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AULA 2
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pensar em suas práticas musicais e educativas. Essas observações podem
ser produtivas para pensarmos nossa prática pedagógico-musical.
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membros do grupo com os bebês. Cantar e fazer música com as crianças
poderia estar no centro da preservação e sobrevivência da espécie. Assim, a
afetividade e as respostas emocionais no babytalk, se usadas de maneira
cantada entre adultos e crianças, poderiam ser um comportamento musical
ancestral que carregamos até hoje em nossas trocas musicais com as crianças
(Ilari, 2009; Elliott; Silverman, 2015).
Seguindo as discussões de Veloso (2020, p. 84), podemos pensar o
desenvolvimento do canto partindo do balbucio sonoro dos recém-nascidos até
o canto espontâneo enquanto expressão sonoro-musical que “é predominante
até aproximadamente os 3 anos e caracteriza-se pela execução vocal
parcialmente estável em termos de altura, duração e elementos textuais”. Nesta
primeira fase, possibilidades de exploração de sons, elementos expressivos
musicais, textos e mistura de fontes sonoras são comuns enquanto atividades
de improviso no desenvolvimento musical da criança. Com base no
desenvolvimento dos exercícios sonoro-vocais realizados pelas crianças, o
canto espontâneo acaba envolvendo-as por completo com gestos, expressões e
possibilidades de criação e improvisação (Ilari, 2009).
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rítmicas, e improvisações de movimentações/percussões corporais,
explorações textuais e jogos de pergunta e resposta musical.
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2014, p. 68). A defesa de uma educação musical que permita uma exploração
sonora e uma “atitude experimental” diante dos sons também é defendida pela
educadora musical alemã Gertrude Meyer-Denkmann (Souza, 2012). A
exploração dos sons apresenta-se como possibilidade para a
criação/improvisação musical e coloca os alunos como agentes ativos de seu
processo de criação, execução e escuta musical.
Segundo Veloso (2020), explorar o mundo sonoro é aprender e improvisar
musicalmente. Para ilustrar como a exploração sonora é importante na
aprendizagem musical, relembramos uma aula de musicalização com crianças
de quatro anos em que estudamos juntos dois parâmetros do som (altura e
intensidade) aplicados em uma atividade musical. Após realizarmos variações
cantando e tocando algumas canções em diferentes alturas e intensidades, as
crianças começaram a explorar tais formas de produzir sons de maneira livre ou
aplicada em canções/melodias que já conheciam. Por meio da troca social
presente nas variações de se fazer música (mais agudo/grave, mais forte/fraco),
uma criança que estava presente na aula começou a orientar outra sobre como
realizar diferentes variações sonoro-musicais. Uma das crianças desta aula se
empolgou muito com a realização da exploração sonora a ponto de fazer sons
fortes para que nenhuma criança realizasse outras atividades. Ao final da aula,
conversamos com a criança em questão sobre o que havia acontecido e ela nos
disse que em casa não podia “fazer barulho”, enquanto na aula de música
poderia fazer todos os sons que desejasse. Este exemplo nos coloca diante da
importância da exploração sonora na vida das crianças e de todas as pessoas
como espaço de experimentação e de descoberta de possibilidades sonoro-
musicais.
Para finalizar este tema, convém destacar uma relação com o que
estamos chamando de mundo sonoro. O compositor e educador musical Murray
Schafer (2009, p. 14) estabelece um conceito chamado paisagem sonora, que é
“o campo sonoro completo onde quer que estejamos”. Neste sentido, o mundo
sonoro é constituído por todos os sons que nos cercam, e Schafer (2009) aponta
para a consciência do aluno e das pessoas sobre suas emissões sonoras no
mundo e a influência do mundo sonoro sobre as suas vidas. Assim, o professor
pode possibilitar uma “educação sonora” por meio de espaços para
compreensão e conscientização sobre os nossos mundos sonoro-musicais.
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TEMA 4 – APRECIAÇÃO MUSICAL E IMPROVISAÇÃO
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uma constante em nossas vidas. Muitas vezes, assistimos a uma cena visual
e podemos antecipar/imaginar um som que ainda não chegou até nossos
ouvidos (como quando vemos a claridade de um trovão e seu som chega
somente depois de alguns segundos em nossa percepção sonora). Outras
vezes, não esperamos que um som “apareça”, o que pode nos assustar em
razão da aparição inesperada. Para pensar o acaso sonoro que permite
paralelos com a improvisação musical, utilize a música 4’33 de John Cage,
que apresenta a ideia de o músico ficar em silêncio por mais de quatro minutos
e os sons do ambiente constituírem a música. Outros paralelos são possíveis
ao pensar no acaso sonoro-musical em nossas vidas.
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TEMA 5 – O CORPO NA IMPROVISAÇÃO MUSICAL
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Quando articulamos as questões do corpo com a improvisação, fica
evidente a necessidade do corpo na execução musical, como nos processos de
movimentação para a criação de um gesto que resulta no fazer sonoro. Na
escuta musical não é diferente, costumamos situar a escuta musical em nosso
discurso por meio de indicações de direção (alto, baixo, comprido etc.). Além
disso, as crianças frequentemente buscam expressar corporalmente sons
fracos, longos ou estridentes de diferentes formas corporais. Nesse sentido, na
criação, na execução e na escuta, o corpo está sempre presente e precisa ser
levado em consideração nas práticas musicais.
