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IMPROVISAÇÃO MUSICAL

AULA 6

Prof. Anderson Toni


CONVERSA INICIAL

Improvisação musical: ampliando possibilidades musicais e educativas

Caro(a) estudante, seja bem-vindo(a) a nossa aula! A improvisação


musical aplicada à educação musical foi por nós discutida como espaço possível
de criação musical. Nesta aula, vamos pensar em mais possibilidades musicais
e educativas com base em nosso tema de estudo, para o professor de música
proporcionar um ambiente rico em experiências musicais aos seus alunos. Essas
experiências precisam ser diversas e com qualidade, a fim de que cada aluno
possa experimentar e conhecer diferentes mundos musicais. Para que isso
ocorra de maneira mais produtiva, convém destacar a importância de um
professor de música preparado e interessado em conhecer. Na improvisação
musical, o professor deve buscar ser um modelo pedagógico-musical que
apresente possibilidades aos alunos de modo que eles se desenvolvam na
realização, na criação e na escuta musical.
Para esta aula, vamos pensar em ampliação de repertório e discutir mais
alguns aspectos pedagógico-musicais relacionados à improvisação musical. É
importante sempre termos em mente que os assuntos tratados são pontos de
partida: o interesse de cada um pode levar a aprofundamentos específicos em
cada tema estudado ao longo de nossas aulas. Nesse sentido, a presente aula
apresenta os seguintes temas de estudo:

• ampliação de repertórios: a improvisação em outros gêneros musicais;


• improvisação na música popular brasileira;
• improvisação musical e os usos e funções da música;
• o engajamento na atividade musical e a experiência de fluir;
• o planejamento e a improvisação pedagógico-musical.

Além disso, há uma seção de proposição prática e uma seção de


finalização que apresenta a retomada dos principais tópicos estudados nesta
aula.

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TEMA 1 – AMPLIAÇÃO DE REPERTÓRIOS: A IMPROVISAÇÃO EM OUTROS
GÊNEROS MUSICAIS

No início de nossas aulas, revisamos brevemente a improvisação ao


longo da história da música ocidental, com o foco na música de concerto. Com
a finalidade de expandir nossos olhares, buscamos realizar aqui uma breve
ampliação desse foco para outros repertórios possíveis e nos quais a
improvisação musical também está presente.
José Miguel Wisnik (1989) aponta caminhos para se pensar a música por
meio de atribuição de sentidos e de suas relações com o som. O autor menciona
composições, produzidas em diferentes culturas no mundo, que partem da ideia
de uma circularidade na forma de se fazer música, geralmente utilizando
escalas pentatônicas ou outras formas de se fazer/pensar a música. Essa
circularidade se acha na improvisação musical constante em práticas musicais
de diferentes povos, seja nas suas melodias, seja em sobreposições de vozes
em harmonias ou práticas rítmica. Exemplos de improvisação musical podem ser
encontrados na história da música ocidental, como no canto gregoriano da Idade
Média e na ornamentação vocal de práticas musicais populares na Europa em
contextos pré-notação musical. Em outros ambientes, podemos citar a música
de gamelão realizada nas ilhas de Java e Bali, na Indonésia. Além disso, outros
repertórios são os râgas indianos, a música praticada pelos povos pigmeus,
entre outras práticas musicais ao redor do mundo que carregam características
de uma música constantemente improvisada.
A produção musical do século XX foi fortemente influenciada pelo jazz em
diferentes aspectos, como na exploração de diferenças rítmicas (polirritmia,
síncopes e contratempos, agrupamentos irregulares etc.), no uso de escalas que
não se enquadram no sistema tonal, entre outros. O jazz surge no início do
século XX como uma expressão musical da cultura negra norte-americana, com
traços musicais europeus e africanos. Esse gênero musical é marcado pela
liberdade de improvisação musical e apresenta alguns subgêneros, como o jazz
de Nova Orleans, o bebop, o jazz latino (com influências da música latina, como
a música cubana e a bossa nova brasileira), entre muitas outras vertentes e
subgêneros. Outro gênero musical com forte expressão da cultura negra norte-
americana é o blues. Trata-se de uma forma de praticar música que é marcada
pela improvisação melódica. Por fim, convém destacar que o jazz e o blues

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influenciaram uma série de outros gêneros musicais, inclusive no que se refere
à improvisação como elemento a ser explorado musicalmente. Esse é o caso,
por exemplo, do rock e seus diferentes subgêneros musicais.

