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Descartes: a resposta racionalista

Teses fundacionalistas:
1) Racionalismo
- A razão é a fonte principal de conhecimento
- Existem conhecimentos a priori acerca do mundo
- Há conhecimentos inatos (apenas para alguns racionalistas)
- As ideias fundamentais descobrem-se por intuição intelectual
2) Empirismo
- A experiência é a fonte principal de conhecimento
- Não existem conhecimentos a priori acerca do mundo
- Nenhum conhecimento é inato
- O conhecimento do mundo obtém-se através de impressões sensoriais

Racionalismo (dogmatismo)
- Perspetiva internalista.
- Há conhecimento e este é seguro.
- A razão (entendimento) é a fonte ou a origem principal do conhecimento.
- Só através da razão é que se pode encontrar um conhecimento seguro, apoiado
em princípios evidentes (crenças básicas) e totalmente independente da
experiência sensível (a priori)
- Tal conhecimento é considerado necessário e universal
- O modelo do conhecimento ou do saber é nos dado pela matemática
Assim, para os racionalistas, o conhecimento a priori tem um papel essencial,
proporcionando-nos verdades substanciais, ou seja, que dizem algo acerca do mundo. Este
conhecimento é obtido por intuição intelectual e pelo raciocínio. O conhecimento constrói-se
de forma dedutiva. Os racionalistas defendem o inatismo - perspetiva segundo a qual algum
do nosso conhecimento é inato, ou seja, possuímos-lo à nascença. E defendem ainda que
devemos desconfiar dos nossos sentidos, pois estes podem nos confundir e levar-nos à
incerteza.

René Descartes
➔ Filósofo racionalista
➔ Considera que a razão é a fonte principal de conhecimento: há crenças que a
razão, e apenas a razão, é capaz de justificar
➔ Descartes pretendeu mostrar que o conhecimento é possível e que, por
conseguinte, os céticos radicais não têm razão e os seus argumentos devem ser
abandonados. (é na razão que o conhecimento tem o seu fundamento)
Método
➔ Descartes considera que todos os Homens possuem razão, e que esta é una
(existe uma só razão) e universal (comum a todos os homens). No entanto, os
Homens não fazem um bom uso da sua razão, não a aplicam bem, uma vez que
estes divergem nas suas opiniões e guiam-se por caminhos diferentes. Assim é
necessária a existência de um método uno e universal, que conduza a razão à
verdade, isto é que permita ao Homem chegar ao verdadeiro saber

➔ Descartes segue um método inspirado na matemática, uma vez que as


matemáticas se destacam pela sua clareza e evidência das suas razões e pelos
seus fundamentos firmes e fortes, mas também porque não estão contaminadas
pelo caráter confuso das ciências empíricas, que dependem da experiência.

➔ Descartes entende por método, regras certas e fáceis que permitem nunca tomar
como verdadeiro algo falso e atingir de maneira eficaz o conhecimento

➔ Regras do método :
1) regra da evidência: estabelece o critério de verdade, nada deve ser admitido pela
razão como verdadeiro se não for absolutamente evidente,ou seja, isento de
qualquer dúvida.
O conhecimento ou é considerado absolutamente verdadeiro ou então é
considerado falso, não há meio-termo.
Dado que nem tudo pode ser resolvido pela primeira regra porque nem todos os
conhecimentos se apresentam, desde logo, com a garantia da evidência, Descartes
formula as restantes regras.
2) regra da análise: consiste em dividir as ideias complexas (onde se mistura o
verdadeiro e o falso) em ideias simples, para assim analisá-las da melhor maneira
possível, de maneira a que possam ser apreendidas como evidentes
3) regra da síntese: consiste em conduzir o pensamento por ordem, partindo de ideias
simples até às ideias complexas
4) regra da enumeração e revisão : consiste numa espécie de revisão de todo o
processo, uma visão global de todos os passos que garante que nada tenha sido
esquecido e que todas as regras foram cumpridas.
Com estas 4 regras, Descartes considera que é possível alcançar um
conhecimento seguro

➔ Operações da razão (permitem-nos conhecer as coisas sem medo de errar)


