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A RACIONALIDADE CIENTÍFICO-TECNOLÓGICA

TEORIAS EXPLICATIVAS DO CONHECIMENTO

1. O RACIONALISMO.

AFIRMAÇÃO DA RAZÃO COMO A PRINCIPAL FONTE DE CONHECIMENTO

Para o racionalismo a principal fonte de conhecimento é a razão. Segundo estes pensadores, um


conhecimento só merece realmente este nome quando é logicamente necessário e universalmente
válido.
Um conhecimento deste tipo apresenta-se-nos, por exemplo, quando formulamos o juízo “o todo é
maior do que a parte”. Neste caso ao analisarmos o conceito de “todo”, vemos com evidência que um
todo é constituído por partes e que necessariamente o todo é maior que cada uma das partes que o
constitui. Se afirmássemos o contrário entraríamos em contradição. Este conhecimento é:
- Necessário porque tem de ser assim e não pode ser de outro modo.
- Universal, pois é válido em todos os tempos e todos os lugares, não sendo possível encontrar uma
única situação em que seja falso.
Os conhecimentos universais e necessários fundam-se na razão e não precisam de ser confirmados
pela experiência. A sua verdade verifica-se por simples análise racional. Só através da razão é que se
pode encontrar um conhecimento seguro, o qual se apoia em princípios evidentes – ou como diz
Descartes, claros e distintos –, sendo totalmente independente da experiência sensível. Tal
conhecimento, que é a priori, é universal e necessário. Por exemplo, afirmar que 2x2=4 é com estas
características: é necessário porque tem de ser assim, caso contrário entraríamos em contradição
lógica; e é universal, porque é sempre verdadeiro, em toda a parte e para todos os seres humanos. Os
conhecimentos universais e necessários fundam-se na razão e não precisam de ser confirmados pela
experiência. A sua verdade verifica-se por simples análise racional.

DESVALORIZAÇÃO DA EXPERIÊNCIA NO CONHECIMENTO


Os racionalistas desvalorizam o papel da experiência como fonte de conhecimento porque:
- Os sentidos induzem-nos em erro
- Os sentidos não nos fornecem conhecimentos necessários e universais.
Por exemplo o juízo “a água ferve a cem graus centígrados” que resulta da experiência:
- Não é um juízo logicamente necessário. Com efeito, ao analisar o conceito de água, nada nos diz que
ela tem de ferver a cem graus centígrados. Verificamos através da experiência que é assim, mas não
cometemos nenhuma contradição lógica se imaginarmos que haja alguma situação em que não seja
assim.

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- Não é universalmente válido, porque apesar de através de várias experiências termos verificado que
é assim, nada nos garante que em experiências futuras não venhamos a encontrar situações em que
isto não se verifique.

AFIRMAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE IDEIAS INATAS

O facto de, para os racionalistas, o verdadeiro conhecimento não resultar da experiência, mas sim da
razão, leva-os a afirmar a existência de ideias inatas, isto é, de verdades fundamentais que surgem na
mente humana independentemente da experiência.

O IDEAL DE CONHECIMENTO PARA OS RACIONALISTAS


Uma forma determinada do conhecimento serviu de modelo à interpretação racionalista do
conhecimento: o conhecimento matemático que se caracteriza pela sua necessidade lógica e pela sua
validade universal. A matemática é um saber puramente conceptual e dedutivo. Na geometria, por
exemplo, todos os conhecimentos derivam, por dedução, de alguns princípios ou axiomas supremos e
evidentes.
O ideal dos racionalistas seria assim, a da elaboração de um sistema dedutivo, semelhante ao modelo
de raciocínio matemático. Estes filósofos acreditavam que a razão tinha capacidade de extrair de si
mesmas verdades fundamentais (ideias inatas) e a partir delas, por meio de deduções rigorosas,
alcançar outras verdades sobre vários domínios da realidade.
O DOGMATISMO RACIONALISTA
O racionalismo acaba por cair no dogmatismo pela confiança depositada no poder ilimitado da razão
para alcançar conhecimentos absolutamente verdadeiros sobre vários domínios da realidade.
Descartes é um exemplo de um filósofo racionalista que acredita no poder da razão para conhecer a
realidade. O racionalismo moderno é optimista, no sentido em que considera que, partindo dos
princípios evidentes da razão, e seguindo um determinado método será possível conhecer toda a
realidade.