Saiba mais

As seguintes músicas apresentam aspectos improvisativos, nas suas


performances, que podem ser comparadas em diferentes versões (gravações de
estúdio e performance ao vivo) e com diferentes músicos/grupos:
a. Raga Anandi Kalyan – Ravi Shankar (1994);
b. So What – Miles Davis (1959);
c. The Thrill Is Gone – B.B. King (1969);
d. Moby Dick – Led Zeppelin (1969).

É recomendado ao professor de música escutar diferentes repertórios


musicais e buscar o entendimento das práticas em seus respectivos contextos.
Se desejamos propor novos caminhos para nossos alunos, precisamos estar
abertos a outros mundos musicais possíveis.

TEMA 2 – IMPROVISAÇÃO NA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA

Ao estudar improvisação musical, não poderíamos deixar de falar também


da música popular brasileira. José Ramos Tinhorão (1998) apresenta um
percurso da música popular brasileira com destaque para o elemento social, o
que evidencia o aspecto plural das expressões musicais populares no Brasil. Ao
pensarmos a improvisação musical, pode-se destacar alguns gêneros musicais,
como o choro e sua característica improvisativa marcante. Trata-se de um
gênero musical caracterizado pelo desafio entre os músicos e pela improvisação
melódica e harmônica, assim como é marcado por improvisações rítmicas e
constantes ornamentações.
Certamente, a improvisação musical está presente em expressões
musicais de diferentes comunidades em todo o Brasil, seja em gêneros musicais
consagrados seja nas práticas tradicionais de grupos étnicos, comunidades
locais e tradições regionais. Nessas diferentes possibilidades, podemos
encontrar a improvisação musical nas práticas rítmicas, nas linhas melódicas e
nas harmonias resultantes das sobreposições de diferentes vozes e
instrumentos tocando simultaneamente. De modo a discutir especificamente a
música instrumental improvisada, Piedade (2005) propõe a utilização do termo
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música popular brasileira instrumental (MPBI). Trata-se de uma classificação que
abarca um amplo espectro de músicas e artistas que se utilizam de elementos e
gêneros da música brasileira (como o samba, o maracatu, a bossa nova, o baião
etc.) juntamente com uma fricção de musicalidades com o jazz norte-americano
e outras possíveis vertentes. Essa fricção de musicalidades se dá principalmente
com base na improvisação musical instrumental. Portanto, há músicos e
pesquisadores que buscam investigar a improvisação musical do ponto de vista
da música popular brasileira e seus possíveis desdobramentos.

Saiba mais

A seguir, propomos alguns caminhos para a ampliação de possibilidades


de escuta musical na música popular brasileira com base nos aspectos
improvisativos das performances indicadas, que podem ser comparadas em
diferentes versões (gravações de estúdio e ao vivo) e com diferentes
músicos/grupos:
a. Urubu – Pixinguinha (1976);
b. Música das nuvens e do chão – Hermeto Pascoal (1980);
c. Dança das cabeças – Egberto Gismonti (1977);
d. Africadeus – Naná Vasconcelos (1973).

Recomendamos que o professor de música busque conhecer seu


contexto musical. Conhecer a música brasileira é entender um pouco mais da
identidade e da musicalidade de nosso país. Dessa forma, podemos nos deparar
com diferentes gêneros musicais e práticas artísticas e analisar aspectos
relacionados à improvisação musical para fundamentar o desenvolvimento
dessa habilidade também na música popular brasileira.

