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IMPROVISAÇÃO MUSICAL

AULA 2

Prof. Anderson Toni


CONVERSA INICIAL

Caro estudante, seja bem-vindo a nossa aula! Hoje abordaremos o tema


da improvisação musical de maneira diretamente relacionada à educação
musical, com um olhar interdisciplinar para diferentes campos de conhecimento.
Vamos iniciar com uma conversa para apresentar o que será contemplado em
nossos estudos.
Analisaremos a improvisação musical e sua articulação com a educação
musical. Reforçaremos a importância da reflexão crítica sobre as ideias e
propostas apresentadas. Além disso, proporemos um exercício reflexivo a mais
em nossa aula, para pensar nos contextos musicais em que já participamos
como alunos e nos quais temos experiências como professores de música. Este
exercício pode nos auxiliar a (re)pensar nossa prática e articular possibilidades
de inclusão de atividades de improvisação musical em nossos contextos de
atuação pedagógico-musical.
Nesta aula, apresentaremos discussões sobre o desenvolvimento musical
das pessoas por meio de um olhar para criação, execução e escuta musical.
Voltaremos nossa atenção, então, para as possibilidades de improvisação, de
execução, principalmente de canções, e da escuta musical ativa. Variáveis
cognitivas, sociais e emocionais serão articuladas ao longo de nosso percurso.
Neste sentido, a presente aula apresenta os seguintes temas de estudo: (1) a
natureza musical das crianças: um olhar para a educação infantil; (2) cantar e
improvisar: do canto espontâneo à aquisição da canção; (3) explorar o mundo
sonoro é improvisar; (4) apreciação musical e improvisação; e (5) o corpo na
improvisação musical. Além disso, há uma seção de proposição prática e uma
seção de finalização que apresenta a retomada dos principais tópicos estudados
nesta aula.

TEMA 1 – A NATUREZA MUSICAL DAS CRIANÇAS: UM OLHAR PARA A


EDUCAÇÃO INFANTIL

Iniciamos este primeiro tema de estudo indicando a necessidade de


pensarmos o desenvolvimento musical das pessoas. O foco, aqui, é o
desenvolvimento musical das crianças, o qual entendemos por meio do ambiente
musical e dos estímulos sonoro-musicais recebidos e explorados ativamente por
elas. Como indicado por Flávio Veloso (2020), ao refletir sobre o
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desenvolvimento musical das crianças, nossa concepção de musicalidade não
está de acordo com ideias de “talento musical inato”. Pelo contrário, é importante
refletirmos continuamente como professores de música sobre o acesso e as
possibilidades de desenvolvimento musical por parte de todas as pessoas.
Ao debatermos o desenvolvimento musical das pessoas, é importante
pensar a respeito de aspectos biológicos, físicos, psicológicos, afetivos, sociais
e demais elementos que podem influenciar no desenvolvimento de habilidades
humanas e musicais (Veloso, 2020). Neste sentido, quando afirmamos o cuidado
ao discutir ou indicar que alguém tem um “talento musical”, queremos apontar a
necessidade de: (1) considerar as questões biológicas/físicas das pessoas que
podem auxiliar no desenvolvimento de determinada habilidade; e (2) considerar
o ambiente/social de fundamental importância para que o desenvolvimento de
uma habilidade se inicie, mantenha-se e desenvolva-se (North; Hargreaves,
2008). Como bem indicado por Anders Ericsson e Robert Pool (2016), o campo
de estudo da psicologia da expertise (que estuda como algumas pessoas
alcançam altos níveis de habilidades em uma área) indica que o
desenvolvimento de habilidades como as musicais está mais relacionado com a
aplicação de um processo de estudo sistematizado e contínuo do que com
predisposições biológicas inatas por si só. Na improvisação musical, não é
diferente, o desenvolvimento dessas habilidades exige treino, exploração
sonora, desenvolvimento de processos de criação, execução e criação, e a
movimentação de conhecimentos musicais diversos.

