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Análise comparativa de duas teorias explicativas do conhecimento.

René Descartes nasceu em Haye – 1596, antiga província de Touraine, hoje Descartes. -1650)
filósofo e matemático francês, criador do plano cartesiano e do pensamento cartesiano, sistema
filosófico que deu origem à Filosofia Moderna. Aautor da obra “O Discurso do Método”,
publicado em1637.
Entre 1607 e 1615, estudou no colégio jesuíta Royal Henry – Le Grand, estabelecido no castelo
de La Fleche, doado aos jesuítas pelo rei Henrique IV. Posteriormente, estudou Direito na
Universidade de Poitiers, concluindo o curso em 1616, mas nunca exerceu Direito. Dececionado
com o ensino, afirmou que a filosofia escolástica não conduzia a nenhuma verdade indiscutível e
rompeu com a filosofia de Aristóteles, adotada nas academias. Só a matemática demonstra
aquilo que afirma. Inicia os estudos de matemática em 1618, com o cientista holandês Isaac
Beeckman. Com 22 anos começou a formular a sua geometria analítica e método de raciocinar
corretamente. Em 1619, propõe uma ciência unitária e universal, lançando as bases do método
científico moderno.

Objetivos de aprendizagem
1. Compreender em que consiste o projeto cartesiano de fundamentação do conhecimento.

2. Esclarecer o que se entende por dúvida metódica.


2.1. Entender a relação entre a dúvida metódica e a procura de uma verdade indubitável.
2.2.Compreender porque razão a dúvida metódica tem um caráter hiperbólico.

3. Conhecer as razões que Descartes apresenta para duvidar da verdade dos fundamentos do sistema
dos conhecimentos estabelecidos.
3.1. Explicitar o argumento baseado nos erros dos sentidos e o seu resultado.
3.2. Explicitar o argumento baseado nas ilusões dos sonhos e o seu resultado.
3.3. Explicitar o argumento baseado na hipótese do Deus enganador e o seu resultado.

4. Esclarecer o caráter indubitável do Cogito «Penso,logo,existo».


4.1. Caraterizar essa primeira verdade como absolutamente primeira, inata, objeto de intuição e
critério de verdade

5. Compreender como da primeira verdade se deduz a distinção entre alma e corpo.

6. Compreender como da primeira verdade se deduz a existência de Deus como ser perfeito.

7. Esclarecer a dupla função da prova da existência de Deus como ser perfeito.


7.1. Superação do solipsismo.
7.2. Garantia absoluta ou metafísica das verdades que julgamos claras e distintas.

8. Compreender que a crença na existência do mundo é uma crença natural e não uma verdade
dedutiva.

9. Esclarecer a principal crítica a Descartes.

10. Esclarecer os aspetos fundamentais do racionalismo cartesiano.


O projeto de Descartes:
Garantir que o nosso conhecimento é constituído por verdades indubitáveis

As obras mais significativas de Descartes avaliam o que aprendeu nas instituições de saber da sua
época. Descartes mostra-se insatisfeito. O «sistema dos conhecimentos estabelecidos» tinha
deficiências. Descartes aponta duas, que se ligam entre si:

1. A base do sistema não é sólida e firme


2. Os supostos conhecimentos não estão bem organizados.

Primeira deficiência
Descartes preocupa-se com a firmeza do conhecimento, com o seu alicerce. Para ele, só pode
fundamentar o conhecimento, o que garantir, absolamente que o que acreditamos ser verdadeiro, é
verdadeiro.
“Ou o conhecimento se constitui por verdades indubitáveis ou não é conhecimento.”
Esta fragilidade da base deve-se ao facto de o «sistema dos conhecimentos estabelecidos» se
fundar na ideia de inspiração aristotélica e medieval de que todo o conhecimento começa com a
experiência. A experiência baseia-se nos sentidos, e estes enganam-nos com frequência. Assim, é
impossível considerar firme e seguro um sistema que se baseia em algo que não é fiável (os
sentidos).
Descartes não afirma que todas as crenças desse sistema sejam falsas. O problema é a sua
justificação, porque a experiência é falível e não pode dar às crenças, ou opiniões, garantia de que
são absolutamente verdadeiras. Por isso, se queremos ter uma garantia absoluta de que os nossos
conhecimentos ou opiniões são verdadeiras, temos que encontrar outra base, outro princípio sólido
que não pode ser a experiência.