1) Intuição: ato puramente intelectual/racional, em que percebemos imediatamente,
sem qualquer raciocínio e sem qualquer dúvida que algo é verdade, trata-se portanto
de ideias simples, indubitáveis e evidentes
Ex: Eu existo; um triângulo tem apenas três lados; duas coisas iguais a uma terceira
são iguais
Contudo, nem todas as coisas se apresentam, desde logo, com as características de
clareza e distinção para que possam ser intuitivamente captadas, sem recurso a
intermediários, pelo que a razão também opera dedutivamente.
2) Dedução: ato de concluir, a partir de determinadas verdades tomadas como
princípios (a partir da intuição), outras verdades que lhes estão necessariamente
ligadas
Ex: quando a partir da definição de triângulo inferimos que a soma dos três ângulos
de um triângulo é igual a dois ângulos retos.
Intuição → regra da evidência
Dedução → regra da análise, síntese e enumeração e revisão
A existência de uma ordem entre os vários pensamentos explica-se pelo facto de a
sabedoria humana ser una e idêntica, por muito diferentes que sejam os objetos a que se
aplique.
Dúvida Metódica
➔ 1º aspecto da dúvida metódica: Descartes recusa todas as crenças que
levantem a mínima suspeita de dúvida ou incerteza.
É necessário colocar tudo em causa (sujeitar todas as crenças à dúvida) no
processo de busca de crenças fundamentais e indubitáveis, ou seja, na busca de um
conhecimento absolutamente seguro. Uma vez que para Descartes só há
conhecimento se houver certeza, e esta certeza implica que a verdade das
proposições seja indubitável. Este acredita que é necessário ter como base
verdades indubitáveis, isto é crenças fundacionais (crenças básica), e portanto,
se analisarmos uma ideia e esta resistir à dúvida, esta servirá de base a outras
crenças, e assim constituirá bases sólidas nas quais todo o conhecimento vai ser
fundado, evitando a regressão infinita da justificação (crenças fundacionais)
Assume uma perspectiva infalibilista, uma vez que considera que o conhecimento
é incompatível com o erro, ou seja, as justificações para as nossas crenças terão de
garantir a verdade de tais crenças

➔ 2º aspecto da dúvida metódica: No entanto, o número de crenças que temos é


elevado. Se fossemos analisar as nossas crenças uma por uma, a tarefa seria
interminável. Por isso o filósofo não considera necessário examinar cada crença
isoladamente (tarefa interminável) basta analisar os fundamentos e princípios
(crenças básicas) dos quais as nossas crenças derivam. Se essas crenças básicas
se revelarem falsas, todas as crenças baseadas nelas terão de ser abandonadas.

➔ Razões para duvidar:


1) Os sentidos por vezes enganam e iludem-nos, e por isso é prudente nunca
confiar totalmente naqueles que nos enganaram, nem que só uma vez
2) Falta de um critério que nos permita distinguir o sonho da vigília (da
realidade), por vezes acreditamos que estamos a ter determinada experiência,
quando na realidade estamos a sonhar, de igual modo, quando julgamos estar
despertos podemos estar a sonhar sem o sabermos, e assim não podemos ter a
certeza absoluta de que as nossas crenças são reais, pois podemos estar a sonhar
sem o saber. E se não há certeza, então também não há conhecimento
3) Alguns seres humanos enganam-se e cometem erros de raciocínio, em
questões da matemática em geral. Assim Descartes põe em causa aquilo que até
então considerara o modelo do saber verdadeiro: o conhecimento matemático
4) Hipótese de existência de um deus enganador ou génio maligno, um ser
poderoso, astuto e que se diverte à custa dos erros humanos, uma vez que nos cria
de forma a que nos enganemos sempre que raciocinemos, mesmo em relação
aquilo que nos parece evidente. Este argumento estende a dúvida à existência de
um mundo exterior, uma vez que um deus enganador tem capacidade de fazer com
que toda a nossa existência seja uma espécie de sonho. Isto vai abalar ainda mais a
confiança depositada na matemática, porque mostra que proposições com origem
na razão, como as da matemática, não são verdades indubitáveis (deus pode nos ter
criado de forma a que nos enganemos sempre nessas questões)
Ex: 3+3=6 pode ser falsa, embora julguemos ser claramente verdadeira
➔ Características da dúvida
1) Metódica e provisória: porque é um meio para atingir, de modo organizado, um
conhecimento seguro, a certeza e a verdade. Não constituindo um fim em si mesma,
mantém-se apenas até se descobrir algo indubitável.
2) Hiperbólica: rejeita como falso tudo aquilo duvidoso ou em que se note a mínima
suspeita de incerteza.
3) Universal e radical: Incide sobre todas as nossas crenças (a priori e a posteriori) e
põe em questão a possibilidade de construir o conhecimento (as faculdades do
conhecimento são postas em causa).
4) Voluntária: Não é uma dúvida sofrida em termos psicológicos, mas sim
artificial e estabelecida livremente como um instrumento para a razão se libertar do
erro, para reconstruir o saber, com fundamentos sólidos.
E por isso possui uma função catártica/purificadora
Permite que nos libertemos dos juízos precipitados que formulamos na infância,
dos preconceitos adquiridos, das opiniões falsas, da confiança cega nas
informações dos sentidos, assim como da tradição e da autoridade → permite
construir o conhecimento com base em fundamentos sólidos