Saiba mais

As emoções costumam ser um dos principais relatos das pessoas sobre


como se relacionam com a música. No entanto, a pesquisadora e educadora
musical Susan Hallam (2010) indica que poucos estudos sobre emoção foram
realizados na área da educação musical. Nesse sentido, a autora aponta a
necessidade de pensar as emoções em processos de escuta, fazer musical
ativo (cantando, tocando ou realizando outras atividades de execução musical)
e criação musical. Convidamos você a pensar sobre as emoções nos
processos educativo-musicais. Aproximando-se de nosso tema de estudo, de
que forma você acredita que a improvisação musical pode movimentar
emoções diversas com o material musical, com as relações entre os
estudantes e com a exploração sonoro-musical em sala de aula? Busque

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pensar em suas práticas musicais e educativas. Essas observações podem
ser produtivas para pensarmos nossa prática pedagógico-musical.

Segundo Guilherme Romanelli (2014), as pesquisas sobre a musicalidade


das crianças têm demonstrado que este aspecto é mais elaborado do que
costumamos perceber. Neste sentido, as pesquisas indicam que as crianças “se
relacionam com seu entorno por meio da música, mesmo antes de
desenvolverem a linguagem verbal” (Romanelli, 2014, p. 62). Na realidade, a
pesquisadora e educadora musical Beatriz Ilari (2009, p. 44) enfatiza que as
crianças são grandes músicos desde cedo e desenvolvem-se musicalmente à
medida que crescem, uma vez que “não apenas ouvem bem, mas se
movimentam, dançam, cantam, criam, improvisam, imitam, representam, tocam”.
Desta forma, ao considerarmos o desenvolvimento musical das crianças, é
necessário um olhar acolhedor das multiplicidades de práticas e significações
que os pequenos trazem junto de si. Também é necessário considerar a
possibilidade de um fazer e de um escutar musical para todos, incluindo a
exploração sonoro-musical por meio de criações, improvisações, adaptações e
trabalhos diversos com materiais musical e suas práticas.

TEMA 2 – CANTAR E IMPROVISAR: DO CANTO ESPONTÂNEO À AQUISIÇÃO


DA CANÇÃO

Partindo da natureza musical das crianças, vamos discutir a respeito do


impacto da improvisação e da exploração sonoro-musical no processo de
aquisição da canção. Para começarmos, François Delalande (1984) apresenta
discussões sobre como as crianças associam a expressão e experimentação
sonora com as descobertas de seu corpo e de seu aparato vocal. Neste sentido,
as explorações e improvisações sonoras já são executadas pelas crianças desde
cedo. Tendo em vista a presença do canto como algo comum nas práticas
musicais das crianças, Romanelli (2014) indica a necessidade de cantar para e
com as crianças, situação na qual o professor deve buscar sempre ser modelo
e referência interessante em termos de execução e expressão musical.
Alguns pesquisadores discutem a respeito da música na vida humana
desde tempos primitivos, o que poderia indicar um espaço para a música na
evolução humana. Dentre os aspectos discutidos nesta área de pesquisa, está
o cuidado parental e as ligações estabelecidas entre os pais, cuidadores e

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membros do grupo com os bebês. Cantar e fazer música com as crianças
poderia estar no centro da preservação e sobrevivência da espécie. Assim, a
afetividade e as respostas emocionais no babytalk, se usadas de maneira
cantada entre adultos e crianças, poderiam ser um comportamento musical
ancestral que carregamos até hoje em nossas trocas musicais com as crianças
(Ilari, 2009; Elliott; Silverman, 2015).
Seguindo as discussões de Veloso (2020, p. 84), podemos pensar o
desenvolvimento do canto partindo do balbucio sonoro dos recém-nascidos até
o canto espontâneo enquanto expressão sonoro-musical que “é predominante
até aproximadamente os 3 anos e caracteriza-se pela execução vocal
parcialmente estável em termos de altura, duração e elementos textuais”. Nesta
primeira fase, possibilidades de exploração de sons, elementos expressivos
musicais, textos e mistura de fontes sonoras são comuns enquanto atividades
de improviso no desenvolvimento musical da criança. Com base no
desenvolvimento dos exercícios sonoro-vocais realizados pelas crianças, o
canto espontâneo acaba envolvendo-as por completo com gestos, expressões e
possibilidades de criação e improvisação (Ilari, 2009).

