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René Descartes nasceu em Haye – 1596, antiga província de Touraine, hoje Descartes. -1650)
filósofo e matemático francês, criador do plano cartesiano e do pensamento cartesiano, sistema
filosófico que deu origem à Filosofia Moderna. Aautor da obra “O Discurso do Método”,
publicado em1637.
Entre 1607 e 1615, estudou no colégio jesuíta Royal Henry – Le Grand, estabelecido no castelo
de La Fleche, doado aos jesuítas pelo rei Henrique IV. Posteriormente, estudou Direito na
Universidade de Poitiers, concluindo o curso em 1616, mas nunca exerceu Direito. Dececionado
com o ensino, afirmou que a filosofia escolástica não conduzia a nenhuma verdade indiscutível e
rompeu com a filosofia de Aristóteles, adotada nas academias. Só a matemática demonstra
aquilo que afirma. Inicia os estudos de matemática em 1618, com o cientista holandês Isaac
Beeckman. Com 22 anos começou a formular a sua geometria analítica e método de raciocinar
corretamente. Em 1619, propõe uma ciência unitária e universal, lançando as bases do método
científico moderno.
Objetivos de aprendizagem
1. Compreender em que consiste o projeto cartesiano de fundamentação do conhecimento.
3. Conhecer as razões que Descartes apresenta para duvidar da verdade dos fundamentos do sistema
dos conhecimentos estabelecidos.
3.1. Explicitar o argumento baseado nos erros dos sentidos e o seu resultado.
3.2. Explicitar o argumento baseado nas ilusões dos sonhos e o seu resultado.
3.3. Explicitar o argumento baseado na hipótese do Deus enganador e o seu resultado.
6. Compreender como da primeira verdade se deduz a existência de Deus como ser perfeito.
8. Compreender que a crença na existência do mundo é uma crença natural e não uma verdade
dedutiva.
As obras mais significativas de Descartes avaliam o que aprendeu nas instituições de saber da sua
época. Descartes mostra-se insatisfeito. O «sistema dos conhecimentos estabelecidos» tinha
deficiências. Descartes aponta duas, que se ligam entre si:
Primeira deficiência
Descartes preocupa-se com a firmeza do conhecimento, com o seu alicerce. Para ele, só pode
fundamentar o conhecimento, o que garantir, absolamente que o que acreditamos ser verdadeiro, é
verdadeiro.
“Ou o conhecimento se constitui por verdades indubitáveis ou não é conhecimento.”
Esta fragilidade da base deve-se ao facto de o «sistema dos conhecimentos estabelecidos» se
fundar na ideia de inspiração aristotélica e medieval de que todo o conhecimento começa com a
experiência. A experiência baseia-se nos sentidos, e estes enganam-nos com frequência. Assim, é
impossível considerar firme e seguro um sistema que se baseia em algo que não é fiável (os
sentidos).
Descartes não afirma que todas as crenças desse sistema sejam falsas. O problema é a sua
justificação, porque a experiência é falível e não pode dar às crenças, ou opiniões, garantia de que
são absolutamente verdadeiras. Por isso, se queremos ter uma garantia absoluta de que os nossos
conhecimentos ou opiniões são verdadeiras, temos que encontrar outra base, outro princípio sólido
que não pode ser a experiência.
A segunda deficiência
A desorganização. Esta deficiência liga-se à primeira. Se a experiência não é fiável, não pode ser a
base, o ponto de partida do verdadeiro conhecimento. A experiência é sempre um mau «primeiro
princípio». Assim, um sistema fundado na experiência é desorganizado porque se considera como
alicerce ou fundamento aquilo que não pode garantir que o nosso conhecimento é verdadeiro.
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A importância e a função da dúvida metódica para começar de novo desde os
fundamentos
«Notei, há alguns anos já, que, tendo recebido desde a mais tenra idade tantas coisas falsas por
verdadeiras, e sendo tão duvidoso tudo o que depois sobre elas fundei, tinha de deitar abaixo
tudo, inteiramente, por uma vez na minha vida, e começar, de novo, desde os primeiros
fundamentos, se quisesse estabelecer algo de seguro e duradouro nas ciências. Então, hoje, […]
vou dedicar-me, por fim, com seriedade e livremente, a destruir em geral as minhas opiniões.
