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Descrição e interpretação da atividade cognoscitiva

Gnosiologia (ou epistemologia)

Teoria do conhecimento – estudo do conhecimento, das relações entre o sujeito e o objeto,


procurando esclarecer e analisar criticamente os problemas que essas relações suscitam: a
natureza do conhecimento, a sua origem, o seu valor e os seus limites.

A relação sujeito-objeto

Conhecer é o ato que acontece quando um sujeito apreende um objeto. O sujeito é aquele que
conhece (sujeito cognoscente), e apreende um objeto. O objeto é aquilo que é conhecido
(objeto cognoscível). A apreensão consiste na reprodução da imagem do objeto no sujeito.

O sujeito só é sujeito em relação a um objeto e este só é objeto em relação a um sujeito. O


sujeito interage com a realidade, e é desse processo que o conhecimento emerge. Sujeito e
objeto têm de ser transcendentes e heterogéneos (as suas origens são diferentes e nenhum
pode ocupar o lugar do outro).

Fenomenologia

É um método que consiste em descrever o que se manifesta ou aparece na experiência que o


sujeito faz do objeto. A fenomenologia constitui-se como um método que descreve a estrutura
essencial do conhecimento em geral.

O processo de conhecimento (para que haja conhecimento, é preciso):

• contacto entre sujeito e objeto;


• órgãos dos sentidos, que recebem os estímulos do meio e transmitem os dados do
objeto captado;
• construir uma representação mental do objeto, dando uma forma e atribuindo um
significado aos dados captados.

A sensação – recebe os dados/informações/matéria a organizar através dos órgãos dos sentidos.

A perceção – descodifica, classifica e organiza os dados sensoriais, formando imagens.

A razão/entendimento – estabelece relações lógicas entre os dados percetivos, elabora


representações mentais abstratas, e elabora leis e teorias para explicar e compreender o
funcionamento da realidade.
Tipos de conhecimento

Conhecimento de aptidão Conhecimento proposicional Conhecimento por


(saber-como ou saber-fazer) (saber-que) contacto (algo/alguém)
Conhecimento prático ou Conhecimento de proposições Conhecimento direto de
conhecimento de atividades. ou pensamentos verdadeiros. alguma realidade.
Ex.: saber cozinhar. Ex.: saber que 2 + 2 = 4 Ex.: conhecer Paris.

Condições para que haja conhecimento

O diálogo Teeteto, de Platão, é a matriz da definição tripartida de conhecimento, pois estipula


três condições para que haja conhecimento: a existência de uma crença, a verdade dessa
crença, e a sua justificação (razões que a sustentam). Só podemos saber ou conhecer algo se
estes elementos estiverem presentes em simultâneo.

A crença é a adesão do sujeito a determinada proposição, tomando-a como verdadeira. O


verdadeiro e falso de qualquer crença depende de algo exterior a esta. A crença é uma condição
necessária do conhecimento, mas estas podem ser verdadeiras ou falsas.

Críticas à definição tradicional de conhecimento (Edmund Gettier)

Podem haver crenças verdadeiras justificadas sem que tais equivalham a um efetivo
conhecimento. É possível que alguém não possua conhecimento, ainda que sejam realizadas as
três condições. Podem haver crenças verdadeiras que são justificadas em resultado da sorte.

Justificação falível e infalível - Podemos dizer que uma crença só estará adequadamente
justificada se não houver a menor hipótese de esta ser falsa (infalivelmente justificada). A maior
parte dos filósofos crê que a just. das crenças deve ser falível (crenças falivelmente justificadas).

Conhecimento a posteriori e a priori

Conhecimento a posteriori Conhecimento a priori


Conhecimento empírico. Depende da Não depende da experiência empírica.
experiência, seja sensorial ou introspetiva.
Constituído por crenças que só podemos Constituído por crenças que podemos
justificar se recorrermos a dados empíricos justificar recorrendo só ao pensamento
(ciências da natureza e ciências humanas). (verdades da lógica/ matemática).
Teorias explicativas do conhecimento – tentam explicar a sua origem.

• Racionalismo – o entendimento é a fonte principal do conhecimento. A razão é fonte


de um conhecimento totalmente independente da experiência sensível (desvalorizam-
na devido à sua falta de rigor). O sujeito impõe-se ao objeto através das noções e
princípios evidentes que traz em si. O modelo de conhecimento é a matemática.