Saiba mais

O pedagogo musical Jos Wuytack propõe alguns passos para a


aprendizagem musical que podem ser interessantes para pensar em aulas de
musicalização com as crianças. Seguindo a descrição de Boal Palheiros e
Bourscheidt (2012), nós temos a seguinte sequência sugerida:

1) O professor canta a canção como um todo para as crianças


compreenderem a ideia geral e começarem a imitar.
2) O professor canta os motivos melódicos com vocábulos diferentes (pá,
dum etc.) e utiliza gestuais para que as crianças imitem.
3) As crianças aprendem o texto por meio de uma execução em diferentes
alturas e por meio de diferentes formas de se expressar musicalmente
(por exemplo, utilizando staccatos, expressões faciais etc.).
4) Todos cantam a canção completa (com melodia e letra) e adicionam
possíveis movimentos corporais para serem executados com a canção.

Boal Palheiros e Bourscheidt (2012) afirmam que Jos Wuytack propõe


improvisações por meio das variações e criações melódicas e rítmicas com a
voz e instrumentos musicais, possibilidades de criações de bases melódicas e

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rítmicas, e improvisações de movimentações/percussões corporais,
explorações textuais e jogos de pergunta e resposta musical.

Após o canto espontâneo, as crianças começam a desenvolver


habilidades para a execução de canções, forma de organização musical que
inclui elementos musicais e textuais/poesia de maneira simultânea. Veloso
(2020) realiza uma revisão que indica o desenvolvimento da execução das
canções principalmente por meio do domínio de elementos textuais, rítmicos e
de contorno melódico. Além disso, é importante considerar a presença das
canções no universo musical infantil em diferentes ambientes: o canto com os
pais, as canções na escola, as brincadeiras e os jogos com os amigos, as
canções das mídias, entre outros possíveis espaços e contextos É importante
considerar que a execução de canções não é só imitação, o cantar que as
crianças desenvolvem também envolve criação de possibilidades melódicas,
harmônicas e rítmicas com base nas referências que elas escutam
cotidianamente em suas vidas. Por isso, deve-se reforçar o papel do professor e
propor uma ampliação do universo sonoro-musical das crianças em suas
atividades pedagógico-musicais (Romanelli, 2014).

TEMA 3 – EXPLORAR O MUNDO SONORO É IMPROVISAR

A exploração do mundo sonoro-musical faz parte do ser humano. Se uma


criança, um adolescente ou um adulto tiver oportunidades de encontrar em seu
caminho uma fonte sonora (seja um instrumento musical ou garrafas vazias para
soprar), podemos logo pensar que esta fonte sonora será explorada com
entusiasmo. A exploração sonora é entendida como investigação e manipulação
dos sons. Trata-se de um comportamento que encontramos nos bebês em seu
balbucio, no canto espontâneo das crianças, no encontro e no jogo com os sons
em diferentes etapas de nossa vida, na prática musical com a voz e os
instrumentos, e na manipulação de diferentes materiais musicais na
improvisação.
Romanelli (2014) defende uma ampla exploração sonora na educação
musical para desenvolver na criança a independência do mundo sonoro-musical
que a cerca. Neste sentido, o autor defende ser “por meio da exploração de
objetos sonoros [...] que as crianças reconhecem e estabelecem comparações
entre os parâmetros do som: altura, intensidade, duração e timbre” (Romanelli,