Da dúvida ao cogito
➔ Sendo um ato livre da vontade, a dúvida acabará por conduzir a uma verdade
incontestável a afirmação da minha existência, portanto da dúvida mais radical e
absoluta vai brotar a certeza da existência do pensamento, já que para duvidar é
necessário pensar e existir como sujeito pensante (ninguém pode pensar se não
existir).
➔ A crença “Penso, logo existo” ou o termo cogito é absolutamente verdadeira
➔ Cogito é uma afirmação evidente e indubitável, obtida por intuição, de modo
inteiramente racional e a priori
➔ Não há nada no “Penso, logo existo” que lhe garanta que ele está a dizer a verdade,
exceto o facto de ele ver claramente que, para pensar é preciso existir.
Adotou como regra geral, a ideia que é verdadeiro tudo o que concebemos muito
claramente e distintamente
Critério da verdade consiste
- clareza: diz respeito à presença da ideia à mente que a considera com
atenção.
- distinção: Equivale à separação de uma ideia relativamente a outras, de
modo que ela não contenha elementos que não lhe pertençam.
Ideias claras e distintas são evidentes para a razão
➔ Enquanto primeira verdade, o cogito surge-nos como crença fundacional ou
básica e a partir dela Descartes procura reconstruir o edifício do conhecimento
➔ Crença autoevidente e autojustificada → evita a regressão infinita da justificação
➔ A apreensão intuitiva da existência mostra-nos como esta é indissociável do
próprio pensamento. Portanto a natureza do sujeito consiste no pensamento
(toda a atividade consciente). O eu é uma coisa pensante.
O pensamento é o atributo essencial da alma (substância pensante), a qual é
distinta do corpo e é conhecida antes dele e de tudo o resto (neste momento não
sabemos se o corpo existe ou não)
Será que além do cogito, existe alguma proposição indubitável?
Do cogito a Deus
➔ O cogito constitui uma certeza subjetiva (crença do sujeito acerca de si próprio)
➔ Cogito não é suficiente para garantir que temos um corpo ou que existe um
mundo exterior e independente do nosso pensamento
➔ Embora possua um critério de verdade, o sujeito pensante, limitado e imperfeito é
incapaz, por si só, de garantir a verdade objetiva daquilo que pensou com clareza e
distinção
➔ O cogito não é, por si só, capaz de estabelecer a verdade posta em causa com
a hipótese do Génio maligno, não é suficiente para assegurar que temos um
corpo, nem que as nossas experiências perceptivas são fiáveis. Enquanto esta
hipótese (génio maligno) não for definitivamente afastada não temos a certeza de
que não estamos a ser enganados por ele. Se excetuarmos o caso do cogito, nada
impede que uma divindade enganadora nos leve a tomar como claro e distinto algo
que não é verdadeiro

➔ É necessário provar a existência de um Deus que não nos engane e seja portanto a
garantia das verdades, ultrapassando o solipsismo e o ceticismo radical
solipsismo: teoria que reduz toda a realidade ao sujeito pensante (apenas aquilo
que o eu pensante tem consciência é a realidade, é impossível saber se há algo
mais)
ceticismo radical: Teoria que considera que não é possível haver conhecimento
➔ Tipos de ideias
1) Adventícias (advém do exterior): são ideias que têm origem na experiência sensível
Ex: ideias de árvore, cebola, relógio
2) Factícias (ideias que a nossa razão inventa): ideias fabricadas pela imaginação, a
partir de outras ideias
Ex: ideias de sereia, unicórnio, dragão
3) Inatas: são ideias constitutivas da própria razão e já possuímos à nascença
Ex: ideias de pensamento, substância, existência, triângulo, ser perfeito
Ideias adventícias e factícias → não satisfazem o critério de verdade, e por isso
são falsas
Ideias inatas → satisfazem o critério de verdade (são claras e distintas), e por isso
servem de base para todos os conhecimentos, são as “sementes das ciências”
Entre as ideias inatas que possuímos encontra-se a ideia de ser perfeito/perfeição. Um
ser perfeito é omnisciente, sumamente inteligente, infinito, eterno, independente,
omnipotente, sumamente bom e criador de toda a realidade
Se conseguir provar que Deus existe e não é enganador vai conseguir afastar a ideia do
gênio maligno, superar o solipsismo e, afastar de vez a ameaça do ceticismo.

