de estudos e interesse está na fundamentação da


Teoria cognitiva, cuja aproximação com a música resultou na Psicologia
cognitiva da música, que é uma das áreas mais importantes da pesquisa
científica em música (ILARI, 2006).

A pesquisa em Psicologia cognitiva da música tem o desejo de


compreender os diversos processos mentais que regem as mais variadas
atividades musicais humanas, incluindo suas influências externas e internas.
Tratando de problemas que vão desde o desenvolvimento dos processos de
audição e apreciação musical até o funcionamento do cérebro na presença e
ausência de estímulos sonoros e musicais; do aprendizado, decodificação e
leitura de partituras até a composição ou execução musicais, a ciência
cognitiva da música investiga as relações existentes entre os fenômenos
musicais e a mente humana.

Pelo fato da temática da Psicologia cognitiva da música ser muito


vasto, decidimos tratar de alguns temas específicos, como o talento
musical, ouvido absoluto, desenvolvimento musical e emoção musical,
embasados em autores da Psicologia cognitiva, Psicologia cognitiva da
música, Educação musical e da Musicoterapia.

TALENTO MUSICAL

Segundo Figueiredo e Schmidt (2005), a noção de que para se fazer


música é preciso possuir dons especiais é ainda bastante presente na
sociedade brasileira. A questão do talento se coloca como um impedimento
para que sejam desenvolvidas atividades musicais em diversos contextos,
pois o senso comum entende que tais atividades só podem ser
desenvolvidas por pessoas especialmente dotadas e nem todos os
indivíduos estão aptos a se desenvolverem musicalmente.

Para que possamos compreender de forma geral como esse


pensamento se desenvolveu é possível apontar alguns indicadores,
partindo-se do século XIX, período no qual o pensamento musical foi
fortemente impregnada na cultura brasileira. A ideia romântica do artista
como um “gênio”, alguém que já nasceu pronto e não necessita aprender
sua arte ainda prevalece no senso comum. A concepção inatista fica
implícita neste pensamento, ou seja, aquela que considera que os
indivíduos já nascem com certas características que não estão
fundamentadas na aprendizagem e não decorrem de aprendizagem.

A lógica da concepção inatista é a de quem não nasceu com certas


características não poderá desenvolvê-las. O pensamento romântico inatista
é encontrado não somente no senso comum, mas também entre artistas e
professores, pois muitos acreditam que as atividades relacionadas à música
dependem muito mais dos talentos inatos do que das atividades
relacionadas à música desenvolvidas pelo indivíduo, as quais constituíram
como música em sua trajetória de vida.

A concepção inatista teve como grande fundamentação os testes que


caracterizaram a psicologia do século XIX, que era experimental,
psicofisiológica e psicométrica. As influências da psicometria podem ser
notadas claramente na concepção e elaboração de vários testes que
visavam medir habilidades musicais nos indivíduos. Na lógica inatista, os
testes serviriam para verificar quem já estaria “pronto” para ser artista ou
músico.

A visão inatista tem sido revista e questionada de forma enfática nos


dias de hoje, sendo inúmeros os estudiosos que têm procurado fornecer
evidências sobre a necessidade ou não da existência de talentos especiais
para se lidar com a música.

A diferença entre o que se considera talento inato ou talento


adquirido é que, no primeiro, parece existir em alguns indivíduos que
possuem facilidades especiais para a realização de certas tarefas, enquanto
que, talento adquirido ocorre através de oportunidades, treinamento e
incentivo e os indivíduos podem desenvolver habilidades que não eram
evidentes anteriormente. Sobre o talento adquirido, pesquisadores
enfatizam o meio como elemento fundamental no desenvolvimento de
habilidades musicais.

Figueiredo e Schmidt (2005) afirmam que não existe um consenso


entre os psicólogos sobre o que seria o “talento musical” ou se este poderia
realmente ser inato ou desenvolvido com o tempo. Entretanto, há a
atualmente uma tendência a se relativizar o papel da genética em
comparação com o papel ativo exercido pelo meio ambiente. Podemos
pensar nosso “repertório genético” mais como uma série de
“potencialidades” que podem ser ativadas pela cultura, do que como algo
que se impõe por si, absolutamente separado do meio.

Existem investigações que demonstram que o talento musical está


presente em qualquer ser humano. Gardner (1994) tem contribuído para
relativizar a questão dos talentos inatos, a partir de seu postulado sobre
inteligências múltiplas, na qual a música é apenas uma das formas de
inteligência. O autor diz que o fato de ser difícil descobrir como alguma
coisa é aprendida não é base suficiente para concluir que ela deva ser inata.