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2014, p. 68). A defesa de uma educação musical que permita uma exploração
sonora e uma “atitude experimental” diante dos sons também é defendida pela
educadora musical alemã Gertrude Meyer-Denkmann (Souza, 2012). A
exploração dos sons apresenta-se como possibilidade para a
criação/improvisação musical e coloca os alunos como agentes ativos de seu
processo de criação, execução e escuta musical.
Segundo Veloso (2020), explorar o mundo sonoro é aprender e improvisar
musicalmente. Para ilustrar como a exploração sonora é importante na
aprendizagem musical, relembramos uma aula de musicalização com crianças
de quatro anos em que estudamos juntos dois parâmetros do som (altura e
intensidade) aplicados em uma atividade musical. Após realizarmos variações
cantando e tocando algumas canções em diferentes alturas e intensidades, as
crianças começaram a explorar tais formas de produzir sons de maneira livre ou
aplicada em canções/melodias que já conheciam. Por meio da troca social
presente nas variações de se fazer música (mais agudo/grave, mais forte/fraco),
uma criança que estava presente na aula começou a orientar outra sobre como
realizar diferentes variações sonoro-musicais. Uma das crianças desta aula se
empolgou muito com a realização da exploração sonora a ponto de fazer sons
fortes para que nenhuma criança realizasse outras atividades. Ao final da aula,
conversamos com a criança em questão sobre o que havia acontecido e ela nos
disse que em casa não podia “fazer barulho”, enquanto na aula de música
poderia fazer todos os sons que desejasse. Este exemplo nos coloca diante da
importância da exploração sonora na vida das crianças e de todas as pessoas
como espaço de experimentação e de descoberta de possibilidades sonoro-
musicais.
Para finalizar este tema, convém destacar uma relação com o que
estamos chamando de mundo sonoro. O compositor e educador musical Murray
Schafer (2009, p. 14) estabelece um conceito chamado paisagem sonora, que é
“o campo sonoro completo onde quer que estejamos”. Neste sentido, o mundo
sonoro é constituído por todos os sons que nos cercam, e Schafer (2009) aponta
para a consciência do aluno e das pessoas sobre suas emissões sonoras no
mundo e a influência do mundo sonoro sobre as suas vidas. Assim, o professor
pode possibilitar uma “educação sonora” por meio de espaços para
compreensão e conscientização sobre os nossos mundos sonoro-musicais.

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TEMA 4 – APRECIAÇÃO MUSICAL E IMPROVISAÇÃO

Como já discutimos anteriormente, a improvisação pode ser


compreendida por meio da criação, da execução e da escuta musical. Ao
pensarmos na educação musical, a ideia da improvisação toma um aspecto mais
amplo para se pensar nas diversas possibilidades de criação e execução tendo
como base materiais já existentes, explorações sonoras, adaptações etc. No
entanto, ainda pode ser possível a pergunta: onde entra a escuta na
improvisação?
A escuta ocorre cotidianamente em nossa vida. No entanto, podemos
destacar diferentes níveis de atenção ao que escutamos. Neste sentido, alguns
teóricos distinguem a escuta (atividade que demanda mais atenção aos sons)
do ouvir (atividade que não apresenta tanta atenção aos sons). Em relação à
música, não é diferente. Podemos escutar/ouvir música em diferentes lugares ao
longo de nosso dia, e em alguns momentos essa escuta ocorre no plano principal
de nossa atenção, em outros apenas em um “plano de fundo” de que nem
sempre temos total consciência. Aaron Copland (2011) distingue três níveis de
escuta. Para ele, o plano sensível é quando escutamos uma música sem
conferir grande atenção ao que está ocorrendo, quando há uma menor
consciência sobre a escuta musical ou quando estamos fazendo outra atividade.
O plano expressivo é entendido por Copland (2011) como a escuta musical
mais atenta e relacionada com a atribuição de significados e o caráter emocional
durante a escuta. Por fim, o plano puramente musical é entendido pelo autor
como a escuta com uma atenção direcionada para os elementos musicais, como
harmonia, melodia e ritmo.

