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IMPROVISAÇÃO MUSICAL

AULA 1

Prof. Anderson Toni


CONVERSA INICIAL
A IMPROVISAÇÃO NA EDUCAÇÃO MUSICAL: UMA
VISÃO GERAL E PRIMEIRAS
DISCUSSÕES
Inicialmente, precisamos ter em mente que a improvisação musical
é um tema amplo e
complexo. Neste sentido, ele é pesquisado em diferentes áreas
de pesquisa em música (análise,
performance etc.) e outras áreas que fazem
interface com a música: psicologia, sociologia/estudos
sociais, educação etc.
Desde já, convém destacar a importância da reflexão contínua
sobre os conhecimentos que
iremos construir ao longo da aula, o que deve ser
uma premissa central em nossa atuação como
professores de música.
Questionamentos podem nos auxiliar a pensar este nosso tema de estudo e
desdobrá-lo: O que é improvisação musical? Em quais práticas musicais elas
acontecem? Quem
pode improvisar? Quais são as implicações educacionais,
psicológicas e sociais? Essas são
algumas perguntam que guiam nossas discussões
iniciais, mas devemos ter em mente que outras
perguntas são possíveis para
auxiliam no exercício de nosso olhar reflexivo. Neste sentido, a
presente aula
apresenta os seguintes temas de estudo: (1) improvisação em música: aspectos
teórico-conceituais; (2) um pouco de história sobre improvisação; (3)
improvisar é explorar, tocar,
cantar e criar; (4) improvisação e aprendizagem
musical; e (5) improvisação como ferramenta
pedagógica. Além disso, há uma
seção de proposição prática e uma seção de finalização que
apresenta a retomada
dos principais tópicos estudados nesta aula.

TEMA 1 – IMPROVISAÇÃO EM MÚSICA: ASPECTOS TEÓRICO-


CONCEITUAIS
Talvez o primeiro movimento que precisamos realizar neste
momento é a compreensão do que
é improvisação musical e como esse conceito é
definido. A improvisação musical é definida no
Dicionário Grove de Música
(1994, p. 450) como a:
Criação de uma obra musical, ou de sua forma final, à medida que
está sendo executada. Pode
significar a composição imediata da obra pelos
executantes, a elaboração ou ajuste de
detalhes em uma obra já existente, ou
qualquer coisa dentro desses limites.
Ao propor uma filosofia da educação
musical no livro Music Matters, David Elliott e Marissa
Silverman (2015)
buscam discutir os diferentes elementos de uma prática ou fazer musical, como a
performance ou interpretação, a improvisação, a regência, a escuta, e outras
possíveis formas de
prática musical. Neste sentido, os autores afirmam que a
improvisação musical é constituída por
uma articulação entre a composição e
performance/interpretação musical de maneira simultânea.
Sem dúvidas, não
podemos negar que essas ações são coordenadas dentro de práticas musicais
específicas. A improvisação é uma criação e performance que é imersa em
referências musicais da
pessoa ou grupo que a executa, questão que não podemos
dissociar ao estudar este tema. Além
disso, convém relembrar que o fazer musical
na improvisação musical é permeado pela atividade
de escuta que também
apresenta uma grande importância.

Saiba mais
Baseado nas discussões
do filósofo da música Theodore Gracyk, Elliott e Silverman (2015)
afirmam a
importância de se pensar a interdependência entre fazer e escutar música na
improvisação. Os autores também citam a interrelação constante entre os músicos
indianos
Ravi Shankar e Ali Akbar Khan e suas trocas musicais contínuas em
improvisações musicais.
Raga é como são chamados os
“modos” de se construir uma prática musical nas tradições
e atividades musicais
indianas. Trata-se de uma frase musical de maior ou menor proporção
que dá
origem a uma prática musical por meio de uma grande flexibilidade para improvisações.
Busque escutar algum raga indiano e procure observar elementos da
relação entre os músicos
e elementos que indiquem a improvisação nesta prática
musical.

