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Introdução
Esta investigação científica tem como proposta identificar, analisar os conceitos musicais
presentes na teoria do Círculo de Bakhtin, compreender a noção de linguagem para a formulação
filosófico do grupo de intelectuais russos e refletir se tais concepções podem ser consideradas como
indícios para análises de enunciados vocais, visuais ou sincréticos, além dos verbais os quais Bakhtin
se debruçou.
Para isso, é tomada como fundamentação teórica o pensamento bakhtiniano, o qual tem as
obras traduzidas para a Língua Portuguesa direto russo formando simultaneamente o próprio corpus
desta pesquisa, que apresenta o método dialético-dialógico (PAULA, 2011), pois os conceitos são
entendidos na relação com outras concepções-chaves bem como nas relações entre as obras e entre os
campos que circulam, especificamente, os campos linguístico e musical.
1 Graduando em Letras – Português/Francês e suas respectivas literaturas, UNESP. Integrante do Grupo de Estudos Discursivos
(GED), no qual desenvolve IC com bolsa CNPq sob orientação da Profª Dra. Luciane de Paula. Email: trodrigues01.tr@gmail.com
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de outras com produções típicas dos (pós)modernidade, por exemplo, enunciados decorrentes dos
fenômenos da internet.
A tridimensionalidade verbivocovisual
Ao pensar a linguagem em sua condição concreta, pode-se identificar, nos escritos do Círculo,
uma compreensão dela em três dimensões, que contribuem para a construção de sentido no ato
enunciativo, a saber, são elas: verbal, isto é, conteúdo semântico, o linguístico; vocal, o aspecto
sonoro, por exemplo, entoação, ritmo, voz (esta não apenas na emissão de onda sonora como veremos
adiante); e visual, a construção ou a remissão à determinada imagem psíquica.
Tal como é possível notar nesse excerto acima do Curso de Linguística Geral, na constituição
do signo, tem-se tanto o elemento verbal quanto os sonoro e imagético para a representação, ou
criação do mundo ao pensar bakhtinianamente.
Por isso, aqui, utilizou-se primeiramente o termo “dimensão” fazendo distinção ao “material”
para referir-se à verbivocovisualidade. Pois, parte-se da hipótese teórica de que independente da
materialidade do enunciado, este traz, em seu interior, elementos – dimensões - verbivocovisuais,
porque todo enunciado é constituido de linguagem, e, segundo a filosofia da linguagem formulada
pelo Círculo de Bakhtin, é “unidade real de comunicação discursiva” (2011, p. 269, grifos do autor),
isto é, linguagem.
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Esta dimensão que, aqui, denomina-se seria, em certa medida, ao que Saussere chamou
de “impressão psíquica”, porém, diferentemente do linguista franco-suíço, o qual a situa ao nível
da unidade da língua, situamo-na ao nível do enunciado. Pois, esta impressão tida pelo falante2
sausseriano não é própria da estrutura linguística (embora esta apresente um conteúdo sonoro), mas
provém do enunciado, concreto, marcado ideologicamente, como será possível observar mais adiante
ao refletir sobre a entonação.
Pode-se encontrar um enunciado que seja, do ponto de vista material, apenas verbal, na
modalidade escrita, como é, por exemplo, o caso do poema. E mesmo nele é possível identificar as
dimensões vocal e visual. Tal qual observa-se na literatura, com poemas de Oswald de Andrade, no
qual retrata a cidade com um olhar fotográfico ou o célebre princípio horaciano para a construção de
um poema “Ut pictura poesis”3 e, no caso do vocal, o uso de aliterações e assonâncias – repetição
de consoantes e vogais respectivamente – usado ao longo da tradição literária, sobretudo por poetas
simbolistas, para exprimir e reforçar o sentido do poema, para ilustrar lê-se nos versos de “Viola
chinesa”, de Camilo Pessanha, a simulação do som do instrumento chinês por meio das repetições
das vogais “a”, “e”, “o” e das consoantes sibilantes “c” e “s” “Vai adormecendo a parlenda / sem que
amadornando eu atenda / A lengalenga fastidiosa”4.
E esse fenômeno ocorre também nas artes plásticas bem como na música conforme mencionado
anteriormente, por exemplo, na estética impressionista, a qual, grosso modo, por retratar a realidade
de acordo com a experiência subjetiva do ser humano, coloca, muitas vezes, no quadro, o ritmo do
momento captado como na obra A Noite Estrelada (1889), de Van Gogh, artista pós-impressionismo ou
no caso da música, a imagem, como no terceiro movimento da Suíte Bergamasca (1903), denominada
“Clair de Lune”, de Claude Debussy, que pela composição musical constrói a ideia do claro do luar e
todo o sentido que o circunda.