A segunda deficiência
A desorganização. Esta deficiência liga-se à primeira. Se a experiência não é fiável, não pode ser a
base, o ponto de partida do verdadeiro conhecimento. A experiência é sempre um mau «primeiro
princípio». Assim, um sistema fundado na experiência é desorganizado porque se considera como
alicerce ou fundamento aquilo que não pode garantir que o nosso conhecimento é verdadeiro.

As críticas de Descartes ao «sistema dos conhecimentos estabelecidos»


1.Fazendo o conhecimento depender da experiência, impede que haja uma justificação firme e
segura das verdades que descobrimos. (O conhecimento não recebe uma justificação adequada.)
2.Fazendo com que o conhecimento dependa da experiência, leva a que os conhecimentos não
sejam organizados e ordenados de forma racional.

Estas deficiências exigem a constituição de um novo sistema de conhecimentos.

1) Em que consiste o projeto de Descartes no que diz respeito ao conhecimento?


2) O que leva Descartes a propor-se realizar este projeto?
3) Porque é que a base do conhecimento, tal como descartes a encontra, não é sólida?

1
A importância e a função da dúvida metódica para começar de novo desde os
fundamentos

«Notei, há alguns anos já, que, tendo recebido desde a mais tenra idade tantas coisas falsas por
verdadeiras, e sendo tão duvidoso tudo o que depois sobre elas fundei, tinha de deitar abaixo
tudo, inteiramente, por uma vez na minha vida, e começar, de novo, desde os primeiros
fundamentos, se quisesse estabelecer algo de seguro e duradouro nas ciências. Então, hoje, […]
vou dedicar-me, por fim, com seriedade e livremente, a destruir em geral as minhas opiniões.
Para isso não será necessário mostrar que todas são falsas, o que possivelmente eu nunca iria
conseguir. […] Não tenho de percorrê-las cada uma em particular, trabalho que seria sem fim:
porque uma vez minados os fundamentos, cai por si tudo o que está sobre eles edificado, atacarei
imediatamente aqueles princípios em que se apoiava tudo aquilo em que anteriormente
acreditei».
Descartes, Meditações sobre a Filosofia Primeira, trad. De Gustavo de Fraga,
Coimbra,LivrariaAlmedina,1985,p.105.

Um sistema de conhecimentos é um conjunto organizado de verdades. Tem uma base – uma


primeira verdade– e outras verdades que dela derivam. Para Descartes, não há meio termo entre o
verdadeiro e o falso. O objetivo de alcançar um conhecimento absolutamente seguro conduz
Descartes a aceitar, somente, como verdade o que é impossível ser falso. A base do sistema terá de
ser uma verdade indubitável. Esta ideia de Descartes é importante porque um sistema de
conhecimentos composto por verdades firmes implica que, não só a primeira verdade (ou básica)
tem de ser indubitável, como também as outras.

Mas como encontrar uma verdade sobre a qual não possa recair a mínima suspeita de falsidade,
absolutamente indubitável? Utilizando a seguinte regra metodológica:

«Nunca aceitar como verdadeira alguma coisa sem a conhecer evidentemente como tal;
[...] não incluir nos nossos juízos se não o que se apresentasse tão clara e tão
distintamente ao meu espírito que não tivesse nenhuma ocasião para o pôr em dúvida».
Descartes,DiscursodoMétodo,
Lisboa,Ed.70,1986,pp.56-57

Esta regra estabelece o princípio orientador da investigação e carateriza a chamada dúvida


metódica: só aceitar como verdadeiras as opiniões de que não haja a mínima razão para duvidar,
eliminar aquelas que se revelem incapazes de resistir à dúvida.
Mas precisamos de dizer mais alguma coisa para caraterizar devidamente a dúvida metódica.
Temos de dizer que ela é hiperbólica. Não se pode ignorar este aspeto se quisermos perceber o
percurso de Descartes em busca de uma verdade indubitável. A dúvida metódica é hiperbólica. O
que significa isso? Significa que é orientada por duas decisões:

1. Considerar falsa qualquer opinião ou crença em que detetarmos a mínima fragilidade, isto
é, sobre a qual possamos ter uma razão para duvidar, por mais ténue que seja.

2. Considerar que qualquer faculdade que usamos para conhecer não merece confiança se
alguma vez nos tiver enganado ou se tivermos alguma razão para suspeitar de que nos pode
enganar.