Ideias inatas: já Intuição e dedução: Otimismo racionalista: há uma


nascem connosco. o conhecimento correspondência entre o
constrói-se de forma pensamento e a realidade, toda
dedutiva. a realidade pode ser conhecida.

• Empirismo – a experiência é a fonte principal do conhecimento. Todas as ideias têm


uma base empírica, até as mais complexas. O conhecimento obtém-se através de
impressões sensoriais. O objeto impõe-se ao sujeito.

Rejeição de inatismo: não Significado da experiência: é nesta que o


existem princípios inatos. conhecimento tem o seu fundamento e também os
seus limites.

• Fundacionalismo – combinação da razão e da experiência. O conhecimento deve ser


concebido como uma estrutura que se ergue a partir de fundamentos indubitáveis.
Baseia-se nas crenças básicas. Estas suportam o sistema do saber, pois não necessitam
de uma justificação fornecida por outras crenças, porque se justificam a si mesmas.
Estas crenças permitem evitar a regressão infinita da justificação.

Teorias explicativas do conhecimento – tentam explicar a sua possibilidade.

SIM – Dogmatismo – a intuição racional e a dedução permitem alcançar o conhecimento


indubitável (é o processo de conhecer).

NÃO – Ceticismo – não é possível ao sujeito apreender, de um modo efetivo/rigoroso, o objeto.


Todo o conhecimento é uma mera probabilidade. Mesmo que as nossas crenças sejam
verdadeira, não temos justificações suficientes para mostrar essa verdade.

Alguns argumentos a favor do ceticismo são: os enganos/ilusões dos sentidos, a divergência de


opiniões, e o argumento de que nada pode ser verdadeiro compreendido com base noutra coisa.
O racionalismo de René Descartes (racionalismo cartesiano)

Descartes decidiu adotar provisoriamente a dúvida para encontrar os fundamentos de todo o


conhecimento. A dúvida é um instrumento da razão na busca da verdade.

Como o cético, Descartes parte da dúvida, mas ao contrário deste, não permanece nela.

A estratégia de Descartes – só vamos considerar verdadeiro o que for impossível declarar falso
(regra da evidência). Devemos considerar falsa qualquer opinião ou crença em que detetarmos
qualquer fragilidade (tudo o que possa parecer duvidoso). Todas as nossas crenças, opiniões e
possibilidades de erro, até as mais remotas, vão ser submetidas a este teste.

O seu objetivo era construir um sistema de conhecimentos constituídos por verdades


indubitáveis (verdades indubitáveis são verdades evidentes, que são impossíveis de considerar
falsas), que resistam à dúvida mais obstinada. O seu problema pode ser formulado assim: “Como
poderemos garantir que o nosso conhecimento é absolutamente seguro?”

Este projeto é criado a partir da desconfiança acerca do sistema de conhecimentos


estabelecidos. Vão ser analisadas as crenças básicas do sistema:

• Crença de que os sentidos são fontes fiáveis, sendo a experiência a origem do


conhecimento (a teoria do conhecimento de Descartes rejeita o empirismo: como os
sentidos algumas vezes nos enganam, nunca devemos confiar neles).
• A crença imediata na existência de realidades físicas (não existe nenhum critério
absolutamente claro e distinto para distinguir o sonho da realidade).
• A crença de que de que as matemáticas são um modelo de verdade indubitável (porque
alguns matemáticos se enganaram em demostrações matemáticas).
• A crença de que o nosso entendimento não se engana ou que não pode estar enganado
quando descobre verdades.
• A crença de que Deus existe e todas as nossas opiniões e juízos precipitados.

De acordo com o método para conhecer é preciso:

• Regra da evidência/clareza e distinção (não tomar como verdadeiro o que eu não puder
provar como tal);
• Regra da análise (dividir um problema em quantas partes for possível);
• Regra da síntese/ordem (conduzir os pensamentos: mais fácil → mais complexo);
• Regra da enumeração (enum. de modo completo para não perder nada do que se quer
conhecer).
O argumento do Deus enganador/Génio maligno

O argumento pretende examinar se é justificável a confiança na verdade indiscutível das nossas


crenças racionais (proposições matemáticas e lógicas, por exemplo).