TEMA 3 – IMPROVISAÇÃO MUSICAL E OS USOS E FUNÇÕES DA MÚSICA

Com base nas ampliações de repertório realizadas nas seções anteriores,


podemos pensar que a música é utilizada em diferentes lugares e contextos,
muitas vezes com usos e funções específicos que também são marcados pela
improvisação musical. Nesse sentido, Allan Merriam (1964) buscou propor um
conceito desses usos e funções da música. O termo usos faz referência às
formas em que a música é aplicada em realizações humanas, enquanto que
funções faz referência às razões que levam ao uso, ou seja, às finalidades de
sua utilização. De antemão, percebemos que, dependendo da função para a qual
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a música é utilizada, há diferentes usos dessa prática humana. A improvisação
musical poderá estar mais ou menos presente musicalmente conforme as
questões contextuais que reafirmam os usos e funções da música em cada
sociedade.
Ao discutir sobre as funções da música na escola e na sociedade, Júlia
Hummes (2004) propõe uma leitura crítica acerca das categorias das funções da
música propostas por Merriam (1964). A autora analisa as seguintes categorias
propostas para as funções da música descritas por Merriam (1964): expressão
emocional, prazer estético, divertimento e entretenimento, comunicação,
representação simbólica, reação física, imposição de conformidade às normas
sociais, validação das instituições e religiões, continuidade e estabilidade das
culturas e contribuição para a integração da sociedade. Hummes (2004) afirma
que Merriam (1964) constrói sua narrativa com uma ideia de universalidade do
comportamento musical humano e destaca que as categorias propostas
alcançam uma síntese dos usos e funções da música nas culturas ocidentais,
mas que poderiam ser ampliadas ou condensadas de acordo com determinada
cultura outra a ser observada.
Nesse sentido, selecionamos algumas das categorias elencadas por
Merriam (1964) e discutidas por Hummes (2004) para uma aproximação com a
improvisação musical. A função de divertimento/entretenimento pode estar
relacionada exclusivamente com a satisfação de praticar música, apesar de
também poder relacionar-se com outras funções, como a função de reação
física, a qual destaca o potencial da música para promover respostas motoras
(desde a marcação da pulsação de uma música com os pés até a prática de
movimentos corporais mais complexos como a dança). Quando pensamos na
improvisação musical, podemos relacionar o divertimento com o que já
estudamos em nossas aulas sobre o jogo, a brincadeira, a exploração sonoro-
musical, o fazer musical ativo e demais assuntos. A improvisação pode ser uma
atividade que proporciona grande satisfação às pessoas, como quando
observamos crianças improvisarem e até mesmo músicos, em um palco, tocando
e improvisando juntos. Sem dúvidas, o corpo também está presente nas ações
humanas empreendidas na atividade musical.
Também há a função de validação das instituições sociais, que, muitas
vezes, pode estar relacionada com a função de validação de rituais religiosos.
Nas mais diversas religiões e movimentos espiritualistas, as práticas musicais

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integram tanto momentos do culto religioso (sendo estruturantes para a
condução dos rituais, como no caso das religiões afro-brasileiras como a
umbanda e o candomblé) quanto das festividades. A improvisação também está
presente nesses espaços. Nas religiões afro-brasileiras, por exemplo, há uma
constante improvisação rítmica característica do ritual religioso realizado. Nas
festividades e procissões religiosas encontraremos, por exemplo, as festas de
rua como a Festa do Divino, no litoral brasileiro, que integram diferentes
instrumentos e vozes que executam linhas melódicas e rítmicas improvisadas e
apresentam estilísticas específicas de cada grupo ou músico. Aí também temos
a função de contribuição para a integração da sociedade, que “[...] fornece um
ponto de convergência no qual os membros da sociedade se reúnem para
participar de atividades que exigem cooperação e coordenação do grupo. [...] As
sociedades têm ocasiões marcadas por música que atrai seus membros e os
recorda de sua unidade” (Hummes, 2004, p. 19). Esse é caso, por exemplo, do
fandango, no litoral brasileiro, que é marcado pela integração em sociedade com
base na reunião da comunidade, no qual a presença da música e da dança são
fundamentais e a improvisação musical é comum nas práticas musicais (em
linhas melódicas, rítmicas e vocais) desenvolvidas pelos músicos (Fandango,
2012).

