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O TEATRO MÁGICO: POESIA QUE SE CANTA...

E ENCANTA

Rafael Myszak (BOLSISTA PET-LETRAS), Dra. Rosana Gonçalves


(Orientadora), e-mail: rgon_1@hotmail.com.

Universidade Estadual do Centro-Oeste/Setor de Ciências Humanas, Letras


e Artes/Departamento de Letras/Guarapuava-PR.

Palavras-chave: LITERATURA COMPARADA, ESTUDOS INTERARTES,


MÚSICA, POEMA, LITERATURA E SUAS INTERFACES.

Resumo:

O presente trabalho trata do gênero canção e das diversas formas artísticas


nele presentes. Alguns aspectos relacionados à história da música nacional
permitem uma visão histórica permitindo melhor compreensão sobre o
assunto. As diversas artes que formam a canção são esboçadas através da
análise que recai sobre o disco Entrada para Raros do grupo “O Teatro
Mágico”.

Introdução

Nos últimos anos, as relações entre música, canção e poesia têm


despertado o interesse do público acadêmico nos mais diversos domínios do
conhecimento. Pesquisas são feitas nas áreas de letras, musicologia,
psicologia, sociologia, filosofia, dentre outras. Os estudos interartes e
comparatistas encontram grande campo de pesquisa no âmbito dessas três
modalidades artísticas.
A importância dos crescentes estudos do gênero fica evidente quando
se pensa na abrangência que tais artes, principalmente a música, alcançam
na sociedade atual. No presente artigo, buscamos mostrar a relação entre
música e poesia, através das canções do grupo “O Teatro Mágico”.

Resultados e Discussão

O canto, como performance, tem adquirido grande relevância nos estudos


acadêmicos. É certo que a canção surge com o objetivo primário de ser
cantada; sua divulgação não depende apenas de uma mídia escrita e dos
leitores, como é o caso da literatura, mas sim de alguém que a cante, que a
torne viva. Quando são ouvidas canções em um cd ou mesmo na internet,
não se ouve a canção como ela está na partitura, mas uma interpretação
daquela música. Tem-se a música como performance, e cada performance é
única, precisando ser valorizada, principalmente pela subjetividade que dela
emana. Ruth Finnegan afirma que,
uma canção ou um poema-oral tem sua verdadeira existência não em algum texto
duradouro, mas em sua performance: realizada em um tempo e espaço específicos

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através de ativação da música, do texto, do canto e talvez também do envolvimento
somático da dança, da cor, de objetos materiais reunidos por agentes co-criadores
em um evento imediato. (FINNEGAN apud MATTOS, 2008, p. 23-24)
Une-se, então, a performance à música e à palavra escrita. Além
disso, como a autora cita, outros elementos teatrais e de cenário ajudam a
criar o contexto da significação de determinada canção. Tem-se três
elementos dentro da canção: a música, a palavra e a performance.
Estudos relacionados são de grande importância quando o foco está
nos estudos interartes, porém, em alguns casos, essas semelhanças não
permitem que a canção seja estudada de forma autônoma. A música sempre
despertou grande interesse em teóricos, escritores e poetas, porém em sua
maioria o interesse caía sobre a música erudita. Como exemplo temos os
estudos sobre a música feitos por Mário de Andrade, que buscavam
principalmente a música erudita e instrumental. Tempos depois, começou o
interesse pela música popular, como é o caso dos muitos estudos e artigos
escritos por Affonso Romano de Sant’anna. Porém, tais estudos
procuravam, até então, fazer uma análise e comparar a canção com a
literatura, utilizando-se de métodos iguais aos feitos para a série literária.
Aqui percebe-se um grande problema teórico-acadêmico. A canção é
uma forma artística híbrida onde se encontram a música, a palavra, a
performance e, muitas vezes, outras artes. Nas palavras de Ruth Finnegan,
“mesmo a canção aparentemente mais simples é maravilhosamente
complexa, com texto, música e performance acontecendo simultaneamente”
(FINNEGAN apud MATTOS, 2008, p. 15). Logo, para uma análise profunda,
todas essas artes devem ser levadas em conta, não de forma que convirjam
entre si, mas de forma que todas estejam presentes no mesmo campo.
Assim, a canção teria de ser analisada independentemente, como forma
híbrida, mas independente.
É essa a tendência dos estudos que têm se desenvolvido nos últimos
anos em todo o mundo. Teóricos de todas as áreas têm produzido estudos
que unem as ferramentas necessárias para possibilitar análises próprias do
gênero, não se restringindo aos modelos analíticos usados nas áreas de
letras ou musicologia individualmente. Temos como exemplos estudos de
Ruth Finnegan, Tereza Virginia de Almeida, Luiz Tatit, dentre outros.
A análise de canções necessita de um bom conhecimento musical por
parte do estudioso, além é claro, das ferramentas já habituais na análise
literária. As canções trazem grande carga sensorial que deve ser levada em
consideração durante a análise. A parte musical se une de tal modo com o
texto, que ambos conversam e se utilizam um do outro para o resultado final.
A canção só existe pela união de ambos, sendo que nenhum possui menor
importância. Tanto a parte musical quanto a parte textual formam a canção.