De maneira prática, na vivência educativo-musical, um exemplo frequente
do uso do corpo na prática musical e em suas possibilidades de improvisação
está no ensino da rítmica. Crianças e adultos frequentemente conseguem
executar exercícios rítmicos por meio do reconhecimento do próprio corpo, seja
na marcação dos passos, na visualização/conscientização das durações com
base em elementos visuais, como o espaço entre duas palmas ou entre um
passo e outro. No momento de criar ou improvisar, o corpo toma um espaço
central: fornece uma base para a construção de uma ideia rítmica, melódica ou
harmônica e pode sugerir intencionalidades que implicam na expressividade
musical e na própria execução técnica que venha a ser necessária.
NA PRÁTICA
Para esta aula, vamos propor uma prática que permita a improvisação
musical por meio de: (1) possibilidades de exploração e execução vocal; e (2)
ampliação de possibilidades de improvisação na escuta e outras práticas
musicais.
Em um primeiro momento, podemos pedir que as crianças, os
adolescentes ou até mesmo os adultos busquem descobrir sons “diferentes” ou
“inusitados” com a voz. Com base nesta exploração inicial, os alunos podem ser
divididos em pequenos grupos para criarem uma composição musical naquele
momento por meio dos sons escolhidos. Uma variação dessa primeira atividade
poderia ser uma exploração sonora e improvisação na leitura de um pequeno
fragmento de um texto, poema ou frase.
Este movimento inicial abre margem para um desdobramento que pode
ser interessante e vir a movimentar interesses entre os alunos. Para isso, pode-
se selecionar uma partitura de um compositor do século XX que apresente uma
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notação gráfica (por exemplo, John Cage ou Murray Schafer). Um fragmento de
uma partitura selecionada para esta atividade poderia ser o apresentado na
Figura 1.
A obra Aria de John Cage foi composta em 1958 e apresenta uma partitura
gráfica com elementos coloridos e dispostos espacialmente para sua execução
vocal. Esta partitura apresenta pequenos textos que podem ser desconsiderados
no início e adicionados conforme o nível de complexidade que se busca explorar
na realização da atividade no contexto em que a prática musical se realiza.
Individualmente ou em grupo, os alunos são convidados a executar a partitura
apresentada. As práticas musicais com base na partitura gráfica abrem margem
para uma ampla improvisação melódica, rítmica, trimbrística e expressiva na
criação e execução musical. Podem ser sugeridos elementos para guiar a
improvisação por cores, traços ou disposições espaciais. Perceba que a
exploração vocal inicial pode conduzir a uma liberdade sonora para a realização
dessa atividade de desdobramento.
É importante notar que, até aqui, existe uma série de possibilidades de
aproximações com outros conteúdos. O professor pode refletir com os alunos
sobre cada uma das improvisações executadas por eles e pensar no
estabelecimento de critérios avaliativos conjuntos sobre cada uma das
improvisações. Além disso, o tema abre espaço para discussão sobre como
podemos usar a voz de maneira musical, sobre as crenças de que uma partitura
“só pode ser escrita de um jeito” e sobre o que é música. Conteúdos formais
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sobre propriedades do som (altura, timbre, intensidade e duração), história da
música e outros conteúdos podem ser articulados. Lembramos novamente a
necessidade de uma reflexão contínua do professor de música sobre as
atividades, sobre seus alunos e seus contextos de atuação.
Partindo para a ampliação de possibilidades de improvisação na escuta e
outras práticas musicais, sugerimos que o professor pense em articular a escuta
musical por meio de exemplos vocais que deem margem à improvisação. A
própria peça utilizada no exemplo anterior pode ser interessante (Aria – John
Cage), pensando em Pierrot Lunaire Arnold Schoenberg e outras peças de
compositores do século XX, ou ainda práticas improvisativas-vocais da música
popular (por exemplo, improvisações vocais do cantor e compositor Ed Motta e
práticas vocais que utilizam o yodellin).
Uma ampliação destas atividades de improvisação para espaços virtuais
pode ser pensada pela utilização da aplicação Kandinsky do Chrome Music Lab
(disponível em: <https://musiclab.chromeexperiments.com/Kandinsky/>):
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interessante de trabalhar com os alunos. Lembre-se de que outros aplicativos,
sites e recursos tecnológicos e virtuais podem ser utilizados nas aulas de música.
Inclusive, uma ampliação dessa proposta de atividade pode ser pensada com
base em improvisações vocais e instrumentais baseadas em diferentes pinturas.
Para isso, pense em escolhas apropriadas ao conteúdo trabalhado pelo
professor de música. Possíveis exemplos de pinturas para explorar em
improvisações vocais-instrumentais em contextos individuais e coletivos são:
Composição VII e Composição VIII de Kandinsky; New Harmony de Paul Klee;
O Mamoeiro de Tarsila do Amaral; Nenúfares de Claude Monet; entre outras que
podem ser exploradas com um olhar interdisciplinar.
FINALIZANDO
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REFERÊNCIAS
CAGE, J. Aria: Peça para voz em qualquer arranjo. Milão: Hemmar Press, 1958.
ERICSSON, K. A.; POOL, R. Peak: Secrets from the New Science of Expertise.
Boston: Houghton Mifflin Harcourt, 2016.
HALLAM, S. Music education: the role of affect. In: JUSLIN, P. N.; SLOBODA, J.
A. (Eds.). Handbook of Music and Emotion: Theory, Research, Applications.
2. ed. Oxford: Orford University Press, 2010. p. 791-817.
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