2. O Empirismo

uma teoria segundo a qual:


- a única fonte de conhecimento é experiência;
- a experiência como o limite de todo o conhecimento possível.
Os filósofos empiristas recusavam-se a admitir a existência de conhecimentos anteriores à
experiência ou com origem em qualquer outra fonte. Na opinião destes filósofos não existem
ideias inatas uma vez que a razão não é capaz de extrair de si próprios conhecimentos
independentemente da experiência sensorial. Defendem que à nascença o ser humano não
possui nenhum conhecimento prévio, sendo o espírito humano uma “tábua rasa” ou uma “folha
em branco” sem qualquer inscrição.

Todos os nossos conceitos procedem da observação empírica. As próprias noções e ideias


matemáticas fundamentais derivam da experiência.

De acordo com a doutrina empirista, não existem ideias, conhecimentos ou princípios inatos. O
entendimento ou razão assemelha-se a uma página em branco onde antes de

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qualquer experiência nada se encontra escrito ( ou como uma tábua rasa sem quaisquer
caracteres, vazia de ideia alguma) Assim, o Empirismo diz-nos que o conhecimento provém
fundamentalmente da experiência sensível e a esta se reduz, não podendo elevar-se acima dos
dados experimentais - por isso se diz que o conhecimento é "a posteriori"

É na experiência que o conhecimento tem o seu fundamento e os seus limites.

Adotam as ciências experimentais como modelo de interpretação do conhecimento.


Os empiristas negam os conhecimentos inatos mas não necessariamente os conhecimentos a
priori. D. Hume por exemplo,afirma que esses conhecimentos existem só que nada nos dizem
acerca do mundo.

3. A perspetiva de Descartes, filósofo racionalista do século XVII.

3.1. A evidência racional como critério de verdade


A questão da validade do conhecimento é a seguinte: “como podemos ter a certeza de que as
nossas crenças são verdadeiras?”ou dito de outro modo “será que realmente sabemos aquilo
que julgamos saber?”
Segundo Descartes, para termos a certeza de que um conhecimento é verdadeiro temos de
encontrar um fundamento inteiramente seguro para o justificar. Descartes estabelece como
critério de verdade, isto é, como critério para distinguir o verdadeiro do falso, a evidência
racional. Este critério diz-nos que só devemos aceitar como verdadeiras as crenças
absolutamente evidentes, que não possam ser colocadas em dúvida. Essas crenças quando
analisadas pela nossa mente surgem-nos com uma tal clareza, que nós não poderemos conceber
nenhuma situação em que elas sejam falsas, sendo, por isso, absolutamente certas.

3.2. A dúvida como método

Como havemos de encontrar essas crenças absolutamente evidentes?


Recorrendo à dúvida, sugere Descartes. Começamos por analisar as nossas crenças, rejeitando
provisoriamente como falsas aquelas em que encontremos a menor dúvida. Se descobrirmos
que certas crenças são tão evidentes que resistam a todo e qualquer argumento cético,
podemos aceitá-las como verdadeiras e como fundamento para o conhecimento.