De maneira a pensar a improvisação na


educação musical em diferentes faixas etárias e
contextos educacionais, Flávio
Veloso (2020) propõe um pensamento mais abrangente, que trata a
improvisação
como a criação, adaptação ou arranjo em práticas compostas no momento ou
adaptadas de materiais musicais já existentes.
Conforme indicado por Ulrich Michels (1985) no Atlas de
música, a improvisação deve ser
encarada também a partir de um olhar
histórico. Desse modo, podemos compreender que não se
trata de uma manifestação
recente ou exclusiva de uma única prática musical e um único tempo.
Se pararmos
para observar a música presente em nossas famílias ou em nossas comunidades,
observaremos que a improvisação musical também se faz presente. Alguém pode
conhecer algum
tio que toca acordeon e não sabe “ler” música, mas toca
em todos os eventos na cidade e
improvisa musicalmente com grande entusiasmo.
Outro exemplo são os relatos de músicos em
nossas comunidades que afirmam que
aprenderam “de ouvido” e desenvolvem suas práticas
musicais com base em muitas
improvisações musicais.
Novamente, não podemos perder de vista que a improvisação
costuma ser baseada em
tradições musicais específicas, ou seja, o improvisador
se utiliza de bases de como se estrutura o
modo de se fazer música em
determinado grupo para improvisar. De maneira particular, lembro de
quando
comecei a aprender música havia um senhor que tocava violão na igreja. Este
senhor tinha
como função principal fazer frases musicais improvisadas enquanto
outro violão fazia uma base de
acompanhamento. Quando questionei sobre como ele
improvisava com tanta facilidade, este
senhor logo me retornou dizendo que ele
não sabia nada de “teoria musical” e que conhecia tanto
as músicas que estava
executando que poderia tocar as frases musicais “na hora que escutava”.
Este
exemplo ajuda a pensarmos na improvisação como composição,
performance/interpretação,
escuta e interação entre as pessoas envolvidas. Além
disso, nos auxilia a situar a improvisação em
nossa vida musical cotidiana e
não somente enquanto uma prática de “poucos talentosos”.

TEMA 2 – UM POUCO DE HISTÓRIA SOBRE A IMPROVISAÇÃO


Como já adiantado, situar historicamente a improvisação musical
pode nos auxiliar neste
primeiro momento em que estamos tendo contato com esse conceito.
Vamos nos concentrar nas
práticas musicais da música de concerto. O termo música
de concerto é utilizado de maneira
abrangente para se referir ao que muitas
pessoas costumam chamar de música erudita ou música
clássica.
Romanelli (2014) apresenta um cuidado especial ao tratar destes termos no
ambiente
escolar e no cotidiano musical das crianças, bem como na formação de
professores para a atuação
na educação infantil.

Saiba mais
Coriúm Aharonián
(2011) organizou o livro Musica/Musicologia y colonialismo,
disponibilizado
gratuitamente, que indica a presença da improvisação musical como atividade
frequente nas práticas dos povos tradicionais na América Latina. Além disso, os
textos
debatem as dificuldades de uma historiografia da música na América
Latina devido a olhares
muitas vezes excludentes e pela falta de registros
documentais, como no caso da música
tradicional nas Américas antes das
colonizações.

As periodizações na história da música


são problematizações constantes ao se delimitar as
práticas e compositores de
cada período. Com finalidades didáticas, vamos adotar uma breve
exposição da
improvisação musical seguindo os seguintes períodos:
Figura 1 – Os seis
períodos da música história da ocidental

Fonte: Grout; Palisca,


2007.
Antes mesmo do desenvolvimento da notação musical ocidental (de
onde a história da música
ocidental costuma se pautar), já existiam alguns
símbolos que indicavam possibilidades de
registros de execuções musicais: os neumas.
Estas indicações mnemônicas por meio de traços e
pontos em cima dos textos abriam
grande margem de improvisação nas práticas musicais.
Na Idade Média, vamos ter registros historiográficos a partir do
desenvolvimento da notação
musical. Precisamos entender que a prática que
estamos tratando aqui e que temos registros mais
bem fundamentados é principalmente
vocal e eclesiástica. Pelo fato de uma notação ainda estar
em desenvolvimento e
não apresentar precisão em todos os parâmetros de leitura e execução
musical,
na Idade Média e no Renascimento teremos ainda ampla margem nas peças musicais
para
improvisações vocais e instrumentais. Em práticas como as canções do Livro
Vermelho de
Montserrat, um manuscrito com canções em homenagem à Nossa Senhora
de Montserrat
encontrado no século XIV na região da Catalunha, na Espanha, há
apenas melodias transcritas para
as canções que abrem margem para amplas
improvisações e arranjos no momento da execução.
No período Barroco, a improvisação musical será articulada em
técnicas como o baixo
contínuo (cifras indicadas em baixo das melodias para que
uma harmonia fosse realizada de
maneira improvisada para acompanhar a música) e
os ornamentos vocais e instrumentais que
abriam margem a possibilidades de
improvisação. No Barroco, Classicismo e Romantismo,
podemos destacar ainda as
práticas de improvisação de diferentes instrumentistas em concertos
solistas
que demonstravam sua virtuose musical.
Já no século XX, as possibilidades
de exploração musical abrem margem ao acaso e a música
aleatória, nas quais
fronteiras entre compositor e intérprete se misturam a improvisação também
toma
espaço. Ainda no século XX, veremos uma busca dos movimentos de vanguarda na
música
de concerto de repertórios tradicionais, como a música de gamelão
e outras práticas que
apresentam um grande caráter improvisativo.

