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FILOSOFIA DA CIÊNCIA

Capítulo 2 – Os problemas da evolução e da


objetividade da ciência

Sara R
a
Carlos poso
Pires
FILOSOFIA 11.º
OS PROBLEMAS DA EVOLUÇÃO
E DA OBJETIVIDADE DA CIÊNCIA 

Neste subcapítulo abordaremos os problemas do progresso científico


e da objetividade da ciência. Discutir-se-ão as seguintes questões: 

1 Como evolui a ciência?

2 A ciência será objetiva?


OS PROBLEMAS DA EVOLUÇÃO
E DA OBJETIVIDADE DA CIÊNCIA  1 Como
ev olui a
ciênci
a ?
2 A ciên
cia se
rá obj
etiva?
Consideraremos também outras questões:

3 As mudanças na ciência serão guiadas por princípios racionais?

4 Haverá razões para considerar as teorias atuais melhores do


que as do passado ou serão apenas diferentes?

5 Ao escolher entre teorias concorrentes, os cientistas basear-se-


ão apenas em critérios objetivos?
OS PROBLEMAS DA EVOLUÇÃO
E DA OBJETIVIDADE DA CIÊNCIA 

E xa m in a re m os d u a s delas:
te s p a ra e s te s p roblemas.
Existem respostas div
erg e n
va h is to ri c is ta  d e   Ku hn. 
ion is ta  de P o p p e r e a perspeti
a perspetiva falsificac

KARL POPPER THOMAS KHUN


(1902-1994) (1922-1996)
A PERSPETIVA DE POPPER
– A SELEÇÃO NATURAL DAS TEORIAS

Popper considera que a ciência se desenvolve através


do processo de substituição das teorias falsificadas
por novas teorias e que isso proporciona um acréscimo
de conhecimento. 

As novas teorias proporcionam explicações mais adequadas 


do que as anteriores, pois são mais completas e conseguiram
ultrapassar as tentativas de refutação dos rigorosos testes 
empíricos a que estiveram submetidas. Por isso, fornecem
explicações dos fenómenos mais aproximadas da realidade. 
A PERSPETIVA DE POPPER – 
A SELEÇÃO NATURAL DAS TEORIAS

Popper compara o desenvolvimento da ciência


ao processo de seleção natural, descrito pela
teoria evolucionista de Darwin.

Esta teoria é
apresentada p
or
Darwin, na obr
a
A Origem
das Espécies.
A PERSPETIVA DE POPPER – 
A SELEÇÃO NATURAL DAS TEORIAS

Em termos biológicos, a sobrevivência dos seres vivos depende


da capacidade de estes se adaptarem ao meio natural, modificando
gradualmente os seus organismos de forma a conseguirem viver
num determinado meio ambiente. 

Popper considera que o mesmo acontece com as teorias científicas: 


apenas sobrevivem as que resistem às tentativas de falsificação
dos testes empíricos, as mais aptas, portanto.

Contudo, os testes podem corroborar a teoria sobrevivente mas


nunca provar a sua verdade: as teorias são sempre conjeturas. 
A PERSPETIVA DE POPPER – 
A SELEÇÃO NATURAL DAS TEORIAS Princípio 
regulador

Segundo Popper, a verdade é um ideal que deve


orientar a prática dos cientistas. 
Ideal a 
Ainda que as teorias sejam criações humanas alcançar
que não correspondem inteiramente à realidade,
a eliminação dos erros faz com que os
cientistas consigam alcançar representações
cada vez mais corretas dos fenómenos.

VERDADE
POPPER
PROGRESSO CIENTÍFICO = APROXIMAÇÃO À VERDADE

Do ponto de vista popperiano, o progresso científico é cumulativo,


pois as teorias do presente corrigem as falhas das teorias
anteriores e trazem novos conhecimentos, o que permite um
!
acréscimo de saber e uma aproximação à verdade.

Portanto, as novas teorias são aceites porque contêm


menos erros e são mais completas do que as anteriores.
Na linguagem de Popper, são mais verosímeis. 
POPPER
PROGRESSO CIENTÍFICO = APROXIMAÇÃO À VERDADE

Progresso
científico

Cumulativo

Correção Aproximaçã
o
dos erros Acréscimo de à v er d a de
conhecimento
pa r a Popp er, s e r á
Mas,
a ciência objetiva?

De acordo com Popper, a ciência é objetiva, pois este filósofo considera


que a escolha das teorias é feita de modo imparcial e impessoal. 

Popper reconhece que fatores de natureza individual, social ou política


podem por vezes afetar a atividade de certos cientistas. No entanto,
pensa que esses fatores não interferem na avaliação crítica das
teorias. A escolha destas depende dos resultados dos testes
empíricos realizados e da discussão crítica.
a s , pa r a Pop per, s e rá
M
a ciência objetiva?

