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Resumo
Neste artigo, abordam-se alguns aspectos da linguagem teatral e sua relação com a música. A complexidade do uso de
diversos tipos de linguagem no discurso cênico é discutida no contexto da unidade da mensagem a ser transmitida como
espetáculo de arte. O papel da tradição ocidental sobre a identidade cultural é evidenciada, em seu aspecto histórico-social,
na percepção e decodificação dos significantes do discurso teatral.
Greimas (Greimas, 1976) afirma que só é possível reconhecer como significante aquilo que se
lhe atribui algo, realmente. Assim, a existência do significante pressupõe a existência do significado.
Por outro lado ele lembra que o significado só é significado porque existe um significante. No caso do
significante não verbal, Greimas os classifica em três categorias:
1.Significantes de ordem visual (mímica, gesticulação, escrita, artes plásticas, sinais de trânsito
etc.);
2.Significantes de ordem auditiva (línguas naturais, música, sons etc.);
1
Professor do Departamento de Música e Artes Cênicas da Universidade Federal de Uberlândia.
2
Eficiente no sentido da correta interpretação do significado da mensagem, do emissor para o receptor.
3
Este é o caso do tema musical de um personagem (leitmotiv) frequentemente utilizado em espetáculos cênicos.
3.Significantes de ordem táctil (língua dos cegos, carícias etc.).
É importante ressaltar que os elementos de tais ordens sensoriais podem, por sua vez, ser
captados como significados ao formar um mundo sensível enquanto significação. Os significantes,
sejam de mesma ordem sensorial ou de ordens sensoriais diferentes, podem ser utilizados na construção
de conjuntos significantes auntônomos. A construção destes conjuntos é a base formal da linguagem
para a criação, transmissão, recepção, percepção e interpretação da mensagem. A linguagem é o
instrumento graças ao qual o homem modela seu pensamento, seus sentimentos, suas emoções, seus
esforços, sua vontade e seus atos; o instrumento graças ao qual ele influencia e é influenciado
(Hjelmslev, 1971).
Em seu conto ``A música dos Ainur'', Tolkien descreve a criação do mundo através da música
(Tolkien, 1990) e, diferentemente do que possa parecer, ao fazê-lo ele não está criando nenhuma
metáfora. A música modela a realidade. A música, como elemento de harmonização e integração da
forma e do conteúdo, encontra-se intimamente relacionada ao processo da criação. A música pode ser
considerada como o principal componente da nossa percepção do mundo -- a argamassa, o cimento, o
elemento que promove a adsorção entre o discurso e a interpretação da mensagem. O que seria do
mundo sem a música?
O homem, desde os primórdios da civilização, tem utilizado a música como elemento de ênfase
para rituais e representações do discurso. Entretanto, apesar de ser tida como uma linguagem universal,
encontra-se intimamente relacionada com o aspecto cultural e temporal de uma determinada sociedade.
De acordo com Abraham4 (Abraham, 1974)
``O ethos estético é o produto final de uma tradição em um dado tempo e, quanto mais
longa e complexa uma tradição, mais profundo e sutil é o ethos.''
A compreensão da música italiana, por exemplo, não apresenta nenhuma dificuldade para
qualquer indivíduo ocidental mas, certamente, não significará para ele o mesmo que significa para um
italiano. O mesmo pode ser dito em relação à percepção do músico e do não músico. O não músico
pode gostar, compreender e mesmo emocionar-se com uma música mas, também, não irá perceber
sutilezas que um músico percebe. Um acontecimento recente pode ajudar a compreender isto. Quando,
há poucos anos, uma emissora de televisão fazia a chamada publicitária para as olimpíadas de Atlanta,
utilizava o Dies Irae (Os Dias da Ira) da Missa de Defuntos de G. Verdi como fundo musical. Talvez o
efeito bombástico da potente intensidade da música de Verdi possa parecer adequada à grandeza do
evento (ou que se lhe pretende imputar), mas o significante tem conotação densa por natureza. Pode-se
imaginar a tremenda sensação de horror que pode ter sido vivenciada por um músico ao estabelecer a
relação entre conteúdo e expressão neste caso? Pode o ethos ocidental perceber a disparidade desta
relação?
O uso de dois tipos de linguagem em uma mensagem heteromatérica 5 que utilize a música, deve
4
Aesthetic ethos is the end product of tradition at a given time and the longer and more complex the tradition, the
more profound and subtle is the ethos. trad. do autor.
