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A relação entre música e língua(gem)

na teoria do círculo de Bakhtin


José Antonio Rodrigues Luciano1

Introdução
Esta investigação científica tem como proposta identificar, analisar os conceitos musicais
presentes na teoria do Círculo de Bakhtin, compreender a noção de linguagem para a formulação
filosófico do grupo de intelectuais russos e refletir se tais concepções podem ser consideradas como
indícios para análises de enunciados vocais, visuais ou sincréticos, além dos verbais os quais Bakhtin
se debruçou.

Para isso, é tomada como fundamentação teórica o pensamento bakhtiniano, o qual tem as
obras traduzidas para a Língua Portuguesa direto russo formando simultaneamente o próprio corpus
desta pesquisa, que apresenta o método dialético-dialógico (PAULA, 2011), pois os conceitos são
entendidos na relação com outras concepções-chaves bem como nas relações entre as obras e entre os
campos que circulam, especificamente, os campos linguístico e musical.

No desenvolvimento das reflexões, primeiramente, buscar-se-á pensar a natureza do


enunciado e a suas condições como gêneros discursivos. Em seguida, pretende-se explanar a respeito
da verbivocovisualidade e como essa tridimensionalidade se entrelaça com a noção de enunciado para
Bakhtin. Pretende-se mostrar também como essas dimensões estão engendradas já no pensamento
saussuriano quando o linguista formula sua teoria sobre o signo linguístico e como aparece.

Estabelecidas as primeiras reflexões, o enfoque do trabalho se voltará mais detidamente para


a dimensão vocal e verbal (verbivocalidade) para pensar em que medida elas se relacionam. E, então,
trazer a teoria musical para discussão a fim de contribuir no entendimento dos conceitos advindos da
esfera musical e que são utilizados pelo Círculo e, assim, depreender como eles fornecem respaldo
para a construção da concepção de linguagem na formulação filosófica bakhtiniana.

Por último, em breves considerações (in)finitas propõe-se pensar na pertinência da teoria


do Círculo de Bakhtin para análises de discursos contemporâneos tanto de esferas artísticas quanto

1 Graduando em Letras – Português/Francês e suas respectivas literaturas, UNESP. Integrante do Grupo de Estudos Discursivos
(GED), no qual desenvolve IC com bolsa CNPq sob orientação da Profª Dra. Luciane de Paula. Email: trodrigues01.tr@gmail.com

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de outras com produções típicas dos (pós)modernidade, por exemplo, enunciados decorrentes dos
fenômenos da internet.

A tridimensionalidade verbivocovisual
Ao pensar a linguagem em sua condição concreta, pode-se identificar, nos escritos do Círculo,
uma compreensão dela em três dimensões, que contribuem para a construção de sentido no ato
enunciativo, a saber, são elas: verbal, isto é, conteúdo semântico, o linguístico; vocal, o aspecto
sonoro, por exemplo, entoação, ritmo, voz (esta não apenas na emissão de onda sonora como veremos
adiante); e visual, a construção ou a remissão à determinada imagem psíquica.

Para os estudos linguísticos tradicionais, em especial, de linha sausseriana, os elementos


entoativos e imagético são comumente tratados como translinguísticos, mas ao conceber o
entendimento de língua(gem) para Bakhtin e seu Círculo, pode-se observar a indissociabilidade entre
essas três dimensões, pois é na relação entre elas que se dá a realização concreta da língua, é assim
que está se constitui, dialogicamente.

Aliás, essa tridimensionalidade da língua está já na própria concepção estrutural de


signo linguístico postulado por Ferdinand Saussure. Pois, a divisão do signo em significado e
significante, onde
O signo linguístico une não uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma imagem
acústica. Esta não é o som material, coisa puramente física, mas a impressão psíquica
desse, a representação que dele nos dá o testemunho de nossos sentidos; tal imagem
é sensorial e, se chegamos a chamá-la de “material”, é somente neste sentido, e por
oposição ao outro termo da associção, o conceito, geralmente mais abstrato. (2006, p. 80)

Tal como é possível notar nesse excerto acima do Curso de Linguística Geral, na constituição
do signo, tem-se tanto o elemento verbal quanto os sonoro e imagético para a representação, ou
criação do mundo ao pensar bakhtinianamente.