Todavia, para Bakhtin, é na palavra que melhor encontrou para pensar a linguagem, por isso
alarga seu sentido para além do atribuído quotidianamente. Equipara-a à noção de linguagem. Em
outras palavras, como instrumento de (re)criação da realidade do mundo natural apresentado em fragmento
e em suas dimensões visual, sonora e verbal e que ao retirar essas expressões nada resta tal qual uma cebola,
conforme Volóchinov afirma
Para começar, esqueçamos da língua usada, depois da entonação, da voz, do gesto, etc,
e finalmente... nos encontraremos na situação ridícula da criança que queria encontrar
o núcleo da cebola tirando, uma depois da outra, as camadas que a compõem. Da
expressão, assim como da cebola, não resta nada (2013, p. 148)
2 Por falante entende-se como “sujeito que se expressa” seja oral, escrita e/ou gestualmente.
3 Como pintura, é a poesia.
4 Disponível em http://culturafm.cmais.com.br/radiometropolis/lavra/camilo-pessanha-viola-chinesa Acessado em 23 de junho 2012,
às 01h16.
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A partir dessa concepção de linguagem (ou palavra), Bakhtin e seu Círculo, buscando formular
uma filosofia da linguagem capaz de compreender o fenômeno verbivocovisual da língua, recorre às
demais esferas de atividade humana para poder delimitar seu pensamento filosófico, tal qual o faz ao
trazer concepções do campo da física, das artes plásticas, da biologia e da música, dentre outras.
Neste trabalho, pautar-se-á no campo de produção musical para pensar a relação estabelecida
entre palavra e música.
Tais influências podem ser encontradas ao longo da teoria do Círculo de Bakhtin, por
exemplo, organismo vivo, forças centrífugas e centrípetas e, da música, campo no qual se trata mais
especificamente neste texto, concepções de tom, tonalidade, voz, polifonia e entonação, esta última
será tomada para uma reflexão mais aprofundada. E Bakhtin reflete sobre essas noções pela e na
escrita, para pensar a enunciação, isto é, a linguagem.
Essa expressão do sujeito é feita a partir das unidades de composição dos enunciados em suas
mais diversas esferas de atuação: a seleção e disposição de lexemas em uma conversa de corredor ou
no romance, a escolha de um ângulo para uma produção cinematográfica ou uma foto cotidiana ou
mesmo o jeito de utilizar de determinado tom5 para falar com o outro ou para compor uma música.
5 Tom é outro conceito que Bakhtin e seu Círculo utilizam para compor a noção de linguagem. (ver mais adiante neste texto).
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própria língua e as suas unidades significativas – as palavras e orações – carecem de expressão pela
própria natureza, são neutras. Por isso, servem igualmente bem a quaisquer juízos de valor, os mais
diversos e contraditórios, a quaisquer posições valorativas” (BAKHTIN, 2011, p. 296).
Assim, para definir a concepção de entonação, o filósofo recorre ao campo musical e caracteriza
esse jeito de organizar as unidades constitutivas da linguagem como acento6, que segundo a teoria
musical é modulação7 que expressa sentido de um discurso musical (MED, 1996). Ou seja, é como se
constrói a enunciação: dar ênfase em determinado lexema, alongar outro, deslocar a tônica, usar uma
cor de modo mais predominante em um quadro, utilizar uma forma geométrica, pincelar com uma
certa curva, mover a câmera de cima para baixo, da esquerda para a direita em espiral ou reto, focar
um objeto específico, no caso de produções cinematográficas ou, na música, usar um acorde no lugar
de outro etc.
Tal noção está relacionada com o ritmo, conceito musical que o Círculo também traz para
sua filosofia, isto é, em como se distribui os valores. Cada uma dessas escolhas – e outras inúmeras
possibilidades não citadas aqui – dão um sentido diferente para o enunciado.
Desse modo, para uma possível delimitação conceitual, entonação seria unidade de composição
da linguagem estilizada por um falante, isto é, a organização valorativa a partir das características
próprias das unidades, considerando sua memória semântico-social. Porque estas apresentam já
certas características, por exemplo, as unidades linguísticas apresentam uma musicalidade própria –
fonética e fonológica – oclusiva, aberta, fechada, bilabial, entre outras e é partir delas que o sujeito
se expressa, seja na fala, na escrita ou na canção, pois elas si próprias não cabem expressividade,
é preciso do homem. É o que Bakhtin afirma “a oração enquanto unidade da língua possui uma
entonação gramatical específica e não uma entonação expressiva. Situam-se entre as entonações
gramaticais específicas: a entonação de acabamento, a explicatica, a disjuntiva, a enumerativa, etc.”