2
O que é a dúvida para Descartes?

Instrumento na procura de uma Forma metódica de investigar a verdade


verdade absolutamente indubitável. separando totalmente o verdadeiro do falso.
A dúvida é o ponto de partida no objetivo de A dúvida é um instrumento que cumpre a regra
chegar a uma verdade que resista a todas as metódica, que manda considerar falso o que
tentativas de a pôr em causa. não for absolutamente verdadeiro.
Para separar o verdadeiro do falso, a dúvida assume um caráter hiperbólico: o que me enganar
alguma vez não merece confiança e o que suscitar a mais leve dúvida deve ser declarado falso.
Assim, terei a certeza de que, quando descobrir uma crença de que não possa duvidar, estarei de
posse de uma verdade inquestionável.

Descartes sabe que, no conjunto dos conhecimentos recebidos, haverá verdades, as matemáticas,
por exemplo – e falsidades. Mas o problema é que nenhuma das eventuais verdades deu prova de
ser indubitável –não foram submetidas ao exame rigoroso da dúvida. Por outro lado, mesmo que
haja verdades, fazem parte de um sistema que, segundo a convicção de Descartes, não tem base
fiável. Então, para encontrar uma verdade indubitável, Descartes vai dedicar-se a tentar provar que
todas as opiniões que recebeu são falsas. Se, durante esse processo, alguma resistir, teremos de a
considerar verdadeira. Não há, com efeito, senão um meio para descobrir aquilo de que não
podemos duvidar, o mínimo que seja: é inventariar antes de mais tudo aquilo de que podemos
duvidar.

Tudo? Vai tentar provar que todas as opiniões aprendidas são falsas? Não será uma tarefa sem fim,
tantas são as opiniões recebidas? O que fazer então? Avaliar a firmeza ou solidez das bases em
que assentam as opiniões ou crenças que lhe foram transmitidas e que considerou verdadeiras. Se
as bases em que as crenças e opiniões recebidas assentam forem duvidosas, terá razões suficientes
para julgar como inaceitáveis as opiniões que nelas se apoiam.

Resumo: Que fundamentos ou princípios do saber estabelecido questiona Descartes?


1 – A crença de que a 2 – A crença de que existe um 3 – A crença de que o nosso
experiência é a fonte dos mundo físico que, por isso entendimento (ou a nossa
nossos conhecimentos, isto é, mesmo, constitui objeto de razão) não se engana ou não
de que o conhecimento conhecimento. pode estar enganada quando
começa com a experiência e descobre verdades.
de que podemos confiar nos
sentidos
Tal como numa casa basta derrubar as fundações para que tudo o resto caia, também no
conhecimento humano, afirma Descartes, basta destruir os princípios de que tudo o resto deriva.

Exercícios:

1) Segundo Descartes, o que é a dúvida?


2) Porque razão recebe o nome de dúvida metódica?
3) A que se deve o seu caráter hiperbólico?
4) Porque razão é importante que o exame a que a dúvida submete as nossas crenças ou
opiniões tenha um caráter hiperbólico?
5) Descartes vai submeter diretamente a exame todas as opiniões recebidas?

3
A destruição das bases do «sistema dos conhecimentos estabelecidos»

Examinemos então as opiniões recebidas. Tentemos encontrar argumentos que as ponham em


causa. São três as razões fundamentais para duvidar. Estas correspondem a um igual número de
momentos do exercício da dúvida.

1.A opinião ou crença de que os sentidos são a origem do conhecimento é falsa.

«[...] Descobri que eles [os sentidos] por vezes nos enganam, e é de prudência nunca
confiar totalmente naqueles que, mesmo uma só vez, nos enganaram.»
Descartes,MeditaçõessobreaFilosofiaPrimeira,trad.deGustavodeFraga,
Coimbra,LivrariaAlmedina,1985,p.107

A crença de que o conhecimento começa com a experiência, ou seja, de que os sentidos são fontes
de conhecimento, é a primeira base dos conhecimentos tradicionais que Descartes vai questionar e
rejeitar como falsa. Consideremos as informações dos sentidos sobre o mundo físico. São de
confiança? Os sentidos enganam-nos algumas vezes, como quando, por exemplo, nos dão a
impressão de ser redondo o que é quadrado, verde o que é amarelo, quebrado o que está inteiro.
Apliquemos então o princípio hiperbólico que orienta o uso da dúvida: se devemos considerar
como sempre enganador o que nos engana algumas vezes, então os sentidos não merecem
qualquer confiança. O empirismo é uma teoria falsa.