TEMA 4 – O ENGAJAMENTO NA ATIVIDADE MUSICAL E A EXPERIÊNCIA DE


FLUIR

O engajamento na atividade costuma ser definido como a participação


ativa em uma atividade que é caracterizada por uma qualidade em sua
realização (O’Neill, 2012; Toni, 2020). Essa qualidade pode ser entendida por
meio de elementos comportamentais como a concentração na atividade e de
elementos psicológicos e afetivos como o interesse, a criação de significado e o
bem-estar. O mesmo pode ocorrer em atividades como a improvisação musical,
que pode gerar um engajamento musical que é caracterizado pela qualidade das
iniciativas musicais da pessoa em seus aspectos comportamentais, psicológicos
e afetivos. A qualidade da realização de uma atividade musical também pode
nos indicar possibilidades de um engajamento musical ser transformativo para a
vida da pessoa. Nesse sentido, o engajamento musical transformativo permite a
promoção da resiliência, do empoderamento, do espaço de voz e autonomia do
estudante e da atenção às circunstâncias, relacionamentos e oportunidades que
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permitam a acessibilidade do estudante ao seu desenvolvimento musical
(O’Neill, 2012).
Engajar-se nas realizações musicais demanda a vivência de experiências
sociais e artísticas associadas a estados emocionais positivos, que ofereçam
percepções de prazer e autossatisfação. A motivação para praticar música liga-
se ao sentimento de felicidade que determinadas realizações podem oferecer. A
teoria do fluxo (flow theory) nos ajuda a compreender esse fenômeno ao
descrever o estado de fluxo ou estado do fluir, uma experiência de imersão
total durante a realização de uma prática que favorece a percepção de bem-
estar, desencadeia emoções positivas e está relacionada com fenômenos
perceptivos como a distorção temporal (perceber a duração das atividades
passando lenta ou rapidamente).
Rosane Cardoso de Araújo (2010, p. 117) afirma que “a experiência de
fluxo age como um ímã para o aprendizado – isto é, para o desenvolvimento de
novos desafios e habilidades”. Podemos notar alguns elementos da experiência
de fluir na Figura 1.

Figura 1 – Elementos que devem ser considerados na experiência de fluir

Motivação
intrínseca

Metas e
Desafios
objetivos

Experiência
de fluir

Habilidades Atenção e
necessárias concentração

Engajamento
emocional

Fonte: Elaborado com base em Araújo, 2010; Csikszentmihalyi, 1990.

Alguns elementos podem ser destacados para se pensar em experiências


que proporcionem o fluxo:

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a. o balanceamento entre os desafios;
b. as habilidades das pessoas;
c. uma atenção à motivação intrínseca, aquela que parte do interesse e da
individualidade da pessoa;
d. as metas e objetivos claros;
e. a atenção e a concentração na realização da tarefa, que permitem um
senso de controle sobre ela;
f. o engajamento emocional na atividade.

No ensino e aprendizagem da música, o entendimento acerca da


experiência do fluir auxilia na compreensão dos processos motivacionais que
colaboram com a aprendizagem (Araújo, 2015).
O engajamento na atividade musical que pode gerar experiências de fluir
é destacado também na prática da improvisação musical. Nesse sentido, essa
prática pode fornecer um constante balanceamento entre desafios e habilidades
de cada pessoa em suas práticas ou o professor poderá auxiliar nesse
balanceamento. Na atividade pedagógico-musical em questão, o aluno poderá
movimentar metas a serem desenvolvidas, na improvisação musical, que são
pareadas com feedbacks sobre suas iniciativas musicais, feitos por meio de
avaliações próprias sobre a sua prática e de comentários do professor e do
grupo.

TEMA 5 – O PLANEJAMENTO E A IMPROVISAÇÃO PEDAGÓGICO-MUSICAL

Vamos finalizar nossos estudos com um tema que permeou muito de


nossas discussões sobre a improvisação na educação musical (Veloso, 2020).
Trata-se das questões e iniciativas pedagógico-musicais realizadas pelo
professor de música. Em nossa prática docente, procuramos fazer um
planejamento que apresente uma introdução, um desenvolvimento e uma
conclusão em uma série ordenada de atividades conduzidas de acordo com um
objetivo central (Romanelli, 2008). No entanto, a prática docente é flexível e a
segurança no planejamento nos ajuda a também improvisar ou dar espaço para
novas situações, nas interações didático-musicais.
O professor e pesquisador Guilherme Romanelli (2008) destaca a
importância do planejamento para orientar a visão do professor de música em
sua prática docente, o que demanda pesquisa e fundamentação para cada

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prática e assunto a ser desenvolvido. Tal fundamentação pode possibilitar ao
professor de música um domínio sobre o assunto a ser desenvolvido em sala de
aula. Nesse sentido, ele destaca que o professor precisa planejar muito para
chegar a uma aula e improvisar. Não se trata aqui de uma licenciosidade do
professor, mas de um grande domínio do assunto que permite que o professor
possa rever durante a aula novas organizações e possibilidades pedagógico-
musicais que são então improvisadas. No início de nossos estudos sobre a
improvisação musical, vimos que essa prática ocorre em contextos musicais
específicos e por meio de referenciais musicais construídos pelas pessoas em
determinada prática musical. A prática educativo-musical apresenta suas
similaridades quando pensamos na integração de nossas ações de fazer e criar
(propor) junto aos alunos e de escutar suas vozes, necessidades e interesses.
Portanto, assim como no estudo da prática musical para a improvisação, o
planejamento constitui o estudo pedagógico-musical que permite a
adaptação/improvisação em meio às situações e contingências apresentadas
por cada turma de alunos, em cada dia de aula e em cada desenvolvimento
pedagógico-musical.

