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O propósito deste texto é conhecer a resposta a estas duas questões dada por dois
importantes filósofos da ciência do século XX, Karl Popper e Thomas Kuhn.
Karl Popper
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Assim, o método que o cientista usa ao fazer ciência é ao mesmo tempo o instrumento de
progressão da ciência e a explicação para a substituição de umas teorias por outras, que temos
observado ao longo da história da ciência. A ciência progride, e o conhecimento científico
cresce, pelo derrube das teorias científicas vigentes através de testes exigentes e a sua
substituição por teorias melhores, capazes de resolver os problemas que as outras teorias
resolviam.
Esta capacidade de escolher entre teorias melhores e piores pressupõe um critério de
progresso, isto é, um critério para determinar se uma teoria constitui, ou não, um avanço
relativamente às outras. Popper aceita a teoria da verdade como correspondência, segundo a
qual uma teoria é verdadeira se está de acordo com os factos e falsa se não está. Contudo, ele
não pode usar a verdade como critério de progresso e afirmar, como os indutivistas, que a
ciência progride por acumulação de teorias verdadeiras, porque as teorias científicas são
sempre hipotéticas e conjeturais. Ele tem, portanto, de recorrer a outro critério. Qual é esse
critério? A verosimilhança ou a proximidade à verdade. O facto de uma teoria ter sucesso
onde todas as outras falharam, de ser capaz de explicar o que as outras explicam e aquilo que
as outras não explicam, significa que essa teoria é uma melhor aproximação à verdade, uma
teoria mais verosímil, que todas as outras. Na sua base está a atitude crítica, fundada em
regras lógicas, a ciência é racional e objetiva. A escolha entre teorias não se faz com base
em aspetos subjetivos, como as preferências individuais dos cientistas, mas em critérios
objetivos, uma vez que os testes a que as teorias são submetidas são feitos de acordo com
procedimentos metodológicos precisos, que permitem determinar quais as que se aproximam
mais da verdade. Para Popper, a ciência é objetiva em última instância porque o seu método
— o método das tentativas e erros — se baseia num conjunto de regras lógicas que são o
modelo e a garantia da racionalidade. O cumprimento dessas regras pelos cientistas na sua
prática de investigação permite a escolha das melhores teorias, das teorias corroboradas, que
resistiram aos testes quando todas as outras falharam, e que, por isso, estão mais próximas
da verdade.
Ciência normal
Que revela a história da ciência sobre a ciência, segundo Kuhn? Antes de mais, que
tanto a concepção indutivista como a falsificacionista da ciência estão erradas. A atividade
científica não se processa do modo como uns e outros afirmam, mas antes de acordo com o
seguinte esquema:
Este desenvolvimento por fases, no entanto, só se verifica quando uma ciência atinge um
certo nível de maturidade. Antes disso não existe propriamente uma ciência, mas uma área
de investigação em que diferentes escolas e sub escolas competem entre que si e discordam
em aspetos fundamentais: que problemas investigar, que metodologias aplicar, qual a
natureza dos fenómenos a explicar, etc. Kuhn chama a este estádio ciência pré-
paradigmática, que se carateriza por uma total discordância e um constante debate. Nele
não existe um corpo de crenças garantidas e partilhadas pelos investigadores e há quase tantas
teorias quanto investigadores, cada um procurando construir o seu campo de investigação
desde a base.
Uma área de investigação torna-se uma ciência madura quando existe consenso entre os
investigadores que nela trabalham relativamente aos problemas a investigar, as leis a aplicar,
e os métodos e os instrumentos a usar nesse campo de investigação. Isto acontece quando há
uma realização científica que uma comunidade científica particular reconhece como
exemplar e fundando a sua investigação futura. Isto é, quando existe aquilo a que Kuhn
chama paradigma, um conjunto de problemas, soluções — teorias e leis — práticas
metodológicas e princípios metafísicos, que são aceites pela generalidade dos praticantes
daquele campo. Uma ciência madura é dominada apenas por um paradigma, que estabelece
o que é ou não legítimo investigar dentro de uma ciência e coordena e dirige a investigação
nessa ciência. Aquilo que, segundo Kuhn, distingue ciências de não-ciências não é, como
pensam os indutivistas, o facto de as teorias científicas poderem ser verificadas, ou, como
pensa Popper, o facto de poderem ser falsificadas, mas o de existir ou não num determinado
campo de investigação um paradigma aceite pela generalidade dos seus praticantes.