Submissão a testes 
Escolha das empíricos rigorosos Critérios
teorias objetivos
Discussão racional
OBJEÇÃO A POPPER

Não nos dá boas razões para confiar na ciência

De acordo com a perspetiva falsificacionista, a ciência tem-se


desenvolvido através da eliminação de teorias erradas.

Embora exista um progresso no sentido de uma maior


aproximação à verdade, as teorias são sempre conjeturais,
nunca estamos em condições de garantir que são verdadeiras.
OBJEÇÃO A POPPER

Não nos dá boas razões para confiar na ciência

Ora, se as ideias de Popper fossem corretas, não teríamos


motivos racionais para acreditar na ciência.

Pensaríamos que muitas explicações e instrumentos


que usamos resultam de teorias que podem vir a ser
falsificadas e que, portanto, não são inteiramente
fiáveis. 

De facto, uma teoria ter resistido até agora às tentativas


de refutação não é uma justificação plausível.
Precisamos de outro tipo de razões que a teoria de Popper
não nos proporciona. 
A PERSPETIVA DE KUHN

Thomas Kuhn apresenta uma perspetiva historicista do


desenvolvimento da ciência.

Segundo Kuhn, para uma área ser científica é necessário


que os membros de uma comunidade partilhem
e orientem o seu trabalho por um paradigma.

Mas o que é um paradigma?


A PERSPETIVA DE KUHN

O que é um paradigma?

O paradigma é a matriz disciplinar: funciona


como um modelo a seguir numa dada área
científica e define os problemas, as leis,
as teorias, os métodos e os instrumentos a
utilizar, os valores, as técnicas, as aplicações C
bem-sucedidas a aplicar, etc. O
M
U
PARADIGMA
N
Exemplos de paradigmas: a teoria geocêntrica, I
a teoria heliocêntrica, etc. C
D
A
ID
ÊE
N
CC
II
AE
N
s olho s de  K uh n?
om o e v olui a c iê nc ia ao
C
Do ponto de vista de Kuhn, o período anterior ao surgimento das ciências
chama-se pré-ciência.

Este período caracteriza-se por não existir, numa dada área de estudo,
uma comunidade científica que oriente a sua investigação por um
paradigma (aquilo que dita a passagem da pré-ciência para a
ciência propriamente dita é o aparecimento de um paradigma).
Como evolui a c
i ência aos olhos
de Kuhn?
Depois da emergência de um paradigma, os cientistas ocupam-se
daquilo a que Kuhn chama ciência normal.
Esta fase corresponde à atividade rotineira dos cientistas e consiste
em aplicar um paradigma na resolução de enigmas ou puzzles.  
Na ciência normal, o objetivo dos cientistas é utilizar o paradigma para 
explicar o maior número possível de fenómenos, tornando-o mais
abrangente e consolidando-o. 
O cientista adota assim uma atitude conservadora e não um ponto
de vista crítico em relação à tradição vigente, sendo esta ausência
de debate e de crítica que, aos olhos de Kuhn, permite que exista
neste período progresso cumulativo.  
ANOMALIAS, CRISE E CIÊNCIA EXTRAORDINÁRIA

Por vezes, surgem fenómenos para os quais não existe uma


explicação à luz do paradigma aceite. Kuhn chama-lhes anomalias.

Na ciência normal, uma atitude frequente relativamente às anomalias


é ignorá-las. Outras vezes, os cientistas julgam que existiram,
provavelmente, erros nas observações e, por isso, 
as anomalias não são consideradas como 
contraexemplos capazes de falsificar o paradigma.

Porém, o acumular de anomalias irá minar a confiança


dos especialistas, levando-os a questionar os
pressupostos teóricos e práticos do paradigma aceite
e a procurar modelos explicativos alternativos.
Instala-se, então, uma crise: o paradigma deixa de ser
consensual na comunidade e perde credibilidade. 
ANOMALIAS, CRISE E CIÊNCIA EXTRAORDINÁRIA

Segundo Kuhn, as crises podem terminar de três


maneiras diferentes: 

1 a ciência normal pode conseguir lidar com o problema


que a provocou através de reajustamentos
do paradigma aceite. 

2 em outros momentos, o problema não é resolúvel


e os cientistas podem concluir que atualmente não
possuem meios para o resolver, remetendo
as tentativas de solução para as gerações futuras. 

3 finalmente, a crise pode terminar com o surgimento


de um paradigma alternativo e com um processo que
levará à sua aceitação pela comunidade científica:
uma revolução científica.
ANOMALIAS, CRISE E CIÊNCIA EXTRAORDINÁRIA

ria
Ciência extraordiná

Kuhn chama ciência extraordinária 
ao período em que o paradigma 
vigente passa a ser discutido, 
contestado e confrontado com
as novas ideias de um paradigma  Ciência normal
alternativo.