Para Vygotisky (1999), a questão não é: por que existiriam homens


como Bach, Mozart e Beethoven? Ao contrário: por que nós não nos
desenvolvemos da mesma forma que Bach, Mozart e Beethoven?

Se todos os indivíduos não estão se desenvolvendo artística ou


musicalmente da melhor forma possível, é porque não estão presentes as
condições para que este desenvolvimento, de potencial, se torne real. A
musicalidade é uma característica da espécie humana e, sendo assim, todos
os seres humanos estariam aptos a se desenvolverem musicalmente.
Mesmo admitindo que não haja conclusões precisas sobre o talento musical,
a literatura tem demonstrado a predominância do meio sobre as
características inatas, além de enfatizar a possibilidade de desenvolvimento
musical para todos os indivíduos.
OUVIDO ABSOLUTO

Um dos temas polêmicos de interesse da Psicologia da Música é o


“ouvido absoluto”. Segundo Levitin (2006), os portadores de ouvido
absoluto são capazes de produzir ou identificar notas musicais sem
quaisquer referências aos padrões externos. Eles têm memória para as
alturas exatas e não apenas para as relações entre as alturas nas canções.
Duas questões surgem para o autor. A primeira é: Por que algumas pessoas
são capazes de fazer isso? A segunda: Por que não todas as pessoas?

O ouvido absoluto possui dois componentes: memória de alturas e


nomeação de alturas. A memória de alturas é a capacidade de ouvir uma
nota e lembrar que esta nota já foi ouvida anteriormente e nomeação de
alturas é a habilidade de aplicar um nome para aquele conhecimento. As
ciências cognitivas acreditam que o ouvido absoluto é mais uma habilidade
de nomeação de alturas, uma forma de classificação e de memória de longo
prazo.

O referido autor comenta que a incidência de que o ouvido absoluto


ocorra em apenas 1 entre 10.000 pessoas está equivocada, pois esta
estatística considera apenas músicos. Se considerarmos não-músicos e
pedirmos que cantem músicas de sua preferência e compararmos com a
gravação da música a que se referiram, veremos que a incidência muda
para 1 pessoa de cada 4, pois os não-músicos conseguem cantar no mesmo
tom da música.

Há evidência forte de que muitos não-músicos possuam uma


memória exata de alturas, algo semelhante ao ouvido absoluto, embora
desconheçam os nomes formais das notas. Mesmo que os não-músicos não
consigam nomear um fá sustenido, por exemplo, eles são capazes de usar,
de maneira habilidosa, outros termos informais, como dizer que este som é
a primeira nota de determinada música.

Embora sua etiologia não seja ainda totalmente conhecida, o ouvido


absoluto está aparentemente vinculado à exposição à música baseada em
tons fixos, juntamente com a ênfase em seus rótulos específicos. Exemplo:
440 Hz=lá. (VANZELLA & OLIVEIRA, 2008).
Levitin (2006) relata uma pesquisa feita por Robert Zatorre e seus
colegas no Instituto Neurológico de Montreal sobre a nomeação de alturas.
Os portadores de ouvido absoluto (mas não os não-músicos) exibiam maior
atividade na parte do dorso lateral posterior esquerdo do córtex frontal,
uma região do cérebro que é conhecida por estar envolvida no aprendizado
associativo condicional – um termo técnico que os estudiosos da memória
geralmente usam para aplicar rótulo às coisas.

Mas a questão é: por que a maioria de nós não associa rótulo às


coisas? Para o autor isso ocorre porque nunca aprendemos a fazer isso, já
que a altura de nota não tem nenhuma importância biológica, como a cor.

O ouvido absoluto é inato ou adquirido? Segundo Isabelle Peretz


(2010), o ouvido absoluto é raro, não tem uma utilidade óbvia, é
automático, não pode ser prevenido e é adquirido antes dos 9 anos de
idade. É impossível adquirir na idade adulta. Precisa ser algo cedo no seu
desenvolvimento.

Levitin (2006) afirma que o ouvido absoluto é adquirido e


desenvolvido por meio de um treinamento sistemático na infância. A criança
precisa aprender a dar nomes às notas musicais. Esse período crítico vai do
nascimento aos 8 anos de idade. Ainda não se sabe é se toda criança que
recebe treinamento sistemático de nomeação de notas desenvolve o ouvido
absoluto.