Saiba mais

David Elliott e Marissa Silverman (2015) reforçam a necessidade de se


pensar na autonomia do estudante e em seu espaço de atuação ativa. Nesse
sentido, ao se pensar nas possibilidades de improvisação pedagógico-musical,
podemos nos perguntar: quais são os espaços, em nossas aulas, nos quais os
alunos possuem liberdade para se expressar? Quais são os espaços de
adaptação dos conteúdos? Quando podemos dar um passo atrás ou readaptar
nosso planejamento por causa de um tema que emergiu em sala de aula e que
é de interesse de todos?
Seguindo essas reflexões, Elliott e Silverman (2015) afirmam a
importância de espaços em que o professor permita ao aluno “assumir” o posto
de controle de professor, seja em uma atividade de regência, seja em uma
atividade de criação musical ou mesmo em outras atividades musicais. Dessa
forma, o professor pode fornecer um senso de realização e de criação de
significado aos alunos, para que eles exponham a sua voz e possam criar
identificação com os seus pares, ao longo das aulas. Esses movimentos
demandam que o professor dê essa possibilidade de expressão aos alunos e
gere situações pedagógico-musicais que nem sempre se sabe até que ponto se
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desenvolverão, mas que podem permitir que novas ideias sejam movimentadas
e que o ensino e a aprendizagem musical sejam compartilhados coletivamente
de maneira rica e significativa.

José Carlos Libâneo (2010) afirma a necessidade de se preparar e


planejar bem uma aula para o bom desenvolvimento didático. No entanto, a
estruturação didática da aula não precisa ser considerada como um esquema
rígido, uma vez que alguma flexibilidade é desejada para se pensar em cada
contexto no qual uma aula é desenvolvida e nas pessoas envolvidas nos
processos didáticos. Por fim, destaca-se a improvisação musical como conteúdo
a ser desenvolvido nas aulas de música, tema já discutido em nossas aulas. A
improvisação em música é, portanto, um espaço de abertura para as
possibilidades do outro, uma abertura ao imprevisível musical que é negociado
nas expectativas do outro e que possibilita um amplo desenvolvimento musical
e humano a cada pessoa envolvida.

NA PRÁTICA

Nesta aula, nossa atividade prática desenvolve a possibilidade de se


aplicar a improvisação musical em sala de aula por meio da construção coletiva
de um instrumento e da integração entre criação, feitura e escuta musical. Essa
atividade está relacionada a um repertório musical específico, mas o professor
de música possui liberdade para adaptar e pesquisar repertórios musicais que
mais domine ou que se aproximem de suas práticas. Nesse sentido, é importante
que o professor considere em seus planejamentos a necessidade de estudar e
buscar dominar os conteúdos pedagógico-musicais que pretende desenvolver
junto dos alunos.
Para essa atividade, vamos considerar o gênero musical blues. Como
dissemos anteriormente, esse gênero musical apresenta uma grande prática
improvisativa. Além disso, é muito comum que a forma de se executá-lo esteja
presente em outras práticas musicais que também utilizem improvisação musical
com frequência, como no rock, no jazz e até mesmo em músicas pop. Para a
nossa prática, vamos considerar que o professor de música possua acesso a
instrumentos harmônicos (por exemplo, violão, guitarra, piano/teclado) que lhe
possibilite executar a base/progressão harmônica do blues. Essa
base/progressão harmônica pode apresentar algumas variações; uma das mais

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comuns pode ser dividida em 12 compassos, em uma execução no modo maior
(quando pensamos nos estudos sobre formação das escalas e campo
harmônico). Vejamos como pode ser executada essa base/progressão
harmônica de blues de 12 compassos em modo maior:

• Graus: I-I-I-I-IV-IV-I-I-V-IV-I-I.
• Acordes em Lá Maior: A-A-A-A-D-D-A-A-E-D-A-A (pode ser adicionada a
sétima menor, nas tríades).