Porém, essa manifestação tridimensional não é, necessariamente, material, como afirma o


próprio teórico franco-suíço, mas uma impressão, um remissão que está internamente no signo.
Porquanto a concretização pode acontecer por uma única materialidade – verbal (romance), imagética
(fotografia) ou sonora (sonata) – do mesmo modo que pode ser sincrética, enunciação na qual tem-se
as três materialidades em um único enunciado (filme).

Por isso, aqui, utilizou-se primeiramente o termo “dimensão” fazendo distinção ao “material”
para referir-se à verbivocovisualidade. Pois, parte-se da hipótese teórica de que independente da
materialidade do enunciado, este traz, em seu interior, elementos – dimensões - verbivocovisuais,
porque todo enunciado é constituido de linguagem, e, segundo a filosofia da linguagem formulada
pelo Círculo de Bakhtin, é “unidade real de comunicação discursiva” (2011, p. 269, grifos do autor),
isto é, linguagem.

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Esta dimensão que, aqui, denomina-se seria, em certa medida, ao que Saussere chamou
de “impressão psíquica”, porém, diferentemente do linguista franco-suíço, o qual a situa ao nível
da unidade da língua, situamo-na ao nível do enunciado. Pois, esta impressão tida pelo falante2
sausseriano não é própria da estrutura linguística (embora esta apresente um conteúdo sonoro), mas
provém do enunciado, concreto, marcado ideologicamente, como será possível observar mais adiante
ao refletir sobre a entonação.

Pode-se encontrar um enunciado que seja, do ponto de vista material, apenas verbal, na
modalidade escrita, como é, por exemplo, o caso do poema. E mesmo nele é possível identificar as
dimensões vocal e visual. Tal qual observa-se na literatura, com poemas de Oswald de Andrade, no
qual retrata a cidade com um olhar fotográfico ou o célebre princípio horaciano para a construção de
um poema “Ut pictura poesis”3 e, no caso do vocal, o uso de aliterações e assonâncias – repetição
de consoantes e vogais respectivamente – usado ao longo da tradição literária, sobretudo por poetas
simbolistas, para exprimir e reforçar o sentido do poema, para ilustrar lê-se nos versos de “Viola
chinesa”, de Camilo Pessanha, a simulação do som do instrumento chinês por meio das repetições
das vogais “a”, “e”, “o” e das consoantes sibilantes “c” e “s” “Vai adormecendo a parlenda / sem que
amadornando eu atenda / A lengalenga fastidiosa”4.

E esse fenômeno ocorre também nas artes plásticas bem como na música conforme mencionado
anteriormente, por exemplo, na estética impressionista, a qual, grosso modo, por retratar a realidade
de acordo com a experiência subjetiva do ser humano, coloca, muitas vezes, no quadro, o ritmo do
momento captado como na obra A Noite Estrelada (1889), de Van Gogh, artista pós-impressionismo ou
no caso da música, a imagem, como no terceiro movimento da Suíte Bergamasca (1903), denominada
“Clair de Lune”, de Claude Debussy, que pela composição musical constrói a ideia do claro do luar e
todo o sentido que o circunda.

Todavia, para Bakhtin, é na palavra que melhor encontrou para pensar a linguagem, por isso
alarga seu sentido para além do atribuído quotidianamente. Equipara-a à noção de linguagem. Em
outras palavras, como instrumento de (re)criação da realidade do mundo natural apresentado em fragmento
e em suas dimensões visual, sonora e verbal e que ao retirar essas expressões nada resta tal qual uma cebola,
conforme Volóchinov afirma
Para começar, esqueçamos da língua usada, depois da entonação, da voz, do gesto, etc,
e finalmente... nos encontraremos na situação ridícula da criança que queria encontrar
o núcleo da cebola tirando, uma depois da outra, as camadas que a compõem. Da
expressão, assim como da cebola, não resta nada (2013, p. 148)

2 Por falante entende-se como “sujeito que se expressa” seja oral, escrita e/ou gestualmente.
3 Como pintura, é a poesia.
4 Disponível em http://culturafm.cmais.com.br/radiometropolis/lavra/camilo-pessanha-viola-chinesa Acessado em 23 de junho 2012,
às 01h16.

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A partir dessa concepção de linguagem (ou palavra), Bakhtin e seu Círculo, buscando formular
uma filosofia da linguagem capaz de compreender o fenômeno verbivocovisual da língua, recorre às
demais esferas de atividade humana para poder delimitar seu pensamento filosófico, tal qual o faz ao
trazer concepções do campo da física, das artes plásticas, da biologia e da música, dentre outras.