A filosofia de Descartes emerge num contexto filosófico marcado por um intenso debate entre o
saber tradicional, herdado da escolástica medieval e fundado no princípio de autoridade, e o
crescente ceticismo que pretendia pôr em causa a possibilidade de o homem chegar a um
conhecimento verdadeiro, afirmando que as crenças humanas nunca poderiam, relativamente à
sua verdade, ultrapassar o estado de dúvida. A estratégia de pensamento cartesiano passa por
uma análise dos fundamentos do saber tradicional utilizando a dúvida como instrumento para
chegar a uma primeira crença evidente e indubitável. Percebe-se que a dúvida cartesiana é, desse
modo, diferente da dúvida dos céticos. Para estes, a dúvida era o resultado final das suas

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investigações e especulações filosóficas. Para Descartes, a dúvida é um instrumento que uma
razão finita e subjetiva tem para chegar à verdade. Poder-se-á caracterizar a dúvida usada por
Descartes nos seguintes pontos:

 Carácter metódico da dúvida (dúvida metódica). A dúvida inscreve-se na primeira regra do


método, a evidência. Esta regra indica que só se devem aceitar os conhecimentos que se
apresentem como evidentes, isto é, como claros e distintos, como indubitáveis. Sendo assim,
a dúvida é o instrumento que vai testar os fundamentos do saber tradicional [as crenças
fundadas nos sentidos; a crença na existência de um mundo externo; a crença nas evidência
do entendimento (recordo que é um entendimento humano, finito e falível)] para avaliar se
eles estão de acordo com a regra da evidência e resistem à dúvida. Em conclusão, a dúvida é
um instrumento metodológico para testar os conhecimentos fundamentais e descobrir
aquilo que é absolutamente evidente, aquilo que resiste a qualquer dúvida, por hiperbólica
que ela seja.

 Carácter hiperbólico da dúvida (dúvida hiperbólica). Na sua aplicação, a dúvida toma uma
natureza hiperbólica. Descartes decide avaliar os conhecimentos recebidos do saber
tradicional. Não vai avaliar todos esses conhecimentos, mas apenas os fundamentos desses
conhecimentos (as crenças fundadas nos sentidos; a crença na existência de um mundo
externo; a crença nas evidências do entendimento). A natureza hiperbólica do uso da dúvida
reside na decisão que o sujeito (Descartes, no caso) toma ao considerar como falso aquilo
que é meramente duvidoso. É preciso ter em consideração que a dúvida pode ser produzida
inclusive por situações imaginárias (como a do génio maligno). Qualquer que seja a origem
da dúvida, esta implica que se tome por falso o conhecimento que for atingido por ela.

 A natureza provisória da dúvida (dúvida provisória). Como se sabe, a dúvida não é o fim a
alcançar, mas um instrumento metodológico para chegar à evidência. Como tal, ela não é
uma dúvida céptica que se manteria como resultado da actividade do conhecimento. Por
isso, a dúvida é provisória. Encontrando-se os fundamentos do conhecimento (o cogito e a
veracidade divina), e estando os conhecimentos devidamente ordenados, segundo as regras
do método, a dúvida é superada.

 A dimensão universal da dúvida (dúvida universal). A dúvida não visa testar apenas
conhecimentos particulares, mas a universalidade dos conhecimentos. Como é impossível
testar todos os conhecimentos disponíveis na época, Descartes assegura a universalidade da
aplicação da dúvida, aplicando-a apenas aos fundamentos sobre os quais esses
conhecimentos estariam construídos (as crenças fundadas nos sentidos; a crença na
existência de um mundo externo; a crença nas evidência do entendimento). Parte do
pressuposto de que se os fundamentos do conhecimento são abalados pela dúvida, então
todo o edifício do saber construídos sobre esses fundamentos será atingido e posto em
dúvida. Por isso, a dúvida, ao nível do conhecimento (mas não ao nível religioso e moral) é
universal.

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 O carácter radical da dúvida (dúvida radical). Como se salientou no ponto anterior, a dúvida
é aplicada aos fundamentos das diversas crenças que existiam (as crenças fundadas nos
sentidos; a crença na existência de um mundo externo; a crença nas evidência do
entendimento). Ao submeter esses fundamentos ao teste da dúvida, esta toma um carácter
radical, pois visa a raiz, os fundamentos, das diversas áreas do saber. Essa radicalidade da
dúvida é acentuada pela sua natureza hiperbólica. A radicalidade da dúvida leva ao
desmoronar dos fundamentos (alicerces ou raízes) do saber tradicional, libertando um
espaço para a emergência de um novo fundamento do saber (o cogito fundado, por sua vez,
na veracidade divina).