Assim, Descartes rejeita um dos fundamentos do saber tradicional, de ins-piração aristotélica e


empirista: a convicção de que o conhecimento começa com a experiência, com as informações dos
sentidos.

O 1.º resultado do exercício da dúvida:


As informações dos sentidos sobre as propriedades dos objetos físicos não merecem confiança.
Descartes considerava que a confiança na perceção sensível ou experiência era uma das bases do
saber tradicional. Rejeita essa crença aplicando a dúvida de forma hiperbólica. Como algumas
vezes nos enganam, devemos confiar nas suas informações sobre as qualidades dos objetos
sensíveis. A sua teoria do conhecimento rejeita, por conseguinte, o empirismo.

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2. A opinião ou crença de que o mundo físico existe é falsa

Parece, agora, que Descartes foi longe demais. É um facto que os sentidos me iludem. Mas há
informações que deles recebo que parecem incontestáveis. Como posso duvidar que estou nesta
sala a ler este texto? E que esta sala existe? Será possível duvidar que os objetos do mundo físico
existem? Descartes faz isso, mediante o argumento dos sonhos, Descartes defende que é possível
duvidar da existência dos objetos físicos e da nossa crença natural na existência do mundo físico.

«Quantas vezes me acontece que, durante o repouso noturno, me deixo persuadir de coisas tão
habituais como que estou aqui, com o roupão vestido, sentado à lareira, quando, todavia, estou
estendido na cama e despido! Mas agora, observo este papel seguramente com os olhos abertos,
esta cabeça que movo não está a dormir, voluntária e conscientemente estendo esta mão e sinto-
a; o que acontece quando se dorme não parece tão distinto. Como se não me recordasse de já ter
sido enganado em sonhos por pensamento semelhantes! Por isso, se reflito mais atentamente,
vejo com clareza que vigília e sono nunca se podem distinguir por sinais seguros[…].»
Descartes, Meditações sobre a Filosofia Primeira, trad. De Gustavo de Fraga,
Coimbra, Livraria Almedina, 1985, p.108

Descartes cria um argumento que parte da impossibilidade de encontrar um critério absolutamente


convincente que permita distinguir o sonho da realidade. Há acontecimentos, vividos durante o
sonho, que são vividos com tanta intensidade como quando estamos acordados. Assim, há razão
para acreditar que o que consideramos real pode não passar de um sonho. Deste modo, posso
supor que os acontecimentos e coisas que julgo reais são só figurantes de um sonho. Basta esta
suspeita, esta mínima dúvida, para transformar acontecimentos e coisas que eu julgava reais em
algo meramente imaginário: tudo o que é sensível pode não passar de realidades que só existem
em sonho (incluindo o meu corpo).

O 2.º resultado do exercício da dúvida: é falsa a crença na existência do mundo físico.


Não havendo um critério absolutamente claro e distinto para distinguir o sonho da realidade, não
podemos considerar verdadeira a crença na existência de realidades físicas. Aplicando o princípio
que regula a aplicação da dúvida hiperbólica, tenho de concluir que o facto de julgar que tenho um
corpo e de existirem coisas físicas é uma ilusão.

5
3.A crença nas verdades racionais pode ser falsa

O exemplo mais óbvio de crenças racionais consideradas indubitáveis é a matemática. O


argumento dos sonhos não consegue lançar suspeitas sobre a verdade das proposições da
matemática. Como Descartes reconhece, dois mais dois são sempre quatro, e um triângulo é um
polígono de três ângulos, quer estejamos a sonhar ou acordados. Assim, para duvidar das
proposições da matemática, outro argumento tem de ser apresentado. Esse argumento ficou
conhecido pelo nome de «Argumento da hipótese do Deus enganador». Eis como Descartes o
expõe.

