As induções (generalizações e previsões), os argumentos por
analogia e os argumentos de autoridade são argumentos não-dedutivos.
“Outro importante estilo não-dedutivo de argumentação é
conhecido como inferência a favor da melhor explicação. Com este tipo de argumento ponderamos a plausibilidade de uma hipótese em função do tipo de explicação que oferece. A melhor hipótese é aquela que explica mais. Assim, por exemplo, se chego a casa e encontro entranhas de rato na cozinha e o meu gato a dormir profundamente com um ar muito satisfeito no preciso momento em que habitualmente pede para ser alimentado, a melhor explicação do que aconteceu na minha ausência é que o meu gato apanhou e comeu um rato e depois pôs-se a dormir uma sesta.
Mas há outras possíveis explicações para o que sucedeu. Por
exemplo, outro gato pode ter entrado através da gateira e ter deixado as entranhas do rato no chão da cozinha. Ou talvez a minha mulher, tentado confundir-me, tenha matado e desmembrado um rato deixando-o ali para incriminar o gato. A minha conclusão de que foi o meu gato que matou e comeu o rato é, contudo, a mais plausível em circunstâncias como estas. Isso é assim porque, enquanto as hipóteses alternativas conseguem explicar as entranhas, não explicam a razão por que o gato parece tão satisfeito. Este tipo de raciocínio é muito importante na ciência e no quotidiano. Mas, como mostram os exemplos anteriores, não é completamente fiável. Há sempre outras possíveis explicações dos mesmos factos [embora menos prováveis, atendendo às várias circunstâncias envolvidas]. A minha mulher podia ter incriminado o gato, tendo escolhido precisamente um dia em que o gato estivesse particularmente inativo de modo a que ele dormisse durante a hora habitual da refeição. A conclusão da inferência a favor da melhor explicação não se segue, então, inevitavelmente das premissas, ao contrário do que sucede com um argumento dedutivo válido.
As inferências a favor da melhor explicação carecem da
fiabilidade dos argumentos dedutivos. Isto não deve ser interpretado como uma crítica à inferência a favor da melhor explicação. Usamos este estilo de raciocínio precisamente nas circunstâncias em que a dedução é impossível: quando, por exemplo, tentamos compreender a causa ou explicação de algo e há mais do que uma perspectiva possível acerca de como as coisas acabaram por ser o que são.”
- Objeção do homúnculo:
Através do Argumento da Mesa, Hume demonstrou que aquilo que
está presente na nossa mente não são os objetos reais do mundo exterior, mas sim uma imagem ou representação mental dos mesmos. Esta imagem do funcionamento da mente parece implicar que somos homúnculos (pessoas minúsculas) fechados numa espécie de cinema privado no interior das nossas mentes, onde nos são apresentadas imagens ou representações dos objetos do mundo exterior aos quais não temos qualquer tipo de acesso direto. Mas esta imagem do funcionamento da mente levanta os mesmos problemas que os colocados a propósito da nossa relação com o mundo exterior. Se a natureza da explicação se mantiver inalterada, acabaremos por supor a existência de outro homúnculo dentro da mente do primeiro e assim sucessivamente, caindo numa regressão infinita de homúnculos, que aparentemente deixa por explicar o processo de interação entre a mente e o mundo.
–Objeção à Imagem da Mente como Tábua
Rasa:
No século XX, o filósofo americano Jerry Fodor propôs um
argumento que põe em causa a crença partilhada pelos empiristas de que, à nascença, a nossa mente é como uma tábua rasa (ou folha em branco). Fodor considera que:
“Aprender uma Língua (incluindo, é claro, uma primeira Língua)
implica aprender o que os predicados dessa linguagem significam. Aprender o que os predicados de uma linguagem significam implica uma determinação da sua extensão. Aprender a determinação da extensão de predicados implica aprender que determinadas regras se lhes aplicam (…). Mas não podemos aprender que R se aplica a P a menos que tenhamos uma Língua em que P e R possam ser representados. Portanto, não podemos aprender uma Língua a menos que já tenhamos uma Língua.”
Jerry Fodor (1976), The Language of Thought. Trad. Luís
Veríssimo. Hassocks, Sussex: Harvester Press, pp. 63-64
Assim, uma vez que à nascença somos capazes de aprender uma
Língua e qualquer processo de aprendizagem de uma Língua pressupõe algum conhecimento linguístico, Fodor acredita ter demonstrado a existência de conhecimento linguístico inato.
Explicitamente formulado, o argumento diz-nos o seguinte:
- (1) Para aprender uma Língua temos de aprender regras.
- (2) Para aprender regras temos de ser capazes de as representar. - (3) Para aprender uma Língua temos de ser capazes de representar regras. (De 1 e 2) - (4) Para poder representar regras temos de ter algum conhecimento linguístico. - (5) Para aprender uma Língua temos de ter algum conhecimento linguístico. (De 3 e 4) - (6) Quando nascemos temos a capacidade de aprender uma Língua. - (7) Se quando nascemos temos a capacidade de aprender uma Língua e para aprender uma Língua temos de ter algum conhecimento linguístico, então existe conhecimento linguístico inato. - (8) Logo, existe conhecimento linguístico inato. (De 5 a 7).
Se encararmos este conhecimento inato do funcionamento
da língua como genuíno conhecimento acerca do mundo, teremos de abandonar a ideia de que, à nascença, a mente é uma tábua rasa (ou folha em branco).
– O contraexemplo do matiz de azul
desconhecido:
A que iremos considerar é um contraexemplo ao Princípio da
Cópia apresentado pelo próprio Hume, após ter formulado o argumento do cego de nascença.
“Suponhamos (…) que uma pessoa foi dotada de visão
durante trinta anos e se familiarizou perfeitamente com cores de todos os tipos, com exceção, digamos, de um determinado matiz de azul, com o qual nunca se calhou de se deparar. Suponhamos que todos os diferentes matizes dessa cor, com exceção daquele único, sejam colocados perante essa pessoa, descendo gradualmente do mais escuro para o mais claro. É óbvio que ela perceberá um vazio no lugar onde falta aquele matiz, e perceberá que nesse lugar há uma distância entre as cores contíguas maior do que em qualquer outra.
Assim, a minha pergunta é se lhe seria possível, a partir da
sua própria imaginação, suprir essa deficiência e trazer à sua mente a ideia daquele matiz em particular, apesar de este nunca lhe ter sido transmitido pelos sentidos. Acredito que poucos serão de opinião de que tal não lhe seja possível, o que pode servir como prova de que as ideias simples nem sempre são, em todos os casos, derivadas das impressões correspondentes, embora este exemplo seja tão singular que quase não vale a pena assinalá-lo, e tampouco merece que, apenas por sua causa, devemos modificar a nossa tese geral.”
David Hume (1748), Investigação sobre o Entendimento
Humano. Trad. João Paulo Monteiro. Lisboa: INCM, 2002, pp. 36-37.
Assim, embora Hume acreditasse que a maioria de nós
estaria tentada a afirmar que, nestas circunstâncias, a pessoa seria capaz de imaginar o matiz de azul em falta, mesmo na ausência da impressão correspondente, desvaloriza o contraexemplo por considerá-lo uma situação demasiado invulgar para que realmente possa pôr em causa o Princípio da Cópia.