Um ser omnipotente será uma entidade que tudo pode fazer. Deus pode ter-nos criado, por
exemplo, de modo a que nos enganemos sempre que somamos 2 + 3. Este Deus enganador ou
génio maligno diverte-se à custa dos nossos erros e ilude-nos a respeito da verdade, fazendo
com que estejamos sempre enganados.

Somos completamente incapazes de mostrar que não existe um Deus que nos tenha criado
destinados a confundir o verdadeiro com o falso. É suficiente supor que um ta Deus existe para
que duvidemos do que julgávamos impensável duvidar.

Percurso: da dúvida à certeza

A dúvida é:

• Metódica (Descartes começa por rejeitar o conhecimento sensorial e percetivo como


fonte de conhecimento, tomando a dúvida como caminho de acesso à verdade);
• Provisória (pretende-se ultrapassá-la e chegar à verdade);
• Hiperbólica (exagerada propositadamente, para que nada lhe escape);
• Universal (aplica-se a todo o conhecimento em geral);
• Radical (incide sobre os fundamentos, as bases de todo o conhecimento);
• Sistemática (examina todas as fontes possíveis de erro;)
• Catártica (liberta a mente de falsos conhecimentos); e uma suspensão do juízo (ao
duvidar evitam-se os erros e os enganos);
• Um exercício voluntário e autónomo; e um exame rigoroso.

Descartes e o argumento da regressão infinita

Argumento da regressão infinita: Todas as nossas crenças são justificadas com outras crenças;
se todas as nossas crenças são justificadas com outras crenças, então há uma regressão infinita;
se há uma regressão infinita, então as nossas crenças não estão justificadas; se as nossas crenças
não estão justificadas, então não há conhecimento; logo, não há conhecimento.

Descartes procura responder a este argumento mostrado que a primeira premissa é falsa
(mostrando que não é verdade que todas as nossas crenças são justificadas com outras); e desse
problema surge o cogito, a primeira crença que não é justificada com outra.
O Cogito (penso, logo existo)

A dúvida conduzirá a razão a uma primeira verdade incontestável, indubitável e evidente, obtida
por intuição (ato puramente intelectual ou racional de apreensão direta), de modo inteiramente
racional e a priori. Mesmo que se duvide ao máximo, não se pode duvidar da existência daquele
que duvida. Esta crença não precisa que outra a justifique.

Duvido de tudo, mas poderei duvidar de que duvido de tudo? Não. Duvido, logo existo. Como
duvidar é um ato de pensamento, posso dizer: penso, logo, existo.

Toda a mente humana sabe de forma clara que, para duvidar, tem que existir. Este
conhecimento servirá de modelo para todas as verdades que a razão possa alcançar. A partir da
ideia de cogito estabelece-se um critério: todas as ideias evidentes que se mostrarem claras e
distintas serão indubitáveis.

A clareza diz respeito à presença da ideia à mente que a considera com atenção. A distinção
equivale à separação de uma ideia relativamente a outras, de tal modo que não contenha
elementos que não lhe pertençam.

As características da primeira verdade indubitável:

• Como primeira crença que resiste à dúvida, será o alicerce do sistema do saber.
• Revela a natureza do sujeito: o pensamento.
• É uma verdade autoevidente, e porque é conhecida exclusivamente pela razão.
• É uma verdade puramente racional conhecida por intuição, e uma verdade inata.
• É um modelo e um critério de verdade.
• É o pensamento que se reconhece a si mesmo pelo ato de pensar.
• Apresenta uma condição necessária da dúvida e impõe uma exceção à universalidade
desta dúvida.

Apesar se evidente, o cogito é uma certeza subjetiva. Torna-se necessário averiguar o que se
encontra na base do pensamento e na origem da existência do sujeito pensante.

O solipsismo de Descartes

O cogito representa o princípio existencial, e afirma-se a existência do eu como substância


pensante (res cogitans). O termo solipsismo designa também uma doutrina ou sistema filosófico
que reduz toda a realidade ao sujeito pensante, isto é, designa a possibilidade de, para além do
cogito e dos pensamentos, mais nada existir.
A resposta ao solipsismo de Descartes surge quando este descobre que o seu pensamento tem
duas ideias: de perfeição e infinito. O argumento que garante a existência de Deus, garante a
nossa e a Sua existência, dando assim resposta ao solipsismo.