«Está gravada no meu espírito uma velha crença, segundo a qual existe um Deus que pode tudo e
pelo qual fui criado tal como existo. Mas quem me garante que ele não procedeu de modo que
não houvesse nem terra, nem céu, nem corpos extensos, nem figura, nem grandeza, nem lugar, e
que, no entanto, tudo isto me parecesse existir tal como agora? E mais ainda, assim como
concluo que os outros se enganam algumas vezes naquilo que pensam saber com absoluta
perfeição, também eu me podia enganar todas as vezes que somasse dois e três ou contasse os
lados de um quadrado.»
Descartes,MeditaçõessobreaFilosofiaPrimeira,trad.deGustavodeFraga,
Coimbra,LivrariaAlmedina,1985,pp.110-111.

As matemáticas são produtos da atividade da razão e por isso constituem situam-se na dimensão
dos objetos inteligíveis. Sendo realidades inteligíveis consideradas evidentes, se as pudermos pôr
em causa, todos os outros produtos da razão serão postos em dúvida.
O argumento baseia-se numa hipótese: a de que Deus, que supostamente me criou, criando ao
mesmo tempo a minha razão, sendo um ser omnipotente (capaz de tudo), pode fazer tudo, mesmo
aquilo que eu acho incrível. Não é incrível que 2+3 não sejam 5? Mas Deus é omnipotente. Ora, o
que o impediria de ter criado a minha razão «virada do avesso» –sem disso me informar–,
julgando verdadeiro o que é falso e falso o que é verdadeiro? Assim, há razão –por mais fantasiosa
e fraca que seja– para duvidar das mais elementares verdades matemáticas. Deus pode ser um
«génio maligno» que se compraz em enganar-me. A suspeita está instalada e, assim sendo, as
verdades matemáticas não são indubitáveis.

6
O 3.º resultado do exercício da dúvida: é falsa a crença de que as verdades matemáticas
sejam indubitáveis.
Baseado na hipótese de um Deus enganador, Descartes lança a suspeita sobre a verdade das ideias
que o entendimento humano produz, isto é, sobre os objetos inteligíveis. A omnipotência divina
parece implicar que Deus tudo pode fazer, inclusive transformar em falso o que me parece
impossível não ser verdadeiro. Assim, há alguma razão para não confiar nos resultados da
atividade da razão.

Quer os objetos físicos quer os objetos inteligíveis estão sob suspeita. Não conseguimos provar de
forma irrefutável que acreditar na sua existência é verdadeiro.

Resumo: O que põe em causa a dúvida metódica / hiperbólica?


1.Informações dos sentidos 2.A existência de objetos 2.A confiança nas operações
sobre os objetos físicos. físicos. e demonstrações da razão.
Como algumas vezes nos Se, por muito pouco que seja, Baseado na hipótese de um
enganam, devemos, posso duvidar de que sonho e Deus enganador, Descartes
hiperbolicamente, desconfiar realidade se distingam, então, lança a suspeita sobre a
sempre das suas informações aplicando o princípio que verdade das ideias que a razão
sobre as qualidades dos objetos regula a aplicação da dúvida humana produz, isto é, sobre
sensíveis. A teoria do hiperbólica, tenho de concluir os objetos inteligíveis.
conhecimento de Descartes que o facto de julgar que
rejeita, por conseguinte, o tenho um corpo e de
empirismo. existirem objetos físicos é
uma ilusão.

Exercícios:
1. Descartes é empirista?
2. Porque razão não podem os sentidos ser a fonte ou origem do conhecimento?
3. Explicite o argumento dos sonhos.
4. Qual é a diferença entre o primeiro nível de aplicação da dúvida e o segundo?
5. Explicite o argumento do Deus enganador ou génio maligno e a sua finalidade.

7
A primeira verdade indubitável:
«Penso, logo, existo» ou duvido de tudo, mas não posso duvidar de que existo.

Chegado a este ponto, Descartes pensa: todos os objetos, quer sensíveis ou físicos quer os
inteligíveis (as ideias e demonstrações matemáticas), estão sob suspeita. Será que falhou o projeto
de encontrar uma verdade indubitável? Estamos condenados ao ceticismo, à ideia de que não
podemos fundamentar nenhuma das opiniões ou crenças que julgamos verdadeiras? Descartes
pensa que não.

«[...] Notei que, enquanto assim queria pensar que tudo era falso, era de todo necessário que eu,
que o pensava, fosse alguma coisa. E notando que esta verdade: eu penso, logo existo, era tão
firme e tão certa que todas as extravagantes suposições dos céticos não eram capazes de a
abalar, julguei que a podia aceitar, sem escrúpulo, para primeiro princípio da filosofia que
procurava.»
Descartes, Discurso do Método,
Lisboa, Ed.70, 1986,p.74.