O Teatro Mágico
“O Teatro Mágico”, que se destaca pelo lirismo e pela confluência de
diversas artes, é um projeto idealizado pelo músico e compositor Fernando
Anitelli, nascido pela influência literária do livro Lobo da Estepe de Hermann

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Hasse, assim como o titulo do primeiro disco, ”Entrada para Raros”.No Lobo
da Estepe, Harry Haller encontra sobre a entrada que levaria ao teatro
mágico a seguinte inscrição: “TEATRO MÁGICO, ENTRADA SÓ PARA OS
RAROS SÓ PARA OS RAROS”. O sentido que se busca é criar um mundo
onde todas as artes se encontrem e tudo seja possível, sempre levando em
consideração o pensamento poético. Assim, o disco junta música e poesia
para tratar dos sentimentos comuns do homem, como o amor, a fé e a
saudade, promovendo o despertar da percepção, do auto conhecimento e
da sensibilidade.
De início, chama a atenção o sentido de continuidade presente no
disco. As canções conversam entre si, tornando-se cada uma um pedaço do
todo. O término de uma melodia já é o começo de outra. Quase não há
pausas entre as canções.
A primeira faixa do disco começa com alguns murmúrios de vozes e
instrumentos de percussão para, então, um apresentador fazer as boas
vindas ao publico, nos moldes das apresentações feitas no circo: “Senhoras
e senhores, respeitável público pagão, bem vindos ao teatro mágico, sintaxe
a vontade”. O título, “Sintaxe à vontade”, traduz um dos traços que se fazem
presentes no disco, o jogo sintático nas canções, ao mesmo tempo em que
convida o ouvinte/espectador a sentir-se à vontade para aproveitar o
espetáculo.
Na faixa “Pratododia” a expressão transporta a outras duas, “Pra todo
dia” e “Prato do dia”. A canção fala sobre os opostos que se completam,
sobre encontros e desencontros e os sentimentos que os permeiam. Na
primeira, dois elementos diferentes encontram-se e dessa soma nasce a
felicidade pela união. Em seguida, ocorre a separação e com ela a tristeza,
nascendo também dois novos opostos que se combinam novamente.
A poesia das coisas simples traz às letras histórias cantadas e uma
visão romântica ligada à natureza. É o caso de “Ana e o Mar”, canção que
trata das paixões, do amor e de como o homem não consegue os controlar.
Sua melodia inicial começa em contraponto com os sons do mar e traduz
uma sensação de se estar em uma praia durante a música.
Em “Zaluzejo” aparece o coloquialismo na poesia das coisas simples
e a voz, como instrumento musical sobrepõe-se ao texto. Em alguns
momentos, como no refrão constituído das palavras “Pigilógico”, “tauba”,
“cera lítica”, “sucritcho”, “graxite”, “vrido”, “zaluzejo”, o canto não fica claro,
precisando se consultar o texto escrito. O importante é o som é produzido e
como ele se adapta ao resto da música. Em outra música, “Fé Solúvel”,
percebe-se a intertextualidade com o poeta Mário Quintana. A canção fala
da perda da fé na vida pelo excesso de razão lógica que não deixa espaço
para sentimentalismos e da solidão que isto causa obrigando o homem a se
fechar em si mesmo.
Nas canções do grupo, a poesia é vista como essencial para a
sobrevivência. Em “Separô”, por exemplo, é comparada à farinha que faz o
pão, alimento para o homem. Em outras faixas, a poesia dá lugar ao

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predomínio da música. É o caso de “22-11”, “Carinho de Mãe” e “Sua
Presença e sua Prece”. Nesses casos são os instrumentos os únicos
responsáveis pela emoção e lirismo transmitidos pela música.
Na última canção do disco, chamada “Amém”, não há música, apenas
poesia. O texto fala novamente sobre o tempo e a falsa sensação nostálgica
de que o passado é sempre melhor que o presente. No passado da música,
tudo é ao contrário, o que passou e ninguém viu. As coisas que se perdem e
não são aproveitadas, que como a poesia diz, nunca sabemos o que são.

Conclusões

A canção chama a atenção nas diversas áreas de conhecimento por


diversos motivos, desde os estéticos até os sociais. Estudos comparatistas
buscam um paralelo do literário com outras artes. Novas tendências
mostram a preocupação em se encontrar uma forma de análise própria da
canção, aproveitando-se todas as ferramentas inerentes a outras áreas de
conhecimento. O ideal seria uma análise onde não fiquem de fora elementos
importantes para a significação final. Tais estudos ainda são recentes e
encontram-se em desenvolvimento constante.
O grupo “O Teatro Mágico”, já possui um modo diferenciado de
apresentação, ilustrando aspectos que devem ser levados em consideração
nos estudos e possibilitando uma análise onde não se dê importância
apenas a elementos literários nem apenas a elementos musicais, mas ao
todo, à união entre ambos e outras formas artísticas que juntas formam a
canção. A canção mostrou, nos últimos tempos, ser portadora de grande
material poético de qualidade, além de serum dos gêneros com maior carga
social, devendo ser olhada com interesse pelos que estudam a literatura e
qualquer outra forma artística pelo seu poder de tornar o homem melhor
através da arte. Os estudos ajudam a perceber o funcionamento das partes
da canção e como interagem entre si, a fim de transmitir a mensagem e a
beleza que nela moram.

Referências

FOUCAULT, Michel. Estética: Literatura e Pintura, Música e Cinema: A


Música Contemporânea e o Público. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2006.
MATOS. Cláudia Neiva de. (Org.). Palavra Cantada: Ensaios sobre Poesia,
Música e Voz. 5. ed. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2008.
MED, Bohumil. Teoria da Música. 4ª Ed. Brasília: MusiMed, 1996.
SANT’ANNA, Affonso Romano de. Música Popular e Moderna Poesia
Brasileira. 4ª Ed. São Paulo: Editora Landmark, 2004.
SEVERIANO, Jairo. Uma história da música popular brasileira: Das origens à
modernidade. São Paulo: Editora 34, 2008.

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