Tipos de ideias

Adventícias Têm origem na experiência sensível, nas impressões que as coisas causam nos
sentidos (ideias de barco, copo, cão).
Factícias São fabricadas pela imaginação, a partir de outras ideias (ideias de centauro,
sereia).
Inatas São constitutivas da nossa própria razão e nascem connosco (ideias de
pensamento, existência, ideias matemáticas).

Entre as ideias inatas que possuímos encontra-se a noção de um ser perfeito, um ser
omnisciente, omnipotente e sumamente bom. A ideia de perfeição servirá de ponto de partida
para a investigação relativa à existência do ser divino.

Verdades indubitáveis que se deduzem da primeira verdade

• A distinção entre alma e corpo (é impossível duvidar da nossa existência enquanto


pensamento, embora seja possível duvidar da existência do nosso corpo).
O ser humano constitui uma unidade de duas substâncias: a unidade da alma e do corpo
– o dualismo alma-corpo.
• A existência de corpos extensos em comprimento, largura e altura;
• A existência de Deus como ser perfeito:

A existência de Deus é apresentada como garantia de verdade (é mais certa do que a existência
de seres corpóreos). Descartes admite a existência de Deus como princípio do ser e do
conhecimento criador das ideias inatas e garantia de que a razão humana alcança conhecimento
indubitável.

Uma das ideias inatas que todos nós temos é a ideia da perfeição, e Descartes vai usar essa ideia
como ponto de partida para provar a existência de Deus. A causa da ideia de perfeição não pode
ser o ser pensante porque este é imperfeito, nem pode ter surgido do mundo exterior, porque
nada é perfeito (só pode ter sido criada por algo perfeito: Deus – argumento da marca impressa).

Um ser perfeito tem todas as perfeições → a existência é uma perfeição → se Deus é um ser
absolutamente perfeito, então necessariamente existe (argumento ontológico).
A causa da existência do ser pensante, finito e imperfeito, não é o próprio sujeito pensante, mas
sim o criador, tando do ser como da realidade, ou seja, Deus (que é a causa de si mesmo).

Deus, sendo perfeito, não pode ser enganador, e se é o criador do Homem e da realidade, então
também é o criador das verdades incontestáveis.

Os objetivos desta prova são afastar a desconfiança no funcionamento correto do nosso


entendimento, e mostrar que Deus é o fundamento metafísico das crenças.

Críticas a Descartes

• Alguns filósofos pensam que Descartes foi longe demais ao afirmar “eu penso”, e que a
ideia de um “eu” como sujeito do pensamento é abusiva. Se devemos levar a sério a
hipótese do génio maligno, então não temos razões para acreditar no “eu” físico e social.
Possível argumento de Descartes: não posso duvidar da minha existência, mas posso duvidar da
existência de corpos, logo não sou um corpo.

• O círculo cartesiano – o cogito, só por si, não poderia constituir um fundamento sólido
para o conhecimento. Existe um argumento circular: para saber que as ideias claras e
distintas são verdadeiras, tenho primeiro de saber que Deus existe; mas, para saber que
Deus existe, tenho primeiro de saber que as ideias claras e distintas são verdadeiras.

• Será que da ideia da perfeição se segue que existe um ser perfeito? – Descartes
argumenta que a ideia de perfeição só pode ter sido causada por um ser perfeito. Mas
quem nos garante que não é ainda o génio maligno a enganar-nos e levar-nos a pensar
dessa forma? E que razões temos para acreditar que essa ideia tem de ser causada?

• O facto de Descartes considerar que a alma é uma substância distinta da substância


corporal torna difícil explicar como se dá a interação dessas substância.

Parece que Descartes não conseguiu demonstrar satisfatoriamente a existência de Deus; e se


não conseguiu isso, então o cogito não é garantia suficiente de um conhecimento à prova de
erro, e teremos de encontrar outros fundamentos para o conhecimento (assim pensam Hume,
Locke e Berkeley).
O empirismo de David Hume

Para Hume, o conhecimento deriva fundamentalmente da experiência, tendo todas as crenças


e ideias uma base empírica, até as mais complexas. Os conteúdos da nossa mente são as
perceções, e existem duas formas destas (os elementos do conhecimento):

• Impressões – dados da experiência, sensações externas e sentimentos. São as perceções


originais, mais vivas, intensas e nítidas.
• Ideias – representações/imagens enfraquecidas das impressões no pensamento. São
menos vivas e intensas.