Apesar de o autor afirmar que o ouvido absoluto é adquirido, ele


comenta que tanto a biologia quanto a aprendizagem estão envolvidas, ou
seja, existe uma predisposição genética para o ouvido absoluto. Todavia,
em sua visão, mesmo havendo uma predisposição genética, ainda é
necessário algum tipo de treino.

Em pesquisa realizada com 130 estudantes dos cursos de graduação


em música na Universidade de Brasília, no 1º semestre de 2007, houve a
incidência de 8 alunos com ouvido absoluto, 26 alunos que não certeza se
têm ouvido absoluto e 96 alunos sem ouvido absoluto. Para Vanzella &
Oliveira, 2008, autoras da pesquisa, a comparação deste achado com outros
dados apresentados na literatura não deve ser feita de forma linear e
automática.

As autoras relatam que, os sujeitos investigados que declararam ter


ouvido absoluto iniciaram treinamento auditivo muito antes daqueles que
afirmaram não possuir essa habilidade. Os primeiros por volta dos sete anos
de idade e os que não tinham ouvido absoluto por volta dos treze anos de
idade. Este fato confirma os trabalhos que mostram que o início precoce do
treinamento musical facilita a aquisição ou desenvolvimento do ouvido
absoluto.

Segundo as autoras citadas, o tipo de treinamento musical não


garante, por si só, a aquisição do ouvido absoluto, uma vez que a maioria
dos indivíduos investigados, tanto os portadores como os não-portadores
dessa habilidade cognitiva, foram submetidos, no processo de iniciação
musical, aos mesmos métodos de solfejo (dó fixo).

Por fim, não foi possível estabelecer, na população estudada, uma


relação entre incidência de ouvido absoluto e influência familiar (ambiental
ou hereditária). O número de familiares músicos (com ou sem ouvido
absoluto) dos sujeitos da pesquisa mostrou-se estaticamente idênticos.

EMOÇÃO MUSICAL

O desenvolvimento dos estudos sobre emoção razão e cérebro


humano se intensificou com a publicação do livro “O erro de Descartes”,
pelo neurologista António Damásio. Na visão inovadora do autor, o
sentimento e as emoções são uma percepção direta de nossos estados
corporais e constituem um elo entre o corpo e a consciência.

O marco no estudo do neurologista foi a história de Phineas Gage,


trabalhador da construção civil que sofreu, no século XIX, um acidente onde
uma barra de ferro transpassou seu cérebro, no entanto ele não morreu. A
consequência desse acidente foi a mudança de comportamento de Gage.
Este fato abriu caminho para o estudo da relação entre razão, sentimento,
emoções e comportamento social.
Damásio (1996, p.301) conceitua a emoção como “um conjunto de
mudanças que ocorrem quer no corpo, quer no cérebro e que normalmente
é originado por um determinado conteúdo mental”.

A importância das emoções está no fato de ser parte integrante da


homeostase, que são as reações fisiológicas necessárias para manter o
organismo estável e de serem adaptações que integram o mecanismo de
regulação da vida.

Damásio descreve duas funções biológicas das emoções. A primeira é


a atitude de correr, ficar parado, lutar ou iniciar um comportamento
prazeroso. A produção de uma reação específica à uma situação indutora. A
segunda função biológica da emoção é a regulação do estado interno do
organismo de modo que ele possa estar preparado para uma reação
específica.

Para se fazer a ponte das pesquisas de Damásio sobre as emoções


com a música, pode-se utilizar algumas afirmações nos seus escritos, tais
como “... apesar das infinitas variações encontradas nas diferentes culturas,
entre os indivíduos e no decorrer de uma vida, podemos predizer com
algum êxito que certos estímulos produzirão certas emoções” (ibid., p. 78).
“Em se tratando de emoção, não há muitas alternativas ao estratagema que
a natureza armou para nós. A emoção nos atinge independentemente de
onde ela venha” (ibid., p. 84). “... a emoção humana, em seu refinamento,
é desencadeada até mesmo por uma música..., cujo poder nunca devemos
subestimar” (ibid., p. 56). Então podemos relacionar as emoções, esse
conjunto de reações observáveis externamente, com a música.

Tame (1984) afirma que uma das maneiras que a música afeta o
corpo é indiretamente agindo sobre as emoções e que nós ouvimos música
porque ela nos faz sentir alguma coisa.