Neste trabalho, pautar-se-á no campo de produção musical para pensar a relação estabelecida
entre palavra e música.

A influência musical do/no Círculo


Em conformidade com os estudos de Clark & Holquist (2008), entre os anos de 1919 até meados
de 1970 – década que morre Mikhail Bakhtin – muitos foram os intelectuais os quais fizeram parte do
círculo de debates do filósofo russo, alguns mais frequentes do que outros, porém de forma sempre
ativa na participação dos embates teóricos, que contribui para a formulação da teoria bakhtiniana.

Além de pensadores da área da biologia (Kanaev), medicina (Ana Sergueiévna), ciências


naturais e matemática (Kagan), física, artes plásticas, havia também forte presença de estudiosos de
música, dentro os mais notáveis, estava, talvez, a mais conhecida, Maria Yudina, pianista e professora,
Sollertínski, musicista, crítico e professor de história do teatro, e o próprio Volóchinov.

Tais influências podem ser encontradas ao longo da teoria do Círculo de Bakhtin, por
exemplo, organismo vivo, forças centrífugas e centrípetas e, da música, campo no qual se trata mais
especificamente neste texto, concepções de tom, tonalidade, voz, polifonia e entonação, esta última
será tomada para uma reflexão mais aprofundada. E Bakhtin reflete sobre essas noções pela e na
escrita, para pensar a enunciação, isto é, a linguagem.

Por entonação (expressiva), segundo a filosofia bakhtiniana, pode-se entendê-la como a


“capacidade de exprimir toda a multiplicidade das relações axiológicas do indivíduo falante como
conteúdo do enunciado, no plano psicológico: a multiplicidade das ações emocionais e volitivas
do falante” (1993, p. 64), é por meio dela que os gêneros discursivos se ligam ao seus contextos
extratextuais, tornam-se ideologizados, vivos e são colocados no elo da cadeia comunicativa, em
outras palavras, são concretizados, capazes de serem interpretados e avaliados (BAKHTIN, 2011).

Essa expressão do sujeito é feita a partir das unidades de composição dos enunciados em suas
mais diversas esferas de atuação: a seleção e disposição de lexemas em uma conversa de corredor ou
no romance, a escolha de um ângulo para uma produção cinematográfica ou uma foto cotidiana ou
mesmo o jeito de utilizar de determinado tom5 para falar com o outro ou para compor uma música.

É preciso do homem que dá uma forma específica, em um tempo-espaço igualmente singular


às unidades de composição, pois conforme afirma o autor ao refletir a partir do texto verbal só “a

5 Tom é outro conceito que Bakhtin e seu Círculo utilizam para compor a noção de linguagem. (ver mais adiante neste texto).

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própria língua e as suas unidades significativas – as palavras e orações – carecem de expressão pela
própria natureza, são neutras. Por isso, servem igualmente bem a quaisquer juízos de valor, os mais
diversos e contraditórios, a quaisquer posições valorativas” (BAKHTIN, 2011, p. 296).

Assim, para definir a concepção de entonação, o filósofo recorre ao campo musical e caracteriza
esse jeito de organizar as unidades constitutivas da linguagem como acento6, que segundo a teoria
musical é modulação7 que expressa sentido de um discurso musical (MED, 1996). Ou seja, é como se
constrói a enunciação: dar ênfase em determinado lexema, alongar outro, deslocar a tônica, usar uma
cor de modo mais predominante em um quadro, utilizar uma forma geométrica, pincelar com uma
certa curva, mover a câmera de cima para baixo, da esquerda para a direita em espiral ou reto, focar
um objeto específico, no caso de produções cinematográficas ou, na música, usar um acorde no lugar
de outro etc.

Tal noção está relacionada com o ritmo, conceito musical que o Círculo também traz para
sua filosofia, isto é, em como se distribui os valores. Cada uma dessas escolhas – e outras inúmeras
possibilidades não citadas aqui – dão um sentido diferente para o enunciado.