A dúvida é um ato que é exercido por alguém, um sujeito, que conseguiu pôr tudo em causa, mas,
não pode pôr em causa a sua existência, não há como fazê-lo. O ato de duvidar é a «prova» de que
ele existe. Se duvidar é um ato do pensamento, devo dizer «(Eu) Penso – duvido de tudo neste
momento –, logo, existo». «Penso, logo, existo» – Cogito ergo sum –é a primeira e absoluta
verdade. A existência do eu é, portanto, a primeira verdade indubitável. Temos lançada a
«primeira pedra» do «edifício» do conhecimento. O termo, em latim, cogito, costuma usar-se
como abreviatura desta verdade absolutamente primeira e para designar o sujeito que pensa.

1.A descoberta da existência do eu é uma intuição existencial

É no ato de pensar que o sujeito descobre a sua existência e, desta, não pode duvidar. A existência
do sujeito que neste momento duvida de todos os objetos não é o resultado de um silogismo, como
se poderia sugerir. Para ser um silogismo, teria de ser deduzida de um conhecimento anterior mais
geral, por exemplo: «Tudo o que pensa existe. Eu penso, logo, eu existo». Ora, isso é impossível
porque neste momento o sujeito que duvida só tem a certeza da sua existência.

8
Trata-se, segundo Descartes, de uma intuição. Neste caso, de uma intuição existencial. Sei que
existo como sujeito do ato de pensar. O que entende Descartes por intuição? Entende um ato em
que a razão, sem recorrer a raciocínios, se apercebe da verdade de algo sem margem para dúvidas.
Ao mesmo tempo que tenho a intuição da minha existência, tenho a da minha essência. Eu existo.
Mas o que sou eu? A resposta de Descartes é que é uma coisa ou substância pensante (res
cogitans).
Em Descartes, a intuição da existência do eu (intuição existencial ) é acompanhada pela intuição
da essência do eu, ou seja, do que este é (uma substância pensante). Que o eu exista como
substância pensante é uma verdade auto evidente que não se baseia em nenhuma outra verdade. A
primeira verdade é «Eu existo como ser pensante». Detenhamo-nos um pouco nas caraterísticas
desta primeira verdade.

2. As caraterísticas da primeira verdade - Cogito


a) O Cogito é o primeiro princípio do sistema dos conhecimentos. Nenhuma verdade pode ser
anterior, e dela dependerá o conhecimento de novas verdades.
b) É uma verdade descoberta por intuição e não por dedução. Corresponde à descoberta da
existência do eu no ato de pensar e à descoberta da sua essência nesse mesmo ato. O eu
existe como ser pensante. É descoberta pela razão independentemente de qualquer
contributo da experiência. Este princípio indubitável é puramente racional porque, no
momento em que o descobrimos, nenhuma realidade sensível merece crédito. É descoberta
por intuição. Não é deduzida de um conhecimento anterior mais geral do tipo, «Tudo o que
pensa existe»: neste momento, o sujeito que duvida só tem a certeza da sua existência.
c) É uma ideia inata. O «Penso, logo, existo» ou a existência do eu pensante é uma verdade
que não deriva ou depende da experiência, dos sentidos. Apresenta-se à razão como
verdade de que ela não pode duvidar. Está no nosso espírito desde sempre (ao nascer), e,
apesar de não termos desde logo consciência dela, a nossa razão descobre-a quando dá
atenção a si e não às coisas exteriores. É isto o que, segundo Descartes, carateriza as ideias
inatas.
d) É um modelo e um critério de verdade. O Cogito é um modelo e um critério de verdade
porque só é verdadeiro o que apreendemos com clareza e distinção. Serão verdadeiras
todas as ideias que forem tão claras e distintas como este primeiro conhecimento. É claro e
distinto o que a razão, independentemente dos sentidos, considera impossível ser falso.
e) É o ponto de partida do saber. Como primeira verdade indubitável, vai ser a partir dela que
a reconstrução do saber se vai fazer.

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Resumo: Características da primeira verdade
Conhecimento Conhecimento a Modelo e critério de Ideia inata porque se
indubitável e partir do qual se vão verdade. impõe como verdade
autoevidente, que deduzir outros absoluta à razão sem
não depende de porque é recurso à experiência.
nenhum outro. absolutamente
primeiro.

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