Zampronha (2007) nos mostra que, através do estudo dos


elementos constitutivos da música é possível relacionar o ritmo às
atividades motoras, a melodia às questões afetivas, emocionais e a
harmonia às atividades cognitivas, intelectuais.
O ritmo impulsiona o movimento. Ele penetra em nossa vida
fisiológica através da duração, a qual pode condicionar uma resposta
inconsciente automática em nível subcortical, e também penetra através da
vida psicológica por meio da intensidade. A melodia, através da sequência
de alturas, está vinculada à consciência afetiva. A harmonia engloba o
aspecto sensorial, no momento em que há uma simultameidade de sons
que é percebido pelo ouvido interno; o aspecto afetivo, nas relações entre
os sons que formam o acorde através de consonância e dissonância, tensão
e relaxamento e; o aspecto mental, pois é preciso fazer uma análise para
estabelecer as relações entre os sons.

Ainda a autora comenta que, pelo fato da música ter origem em


vibrações sonoras e relações sonoras, a emoção musical afeta o cérebro,
mexendo com a dimensão afetiva. As vibrações sonoras, através do som
afeta o sistema nervoso central enquanto as relações sonoras, as relações
que se estabelecem entre os intervalos, facultam a associação, evocação e
integração de experiências.

Na teoria de comunicação emocional, Meyer (1956) afirma que ao


ouvirmos música somos afetados pelas tendências dos eventos e passagens
musicais que geram expectativas. Durante a audição de uma música nossas
expectativas podem ser atendidas, adiadas ou negadas e esse
desenvolvimento musical constituirá a experiência musical. A emoção é
invocada quando uma tendência a responder é inibida. As respostas
emocionais são dadas na própria estrutura musical, numa relação entre
expectativa, suspense e inesperado. Quanto maior for a construção do
suspense e da tensão, maior a descarga emocional por ocasião da
resolução.

DESENVOLVIMENTO MUSICAL

Barcellos (1977) relata que o homem, na sua evolução musical,


reconstitui sua evolução biológica.

Na vida intra-uterina os sons percebidos pelo feto são o batimento


cardíaco e os sons viscerais. Com o nascimento, a primeira manifestação
sonora é o choro. Aos poucos os sons vão se organizando, no balbucio,
inicialmente a dois, em intervalos de segundas e terças, até formar
melodias simples. Gradativamente a música atinge sua complexidade e
chega à harmonia.

Verifica-se então que, o nível mínimo da música vivenciado pelo feto


como o batimento cardíaco está relacionado ao ritmo, o médio, com a
formação de estruturas simples está relacionado à melodia, e a superior,
com a harmonia. E esse sentido de ir do mais simples ao mais complexo, do
ritmo à harmonia, reconstitui a evolução biológica do homem.

Bruscia (1999) descreve o desenvolvimento musical como


fundamentação para a terapia. Um dos principais objetivos é determinar em
que estágio de desenvolvimento o indivíduo está. Se num estágio típico da
sua idade ou se existem atrasos, distúrbios ou fixações.

No período amniótico os sons são vivenciados como vibrações, como


o batimento cardíaco, o qual significa uma indicação de bem estar, se for
estável. Outros sons importantes nesse período são os sons viscerais,
através de alturas graves e agudas que são percebidas como vibrações
lentas ou rápidas.

O feto vivencia os sons e as vibrações separadamente. As contrações


da mãe são vivenciadas diretamente, através dos estados periódicos de
pressão e liberação, os quais ocorrem com os vários ritmos da respiração.

O nascimento é caracterizado pelo som do grito de raiva e de alívio, e


pela respiração como sinal de sobrevivência.

Os sons que marcam o período de 0 a 6 meses resultam de reflexos


como gritos e sons orais. Segundo Piaget, um bebê vocaliza de forma
contagiosa quando outros a sua volta vocalizam. Então o bebê imita. Uma
relação rítmica é estabelecida através da sucção, juntamente com o ritmo
da canção de ninar.

Os instrumentos são extensões sonoras de seu corpo. Os únicos


instrumentos que o bebê pode tocar neste estágio são aqueles tocados
quando segurados, jogados ou sacudidos. Mudanças ou diferenças na
altura, ritmo e sequência já podem ser apreendidas de forma reflexa pelos
bebês durante esse período. Respostas afetivas a escuta podem ser
inferidas de mudanças nos níveis das atividades e na intensidade do
movimento.

Dos 6 aos 24 meses o balbucio aparece na fala e na música e isto


leva a uma expressão vocal curta e repetitiva. Um elemento musical de
destaque é o contorno da altura. A criança começa a aprender fragmentos
silábicos e manipular ativamente os instrumentos. O elemento musical mais
importante neste contexto é o timbre. A criança começa a reconhecer um
repertório de melodias, movimenta-se a partir delas e fica fascinada com a
própria voz. A música testemunha os sentimentos da criança, assegurando
que ela não está sozinha.