A dúvida assim caracterizada é diferente da dúvida dos céticos, que é definitiva, pois é o
resultado a que chegam na sua especulação, e sistemática, pois não usam a dúvida como método
mas como resultado final que dá sentido e organiza o sistema do seu pensamento.
A dúvida cartesiana é a expressão do homem moderno que descobre na sua subjetividade
(cogito garantido pela veracidade divina) o fundamento da verdade. Só a razão crítica (no caso de
Descartes, a crítica é assegurada pela dúvida) deve estabelecer quais os conhecimentos que são
verdadeiros, usando um método adequado. Qualquer conhecimento fundado num argumento de
autoridade deixa de ter legitimidade. Só são aceitáveis os conhecimentos que passam o teste da
dúvida que a razão, voluntariamente, construiu para os testar.

Perguntas e respostas - Descartes

1. Descartes é um filósofo racionalista?

R: Sim. Descartes considera que a experiência, dados os erros dos sentidos, não pode ser fonte
credível de conhecimentos, melhor dizendo, as suas informações não podem constituir (dado que
muitas vezes são enganadoras) crenças básicas que possam conduzir a outros conhecimentos. O
saber constrói-se com base em ideias inatas e, desde que siga um método correto e Deus garanta
o normal funcionamento da nossa razão, podemos alcançar verdades objetivas sobre o mundo.
Esta rejeição dos sentidos é uma convição fundamental de Descartes e marca a sua orientação
claramente racionalista inspirada no modelo dedutivo das matemáticas. Partindo de um ceticismo
metódico, Descartes liberta a razão da dependência em relação à experiência e, tornando o seu
funcionamento dependente da garantia de Deus, conclui que podemos alcançar conhecimentos
objectivos acerca do mundo.

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2.Mostre que relação se estabelece entre exercício da dúvida e procura da verdade em
Descartes.

R: Descartes procura um conhecimento certo e seguro sobre o qual possa construir de forma
ordenada e correta um conjunto de conhecimentos a que se chama sistema do saber. Esse
conhecimento fundacional terá de ser indubitável, ou seja, de tal modo distinto e claro – evidente
– que dele não se possa duvidar. Será uma crença básica, um conhecimento verdadeiro que a si
mesmo se justifique pela sua clareza intrínseca. Como encontrar um tal conhecimento primeiro
e inabalável ?
Submetendo todos os conhecimentos que constituam crenças básicas do saber tradicional ao
exame da dúvida. Como vai ser aplicada a dúvida? Seguindo a regra do método que manda
considerar falso o que não for indubitável. Assim, a dúvida é metódica – segue uma regra do
método – e hiperbólica – o que parecer, por pouco que seja, duvidoso será considerado falso.
Esta forma de exercer a dúvida deve-se ao facto de Descartes visar separar absolutamente o
verdadeiro do falso. Entre verdadeiro e falso não há meio-termo. Verdadeiro é igual a
absolutamente verdadeiro – indubitável – e provavelmente verdadeiro é igual a falso. Se algum
conhecimento superar o teste da dúvida, será um conhecimento que não suscitará a mínima
dúvida.O primeiro conhecimento que superar a dúvida será a crença básica do sistema cartesiano
– o Cogito –, a verdade da qual dependerá a descoberta de outras verdades, mas que não se
deduz de nenhuma outra.
3. O que significa dizer que a dúvida é hiperbólica? Por que razão Descartes decide aplicar a
dúvida de forma hiperbólica?
R: A dúvida é hiperbólica porque, em termos gerais, se baseia no princípio metodológico de
que falso é igual a aparentemente duvidoso. O que parece duvidoso não é provavelmente
verdadeiro, mas sim falso. Entre verdade e falsidade não há meio-termo, ou seja, não há
compromisso possível.
Em termos mais específicos, a dúvida é hiperbólica porque ordena que:
1 – Se considere falso o que for minimamente duvidoso.
2 – Se considere sempre enganador o que algumas vezes engana.
Descartes decide aplicar a dúvida hiperbólica para ficar seguro de que, quando descobrir uma
crença que lhe resista, essa crença seja absolutamente verdadeira. A função da dúvida é separar o
verdadeiro do falso abrindo o caminho para uma verdade indubitável a partir da qual se
reconstruirá um sistema de conhecimentos verdadeiros e bem organizados.