Neste período há competição Ciência


entre o paradigma emergente extraordinária
e o paradigma dominante.
A ESTRUTURA DAS REVOLUÇÕES CIENTÍFICAS

Ciência
Crise
Pré-ciência normal
iência Acumulação
Início de uma c de anomalias.
de um
com a adoção
paradigma pela
ntífica. Ciência
comunidade cie
Revolução extraordinária
científica
Instauração de u
m
novo paradigma
.
Início de um
novo períod
ciência nor
o de
m al

nç a de p ar ad ig m a
Muda

a de do s pa r a digma s
Incomensurabilid

Kuhn utiliza o conceito de incomensurabilidade (a ausência 


de uma base comum) para dar conta da natureza incompatível
dos paradigmas entre si.

As revoluções científicas introduzem um corte ou


descontinuidade ao nível das teorias, das metodologias, da
linguagem, dos problemas e das soluções. 

O novo paradigma não é comparável ao anterior. 


nç a de p ar ad ig m a
Muda

a de do s pa r a digma s
Incomensurabilid

Ora, se os paradigmas são incomensuráveis, não é possível


compreender a linguagem do novo paradigma a partir da linguagem
do anterior e não se consegue descrever os factos de forma neutral,
independentemente da interpretação teórica.

Por conseguinte, não se pode comparar os paradigmas oponentes


e perceber qual deles oferece soluções preferíveis para explicar
os fenómenos. 
rá v e is , c om o e sc o lh er
igmas s ã o inc o m e n su
Se os parad trim e nto d e o u tr o?
um paradigma em d e

Kuhn reconhece a existência de valores comuns que são partilhados


pelos cientistas de épocas e de paradigmas diferentes e que lhes
permitem reconhecer uma boa teoria científica.

Estes valores são aceites pelos membros de uma


Exatid
dada comunidade e fornecem critérios objetivos ão
para avaliar a adequação de uma teoria. Consi
st
Alcan ência       
Kuhn salienta cinco destes valores como ce
Simpl
particularmente relevantes: icidad
Fecun e
didad
e
á v e is , c om o e sc olh er
as s ã o in c om e nsu r
Se os para dig m u tro?
m de tr ime n to d e o
um paradigma e

Critérios
Contudo, Kuhn diz também que a
aplicação destes cinco critérios
objetivos
objetivos varia de acordo com  Exatidão
a época e a personalidade dos
 Consistência Fatores
cientistas.
 Alcance
não objetivos
Assim, na avaliação de teorias  Simplicidade
interferem, em simultâneo,
 Fecundidade  subjetivos
fatores subjetivos e objetivos,  ideológicos
pelo que, aos olhos de Kuhn,
 económicos
a ciência não é totalmente
objetiva.  religiosos
 etc.
O PROGRESSO E A VERDADE 

Kuhn retrata a evolução da ciência como uma sucessão de períodos cumulativos


(a ciência normal) no meio de quebras não cumulativas (as revoluções científicas). 

A incomensurabilidade dos paradigmas


não permite compará-los e, portanto,
não se pode afirmar que o atual introduz
melhorias em relação ao anterior. 

Consequentemente, não existe um


progresso global em direção a
nenhum fim exterior (que, na teoria
de Popper, se identifica com a
verdade), só há progresso no
decurso da ciência normal. 
OBJEÇÕES À PERSPETIVA DE KUHN

1 A tese da incomensurabilidade é implausível

A aceitação da incomensurabilidade dos paradigmas leva a que


não se possa dizer que um paradigma seja preferível a outro
e, portanto, que uma teoria atualmente aceite explique e preveja
melhor os fenómenos dos que as anteriores no mesmo domínio,
negando-se assim a existência de progresso cumulativo.

Ora, as implicações destas ideias são contraintuitivas e


implausíveis: nas diferentes áreas científicas, parece ser um
facto que as teorias posteriores vieram corrigir ou resolver
problemas das anteriores. 
OBJEÇÕES À PERSPETIVA DE KUHN

2 Desvaloriza o pensamento crítico


e a objetividade da ciência 

A descrição da atitude dos cientistas no período da ciência


normal feita por Kuhn é contrariada por certos factos
históricos.
Muitas vezes, as ideias inovadoras e as descobertas nas mais diversas
áreas nasceram da controvérsia, do debate entre os cientistas que
adotam um ponto de vista crítico em relação aos seus pares, 
mesmo em períodos a que Kuhn chamaria ciência normal.
POPPER E KUHN: QUADRO-SÍNTESE

PROBLEMAS RESPOSTA RESPOSTA


DA FILOSOFIA DE POPPER DE KUHN
DA CIÊNCIA
Há progresso Sim: o progresso é Depende do período que
na ciência? cumulativo. se considera. 
Sim: durante o período
da ciência normal. 
Não: as revoluções
científicas não se traduzem
num progresso cumulativo.

A ciência Sim. Muito pouco/ só em parte.


é objetiva?

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