Para isso não será necessário mostrar que todas são falsas, o que possivelmente eu nunca iria
conseguir. […] Não tenho de percorrê-las cada uma em particular, trabalho que seria sem fim:
porque uma vez minados os fundamentos, cai por si tudo o que está sobre eles edificado, atacarei
imediatamente aqueles princípios em que se apoiava tudo aquilo em que anteriormente
acreditei».
Descartes, Meditações sobre a Filosofia Primeira, trad. De Gustavo de Fraga,
Coimbra,LivrariaAlmedina,1985,p.105.
Mas como encontrar uma verdade sobre a qual não possa recair a mínima suspeita de falsidade,
absolutamente indubitável? Utilizando a seguinte regra metodológica:
«Nunca aceitar como verdadeira alguma coisa sem a conhecer evidentemente como tal;
[...] não incluir nos nossos juízos se não o que se apresentasse tão clara e tão
distintamente ao meu espírito que não tivesse nenhuma ocasião para o pôr em dúvida».
Descartes,DiscursodoMétodo,
Lisboa,Ed.70,1986,pp.56-57
1. Considerar falsa qualquer opinião ou crença em que detetarmos a mínima fragilidade, isto
é, sobre a qual possamos ter uma razão para duvidar, por mais ténue que seja.
2. Considerar que qualquer faculdade que usamos para conhecer não merece confiança se
alguma vez nos tiver enganado ou se tivermos alguma razão para suspeitar de que nos pode
enganar.
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O que é a dúvida para Descartes?
Descartes sabe que, no conjunto dos conhecimentos recebidos, haverá verdades, as matemáticas,
por exemplo – e falsidades. Mas o problema é que nenhuma das eventuais verdades deu prova de
ser indubitável –não foram submetidas ao exame rigoroso da dúvida. Por outro lado, mesmo que
haja verdades, fazem parte de um sistema que, segundo a convicção de Descartes, não tem base
fiável. Então, para encontrar uma verdade indubitável, Descartes vai dedicar-se a tentar provar que
todas as opiniões que recebeu são falsas. Se, durante esse processo, alguma resistir, teremos de a
considerar verdadeira. Não há, com efeito, senão um meio para descobrir aquilo de que não
podemos duvidar, o mínimo que seja: é inventariar antes de mais tudo aquilo de que podemos
duvidar.
Tudo? Vai tentar provar que todas as opiniões aprendidas são falsas? Não será uma tarefa sem fim,
tantas são as opiniões recebidas? O que fazer então? Avaliar a firmeza ou solidez das bases em
que assentam as opiniões ou crenças que lhe foram transmitidas e que considerou verdadeiras. Se
as bases em que as crenças e opiniões recebidas assentam forem duvidosas, terá razões suficientes
para julgar como inaceitáveis as opiniões que nelas se apoiam.
Exercícios:
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A destruição das bases do «sistema dos conhecimentos estabelecidos»
«[...] Descobri que eles [os sentidos] por vezes nos enganam, e é de prudência nunca
confiar totalmente naqueles que, mesmo uma só vez, nos enganaram.»
Descartes,MeditaçõessobreaFilosofiaPrimeira,trad.deGustavodeFraga,
Coimbra,LivrariaAlmedina,1985,p.107
A crença de que o conhecimento começa com a experiência, ou seja, de que os sentidos são fontes
de conhecimento, é a primeira base dos conhecimentos tradicionais que Descartes vai questionar e
rejeitar como falsa. Consideremos as informações dos sentidos sobre o mundo físico. São de
confiança? Os sentidos enganam-nos algumas vezes, como quando, por exemplo, nos dão a
impressão de ser redondo o que é quadrado, verde o que é amarelo, quebrado o que está inteiro.