Saiba mais

Atividade prática: busque explorar com os alunos reflexões sobre os


sons em suas vidas em diferentes contextos: em casa, na escola, na igreja ou
em outro espaço religioso etc. Pergunte a eles sobre os sons nesses espaços
selecionados coletivamente durante a reflexão: Ttata-se de sons que eles
escolhem escutar? Eles produzem sons nesses ambientes? Eles gostam de
escutar todos os sons? Com base nestas reflexões, podem-se estabelecer
paralelos sobre as improvisações musicais. Os sons em nosso ambiente
constituem uma “sinfonia” que nem sempre escolhemos, e o acaso sonoro é

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uma constante em nossas vidas. Muitas vezes, assistimos a uma cena visual
e podemos antecipar/imaginar um som que ainda não chegou até nossos
ouvidos (como quando vemos a claridade de um trovão e seu som chega
somente depois de alguns segundos em nossa percepção sonora). Outras
vezes, não esperamos que um som “apareça”, o que pode nos assustar em
razão da aparição inesperada. Para pensar o acaso sonoro que permite
paralelos com a improvisação musical, utilize a música 4’33 de John Cage,
que apresenta a ideia de o músico ficar em silêncio por mais de quatro minutos
e os sons do ambiente constituírem a música. Outros paralelos são possíveis
ao pensar no acaso sonoro-musical em nossas vidas.

Elliott e Silverman (2015) afirmam a necessidade de os educadores


musicais conceberem a escuta como atividade ativa, e não passiva. Os autores
consideram que a escuta está infusa em todas as nossas atividades de fazer
musical (improvisação, composição, performance etc.) e deve ser compreendida
por meio de práticas ativas, de discussões e reflexões constantes, e de
possibilidades de ampliação do repertório musical dos alunos. Aqui, podemos
indicar como a escuta está relacionada com a improvisação musical: ela compõe
parte da improvisação musical e funciona como referência auditiva para a prática
em questão, seja a prática de um músico improvisando em um show ou um grupo
de alunos se escutando durante um exercício de improvisação.
Por fim, vamos considerar brevemente a escuta musical ativa proposta
pelo educador musical Jos Wuytack. Ela está relacionada a uma escuta
engajada corporalmente e cognitivamente por meio da percepção sonora dos
materiais musicais em atividades práticas (Boal Palheiros; Bourscheidt, 2012).
Assim, a apreciação musical nessa perspectiva não é passiva, mas ativamente
percebida e construída pelos ouvintes de maneira corporal e cognitiva. Nessa
forma de escutar, possibilidades de improvisação com gestos, movimentos e
pensamentos são possíveis nas atividades educativo-musicais. Cabe, então, ao
professor, pensar na preparação e no planejamento das atividades, na escolha
de diferentes repertórios possíveis, no estabelecimento de relações entre os
materiais musicais escutados, na elaboração de práticas de escuta ativa e na
busca de materiais auditivos com boa qualidade sonora.

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TEMA 5 – O CORPO NA IMPROVISAÇÃO MUSICAL

No tema anterior, estudamos a escuta musical e suas possibilidades de


práticas ativas que envolvem o corpo. Neste sentido, vamos discutir sobre o
corpo no fazer (pensando suas possibilidades de improvisação) e escutar
musical. Elliott e Silverman (2015) realizam uma revisão de definições sobre o
que é música. Para essa tarefa, eles buscam entender de que maneiras algumas
sociedades de diferentes lugares do mundo definem música. Os autores afirmam
que muitas tradições não dispõem de um nome específico para música. Mais
especificamente, Elliott e Silverman (2015) afirmam que muitas sociedades
enxergam a música como um conceito mais amplo que envolve atividades de
dança, rituais e demais expressões artísticas e sociais com grande participação
corporal. Neste sentido, Veloso (2020) afirma que diferentes pesquisadores
indicam a necessidade de conceber o ser humano de maneira incorporada, ou
seja, pensar além da dicotomia mente e corpo. Na música, essa situação
também ocorre ao conceber a relação mente e corpo de maneira integrada na
prática pedagógico-musical.