Relembrando, é interessante que o professor de música estude


anteriormente o gênero musical, sua execução e pense no desenvolvimento
pedagógico-musical que pretende em sua aula. Para os professores de música
que não tocam instrumentos harmônicos, é possível encontrar boas gravações
na internet para utilizar em sala de aula. Essas gravações podem ser playbacks
instrumentais que executam a base/progressão harmônica mencionada.

Saiba mais

É importante que o professor de música busque escutar bastante música


e relacionar sua escuta com sua prática musical e pedagógica. Nesse sentido,
algumas indicações podem ser pertinentes para se iniciar uma exploração das
possibilidades musicais no mundo do blues:
a. Lucille – B.B. King (1968);
b. Mary Had a Little Lamb – Stevie Ray Vaughan (1983);
c. Blues in “A” – Eric Clapton (1970).

Tendo em mãos a base harmônica, seguimos para o instrumento que


realizará a improvisação. Trata-se do kazoo (Figura 2), um instrumento que pode
ser construído junto com os alunos com emprego de alguns materiais. Para isso,
são necessários os seguintes itens:

• um pedaço de cano conduíte, facilmente encontrado em lojas de materiais


de construção (pode ser adaptado para garrafas à base de polietileno
tereftalato – PET – ou outros canos);
• um elástico de papel;
• um pedaço pequeno de sacola plástica cortada em formato quadrado.

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Figura 2 – O kazoo: materiais e construção

Fonte: Toni, [S.d.].

Tendo em mãos os materiais, o professor poderá fazer um pequeno furo


em uma das extremidades do conduíte antes da aula (como indicado na Figura
2). Em sala de aula, o professor orienta os alunos a prenderem o pedaço de
sacolinha plástica com o elástico na mesma extremidade em que foi feito o furo.
Pronto, o instrumento já está construído. Para a emissão do som, é necessário
que a pessoa fale/emita som pelo furo (por exemplo, falar aaaaaa), pois apenas
com ela o soprando não sairá som. Lembre-se sempre de que a construção do
instrumento dependerá de cada turma, dos alunos e do tempo disponível. Ao
realizar essa atividade com crianças em uma turma de musicalização infantil,
mais tempo será necessário. Por outro lado, com alunos que já se encontram no
ensino médio, poderão ser exploradas dificuldades adicionais.
A improvisação com o kazoo é feita junto com a base harmônica que o
próprio professor executará ou que ocorrerá por meio de um áudio já gravado.
Alunos que toquem instrumentos harmônicos também podem auxiliar na tarefa.
O professor então orienta os alunos a improvisarem junto com a base harmônica,
podendo ser um de cada vez, em duplas ou por meio da sobreposição de
diferentes pessoas tocando juntas. Nesse caso, o modelo do professor
mostrando como a improvisação pode ser realizada faz muita diferença para que
os alunos possam ver na figura do professor a realização musical. De início, essa
improvisação poderá ser mais livre, mas recomenda-se que o professor incentive
pesquisas sobre o gênero musical, comece a explorar possibilidades de escalas,
estilísticas, aproximações timbrísticas, entre outras que movimentem os alunos
para desafios constantes e que estejam balanceadas com suas habilidades e
interesses. Também é interessante mostrar gravações que apresentem

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improvisações com diferentes instrumentos, para auxiliar os alunos a
construírem suas práticas.
Essa atividade pode ser ampliada para outros gêneros musicais e gerar
outras que o professor poderá estruturar em seu planejamento. Relembrando o
que vimos nesta aula, ao dominar um assunto, o professor poderá improvisar
pedagogicamente com base nas respostas musicais dos alunos e nos seus
interesses.

FINALIZANDO

Recapitulando, nesta aula revisamos brevemente as possibilidades de


ampliação de repertórios musicais que tenham a improvisação como elemento
de importância em sua prática. Portanto, abordamos práticas de diferentes
povos, a música popular brasileira e gêneros musicais como o jazz, o blues e o
rock. Na sequência, a improvisação musical foi articulada com as possibilidades
de se pensar os usos e funções da música nas sociedades. Os temas finais
estiveram relacionados ao engajamento e à experiência de fluir que a
improvisação musical pode despertar nas pessoas e com a improvisação
pedagógico-musical amparada pela necessidade de se considerar a preparação
e o planejamento do professor de música. Por fim, a proposição prática ao final
de nossa aula permitiu estabelecer paralelos com os assuntos ora estudados.

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REFERÊNCIAS

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