(2011, p. 296), referida entonação gramatical ao nível da oração é o que se denomina frequentemente
prosódia nos estudos linguísticos.
Faz-se necessário salientar que a entonação, então, não se dá apenas por uma força vocal, mas
também pela memória semântico-social, mencionada no parágrafo anterior, depositada nas unidades
constitutivas da linguagem. Essa memória materializa-se na entonação e pode ser o meio onde se (des)
encontram locutor e interlocutor, pois é possível que coincidam ou não sentidos, estes que chegam,
habitam o pensamento do falante e se moldam em sua entonação, base das interações. Referido
fenômeno retoma a ideia do significante, discutido na seção anterior, a qual remete os sujeitos da
interação às memórias semântico-sociais ou, em termos saussurianos, às imagens acústicas diferentes
ou não, evocando a verbivocovisualidade do enunciado.
6 Ou acentuação.
7 Por modulação pode-se entender “a passagem de um para outro tom” (MED, 1996, p. 162) ou para nós, passagem de palavra para
outro para palavra, de cor para outra cor, etc.
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Isso ocorre, afinal, essa experiência é discursiva impregna mais ou menos intensamente as
unidades constitutivas, e, por isso, de certo modo
pode ser caracterizada como processo de assimilação - mais ou menos criador - das
palavras do outro (e não das palavras da língua). Nosso discurso, isto é, todos os
nossos enunciados (inclusive as obras criadas) é pleno de palavras dos outros, de um
grau vário de alteridade ou assimibilidade, de um grau vário de aperceptibilidade e
de relevância. Essas palavras dos outros trazem consigo a sua expressão, o seu tom
valorativo que assimilamos, reelaboramos, e reacentuamos (BAKHTIN, 2011, p. 294
e 295, grifo do autor)
por conseguinte, o valor do signo desloca-se para social, pois coincide com o domínio
ideológico (BAKHTIN / VOLOCHINOV, 2006).
Isto posto, há a possibilidade de deslocar, por meio da forma do gênero, exemplo, uma saudação
que está no campo oficial para o campo da comunicação familiar ao utilizar uma reacentuação irônico-
paródica (ibidem, 2011).
Relações estas que configuram parte da relativa estabilidade dos gêneros discursivos (ou
enunciados).
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Considerações finais
Ao refletir e expor sobre algumas das relações entre música e língua(gem), procurou-se aqui
pensar a respeito da filosofia bakhtiniana como uma ampla possibilidade de estudos que vão para
além da linguística, mas sem deixar contribuir para a área, na qual este trabalho se insere.
Mais que uma espécie de memória semântico-social, é na palavra que Bakhtin exprime e
evidencia o fenômeno das três dimensões da linguagem.
Assim dito, o intuito foi refletir a propósito da natureza do enunciado e como este se
relacionamento com o que Paula (2014) denominou de verbivocovisualidade. Tal qual buscou-se
demonstrar brevemente por meio da concepção de entonação proposta pelo Círculo, que incide
ideologicamente na forma, como “traço constitutivo do enunciado” (BAKHTIN, 2011, p. 290).
Por fim, a investigação de caráter teórico tem por escopo pensar a teoria bakhtiniana como
fundamentação teórica para análises de enunciados verbivocovisuais – tais canções, videoclipes,
seriado, filmes, pintura, fotografia -, pois conforme dito ao decorrer deste trabalho, ao pensar na
concepção de linguagem e o enunciado como lugar de concretização, compreende-o, assim, instância
na qual centra, ainda que por uma única materialidade, categoricamente as três dimensões chamada
verbivocovisualidade.
Referências bibliográficas
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_________. Questões de literatura e Estética – A teoria do romance. Trad. de Aurora Fornoni
Bernardini et al. São Paulo: Editora Unesp / HUCITEC, 1988.
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CLARK, K; HOLQUIST, M. Mikhail Bakhtin. Trad. J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2008.
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PAULA, L et al. “O Marxismo do/no Círculo”. Slovo – o Círculo de Bakhtin no contexto dos estudos
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PAULA, L. de. Análise Dialógica de Discursos verbo-voco-visuais. Projeto de Pesquisa trienal da
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VOLOCHINOV, V. “O que linguagem?”. In A construção da Enunciação e outros ensaios. Trad.
João Wanderlei Geraldi. São Carlos: Pedro & João Editores, 2013, p. 131-156.
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