As impressões incluem as sensações externas (visuais, auditivas, etc.), e internas internos


(emoções, desejos, etc.). As ideias dividem-se em ideias simples (memória: ideia de cavalo, ideia
de asas) e complexas (imaginação: ideia de cavalo alado).

O critério da auto-evidência não é racional mas empírico. Só com os dados da experiência


podemos justificar o conhecimento. Sendo as ideias cópias das impressões, não existem ideias
inatas. Os limites do pensamento são impostos pelas impressões.

Tipos de conhecimento

Relações de ideias Questões de facto


Conhecimentos a priori. Conhecimentos a posteriori.
A verdade das proposições e a validade dos A verdade das proposições que se referem a
argumentos não dependem da experiência. factos depende do exame empírico.
Expressam verdades necessárias. Expressam verdades contingentes.
Negá-las implica contradição, a sua negação São verdadeiras, mas poderiam ter sido
é logicamente impossível. falsas. Negá-las não implica contradição.
Não nos dão conhecimento sobre o que se Visam descobrir coisas sobre o mundo e o
passa no mundo. que acontece ou existe nele.

As relações de ideias apresentam um carácter evidente, traduzindo-se em proposições


necessárias. Baseiam-se no princípio da contradição: negas essas proposições implica uma
contradição. Ex.: conhecimentos da lógica e matemática.

O valor de verdade das questões de facto só podem ser determinadas recorrendo à experiência.
Ex.: conhecimentos das ciências naturais.
O problema da causalidade

A ordem e regularidade das ideias assentam em princípios que permitem uni-las/associá-las.

Princípios de associação de ideias Exemplos


Semelhança Um rosto desenhado remete-nos para o original.
Contiguidade no tempo e no espaço A lembrança de algo leva-nos a pensar em coisas
relacionadas a esta.
Causalidade (causa e efeito) A água fria posta no lume (causa) faz pensar na fervura
(efeito) que lhe seguirá.

O nosso conhecimento dos factos restringe-se às impressões atuais e passadas. Só com base
nessas impressões e recordações podemos justificar as nossas crenças. No entanto, há muitas
afirmações que fazemos e que não podemos justificar se nos basearmos apenas no testemunho
da memória ou na experiência imediata dos sentidos.

Estamos diante de proposições cujas eventuais verdades são contingentes (relativas a questões
de facto). Mas aquilo que estamos a dizer ainda não foi observado/apenas foi parcialmente/não
chega a ser obs. As questões de facto baseiam-se no raciocínio indutivo e na relação causa-efeito

Relação de causalidade (ou relação de causa e efeito) – uma conexão necessária entre
conhecimentos. Neste sentido, o conhecimento da relação de causa e efeito não é obtido por
raciocínios a priori, mas deriva totalmente da experiência. Acreditamos que o efeito não pode
ocorrer sem a causa, e a causa produzirá necessariamente um efeito.

Mas não há nenhuma impressão sensível da qual derive a ideia de causa. Ninguém vê ou
perceciona uma conexão necessária.

Contudo, observamos que entre dois fenómenos se verifica sempre uma sucessão temporal e
uma conjunção constante: um deles (efeito) ocorreu sempre a seguir ao outro (causa).
Concluímos então que existe entre eles uma relação de causalidade e que esta constitui uma
conexão necessária.

Esta ideia de conexão necessária tem apenas um fundamento psicológico: o hábito. Ao observar
que algum evento A tem sido sempre seguido do evento B, acreditamos que da próxima vez que
ocorrer A, sucederá B, ou seja, acreditamos que o futuro será igual ao passado.

A ideia que causa não deriva da observação de um fenómeno, mas do desenvolvimento de um


costume (o hábito de esperar que B aconteça depois de A).
Todavia, o hábito reduz-se a um sentimento ou uma tendência de cariz psicológico, pelo que
não constitui um princípio racional.

Princípio da uniformidade da natureza

O problema da relação da causalidade articula-se com o problema da indução, equivalente ao


problema da uniformidade da natureza. A ideia de que a natureza é uniforme associa-se à crença
na semelhança dos eventos e na suposta conexão necessária entre causas e efeitos.

Qualquer argumento indutivo pressupõe o princípio de que o futuro se assemelha ao passado


(PUN). PUN – princípio segundo o qual a natureza funcionará sempre da mesma forma.