A partir da ideia de Ser Perfeito, o filósofo demonstra a existência de Deus mediante


três provas:
1) Argumento ontológico: Esta prova desenvolve-se a priori, sem recurso à
causalidade ou à experiência. Descartes parte da ideia ser perfeito para provar a
existência de Deus. Descartes toma Deus como um ser perfeito, e sabemos que um
ser é perfeito quando contém todas as perfeições, a existência é considerada uma
dessas perfeições. Assim Deus, como ser perfeito, existe. Considerar que este não
existe seria limitar a sua perfeição ou uma imperfeição (essência implica existência)
2) Argumento da marca/prova impressa:
Descartes, descobre que possui a ideia de perfeição a partir da consciência de que
ele próprio é um ser imperfeito, pois possuir certezas equivale a maior perfeição do
que duvidar.
Dado que nada pode existir sem uma causa que o determine, o filósofo interroga-se
sobre a causa dessa ideia de absoluta perfeição.
- Descartes, ser imperfeito, não pode ser o autor dessa ideia, pois, segundo ele, a
causa deve ser pelo menos tão perfeita como o seu efeito, e o que é imperfeito não
pode gerar o perfeito
- A ideia de ser perfeito também não pode provir do nada, pois do nada não pode
proceder coisa alguma.
- Portanto, só um ser infinitamente perfeito, como Deus, pode ser o autor da referida
ideia, assim sendo, foi Deus que colocou a sua ideia em mim
3) Argumento da causa do ser pensante:
Esta prova parte da questão acerca da causa da existência do ser pensante que é
um ser finito, imperfeito
e contingente.
- O ser pensante não pode ser a causa da sua própria existência, se assim fosse,
teria dado a si próprio as perfeições que não possui.
- Por outro lado, o ser pensante é finito e não tem o poder de se conservar no seu
próprio ser no tempo (não consegue ser infinito), tal só aconteceria se fosse a sua
própria causa.
- Logo, a causa, o criador do ser pensante e de toda a realidade é Deus.
- Sendo Deus perfeito não necessita de ser criado por outro ser, é causa de si
mesmo, causa incausada
➔ Sendo perfeito, Deus é bom e não é enganador, assim encontramo-nos libertos da
hipótese do génio maligno.
Deus é a garantia da verdade das ideias claras e distintas, ou seja, uma vez que
Deus existe e é perfeito, tudo aquilo que concebemos clara e distintamente é
verdadeiro.
➔ Sendo criador de verdades eternas, a origem do ser e o fundamento da certeza, só
Deus pode conferir valor à ciência e objetividade ao conhecimento → Deus é o
princípio do ser e da verdade
➔ Deus deu-nos as ferramentas necessárias para descobrirmos a verdade mas
criou-nos com livre-arbítrio. A nossa vontade é livre para fazer boas ou más
escolhas, para decidir dar, ou não, assentimento a juízos que não são evidentes.
Deus não é responsável pelos erros humanos
➔ Provada a existência de Deus, Descartes irá deduzir muitas verdades, provando
igualmente a existência do corpo e de um mundo exterior , confiando no critério
da verdade (clareza e distinção) e que Deus não o engana → poderá construir o
edifício do conhecimento e superar os argumentos dos céticos radicais

Segundo Descartes podemos ter ideias claras e distintas dos atributos


essenciais (da natureza) de 3 tipos de substâncias
- a substância pensante “res cogitans”, cujo atributo é o pensamento;
- a substância extensa “res extensa”, cujo atributo essencial é a extensão e o
movimento;
- a substância divina “res divina”, cujo atributo essencial é a perfeição, a qual se
identifica com os vários atributos de Deus
extensão: é a propriedade que algo tem de ocupar espaço (largura, comprimento,
altura)
Garantindo a existência de Deus e a sua veracidade, Descartes está em condições
de superar a dúvida relativamente à existência das coisas materiais/ corpos,
mundo exterior
Pela razão, tendo em conta o critério de verdade adotado, Descartes encontra em si
a ideia clara e distinta dos corpos como substâncias extensas. A essência das
coisas materiais é a extensão em comprimento, largura e altura. Deus é a garantia
de que se possuímos a ideia clara e distinta da extensão, ela terá de corresponder a
uma extensão real na natureza. Se Deus, que não é enganador, me criou com uma
forte inclinação para admitir que o mundo existe, é necessário admitir que o mundo
exista.
Nota: A existência das coisas materiais não se pode provar com base na
experiência sensorial, os sentidos não são de confiança.

O ser humano constitui uma união de duas substâncias


- alma (substância pensante)
- corpo (substância extensa)
Trata-se então de um dualismo substancial

Segundo o método utilizado por Descartes, as principais verdades, das quais se


deduzirão outras, são:
1) Existência do eu pensante (alma), traduzida no cogito
2) Existência de Deus, ser perfeito
3) Existência de corpos extensos em comprimento, largura e altura.

Fundacionalismo racionalista de Descartes


O fundamento do conhecimento encontra-se
→ no cogito, enquanto crença básica ou fundacional e primeira verdade
→ noutras ideias claras e distintas da razão, obtidas de modo intuitivo.
Mas só Deus é que permite construir o edifício do conhecimento, visto que só ele, sendo o
princípio de toda a realidade e origem da razão, pode ser garantia de verdade e ao mesmo
tempo criador de ideias inatas, claras e distintas

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