4. O que distingue o primeiro e segundo níveis da aplicação da dúvida?

R: No primeiro nível de aplicação da dúvida, o argumento dos erros perceptivos, Descartes põe
em causa as informações dos sentidos sobre as propriedades e qualidades dos objetos sensíveis

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que existem no mundo. No segundo nível de aplicação da dúvida, o argumento da
impossibilidade de encontrar um critério que nitidamente distinga sonho de realidade põe em
causa a própria existência do mundo físico. Em ambos os casos, mostra-se que não se pode
confiar na experiência sensível ou, pelo menos, que não podemos obter conhecimentos seguros

acerca da existência do mundo e das propriedades das coisas que nele existem se nos fiarmos
somente nos nossos sentidos. A palavra de ordem em relação aos sentidos é esta: não podemos
saber quando nos estão a enganar e por isso devemos deles desconfiar completamente. Vê-se
aqui que Descartes rejeita completamente uma conceção empirista do conhecimento.

5. Por que razão recorre Descartes ao argumento do Deus enganador?


R: Um argumento como o dos erros percetivos não é de modo algum adequado para por em causa
crenças a priori – cuja verdade não pode ser justificada pela experiência – como é o caso das
verdades matemáticas. Por outro lado, o argumento do sonho não é suficientemente convincente
para me convencer de que 2 + 2 = 4 pode ser uma crença falsa. Esses argumentos incidem em
crenças de tipo empírico, ao passo que as matemáticas pertencem à ordem dos objetos
inteligíveis, não empíricos. Trata-se de abalar a confiança no funcionamento do nosso
entendimento e não é recorrendo a erros e ilusões que têm a ver com os nossos sentidos que o
conseguiremos fazer de modo satisfatório. As matemáticas – produtos do nosso entendimento
considerados exemplares – não vão passar no teste da dúvida devido a uma hipótese «muito
metafísica» que consiste em suspeitar que Deus seja enganador e malicioso a ponto de perverter
o nosso entendimento levando-o a tomar o falso por verdadeiro.

6. Descreva como Descartes parte da dúvida e atinge uma verdade indubitável.


R: Só a dúvida separa o verdadeiro do falso. Vou duvidar para encontrar um conhecimento
absolutamente verdadeiro que sirva de fundamento a todos os outros, um princípio primeiro e
absoluto. Como quero encontrar um conhecimento desse tipo, não vou fazer a mínima concessão.
Considerarei falso o que por pouco que seja me pareça duvidoso. Se houver uma razão para
duvidar de uma crença, deixarei de lhe dar qualquer crédito. Como não vou percorrer o vasto
conjunto das minhas crenças de uma ponta à outra, basta que submeta a exame as crenças
fundamentais em que se baseia o saber dos meus contemporâneos.
Nenhuma dessas crenças resiste. A crença de que o conhecimento começa com a experiência não
pode ser fundamento de nada porque os sentidos são enganadores e os erros perceptivos muito
frequentes. A crença imediata na existência do mundo físico é abalada pela suspeita
desencadeada pela enorme dificuldade em distinguir o sonho da relidade. E a crença na
capacidade intelectual da minha razão/entendimento é abalada pela suspeita de que posso ter
sido criado por um ser que virou todo o meu intelecto do avesso e me faz confundir o verdadeiro
com o falso sem eu disso me aperceber.
Feitas as contas, nada parece poder servir de alicerce ao sistema do saber. O sujeito que exerceu o
acto de duvidar pôs em causa todo o tipo de objectos – sensíveis e inteligíveis – e ficou sem
certeza alguma. Mas no momento em que parece render-se ao ceticismo, Descartes reflete e vê
que quem duvida é iludido e enganado, tem pelo menos que existir. Isso é indubitável. Assim se

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chega à primeira verdade fundamental: um sujeito que duvida de tudo, mas que não pode
duvidar de que existe. Essa existência é a condição sem a qual não se pode exercer o acto de
duvidar. A partir daqui, Descartes terá uma base firme – puramente racional – para descobrir
novas verdades sobre si e sobre a realidade em geral.