Saiba mais

Atividade prática: você recorda o assunto das improvisações musicais


estruturada e livre estudado anteriormente? Com base no que discutimos
sobre a utilização do corpo na criação, execução e escuta musical, vamos
propor uma atividade baseada em Veloso (2020) de uma improvisação
corporal com caráter mais livre. Em duplas, os alunos podem ser orientados a
improvisarem com o corpo, com percussões corporais ou com a utilização de
outras fontes sonoras por meio de um jogo de pergunta e resposta livre. Os
alunos devem ser orientados a explorar a espacialidade do lugar, criar motivos
sonoro-musicais livres e responderem aos materiais sonoro-musicais de seus
colegas. Uma variação desse exercício pode acontecer por meio de uma
orientação do professor para a exploração da espacialidade do ambiente
utilizando gestos corporais. Assim, o professor ou um aluno pode realizar sons
que serão interpretados por meio de uma improvisação corporal-gestual livre.
Também é possível escutar um exemplo musical que possibilite a realização
desta atividade.

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Quando articulamos as questões do corpo com a improvisação, fica
evidente a necessidade do corpo na execução musical, como nos processos de
movimentação para a criação de um gesto que resulta no fazer sonoro. Na
escuta musical não é diferente, costumamos situar a escuta musical em nosso
discurso por meio de indicações de direção (alto, baixo, comprido etc.). Além
disso, as crianças frequentemente buscam expressar corporalmente sons
fracos, longos ou estridentes de diferentes formas corporais. Nesse sentido, na
criação, na execução e na escuta, o corpo está sempre presente e precisa ser
levado em consideração nas práticas musicais.
De maneira prática, na vivência educativo-musical, um exemplo frequente
do uso do corpo na prática musical e em suas possibilidades de improvisação
está no ensino da rítmica. Crianças e adultos frequentemente conseguem
executar exercícios rítmicos por meio do reconhecimento do próprio corpo, seja
na marcação dos passos, na visualização/conscientização das durações com
base em elementos visuais, como o espaço entre duas palmas ou entre um
passo e outro. No momento de criar ou improvisar, o corpo toma um espaço
central: fornece uma base para a construção de uma ideia rítmica, melódica ou
harmônica e pode sugerir intencionalidades que implicam na expressividade
musical e na própria execução técnica que venha a ser necessária.

NA PRÁTICA

Para esta aula, vamos propor uma prática que permita a improvisação
musical por meio de: (1) possibilidades de exploração e execução vocal; e (2)
ampliação de possibilidades de improvisação na escuta e outras práticas
musicais.
Em um primeiro momento, podemos pedir que as crianças, os
adolescentes ou até mesmo os adultos busquem descobrir sons “diferentes” ou
“inusitados” com a voz. Com base nesta exploração inicial, os alunos podem ser
divididos em pequenos grupos para criarem uma composição musical naquele
momento por meio dos sons escolhidos. Uma variação dessa primeira atividade
poderia ser uma exploração sonora e improvisação na leitura de um pequeno
fragmento de um texto, poema ou frase.
Este movimento inicial abre margem para um desdobramento que pode
ser interessante e vir a movimentar interesses entre os alunos. Para isso, pode-
se selecionar uma partitura de um compositor do século XX que apresente uma
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notação gráfica (por exemplo, John Cage ou Murray Schafer). Um fragmento de
uma partitura selecionada para esta atividade poderia ser o apresentado na
Figura 1.

Figura 1 – Recorte de um trecho da peça Aria de John Cage

Fonte: John Cage, 1958.