Desse modo, para uma possível delimitação conceitual, entonação seria unidade de composição
da linguagem estilizada por um falante, isto é, a organização valorativa a partir das características
próprias das unidades, considerando sua memória semântico-social. Porque estas apresentam já
certas características, por exemplo, as unidades linguísticas apresentam uma musicalidade própria –
fonética e fonológica – oclusiva, aberta, fechada, bilabial, entre outras e é partir delas que o sujeito
se expressa, seja na fala, na escrita ou na canção, pois elas si próprias não cabem expressividade,
é preciso do homem. É o que Bakhtin afirma “a oração enquanto unidade da língua possui uma
entonação gramatical específica e não uma entonação expressiva. Situam-se entre as entonações
gramaticais específicas: a entonação de acabamento, a explicatica, a disjuntiva, a enumerativa, etc.”
(2011, p. 296), referida entonação gramatical ao nível da oração é o que se denomina frequentemente
prosódia nos estudos linguísticos.

Faz-se necessário salientar que a entonação, então, não se dá apenas por uma força vocal, mas
também pela memória semântico-social, mencionada no parágrafo anterior, depositada nas unidades
constitutivas da linguagem. Essa memória materializa-se na entonação e pode ser o meio onde se (des)
encontram locutor e interlocutor, pois é possível que coincidam ou não sentidos, estes que chegam,
habitam o pensamento do falante e se moldam em sua entonação, base das interações. Referido
fenômeno retoma a ideia do significante, discutido na seção anterior, a qual remete os sujeitos da
interação às memórias semântico-sociais ou, em termos saussurianos, às imagens acústicas diferentes
ou não, evocando a verbivocovisualidade do enunciado.

6 Ou acentuação.
7 Por modulação pode-se entender “a passagem de um para outro tom” (MED, 1996, p. 162) ou para nós, passagem de palavra para
outro para palavra, de cor para outra cor, etc.

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Isso ocorre, afinal, essa experiência é discursiva impregna mais ou menos intensamente as
unidades constitutivas, e, por isso, de certo modo
pode ser caracterizada como processo de assimilação - mais ou menos criador - das
palavras do outro (e não das palavras da língua). Nosso discurso, isto é, todos os
nossos enunciados (inclusive as obras criadas) é pleno de palavras dos outros, de um
grau vário de alteridade ou assimibilidade, de um grau vário de aperceptibilidade e
de relevância. Essas palavras dos outros trazem consigo a sua expressão, o seu tom
valorativo que assimilamos, reelaboramos, e reacentuamos (BAKHTIN, 2011, p. 294
e 295, grifo do autor)

por conseguinte, o valor do signo desloca-se para social, pois coincide com o domínio
ideológico (BAKHTIN / VOLOCHINOV, 2006).

Ademais, essa capacidade de (re)acentuação permite ao enunciado (gênero discursivo) duas


características típicas dele: de estilo e relativa estabilidade do gênero.

A primeira, encontra-se nos escritos de Bakhtin “o estilo individual do enunciado é determinado


principalmente pelo seu aspecto expressivo” (2011, p. 289) e continua “onde há estilo há gêneros
(idem, p. 468), por isso afirmou-se anteriormente que a entonação se torna a base das interações, pois
só há comunicação por meio de gêneros, ou seja, enunciados, que apresentam formas relativamente
estáveis (BAKHTIN, 2011).

É por meio do estilo, isto é, da entonação – na forma de se enunciar – que o enunciado


se materializa, onde o sujeito-criador marca seu posicionamento no mundo ético e estético e dá a
tonalidade, que na teoria musical, representa o conjunto de tons dependentes da nota principal, a
tônica (MED, 1996) e, para o Círculo de Bakhtin, é o projeto de dizer no qual fará girar entorno a
construção da arquitetônica do falante (seleção e disposição de unidades constitutivas da linguagem,
escolha do tipo de gênero, ritmo, conteúdo temático etc).

Já a segunda característica, a relativa estabilidade do gênero, está diretamente ligada à primeira,


porquanto, como vimos, “os gêneros do discurso, no geral, se prestam de modo bastante fácil a uma
reacentuação” (BAKHTIN, 2011, p. 293), em consequência, disso, o estilo, por estar associado à
forma, logo, ao estilo, tende a tornar-se a parte constituinte mais instável em um gênero, tal qual
pode-se notar nas palavras do filósofo russo: “a passagem de estilo de um gênero para o outro não só
modifica o som do estilo nas condições do gênero que não lhe é próprio como destrói ou renova tal
gênero” (Idem, p. 468) ao contrário do conteúdo temático, o qual tende a ser o mais estável.