Saiba mais
A música de
gamelão é uma prática que se utiliza de muitos instrumentos de alturas
definidas que são geralmente percutidos e outros instrumentos musicais
diversos. Trata-se de
uma prática muito comum nas ilhas de Java e Bali na
Indonésia. José Miguel Wisnik (1989)
destaca que essa prática musical está
relacionada com uma circularidade na execução a partir
de uma repetição
constante de ideias musicais e a proposta de variações melódicas e rítmicas
que
acabam abrindo espaço para práticas de improvisação articuladas coletivamente pelos
músicos.

Essa breve apresentação nos coloca


para pensar no fato de a prática da improvisação musical
estar presente na
história da música, tanto nas práticas de música de concerto que são o foco
desta breve apresentação quanto nas demais práticas musicais que podemos
encontrar em todo o
mundo.

TEMA 3 – IMPROVISAR É EXPLORAR, TOCAR, CANTAR E CRIAR


Em uma aula de musicalização infantil com crianças de três anos
de idade, buscamos
desenvolver juntos algumas atividades rítmicas e vocais. Ao
término de tais atividades em que
exploramos possibilidades, cantamos e
realizamos gestos corporais, eu solicitei que as crianças
fizessem uma música
com os sons que elas achassem melhor. Naquele momento, uma das
crianças me
pergunta: “mas qualquer coisa?”. É com essa provocação que iniciamos este tema
de
estudos, focando nas fontes sonoras e nas interações para pensar a
improvisação na educação
musical.
Seguindo Veloso (2020), podemos
partir de uma compreensão da improvisação na educação
musical tendo como ponto
de partida as fontes sonoras. Nesse sentido, reforçamos que o fazer
musical
demanda uma exploração do material sonoro, desde os bebês até os adultos. Essas
fontes
sonoras podem ser as mais diversas (corpo, instrumentos, materiais do
cotidiano, voz etc.) e têm
seu espaço na conscientização de um mundo sonoro que
nos cerca (Romanelli, 2014). Partindo
dessas fontes sonoras a serem exploradas,
temos a manipulação, a adaptação de materiais e a
criação sonora e musical que
são de grande importância se estamos considerando que a
improvisação lida com a
composição, a performance/interpretação e a escuta musical.

Atividade prática
Como foi destacado, a
exploração sonora está presente em toda a nossa vida. Se
trabalhamos com a
educação musical, por que não fornecer espaços para que a exploração de
diferentes fontes sonoras seja possível?
Como atividade
prática, recomendamos que o professor selecione uma série de objetos
do
cotidiano, tais como tampinhas, pratos de metal, cabides, sapatos etc. Com uma
turma
com idades apropriadas ao grau de dificuldade que se pretende na
atividade, peça para que
um por vez selecione um objeto e mostre para os
colegas como realizar sons diferentes. Em
um segundo momento, cada aluno pode
selecionar um objeto e o professor orienta para uma
atividade de “perguntas e
respostas” por meio de sons diferentes produzidos com os objetos
selecionados.
A imprevisibilidade abre margem para sons simultâneos e inesperados e linhas
de
raciocínio sonoro podem começar a ser exploradas por meio de um exercício de
improvisação coletiva.