• Se a conclusão de um argumento indutivo for racionalmente justificada pelas premissas,


então PUN tem de ser racionalmente justificável.
• Se for rac. just., então tem de existir um bom argumento indutivo/dedutivo a seu favor.
• Qualquer argumento indutivo a favor de PUN é circular: justificamos PUN através da
indução, mas essa indução já pressupõe PUN (não existe um bom argumento indutivo a
favor de PUN).
• PUN não resulta de um raciocínio a priori, nem se conclui dedutivamente (não existe um
bom argumento dedutivo a favor de PUN).
• PUN não é racionalmente justificável, então também não há justificação para as crenças
obtidas por indução (previsão ou generalização).

Hume considera que não se deve recorrer a qualquer tipo de intuição para justificar a existência
do eu como substância, pois só dispomos da intuição de ideias e impressões, e estas impressões
não são invariáveis.

A existência do mundo exterior

É a aparente constância das coisas que nos leva a acreditar que têm existência
independentemente das nossas perceções. Mas o facto de não se justificar racionalmente a
existência do mundo, não significa que ele não exista. Não há forma de saber se as impressões
ou ideias correspondem a alguma realidade fora de nós.

A existência de Deus

Hume considera que não existe um ser cuja não existência implique contradição. Como tal, o
argumento oncológico é desde logo excluído.
Os limites do conhecimento, o ceticismo de Hume

A noção de causalidade é fundamental para o conhecimento. Mas a causalidade não pode ser
diretamente observada, nem pode ser inferida com base na razão. A ideia de causa é
empiricamente injustificável (é uma crença subjetiva que resulta de um hábito).

São apenas projeções da mente humana, não sabemos se existe. Logo, não podemos ter a
certeza no conhecimento.

Dado que só conhecemos as perceções, a realidade acaba por se reduzir aos fenómenos
(fenomenismo). Se todas as nossas ideias provêm dos sentidos, e não há impressões acerca de
leis universais ou de relações necessárias entre fenómenos, não podemos considerar o
conhecimento como absolutamente verdadeiro.

Por isso, Hume assume um ceticismo moderado (admite a possibilidade de conhecer, mas não
de forma absoluta), rejeitando a atitude dogmática.

Nota: Hume encontrou na experiência dos sentidos o fundamento do conhecimento, tratando-se de um


fundacionalismo empirista.

Objeções à perspetiva de Hume

• Uma pessoa a quem sejam apresentados vários tons de azul, exceto um, que também nunca
viu, pode formar uma ideia deste tom desconhecido. Segundo Hume, isto seria impossível,
já que a pessoa nunca teve uma impressão à qual pudesse corresponder essa ideia.
• Hume considera que uma crença só se encontra rac. just. se existir uma prova irrefutável
da sua verdade. Mas alguns admitem que pode não existir uma prova irrefutável da verdade
de uma crença e esta estar rac. just. Assim, a crença na existência de conexões casuais
(injust.) parece constituir a melhor explicação para a ocorrência das conjunções constantes.

Análise comparativa das perspetivas de Hume e Descartes

Descartes Hume
Projeto Encontrar princípios racionais Efetuar uma análise da
indubitáveis que componham um mente que revele quais as
sistema de conhecimentos absolutos. capacidades e os limites do
conhecimento humano.
Origem do A razão ou pensamento. Valorização A experiência. Valorização do
conhecimento do conhecimento a priori. conhecimento a posteriori.
Os conteúdos do Nem todas as ideias são inatas, mas o Todas as nossas ideias têm
entendimento conhecimento funda-se em ideias uma origem empírica. Não há
inatas ou puramente racionais. ideias inatas.
As operações do É possível obter o conhecimento As operações da mente
entendimento através das operações fundamentais baseiam-se nos princípios de
da mente: intuição (a partir daí associação de ideias: a
descobrimos o primeiro princípio) e semelhança, a contiguidade
dedução (a partir do primeiro no espaço e tempo e a
deduzem-se outras verdades). causalidade.
A possibilidade de O conhecimento é possível, sendo O conhecimento de facto não
conhecimento um conjunto de verdades é possível. Nem a razão nem
indubitáveis a existência de 3 a experiência nos dão
substâncias (pensante, extensa e verdades absolutas sobre o
divina). mundo. As únicas verdades
indubitáveis são as da
matemática e lógica.
O fundamento do Encontra-se na razão (cogito), mas Encontra-se na experiência
conhecimento este fundamento depende daquele (impressões dos sentidos). O
que é o princípio de toda a realidade: conhecimento é um produto
Deus. do hábito e não da razão.
Os limites do Aplicando corretamente a faculdade Do que não há experiência
conhecimento de conhecer podemos alcançar não pode haver
verdades indubitáveis. A metafísica é conhecimento. Por isso não
a ciência fundamental. há realidades metafísicas
(Deus e alma).
O nosso conhecimento da realidade é O nosso conhecimento do
constituído por verdades mundo não é constituído por
indubitáveis. verdades indubitáveis nem
por verdades prováveis.