Isto posto, há a possibilidade de deslocar, por meio da forma do gênero, exemplo, uma saudação
que está no campo oficial para o campo da comunicação familiar ao utilizar uma reacentuação irônico-
paródica (ibidem, 2011).

Relações estas que configuram parte da relativa estabilidade dos gêneros discursivos (ou
enunciados).

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Considerações finais
Ao refletir e expor sobre algumas das relações entre música e língua(gem), procurou-se aqui
pensar a respeito da filosofia bakhtiniana como uma ampla possibilidade de estudos que vão para
além da linguística, mas sem deixar contribuir para a área, na qual este trabalho se insere.

E a partir da discussão acerca da contribuição do campo musical para a construção da


concepção de linguagem principalmente pela noção de entonação, entendida dialogicamente entre
campos de esfera de atividade, linguístico e musical, e entre conceitos, por exemplo, enunciado,
ritmo, valoração, tonalidade, foi possível perceber como, utilizando-se da matéria verbal, Bakhtin
recorre às demais esferas de comunicação para poder conceber sua filosofia da linguagem. Pois,
segundo Bubnova
a escrita é privilegiada justamente como um percurso capaz de traduzir a voz humana
na medida em que é portadora dos sentidos da existência, preservando de modo
específico suas modalidades, que ele caracteriza mediante metáforas relacionadas à
voz e à música: polifonia, contraponto, orquestração, palavra a duas vozes, coro, tom,
tonalidade, entonação, acento, etc. Não são categorias estilísticas no sentido tradicional,
que se configuram como traços distintivos dos autores individuais, mas são concebidas
como uma espécie de memória semânticossocial (cf. DAHLET, 1992), cujo depositário
é a forma das palavras, e nesse aspecto são, antes de mais nada, portadoras de valoração
social. (BUBNOVA, 2011, p. 270)

Mais que uma espécie de memória semântico-social, é na palavra que Bakhtin exprime e
evidencia o fenômeno das três dimensões da linguagem.

Assim dito, o intuito foi refletir a propósito da natureza do enunciado e como este se
relacionamento com o que Paula (2014) denominou de verbivocovisualidade. Tal qual buscou-se
demonstrar brevemente por meio da concepção de entonação proposta pelo Círculo, que incide
ideologicamente na forma, como “traço constitutivo do enunciado” (BAKHTIN, 2011, p. 290).

Por fim, a investigação de caráter teórico tem por escopo pensar a teoria bakhtiniana como
fundamentação teórica para análises de enunciados verbivocovisuais – tais canções, videoclipes,
seriado, filmes, pintura, fotografia -, pois conforme dito ao decorrer deste trabalho, ao pensar na
concepção de linguagem e o enunciado como lugar de concretização, compreende-o, assim, instância
na qual centra, ainda que por uma única materialidade, categoricamente as três dimensões chamada
verbivocovisualidade.

Referências bibliográficas
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. de Paulo Bezerra direto do russo. 6ª ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2011.
_________. Questões de literatura e Estética – A teoria do romance. Trad. de Aurora Fornoni
Bernardini et al. São Paulo: Editora Unesp / HUCITEC, 1988.

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BAKHTIN (VOLOCHINOV). Marxismo e filosofia da linguagem. 12ª ed. São Paulo: HUCITEC, 2006.
BUBNOVA, T. Voz, sentido y diálogo en Bajtín. Trad. De Roberto Leiser Baronas e Fernanda Tonelli.
Bakhtinianas, São Paulo, ano 6, nº 1, p. 268-280, Ago/Dez 2011.
CLARK, K; HOLQUIST, M. Mikhail Bakhtin. Trad. J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2008.
MED, B. Teoria da música. 4ed. revisada e ampliada. Brasília: Musimed, 1996.
SAUSSURE, F. Curso de linguística geral. 27ed. São Paulo: Cultrix, 2006.
PAULA, L et al. “O Marxismo do/no Círculo”. Slovo – o Círculo de Bakhtin no contexto dos estudos
discursivos. Curitiba: Appris, 2011.
PAULA, L. de. Análise Dialógica de Discursos verbo-voco-visuais. Projeto de Pesquisa trienal da
orientadora na UNESP. Assis-SP: UNESP, 2014.
VOLOCHINOV, V. “O que linguagem?”. In A construção da Enunciação e outros ensaios. Trad.
João Wanderlei Geraldi. São Carlos: Pedro & João Editores, 2013, p. 131-156.

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