Veloso (2020) também destaca os


contextos sociais em que tais explorações sonoras e suas
manipulações diversas
ocorrem no domínio de possíveis aproximações da improvisação com a
educação
musical. Nesse sentido, é inegável que em uma aula de música somos
influenciados e
influenciamos as pessoas e o ambiente. Nossa influência sonora
no mundo perpassa um plano
sonoro que se torna palco para interações contínuas
entre fontes sonoras desejadas ou
ruídos/sons conflitantes. Todos esses sons
são espaços de trocas, de discussões e
problematizações que o professor de
música pode aproveitar para trabalhar com seus alunos. A
troca social é
inclusive destaque nas improvisações que ocorrem em apresentações ao vivo em
shows
ou outros espaços nos quais o performer improvisa e seus
companheiros músicos de palco
interagem constantemente. Talvez o mais
importante, a plateia responde ativamente ao estímulo
sonoro que os músicos
estão desenvolvendo em suas improvisações, devolvendo várias respostas
por meio
de informações verbais e gestuais aos músicos em uma relação de troca musical
contínua.

TEMA 4 – IMPROVISAÇÃO E APRENDIZAGEM MUSICAL


Reforçamos aqui uma relação primordial na ideia de improvisação:
as ações de compor,
executar e escutar. Cada um desses componentes exige
atividades específicas no processo de
ensino e aprendizagem musical e na
improvisação eles são unidos. Nesse sentido, Veloso (2020)
destaca a
improvisação como espaço de aprendizagem musical e como um conteúdo a ser
desenvolvido em nossas aulas de música em diferentes contextos educacionais.
Talvez você já tenha tido a experiência de, em um estágio de
docência ou como professor em
sala de aula, propor alguma atividade de criação
musical mais estruturada ou mais espontânea e
não ter uma grande recepção a essa
atividade por parte dos alunos. Essa questão pode estar na
própria didática do
conteúdo, que deve considerar quem são os alunos e quais são as suas
experiências prévias ao pensar a proposta de atividade musical. Caso esses
alunos não tenham
tido nenhuma experiência similar anteriormente, poderia ser o
caso de iniciar com atividades de
improvisação mais estruturadas para buscar desenvolver
uma segurança na execução musical. Por
vezes, o aluno pode apresentar
restrições pessoais ao realizar uma improvisação, pois ele pode ter
desenvolvido seu estudo musical em uma linha de pensamento mais focada apenas
na
performance musical de maneira tradicional (sem criações ou improvisações),
ou ainda pode
apresentar traços de personalidade que possam indicar timidez ou
insegurança na frente de outros
colegas. Todos esses aspectos precisam ser
considerados ao pensarmos em nossa atuação
docente em sala de aula, sejam eles
relacionados à didática, contexto, pessoas envolvidas e
demais elementos.
Já me ocorreu experiências nas duas situações citadas, a
primeira com crianças e a segunda
com adultos. Nas duas situações, perguntas e
afirmações como estas foram recorrentes: Posso
fazer qualquer linha melódica? Mas
o que mais posso fazer? “Acho que não consigo criar do nada”.
Esses relatos
demonstram que pode haver algumas inseguranças sobre as possibilidades de
exploração de materiais sonoros e musicais naquele determinado momento
pedagógico-musical,
mas também nos apontam espaços de superação de uma visão de
que quem pode propor são
somente “grandes compositores” ou performers. A
busca de exploração sonoro-musical e
improvisação musical com os recursos que
temos disponíveis é uma possibilidade que pode ser
desenvolvida para todas as
pessoas em nossas aulas de música.
Seguindo Veloso (2020), a
improvisação pode ser mais estruturada ou livre, inclusive quando
pensamos em
sua articulação com a educação musical. Nas improvisações mais estruturadas,
teremos maior controle sobre os processos e ações de criação, como o
fornecimento de objetivos
específicos, materiais, estratégias etc. (Veloso,
2020). Já a improvisação livre possibilita espaços
de exploração musical e
sonora menos guiados em seus processos e ações de criação (Veloso,
2020).