• Um feito científico exemplar, que sirva como modelo para a investigação futura a
realizar;
• Problemas, métodos, instrumentos e técnicas sugeridos por este feito científico;
Quando uma área de investigação adota um paradigma, ela entra num estádio a que Kuhn
chama ciência normal e é nisto que consiste a maior parte da atividade científica. A ciência
normal não visa descobrir novos tipos de fenómenos ou novas teorias, mas apenas aumentar
o sucesso do paradigma aceite, articulando-o de modo a melhorar a sua correspondência com
a natureza. Por isso, a investigação feita na ciência normal tem em vista a resolução de
puzzles ou enigmas. Os puzzles são problemas sugeridos aos cientistas pelo paradigma
aceite. Para resolver estes puzzles, os cientistas usam as regras do paradigma, esperando,
desse modo, que as soluções dos problemas novos sejam semelhantes às dos problemas
previamente examinados na sua disciplina. Ao fazerem ciência normal, os cientistas
assumem que o paradigma fornece os meios necessários para a solução dos puzzles que
coloca. O fracasso na solução de um puzzle é visto como um fracasso do cientista e não como
uma deficiência do paradigma.
Contudo, mais tarde ou mais cedo surgem puzzles que, apesar dos seus esforços, os
cientistas são incapazes de resolver de acordo com o conjunto de regras e técnicas sugeridas
pelo paradigma aceite. Kuhn chama anomalias a estes problemas. Estas anomalias podem
pôr em questão as leis, os instrumentos e as regras aceites por uma comunidade científica,
sugerindo que têm de ser modificados ou mesmo abandonados.
Nem todas as anomalias são igualmente graves. Qualquer paradigma encontra
dificuldades e existe sempre alguma discrepância entre as previsões das teorias e os dados
experimentais, sem que isso ponha em causa o paradigma vigente e a atividade científica de
acordo com a ciência normal. Por isso, algumas anomalias podem, pelo menos inicialmente,
ser negligenciadas.
Mas mesmo que as anomalias sejam graves, elas não falsificam o paradigma, como Popper
pensaria. Lembremos que, de acordo com Popper, o progresso da ciência faz-se por um
processo em que conjeturas arrojadas são submetidas a testes com o objetivo de as refutar.
Deste ponto de vista, uma previsão da teoria que não esteja de acordo com a realidade refuta
a teoria e leva à sua substituição por outra mais próxima da verdade. Para Kuhn, no entanto,
as anomalias não correspondem a estas instâncias popperianas de falsificação das teorias. Ele
duvida mesmo de que seja possível refutar uma teoria. Assim como também pensa que
nenhuma anomalia, por mais grave que seja, leva ao abandono de uma teoria a não ser que
exista uma outra para a substituir. Para Kuhn, uma teoria científica é considerada inválida
apenas se existe uma alternativa disponível para ocupar o seu lugar. Assim, os cientistas,
quando fazem juízos acerca das teorias apenas as comparam, não as refutam. Segundo Kuhn,
o estudo histórico do desenvolvimento científico não revelou nada que se aproxime do
método das tentativas e erro proposto por Popper. Por outras palavras, a história da ciência
mostra que a descrição de Popper do progresso da ciência é falsa, uma vez que não
corresponde à forma como os cientistas trabalham.
Quando numa dada ciência surge uma anomalia grave, essa ciência entra em crise e passa
da ciência normal para aquilo a que Kuhn chama ciência extraordinária. Uma anomalia é
considerada grave se:
Revolução científica
Segundo Kuhn, as divergências entre os cientistas causadas pela crise podem terminar de
duas maneiras diferentes:
Esta segunda possibilidade é aquilo a que Kuhn chama revolução científica e, no essencial,
consiste na substituição de um paradigma por um outro paradigma. Uma característica
importante das revoluções científicas, segundo Kuhn, é que elas não são cumulativas. Para
Kuhn, uma revolução científica é a reconstrução de uma ciência a partir de bases novas, em
que tanto algumas das generalizações mais elementares daquele campo como muitos dos seus
métodos e aplicações mudam radicalmente. O novo paradigma é, por isso, muito diferente e
incompatível com o antigo. Ao rejeitarem o antigo paradigma, os cientistas rejeitam também
as previsões que faziam, que não estão de acordo com as previsões do novo paradigma.
Contudo, um novo paradigma só é adotado se pode solucionar as anomalias que o velho foi
incapaz de solucionar. Assim, ao adotar um novo paradigma, os cientistas são capazes de dar
conta de um grande número de fenómenos ou de dar conta com maior precisão de fenómenos
já conhecidos.