Dos 2 aos 7 anos a criança começa a utilizar a fala cantada e o canto,


canções mais longas se desenvolvem e ela passa a construir suas próprias
canções, lutando para se manter dentro de uma mesma tonalidade. As
canções passam a ser um meio de expressão e necessitam também de
atividades motoras. Os instrumentos são utilizados pela alegria da atividade
física, bem como para expressar sentimentos. A criança aprende a organizar
e manter um ato motor repetitivo de acordo com o ritmo.

Dos 7 aos 12 anos a criança está pronta para estudar música numa
escola formal. Pode cantar em contraponto e cantar solos enquanto
acompanhada. A criança começa a mostrar tentativas no sentido de
dominar fisicamente como tocar um instrumento e também pode identificar
quais elementos se mantêm os mesmos apesar das mudanças ou diferenças
dos outros elementos. A textura é o elemento musical mais importante a
ser explorado.

No estágio dos 12 aos 18 anos o indivíduo quer se liberar das regras


e papéis estabelecidos, e a música é o lugar perfeito para começar. Toda a
música deve ser forte e o rock é um bom exemplo disto, pois encoraja a
síncope e o ritmo atravessado que permite o movimento corporal e dá
segurança para caracterização de uma identidade musical. As atividades
musicais que marcam esse período são as composições, audição de
canções, improvisação e dança.
O estágio após os 18 anos é o período que a pessoa vai determinar
qual é o lugar da música em sua vida. As principais necessidades musicais
durante esse período são apreciação estética, recreação e prazer, e suporte
psicológico.

No estágio da intimidade o indivíduo passa a ganhar intimidade nas


relações interpessoais e a ter uma abordagem mais aberta em relação à
música. Suas preferências musicais são conhecidas, mas se tem a mente
aberta para outros tipos de músicas.

A crise existencial da meia idade geralmente aparece a partir dos


quarenta anos. A pessoa num conflito existencial se relaciona com a música
como se relaciona com a vida. A música também possibilitará acesso a
novos níveis de interiorização.

O autor fala também do estágio transpessoal, que é o período no qual


a experiência musical se aproxima do sublime. A música se torna um
continente de todas as formas e experiências de vida.

Com o conhecimento do nível de desenvolvimento musical em que a


pessoa se encontra será possível identificar se este nível está além ou
aquém de sua idade biológica. Isso será uma orientação para um trabalho
musical com o objetivo de desenvolver o sujeito a partir do
desenvolvimento musical.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho não pretendeu esgotar os temas propostos, mas


somente levantar algumas questões tratadas na Psicologia da Música.
Existem muitos temas de grande relevância nesta área, Psicologia Cognitiva
da Música, como interfaces entre música e cérebro, habilidades cognitivas e
música, música e linguagem, memória musical, neurociência da melodia,
neurociência do ritmo, neurociência das emoções, o cérebro dos músicos,
dentre outros.

Nosso desejo foi apresentar a Psicologia Cognitiva da Música e tratar


de alguns tópicos, como o talento musical, ouvido absoluto, emoção musical
e desenvolvimento musical. Esperamos que estes tópicos possam instigar
pesquisas e reflexões sobre a utilização da música em nosso contexto
religioso ou educacional.

Desejamos que os pontos aqui tratados levem-nos a refletir se


entendemos a música como um talento ou dom especial e que nem todos
estão aptos a se desenvolverem musicalmente e temos o argumento do
talento inato para excluir a participação de algumas pessoas nas atividades
musicais, no canto coral ou compreendemos que a musicalidade é inerente
ao ser humano e que todos têm potencialidades para o desenvolvimento
musical, dependendo das condições e oportunidades oferecidas.

A compreensão que a música desperta emoções é importante, porque


ela envolve reações físicas, psicológicas, sociais, cognitivas e espirituais.
Não podemos utilizá-la de forma ingênua, mas avaliar bem os critérios de
sua forma de aplicação e da escolha do repertório.

O tema “ouvido absoluto” foi tratado para tentar esclarecer que ele é
adquirido até os nove anos de idade e depende da relação entre a memória
e a nomeação, através de um treinamento sistemático. Entender que a
música está presente no ser humano desde a vida intra-uterina e que existe
uma relação entre desenvolvimento musical e desenvolvimento humano
permite planejar o uso significativo da música para diferentes faixas etárias.

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