Atividade prática
Esta atividade se
fundamenta principalmente na improvisação musical estruturada de
maneira a
considerar a construção de melodias.
Com crianças, podemos
propor a improvisação melódica por meio de um objeto como
uma bola pequena ou
outro material. Em um primeiro momento, uma criança segura o objeto e
busca
desenhar no espaço um movimento melódico. Talvez seja interessante estabelecer
alguns parâmetros, por exemplo, os sons graves estão mais embaixo no plano
espacial. A
criança deve ser orientada a realizar uma melodia e a executar.
Outros elementos expressivos
podem ser adicionados, por exemplo, cantar
“triste”, “cansado” etc. Em um segundo momento,
uma criança realiza a melodia
no plano espacial e todo o grupo busca reproduzi-la de formas
individuais, mas
articuladas no coletivo a partir das ideias criadas naquele momento pelo
colega
que está conduzido a atividade.
Figura
2 – Possibilidades de traços melódicos
Com crianças
maiores ou adultos, pode-se adaptar a mesma atividade. Recomenda-se a
utilização do manossolfa, que é um modelo de regência gestual
desenvolvido por Zoltán
Kodály (Silva, 2012) que auxilia na indicação gestual
das notas a serem executadas (a seguir).
Tendo o gesto de cada nota, os alunos
podem criar frases melódicas como indicadas
anteriormente. Outros graus de
complexidade podem ser adicionados por meio de
proposições diversas sobre
expressividade ou técnica (duas vozes simultâneas). Em ambas as
atividades
descritas, a criação/improvisação ocorre no momento em que é executada, a
melodia é construída por meio de uma relação constante entre as pessoas
envolvidas.
Figura 3 – Manossolfa

Crédito: Eliane Ramos.

Lembramos sempre que as atividades


devem ser bem planejadas e orientadas por objetivos
educacionais-musicais em
contextos de atuações pedagógicos específicos.

TEMA 5 – IMPROVISAÇÃO COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA


Você ainda pode estar se questionando sobre como utilizar a
improvisação em sala de aula. No
entanto, acredito que já passamos a reconhecer
que esse fazer musical está mais próximo de
nossas atividades de
ensino-aprendizagem e de escuta-fazer musical do que imaginávamos. A
improvisação
musical pode ser uma ferramenta pedagógica na formação dos alunos e na sua
independência musical. Nesse sentido, ela deve ser pensada em diferentes etapas
da educação e
em diferentes formas pelas quais o ensino de música ocorre.
Sem dúvidas, devemos tomar alguns
cuidados. Não é em todos os momentos que essa
atividade entra em sala de aula: nem
tudo é improvisação. Conforme indicado por Romanelli (2008)
e Veloso (2020),
nossas práticas em sala de aula precisam ser orientadas por objetivos
pedagógico-musicais claros para que não acrescentemos atividades em nossas
aulas sem uma
intencionalidade.
Pensando a prática
Os alunos e
professores podem construir continuamente uma reflexão sobre suas práticas
musicais em sala de aula. Após uma determinada prática de improvisação musical
individual ou
coletiva, professor e alunos podem iniciar uma discussão sobre
quais aspectos da atividade
ocorreram de forma interessante ou quais
precisariam ser revistos. Pode-se discutir sobre
aspectos de expressividade na
execução musical ou sobre as escolhas técnicas de execução.
Outras discussões
podem envolver uma avaliação pessoal e coletiva sobre como foi aquele
determinado exercício. Nesse processo de discussão e reflexão, movimentamos uma
forma de
conhecimento chamada metacognição, que diz respeito a momentos
em que os indivíduos
refletem ativamente sobre suas ações, habilidades e
estratégias empregadas na atividade (Elliott;
Silverman, 2015; Veloso, 2020).
Convém destacar o fazer musical ativo,
ou seja, os alunos fazendo música, propondo ideias,
discutindo sobre suas
escutas e agindo sobre o mundo sonoro e musical. A improvisação musical
entra
aqui como essa possibilidade de ferramenta pedagógica nas aulas de música. Além
disso, é
importante ter em mente que a improvisação é uma atividade para todos,
não uma exclusividade
para poucos. Assim como também é a música uma atividade
para todos (Elliott; Silverman, 2015).
Dificuldades podem aparecer na realização de atividades de
improvisação, o que demanda um
papel importante do professor em diagnosticar as
habilidades, níveis de complexidade e propostas
pedagógico-musicais que sejam
adequadas. Sobre este aspecto, o professor toma um espaço de
promoção da
autonomia do aluno em sua vida pessoal e musical. Sobre algumas posturas do
professor
de música, Veloso (2020) destaca que: (1) às vezes, o professor precisa se
distanciar
para não inibir processo de criação; (2) observar atentamente o
processo de criação/improvisação
de maneira a fornecer suporte quando
necessário; e (3) estimular a reflexão e a interação social
nas atividades de
improvisação.

