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Eli-Eri Moura
[...] a música é uma linguagem que, além das sintaxes similares às da língua,
também trabalha com as sintaxes da simultaneidade, sintaxes harmônicas, texturais,
espessas, homólogas às sintaxes das linguagens plásticas, visuais. A construção de
cada acorde em si já se constitui em uma sintaxe, relações sintáticas da
simultaneidade, enquanto as progressões harmônicas que determinam a passagem de
um acorde a outro no tempo, constitui-se em uma seqüencialidade de tipo especial,
obedecendo às leis determinadas pela construção. Enfim, a harmonia como uma rede
de transições, progressões, modulações desenha uma sintaxe das espessuras, da
profundidade, dos relevos.
A autora ainda distingue como sendo compartilhadas pela música uma sintaxe do
movimento, tipicamente narrativa – em função das diversas direcionalidades encontradas nos
campos melódico, harmônico e textural, e correlativas sensações de expectativa,
desenvolvimento e resolução – e uma sintaxe diagramática, homóloga à da poesia – por conta
das repetições, paralelismos, variações, espelhamentos, etc., próprios do discurso musical.
É importante perceber que, a partir do início do Século XX, com a implosão do tonalismo,
predominante desde o Século XVIII, ocorre não somente um crescimento da complexidade
sintática em todos os seus níveis, mas de forma expandida a todos os parâmetros musicais –
lembrando que, no tonalismo, a sintaxe se centrava, sobretudo, nas alturas. A saturação da
linguagem predominante serve de estopim para uma verdadeira ‘corrida’ entre compositores
com o objetivo de desenvolver ou reinventar a linguagem musical, não muito diferente das
outras ‘corridas’ do século – tecnológica, armamentista, espacial, etc. Numa rápida sucessão, a
linguagem desdobra-se em variantes, constituindo novas linguagens. Tal transformação é um
dos fatores a contribuir para a estratificação que, no decorrer do século, polariza a música
entre vários segmentos, entre os quais o popular e o erudito (ou música de concerto). Por um
lado, a música, agora caracterizada como contemporânea, em direção a uma complexidade
cada vez maior, termina por se confinar, a partir da segunda metade do Século XX, às
universidades e academias, difundida entre pares acadêmicos e entre aqueles fluentes nos
complexos códigos musicais – em geral, os próprios músicos. Além dos fatores inerentes à
própria evolução da linguagem, a estratificação é incrementada pelo desenvolvimento
tecnológico que passou a permitir a gravação e a transmissão à distância do som. Com o disco
e com o rádio, alguns segmentos da música que continuam a usar a velha linguagem
referenciada pelo sistema tonal tornam-se mercadoria/produto de massa com grande apelo
econômico, como a canção popular urbana e o rock. Outros segmentos que surgem, como o
jingle, a vinheta, a trilha sonora para novelas de rádio e TV, música para cinema, etc.,
permeiam diferentes tipos e níveis de linguagem.