A influência dos paradigmas é tal que a forma como os cientistas veem o mundo é
determinada pelo paradigma com o qual trabalham. Kuhn afirma que é como se os
proponentes de paradigmas rivais vivessem em mundos diferentes.
1. Os cientistas que apoiam paradigmas rivais discordam quanto aos problemas que um
paradigma deve resolver, porque os seus padrões ou as suas definições de ciência não
são os mesmos;
2. Os proponentes de paradigmas rivais usam termos, conceitos e experiências em novos
contextos e com significados e interpretações diferentes;
3. Os cientistas que apoiam paradigmas rivais fazem investigação em mundos
diferentes.
Este último aspeto, que os cientistas trabalham em mundos diferentes, é o mais importante.
É óbvio que o mundo não muda quando um cientista muda de paradigma. O que muda é a
forma como esse cientista observa e compreende o mundo. Kuhn utiliza os resultados obtidos
em certas experiências da psicologia da perceção para tornar claro o que quer dizer. Do
mesmo modo que os sujeitos destas experiências, para terem a perceção de objetos diferentes
— como quando uma mesma imagem pode ser vista alternadamente, por exemplo, como um
pato ou um coelho — mudam para paradigmas percetivos diferentes, cientistas a trabalhar
em tradições de ciência normal diferentes e, portanto, com paradigmas diferentes,
percecionam o mundo de forma diferente.
O que Kuhn está a dizer é que os cientistas, ao mudarem de paradigma, mudam unicamente
a forma como interpretam as suas observações do mundo, que se mantêm idênticas e
imutáveis. Onde antes viam o Sol a girar em torno da Terra passaram a ver a Terra a girar em
torno do Sol, mudando assim de uma interpretação falsa para uma interpretação verdadeira
da realidade, enquanto a observação em si se mantém a mesma. Esta forma de compreender
o que acontece aquando de uma mudança de paradigma pressupõe que existem observações
objetivas, puras e independentes do sujeito e das suas crenças, sobre a realidade, e que
algumas vezes interpretámo-las corretamente, outras não. Kuhn nega que tais observações
objetivas existam. As observações nunca são objetivas porque são sempre influenciadas pelo
paradigma adotado pelo cientista, ao ponto de com a mudança de paradigma as próprias
observações mudarem também
O facto de os paradigmas serem incomensuráveis tem importantes consequências para o
debate entre os proponentes de paradigmas diferentes e para a escolha entre paradigmas
rivais. Se os cientistas não concordam acerca de quais os problemas que devem ser resolvidos
e quais as soluções aceitáveis — o que acontece facilmente pois, como vimos, têm diferentes
concepções de ciência e diferentes padrões de escolha, usam os conceitos de forma diferente
e vivem em mundos diferentes —, o facto de os paradigmas serem incomensuráveis torna
impossível uma comparação exaustiva do tipo proposto pelos indutivistas e por Popper, com
o objetivo, por exemplo, de saber qual o paradigma que resolve mais problemas. Por outras
palavras, Kuhn recusa que a escolha entre paradigmas possa ser feita por processos
estritamente racionais, como os adotados no método indutivo e no método falsificacionista.
E embora ele realce o papel da argumentação (para, por exemplo, saber se a nova teoria pode
resolver os problemas que levaram a antiga teoria à crise, se é mais precisa que a antiga ou
se prediz fenómenos que a antiga teoria foi incapaz de prever) e afirme que os cientistas
podem ser persuadidos por seu intermédio, também afirma que os cientistas escolhem os
paradigmas com base em fatores não-lógicos (estéticos e psicológicos), como a elegância, a
adequação ou a simplicidade, que diferentes cientistas valorizam de forma diferente.
Embora Popper e Kuhn usem nas suas teorias uma linguagem diferente, ambos afirmam
que elas têm muitos pontos em comum. Por exemplo, ambos dão grande importância às
revoluções científicas e à substituição das teorias por outras.
Para Popper, a prática científica, que corresponde à aplicação do método falsificacionista,
garante ao mesmo tempo o progresso e a objetividade da ciência. A substituição de uma
teoria refutada por outra constitui um progresso porque esta é objetivamente — devido ao
uso de padrões lógicos — uma melhor aproximação à verdade do que a outra. Mas, para
Kuhn, não há padrões independentes e objetivos que permitam comparar os paradigmas rivais
e determinar qual é, de acordo com esses padrões, o melhor. Por esse motivo, as teorias
científicas não são objetivas e, em rigor, não podemos falar de progresso da ciência.