Apliquemos então o princípio hiperbólico que orienta o uso da dúvida: se devemos considerar
como sempre enganador o que nos engana algumas vezes, então os sentidos não merecem
qualquer confiança. O empirismo é uma teoria falsa.
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2. A opinião ou crença de que o mundo físico existe é falsa
Parece, agora, que Descartes foi longe demais. É um facto que os sentidos me iludem. Mas há
informações que deles recebo que parecem incontestáveis. Como posso duvidar que estou nesta
sala a ler este texto? E que esta sala existe? Será possível duvidar que os objetos do mundo físico
existem? Descartes faz isso, mediante o argumento dos sonhos, Descartes defende que é possível
duvidar da existência dos objetos físicos e da nossa crença natural na existência do mundo físico.
«Quantas vezes me acontece que, durante o repouso noturno, me deixo persuadir de coisas tão
habituais como que estou aqui, com o roupão vestido, sentado à lareira, quando, todavia, estou
estendido na cama e despido! Mas agora, observo este papel seguramente com os olhos abertos,
esta cabeça que movo não está a dormir, voluntária e conscientemente estendo esta mão e sinto-
a; o que acontece quando se dorme não parece tão distinto. Como se não me recordasse de já ter
sido enganado em sonhos por pensamento semelhantes! Por isso, se reflito mais atentamente,
vejo com clareza que vigília e sono nunca se podem distinguir por sinais seguros[…].»
Descartes, Meditações sobre a Filosofia Primeira, trad. De Gustavo de Fraga,
Coimbra, Livraria Almedina, 1985, p.108
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3.A crença nas verdades racionais pode ser falsa
«Está gravada no meu espírito uma velha crença, segundo a qual existe um Deus que pode tudo e
pelo qual fui criado tal como existo. Mas quem me garante que ele não procedeu de modo que
não houvesse nem terra, nem céu, nem corpos extensos, nem figura, nem grandeza, nem lugar, e
que, no entanto, tudo isto me parecesse existir tal como agora? E mais ainda, assim como
concluo que os outros se enganam algumas vezes naquilo que pensam saber com absoluta
perfeição, também eu me podia enganar todas as vezes que somasse dois e três ou contasse os
lados de um quadrado.»
Descartes,MeditaçõessobreaFilosofiaPrimeira,trad.deGustavodeFraga,
Coimbra,LivrariaAlmedina,1985,pp.110-111.
As matemáticas são produtos da atividade da razão e por isso constituem situam-se na dimensão
dos objetos inteligíveis. Sendo realidades inteligíveis consideradas evidentes, se as pudermos pôr
em causa, todos os outros produtos da razão serão postos em dúvida.
O argumento baseia-se numa hipótese: a de que Deus, que supostamente me criou, criando ao
mesmo tempo a minha razão, sendo um ser omnipotente (capaz de tudo), pode fazer tudo, mesmo
aquilo que eu acho incrível. Não é incrível que 2+3 não sejam 5? Mas Deus é omnipotente. Ora, o
que o impediria de ter criado a minha razão «virada do avesso» –sem disso me informar–,
julgando verdadeiro o que é falso e falso o que é verdadeiro? Assim, há razão –por mais fantasiosa
e fraca que seja– para duvidar das mais elementares verdades matemáticas. Deus pode ser um
«génio maligno» que se compraz em enganar-me. A suspeita está instalada e, assim sendo, as
verdades matemáticas não são indubitáveis.
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O 3.º resultado do exercício da dúvida: é falsa a crença de que as verdades matemáticas
sejam indubitáveis.
Baseado na hipótese de um Deus enganador, Descartes lança a suspeita sobre a verdade das ideias
que o entendimento humano produz, isto é, sobre os objetos inteligíveis. A omnipotência divina
parece implicar que Deus tudo pode fazer, inclusive transformar em falso o que me parece
impossível não ser verdadeiro. Assim, há alguma razão para não confiar nos resultados da
atividade da razão.