7. O projecto cartesiano é o de dar um fundamento metafísico – absoluto – ao conhecimento


humano.

R: Dar um fundamento metafísico ao saber significa dar-lhe um fundamento absoluto, isto é,


que não se baseia na experiência. Ao descobrir o Cogito, Descartes pensa ter descoberto tal
fundamento metafísico porque o Cogito – Penso logo existo – é uma verdade absoluta e radical.
Imediatamente a seguir, descobre a natureza ou essência do sujeito pensante – é uma razão pura,
uma alma que, não precisando do corpo para existir, se distingue radicalmente deste. O corpo é
algo que, no momento da descoberta da primeira verdade, não sabemos se existe ou não. Estas
duas verdades metafísicas são alicerces do novo saber que Descartes pretende constituir de
forma ordenada e dedutiva.
Mas como o sujeito pensante não consegue por si garantir a verdade e objetividade das ideias
claras e distintas que forma sobre os objetos do mundo, Descartes julga necessário recorrer à
garantia divina e por isso se empenha em provar a existência de um ser perfeito que afaste de
vez a suposição muito frágil, mas suficientemente inquietante, do Deus enganador. Só assim a
objetividade e imutabilidade dos saberes (o que é verdadeiro será sempre verdadeiro) alcançados
pelo sujeito racional se estabelece e justifica. Por outras palavras, é o sujeito ou a razão que
conhece, mas a garantia de que eles não são subjetivos e variáveis só pode ser dada por Deus.
Este é a verdadeira raiz da árvore do saber.

Definição de conhecimento (definição clássica) apresentada e analisada por Platão na sua obra
intitulada Teeteto.

Em todo o conhecimento proposicional verifica-se uma relação entre um sujeito e um objeto.


Além disso, esta relação é também considerada uma crença. Neste sentido, podemos definir uma
crença como a atitude de adesão a uma determinada proposição, tomando-a como verdadeira.
Sendo assim, saber é, em primeiro lugar, acreditar naquilo que se sabe. O conhecimento parte de
uma convição do sujeito relativamento ao objeto. Como tal, a crença é uma condição necessária
do conhecimento. Contudo, também se pode acreditar em falsidades. As crenças podem ser
verdadeiras ou falsas. Ora, uma crença falsa não corresponde a qualquer conhecimento, ainda

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que aquele que a possui julgue deter o conhecimento. Como tal, a crença embora seja uma
condição necessária para o conhecimento, não é uma condição suficiente. Para haver
conhecimento é necessário não só que uma pessoa acredite em algo, como também que isso
seja verdadeiro. Sendo assim, para além da crença, a verdade é também uma condição necessária
do comhecimento.

Mas o conhecimento não se reduz à mera crença verdadeira. Suponhamos que alguém em
matéria futebolística possui uma crença verdadeira acerca de um resultado final de um jogo
disputado entre dois clubes que lhe são totalmente desconhecidos. Essa pessoa, embora acerte de
facto, no resultado final do encontro, não dispõe de qualquer justificação racional para acreditar
em tal desfecho. Para que a que a crença fique totalmente justificada é necessário esperar pelo
fim do desafio.
Ninguém possui conhecimento se não justificar cabalmente a sua crença. Por conseguinte, a
justificação é também uma condição necessária do conhecimento.

Segundo a análise de Platão o conhecimento proposicional define-se como sendo uma crença
verdadeira justificada. Isto significa que uma proposição do tipo “Eu sei que a Terra é um planeta”
para ser conhecimento exige três condições fundamentais.

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