O apriorismo de Kant

Kant reconhece que o conhecimento implica:

• A existência de informações sensoriais e de uma capacidade do sujeito para as captar;


• Que as coisas são conhecidas em função das características da nossa estrutura mental;
• Que o sujeito é um conjunto de dispositivos (formas da sensibilidade e formas do
entendimento) que funcionam como um programa onde as informações são recebidas
e interpretadas.
• Que os dispositivos estruturais da razão condicionam a experiência, influenciando a
conceção do mundo;
• Que só percecionamos e explicamos a inf. sensorial a partir de uma “formatação”.

Kant defende que o conhecimento resulta da aplicação de uma forma (conceitos a priori),
produzida pelo entendimento, a uma matéria (fenómeno a posteriori que resulta do modo como
a sensibilidade organiza as sensações). O conhecimento tem duas fontes independentes, uma
racional e outra empírica.

As condições para que haja conhecimento são as seguintes:

• Um conhecimento (de um sujeito) só se pode referir a objetos mediante uma intuição


(para que haja conhecimento é necessário que um objeto afete sujeito de algum modo);
• A capacidade do sujeito para se deixar impressionar pelo objeto é a sensibilidade; esta
fornece intuições (apreensão direta do objeto) obtidas através da experiência sensorial.
• O entendimento é a faculdade de pensar os objetos fornecidos pela sensibilidade. Este
objeto de conhecimento é o objeto construído pela mente (moldado pelas formas do
entendimento).

Nota: embora se pressuponha a existência do objeto externo, o conhecimento depende das estruturas do
sujeito.

As fontes do conhecimento

•recebe as representaçõe sensíveis (o objeto é construído pela


fonte empírica: mente)
•a sensação é o elemento empírico do conhecimento (a posteriori)

•organiza as representações (o objeto é pensado mediante os


fonte racional conceitos)
(ou pura)
•o conceito é o elemento puro do conhecimento (a priori)

A sensibilidade é a recetividade do nosso espírito, a faculdade mediante a qual somos afetados


pelos objetos enquanto que o entendimento é a espontaneidade de produzir conceitos.

O conhecimento resulta da colaboração entre a sensibilidade e o entendimento. Sem a


sensibilidade nenhum objeto nos é dado; sem o entendimento nenhum objeto é pensado.
Nenhuma destas faculdades tem primazia sobre a outra; o conhecimento não é possível nem
válido sem a existência de intuições e conceitos. “Pensamentos sem conteúdo são vazios,
intuições sem conceitos são cegos” (Kant).

Conceito de apriorismo

O apriorismo é a conceção segundo a qual o conhecimento resulta da aplicação de uma forma


(a priori, conceitos puros, ou categorias do entendimento) a uma matéria (a posteriori, as
intuições sensíveis, sensações e fenómenos). O conhecimento é uma construção mental que
exige dados e formas.

Númeno e fenómeno

O númeno é o real tal como existe em si mesmo, não dependendo do sujeito para existir (por
definição é um objeto incognoscível). O conceito de númeno opõe-se ao conceito de fenômeno,
ou seja, aquilo que conseguimos captar do objeto. Equivale à realidade objetiva, à qual nossos
sentidos e razão fazem apenas uma representação.

númeno

fenómeno

Apriorismo, racionalismo e empirismo


Pontos de concórdia e discórdia com racionalismo e empirismo

Racionalismo Empirismo
Concorda A razão é o elemento Não existe conhecimento sem o contributo
determinante no processo de da experiência.
conhecer.
Discorda Sem o contributo da O conhecimento exige que o sujeito possua
experiência, a razão não pode duas formas para organizar dados sensíveis
conhecer o mundo. e construir o objeto do conhecimento.

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