Quer os objetos físicos quer os objetos inteligíveis estão sob suspeita. Não conseguimos provar de
forma irrefutável que acreditar na sua existência é verdadeiro.
Exercícios:
1. Descartes é empirista?
2. Porque razão não podem os sentidos ser a fonte ou origem do conhecimento?
3. Explicite o argumento dos sonhos.
4. Qual é a diferença entre o primeiro nível de aplicação da dúvida e o segundo?
5. Explicite o argumento do Deus enganador ou génio maligno e a sua finalidade.
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A primeira verdade indubitável:
«Penso, logo, existo» ou duvido de tudo, mas não posso duvidar de que existo.
Chegado a este ponto, Descartes pensa: todos os objetos, quer sensíveis ou físicos quer os
inteligíveis (as ideias e demonstrações matemáticas), estão sob suspeita. Será que falhou o projeto
de encontrar uma verdade indubitável? Estamos condenados ao ceticismo, à ideia de que não
podemos fundamentar nenhuma das opiniões ou crenças que julgamos verdadeiras? Descartes
pensa que não.
«[...] Notei que, enquanto assim queria pensar que tudo era falso, era de todo necessário que eu,
que o pensava, fosse alguma coisa. E notando que esta verdade: eu penso, logo existo, era tão
firme e tão certa que todas as extravagantes suposições dos céticos não eram capazes de a
abalar, julguei que a podia aceitar, sem escrúpulo, para primeiro princípio da filosofia que
procurava.»
Descartes, Discurso do Método,
Lisboa, Ed.70, 1986,p.74.
A dúvida é um ato que é exercido por alguém, um sujeito, que conseguiu pôr tudo em causa, mas,
não pode pôr em causa a sua existência, não há como fazê-lo. O ato de duvidar é a «prova» de que
ele existe. Se duvidar é um ato do pensamento, devo dizer «(Eu) Penso – duvido de tudo neste
momento –, logo, existo». «Penso, logo, existo» – Cogito ergo sum –é a primeira e absoluta
verdade. A existência do eu é, portanto, a primeira verdade indubitável. Temos lançada a
«primeira pedra» do «edifício» do conhecimento. O termo, em latim, cogito, costuma usar-se
como abreviatura desta verdade absolutamente primeira e para designar o sujeito que pensa.
É no ato de pensar que o sujeito descobre a sua existência e, desta, não pode duvidar. A existência
do sujeito que neste momento duvida de todos os objetos não é o resultado de um silogismo, como
se poderia sugerir. Para ser um silogismo, teria de ser deduzida de um conhecimento anterior mais
geral, por exemplo: «Tudo o que pensa existe. Eu penso, logo, eu existo». Ora, isso é impossível
porque neste momento o sujeito que duvida só tem a certeza da sua existência.
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Trata-se, segundo Descartes, de uma intuição. Neste caso, de uma intuição existencial. Sei que
existo como sujeito do ato de pensar. O que entende Descartes por intuição? Entende um ato em
que a razão, sem recorrer a raciocínios, se apercebe da verdade de algo sem margem para dúvidas.
Ao mesmo tempo que tenho a intuição da minha existência, tenho a da minha essência. Eu existo.
Mas o que sou eu? A resposta de Descartes é que é uma coisa ou substância pensante (res
cogitans).
Em Descartes, a intuição da existência do eu (intuição existencial ) é acompanhada pela intuição
da essência do eu, ou seja, do que este é (uma substância pensante). Que o eu exista como
substância pensante é uma verdade auto evidente que não se baseia em nenhuma outra verdade. A
primeira verdade é «Eu existo como ser pensante». Detenhamo-nos um pouco nas caraterísticas
desta primeira verdade.
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Resumo: Características da primeira verdade
Conhecimento Conhecimento a Modelo e critério de Ideia inata porque se
indubitável e partir do qual se vão verdade. impõe como verdade
autoevidente, que deduzir outros absoluta à razão sem
não depende de porque é recurso à experiência.
nenhum outro. absolutamente
primeiro.
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