A obra Aria de John Cage foi composta em 1958 e apresenta uma partitura
gráfica com elementos coloridos e dispostos espacialmente para sua execução
vocal. Esta partitura apresenta pequenos textos que podem ser desconsiderados
no início e adicionados conforme o nível de complexidade que se busca explorar
na realização da atividade no contexto em que a prática musical se realiza.
Individualmente ou em grupo, os alunos são convidados a executar a partitura
apresentada. As práticas musicais com base na partitura gráfica abrem margem
para uma ampla improvisação melódica, rítmica, trimbrística e expressiva na
criação e execução musical. Podem ser sugeridos elementos para guiar a
improvisação por cores, traços ou disposições espaciais. Perceba que a
exploração vocal inicial pode conduzir a uma liberdade sonora para a realização
dessa atividade de desdobramento.
É importante notar que, até aqui, existe uma série de possibilidades de
aproximações com outros conteúdos. O professor pode refletir com os alunos
sobre cada uma das improvisações executadas por eles e pensar no
estabelecimento de critérios avaliativos conjuntos sobre cada uma das
improvisações. Além disso, o tema abre espaço para discussão sobre como
podemos usar a voz de maneira musical, sobre as crenças de que uma partitura
“só pode ser escrita de um jeito” e sobre o que é música. Conteúdos formais

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sobre propriedades do som (altura, timbre, intensidade e duração), história da
música e outros conteúdos podem ser articulados. Lembramos novamente a
necessidade de uma reflexão contínua do professor de música sobre as
atividades, sobre seus alunos e seus contextos de atuação.
Partindo para a ampliação de possibilidades de improvisação na escuta e
outras práticas musicais, sugerimos que o professor pense em articular a escuta
musical por meio de exemplos vocais que deem margem à improvisação. A
própria peça utilizada no exemplo anterior pode ser interessante (Aria – John
Cage), pensando em Pierrot Lunaire Arnold Schoenberg e outras peças de
compositores do século XX, ou ainda práticas improvisativas-vocais da música
popular (por exemplo, improvisações vocais do cantor e compositor Ed Motta e
práticas vocais que utilizam o yodellin).
Uma ampliação destas atividades de improvisação para espaços virtuais
pode ser pensada pela utilização da aplicação Kandinsky do Chrome Music Lab
(disponível em: <https://musiclab.chromeexperiments.com/Kandinsky/>):

Figura 2 – Exploração visual-sonora na aplicação Kandinsky do Chrome Music


Lab

Fonte: Elaborado por Toni, 2020, com Chrome Music Lab.

Nesta aplicação do Chrome Music Lab, é possível desenhar algumas


imagens que são reproduzidas por diferentes timbres de instrumentos. O nome
da aplicação e o estilo de desenho fazem referência ao pintor Wassily Kandinsky,
que também ficou conhecido por tentar reproduzir em suas pinturas elementos
musicais, como os elementos das composições de Arnold Schoenberg. Esta
aplicação possibilita improvisações por meio de uma plataforma digital

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interessante de trabalhar com os alunos. Lembre-se de que outros aplicativos,
sites e recursos tecnológicos e virtuais podem ser utilizados nas aulas de música.
Inclusive, uma ampliação dessa proposta de atividade pode ser pensada com
base em improvisações vocais e instrumentais baseadas em diferentes pinturas.
Para isso, pense em escolhas apropriadas ao conteúdo trabalhado pelo
professor de música. Possíveis exemplos de pinturas para explorar em
improvisações vocais-instrumentais em contextos individuais e coletivos são:
Composição VII e Composição VIII de Kandinsky; New Harmony de Paul Klee;
O Mamoeiro de Tarsila do Amaral; Nenúfares de Claude Monet; entre outras que
podem ser exploradas com um olhar interdisciplinar.

FINALIZANDO

Recapitulando, nesta aula estudamos a respeito da natureza musical das


crianças em seu desenvolvimento musical, o que permitiu algumas discussões
a respeito da improvisação no balbucio dos recém-nascidos, no canto
espontâneo das crianças e nas explorações sonoro-musicais das crianças ao
aprenderem canções. O tema da improvisação na educação musical conduziu
nossas discussões para a exploração do mundo sonoro, a apreciação/escuta
musical e a utilização do corpo. Por fim, a proposição prática ao final de nossa
aula nos permitiu estabelecer paralelos com os assuntos estudados.

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REFERÊNCIAS

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