5
Chamamos de heteromatérica a uma mensagem que contém duas ou mais linguagens (verbal e/ou não verbais). A
levar em consideração que é possível entender uma mensagem musical mesmo sem conhecer a sua
verdadeira natureza; mas para o músico ou aquele que tem conhecimento mais profundo da música, a
percepção é mais sutil e evidente. Conforme cita Seashore6 (Seashore, 1967):
A percepção da música, para nós ocidentais, encontra-se intimamente relacionada com três
fatores fundamentais: o histórico, o linguístico e o social (Abraham, 1974; Schurmann, 1989).
Diferentemente de outras culturas, como a oriental ou a africana, a ligação da música com o rito
religioso ocidental (cantus planus) sofreu as influências políticas da divisão européia nos impérios
carolíngio, bizantino e mozarábico. Com a decadência do latim, a ascenção das línguas vernaculares e o
aparecimento da polifonia a música dividiu-se em religiosa e profana, seguindo assim uma trajetória
diferente da música oriental. Por exemplo, a música da corte (gagaku) e do teatro (no e kabuki)
japonêses. A tradição musical ocidental permaneceu vinculada à história, à linguagem e à estrutura
social de uma Europa em constante fragmentação política.
A sonoplastia age de maneira paralela quando evidencia, obviamente, o discurso cênico. Por
exemplo, uma marcha fúnebre usada em uma cena de um funeral age de forma a explicitar a cena.
Trata-se aqui de reforçar o discurso com uma outra forma de linguagem, mas que se integra no
contexto heteromatérico criando a relação metassemêmica, algumas vezes metonímica, na significação
da mensagem.
A relação de complementariedade pode ser descrita quando a homologia gramatical entre texto
e discurso torna-se aparente apenas com a integração do elemento sonoro. Por exemplo, quando texto e
cena não são suficientes para evidenciar o funesto, a inserção do elemento sonoro de uma marcha
fúnebre complementa a idéia, integrando-se aí a uma relação metalingüística, seja no plano da metáfora
ou no plano da sinédoque, em um discurso cênico sem a presença óbvia do funeral.
mensagem que possui apenas um tipo de linguagem (p. ex., a linguagem escrita ou o cartoon sem palavras) é
denominada homomatérica.
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So it is possible to enjoy and perform music without insight or knowledge of its true nature; but the musician who
knows his medium and thinks intelligently about it has a vastly greater satisfaction than the one who does not. trad.
do autor.
Para Nattiez (Nattiez, 1990) qualquer análise da música no plano do conteúdo é metalingüistica,
mas no plano da expressão o efeito sonoro pode ser subjetivo -- quando relacionado à experiência
individual -- ou objetivo -- quando definido pelo perfil da tradição cultural. Desta forma, seja como
emissores ou como receptores da mensagem, devemos observar os limites e as limitações dos
significantes no plano do conteúdo e seus efeitos no plano da expressão.
É fundamental que a sonoplastia seja coerente com a cena, entre em relação de unidade com o
discurso teatral e não se interponha na linha de ação. A música não é um simples acompanhante, mas
sim um fio profundamente tecido na trama do pensamento; para o indivíduo, ela representa a memória
e a consciência vigilante transmitida de geração em geração, a essência que é a marca da personalidade
da terra natal e da nação. Assim, encontra-se inextrincavelmente ligada à personalidade de cada
indivíduo, da sua tradição cultural, da nacionalidade, da humanidade e da sua própria vida. A
consistência da unidade da obra final depende da malha do tecido cultural na relação emissor/receptor
da mensagem no discurso teatral.
Bibliografia
Abraham, G. The Tradition of Western Music, Oxford University Press, Ely House, London: Ebener
Baylis & Son Ltd., 130 pp., 1974.
Greimas, A. J. Semântica Estrutural, Ed. Universidade de São Paulo - EDUSP, São Paulo: Ed.
Cultrix, 1976.
Nattiez, J.-J. Music and Discourse, Toward a Semiology of Music, New Jersey: Princeton University
Press, 1990.
Schurmann, E. F. A Música como Linguagem: Uma Abordagem Histórica, São Paulo: Editora
Brasiliense, 1989.
Tolkien, J. R. R. The Silmarilion, Christopher Tolkien (Ed.), London: Unwin Paperbacks, 440 pp.,
1979, rep. 1990.