NA PRÁTICA
Para esta aula, vamos propor uma prática para orientar nossos
primeiros caminhos em
atividades de improvisação na educação musical. Essa prática
está fundamentada na improvisação
rítmico-corporal. A ideia de trazer o ritmo e
o corpo parte do entendimento de que estes elementos
costumam ser articulados
de alguma forma nas atividades de improvisação musical em práticas
específicas
e na educação musical.
Para o primeiro momento, vamos pensar em uma atividade que parte
de uma base rítmica
realizada de maneira corporal. Sugerimos que a base rítmica
seja adequada em grau de
complexidade para o público-alvo e suas respectivas
habilidades. A seguir temos uma sugestão de
uma base rítmica realizada com o
corpo:
Figura 4 – Modelo de
percussão rítmico-corporal

Nessa sugestão, temos o pé direito e esquerdo marcando sempre o


pulso. Pode ser
interessante um pulso sempre bem marcado para dar uma boa base
para a improvisação. Assim,
todos os alunos vão marcar juntos esse pulso. Na
sequência, adiciona-se a célula rítmica nas
palmas, sempre mantendo o pulso. A
atividade pode ser realizada em roda ou algum outro formato.
A partir do momento em que todos os participantes já estiverem
habituados com a execução
rítmico-corporal proposta, passa-se para o momento de
improvisação. O professor explica que
cada aluno poderá improvisar ritmicamente
o que quiser dentro de “quatro passos” (que poderiam
ser considerados dois
compassos, aqui abre-se margem para dialogar sobre conceitos teóricos na
aprendizagem musical). Essa improvisação pode ser realizada dentro da roda e,
após a
improvisação, volta-se para o seu lugar.
As execuções da base rítmica podem ser cada vez mais complexas.
Além disso, pode-se
realizar uma variação na qual dois alunos entram na roda e
cada um realiza uma improvisação
rítmica buscando um jogo de “perguntas e
respostas”.
Figura 4 – Variação da
percussão rítmico-corporal

A prática permite uma articulação de conteúdos teóricos,


conteúdos relacionados à escuta
musical (como a escuta de músicas executadas
pelo grupo Barbatuques), entre outras
articulações. Realizada de maneira
educativa e dinâmica, essa atividade pode interessante para
alunos e professor
no processo de trocar e vivências musicais. Essa proposta também pode ser
aplicada para se pensar a improvisação musical como etapa ou parte do processo
educativo-
musical em fanfarras e bandas marciais. Nesse caso, adaptações podem
ser realizadas e a
exploração de sonoridades diferentes pode ser interessante.
Neste momento, você pode articular as ideias do capítulo com essa
proposta inicial de
atividade de improvisação, sempre pensando nas adaptações
necessário em seu campo de
atuação específico.

FINALIZANDO
Recapitulando, nesta aula nós estudamos alguns aspectos teórico‑conceituais
sobre a
improvisação musical e buscamos delinear brevemente algumas práticas de
improvisação na
história da música ocidental. Outro tópico estudado foi a
improvisação como exploração sonora,
tocar, cantar e criar, principalmente com
o foco nas fontes sonoras, sua manipulação e os
contextos sociais.
Nos últimos dois temas desta aula, também vimos a improvisação
na aprendizagem musical e
articulamos ideias sobre sua utilização como
ferramenta pedagógica. Além disso, destacamos
algumas curiosidades, breves
atividades práticas-reflexivas e uma atividade final de improvisação
rítmico‑corporal.

REFERÊNCIAS
AHARONIÁN, C. (Coord.). Musica/Musicologia y colonialismo.
Montevidéu: Centro Nacional
de Documentación Musical Lauro Ayestarán, 2011.
DICIONÁRIO GROVE DE MÚSICA. Rio de Janeiro:
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ELLIOTT, D. J.; SILVERMAN, M.
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WISNIK, J. M. O som e o sentido: uma outra
história das músicas. São Paulo: Companhia das
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